Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

Reflexões sobre as primeiras organizações patronais rurais no estado do Pará

Aluisio Fernandes da Silva Júnior 1

Este texto apresenta, de forma exploratória e descritiva, as primeiras organiza- ções patronais rurais do estado do Pará a partir de levantamentos realizados na Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Pará - Faepa. Em função das dificuldades encontradas visando à elaboração de um pensamento cronológico, congruente e fidedigno, outras fontes de pesquisas foram consultadas. A evolu- ção e a expansão dessas organizações constituem elementos importantes para a compreensão da atual configuração espacial desta entidade, bem como propor- cionam o entendimento da complicada rede de relações que envolvem diferentes personagens presentes no espaço rural paraense através das mudanças que ge- raram contradições, conflitos e violências.

Organizações Patronais Rurais; Evolução e Expansão das Organizações Patro- nais; Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Pará - Faepa.

1 Bacharel e Licenciado Pleno em Geografia pela Universidade Federal do Pará/UFPA (2000). Licenciado Pleno em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará/Uepa (1996). Especialista em Educação Ambiental/Profima VI/NUMA/UFPA (2001). Mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável/MAFDS/NEAF/CA/UFPA (2008). Doutorando em Estudios Sociales Agrários/Universidad Nacional de Córdo- ba/Argentina/Centro de Estudios Avanzados/CEA/UNC. Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Classe D, Ref/Pad/Nível 301) da Escola de Aplicação da UFPA. Endereço eletrônico: [email protected].

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As primeiras organizações patronais rurais do estado do Pará

Na região Norte do Brasil, desde tempos coloniais, a Ilha de Marajó des- tacou-se por apresentar grandes proprietários de terras, como Antônio de Sousa Macedo, Secretário de Estado do rei D. Afonso VI, que recebeu a capitania por doação de juros e herdade. O sucessor de Antônio de Sousa Macedo foi seu filho, Luís Gonçalo de Sousa Macedo, considerado o 1. º barão da Ilha Grande de Joanes, em 1754. Sucedeu a este, na do- nataria 2 e no título de barão, seu filho Antônio de Sousa Macedo, 2. º barão da Ilha Grande de Joanes, que foi substituído pelo filho Luís de Sousa Macedo, considerado o 3.º e último barão da Ilha Grande de Joa- nes, conservando a estrutura familiar e fundiária de possessão da ilha (TEIXEIRA, 1953 p. 34). O Decreto de 29 de abril de 1754, que extinguiu a donataria e reuniu a capitania aos bens da Coroa e Fazenda Real, criou o cargo de inspetor geral da Ilha, nomeando em 1757, Florentino da Silveira Frade. No sé- culo seguinte, de acordo com Teixeira (1953, p. 38), em meados de 1825, o número de fazendas na costa norte correspondia a 56 e nos campos 92, destacando-se como proprietários instituições religiosas, como as ordens dos mercedários e jesuítas, e cidadãos de famílias ilustres da Ilha, con- siderados fazendeiros. A indústria pastoril crescia e concomitante a este crescimento o furto de gado, situação que proporcionou, entre outras medidas, a criação de grandes sindicatos e poderosas milícias privadas, lideradas por fazendeiros, com destaque para a Associação de Fazendei- ros de Marajó, de Muaná e Cachoeira do Arari (TEIXEIRA, 1953, p. 34). O Quadro 1 e a Figura 1 destacam os municípios e os principais fazen- deiros da Ilha de Marajó, com registro de presença do Syndicato Indus- trial e Agrícola Paraense em 1908, responsáveis por 405.431 reses bovi- nas. Em virtude de não termos acesso às informações referentes à área apre- sentada, no Quadro 1 estabeleceu-se uma estimativa de 1U.A/5 ha/ano

2 No texto entendemos como um sistema administrativo aplicado às terras possuídas pela Coroa Portuguesa além-mar, utilizado pelo rei para delegar os seus poderes, com certas restrições, a pessoas de sua inteira confiança.

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com relação à capacidade de suporte das pastagens, através da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Amazônia Oriental, sob orientação do Engenheiro Agrônomo Guilherme Calandrini de Azevedo. De acordo com o pesquisador, a estimativa levou em consideração o pe- ríodo apresentado no quadro (1908), a pastagem nativa do Arquipélago e o deslocamento do gado. O pesquisador frisou que com a utilização de tecnologia recomendada para um período mais recente do que o quadro faz referência, na década de 1970 houve um aumento da taxa de fertilidade, redução da mortali- dade do rebanho, obtenção de novilhos para abate com 350 kg aos três anos e meio de idade e aumento da capacidade de suporte das pastagens nativas para 1U.A/2,5 há/ano. Atualmente (2008) o aumento da produ- ção por área tem sido substancial, podendo ultrapassar 800 kg peso vi- vo/ha/ano, em função do clima, da forrageira utilizada e da fertilidade do solo. Esta última estimativa atende outras áreas do estado do Pará. O fato é que, em estimativa baseada na relação entre efetivo bovino e área, as fazendas ocupavam mais de dois milhões de hectares, o que é demonstração cabal do domínio territorial dos criadores de bovinos da Ilha de Marajó.

Quadro 1 - Proprietários Rurais da Ilha de Marajó, 1908. Estimativa Reses N.º de Proprietário Rural Município de Área em Bovinas Fazendas Ha Manuel Emídio Marques Muaná 13140 58 65700 Simão Ferreira Monteiro Muaná Rodrigo Lopes de Azevedo Muaná João Câncio da Silva Brito Muaná Joaquim Pereira Boulhosa 9173 33 45865 Leonardo Lobato Tavares Ponta de Pedras Henrique Lobato Ponta de Pedras Bento Lobato de Miranda Cachoeira do Arari 162572 116 812860 Vicente José de Miranda Cachoeira do Arari José Maria da Cunha Cachoeira do Arari Manuel Lobato Cachoeira do Arari Raimundo Bezerra da Rocha Morais Soure 101050 64 505250

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Artur Bezerra da Rocha Morais Soure Antonino da Cunha Mendes Soure Francisco de Paula Mendes Chaves 112021 55 560105 Manuel Rui Sêco Chaves Carlos Hesketh Chaves Antônio de Sousa Baraúna Afuá 7475 22 37395 Francisco Antônio de Resende Anajás Vicente Ferreira Brito Anajás

TOTAL 405431 348 2027175 Fonte: TEIXEIRA, 1953. Elaborado por AFSJ. Colaboração de Guilherme Calandrini de Azevedo para os dados de área.

Figura 1 - Principais municípios da Ilha de Marajó com registro de presença do Syndicato Industrial e Agrícola Paraense - 1908.

LEGENDA PRINCIPAIS MUNICÍPIOS DA ILHA DO MARAJÓ Municípios da Ilha do Marajó w60° 58° 56° 54° 52° 50° 48° w46° com presença de Sindicato

SURINAME GUIANA Industrial Agrícola FRANCESA N GUIANA Paraense em 1908 ° n 2 INGLESA 0 0 2 n ° 01- Anajas

Oceano Atlântico 02- Afuá 03 03- Chaves

° 02 0 04- Cachoeira do Arari 0 07 ° 05- Muaná 06- Ponta de pedras 04 07- Soure ° 01 s 2 0 0 06 2 s 05 ° Limite da Mesorregião do Marajó

CONVENÇÕES 0 ° AMAZONAS 4 4 ° Limites municipais paraenses PARÁ Limites estaduais brasileiros MARANHÃO 0 ° 6 Situação na América do Sul 6 °

Oceano Atlântico

0 Pacífico PARÁ ° 8 8 °

BRASIL Oceano Atlântico

Oceano Pacífico ° 1s 0 200km 0 200km 0 s1 °

w60° 58° 56° 54° 52° 50° 48° w46° Oceano Atlântico

FONTE: Bases cartográficas IBGE/SECTAM/ITERPA/DATA:MAR-2008 LAYOUT: Danny Sousa (CREA-PA 12.219-D/[email protected])

Fonte: Base Cartográfica do IBGE (2007), dados da Faepa (2004). Elaborada por AFSJ e DSS.

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Durante o período mencionado as atividades pastoris eram desencadea- das com maior frequência no Arquipélago Marajoara e em algumas á- reas do Baixo Amazonas, devido às condições físicas e climáticas da re- gião propícias à criação de gado e à privilegiada posição geográfica ao tipo de transporte utilizado (embarcações de vapor e de velas), que pro- porcionavam a condução de gado, legal e ilegal, em pé e charqueado. A falta de linhas rodoviárias e ferroviárias dificultava o acesso a outras regiões do estado. Os povoados, vilas e núcleos populacionais estavam às margens dos rios, fator importante para destacar a supremacia dos mei- os de transportes aquáticos utilizados nestas regiões. Outro fator deter- minante voltou-se para a organização da estrutura fundiária, sendo o fazendeiro personagem central deste processo. A partir de 1905, no governo de Augusto Montenegro (1901-1909) a oli- garquia do Arquipélago de Marajó, através do Senador José Ferreira Teixeira, funda e preside o Syndicato Industrial e Agrícola Paraense . Merece atenção o fato de a fundação desta organização ocorrer no auge da exploração da borracha ( Hevea brasiliensis Willd. ex Adr. de Juss), quando a Amazônia representava importante contribuição à economia nacional por uma atividade que associava a exploração extrativa na flo- resta à transformação industrial mais avançada em termos de sofistica- ção tecnológica. O caráter extrativo da Hevea não aparece representado no nome do sindicato que se pretende primeiro industrial e depois agrí- cola. É o caráter de indústria, que ocorre no beneficiamento da Hevea , que toma relevo, demonstrando a preocupação com a representação de modernidade que a atividade agropecuária pode assumir. Ao assumir o cargo de Senador, José Ferreira Teixeira beneficiou a indústria agrope- cuária, com a realização de congressos de fazendeiros, cujos trabalhos resumidos em conclusões foram publicados pela revista A Lavoura Pa- raense (1907), boletim da Diretoria de Agricultura do Estado. Essas conclusões traziam resultados para estimular e orientar a indús- tria pecuária paraense. No que se refere à atividade agropecuária, o Se- nador José Ferreira Teixeira defendeu a criação de três campos experi- mentais agrícolas, no Baixo Amazonas, no Marajó e no Tocantins, em que promoveu o fomento, organização e regulação da produção do algo- dão no Pará; estimulou a criação de posto de seleção de gado nacional “crioulo”; envolveu-se na organização do serviço de defesa sanitária a-

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nimal do Pará; promoveu a concessão de terras devolutas a quem se o- brigasse a instalar e manter fazendas de criação na Guiana Brasileira; engajou-se na organização e instalação de indústrias de aproveitamento de sementes oleaginosas; auxiliou o sindicato agropecuário de Soure- Marajó para instalação de um posto zootécnico; instalou uma escola do- méstica para formação de “donas de casa”; proporcionou a criação de um patronato agrícola; entre outros serviços que beneficiavam os grandes proprietários de terras. Aumentou a confiança dos capitalistas na indús- tria de criação e novos elementos conquistaram a pecuária marajoara e de outras zonas do Pará (TEIXEIRA, 1953, p. VIII).

Expansão da pecuária e a inserção de novos municípios no Syndicato Industrial e Agrícola Paraense

O Syndicato Industrial e Agrícola Paraense promoveu a propaganda da agropecuária no estado, resultando na criação dos Sindicatos Agrícolas de Ourém, , , Cametá, Maracanã e Bragança. Em 1907, o Syndicato reuniu o Congresso dos Fazendeiros do Pará, cujas conclusões serviram de orientação para intervenções na pecuária do es- tado. Este sindicato fundou a Estação Experimental de Igarapé-Açú e estimulou a criação da Secção de Agricultura do Estado do Pará, propor- cionando a expansão significativa desta atividade que, a priori , estava voltada para o Arquipélago Marajoara. A Figura 2 indica os municípios associados ao Syndicato Industrial e Agrícola Paraense , em 1905, desta- cando no início deste século a expansão da atividade pastoril, outrora situada no Arquipélago Marajoara, agora em direção ao Nordeste Para- ense e ao Baixo Tocantins (TEIXEIRA, 1953, p. 43-44). A expansão não estagnou a produção de gado no Arquipélago Marajoara, mas dinamizou esta atividade em outras regiões do estado. O Nordeste Paraense, assim como a Amazônia em geral, ganhou relevância devido à produção de látex, matéria-prima utilizada em função do processo de vulcanização que ocorrera nos Estados Unidos e na Inglaterra em 1839. Os países citados passaram a industrializar produtos derivados da bor- racha, como os pneus dos automóveis e bicicletas e outros acessórios importantes para a montagem desses bens, proporcionando a construção

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da estrada de ferro Belém-Bragança, concluída no governo de Augusto Montenegro (1901-1909), sendo implantados vários núcleos ao longo da mesma.

Figura 2 - Municípios associados ao Syndicato Industrial e Agrícola Paraense em 1905.

MUNICÍPIOS ASSOCIADOS AO LEGENDA SYNDICATO INDUSTRIAL E AGRÍCOLA PARAENSE EM 1905

w60° 58° 56° 54° 52° 50° 48° w46° Relação dos municípios

SURINAME GUIANA FRANCESA N 01- Abatetuba ° GUIANA n 2 0 0 INGLESA 2 n ° 02- Bragança

Oceano Atlântico 03- Cametá 04- Irituia 0 ° ° 0 05 05- Maracanã 02 06- Ourém

01 s ° 0 2 2 Limite da Mesorregião 0 ° s 06 Nordeste Paraense 04 03 CONVENÇÕES 0 ° 4 4 AMAZONAS ° Limites municipais paraenses PARÁ Limites estaduais brasileiros MARANHÃO 0 ° 6 Situação na América do Sul 6 °

Oceano Atlântico

0 Pacífico PARÁ ° 8 8 °

BRASIL Oceano Atlântico

Oceano Pacífico ° 1s 0 200km 0 200km 0 s1 °

w60° 58° 56° 54° 52° 50° 48° w46° Oceano Atlântico

FONTE: Bases cartográficas IBGE/SECTAM/ITERPA/DATA:MAR-2008 LAYOUT: Danny Sousa (CREA-PA 12.219-D/[email protected])

Fonte: Teixeira, 1953. Elaborada por AFSJ e DSS.

Desta forma, a substituição do barco pela locomotiva modificou a dinâ- mica de ocupação do Nordeste Paraense, transferindo milhares de pes- soas brasileiras e estrangeiras para esta região. A crise do comércio da borracha acelerou o processo de ocupação. As atividades secundárias à extração da borracha desenvolvidas pelos seringueiros passam a atuar como atividades principais, com destaque para a agricultura, utilizada por meio do sistema de corte-e-queima que, segundo Ludovino (2002), citado por Veiga et al (2004, p. 39), a maioria das propriedades tem me- nos de 50 hectares, ou seja, predominando a agricultura familiar. A par- tir dos anos 1930, a construção de rodovias locais facilitou a integração

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entre esta região e Belém, além das rodovias federais BR 010 (Belém- Brasília) e BR 316 (Pará-Maranhão) em meados de 1959 (ver a Figura 5), impulsionando o fluxo migratório na região pela segunda vez. Os fa- zendeiros do Arquipélago de Marajó e de outras regiões do estado opta- ram pelo Nordeste Paraense, devido à facilidade de escoamento do gado e sua distribuição nas redes de açougues em Belém, aumentando a con- centração fundiária e a sindicalização dos municípios do Nordeste Para- ense (VEIGA et al , 2004, p. 41). A relação entre a patronagem rural e o Estado foi fortalecida desde o início do século XX, na República Velha, como demonstra A Lavoura Paraense, publicada mensalmente e editada durante cinco anos, entre 1907 e 1912. Os técnicos e produtores rurais manifestavam interesses enquanto categorias profissionais, geralmente vinculadas a órgão públi- co. Organizavam-se em prol de seus interesses, ou seja, uma preocupa- ção pelo aumento da produtividade incorporando novas tecnologias, e- lemento importante para aproximar as referidas categorias em nível nacional e internacional através das representações de maquinários a- grícolas e sementes selecionadas originárias de outros estados ou países. Desta forma, a Figura 3 e o Quadro 2 ressaltam a difusão de tecnologias, com a fundação de sedes municipais via Syndicato Industrial e Agrícola Paraense , aumentando a sua representatividade no estado. A aquisição de arados, arames e sementes além da compra de uma usina de descaro- çar e enfardar algodão, representa a utilização de novas tecnologias no estado, descentralizando as atividades agropastoris desenvolvidas na Ilha de Marajó (GUERRA, 1999, p.3,4). Se as preocupações com melhorias tecnológicas são evidenciadas pelas matérias produzidas e publicadas em A Lavoura Paraense (1912) e na Revista Comercial do Pará (1918), não existem indicadores de transfor- mações sociais importantes, demonstrando o crescimento do assalaria- mento e respeito às leis trabalhistas no campo. A oligarquia absorve tecnologia, mas não há indicativo de mudanças nas situações de domi- nação.

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Foto 1 - Projeto geral do posto Zootechnico, Soure/Marajó, 1918.

Fonte : Revista Comercial do Pará (1918).

Figura 3 - Difusão de tecnologias nas sedes municipais vinculadas ao Syndicato Industrial e Agrícola Paraense , 1908.

DIFUSÃO DE TECNOLOGIAS NAS SEDES MUNICÍPIOS ASSOCIADOS AO LEGENDA SINDICATO AGRÍCOLA E INDUSTRIAL PARAENSE EM 1908 Relação dos municípios w60° 58° 56° 54° 52° 50° 48° w46° FRANCESA 01- Abatetuba GUIANA INGLESA N n 02- Curuça ° 0 02 2 n ° 03- Irituia Oceano Atlântico 04- Ourém 05- Santarém 06- Muaná 02 ° 0 0 07 ° 07- Monte Alegre 06 Limite da Mesorregião do Marajó 04 ° 0s Limite da Mesorregião 2 2 0 03 ° Baixo-Amazonas s 01 Limite da Mesorregião Nordeste Paraense 05

0 ° 4 CONVENÇÕES 4 ° PARÁ Limites municipais paraenses Limites estaduais brasileiros

0 ° 6 Situação na América do Sul 6 °

Oceano Atlântico

0 Pacífico PARÁ ° 8 8 °

BRASIL Oceano Atlântico

Oceano Pacífico s ° 200km 0 200km 1 0 0 s1 °

w60° 58° 56° 54° 52° 50° 48° w46° Oceano Atlântico

FONTE: Bases c artográficas IBGE/SECTAM/ITERPA/DATA:MAR-2008 LAYOUT: Danny Sousa (CREA-PA 12.219-D/[email protected])

Fonte: Base cartográfica do IBGE (2007). Dados de Guerra (1999). Elaborado por AFSJ e DSS.

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Quadro 2 - Difusão de tecnologias no Estado do Pará, no período de junho de 1908 a maio de 1909. Local Tipos de Tecnologias Ourém Aquisição de arados Irituia Aquisição de arados Abaeté Aquisição de arados e sementes Muaná Aquisição de arados e sementes Monte Alegre Usina de descaroçar e enfardar algodão Santarém Usina de descaroçar e enfardar algodão Curuçá Aquisição de sementes Marajó Arames e materiais para construção de cercas Fonte: Guerra (1999). Elaborado por AFSJ.

Durante o período referente a 1910-1930, em que ocorreu intenso processo de descentralização da pecuária no estado, os municípios da Ilha de Marajó mantiveram sua produção e receberam incentivos do governo, através da ação parlamentar do Senador José Ferreira Teixeira em dois mandatos compreendidos entre os períodos de 1913-1930. Nascido em 22 de julho de 1865 no Município de Muaná, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Recife (PE) em 1889 tornou-se este senador representante dos interesses dos pecuaristas no estado e no país. Durante sua vida pública assumiu vários cargos como já citamos anteriormente quando nos referimos ao Syndicato Agrícola e Industrial Paraense , com destaque para o projeto do Posto Zootechnico do Syndicato Agro-Pecuário Soure-Marajó (1918) (ver Foto 01) e campos anexos de demonstrações e experiências de agricultura, voltado para a construção da primeira escola prática de agricultura mecânica, criação racional e leiteira do estado do Pará. Esta benemérita associação se propôs a criar postos de monta em todos os municípios que a auxiliassem com cessão de 30 hectares de terras e certo número de sócios (REVISTA COMERCIAL DO PARÁ, 1918). A economia do período era sustentada basicamente pela produção da borracha ( Hevea brasiliensis Willd. ex Adr. de Juss ), castanha-do-pará (Bertholletia excelsa H. B e K) e cacau ( Theobroma cacao L). Entretanto, a partir de 1920 a abrupta queda dos preços da borracha no mercado internacional proporcionou em 1921 que a castanha-do-pará passasse à frente da borracha como produto de exportação mais valioso do Pará. Para Weinstein (1993, p. 289):

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O Estado do Pará, e a Amazônia como um todo, não sofreu qualquer transformação social ou econômica fundamental em consequência da expansão da borracha. A região saiu da era da borracha ainda por um sistema de produção que se assemelhava muito aos modelos coloniais de exploração econômica e por um conjunto hierárquico de relações sociais, que de modo algum representava um distanciamento significativo da estrutura de classe tradicional. Contudo, a ausência de uma “grande transformação” não nos deve levar ao equívoco de crer que não haja ocorrido mudança alguma de importância duradoura no correr do período de sessenta anos, durante os quais a borracha foi o principal produto de exportação da Amazônia. Em primeiro lugar, mudou-se sensivelmente a composição da própria elite, embora não drasticamente. Fora os pecuaristas de Marajó e do baixo Amazonas e de um punhado de produtores de cana-de-açúcar nas proximidades da capital, a classe alta do Pará voltou- se predominantemente para atividade mercantil. Quer fossem importadores, exportadores, varejistas ou pequenos industriais com interesses comerciais paralelos, os cidadãos mais ricos do Pará, quase sem exceção, antes obtinham sua riqueza do comércio do que da terra. Até mesmo os mais destacados pecuaristas participavam amplamente do mercado de carne e de outros produtos, em vez de apenas criarem gado.

No que diz respeito ao reconhecimento e apoio governamental aos pecuaristas durante o período mencionado não era equivalente aos problemas financeiros e ecológicos herdados pela queda da borracha e que precisavam ser sanados. Os problemas mencionados vão desde a falta de recursos financeiros por parte dos seringalistas até as péssimas condições de acesso aos seringais e a ausência de um plantio racional. Desta forma, houve incentivo maior do governo para este ramo da economia. A pecuária só receberia financiamento governamental caso houvesse uma “fazenda modelo” e/ou pela criação de a uma linha de navegação entre Marajó e Belém, como cita Weinstein (1993, p. 285).

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Desta maneira, o governo abandonou de vez os criadores a seus próprios recursos. Este fato proporcionou, em 1923, a grave escassez da carne bovina em Belém (WEINSTEIN, 1993, p. 285). Embora a produção e comercialização da carne no estado não se aproximasse dos lucros advindos do negócio da borracha, a pecuária se firmou como fonte de renda segura e os pecuaristas de Marajó prosperaram graças à inflação do preço da carne, servindo de fonte de empréstimos para socorrer os envolvidos com a produção da borracha já em baixa. Entre os pecuaristas tradicionais de Marajó, Weinstein (1993 p. 285) cita as famílias tradicionais dos Lobato, dos Pombo e dos Bezerra. Durante o período descrito a produção e comercialização da borracha, da castanha-do-pará, do cacau e da pecuária, ou seja, a economia local esteve centralizada nas mãos das famílias tradicionais denominadas oligarquias, regime político ou forma de dominação de qualquer tipo, no qual o poder está nas mãos de um grupo pequeno de pessoas que dele se apossaram, sendo exercido apenas por elementos desse grupo. Do ponto de vista puramente formal, as oligarquias distinguem-se da democracia e monarquia (SANDRONI, 2001), sendo substituídas paulatinamente a partir dos anos de 1930 por outra categoria político-social denominada patronato, formada por empresários, produtores rurais, ruralistas, fazendeiros, pessoas físicas ou jurídicas com extensões de terras superiores a três módulos rurais, empregadores de mão de obra assalariada, cultivos e criações especializadas voltados para o mercado exterior. Até os anos de 1930 as famílias tradicionais, grupos familiares, que se denominou de oligarquia, eram os grandes detentores de terras na região (EMMI, 1999). A partir de 1940, o patronato rural era representado pelas Cooperativas Agrícolas e a Associação dos Seringalistas da Amazônia, envolvidos na reativação da produção da borracha na Amazônia durante a Segunda Guerra Mundial em função dos denominados acordos de Washington. De acordo com Petit (2003, p. 62) em março de 1942, os governos dos EUA, Grã-Bretanha e Brasil assinaram diferentes tratados de cooperação militar e econômica, que ficaram conhecidos como os Acordos de Washington. Num desses tratados, estabelecia-se a importância de incentivar a produção de borracha na Amazônia brasileira para suprir

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às necessidades civis e militares desse produto dos Países Aliados que tinham perdido, para o Japão, o controle dos seringais asiáticos. A formação de cooperativas se realiza com apoio do Serviço de Assistência ao Cooperativismo - SAC, órgão do Departamento da Agricultura do Estado do Pará, dirigido respectivamente pelo agrônomo Luiz Fernando Ribeiro 3 e pelo seringalista José Manoel Ferreira Reis, este último presidente da Associação dos Seringalistas da Amazônia. Dentre as cooperativas criadas durante este período, as mais importantes foram a Sociedade Cooperativa da Pecuária do Pará - Socipe (1932) e as cooperativas agrícolas da Região Bragantina e do Baixo Amazonas (FERNANDES, 1999 p. 85-86). Durante o Estado Novo (1937-1945), o país passou por um reordenamento econômico e político, proporcionando um projeto de desenvolvimento, pautado no desenvolvimento urbano-industrial, através da Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia - SPVEA, com o objetivo de integração econômica da região ao restante do país. Os produtores rurais não satisfeitos com o novo modelo estabeleceram diretriz voltada para mobilizar seus representantes, criando novas organizações de proprietários rurais, abrindo novas fronteiras no sul e sudeste do estado do Pará. De acordo com Fernandes (1999, p. 87), o Quadro 3 retrata as associações rurais do estado do Pará em 1950 e a Figura 4 demonstra a distribuição espacial das associações rurais paraenses, no período de 1951 a 1954, destacando-se o Município de Marabá como nova fronteira, no sudeste do estado.

Quadro 3 Associações rurais do Estado do Pará na década de 1950. Nome da Entidade Data da Fundação Associação Rural de Ananindeua 1/4/1951 Associação Rural de Igarapé – Açu 24/5/1951 Associação Rural de Marabá 17/7/1951 Associação Rural de Vigia 2/3/1952 Associação Rural de São Caetano de Odivelas 14/3/1952 Associação Rural de Curuçá 24/5/1954 Fonte: FERNANDES, 1999.

3 Diretor-Presidente da Cooperativa Central de Créditos, Diretor geral do Departamento de Agricultura do Estado do Pará na década de 1940. Consultar Fernandes (1999).

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Figura 4 - Distribuição espacial das associações rurais do Estado do Pará, 1951 a 1954.

LEGENDA PRIMEIRAS ASSOCIAÇÕES RURAIS 1951-1954 Relação dos municípios

w60° 58° 56° 54° 52° 50° 48° w46° 01- Ananindeua SURINAME GUIANA FRANCESA N 02- Curuça ° GUIANA n 2 0 0 INGLESA 2 03- Igarape Açu n ° 04- Sao Caetano de Odivelas Oceano Atlântico 05- Marabá 06- Vigia 0 ° 04 ° 0 06 02 Limite da Mesorregião Metropolitana 03 01 Limite da Mesorregião Nordeste Paraense ° s 2 0 Limite da Mesorregião 0 2 s ° Sudeste Paraense

0 CONVENÇÕES 4 ° AMAZONAS ° 4 Limites municipais paraenses 05 PARÁ Limites estaduais brasileiros MARANHÃO

0 ° 6 Situação na América do Sul 6 °

Oceano Atlântico

PARÁ

0 Pacífico ° 8 8 °

BRASIL Oceano Atlântico

Oceano Pacífico s 0° 200km 0 200km 1 1 0 s °

w60° 58° 56° 54° 52° 50° 48° w46° Oceano Atlântico

FONTE: Bases cartográficas IBGE/SECTAM/ITERPA/DATA:MAR-2008 LAYOUT: Danny Sousa (CREA-PA 12.219-D/[email protected])

Fonte: FERNANDES, 1999. Elaborada por AFSJ e DSS.

A razão central da formação das entidades do setor rural não era a defe- sa da estrutura agrária, mas sim a necessidade desses grupos interferi- rem no processo econômico que se estruturava, em novas bases naquele momento, para a região, alavancado pelo Plano de Valorização da Ama- zônia. A organização política representada pelas associações municipais do nordeste do estado e pelas organizações provenientes de Marajó não correspondia aos interesses da categoria patronal localizada em outras áreas de atuação, como o sul e sudeste do estado. Em 1964, sob comando dos militares, alteram-se as normas que regiam as organizações classistas no Brasil. Em decorrência disso, as Associa- ções Rurais Municipais se transformam em Sindicatos e a Federação das Associações Rurais assume a denominação de Federação da Agricultura do Estado do Pará. Em 25 de maio de 1968, o patronato rural de Para- gominas, Sul do Pará e Vale do Araguaia, consideradas novas fronteiras, cria a Associação dos Empresários Agropecuários da Amazônia, com

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sede em São Paulo, funcionando como uma espécie de interlocutora pri- vilegiada dos interesses dos empresários frente às instâncias estatais (FERNANDES, 1993 p. 117-118). A abertura da Belém-Brasília, em 1959, abre perspectivas de territorialização no estado do Pará, configu- rando novas áreas de fronteiras. é expressão desse proces- so, significando área de intensa exploração madeireira, depois pecuária, com enormes conflitos entre levas de migrantes predominantemente do Pará, Goiás e Minas Gerais, cujas iniciais permitiram a construção a- cróstica do nome do município. A substituição das atividades pastoris desencadeadas no Nordeste Para- ense para as áreas consideradas novas fronteiras ocorre, de fato, entre 1951 e 1954, quando Getulio Vargas reassumiu o governo, estruturando o Plano de Valorização Econômica da Amazônia, através da Superinten- dência do Plano de Valorização da Amazônia - SPVEA, pautado em um programa do Governo Federal voltado para impulsionar a industrializa- ção no país. A década de 1960 ocasiona grandes retrocessos à luta dos camponeses, que veem na ascensão do regime militar seu sonho frustra- do, em detrimento de uma política econômica voltada para incentivos e políticas de mercado, políticas creditícias de juros baixos, política de o- cupação do território nacional, com acesso fácil à terra, política fiscal que contemplou proprietários inadimplentes. Todas as medidas acima beneficiaram grandes proprietários de terras ligados ao setor industrial de outras regiões do país, que adquiriram grandes extensões de terras no estado do Pará. Na década seguinte os projetos de infraestrutura di- namizaram a economia da região, facilitando a entrada e saída de pro- dutos pelas rodovias PA-150, Transamazônica (BR-230), BR-158 (trecho Mato Grosso - Pará), Belém - Brasília (BR-010) e uma rede de estradas secundárias (ver Figura 5). Segundo Emmi (1999, p. 17), durante esta década a conjuntura regional indica sintomas de decadência das oligar- quias locais como grupos dominantes, cedendo espaço para empresas estatais e privadas que se instalaram na região e para camponeses ávi- dos por terra, disputando o espaço por ocupações e apossamento.

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Figura 5 - Estado do Pará - Eixos rodoviários

ESTADO DO PARÁ - EIXOS RODOVIÁRIOS

w60° 58° 56° 54° 52° 50° 48° w46° CONVENÇÕES

SURINAME GUIANA FRANCESA N n ° GUIANA 0 Rodovias federais 02 INGLESA 2 n ° Rodovias estaduais Oceano Atlântico Estadas, ramnais e vicinais 0 ° ° 0 Limites Municipais Paraenses Limites estaduais ° 0s 2 2 brasileiros s0 °

0 4 ° ° 4 AMAZONAS PARÁ

MARANHÃO Situação na América do Sul 0 ° 6 6 °

Oceano Atlântico

PARÁ 0 Pacífico ° 8 8 °

BRASIL Oceano Atlântico

Oceano Pacífico ° s 0 200km 0 200km 1 1 0 s °

w60° 58° 56° 54° 52° 50° 48° w46° Oceano Atlântico

FONTE: Bases c artográficas IBGE/SECTAM/ITERPA/DATA:MAR-2008 LAYOUT: Danny Sousa (CREA-PA 12.219-D/[email protected])

Fonte: Instituto de Terras do Pará (ITERPA, 2008).

Neste momento se tornam evidentes transformações do perfil das clas- ses dominantes no estado do Pará. De atividades organizadas sob con- tratos verbais, pagamentos em gêneros e mecanismos de dominação ba- seados em uma dívida imaginária para atividades assalariadas, seja na base de diárias, seja de empreitada, define-se uma relação capital e tra- balho baseada em padrões contemporâneos. Isto não elimina a ocorrên- cia de trabalho em condições aviltantes, assemelhadas ao escravismo. O financiamento oficial de ocupação regional ocorre sob a égide da moder- nização das relações de trabalhos. As oligarquias se convertem em pa- tronato. Entretanto, faz-se necessário estabelecer uma relação entre as categorias mencionadas, pois os termos são empregados com o mesmo significado neste trabalho, somente quando retratam os donos dos meios de produção e a parcela da sociedade que ao longo dos anos sempre foi beneficiada com políticas oriundas do Estado, aumentando a concentra- ção de terras e as desigualdades sociais no campo. Na região estudada, os termos apresentam peculiaridades e características diferentes, quan-

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do submetidos a uma análise crítica. A oligarquia é formada por famílias tradicionais, detentora de enormes áreas de castanhais que utilizaram instrumentos políticos e econômicos para aumentar os seus domínios, tendo seus laços presos ao capitalismo comercial e fortalecidos pelo do- mínio de terras (EMMI, 1999). Os grupos de famílias tradicionais vão perdendo espaço para pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas em nossa região a partir da década de 1970, como resultado da Política de Integração Nacional – PIN; a terra deixa de ser monopólio dos comer- ciantes da castanha para ser compartilhada com empresas públicas e privadas pautadas em um capitalismo financeiro, o que justifica a afir- mação: as oligarquias se convertem em patronato. Entende-se patronato rural como uma categoria política representada por entidades (confederação, sociedade, sindicato, associação, cooperati- va) que congregam diferentes atores sociais, como produtor rural, rura- lista, fazendeiro, empresário agropecuário e proprietário rural, com o objetivo de defender os direitos, reivindicações e interesses comuns, in- dependentemente do tamanho da propriedade e do ramo de atividade de cada um, seja na lavoura ou pecuária, extrativismo vegetal, pesca ou exploração florestal. Esta categoria instituiu a figura do latifúndio pro- dutivo, associado ao termo moderno como sinônimo de produção e repro- dução cada vez mais subordinadas ao capital, voltado para os padrões produtivos da agroindústria. Este discurso defende a tecnologia como modelo de desenvolvimento agrícola.

Para não concluir

O estudo das primeiras organizações patronais rurais do estado do Pará possibilitou um recuo histórico demonstrando que a formação dessas organizações ocorreu a partir de meados de 1825, ou seja, ainda no sécu- lo XIX, com a formação de milícias privadas e a associação de fazendei- ros de Marajó, Muaná e Cachoeira do Arari. A partir da criação do Syndicato Industrial e Agrícola Paraense em 1905, alguns municípios do arquipélago marajoara, como Soure, Anajás, Afuá, Chaves, Cachoeira do Arari, Muaná e Ponta de Pedras, obtiveram privilégios através do então presidente e fundador deste sindicato, o Se-

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nador José Ferreira Teixeira que beneficiou a indústria agropecuária e reuniu a patronagem marajoara e paraense através da organização de encontros, os congressos de fazendeiros, bem como promoveu políticas de interesses dos fazendeiros, proporcionando a expansão da agropecuária. Em meados de 1908, o Syndicato Industrial e Agrícola Paraense amplia sua base associando municípios localizados no Nordeste Paraense e Bai- xo Tocantins, com destaque para Bragança, Irituia, Maracanã, Ourém, Abaetetuba e Cametá, situação que não estagnou a produção bovina no arquipélago de Marajó. A expansão para as referidas regiões está rela- cionada ao projeto de infraestrutura da ferrovia Belém-Bragança conclu- ída no governo de Augusto Montenegro (1901-1909). Vale ressaltar que a expansão da atividade agropecuária no estado ocorre no momento em que a produção da borracha entra em colapso, sendo esta atividade a principal fonte de renda do país e do estado. O Syndicato Industrial e Agrícola Paraense dinamizou as atividades econômicas no estado, principalmente a agropecuária, e possibilitou o incremento de tecnologias para os municípios filiados como Santarém, Monte Alegre, Muaná, Ourém, Irituia, Curuçá e Abaetetuba. Entretan- to, verificou-se na relação patrão/empregado que não houve conquistas para os trabalhadores que desenvolviam suas atividades de labor nas fazendas desses municípios, em situações desfavoráveis. A rigor, as primeiras organizações patronais rurais do estado do Pará surgiram no Arquipélago Marajoara fortemente influenciadas pela ati- vidade econômica da pecuária. A partir do período de 1910-1930, ocorreu a descentralização desta atividade econômica e obviamente a inserção de novos municípios situados no Nordeste Paraense (1910-1930) e poste- riormente no Sudeste Paraense (a partir de 1950). A inserção de novos municípios foi possível em função de políticas de- sencadeadas pelo Governo Federal visando à integração da região Norte ao restante do país, o que possibilitou a construção de rodovias federais, estaduais e locais dinamizando a economia da região e fortalecendo os conflitos sociais entre as diferentes personagens que compõem a estru- tura agrária desta região. A organização do patronato rural paraense, ora apresentado pela oligar- quia, outrora conduzido pelo patronato, não é um fato recente como foi

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demonstrado no início deste trabalho. O fortalecimento do patronato ocorre de acordo com o processo de expansão e a inserção de novas regi- ões do estado, aglutinando atores sociais diversos, como produtores ru- rais, ruralistas, fazendeiros, empresários rurais, empregador rural, que foram representados ao longo dos anos pelos sindicatos, milícias priva- das e associações que contribuíram de forma crucial para a formação dos atuais sindicatos de produtores rurais vinculados à atual Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Pará - Faepa. Enfim, o documento propõe relativizar uma discussão a respeito das primeiras organizações patronais rurais no Estado do Pará, destacando mudanças significativas e a evolução das representações patronais que culminou na formação da Federação de Agricultura e Pecuária do Esta- do do Pará – Faepa, destacando o caráter concentrador do patronato rural paraense, seja ele expresso pelas oligarquias do passado, seja pe- las empresas do presente. A concentração se manifesta pela extensão das terras, pela especialização das atividades restritas à exploração ex- trativa (comércio e indústria de madeiras, seringais e castanhais), à pe- cuária bovina e à soja, esta última cada vez menos empregadora de mão de obra e dependente de capital intensivo em maquinários, sementes selecionadas e produtos químicos. O caráter excludente destas atividades favorece o conflito, tornando o Pará um dos estados mais conflituosos da federação. Os conflitos se tra- duzem em ações violentas, sendo os assassinatos de lideranças sindicais camponesas os indicadores mais evidentes. Ainda que se altere o foco de ação territorial do patronato rural paraense, não se modifica o seu cará- ter excludente e violento, o que requer novos estudos e investimentos teóricos para a compreensão de sua permanência histórica.

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Artigo recebido para publicação em: 01 de abril de 2009.

Artigo aceito para publicação em: 22 de julho de 2009.

Como citar este artigo: SILVA JUNIOR, A. F. da. Reflexões sobre as primeiras organizações patronais rurais no estado do Pará. Revista IDeAS - Interfaces em Desenvolvimen- to, Agricultura e Sociedade , Rio de Janeiro, v. 3, n.1, p. 94-114, jan./jun. 2009.

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