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CONSIDERAÇÕES MÉDICAS SOBRE O DIABETES MELLITUS ENTRE OS , A NECESSIDADE DO EXAME PAPANICOLAU, A NECESSIDADE DE FOSSAS SANITÁRIAS, AS PEQUENAS CASAS CONSTRUÍDAS PELO GOVERNO ESTADUAL NA RESERVA DE SANGRADOURO

JOÃO PAULO BOTELHO VIEIRA FILHO PROF. ADJUNTO DEPTO MEDICINA, DISCIPLINA DE ENDOCRINOLOGIA METABOLISMO E NUTRIÇÃO, CENTRO DE DIABETES, ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA/UNIFESP, ASSESSOR MÉDICO DO BANCO MUNDIAL NA ÉPOCA DOS PROJETOS POLONOROESTE E CARAJÁS

SANGRADOURO 1 A 15 DE JANEIRO DE 2005 1

EPIDEMIA DE OBESIDADE E DIABETES MELLITUS TIPO 2 ENTRE

OSXAVANTEDESANGRADOURO

Quando conheci os Xavante em 1970, eles eram delgados e as glicemias apresentavam-se normais.

Nas viagens anuais que eu realizei posteriormente aos Xavante de

8• 9>_ Sangradouro e São Marcos, notei aumento do peso e da obesidade <7•

As referências científicas do aparecimento do diabetes entre índios do Brasil podem ser vistas em publicações minhas <5. ª>. Segundo publicação de

Coimbra, Salzano, Flowers e Ventura, o primeiro a descrever o diabetes entre

índios no Brasil foi Vieira-Filho, J.P.B <3>_

Nos últimos anos, os entraram em surto epidêmico de diabetes mellitus que tende a se expandir. Existem mais de cem casos de diabetes em tratamento nas reservas de Sangradouro, São Marcos e Parabubure. Já observei índios diabéticos Xavante, Galibi, e Assurini com amputações dos membros inferiores.

Constatei 30 casos de diabetes em tratamento, dos quais 23, de Sangradouro, que necessitaram de insulina, devido às glicemias muito altas em nível glicotóxico sem resposta aos hipoglicemiantes orais. 2

Contribuiu para a epidemia de diabetes as mudanças de estilo de vida, o

Projeto Arroz da Funai no passado em que passaram a ingerir arroz até mesmo com açúcar na 1ª refeição do dia, o consumo de açúcar cristalizado de absorção rápida, o consumo de refrigerantes, a menor atividade física, o abandono das roças de toco em que plantavam alimentos tradicionais como a mandioca, a macaxeira, o inhame, o milho, a abóbora, o feijão<7).

Recentemente receberam roças de arroz mecanizadas do Governo Estadual do .

Houve abandono das dietas ricas em resíduo e hidratos de carbono complexos com absorção mais lenta. Houve substituição da dieta tradicional pelo arroz, açúcar cristalizado, refrigerantes, bebidas alcoólicas por parte de homens mais jovens.

Houve diminuição da atividade física pelo abandono do trabalho em roças familiares, diminuição acentuada da deambulação, uso freqüente de carros e caminhões. Como conseqüência, sobrepeso, obesidade e diabetes mellitus. Há

índios com mais de 100 quilos.

Contribuiu para o desastre epidêmico do diabetes, ao lado dos fatores ambientais, a genética indígena selecionadora de genes armazenadores de

10). energia, como verifiquei entre os Parkatejê do Pará <5, Estes, com genética comprovada de genes selecionados como benéficos nos milênios anteriores de andanças, entre populações com períodos alternados de fome e presença de alimentos. Notamos o genótipo "Thrifty", descrito por James Neel, de 3 acumuladores de energia com genes de resistência à insulina, genes para viscosidade sangüínea e acidentes cardiovasculares, para dislipidemias sangüíneas, (polimorfismos), benéficos nos milênios anteriores e de alto risco

4• 5• 10>. para a sociedade indígena de consumo atual <1,

Se não houver um processo educativo para as crianças sobre o valor da dieta tradicional do feijão, da mandioca e macaxeira, inhame, batata, milho, abóbora, frutos do , raízes do cerrado, consumo de insetos, carne magra, a geração adulta atual e a futura de Xavante, terão as mais altas taxas mundiais de incidência e prevalência de diabetes, como ocorre entre os indígenas norte- americanos. Enquanto entre os descendentes de europeus a incidência do diabetes é pequena, menor que 2,5 por 1.000 pessoas ao ano entre as populações indígenas da América do Norte, a incidência do diabetes e assustadora e das maiores do mundo, maior que 30 por 1.000 pessoas ao ano

(2)

Os índios não foram advertidos do perigo das mudanças de alimentação e do sedentarismo. Não houve um processo educativo. Foram incentivados às mudanças prejudiciais pelo Projeto Arroz da Funai no passado, continuando a serem incentivados para as mudanças pelos fazendeiros desejosos de expandir suas plantações de soja e seus lucros, e até mesmo pelo Governo

Estadual, que lhes cede plantar roças de arroz mecanizadas no cerrado em momento de conflito. A televisão incentiva as mudanças comportamentais de dieta e locomoção. 4

A Funasa, os Ministérios da Saúde-Educação-Segurança Alimentar, a Pastoral

Indígena da Igreja, terão que se esforçarem para segurar a tragédia do diabetes entre os índios e em particular entre os Xavante. 5

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bjõrntorp P 2001. Thrifty genes and human obesity. Are we chasing ghosts? Lancet 1006 - 1008.

2. Daniel M, Rowley KG, Me Dermott R, Mylvagam A, O'Dea K, 1999. Diabetes lncidence in an Australian aboriginal population. Diabetes Care 22: 1993 - 2000.

3. Coimbra Jr CEA, Flowers NM, Salzano F M, Santos V.2002. The Xavante in transition, health, ecology and bioantropology in central . Ann Arbor: The University of Michigan Press.

4. Neel JV 1962. Diabetes mellitus: a thrifty genotype rendered detrimental by progress? Am J Hum Genet 14: 353-362.

5. Tavares EF, Vieira-Filho JPB, Andriolo A, Perez AB, Vergani N, Senudo A, Gimeno SGA, Franco LJ, 2004. Serum total levels and the prevalence of folie acid deficiency and C677T mutation at the MTHFR gene in an indigenous population of Amazônia: the relationship of homocysteine with other cardiovascular risk factors. Ethnicity & Disease 14:49 - 56.

6. Vieira-Filho JPB, 1977. O diabetes mellitus e as glicemias de jejum dos índios Caripuna e Palikur. Revista da Associação Médica Brasileira 23: 175-178.

7. Vieira-Filho JPB, 1981. Problemas de aculturação alimentar dos Xavante e . Revista de Antropologia (São Paulo) 24:37-40.

8. Vieira-Filho JPB, 1996. Emergência do diabetes melito tipo 2 entre os Xavante. Revista da Associação Médica Brasileira 42:61-62.

9. Vieira-Filho JPB, Russo EMK, Novo NF, 1983. A hemoglobina glicosilada (Hb A 1) dos índios Xavante. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia 27: 153-155.

10. Vieira-Filho JPB, Reis AF, Kasamatsu TS, Tavares EF, Franco LJ, Matioli SR, Moisés RS, 2004. lnfluence of the polymorphisms Tpr64 Arg in the B3- adrenergic receptor gene and Pro 12 Ala in the PPARy2 gene on metabolic syndrome-related phenotypes in an indigenous population of the brasilian amazon. Diabetes Care 27:621-622. 6

EXAMES QUADRIMESTRAIS OU A CADA 4 MESES PARA O CONTROLE DO DIABETES ENTRE OS XAVANTE - GLICEMIA JEJUM - GLICEMIA PÓS-PRANDIAL DE 2 HORAS - HEMOGLOBINA GLICOSILADA

EXAMES ANUAIS IMPRESCINDÍVEIS PARA O CONTROLE DO DIABETES ENTRE OS XAVANTE S\~\X -COLESTEROL TOTAL, FRAÇÕES HDL, LDL, VLDL ·\ - TRIGLICERIDES ,. "\• - FIBRINOGÊNIO - CREATININA -TGO -TGP -GAMA GT -CK - MICROALBUMINURIA - FUNDO DE OLHO 7

NECESSIDADE DO EXAME PAPANICOLAU ANUALMENTE PARA

TODAS AS MULHERES XAVANTE E BORORO POR PARTE DA

FUNASA

Na área de influência do Projeto Carajás, no sudeste do Pará, o exame

Papanicolau já era feito regularmente por parte do Hospital de Carajás e nos

últimos anos pela FUNASA, na prevenção do câncer do colo do útero

promovido pelo papilomavírus (HPV), com várias ressecções de colo do útero e

algumas histerectomias como conseqüência.

Entre os Caripunas do Amapá, após ocorrência de morte de uma índia jovem, a

FUNASA passou a realizar os exames preventivos do Papanicolau.

O combate ao HPV (papilomavirus) insere-se numa das metas do Ministério da

Saúde.

Há cadeira ginecológica no Posto de Atendimento aos índios de Sangradouro e

no Posto de Atendimento de Meruri há décadas, sem serem utilizadas.

As lâminas colhidas nas áreas indígenas devem ser examinadas em

laboratórios. Se suspeitas devem chamar as índias e encaminhá-las para

exame de citoscopia com ginecologista. 8

FOSSAS SANITÁRIAS

Os Xavante possuem uma taxa de mortalidade infantil altíssima, maior mesmo que a do Nordeste pobre.

Há necessidade de serem feitas fossas sanitárias segundo normas da

FUNASA de Brasília, afim de se tentar controlar a mortalidade infantil dos primeiros meses e anos de vida pela Escherichia coli e Rotavirus. A

Escherichia coli ocasiona a temível hemólise uremica com septicemia.

Observei fossas sanitárias feitas pela FUNASA no sudeste do Pará, com piso de cimento, pequena tampa removível e cano ventilador, entre índios que entraram em contato com nossa civilização ocidental em prazo recente se comparados com os Xavante.

Os Xavante de Sangradouro possuem casas de alvenaria, água potável de poços artesianos, porém ainda não possuem fossas sanitárias.

Os Bororo de Meruri já receberam fossas sanitárias da FUNASA, embora tenha havido um aumento considerável dos insetos hematófagos. Os canos de ventilação das fossas deverão ser vedados com tela isolante para insetos 9

PEQUENAS CASAS CONSTRUÍDAS NA RESERVA XAVANTE DE

SANGRADOURO PELO GOVERNO ESTADUAL

Vinte pequenas casas foram construídas no círculo interno da aldeia de

Sangradouro e 1 O na aldeia de Volta Grande, na porção mais central, com as casas grandes ou coletivas antigas na zona periférica. Mais 10 casas serão construídas na aldeia de Sangradouro.

Essas 20 casas construídas pelo Governo Estadual em Sangradouro e 10 em

Volta Grande, após conflito com fazendeiro e índios, em que um índio foi morto por fazendeiro ou suposto civilizado, são muito pequenas, tipo apartamento de solteiro ou Kit-Net, com um quanto e sala de entrada. Essas pequeninas casas são contra a cultura Xavante que abrigam as filhas casadas na casa materna.

São casas individualistas e não coletivas como as dos índios. São casas para um casal jovem com filhos pequenos que terão que ficar no quarto dos pais.

Não houve benefício para os índios com a construção de pequenas casas, que vieram como engano de entendimento de uma ou das duas partes, índios e

Governo Estadual de Mato-Grosso, sem aconselhamento com pessoas, credenciadas da cultura Xavante.

Um pai disse-me que seu filho lhe perguntou, onde ficarei nessa casa? Pois não há lugar para mim! 10

Outro índio disse-me que quando suas filhas casarem onde ficarão com os genros? Debaixo das mangueiras!

Quem ordenou a construção dessas pequeninas casas está por fora da cultura

Xavante, não possuindo nenhum conhecimento do pensamento e da cultura

Xavante. São casas que desestruturam a família Xavante e a saúde psíquica e cultural. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a saúde engloba saúde flslca-tpslquica e social.

Uma índia disse-me decepcionada que para que foram construídas essas casas pequeninas e redondas, se nelas não cabem as famílias! Boas segundo os índios são as casas espaçosas feitas e cobertas com telhas, reformadas pelos salesianos.

Em vez de 30 casas pequeninas e enganosas, poderiam ter construído 15 ou

1 O casas coletivas.

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