UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

Lúcia Donato da Silva Mendes

O MACACO, A BANANA E O PRECONCEITO RACIAL: Um estudo da metáfora no discurso

NITERÓI 2016 LÚCIA DONATO DA SILVA MENDES

O MACACO, A BANANA E O PRECONCEITO RACIAL: Um estudo da metáfora no discurso

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Estudos de Linguagem.

Orientadora: Prof.a Dr.a Solange Coelho Vereza

NITERÓI 2016

Lúcia Donato da Silva Mendes

O MACACO, A BANANA E O PRECONCEITO RACIAL: Um estudo da metáfora no discurso

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Estudos de Linguagem.

Aprovada em 29 de agosto de 2016.

BANCA EXAMINADORA

Prof.a Dr.a Solange Coelho Vereza – UFF Orientadora

Prof. Dr. Ricardo Luiz Teixeira de Almeida – UFF

Prof.a Dr.a Fernanda Carneiro Cavalcanti– UERJ

NITERÓI 2016

À memória de minha avó Maria Donato, que será sempre meu modelo de amor, fé e simplicidade.

AGRADECIMENTOS

A Deus, por permitir que realizasse esse sonho de cursar o mestrado.

À minha querida orientadora professora Solange Coelho Vereza, que de uma forma amabilíssima me ajudou a construir esta pesquisa.

À minha família, em especial meu marido Valter Mendes Neto, minha filha Isabella Donato, minha mãe Anádia Donato e meu pai Geraldo Raymundo, por darem-me a estrutura necessária nos momentos de dificuldade.

À Universidade Federal Fluminense, que acolheu-me como estudante desde o curso de graduação, oferecendo-me inúmeras oportunidades de aprendizado.

Aos professores Ricardo Luiz Teixeira de Almeida e Fernanda Carneiro Cavalcanti, por suas valiosíssimas contribuições durante o exame de qualificação.

Ao Gestum (Grupo de Estudos da Metáfora), que participou ativamente desta pesquisa, ajudando-me em diversos momentos.

RESUMO

Recorrentes casos de racismo envolvendo a expressão “macaco” e, metonimicamente, ao expressão “banana” têm acontecido na sociedade contemporânea. Visto que nos dois casos há relações metafóricas envolvidas na produção de sentidos e em seus efeitos ideológicos, propomo-nos a pesquisar, sob o ponto de vista da Linguística Cognitiva, mais especificamente da Teoria da Metáfora Conceptual (LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2002]), as representações da expressão “macaco” evocadas nesses contextos. Para a análise empírica, foram utilizadas ocorrências do termo“macaco” no website “Corpus do Português” para o estudo de possíveis mapeamentos observados nas projeções metafóricas. Após essa análise inicial, utilizamos, como segundo corpus, comentários de teor racista publicados em páginas de redes sociais. A partir da análise desses comentários, foram observados outros veículos metafóricos / metonímicos, além do animal macaco, como os relacionados à escravidão, ao cabelo crespo, a outros animais e a cor. Com base em Kövecses (2010), Charteris-Black (2005) e Goatly (2007), as questões culturais e ideológicas que surgiram da problematização desses usos metafóricos / metonímicos foram discutidas. Os resultados da análise e da discussão indicam que a questão preponderante na maioria dos veículos metafóricos / metonímicos encontrados diz respeito à escravidão e aos fatores sociais dela decorrentes.

Palavras-chave: metáfora; racismo; cultura; ideologia.

ABSTRACT

Recurrent cases of racism involving the expression ‘monkey’ and, metonymically, the expression ‘banana’ have taken place in contemporary society. Since in both cases there are metaphoric relations involved in sense production and in their ideological effects, we intend to research, from the point of view of Cognitive Linguistics, more specifically the Conceptual Metaphor Theory (LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2002]), representations of the expression ‘monkey’ evoked in these contexts. For the empirical analysis, we used occurrences of the word ‘monkey’ from the website ‘Corpus do Português’, for the study of possible mappings observed in such metaphoric projections. After this initial analysis, we used, as second corpus, racist comments published on social networking pages. On the basis of the analysis of these comments, we could observe other metaphoric / metonymical vehicles, in addition to ‘monkey’, as the ones related to slavery, to curly hair, to other animals and to color. Relying on Kövecses (2010), Charteris-Black (2005) and Goatly (2007), we discussed the cultural and ideological issues that emerged from the investigation of these metaphorical / metonymical uses. The results from the analysis and from the discussion indicate that the major issue in most of the metaphoric / metonymical vehicles found concerns slavery and the social factors that arise from it.

Keywords: metaphor; racism; culture; ideology.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO p. 10 1.1. Delimitação do tema e justificativa p. 10 1.2. Objetivos da pesquisa p. 12 1.3. Apresentação dos capítulos p. 13

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA p. 15 2.1. Visão tradicional da metáfora p. 15 2.2. A ascensão da metáfora p. 18 2.3. A Teoria da Metáfora Conceptual (TMC) p. 19 2.3.1. Metáfora como figura de pensamento p. 19 2.3.2. Tipos de metáfora conceptual p. 22 2.4. A metáfora no discurso p. 24 2.5. Metáfora e cultura p. 25 2.5.1. O conceito de cultura p. 25 2.5.2. Metáfora e cultura p. 26 2.6. Metáfora e ideologia p. 28 2.6.1. O conceito de ideologia p. 28 2.6.2. Metáfora e ideologia p. 29 2.7. Metáforas Negras p. 30 2.7.1. O racismo nas metáforas negras p. 30 2.7.2. Metáforas negras na Bíblia p. 31

3. METODOLOGIA p. 34 3.1. Procedimentos de análise do uso metafórico do termo “macaco” p. 34 3.2. Procedimentos de análise de comentários racistas p. 35 3.3. Procedimentos de discussão dos resultados p. 36

4. ANÁLISE DO USO METAFÓRICO DO TERMO “MACACO” p. 38 4.1. A estrutura física p. 38 4.2. Os trejeitos p. 41 4.3. A esperteza p. 41 4.4. A primitividade p. 42 4.5. O uso racista do termo “macaco” p. 43 4.6. O termo “banana” como metonímia racista p. 54

5. ANÁLISE DE COMENTÁRIOS DE TEOR RACISTA p. 59 5.1. O caso da jornalista Maria Júlia Coutinho p. 59 5.2. O caso da atriz Taís Araújo p. 63 5.3. O caso do participante do programa Brasil 16 Ronan p. 71 5.4. O caso da cantora Ludmilla p. 73 5.5. O caso da atriz Cris Vianna p. 74 5.6. O caso da atriz Sheron Menezzes p. 79

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS p. 87 6.1. Veículos metafóricos / metonímicos relacionados à escravidão ou à classe social p. 90 6.2. Veículos metafóricos / metonímicos relacionados a cabelo p. 91 6.3. Veículos metafóricos / metonímicos relacionados a animais p. 92 6.4. Veículos metafóricos / metonímicos relacionados a cor p. 93

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS p. 95

REFERÊNCIAS p. 97

ANEXO p. 102

10

1. INTRODUÇÃO

1.1. Delimitação do tema e justificativa

Durante o ano de 2014, ano em que dei início ao curso de mestrado, muito se falou na mídia sobre casos envolvendo racismo nos esportes, principalmente no futebol: ora atletas eram chamados de “macaco”, ora bananas eram literalmente neles lançadas. Se considerarmos a relação metonímica entre os dois conceitos (a banana pelo macaco), o efeito de sentidos, em ambos os casos, é praticamente o mesmo. Casos assim chamaram muito a atenção da população e em torno do tema surgiram várias polêmicas. Durante reuniões do Grupo de Estudos da Metáfora (GESTUM)1, comentávamos algumas dessas notícias, o que sempre gerava reflexões bastante interessantes. Com o desejo de me aprofundar nas questões de racismo envolvendo o uso do termo “macaco” para designar uma pessoa afrodescendente, optei por dedicar a presente pesquisa a esse tema. Antes mesmo de se falar dos termos “macaco” ou “banana”, é relevante observarmos que parece haver preconceito racial envolvendo alusões à cor negra ou preta. As chamadas “metáforas negras” constituem um importante caminho para se entender como se dá essa relação. Paiva (1998) afirma que [as Metáforas Negras] introjetam no falante o preconceito racial/social. Essas metáforas fazem parte de nosso sistema conceptual e seu uso intenso faz com que o falante incorpore, e passe a considerar como seus valores preconceituosos que permeiam a linguagem. (PAIVA, 1998, p. 105) Segundo a autora, o fato de usarmos, mesmo que de uma forma não plenamente consciente, expressões de cunho racista faz com que o racismo seja não apenas reproduzido, como também naturalizado. A nossa linguagem cotidiana contém diversas expressões desse tipo. Basta uma simples pesquisa em um site de buscas para encontrarmos centenas de expressões como: “serviço de preto”, “negro de alma branca”, “amanhã é dia de branco”, “denegrir” (no sentido de macular, infamar) etc. Quem, ao pronunciar as palavras “denegrir a imagem de alguém”, ou afirmar que “a coisa está preta”, o faz, necessariamente, com o propósito de demonstrar preconceito racial? Não podemos afirmar que todas as pessoas que utilizam tais expressões tenham esse propósito. Além da questão racial, a própria cor negra ou preta tem sido atrelada a algo negativo. Tradicionalmente, o branco é ligado ao bem e o preto ao mal. É muito provável que aspectos

1 Grupo de estudos cadastrado no CNPq, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense, coordenado por Solange Coelho Vereza. 11 físicos tenham dado origem a essa associação entre o branco e o negro e a algum tipo de valoração (bem/mal; bom/ruim). Uma vez que, devido às nossas limitações físicas, precisamos de luz para conseguir realizar muitas das nossas ações, a falta de luz, ou seja, a escuridão é um fator de dificuldade, o que é negativo (PUENTE, 2014). Isto não tem a ver, a princípio, com preconceitos, mas sim com o que, na Linguística Cognitiva, é abordado como “pensamento corporificado” (PALOMANES; MARTELOTTA, 2012). Como nos relacionamos primeiramente com o mundo por meio de nosso aparato sensório-motor, por ele também algumas extensões de sentido se estabelecem. Assim, a mente não seria separada do corpo. Koch e Cunha-Lima (2011, p. 275) enfatizam que “os sistemas perceptuais e motores são fundamentais para o desenvolvimento de vários tipos de conceitos e de toda vida cognitiva em geral, ou seja, [...] o corpo e a mente formam um todo que só se pode separar por razões didáticas”. Nosso pensamento é corporificado devido ao fato de que nossas características físicas limitam nossa percepção de mundo. O conceito de cores apontado por Lakoff e Johnson (1999, p. 16.) ilustra esta questão. Segundo os autores, a percepção da nossa retina e os circuitos nervosos do nosso cérebro, juntamente com outros fatores (principalmente culturais), determinam a nossa percepção de cores. Um aspecto importante desta questão diz respeito ao que Lakoff e Johnson chamam de “base física e base cultural da metáfora”. Pode-se afirmar que, assim como as metáforas orientacionais2 (por exemplo, BOM É PARA CIMA e MAL É PARA BAIXO) têm uma base física e uma base cultural, é possível que as metáforas negras também as tenham. Porém, como os autores apontam, “é difícil distinguir numa metáfora a base física da base cultural, já que a escolha de uma base física é função da coerência cultural da metáfora” (LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2002], p. 67). Quando falamos em base física das metáforas negras, especificamente envolvendo o termo “macaco”, surge o questionamento acerca da semelhança ou não de uma pessoa afrodescendente com um macaco. Partindo-se do princípio de que essa semelhança é socioculturalmente construída, esse questionamento se torna bastante complexo. O escritor João Ubaldo Ribeiro, em sua coluna no o jornal O Globo, colocou o seguinte: Imaginem, por exemplo, um ser inteligente de outro planeta, portanto não sujeito aos nossos condicionamentos, a quem incumbíssemos de esclarecer qual das duas raças é mais próxima do macaco. Para tanto, poríamos diante dele um branco nu, um negro nu e um chimpanzé, nosso primo próximo. O primeiro impacto talvez fosse a cor e, de fato, o pelo do chimpanzé, assim como a pele do negro, é preto. Mas o bom observador não ia deixar-se levar por essa

2 Metáforas orientacionais são aquelas que dão uma orientação espacial a um conceito. Retomaremos este conceito em 2.4.3. 12

aparência. Façamos um exame cuidadoso e uma listazinha, junto com ele. O macaco é todo coberto de pelos, o corpo do negro é glabro, o branco pode ser o Tony Ramos; os pelos do macaco são lisos, os cabelos do branco também, os cabelos dos negros são crespos; raspado o pelo, a pele do macaco por baixo se revela branca e não preta; os lábios do macaco são finos, os do branco também, os dos negros são grossos; o macaco não tem bunda, o branco tem bunda chata, o negro tem bunda almofadada; até — perdão, senhoras — os renomados atributos masculinos dos negros são mais distantes do macaco, que é tipo piu-piu. Como se vê, basta escolher o que se quer levar em conta e, pelo menos neste exemplo perfeitamente plausível, o extraterrestre poderia concluir que o branco está bem mais perto do macaco que o negro. (RIBEIRO, 2014) A parte em que João Ubaldo Ribeiro afirma “basta escolher o que se quer levar em conta” condiz com um dos principais postulados da teoria da metáfora: a natureza parcial da estrutura metafórica. Ao utilizarmos uma metáfora estamos ressaltando alguns aspectos de um determinado conceito e escondendo outros, ou seja, levamos o que queremos enfocar do domínio fonte para o domínio alvo. E isso faz com que o domínio alvo seja perspectivizado / perfilado da maneira que desejamos. Lakoff e Johnson afirmam o seguinte: [...] ao nos permitir focalizar um aspecto determinado de um conceito (por exemplo, os aspectos bélicos de uma discussão), um conceito metafórico pode nos impedir de focalizar outros aspectos desse mesmo conceito que sejam inconsistentes com essa metáfora (ibid., p. 53). Levando-se em consideração que a relação metafórica entre negros e o animal macaco tem sido feita em diversos casos de racismo no mundo contemporâneo, acreditamos que o estudo do tema é de grande relevância social. Com o movimento de globalização (econômica, política, social e cultural), há cada vez mais interação entre os povos e, à medida que pessoas de diferentes etnias e grupos sociais vão interagindo com maior frequência, torna-se de fundamental importância entendermos como se dão essas relações interpessoais. Infelizmente, o racismo tem, frequentemente, feito parte dessas relações e, muitas vezes, por meio de metáforas. Portanto, acreditamos que o estudo do racismo através de relações metafóricas pode contribuir para a Linguística Cognitiva, mais especificamente, para a Teoria da Metáfora. Esse arcabouço teórico, por sua vez, parece-nos imprescindível para compreendermos a natureza das projeções metafóricas que subjazem à linguagem e ao pensamento que abrigam a ideologia racista.

1.2. Objetivos da pesquisa

É nosso objetivo geral investigar as representações metafóricas do termo “macaco” e, de uma maneira mais ampla, os usos metafóricos de outras expressões que evocam e, ao mesmo tempo, motivam a ideologia racista. Este objetivo geral se desenvolverá através de três objetivos específicos, descritos a seguir: 13

1. Verificar a natureza dos possíveis mapeamentos acionados no uso metafórico da expressão “macaco”. Considerando-se a Teoria da Metáfora Conceptual (LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2002]), entendemos que quando alguém agride verbalmente uma pessoa chamando-a de macaco, ela está fazendo mapeamentos entre o conceito de “macaco” (domínio-fonte) e o de afrodescendente (domínio-alvo). Mapeamentos são relações estabelecidas entre dois conceitos ou domínios. Sabemos que na metáfora conceptual nem todos os aspectos do domínio-fonte são levados para o domínio-alvo. Na metáfora em questão (PESSOA AFRODESCENDENTE É MACACO), pode-se pensar que a cor é um elemento preponderante no macaco. Entretanto, pretendemos investigar a existência de outros mapeamentos possíveis. 2. Verificar que outras metáforas estão envolvidas em casos de racismo. Já que a ideologia racista tem sido constatada em tantas situações na atualidade, pretendemos apurar outras relações metafóricas presentes em discursos racistas. 3. Discutir as questões ideológicas e culturais que surgem da problematização de usos de linguagem metafórica que evocam a ideologia racista. Tendo em vista que os aspectos ideológicos e culturais são cruciais em investigações acerca de posicionamentos racistas, entendemos que essa discussão seja basilar nesta pesquisa.

1.3. Apresentação dos capítulos

Esta pesquisa se divide em sete capítulos. Neste primeiro capítulo são apresentados o tema e as razões pelas quais o escolhemos. Além disso, relatamos o objetivo geral e os objetivos específicos do estudo. Há, também, um panorama geral de como a pesquisa será conduzida, ou seja, como pretendemos alcançar os objetivos. No segundo capítulo, apresentamos as principais correntes teóricas que fundamentam esta pesquisa: a Teoria da Metáfora Conceptual (LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2002]), que apresenta a metáfora como evidência do nosso sistema conceptual e aborda a sua natureza cognitiva e corporificada; a relação de metáfora e cultura, que enfatiza a natureza cultural da metáfora (KÖVECSES, 2005); a relação de metáfora e ideologia, que ressalta a natureza ideológica da metáfora (CHARTERIS-BLACK, 2004; GOATLY, 1997); e, devido à natureza do nosso objeto de estudo, o entrelace entre cognição e discurso (GONÇALVEZ-GARCÍA et al, 2013; LOW, TODD, DEIGNAN e CAMERON, 2010, entre outros). No terceiro capítulo, apresentamos a metodologia adotada no estudo. Explicitamos os procedimentos adotados em dois tipos de análise diferentes: uma do uso metafórico do termo 14

“macaco”, na qual utilizamos como corpus ocorrências da palavra “macaco” no Corpus do Português, e uma análise de comentários de teor racista publicados na Internet. Além dos procedimentos de análise, discriminamos os procedimentos utilizados para a discussão dos resultados. O quarto capítulo apresenta uma análise do uso metafórico do termo “macaco”. Nesse capítulo, discutimos alguns mapeamentos possíveis de construções metafóricas envolvendo o animal macaco. Há discussões acerca de quatro desses mapeamentos: a estrutura física do macaco, seus trejeitos, sua esperteza e sua primitividade. Ainda neste capítulo, fazemos comentários acerca do uso racista do termo e ressaltamos a não ocorrência de casos de racismo, o que gerou a necessidade de um outro tipo de corpus. No quinto capítulo, analisamos comentários de teor racista encontrados na Internet. São analisadas as relações metafóricas encontradas em comentários direcionados à jornalista Maria Júlia Coutinho, à atriz Taís Araújo, ao participante do programa 16 Ronan, à cantora Ludmilla, à atriz Cris Vianna e à atriz Sheron Menezzes. Nesse capítulo, todos os veículos metafóricos encontrados são discutidos e há também, em alguns casos, relações com outros eventos nos quais foi verificada a ideologia racista. No sexto capítulo, há a discussão dos resultados. Optamos por dividir os veículos metafóricos encontrados em categorias. Além de tecermos comentários sobre cada categoria, discorremos também sobre os motivos pelos quais consideramos cada veículo metafórico como pertencente de cada categoria. Há também uma discussão sobre o fato de haver mais ocorrências de veículos em uma categoria do que em outra. A porcentagem de veículos em cada categoria pode ser visualizada através de gráficos. No sétimo capítulo, fazemos nossas considerações finais apontando para uma possível contribuição da presente pesquisa para os estudos da metáfora e da metonímia e também, como se trata de um tema de relevância social, para a sociedade. Além disso, esclarecemos algumas limitações da pesquisa e sugerimos alguns desdobramentos para futuros trabalhos.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Como fundamentação teórica deste estudo, utilizaremos principalmente a Teoria da Metáfora e da Metonímia (LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2002]; BARCELONA, 2003). Discorreremos acerca de alguns desdobramentos teóricos da visão da metáfora da Antiguidade até os dias de hoje. O nosso foco recairá sobre a natureza cognitiva e corporificada da metáfora, como propõe a Teoria da Metáfora Conceptual (TMC), apoiando-nos, sobretudo, nos postulados introduzidos por Lakoff e Johnson (ibid.). Também buscaremos apoio teórico em Kövecses (2005), que nos apresenta a dimensão cultural da metáfora, e em Charteris-Black (2004) e Goatly (1997), cujas ideias contribuem para a compreensão da metáfora em sua natureza ideológica. Além disso, teceremos alguns comentários sobre as chamadas “metáforas negras” (PAIVA, 1998; PUENTE, 2014).

2.1. Visão tradicional da metáfora

Há uma grande distância entre o conceito de metáfora que estudamos hoje, aquela que estrutura nossos pensamentos, nosso discurso e até nossos atos cotidianos, como propõem Lakoff e Johnson (1980 [2002]), e a metáfora abordada pela Retórica Clássica, como um simples tropo de papel secundário na produção de sentidos. Para entendermos como essa mudança conceitual ocorreu, torna-se necessário fazermos uma breve análise dos caminhos percorridos pela metáfora. O próprio termo “metáfora”, em sua etimologia, já evidencia o seu significado. No grego, metapherein significa transferência ou transporte, em que meta significa “mudança” e pherin “carregar”. Aristóteles (2000, p. 63), que cunhou o termo, nos dá uma definição para metáfora: “Metáfora é a transferência do nome de uma coisa para outra, ou do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, ou por analogia”. Percebe- se que, ao longo do tempo, surgiram conceituações de outras figuras, como metonímia, sinédoque, hipérbole etc., que podem se encaixar também na definição de Aristóteles. Entretanto, na definição de Aristóteles, a analogia tem muito em comum com o que entendemos hoje por metáfora. Hoje, definição mais comum para metáfora seria falar de algo em termos de outra coisa, ou seja, transferir alguns aspectos de um domínio da experiência, normalmente de natureza concreta, (domínio fonte) para o que queremos conceptualizar (domínio-alvo) (SILVA; TORRES; GONÇALVES, 2004). 16

Podemos entender o processo ocorrido com a metáfora ao fazermos um paralelo com a trajetória da retórica. Nesse sentido, Vereza (2012, p. 34) afirma que: É justamente a partir da versão “reduzida” da retórica que a percepção da metáfora como um ornamento supérfluo da linguagem se cristaliza [...] Neste sentido, decretar a morte da retórica, como muitos o fizeram a partir do século XIX, é, por uma analogia metonímica, condenar os personagens principais, as figuras, do projeto retórico vigente à época, levando-os, se não ao extermínio completo, ao franco ostracismo, excluindo-os de qualquer proposta que pudesse ter um mínimo de legitimidade intelectual. A retórica surgiu na Antiguidade quando, especificamente em Siracusa, na Sicília (que à época fazia parte da Magna Grécia, região do sul da Itália colonizada pelos gregos), tornou- se necessária a arte de se expressar bem. A comunicação eficaz e até mesmo persuasiva era muito valorizada naquele contexto, em que os discursos públicos se tornavam comuns e faziam parte da democracia grega. Na Antiguidade, a retórica não era unanimidade, pois Platão não concordava com a visão dos sofistas, que ensinavam aos jovens a arte da argumentação. Os jovens atenienses aprendiam a usar as palavras de maneira convincente e persuasiva. Robins (2004, p. 11) afirma o seguinte: No século V, os retóricos tornaram-se famosos no mundo grego, entre eles, Górgias da Sicília. Esses homens eram profissionais da oratória, e alguns deles percorriam o país dando aulas em troca de remuneração e escrevendo livros sobre a sua matéria. Faziam parte daquela classe de provedores ambulantes de qualquer espécie de ensino, conhecidos como sofistas. De outro modo, para Platão, a ação política deveria ter como base a investigação filosófica rigorosa. Assim, o objetivo do argumento retórico era obter um benefício com a sua argumentação, enquanto que o argumento socrático, linha seguida por Platão, tinha como objetivo chegar ao conhecimento. Marcondes (2010, pp. 18-19) aborda essa questão da seguinte forma: O Górgias é o principal diálogo de Platão sobre a retórica, questionando o papel dos sofistas como mestres desta arte e acusando-os de serem praticantes de uma mera téchne, ou seja, de uma habilidade prática, sem nenhum compromisso moral, servindo apenas para persuadir e não para ensinar e levar ao verdadeiro conhecimento. [...] A crítica de Sócrates aos sofistas nesse diálogo consiste em mostrar que com habilidade pode-se persuadir qualquer pessoa de qualquer coisa, mesmo de algo que não seja verdadeiro ou não seja do interesse dela. A filosofia, ao contrário, se caracteriza pelo compromisso com a verdade. Já a retórica aristotélica pode ser dividida em três partes: a inventio, que está no nível das ideias; a dispositio, que abrange a organização dos argumentos; e a elocutio, que se refere à escolha do léxico. Para Ricoeur (2000, p. 17), a retórica começou a “morrer” quando foi “amputada”. Essa amputação diz respeito ao fato de que ela passou a ser definida apenas como 17 elocutio, deixando de compreender a inventio e a dispositio. Ou seja, ficou reduzida apenas à teoria dos tropos. A teoria dos tropos refere-se à ideia de que a retórica funciona como um embelezamento ou uma ornamentação à língua. Desta forma, a retórica é vista como um mascaramento da verdade, contrária à objetividade tão valorizada principalmente no Positivismo3 (início do séc. XIX). Uma das principais críticas à retórica refere-se à sua contribuição para o discurso persuasivo ou manipulador. Até mesmo nos dias atuais, é possível encontrarmos uma gama de exemplos contendo expressões como retórica vazia, apenas retórica, somente retórica etc. (cf. VEREZA, 2012). Ou seja, uma retórica vazia não tem nada a acrescentar, apenas serve para persuadir ou enganar. Sendo a retórica tratada como uma maneira de persuadir, a metáfora seria um dos elementos utilizados para esse objetivo. Assim, a metáfora ganha um cunho “decorativo”, dispensável ou até mesmo combatido (no caso da manipulação), que persiste até hoje. Até mesmo a própria classificação da metáfora como uma “figura de linguagem” denota esse entendimento. A palavra figura expressa a ideia de uma imagem ou um retrato do real. Apesar de o contexto referir-se à poesia, uma parte da Poética de Aristóteles ilustra bem essa questão: “Se acontecer de alguém não ter visto o original, nenhum prazer despertará a imagem como coisa imitada, mas somente pela execução, ou pelo colorido, ou por alguma outra causa da mesma natureza” (ARISTÓTELES, 2000, p. 40). Desta forma, a metáfora, como a retórica, tem sido tradicionalmente considerada como algo oposto ao real ou à verdade. É importante observar que, apesar de Aristóteles apontar para o efeito figurativo da metáfora, o que, do ponto de vista da significação, pode ser considerado negativo e contribuir para um discurso vazio, ele não fez uma teoria da metáfora propriamente dita (cf. LEESENBERG, 2001). Na Poética, o filósofo ressalta esse aspecto “figurativo” da metáfora, mas também afirma que uma boa metáfora é “obra de um gênio”. Portanto, não parece apropriado afirmar que todos os postulados da visão tradicional da metáfora emergem da obra de Aristóteles. Nesse sentido, Vereza (2012, p. 49) afirma o seguinte: O que deve ser ressaltado aqui é que a metáfora, em si, não é de modo algum condenada por Aristóteles, nem considerada um desvio indesejável. Ser um elemento do ornatum não implicaria superficialidade ou irrelevância, uma vez que o ornatum, como parte da elocutio, seria uma dimensão da retórica. A chamada visão tradicional da metáfora engloba também duas teorias formalizadas (mesmo que posteriormente rejeitadas) por Max Black (1962): a teoria da substituição e a teoria

3 Corrente filosófica surgida na França com Augusto Comte (1798-1857). Entre suas premissas estão a valorização do conhecimento científico e a classificação do conhecimento. 18 da comparação. Segundo a primeira, uma metáfora pode ser sempre substituída por uma palavra ou expressão literal. Desta forma, não há ganho de sentido, pois a mesma significação alcançada com o termo literal é também obtida com a metáfora. Assim, o falante usaria a metáfora apenas para adornar a sua comunicação ou então para criar novos termos, já que nem sempre há uma palavra literal que denote o que ele/ela quer expressar. Às vezes, a substituição se dá pela explicação da metáfora e não por uma palavra ou expressão literal, como no exemplo dado por Sardinha (2007, p. 28): “‘rede de computadores’ metaforiza um conjunto de computadores interligados”. Já de acordo com a teoria da comparação, a metáfora pressupõe uma similaridade preexistente entre os termos. Por exemplo, na metáfora clássica Julieta é o sol4, todas as propriedades do sol deveriam também integrar o conceito de Julieta. Sabemos que, ao se fazer essa comparação, não se quer dizer que Julieta tenha atributos do sol, como sua cor, sua forma etc. Queremos apenas ressaltar algumas propriedades do sol (luz, brilho, vida) para, metaforicamente, falarmos de algumas características de Julieta. Para que a teoria da comparação fosse viável, essa ênfase em alguns aspectos do sol e não em outros não seria possível. Uma observação importante a ser feita é que quando discorremos aqui sobre a visão tradicional da metáfora, não temos a intenção de rejeitá-la. Todas essas teorias e diferentes visões acerca dos conceitos metafóricos fazem parte do processo histórico que nos trouxe à compreensão que temos hoje. Além disso, essa visão tradicional ilustra muito bem os pressupostos do senso comum, os quais estão presentes em nossa cultura até os dias de hoje. E, embora tenha suas limitações, a visão tradicional reflete uma consciência metafórica bastante grande, posto que o processo de transferência de um conceito para outro já aparece desde a primeira definição de metáfora, dada por Aristóteles.

2.2. A “ascensão” da metáfora

Embora fosse (e ainda o seja no senso comum) considerada um tropo “ornamental” ou um elemento de manipulação no discurso, a metáfora não caiu no esquecimento dos teóricos. Pelo contrário, tem sido cada vez mais estudada e parece que realmente se reafirmou, como objeto de estudo, em diversas áreas do conhecimento. Principalmente, a metáfora tem sido um

4 SHAKESPEARE, Romeu e Julieta, 1595, ato 2, cena 2. 19 elemento chave para entendermos como se dá a cognição humana. Vereza (2012, p. 47) afirma que: A metáfora que hoje se encontra sob os holofotes intelectuais, na verdade, não é a mesma metáfora que habitava as listas classificatórias dos tropos da retórica restrita. A sua ascensão foi impulsionada por reconceituações e redefinições que, na maioria das vezes, implicavam sua promoção ou valorização, como fenômeno de natureza não só linguística, mas também cognitiva e, mais recentemente, discursiva. Ainda entre os séculos XVII e XVIII, o filósofo Giambattista Vico contribuiu para essa ascensão da metáfora ao entendê-la como parte da “sabedoria poética”. Desta forma, a metáfora seria a construção humana da realidade, ou seja, os “óculos” que usamos para enxergar o real. Assim, a metáfora volta a ter uma dimensão cognitiva, contrariando a visão tradicional. A teoria da interação (RICHARDS, 1936; BLACK, 1962) também contribui para essa nova perspectiva da metáfora. De acordo com essa teoria, a similaridade entre os conceitos surge da interação entre eles, ou seja, a similaridade é criada cognitivamente. Diferentemente da teoria da comparação, aqui nem todas as propriedades de um conceito vão para o outro conceito com a metaforização. Ao contrário, não há nenhuma similaridade entre os conceitos a princípio. Essa similaridade passa a existir como resultado da interação entre o sentido considerado literal e o sentido novo. Assim, entende-se que há um ganho cognitivo com a metáfora. O seu papel esclarecedor ou didático e também, em muitos casos, transgressor demonstra que a metáfora linguística revela uma força cognitiva. Essa força cognitiva da metáfora, mais à frente, levou à elaboração da Teoria da Metáfora Conceptual (TMC).

2.3. A Teoria da Metáfora Conceptual (TMC)

2.3.1. Metáfora como figura de pensamento

Para compreendermos a natureza cognitiva da metáfora é fundamental refletirmos sobre alguns aspectos da Teoria da Metáfora Conceptual (TCM), teoria idealizada e formalizada teoricamente por George Lakoff e Mark Johnson. Para Lakoff e Johnson (1980 [2002]), a metáfora não é apenas um adorno ou um fator de embelezamento para a língua. Pinker (2007, apud MOURA; ZANOTTO, 2009, p. 21), dentro dessa mesma perspectiva, aponta que “a metáfora não é um floreio que adorna a língua; [...] é, ao contrário, parte essencial do pensamento”. E, sendo a metáfora parte essencial do pensamento, entendemos que o nosso pensamento é basicamente estruturado por conceitos metafóricos. 20

E o que entendemos por “pensamento”? O senso comum, registrado inclusive em uma das definições de dicionário5, entende o pensamento como um sinônimo de imaginação. Entende que temos acesso ao pensamento porque ele é um ato consciente. Diferentemente desta visão, quando dizemos que a metáfora passou a fazer parte do pensamento, estamos nos referindo ao inconsciente cognitivo6, o que nos remete ao funcionamento da mente através de um processamento de informações inconscientes. A metáfora conceptual é considerada uma figura de pensamento, pensamento este cognitivo, coletivo e inconsciente. Assim, ela é entendida como um “modelo cognitivo”7. Desta forma, entendemos a Metáfora Conceptual como uma maneira de conceptualizar um domínio da experiência em termos de outro domínio mais concreto. De acordo com a TMC, nós agimos em nossa vida cotidiana, nos pequenos detalhes, de acordo com nossas conceptualizações metafóricas. Ou seja, entendemos o mundo de acordo com metáforas conceptuais. Um exemplo apontado por Lakoff e Johnson (1980 [2002], p. 46) pode ser observado no seguinte período: “Ele atacou todos os pontos fracos da minha argumentação”. Através deste enunciado, pode-se observar a metáfora conceptual DISCUSSÃO É GUERRA. Os autores explicam que: É importante perceber que não somente falamos sobre discussão em termos de guerra. Podemos realmente ganhar ou perder uma discussão. Vemos as pessoas com quem discutimos como um adversário. Atacamos suas posições e defendemos as nossas. Ganhamos e perdemos terreno. Planejamos e usamos estratégias. Se achamos uma posição indefensável, podemos abandoná-la e colocar-nos numa linha de ataque. Muitas das coisas que fazemos numa discussão são parcialmente estruturadas pelo conceito de guerra. Embora não haja batalha física há uma batalha verbal, que se reflete na estrutura de uma discussão – ataque, defesa, contra-ataque etc. É nesse sentido que DISCUSSÃO É GUERRA é uma metáfora que vivemos na nossa cultura; ela estrutura as ações que realizamos numa discussão. (LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2002], p. 47) Como já mencionado anteriormente, a visão cognitiva de Lakoff e Johnson (1980 [2002]) formaliza e estrutura uma ideia já iniciada com Vico (séculos XVII e XVIII), Richards (1936), Black (1962) e, principalmente, com Reddy (1979), que propôs a Metáfora do Canal (ou “do Conduto”)8. Reddy conseguiu demonstrar, através de muitas evidências linguísticas, o modo como conceptualizamos a comunicação humana. A metáfora do canal, que “licencia” essas evidências, é uma metáfora complexa constituída por uma rede de metáforas conceptuais:

5 DICIONÁRIO da Língua Portuguesa. São Paulo: Cia. Melhoramentos, 2006. 6 Termo cunhado pelo psicólogo John Kihlstrom, em seu artigo The cognitive unconscious na revista Science, em 1987. 7 Os modelos cognitivos de Lakoff (1987) apontam para a estruturação de nossas experiências através de elementos puramente conceituais e de elementos linguístico-conceituais. A metáfora é considerada como um tipo de modelo cognitivo. 8 Em inglês, The Conduit Metaphor. 21

MENTE É UM RECIPIENTE, IDEIAS (OU SENTIDOS) SÃO OBJETOS, PALAVRAS OU EXPRESSÕES LINGUÍSTICAS SÃO RECIPIENTES, COMUNICAR É ENVIAR OU TRANSFERIR A POSSE e COMPREENDER É PEGAR (OU VER). Zanotto et al. (2002, p. 18) afirmam que Lakoff reconhece a importância do trabalho de Reddy e que ele “conseguiu demonstrar por meio de um caso significativo que a metáfora faz parte da linguagem cotidiana e que é componente essencial do modo ordinário de conceptualizar o mundo”. Uma característica fundamental da metáfora conceptual é o fato de ela ser convencional. Para que uma metáfora conceptual se estabeleça, é necessário que ela seja naturalizada socialmente e, assim, convencionalizada. Os falantes, de maneira inconsciente, aceitam essa maneira de conceptualizar um domínio e reproduzem-na em seu discurso. Desta forma, não necessariamente os falantes percebem sua fala como metafórica. Por exemplo, a metáfora conceptual AMOR É UMA VIAGEM, que aparece em enunciados como “Essa relação não vai a lugar algum” ou “Ela decidiu seguir seu próprio caminho e pediu o divórcio”, faz parte da nossa cultura. O senso comum costuma falar de relações amorosas em termos de viagem sem que isso seja percebido como uma metáfora. As expressões citadas acima são chamadas de expressões metafóricas ou metáforas linguísticas. Elas são “licenciadas” pela metáfora conceptual AMOR É UMA VIAGEM. Ou seja, uma metáfora conceptual como essa dá origem a diversas metáforas linguísticas, como os exemplos acima. Littlemore e Low (2006, p. 11) afirmam o seguinte: “metáforas linguísticas são palavras ou expressões que são proferidas ou escritas. Assim, elas podem ser representadas por qualquer parte do discurso, não apenas substantivos”. Diferentemente da metáfora conceptual, a metáfora linguística é uma expressão linguística. A metáfora conceptual seria um modelo cognitivo, baseado em projeções entre dois domínios da experiência que motivam ou “licenciam” tais expressões linguísticas. Apesar de todas as metáforas conceptuais darem origem a uma série de metáforas linguísticas, não se pode afirmar que todas as metáforas linguísticas são, necessariamente, “licenciadas” por alguma metáfora conceptual. Ou seja, há algumas expressões em que, apesar de serem metafóricas, a partir delas não podemos identificar uma metáfora conceptual subjacente. Um exemplo de uma expressão metafórica desse tipo, em língua portuguesa, seria “tirar o cavalinho da chuva”. Entendemos perfeitamente que quando uma pessoa diz para outra “tirar o cavalinho da chuva” não há cavalo algum. Metaforicamente, entende-se que significa que a pessoa deve desistir, porque não há chances de ela conseguir o que quer. Embora seja uma expressão metafórica convencionalizada socialmente, não conseguimos estabelecer uma metáfora conceptual que esclareça o que está por trás da expressão. Segundo Reinaldo Pimenta, 22 em seu livro “A Casa da Mãe Joana” (PIMENTA, 2002), a expressão surgiu no século XIX quando o cavalo era um meio de locomoção popular. Ao fazer uma visita, a pessoa deixava seu cavalo na frente da casa se tivesse a intenção de ser breve. Se, ao contrário deixasse o cavalo em um local abrigado da chuva, isto queria dizer que iria demorar. Então, no caso de o visitante deixar seu cavalo em frente à residência e o dono da casa falar para ele tirar o cavalo da chuva, isto significava que ele deveria mudar de ideia e demorar um pouco mais. Isto não parece ser apoiado por uma metáfora conceptual. Um costume antigo deu origem a uma expressão metafórica. Há muitas expressões dessa natureza. Às vezes, também, há a possibilidade de expressões se originarem de parábolas contadas de geração em geração. Fato é que muitas vezes não conseguimos nem mesmo recuperar historicamente o surgimento desse tipo de expressão metafórica. Para se entender o funcionamento de uma metáfora conceptual, faz-se necessário discorrer acerca de algumas noções que sistematizam o conceito. Lakoff e Johnson (1980 [2002]) nos apresentam os conceitos de “domínio-fonte” e “domínio-alvo”. Segundo os autores, em uma metáfora conceptual há a transferência de parte de um conceito, já experienciado e reificado, para um novo conceito. Ou seja, em uma metáfora conceptual, alguns aspectos do domínio-fonte são transferidos para o domínio-alvo. Por exemplo, na metáfora conceptual DISCUSSÃO É GUERRA, utilizamos algumas características do domínio-fonte “guerra” para conceptualizar o domínio-alvo “discussão” (oponentes, inimigo, vitória, derrota, estratégia, armas etc.). Desta maneira, falamos de discussão em termos de guerra. Essa relação entre elementos de ambos os domínios é chamada de “mapeamento”. Veremos em nossa análise, nos capítulos 4 e 5, como os mapeamentos são acionados para fins ideológicos. Ou seja, ao se selecionar certos elementos do domínio fonte, e não outros, em um processo de “destacar e encobrir” (highlight e hide, LAKOFF e JOHNSON, 1980, [2002]), reforça-se uma dada ideologia e não outra, como veremos no caso do uso metafórico de “macaco”.

2.3.2. Tipos de metáfora conceptual

Como pontuamos acima, Lakoff e Johnson (1980 [2002]) propõem que há categorias de metáfora. As chamadas metáforas orientacionais são aquelas que dão uma orientação espacial a um conceito. Esse tipo de metáfora surge devido a nossa corporeidade. Lakoff e Johnson (ibid., p. 59) afirmam que “essas orientações espaciais surgem do fato de termos os corpos que temos e do fato de eles funcionarem da maneira como funcionam no nosso ambiente físico”. MAIS É PARA CIMA / MENOS É PARA BAIXO e FELIZ É PARA CIMA / TRISTE 23

É PARA BAIXO são exemplos de metáforas orientacionais. Em português, há expressões como: por cima da carne seca, estar meio caída etc. e a própria palavra “depressão”. Um exemplo visual muito comum em redes sociais atualmente é a figura 1, na qual o polegar voltado para cima indica um gesto positivo. Ao utilizar-se de uma imagem como a figura 1, uma pessoa demonstra que “curtiu” ou gostou de algo.

Figura 1 Fonte: Google Imagens https://www.google.com.br/search?q=curtir&biw=1821&bih=799&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0CAY Q_AUoAWoVChMItO2D39CxxwIVg5SQCh2Mnw8J&dpr=0.75#imgrc=y1bN52a9_4-egM%3A Acesso em 26/08/15.

Outra figura que ilustra uma orientação espacial encontra-se abaixo. A figura 2 diz respeito a uma visão da Evolução Humana, mais especificamente, à teoria de Lamarck (que será mencionada na seção 4.5.). Percebe-se que a espécie mais evoluída encontra-se sempre à frente da espécie menos evoluída, e, nesse caso específico, o fato de esta mesma figura estar em uma postura ereta indicaria também superioridade (MELHOR É PARA CIMA). Este ponto será discutido mais adiante, em nossa análise de dados em torno do termo “macaco”, usado com teor pejorativo, destacando a sua face “primitiva” vis-à-vis a face civilizada do homem.

Figura 2 Fonte: Mundo Educação http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/biologia/evolucao-humana.htm Acesso em 26/08/15

As metáforas estruturais são aquelas que dão estrutura a um conceito. Por exemplo, na metáfora estrutural AMOR É UMA VIAGEM, o conceito de “amor”, que é abstrato, é estruturado pelo conceito de “viagem”, que é algo mais concreto e mais fácil de visualizar. 24

Também são exemplos desse tipo de metáfora: TEMPO É DINHEIRO, DISCUSSÃO É GUERRA etc. Já as metáforas ontológicas, permitem a conceptualização através de uma entidade. Lakoff e Johnson (ibid., p. 75) declaram que “compreender nossas experiências em termos de objetos e substâncias permite-nos selecionar partes de nossa experiência e tratá-las como entidades discretas ou substâncias de uma espécie uniforme”. Assim, podemos racionalizar mais claramente um conceito. Isso ocorre em: INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE, MENTE É UMA ENTIDADE etc. Devido a essas metáforas ontológicas, podemos dizer frases como: “a inflação aumentou / diminuiu” e “a minha mente não está funcionando hoje”. Em 1997, Joseph Grady propôs uma outra categoria de metáforas: as chamadas metáforas primárias (GRADY, 1997). As metáforas primárias surgem a partir de aspectos físicos do corpo humano. Como vivemos limitados por nossas características físicas, algumas maneiras de conceptualizar diferentes aspectos de nossa experiência humana dizem respeito a essa limitação. Essas metáforas tendem a ser universais, já que são motivadas pelas mesmas experiências corpóreas. São exemplos de metáforas primárias: BOM É PARA CIMA, AFEIÇÃO É CALOR, INTIMIDADE É PROXIMIDADE etc. Este tipo de metáfora tem particular importância para esta pesquisa devido ao fato de que consideramos a hipótese de as metáforas negras terem uma base corpórea, como defendido por Puente (2014), além da mais claramente ideológica/cultural. Isto será discutido mais detalhadamente na seção 2.6.

2.4. A METÁFORA NO DISCURSO

Para Bakhtin (2003, p. 294-295), o discurso é o conjunto de “todos os nossos enunciados [...] pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou assimilaridade, de um grau vário de aperceptibilidade e de relevância”. Desta forma, inferimos que, para Bakhtin, o discurso é o modo pelo qual os sujeitos produzem a interação, sendo uma produção social da língua. Já Trask (2013), em seu Dicionário de Linguagem e Linguística, define discurso como “qualquer fragmento conexo de escrita ou fala”. Considerando-se que o discurso se dá no âmbito da linguagem e da cognição (Van DIJK, 1990), pode-se afirmar que os estudos da metáfora têm caminhado para a direção do discurso, sem abrir mão de sua dimensão cognitiva. Muitas pesquisas (este estudo é um exemplo) têm sido feitas tendo como referência a TMC, mas propondo uma coleta de dados e uma análise no plano cognitivo-discursivo. 25

Vereza (2010) aponta para a mudança do lócus da metáfora, que antes era considerada apenas no âmbito da linguagem, como um ornamento (seção 2.1), passando a ser abordada, com o advento da TMC, como figura de pensamento. Atualmente, não desprezando sua dimensão linguística nem sociocognitiva, os recentes estudos passam a considerá-la também em sua dimensão discursiva. Seguindo essa tendência dos estudos da metáfora, este foi o caminho escolhido para realizarmos esta pesquisa. Propomos em nossas análises abordar a metáfora no plano cognitivo- discursivo. Ou seja, os dados utilizados nesta pesquisa foram coletados em enunciados ou discursos do cotidiano. A ancoragem dos dados em aspectos do contexto discursivo (inserção textual, gênero discursivo, participantes, entre outros) foi também levada em consideração na análise.

2.5. METÁFORA E CULTURA

2.5.1. O conceito de cultura

Entre as definições para o termo “cultura” do Dicionário da Língua Portuguesa da editora Melhoramentos9, há a seguinte: “atividade e desenvolvimento intelectuais”. Pode-se perceber nessa definição e também no uso da palavra em geral que uma das conceptualizações de cultura está ligada às classes intelectuais ou letradas. É facilmente observado esse uso da palavra “cultura” em enunciados como: Ele tem muita cultura, É importante adquirir mais cultura e outros. Porém, não é apenas a essas classes que “cultura” diz respeito. O dicionário Aurélio10 nos fornece uma definição mais abrangente: “o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc., transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade”. Na verdade, “cultura” diz respeito a todos os seres humanos que vivem em sociedade. Pode-se afirmar que nossa cultura guia nossas práticas sociais. Ela é a maneira com que entendemos o mundo e as coisas do mundo. Lakoff e Johnson (1980 [2002], p. 129) colocam que “suposições, valores e atitudes culturais não são conceitos que acrescentamos à experiência. Seria mais correto dizer que toda a nossa experiência é totalmente cultural e que experienciamos o ‘mundo’ de tal maneira que nossa cultura já está

9 DICIONÁRIO da Língua Portuguesa. São Paulo: Cia. Melhoramentos, 2006. 10 AURÉLIO: o dicionário da língua portuguesa. : Positivo, 2007.

26 presente na experiência em si.” Portanto, é lógico afirmar que pessoas de culturas diferentes enxergam o mundo de maneiras diferentes. Isso também acontece com as línguas, pois cada língua é uma maneira diferente de ver o mundo. Ou seja, a língua faz parte da cultura. Consideramos que não há como entender uma língua desvinculada de cultura. A língua está totalmente ligada aos aspectos culturais de uma determinada sociedade. Por exemplo, quando aprendemos uma língua estrangeira, querendo ou não, nos apropriamos de conceitos importantes para os falantes dessa língua. E essa apropriação de conceitos muitas vezes se dá através de metáforas. É interessante observar, contudo, que a cultura de uma língua não é algo estável e monolítico, tendo em vista que seus falantes estão inseridos em uma pluralidade cultural. Na verdade, compartilhamos os pressupostos de Williams (2005), segundo os quais, há formas residuais, dominantes e emergentes de cultura. Segundo o autor, os aspectos residuais seriam o que se distancia temporalmente da cultura dominante e os emergentes, os “novos significados e valores, novas práticas, novas significações e experiências” (ibid., p. 219), que são criados continuamente. Desta forma, entendemos que há forças dominantes em uma cultura, porém elas não são as únicas.

2.5.2. Metáfora e cultura

A metáfora está sujeita a aspectos culturais, que fazem com que haja determinadas conceptualizações metafóricas em determinadas comunidades, e não necessariamente em outras. Segundo Lakoff e Johnson (ibid., p. 71), “os valores fundamentais de uma cultura serão coerentes com a estrutura metafórica dos conceitos fundamentais dessa cultura”. Um exemplo da coerência cultural citada por esses autores é o fato de que metáforas envolvendo certos esportes estão mais presentes em algumas línguas do que em outras. Desta forma, pode-se mencionar o caso da língua portuguesa que apresenta diversas metáforas referentes ao futebol e a língua inglesa que apresenta inúmeras expressões provenientes do jogo de pôquer. O fato de no português não haver tantas metáforas relacionadas ao jogo de pôquer quanto no inglês está relacionado a características culturais dos falantes dessas duas línguas. Outro exemplo da ligação existente entre metáfora e cultura diz respeito às metáforas primárias. Sabe-se que as metáforas primárias são aquelas que têm como referência o corpo humano, como foi mencionado na seção 2.3.2. Experiências provocadas por nossos sentidos são utilizadas para a conceptualização de domínios como afeição (AFEIÇÃO É CALOR), intimidade (INTIMIDADE É PROXIMIDADE), e outros. Essas metáforas são até mesmo 27 consideradas como passíveis de universalidade, já que, em tese, todos os seres humanos possuem o mesmo tipo de corpo e os mesmos sentidos. Porém, apesar de muitos estudos na área da linguística cognitiva mostrarem o quão corporificada é a nossa mente, ou seja, o quanto a nossa maneira de pensar é influenciada pelos corpos que temos, a maneira com que lidamos com os nossos sentidos varia de cultura para cultura (LAKOFF; JOHNSON 1980 [2002], p. 74). Um exemplo dessa influência cultural sobre a percepção dos nossos sentidos é a nossa organização espacial. Na língua portuguesa e também na língua inglesa, a nossa organização espacial se dá a partir de um ponto de vista egocêntrico. Costumamos nos referir a localidades do ponto de vista da nossa própria localização. Assim, temos enunciados como O restaurante fica à sua direita ou A cidade X fica a 15 quilômetros de distância. Porém, Kövecses (2010, p. 743) menciona um exemplo dado por Levinson (1996, p. 180 apud Kövecses 2010, p. 743) segundo o qual há uma língua nativa australiana chamada Guugu Yimithirr cujos falantes não utilizam a própria localização para fazer uma referência espacial. Esses falantes utilizam um sistema de orientação em que ao invés de usar expressões como “em frente” ou “atrás”, eles especificam o ângulo em que está o objeto em referência a algum ponto específico, usando algo como “ao norte de”, “ao sul de” etc. Desta forma, parece que eles têm um mapa mental bem definido que permite que eles façam essas referências, o que não ocorre nas conceptualizações espaciais de outras línguas como do português e do inglês, por exemplo. Já que, como vimos, nossas conceptualizações dependem de aspectos culturais, as metáforas que utilizamos nessas conceptualizações tendem a variar de acordo com a cultura. Lakoff e Johnson (1980 [2002], p. 74) apontam para o fato de que as metáforas não são as mesmas em todas as culturas: “De um modo geral, as orientações principais para cima-para baixo, dentro-fora, central-periférico, ativo-passivo etc., parecem existir em todas as culturas, mas a maneira pela qual os conceitos são orientados assim como a hierarquia das orientações variam de cultura para cultura.” Nesta visão, o conceito de cultura dado por Kövecses (2005, p. 1) parece bastante apropriado: “de forma alinhada com o pensamento contemporâneo da antropologia, nós podemos pensar a cultura como um conjunto de entendimentos compartilhados que caracterizam grupos maiores ou menores de pessoas”.11 Devido ao fato de que esta visão de cultura torna explícita a relevância da mesma para o estudo da metáfora, ela será a visão adotada neste trabalho. Além disso, como estamos tratando de questões relacionadas ao uso racista de

11 Tradução nossa para: In line with some current thinking in anthropology, we can think of culture as a set of shared understandings that characterize smaller or larger groups of people. 28 determinadas metáforas, não podemos dissociar plenamente cultura de ideologia. Ou seja as metáforas emergem de diferentes culturas, e ao mesmo tempo as formam; e as ideologias estão inseridas simbioticamente em culturas. Uma diferença possível que podemos destacar refere- se, como veremos na seção a seguir, à questão do poder, que é central à ideologia e que está diretamente associada ao racismo.

2.6. METÁFORA E IDEOLOGIA

2.6.1. O conceito de ideologia

O primeiro conceito de ideologia a que se tem acesso data de 1801 e foi proposto pelo filósofo francês Destutt de Tracy no livro Elementos de ideologia. De acordo com o filósofo, “ideologia” seria o estudo científico das ideias. Para Van Dijk (2000, p. 6), essa visão de ideologia hoje seria chamada de psicologia ou ciência cognitiva. Essa visão tem muito a ver com o que o senso comum entende por ideologia. De forma geral, entende-se que as ideias que estão por trás das atitudes de uma pessoa constituem a sua ideologia, uma espécie de ideário. Van Dijk (2000) traduz essa visão como “um sistema de crenças”. Ele coloca que “ideologias têm a ver com sistemas de ideias e especialmente com ideias sociais, políticas ou religiosas compartilhadas por um grupo social ou movimento”12 (ibid., p. 6). Já para Marx e Engels, a ideologia passa a ter uma conotação negativa. Ela estaria ligada a uma deformação da consciência que serviria aos interesses da classe dominante. Van Dijk coloca essa interpretação da seguinte forma: “ideologias eram formas de ‘falsa consciência’, ou seja, crenças populares, porém enganadas, incuncadas pela classe dominante para legitimar o status quo e esconder as reais condições socioeconômicas dos trabalhadores”13 (ibid., p. 7). Desta forma, a ideologia seria uma forma de mascarar a realidade. Uma forma de ideologia positiva diz respeito às ideologias contrárias à dominação e à injustiça social. Considerando-se, por exemplo, que o racismo é uma ideologia, a ideologia antirracista é positiva. Karl Mannheim chama esse tipo de ideologia contrária à manutenção do status quo de “utopia”. Assim, a ideologia estaria ligada à luta por manutenção e a utopia à força revolucionária.

12Tradução nossa para Ideologies have something to do with systems of ideas, and especially with the social, political or religious ideas shared by a social group or movement. 13 Tradução nossa para Ideologies were forms of ‘false consciousness’, that is, popular but misguided beliefs inculcated by the ruling class in order to legitimate the status quo, and to conceal the real socioeconomic conditions of the workers. 29

É interessante observar que a ideologia também é considerada como a base das práticas sociais. Van Dijk (ibid., p. 8) afirma que “como sistemas de ideias de movimentos e grupos sociais, as ideologias não apenas fazem sentido para se entender o mundo (do ponto de vista do grupo), mas também são a base das práticas sociais dos membros do grupo”14. Posto isso, é possível afirmar que as ideologias surgem do conflito entre grupos: “nós” contra “eles”.

2.6.2. Metáfora e ideologia

Considerando-se que a metáfora pode ser usada como um elemento muito forte de persuasão, é natural que ela tenha uma função ideológica. Charteris-Black em sua Análise Crítica da Metáfora (baseada na Análise Crítica do Discurso, de Norman Fairclough) ressalta essa ligação entre metáfora e ideologia. Charteris-Black (2004, p. 7) afirma que “porque a metáfora é persuasiva, ela é frequentemente empregada discursivamente na linguagem retórica e argumentativa, como discursos políticos”15. O autor argumenta que através de uma maior conscientização crítica a respeito da linguagem é possível perceber a influência das escolhas lexicais no leitor / ouvinte (ibid., p. 9). Assim, é correto afirmar que em muitos casos, a metáfora transparece uma ideologia e, através de uma maior consciência sobre a língua, ou seja, através da percepção, da análise e de uma reflexão mais consciente, teórica e analiticamente respaldada sobre a língua, podem-se perceber seus efeitos persuasivos. Charteris-Black também coloca que uma maneira comum de comunicar ideologia é através do mito. O mito, que pode ser entendido como uma narrativa simbólica para explicar um fato, também tem uma função discursiva de persuasão. Assim como a metáfora, o mito cumpre o seu papel de influenciar, pois ambos podem ser usados, conscientemente ou inconscientemente, com o intuito de persuadir o leitor ou ouvinte. Goatly (2007) também enfatiza o uso ideológico da metáfora. Para ele, a metáfora tem um impacto emocional, que é a causa do grande interesse pela pesquisa em metáfora. Charteris- Black (2005, p. 41) corrobora essa visão e afirma o seguinte: “Eu tenho defendido que a metáfora tem um papel persuasivo muito importante na evocação de reações emocionais fortes

14 Tradução nossa para As systems of ideas of social groups and movements ideologies not only make sense in order to understand the world (from the point of view of the group), but also as a basis for the social practices of group members. 15 Tradução nossa para Because metaphor is persuasive it is frequently employed discursively in rhetorical and argumentative language such as political speeches. 30 que vão priorizar uma interpretação de um texto em detrimento de outra. É o seu papel persuasivo que constitui a base ideológica e retórica das metáforas”. 16 Considerando-se situações de racismo, aspectos culturais e ideológicos são primordiais para qualquer reflexão. Para nos debruçarmos sobre essa questão, optamos fazer um breve levantamento acerca das metáforas negras.

2.7. Metáforas Negras

Metáforas como as encontradas nas frases “A coisa está preta” e “Ele tem um passado negro” são chamadas de “metáforas negras”. Elas envolvem a cor preta ou negra e, segundo Paiva (1998), acabam por introjetar no falante o preconceito racial. Para abordarmos a questão das metáforas negras, optamos por apresentar o trabalho de Vera Menezes Paiva (ibid.), que tem uma visão assertiva a respeito do racismo relacionado a essas metáforas e também o trabalho de Raquel Luz Puente (2014), que questiona o cunho racista de metáforas negras presentes na Bíblia.

2.7.1 O racismo nas metáforas negras

Para Paiva (1998), mesmo quando utilizamos metáforas negras de forma não deliberada estamos reforçando o preconceito. Para sustentar essa hipótese, a autora lança mão de postulados de vários autores como Levinson (1983), Sapir (1949), Whorf (1965), Bakhtin (1981), Bordieu (1982), Lakoff e Johnson (1980 [2002]) e outros. A autora afirma que a Pragmática é uma área de estudo da linguagem especialmente importante para o estudo da metáfora. Como exemplo, há a “máxima da qualidade” de Grice (1975), segundo a qual não se deve afirmar o que acredita-se ser falso. Uma metáfora negra, como toda metáfora, pensada pelo ponto de vista da máxima da qualidade corresponderia a um enunciado falso, pois um enunciado como “ele é um negro de alma branca” não é verdadeiro porque alma não tem cor. Já que, segundo a autora, cabe à Pragmática estudar a metáfora, são explicitados os objetivos sugeridos por Levinson (1983, p. 161) dessa área de estudo em relação à metáfora: “1. identificar metáforas; 2. descrever como elas são construídas e reconhecidas; 3. descrever suas condições de uso; e 4. descrever como os contextos restringem as interpretações.” Além

16Tradução nossa para I have argued that metaphor has a very important persuasive role in evoking strong emotional responses that may prioritise one interpretation of a text over another. 31 disso, Paiva (1998, p. 2) acrescenta o seguinte: “no caso das metáforas veiculadoras de preconceitos, caberia à Pragmática descrever o processo como as metáforas são construídas e incorporadas ao repertório dos falantes, até mesmo daqueles que sofrem os preconceitos por elas difundidos.” A hipótese Sapir-Whorf (elaborada por Edward Sapir e Benjamin Whorf) contribui para a fundamentação teórica de Paiva (1998). O estudo das estruturas de uma língua pode revelar as concepções dos falantes dessa língua, já que, segundo esses autores, a visão de mundo é determinada pela linguagem. O fato de que não temos consciência das estruturas que controlam nosso pensamento leva à ideia de que o preconceito racial pode ser reforçado por elementos linguísticos. Bakhtin (1981) também é mencionado por Paiva (1998). Segundo Bakhtin (1981), estamos sempre falando a “palavra de outrem”. Ou seja, o que falamos não é totalmente inédito, pois há sempre outras vozes em nossa fala. Dialogamos com outros textos e outros falares, mesmo que não tenhamos consciência disso. E, segundo Paiva (1998), pode acontecer de retomarmos ideias com as quais não concordamos. Bordieu (1982) contribui para o estudo de Paiva (1998) devido ao fato de que ele mostra a importância das palavras para a construção da realidade. Já que nossas representações mentais afetam a maneira que construímos a realidade, podemos entender que as metáforas negras usadas em nosso discurso estão diretamente ligadas à nossa concepção do real. Paiva (1998) relaciona os postulados desses autores (Levinson (1983), Sapir (1949), Whorf (1965), Bakhtin (1981), Bordieu (1982) etc) à teoria desenvolvida por Lakoff e Johnson (1980 [2002]). A proposta de Lakoff e Johnson (ibid.) de que nosso pensamento é amplamente metafórico constitui a base do argumento de Paiva (1980). Como a mesma afirma, “a linguagem através das metáforas e de outros elementos do discurso, introjeta nos falantes o preconceito racial” (p. 3). Paiva (1998) aponta para o sentido pejorativo de muitos usos de palavras relacionadas a “preto” ou “negro”. Para isso, a autora menciona exemplos de dicionário e também de literatura. Através dos exemplos, a autora argumenta que a falta de consciência sobre a língua faz com que muitas vezes sejamos veículos inconscientes de discriminação racial.

2.7.2 Metáforas negras na Bíblia

Diferentemente de Paiva (ibid.), o trabalho de Puente (2014) investiga o uso de metáforas negras no Antigo Testamento. Em sua análise, a autora concluiu que o aspecto 32 pejorativo das metáforas negras presentes em seu corpus não está relacionado a nenhuma ideologia racista. Exemplos como “a terra está coberta de escuridão” e “dia de trevas e escuridão” demonstram que a negatividade da cor negra deve-se à sua relação com a escuridão. Segundo a autora, a negatividade em relação à escuridão surge a partir das dificuldades que ela gera devido às nossas limitações físicas. É a partir de nossa corporeidade que surge a metáfora conceptual MAL É ESCURIDÃO. Devido às características da visão humana, a falta de luz faz com tenhamos bastante dificuldade em realizar movimentos, identificar objetos etc. Puente (2014) coloca que a negatividade presente nas metáforas negras estudadas por ela é corpórea, pois tem origem sensório-motora e é projetada metaforicamente. A autora afirma ainda que há um outro tipo de negatividade, a ideológica, que é motivada por uma ideologia racista. Porém, em seu trabalho, esta última não foi verificada. Puente (ibid.) mostra que há diversas passagens bíblicas em que a escuridão é apresentada como algo negativo. A autora divide essas passagens em dois tipos: as que relatam eventos concretos nos quais a escuridão implica em morte, perda de terras para inimigos e outros atos de violência; e as passagens que que há metáforas linguísticas relacionadas à metáfora conceptual MAL É ESCURIDÃO. Este último caso resulta de uma espécie de herança cognitiva, através da qual as dificuldades concretas geradas pela escuridão são projetadas para experiências mais abstratas. Essa projeção acontece, por exemplo, em passagens nas quais pessoas ímpias são relacionadas à escuridão, como em: “Mas o caminho dos ímpios é como densas trevas; nem sequer sabem em que tropeçam” (Provérbios 4, 19). O contrário (a presença de luz) também aparece denotando coisas positivas: “a tua palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz que clareia o meu caminho” (Salmos 119: 105). Neste caso, para explicitar o quão positiva é a palavra de Deus, ou a Bíblia, é feita uma conceptualização da palavra como uma luz que ilumina um caminho. Percebe-se que, nesses poucos exemplos mencionados aqui (no trabalho de Puente há muitos outros), a questão da escuridão relacionada à corporeidade é muito forte. Ao longo do Antigo Testamento, há variados casos em que a negatividade da escuridão se deve às experiências corpóreas nas quais a falta de luz produz uma consequência ruim. Apesar de concordar com Paiva (1998) no sentido de que é possível que o uso de metáforas negras contribuam para a perpetuação de comportamentos racistas, a autora da pesquisa (Puente, 2014) afirmou que, nas passagens bíblicas estudadas, a questão do racismo não pôde ser encontrada, já que a questão predominante realmente foi a questão corpórea. 33

Um fator interessante acerca do trabalho de Puente é que ele aponta para o uso de metáforas negras baseado na literalidade da escuridão. Desta forma, muitas das metáforas negras possuem uma negatividade proveniente da dificuldade encontrada na escuridão devido às características físicas, não havendo necessariamente, assim, a ideologia do racismo. Porém, apesar da ausência de racismo nos textos bíblicos estudados pela autora, pode-se afirmar que, ao longo do tempo, em um processo sócio-histórico, as metáforas negras passaram a envolver questões raciais, sem, no entanto, perder a sua base corpórea. Isso vai ao encontro dos postulados centrais da linguística cognitiva, que não separam o corpo, a mente e o contexto sociocultural (PALOMANES; MARTELOTTA, 2012). Os conceitos discutidos neste capítulo que ora se encerra fundamentarão teoricamente a nossa análise, em suas duas etapas. Mesmo que alguns deles não sejam acionados explicitamente como ferramenta analítica, todos, enquanto pressupostos de base, certamente, ancorarão a análise. Apesar de ter como foco empírico expressões linguísticas, a pesquisa tem como objetivo revelar as formações sociocognitivas por trás de tais expressões, principalmente as metáforas conceptuais (em seus vários tipos), que, atreladas a ideologias e imersas na cultura, se apoiam e, ao mesmo tempo sustentam, pensamentos, palavras e até mesmo atos racistas.

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3. METODOLOGIA

Para explorar os objetivos desta pesquisa, recorremos a mais de um procedimento para escolha e coleta de dados, como também para a própria análise desses dados. Na primeira etapa, fazemos uma análise inicial das ocorrências do termo “macaco” encontradas em um corpus eletrônico da língua portuguesa. Na segunda etapa, utilizamos como corpus comentários de conteúdo racista encontrados em páginas da internet. Após a análise das metáforas encontradas nos comentários, há uma discussão dos resultados obtidos através de ambas as análises. O procedimentos adotados em cada uma das etapas serão descritos nas seções a seguir.

3.1. Procedimentos de análise do uso metafórico do termo “macaco”

Em uma análise inicial, escolhemos como base a linguística de corpus, que se ocupa em fazer pesquisa linguística utilizando-se de dados coletados eletronicamente. Como corpus, optamos por utilizar o Corpus do Português, que se encontra no sítio eletrônico , que contém mais de 45 milhões de palavras e quase 57,000 textos em português do século XIV ao século XX, segundo informações do site. Analisamos algumas ocorrências do termo “macaco” na língua portuguesa para verificar quais seriam os usos metafóricos. Para identificarmos os usos metafóricos, adotamos o PIM (Procedimento de Identificação de Metáforas), elaborado pelo grupo Pragglejaz (2009). O PIM nos permite identificar metáforas com mais precisão. Esse método consiste basicamente em analisar o significado contextual das unidades lexicais, o seu significado básico e fazer uma comparação entre esses significados para verificar se há alguma incongruência. Caso haja incongruência, entende-se que a unidade lexical está sendo usada figurativamente, não sendo necessariamente uma metáfora. Caso o significado contextual possa ser compreendido em termos do significado básico, conclui-se, então, que trata-se de um uso metafórico. No caso das ocorrências metafóricas, verificamos se eram de usos racistas ou não. Ao todo, foram analisadas as primeiras vinte ocorrências do termo “macaco”. Foi possível, através dessa análise inicial, verificar alguns mapeamentos possíveis do termo “macaco” utilizado metaforicamente. Essa etapa da pesquisa foi ao mesmo tempo indutiva e dedutiva. Indutiva porque analisamos todas as ocorrências do termo que surgiram empiricamente. Obviamente houve uma seleção prévia a partir da busca por um termo especifico. Mas, na linguística de corpus, o programa busca as ocorrências do termo selecionado a partir de amostras de usos 35 autênticos da língua. Ou seja, os dados não foram “inventados”, como é o caso de muitas pesquisas em metáfora conceptual (DEIGNAN, 2005). A classificação entre usos metafóricos ou não, como já mencionado, baseou-se em um procedimento de certa forma já legitimado metodologicamente na pesquisa em metáfora: o PIM. Por outro lado, a identificação de usos racistas ou não foi de caráter mais dedutivo, pois já partimos de uma noção, baseada apenas em nossos próprios frames17 sociodiscursivos em combinação com o contexto linguístico- discursivo em que as metáforas aparecem, do que seria um uso racista ou não. Dessa forma, a pesquisa pode ser também considerada de natureza qualitativo-interpretativista, mesmo não sendo etnográfica. No paradigma qualitativo,

[...] o pesquisador, para dar significados a esses “textos”, é influenciado por sua própria história de vida, por sua visão de mundo, pelo seu gênero, raça e cultura. Por vez, sua biografia e narrativa interferem ativamente no processo de pesquisa, que é construído de forma criativa e interativa (DENZIN; LINCOLN, 2006, apud. CHUEQUE; LIMA, 2012, p. 63). Dessa forma, a nossa interpretação do que seria racista ou não certamente sofrerá influências de fatores tanto subjetivos como culturais e, por isso, as conclusões a que chegamos a partir delas estarão sempre abertas a outras interpretações.

3.2. Procedimentos de análise de comentários racistas

Com o objetivo de focar no uso racista do termo “macaco”, seguindo, portanto, uma abordagem dedutiva, optamos por uma segunda etapa de coleta de dados. Essa etapa foi feita a partir de comentários de teor racista encontrados na Internet. Foram selecionados seis casos em que pessoas negras conhecidas do público em geral foram alvos desses comentários. O critério para a escolha desses casos foi a repercussão que eles tiveram na mídia e também o fato de eles acontecerem durante o período de elaboração desta pesquisa. É interessante observar que o nosso objetivo inicial era analisar apenas os casos de racismo em que houvesse uma relação metafórica entre uma pessoa afrodescendente e o animal

17 Fillmore (2006) define frame como […] qualquer sistema de conceitos relacionados de tal forma que, para entender qualquer um deles você tem que compreender toda a estrutura na qual ele se encaixa; quando uma das coisas de tal estrutura é introduzida em um texto, ou em uma conversa, todas as outras são automaticamente disponibilizadas. Pretendo que a palavra ‘frame’ como usada aqui para ser um termo geral para o conjunto de conceitos com denominações variadas, na literatura sobre a compreensão da linguagem natural, como ‘esquema’, ‘script’, ‘cenário’, ‘andaime ideacional’ ‘modelo cognitivo’ ou ‘teoria popular’. Tradução nossa para: […] any system of concepts related in such a way that to understand any one of them you have to understand the whole structure in which it fits; when one of the things in such a structure is introduced into a text, or into a conversation, all of the others are automatically made available. I intend the word ‘frame’ as used here to be a general cover term for the set of concepts variously known, in the literature on natural language understanding, as ‘schema’, ‘script’, ‘scenario’, ‘ideational scaf folding’, ‘cognitive model’, or ‘folk theory’. 36 macaco. Porém, ao fazermos a primeira parte desta pesquisa, não encontramos nenhum uso metafórico que pudesse ser considerado explicitamente racista. Alguns mapeamentos podem até ser considerados pejorativos, como por exemplo, os trejeitos, a maneira desajeitada do macaco, porém não encontramos evidências de uso racista. Portanto, para investigarmos o uso racista de “macaco”, tão noticiado na mídia e em redes sociais, fez-se necessária a realização desta segunda etapa, na qual já partimos de textos considerados claramemente racistas. Na análise dos comentários de teor racista, encontramos várias relações metafóricas e também metonímicas. Para essa análise, elaboramos quadros em que são agrupados os veículos metafóricos e metonímicos em uma coluna e as relações figuradas em outra. Na coluna de relações figuradas, buscamos especificar que relações poderiam ser estabelecidas através de cada veículo. Utilizamos a expressão “metonímia pela cor” para indicar uma relação metonímica que envolve a cor de algum objeto, e “metáfora por valoração” para indicar um caráter avaliativo do uso metafórico. Por exemplo, no comentário passou do ponto, dizemos que se trata de uma “metonímia pela cor”, devido ao fato de uma comida queimada ser mais escura e, nesse caso, entendemos que há uma relação metonímica com a cor. E colocamos também que se trata de uma “metáfora por valoração”, devido ao fato de uma comida queimada ser considerada ruim. Como o sabor de um alimento é alterado, em geral para pior, quando ele passa do seu ponto de cozimento, entendemos que haja um fator avaliativo no uso desse veículo metafórico, o que justifica o uso da expressão “metáfora por valoração”. Dentre os comentários analisados, alguns apresentaram o uso metafórico e/ou metonímico das expressões “macaco” e “banana”. Entretanto, muitos outros veículos puderam ser observados. Devido a este fato, optamos por estender a pesquisa também a outros veículos metafóricos e/ou metonímicos. Fizemos uma relação dos veículos encontrados em cada caso de racismo analisado, assim como tecemos alguns apontamentos sobre eles. Dessa forma, a pesquisa que incialmente focava na expressão “macaco”, passou a contemplar, na segunda fase da análise, outras expressões que, da mesma forma que “macaco”, pressupõem mapeamentos que veiculam uma ideologia racista e, por isso, são aqui abordadas como “metáforas negras”.

3.3. Procedimentos de discussão dos resultados

Na discussão dos resultados, optamos por fazer uma problematização acerca dos veículos metafóricos e metonímicos encontrados na análise dos comentários de teor racista. No total, foram encontrados trinta veículos. Ao observarmos a ocorrência desses veículos, identificamos que alguns foram mais frequentes que outros. Esses resultados são apresentados 37 na forma de quadro. No quadro 7 (Veículos metafóricos e suas ocorrências), são listados todos os veículos encontrados em uma coluna e em outra é apresentado o número de ocorrências de cada um deles. A partir da observação dos veículos metafóricos e metonímicos encontrados foi possível a sua divisão em categorias. Ao fazermos essa categorização, pudemos perceber que alguns veículos metafóricos e/ou metonímicos podem ser considerados como pertencentes a mais de uma categoria e que há uma relação entre as categorias. Assim, torna-se possível a observação de que categorias são mais presentes. Entendemos que o fato de haver mais veículos metafóricos e/ou metonímicos em uma categoria do que em outras seja relevante para uma melhor compreensão do processo que envolve a ideologia do racismo. Posteriormente a essa categorização dos veículos metafóricos e/ou metonímicos, optamos por discorrer sobre as questões ideológicas e culturais presentes em cada categoria de veículos. Desta forma, tecemos comentários sobre os veículos metafóricos e/ou metonímicos pertencentes a cada categoria, inserindo-os no contexto da sociedade brasileira contemporânea.

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4. ANÁLISE DO USO METAFÓRICO DO TERMO “MACACO”

No sítio eletrônico Corpus do Português, foram encontrados 359 usos da palavra “macaco”. Destacamos vinte usos para uma análise inicial. Essas primeiras ocorrências encontram-se no ANEXO. Ao analisar as ocorrências do termo “macaco”, pudemos, através do contexto de cada uso e, seguindo a metodologia PIM, descrita no capítulo 3, identificar algumas metáforas linguísticas com o termo. A partir de então, analisamos os mapeamentos de cada metáfora, buscando identificar se se tratavam de usos pejorativos ou não. Os mapeamentos encontrados foram os seguintes:

4.1. A estrutura física

Um característica importante do animal “macaco”, que aparece nas projeções, é a sua estrutura física. Esse mapeamento tem a ver com o fato de o macaco ser um animal e, nesse caso, características que em geral são encontradas em animais são ressaltadas. Há, abaixo três ocorrências, licenciados pela metáfora conceptual mais geral HOMEM É ANIMAL, que ilustram esse mapeamento: vê -, com as mãos peludas agarrando o rifle, é na verdade um macaco. [...] (Ocorrência n. 10) brutalidade das feições; tinha olhos grandes e pouco queixo, um maxilar de macaco. [...] (Ocorrência n. 14) Ele o chamou de “O corpo do macaco chinês” [...] (Ocorrência n. 18)

Podemos observar que, no primeiro caso, uma característica de alguns animais é enfatizada: o fato de terem o corpo coberto de pelos. Apesar de o ser humano também possuir pelos no corpo, os animais os possuem em maior quantidade. Essa relação de pelos com animais aparece em discursos do cotidiano como, por exemplo, chamar uma pessoa que possui muitos pelos de “urso”. Outros exemplos do cotidiano estão presentes nos memes18 abaixo:

18 Segundo do Dicionário Priberam, meme é uma expressão em inglês, originária do grego mimema, e significa: Imagem, informação ou ideia que se espalha rapidamente através da internet, correspondendo geralmente à reutilização ou alteração humorística ou satírica de uma imagem. DICIONÁRIO Priberam. https://www.priberam.pt/dlpo/meme Acesso em 07/07/2016. 39

Figura 3 Fonte: Rádio Band FM http://bandconquista.com.br/wp- content/uploads/2015/10/022.jpg Acesso em 06/07/16. Figura 4 Fonte: Blog Muito pelo Contrário http://muitopelo.blogspot.com.br/2015_09 _27_archive.html#axzz4Ded8aXm1 Acesso em 06/07/16. Na figura 3, aparece um casal tirando foto sem roupas. Como se trata de um ator brasileiro muito conhecido (Stênio Garcia), a foto se espalhou rapidamente através da Internet. Com isso, surgiu a figura 4, na qual há um casal com fisionomia de macaco e com o corpo coberto de pelos, fazendo referência à foto da figura 3. Além da caracterização do casal como animais, há a legenda: depois de Stênio Garcia agora é a vez de Tony Ramos. O suposto humor da imagem reside no fato de que, além de fazer referência a uma foto que ficou muito popular, é mencionado o ator Tony Ramos, que possui muitos pelos pelo corpo. É interessante que, como o ator Tony Ramos não é negro, não está presente a ideologia do racismo. A relação com a figura do macaco, nesse caso, é feita devido aos pelos do corpo e não a uma ideologia racista. Uma vez que o ator Tony Ramos é um dos mais conhecidos do Brasil e também é uma pessoa considerada muito “peluda”, há diversos textos humorísticos ressaltando essa sua característica. Isto pode ser observado nos memes abaixo:

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Figura 5 Figura 6 Fonte: Site Gerador Memes Fonte: Site Gerador Memes http://geradormemes.com/media/download.php?meme http://geradormemes.com/media/created/qv =iwqs30 Acesso em 06/07/16. whvt.jpg Acesso em 06/07/16.

Há, na língua portuguesa, uma expressão que aponta para a negatividade do adjetivo “peludo”. A expressão “coração peludo” denota uma característica ruim. Segundo o Dicionário Informal19, uma pessoa que tem o coração peludo é uma “pessoa com ódio no coração”. Abaixo, encontram-se dois memes que ilustram o uso dessa expressão na língua:

Figura 8 Fonte: Site Gerador de Memes http://geradormemes.com/media/created/i5a6rb.j pg Acesso em 06/07/16.

Figura 7 Fonte: Site Meme 4 Fun http://meme4fun.com/images/f366cd5c-2e85-46c5- b505-be65ad25902b.jpg Acesso em 06/07/16. Na segunda ocorrência que ressalta a estrutura física do macaco, há as seguintes características: brutalidade das feições e olhos grandes e pouco queixo seguidas da expressão um maxilar de macaco. Apesar de as primeiras não estarem necessariamente fazendo referência a um macaco (possivelmente refere-se a uma pessoa), elas fazem parte, juntamente com maxilar

19 DICIONÁRIO Informal. http://www.dicionarioinformal.com.br/cora%C3%A7%C3%A3o%20peludo/ Acesso em 07/07/16. 41 de macaco, de uma mesma descrição. Portanto, maxilar de macaco contribui para a caracterização negativa da aparência de alguém, alguém cujas feições são tidas como brutas. Já a terceira ocorrência, corpo do macaco chinês, diz respeito à estrutura física do macaco, porém sem necessariamente haver negatividade.

4.2. Os trejeitos Os trejeitos do macaco também são mapeados em algumas relações metafóricas. Há o entendimento de que macacos são desajeitados, xucros ou não-civilizados. As ocorrências abaixo ilustram esse tipo de mapeamento:

[...] sair na rua feito um macaco [...] (Ocorrência n. 1) [...] muitas empresas naufragaram quando, em um de seus malabarismos de macaco em casa de louça [...] (Ocorrência n. 12) Esse mapeamento, apesar de não poder ser considerado racista, implica uma avaliação negativa projetada do domínio fonte: a falta de jeito e coordenação do animal macaco.

4.3. A esperteza

O macaco também aparece como um animal esperto. Segundo o Dicionário Online de Português,20 “macaco velho” é uma expressão popular que significa: “Característica de quem é muito experiente em determinado assunto; astuto, calejado, perito.” Estando essa expressão relacionada à experiência de uma pessoa (não importando a sua cor ou etnia), ela não teria, a princípio, uma conotação ruim. As ocorrências abaixo contêm essa expressão:

[...] Já tô macaco velho [...] (Ocorrência n. 9) [...] o delegado aprendera que macaco velho não mete a mão em cumbuca (Ocorrência n. 13) No entanto, um exemplo de caso em que há a possibilidade da expressão ser usada com conotação pejorativa é o que aconteceu com o cantor e compositor Ivo Meirelles. Segundo o site Uol, ele alegou que foi chamado de macaco velho de maneira ofensiva, enquanto participava de um programa de televisão chamado . Ele afirmou o seguinte: “[...] Mas eu fui muito ofendido, a ponto de me chamar de macaco velho no sentido pejorativo, não no sentido de esperteza.” http://televisao.uol.com.br/a-

20 DICIONÁRIO Online de Português. http://www.dicio.com.br/macaco-velho/ Acesso em: 05/07/16. 42 fazenda/6/noticias/redacao/2013/06/26/ivo-mereilles-diz-que-foi-chamado-de-macaco-velho- no-sentido-pejorativo.htm (Acesso em 05/07/16) Pode-se observar no último exemplo (ocorrência n.13) a presença do ditado popular: macaco velho não mete a mão em cumbuca. O Dicionário Informal21 dá um explicação para esse ditado: “Cumbuca é uma árvore, o fruto dela em forma de cumbuca, maduro forma uma semente, os filhotes de macaco que vão apanhá-los ficam com a mão presa, só quando soltam a semente, consegue sair.” Segundo essa explicação, a expressão tem por base um fator natural, ou seja, algo que acontece na natureza teria dado um embasamento para essa expressão linguística.

4.4. A primitividade

Há, nas ocorrências analisadas, também o mapeamento de primitividade. O macaco é tido como um ser primitivo ou subdesenvolvido. Percebe-se que essa caracterização do macaco somente é possível em uma comparação com o homem, pois dentre os animais, o macaco é o mais desenvolvido. Apesar de o macaco ser um animal com o cérebro bastante evoluído, não é tão inteligente quanto o homem. Essa inferioridade em relação à escala evolutiva transparece no usos abaixo:

evolução do homem – quando o homem sapiens – que já deixou de ser (macaco) – passou a usar a inteligência [...] (Ocorrência n. 8) Você deu um salto qualitativo, entende? Como se eu fosse um macaco e me tornasse um homem. [...] (Ocorrência n. 20)

É interessante observar que, nesta primeira parte da pesquisa, não encontramos nenhum caso de racismo. Nas vinte primeiras ocorrências do termo “macaco”, foram observados usos literais e usos metafóricos. Na análise dos usos metafóricos, pudemos destacar alguns mapeamentos encontrados, porém em nenhum deles pôde ser percebido algum caso de racismo. Apesar de ser muito comum o preconceito racial expresso através de comparações com o animal macaco, pelo menos na análise das primeiras ocorrências do termo “macaco” ele não pôde ser constatado. O que constatamos, efetivamente, foi a negatividade presente nos mapeamentos encontrados. Embora não haja evidências de usos racistas, acreditamos que o fato

21 DICIONÁRIO Informal. http://www.dicionarioinformal.com.br/macaco%20velho%20n%C3%A3o%20p%C3%B5e%20a%20m%C3%A3 o%20em%20cumbuca/ Acesso em: 05/07/16. 43 de os mapeamentos serem realizados de maneira pejorativa aponta para outras situações (mais distanciadas do “politicamente correto”) em que esses mesmos mapeamentos são feitos a fim de reforçar a ideologia racista.

4.5. O uso racista do termo “macaco”

Ao longo da história, o ato de relacionar afrodescendentes à figura do macaco parece ter sido estabelecido por diversos motivos. Um desses motivos seria para reafirmar a condição de não humano do negro. E, a partir daí, fazer o processo de escravização de negros africanos parecer algo aceitável. O escritor americano James Bradley em seu artigo The ape insult: a short history of a racist idea (O insulto do macaco: uma breve história de uma ideia racista) (BRADLEY, 2013) explica como surgiu esse hábito de insultar as pessoas negras chamando-as de macaco. Para o autor, a relação entre as negros e os macacos se dá devido a um conjunto de teorias religiosas e científicas. Um exemplo de teoria cientifica é a teoria de Lamarck, cuja obra propõe que ao invés de termos um ancestral comum com os macacos (como na teoria de Darwin, ilustrada pela figura 9), eles mesmos, os macacos, seriam nossos ancestrais.

Figura 9 Fonte: Evolution Academy http://evolutionacademy.bio.br/se-a-evolucao-e-verdade-e-o-homem-veio-do-macaco-porque-ainda-existem- macacos/ Acesso em 26/08/15.

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E, a partir desse ponto de vista, surge o entendimento racista de que os africanos estariam entre os macacos e os europeus na escala evolutiva. Podemos ilustrar essa visão com a figura 2, já usada anteriormente para exemplificar a metáfora orientacional, na qual podemos ver uma suposta evolução do macaco para o homem.

Figura 2 Fonte: Site Mundo Educação http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/biologia/evolucao-humana.htm Acesso em 26/08/15.

Um acontecimento triste na nossa história que demonstra a força da conceptualização do africano como macaco é o que aconteceu com o congolês Ota Benga. Sua história pode ser encontrada no artigo “The Scandal at the Zoo” ou “O escândalo no zoológico” (KELLER, 2006) do jornal The New York Times. O artigo relata que Ota Benga foi levado do Congo para os Estados Unidos e em 1906 ele foi exibido no zoológico do Bronx junto com um orangotango. (figura 10). Temos, aqui, uma evidência concreta dessa conceptualização e a percepção de uma metáfora negra levada ao extremo.

Figura 10 Fonte: Facts that make your life worse http://factsthatmakeyourlifeworse.tumblr.com/ Acesso em 26/08/15.

Compartilhamos o pressuposto de Lakoff e Johnson (1980 [2002]) de que as semelhanças entre os dois domínios não são a eles inerentes, mas sim motivadas pela própria 45 projeção de um sobre outro ou pela interação entre um e outro, dentro de uma visão interacional (BLACK, 1962)22. Assim, podemos afirmar que a semelhança entre o animal macaco e uma pessoa afrodescendente não é inerente a esses dois conceitos, mas surge na interação de um com o outro. Nessa interação, quais seriam os mapeamentos tipicamente acionados em casos claros de racismo? Como não houve racismo nos casos analisados na pesquisa com corpus eletrônico, apenas mapeamentos negativos, optamos, em uma postura assumidamente dedutiva, por tecer comentários acerca de alguns casos de racismo, envolvendo o termo “macaco”, divulgados na mídia. Esses casos, como mencionamos na Introdução (seção 1.1), ocorreram com bastante frequência durante a execução desta pesquisa. O primeiro caso ao qual podemos fazer menção é o caso do jogador de futebol Daniel Alves. Durante uma partida, um torcedor arremessou uma banana no jogador. Como resposta, Daniel Alves pegou a banana no chão e comeu a fruta no mesmo instante (figura 11). Esse ato do jogador teve muita repercussão na mídia, sendo considerado por muitos uma atitude de combate ao racismo, como ilustra a figura 12. Neste caso, é entendida uma relação do gesto do jogador com rituais antropofágicos de algumas culturas. Desta forma, o jogador estaria sendo superior ao racismo ao comer o objeto utilizado para promovê-lo.

Figura 11 Fonte: 180 graus http://180graus.com/esporte/dani-alves-come-banana-jogada-por-torcedor-em-campo-assista-o-video Acesso em 26/08/15.

22 Esta contribuição da teoria da interação de Black (1962) foi abordada em 2.2. 46

Figura 12 Fonte: Jornal NH http://www.jornalnh.com.br/_conteudo/2014/04/noticias/regiao/38903-imposto-de-renda-e-a-banana-de- daniel-alves-sao-os-temas-das-charges-desta-terca-feira.html Acesso em 26/08/15. Supostamente como uma maneira de apoiar o jogador Daniel Alves, foi lançada na mídia uma campanha denominada #somostodosmacacos, através da qual o jogador Neymar, seguido por muitos artistas, publicaram fotos suas comendo uma banana. Algumas fotos dessa campanha podem ser observadas na figura a seguir:

Figura 13 Fonte: Blog Maria Preta http://www.mariapreta.org/2014_04_01_archive.html Acesso em 26/08/15. Apesar da expressão “somos todos macacos” apontar para um possível discurso de resistência23, muitas pessoas não a entenderam desta forma, pois para alguns grupos ativistas

23 Retomaremos a noção de “discurso de resistência” na seção 5.2. 47 do movimento negro, essa expressão reforça o racismo ao invés de combatê-lo. Segundo esse ponto de vista, já que a relação do negro com o macaco tem sido feita historicamente com fins de diminuir o negro, não podemos reforçar essa ligação. Alguns exemplos de discurso contrário a essa campanha podem ser encontrados no sítio eletrônico do Geledés – Instituto da Mulher Negra24, que vem a ser uma organização contra o racismo e o sexismo. As imagens abaixo ilustram essa resistência à campanha Somos Todos Macacos. Diferentemente de um discurso através do qual todos os seres humanos são conceptualizados como macaco, essas figuras (14 e 15) apontam para um distanciamento entre esses conceitos, individualizando os termos “macaco” e “banana” e acrescentando a expressão “racismo é crime”. A figura 14 apresenta o seguinte período: “Macaco é macaco, banana é banana e racismo é crime” e a figura 15, “Para nós, banana é fruta, macaco é um animal e racismo é crime.”.

Figura 14 Fonte: Portal AZ https://www.portalaz.com.br/blog/territorio-masculino/293725/macaco-e-macaco-banana-e-banana-racismo- e-racismo Acesso em 12/08/16.

24 http://www.geledes.org.br/sobre-macacos-bananas-daniel-alves-e-neymar-nao-somos-macacos-porra-por- higor-faria/. Acesso em 12/08/16. 48

Figura 15 Fonte: Spikefolio https://spikefolio.wordpress.com/2007/11/02/anuncio-racismo/ Acesso em 12/08/16.

Podemos também mencionar o caso do goleiro Mário Lúcio Duarte Costa, conhecido como Aranha. O atleta foi agredido verbalmente por uma torcedora, que foi filmada no exato momento em que pronunciava a palavra “macaco”. Devido a essa filmagem, o caso ganhou muita repercussão na mídia e gerou muita polêmica, pois algumas pessoas defenderam a torcedora alegando serem contrárias às regras do “politicamente correto”. Um fato relevante para essa polêmica diz respeito à história do time da torcedora, o Grêmio. Tradicionalmente, o grande rival do Grêmio tem sido o Internacional, já que são dois times de muita expressão no Rio Grande do Sul. Diferentemente do Grêmio, que é um time tido como mais elitista, o Internacional desde sua origem é considerado mais popular. Até mesmo o seu nome, Internacional, marca uma diferença em relação a outros times que surgiram para agregar pessoas de uma determinada etnia ou nacionalidade, como, por exemplo, o time carioca Vasco da Gama que agregava imigrantes portugueses. Assim, o Internacional congregaria pessoas de várias nacionalidades25. O mascote do time, o Saci Pererê, também é uma marca popular do time, que estaria ligado a pessoas negras. Além do Saci, muitas vezes, é considerado também como um mascote, o macaco, que aparece diversas vezes na torcida colorada, como é

25 Um relato sobre a origem do time Sport Club Internacional pode ser encontrado em seu site oficial: http://www.internacional.com.br/conteudo?modulo=1&setor=1&secao=1 Acesso em 12/08/16. 49 chamada a torcida do Internacional26. Podemos inferir que a escolha desses mascotes, assim como, por exemplo, a escolha do urubu para mascote do Flamengo, esteja relacionada a uma ressignificação desses conceitos (Saci, macaco, urubu). Apesar de a imagem desses personagens ser, muitas vezes, utilizada para agredir o negro, em uma espécie de alinhamento com discursos de resistência, os próprios torcedores do Internacional e do Flamengo assumem essa ligação com esses personagens. Desta maneira, sendo o Grêmio um rival do Internacional, criou-se o costume de chamar os adversários de “macaco”. Apesar de o jogo em que a torcedora chamou o goleiro Aranha de macaco não ter sido contra o Internacional e sim contra o Santos, algumas pessoas alegaram que ela agiu desta maneira motivada pelo comportamento habitual da torcida do Grêmio e que teve a infelicidade de ter sido, apenas ela, filmada. Apesar deste ponto de vista, através do qual a atitude da torcedora é amenizada pelo contexto em que estava inserida, ela foi amplamente condenada pela opinião pública, chegando inclusive a ter sua casa incendiada. É interessante observar que, como o caso teve muita repercussão, a torcida do Grêmio alterou alguns dos seus cânticos que continham o termo “macaco”, porém a torcida do Internacional continuou utilizando a figura do macaco para sua própria identificação. Outro caso, este mais recente (julho de 2016), do uso racista da expressão “macaco” ocorreu com a cantora Preta Gil (figura 16). Ela foi alvo dos seguintes comentários: Achei que macaca vivia apenas na floresta ou no zoológico e Volta pra jaula sua macaca, vou pegar meu xicote [sic] [...]. Podemos perceber, nesses comentários, que os termos macaca, floresta, zoológico, jaula e chicote são utilizados na conceptualização da atriz como um animal, para que a mesma seja inferiorizada. Outros comentários de teor racista, como esses, serão analisados de maneira mais consistente no capítulo 5.

26 Uma explanação sobre esses mascotes pode ser encontrada em: http://esporteinterativo.com.br/blogs/paixao- nacional/mascotes-do-brasil-internacional-e-seu-saci-que-deu-uma-banda-no-preconceito/ Acesso em 12/08/16. 50

Figura 16 Fonte: Bol http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/entretenimento/2016/07/26/preta-gil-e-alvo-de-racismo-na-web- e-desabafa-estou-cansada-dessa-impunidade.htm Acesso em 12/08/16.

Também convém mencionarmos o caso da judoca Rafaela Silva. Durante as Olimpíadas de 2012, a atleta foi chamada de macaca ao cometer um erro e ser desclassificada. Já nos Jogos Olímpicos de 2016, ela foi a primeira atleta brasileira a conquistar a medalha de ouro e a sua história de superação foi amplamente divulgada através de várias mídias. Após sua vitória, a atleta fez as seguintes afirmações: “Eles falaram que o judô não era para mim, que eu era uma vergonha e que lugar de macaco era na jaula. Agora, minha resposta é a medalha no meu peito.”27 e “O macaco que tinha que estar na jaula hoje é campeão.”28 O uso racista do termo macaco, como já vimos, apesar de não aparecer tão frequentemente em usos mais controlados, parece apresentar um grande impacto e tem ocorrido reiteradas vezes, como apontam os casos mencionados nesta seção. Outra forma de observar o uso racista do termo “macaco” é pelas suas derivações morfológicas. Por exemplo, o termo “macacada” figurativamente significa “pessoal, companheiros, turma”29. Porém, ele apresenta certa ambiguidade, visto que não há uma substituição neutra de um termo pelo outro. As expressões “macacada” e “grupo de pessoas” não são intercambiáveis em todos os contextos, assim como ocorre nas demais relações semânticas entre outros termos. Ao mesmo tempo em que podemos usá-lo apenas para fazer referência a um grupo de pessoas, ele pode ser pejorativo. Há também a expressão “fazer macacada”, que significa fazer graça, sendo sinônimo de “macaquice”. Também as expressões “macaca de auditório”, “macaco de imitação”, “pagar

27 Fonte: http://extra.globo.com/esporte/rio-2016/rafaela-silva-sai-das-ruas-de-uma-das-favelas-mais-violentas- do-rio-para-podio-olimpico-19881235.html#ixzz4GzXvPIJh Acesso em 10/08/16. 28 Fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/2016/248481/Rafaela-%E2%80%98O-macaco-que-tinha-que-estar- na-jaula-hoje-%C3%A9-campe%C3%A3o%E2%80%99.htm Acesso em 11/08/16. 29 DICIONÁRIO da Língua Portuguesa. São Paulo: Cia. Melhoramentos, 2006. 51 mico” e “pentear macaco”. Todas essas expressões parecem ter uma conotação negativa. No caso desta última, “pentear macaco”, é interessante observar que uma das versões acerca de seu surgimento data da época da escravatura. Segundo essa versão, a expressão significava um castigo para os negros escravizados, que tinham que dar banho uns nos outros e depois pentear os cabelos30. Percebe-se, nessa versão, já uma conceptualização racista dos negros como macacos. Uma conceptualização também antiga (porém menos antiga que a da escravidão) do homem como macaco data de 1920, na Argentina. Na charge ilustrada na figura 17, a delegação brasileira de futebol é retratada como macacos. Essa charge foi publicada após uma vitória do Brasil sobre a seleção argentina e é tida como um possível início da rivalidade entre os dois países.

Figura 17 Fonte: JCNet http://www.jcnet.com.br/Esportes/2014/07/charge-com-macacos-iniciou-rivalidade-entre-brasil-x- argentina.html#prettyPhoto Acesso em 12/08/16.

Assim, acreditamos que a metáfora conceptual HOMEM É ANIMAL é certamente acionada nos usos metafóricos da expressão “macaco”, tanto nos mapeamentos encontrados nos usos não racistas analisados previamente, como nos casos de racismo analisados

30 http://www.recantodasletras.com.br/artigos/4713098 Acesso em 11/08/16. 52 posteriormente. Por outro lado, ao pensarmos que o macaco no reino animal poderia ser avaliado como o mais desenvolvido, por ser o mais próximo do homem, entendemos que o a conceptualização do homem como macaco não remete à primitividade do macaco em relação aos outros animais, mas sim à primitividade do macaco em relação ao próprio homem. Ou seja, o macaco, como domínio fonte, seria um arremedo primitivo do homem: um homem incompleto, não civilizado, infantilizado. Das expressões mencionadas anteriormente, podemos inferir que a cor do macaco não é sempre o aspecto mais relevante. Antes, a sua inferioridade frente ao homem é que constitui o mapeamento mais sobressalente na conceptualização do negro. Esse mapeamento de primitividade também pode ser observado nas seguintes frases, que contém o termo “macaco”:

O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro. (Mario Quintana)

Tornamo-nos deuses na tecnologia, mas permanecemos macacos na vida. (Arnold Toynbee)

Democracia é a arte de, da gaiola dos macacos, gerir o circo. (H. L. Mencken)

Humanos não passam de imitações de macacos, e deuses não passam de imitações de humanos. (Bleach)

O que seria do meu circo vida, se não fossem vocês, macacos adestrados... Tomem aqui uma banana, que é disso que vocês precisam. (Marina A.)

O racismo é uma das provas de que não evoluímos dos macacos, nós regredimos deles! (Frederico Spaniol) ( Acesso em 12/08/16.)

Podemos perceber que, na primeira frase, o homem parece ser visto em direção a um processo de decadência civilizatória, podendo retornar à condição primitiva de “macaco”. Nas outras frases, a primitividade do macaco é enfatizada mais diretamente. De qualquer forma, o principal mapeamento presente nas frases não é o da cor, e sim o da primitividade, havendo um continuum do mais primitivo (o macaco e, metaforicamente, o homem que se comporta como tal) para o mais civilizado (ou o menos “macaco”). Entretanto, não podemos afirmar que todos os usos metafóricos do termo “macaco” sejam negativos. Um exemplo de veículos metafóricos, ou seja de expressões metafóricas, em que são feitos mapeamentos de aspectos positivos é a expressão “Os Três Macacos Sábios”. Evidentemente, essa expressão abarca o conceito de “sabedoria”, que é bastante positivo. 53

Abaixo, encontra-se uma explicação para sua origem e também uma figura que ilustra a porta do Estábulo Sagrado, que tem a imagem original de Os Três Macacos Sábios: Os Três Macacos Sábios (em japonês: 三猿, sanzaru/san’en ou 三匹の猿, sanbiki no saru) ilustram a porta do Estábulo Sagrado, um templo do século XVII localizado no Santuário Toshogu, na cidade de Nikkō, Japão. Sua origem é baseada em um provérbio japonês. Seus nomes são mizaru (o que cobre os olhos), kikazaru (o que tapa os ouvidos) e iwazaru (o que tapa a boca), que é traduzido como não ouça o mal, não fale o mal e não veja o mal. Existem vários significados atribuídos aos macacos e ao provérbio que incluem associações com estar de boa mente, fala e ação. No mundo ocidental a frase é muitas vezes usada para se referir àqueles que lidam com impropriedade por fazer vista grossa. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%AAs_Macacos_S%C3%A1bios Acesso em 12/08/16.)

Figura 18 Fonte: Wikipedia https://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%AAs_Macacos_S%C3%A1bios Acesso em 12/08/16.

É interessante observar que o comentário acerca do mundo ocidental aponta para uma relativa mudança de significado da expressão. Essa mudança refere-se ao fato de que, muitas vezes, essa expressão não denota exatamente sabedoria, e sim uma “esperteza para obter alguma vantagem”, que passa a assumir um sentido pejorativo. Uma evidência dessa extensão de sentido pode ser observada na imagem a seguir, que faz parte de uma propaganda do Governo Federal contra a violência sexual contra crianças e adolescentes: 54

Figura 19 Fonte: Blog do Gusmão http://www.blogdogusmao.com.br/v1/2014/02/27/pelo-fim-da-violencia-sexual/ Acesso em 12/08/16.

Na figura 19, percebe-se que há uma referência à lenda Os Três Macacos Sábios, já que constam as imagens dos três macacos com expressões corporais semelhantes às presentes na imagem original. Porém, neste caso, além de os macacos estarem mais infantilizados e com adereços de carnaval (devido ao contexto da propaganda), a mensagem é o oposto do provérbio japonês. Enquanto que neste há o conselho para não ouvir o mal, não falar o mal e não ver o mal, na propaganda, a orientação é “fique atento, denuncie, não desvie o olhar”. Isto faz com que nos remetamos ao ato de “fazer vista grossa”, que é justamente o que a propaganda visa combater. Assim, podemos pensar em uma possível ambiguidade da expressão, pois em seu sentido original, apresenta uma valoração positiva e em seu sentido ocidental, uma valoração negativa.

4.6. O termo “banana” como metonímia racista

Não podemos terminar este capítulo sem que, mesmo que brevemente, façamos algumas considerações sobre o uso do termo “banana” como metonímia racista para macaco. Como foi mencionado na seção 4.5, no caso que envolveu o jogador de futebol Daniel Alves, a banana jogada pelo torcedor, naquele contexto, simbolizou uma atitude racista, já que entendeu- se que era o mesmo que chamar o atleta de “macaco”. Este, por sua vez, em uma reação polêmica, comeu a banana, como se estivera destruindo o próprio racismo. A banana, como simbologia para algo negativo, também é usada, metonimicamente, como referência a países, principalmente os latino-americanos, conhecidos como “Repúblicas das Bananas”, cuja economia dependia/depende, quase que exclusivamente, da exportação de 55 bananas, e cujos governos são/eram marcados por ditaduras e corrupção endêmica31. Como metonímia, a banana representaria esses países, e como metáfora, a corrupção. A banana (a própria fruta) foi usada, como metáfora para corrupção, numa passeata ocorrida em abril de 2016, na Islândia, que pedia a renúncia de todo o gabinete do governo, devido a denúncias de corrupção, uma vez que o primeiro-ministro já havia renunciado anteriormente por essa mesma razão. Ao mostrar uma banana, os manifestantes rejeitavam a possibilidade de se igualarem a uma “República das Bananas”.

Figura 20 Fonte: Iceland Magazine http://icelandmag.visir.is/article/protesters-pelted-house-parliament-bananas-eggs-and-skyr Acesso em 12/08/16. Neste caso, não há evidências de uma relação com o termo “macaco”. Contudo, os mapeamentos acionados na relação metafórica entre “República das Bananas” e países com governantes corruptos são pejorativos e, pode-se alegar, preconceituosos. Metáfora e metonímia semelhantes foram usadas na charge da figura 21. Ao surgir de dentro de uma banana, o presidente interino do Brasil (a partir de 12 de maio de 2016), Michel Temer, é apresentado como líder de uma “República de Bananas”. Neste caso, porém, não é a corrupção que é mapeada, mas sim o processo político de uma ditadura. Isso se deve ao fato de o presidente interino ter assumido o posto mais alto República como consequência de um

31O site da BBC (Disponível em Acesso em 12/08/16.) cita o historiador Luis Ortega, professor da Universidade de Santiago do Chile, para explicar a origem do termo: “As repúblicas de bananas” eram literalmente os países tropicais produtores de bananas e, com isso, dependentes da renda de empresas americanas. Mas, o termo acabou ganhando um significado mais amplo ao migrar para os estudos políticos. A expressão passou a fazer referência a países marcados pela monocultura e dotados de instituições governamentais fracas e corruptas [...]” 56 processo de afastamento (impeachment), que é por muitos considerado “um golpe”, típico de ditaturas. 32

Figura 21 Fonte: Blog do Miro http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/07/temer-faz-do-brasil-republica-de-bananas.html Acesso 12/08/2-16. Uma vez que, em muitos mapeamentos metafóricos, a projeção transfere elementos não intencionados, pode-se especular que, na metáfora, com base metonímica, CORRUPÇÃO É BANANA, a associação entre banana e macaco, mesmo não evidenciada, parece não ser completamente apagada. Não parece ser fato aleatório que, em muitas “Repúblicas das Bananas”, há uma significativa população negra. Podemos especular, portanto, que a associação entre banana e macaco pode ser recuperada cognitivamente, pelas vias do humor, por exemplo, como mostra o logo de um website chamado “República dos Bananas”.

Figura 22 Fonte: Pryscilink http://pryscila-freeakomics.blogspot.com.br/2011_03_01_archive.html Acesso em 12/08/2016

32 A charge acompanha um artigo de opinião, que explicita essa relação: “Que o Brasil tinha virado uma república de bananas com um golpe tão absurdo e nefasto todos nós, a essa altura, já sabíamos”. (Por Tadeu Porto, no website já citado) 57

A banana pode ser também utilizada como um gesto agressivo: “o de dar uma banana” para alguém; ou seja, uma reação de ofensa para expressar desprezo. A charge abaixo se utiliza desse gesto, associando-o à figura do macaco, usada de um modo aparentemente racista33 para representar a figura do presidente americano Barack Obama, que deveria, segundo a charge, comer “muita banana” por ser “macaco” e, ao mesmo tempo, receber “uma banana” do país anfitrião, por justamente tratá-lo como uma República dos Bananas. Nessa charge, portanto, há vários mapeamentos metafóricos e metonímicos que exploram as representações sociais já existentes em torno da figura do macaco e da banana, evidenciando o quanto a metáfora é usada retoricamente para propagar, questionar ou desafiar ideologias, como defendem Charteris- Black (2005) e Goatly (2007). Vale ressaltar, no entanto, que esse uso retórico não surge apenas no acontecimento discursivo. Como temos procurado mostrar em nossa análise, ele se apoia em representações cognitivas mais estáveis (VEREZA, 2013), como metáforas conceptuais e frames (como o frame referente a “Repúblicas das Bananas”, por exemplo).

Figura 23 Fonte: Pryscilink http://pryscila-freeakomics.blogspot.com.br/2011_03_01_archive.html Acesso em 13/08/16.

33 Em referência ao suposto racismo contido na charge, o Jornal Gazeta do Povo (http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/charge-sobre-visita-de-obama-causa-demissao-do-autor- er3mp10u3ozrm1p2drofj4evi) reporta que: “O chargista Solda, de 58 anos, foi demitido na última segunda-feira do jornal O Estado do Paraná, atualmente publicado apenas na internet, sob acusação de ter feito uma charge com tom racista durante a visita do presidente norte-americano Barack Obama. A retirada da charge do site do jornal e a demissão ocorreram depois que ela foi publicada no blog Conversa Afiada, do jornalista Paulo Henrique Amorim, com o título “Não, nós não somos racistas”. [..] Na interpretação dos que viram racismo, supostamente o presidente norte-americano estaria representado no macaco”. O chargista, segundo o jornal, negou qualquer atitude racista em seu desenho. 58

Como nos casos que envolvem o termo “macaco”, que podem apresentar usos de conteúdo racista ou não, nos casos que envolvem o termo “banana” também parece existir a possibilidade da não ocorrência de racismo. Ainda assim, os usos com conotações pejorativas parecem sobressair nas análises presentes neste capítulo.

59

5. ANÁLISE DE COMENTÁRIOS DE TEOR RACISTA

Com a finalidade de analisar o uso racista de outras expressões metafóricas além de “macaco”, optamos por utilizar como corpora desta pesquisa comentários considerados racistas feitos em redes sociais como Facebook e Twitter. Esses comentários ocorreram durante os anos de 2015 e 2016 e foram amplamente divulgados pela mídia. Eles podem ser encontrados em diversos endereços eletrônicos de jornais e revistas. Essa divulgação da mídia é particularmente importante porque, como comentários desta natureza são considerados racistas e parecem ser alvo de grande reprovação por parte significativa da população em geral, seus autores e até mesmo as vítimas costumam apagá-los logo depois de sua publicação, na tentativa de diminuir sua repercussão negativa. Por exemplo, quando uma pessoa considerada uma celebridade posta alguma foto e recebe comentários negativos, é comum que a mesma exclua esses comentários ou que a própria pessoas autora dos comentários exclua a sua publicação. A exposição midiática faz com que essas postagens sejam mais facilmente acessíveis. A análise a seguir contemplará as diversas expressões metafóricas presentes nos comentários, objetivando-se a observação dos mapeamentos possíveis. Também é objetivo desta análise verificar com que frequência e com base em quais mapeamentos a figura do animal macaco ou, metonimicamente, a fruta banana aparecem nesses comentários. Esse objetivo visa a articulação - mais pontual do que a já estabelecida a partir do foco geral em expressões metafóricas de cunho racistas - entre esta análise e a anteriormente apresentada no capítulo 4.

5.1. O caso da jornalista Maria Júlia Coutinho

Maju, como é conhecida a jornalista Maria Júlia Coutinho, foi alvo de comentários racistas em uma foto sua apresentando a previsão do tempo de um telejornal de grande audiência em todo o território nacional. A figura abaixo apresenta esses comentários:

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Figura 24 Fonte: Diário de São Paulo http://www.diariosp.com.br/noticia/detalhe/83814/garota-do-tempo-do-jn-sofre-racismo-no-facebook Acesso em 17/01/16.

61

Foram encontradas, nessa sequência de comentários, sete expressões metafóricas de cunho racista. A primeira, ela já nasceu de luto, faz um relação metonímica entre a cor negra da jornalista com o costume de se utilizar a cor preta para representar um estado de luto. Neste caso, o que é mapeado do conceito de “luto” é a cor usada para demonstrar esse momento. O verbo “nascer” mostra que a cor não marca apenas uma fase da vida, mas sim um atributo que já nasce com a pessoa, ou seja, um traço genético. Isso evidencia a natureza racista do comentário. O que importa não são as qualidades adquiridas, como competência, desembaraço, comprometimento, mas sim uma marca biológica. Na projeção metafórica também é mapeada a avaliação negativa do estado de luto, uma metonímia da morte e da tristeza que essa normalmente causa. Ou seja, não somente a cor do luto, mas também a sua valoração são mapeadas. A segunda expressão encontrada, passou do ponto até demais, faz uma referência à culinária, pois uma preparação que passa do ponto torna-se escura e geralmente inapropriada para o consumo. Mais uma vez, a negatividade da cor negra (neste caso do alimento queimado) é mapeada para a aparência da jornalista. O terceiro comentário racista é em terra de preto, quem come banana é rei. Neste caso, há uma clara alusão ao ditado popular “em terra de cego, quem tem um olho é rei”. Porém, diferentemente do que acontece no ditado, no qual ter um olho é algo positivo, no comentário, comer banana não é visto positivamente, pois está atrelado a um hábito do animal macaco. Assim, percebe-se que, no ditado, “quem tem um olho” está em posição de superioridade em relação a “cego”. Já no comentário, “quem come banana” está relacionado a “preto” apenas como uma forma de diminuí-lo, relacionando-o à figura de um macaco. O comentário só foi ela chegar ai [sic] que o tempo ficou seco igualmente a um carvão em cinzas relaciona a presença da jornalista à secura do tempo ao ponto de parecer um carvão. Percebe-se que, além da aridez do carvão, também é mapeada a cor escura, que é tão característica do carvão. Uma outra observação a ser feita é que a referência ao tempo tem relação com a seção do telejornal que Maju apresenta, a previsão do tempo. O comentário seguinte apresenta apenas uma expressão: sola de sapato, usada para agredir a jornalista. Os elementos mapeados de uma sola de sapato são, em primeiro lugar, a cor, já que em geral as solas de sapato são confeccionadas em cor escura, e a inferioridade, pois a sola fica na parte de baixo do sapato. Essa inferioridade também pode ser percebida devido ao fato de que a sola do sapato tem contato direto com o chão. Sendo a parte mais exposta do sapato, a sola é também a parte que recebe a maior quantidade de sujeira. Podemos retomar as 62 metáforas conceptuais BAIXO É RUIM e CONTROLE É POR CIMA, que demonstram as diferenças conceptuais de “baixo” e “alto”. O comentário a seguir diz: não tenho tv colorida pra ficar olhando essa preta não. Neste caso, o autor do comentário relaciona o fato de ver uma apresentadora negra na TV a assistir uma TV em preto e branco. Mais uma vez, surge o conceito de inferioridade, pois a TV colorida veio substituir a em preto e branco por ser melhor e mais moderna. O último comentário racista tem uma indagação: Como saber se o alimento favorito desta negra é uma banana? Novamente, de maneira metonímica, a palavra “banana” vem como uma referência ao macaco. Este, por sua vez, serve para diminuir a jornalista, já que o macaco encontra-se, na visão do senso comum, em inferioridade em relação ao homem. Esta suposta inferioridade do macaco frente ao homem será retomada em 6.3. Pode-se constatar que todos os comentários acima fazem referências negativas à jornalista devido à cor de sua pele, o que caracteriza seu cunho racista. Dos sete comentários analisados, dois fazem referência ao animal macaco, através de seu alimento banana, o que corresponde a aproximadamente vinte e oito por cento dos comentários. As outras referências são: morte (luto), um alimento que ficou tempo demais no fogo (passou do ponto), carvão, sola de sapato e TV em preto e branco, todas com conotação ruim. Além dos elementos, em suas formas prototípicas, terem a cor escura, eles também possuem atributos vistos como negativos. Se fosse apenas a cor, o efeito causado teria que ocorrer também em “pérola negra”, “pantera negra”, “diamante negro”, “brigadeiro” e outros.

Quadro 1 – Relações figuradas (Maria Júlia Coutinho)

Veículo metafórico / metonímico Relações figuradas (Expressão linguística) Luto Luto é preto – Metonímia pela cor / Metáfora por valoração Passou do ponto (Comida queimada) Comida queimada é preta / escura (além de ser ruim) – Metonímia pela cor / Metáfora por valoração Em terra de preto, quem come banana é rei Paródia do ditado popular – Metonímia: banana (raça) 63

Carvão em cinzas Carvão, negro – Metonímia pela cor / Metáfora por valoração Sola de sapato Sola de sapato normalmente é preta – Metonímia pela cor / Metáfora por valoração Metáforas conceptuais: BAIXO É RUIM e CONTROLE É POR CIMA TV colorida X TV em preto e branco Preto – Metonímia pela cor / Metáfora por valoração Banana Banana – Metonímia para macaco

5.2. O caso da atriz Taís Araújo

A atriz Taís Araújo (conhecida nacionalmente e até mesmo internacionalmente) foi alvo de comentários racistas a partir de uma foto publicada em sua página na rede social Facebook. A atriz optou por não retirar os comentários de sua página e os mesmos podem ser encontrados no seguinte endereço eletrônico: https://www.facebook.com/taisdeverdade/?fref=ts (Acesso em 17/01/16). As duas imagens abaixo (retiradas de jornais eletrônicos) ilustram os comentários racistas que a atriz recebeu:

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Figura 25 Fonte: Rádio Piratinga http://www.radiopiratinga.com.br/atriz-tais-araujo-e-alvo-de-racismo-nas-redes-sociais/ Acesso em 17/01/2016.

65

Figura 26 Fonte: Folha de S. Paulo http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/11/1701163-policia-do-rio-vai-investigar-caso-de- racismo-contra- a-atriz-tais-araujo.shtml Acesso em 17/01/2016.

Ao todo, a primeira imagem apresenta dez comentários, nove dos quais com cunho racista. A segunda imagem possui oito comentários, sendo sete racistas. Podemos perceber o racismo já no primeiro comentário da primeira imagem. A pergunta Já voltou da senzala? faz uma clara alusão aos negros escravizados. A palavra “senzala”: é com frequência usada como metonímia para escravos, sendo empregada com conotação racista, inclusive pelo “contradiscurso” (discurso de resistência), como pode ser observado a seguir:

Figura 27 Fonte: O Cafezinho http://www.ocafezinho.com/2016/04/14/depoimento-a-casa-grande-surta-quando-a-senzala-vira-medica/ Acesso em 15/04/2016. 66

Na figura 27, pode ser observada uma jovem médica segurando um cartaz com os seguintes dizeres: “A casa grande surta quando a senzala vira médica”. Por se tratar de uma médica formada através de um programa social do governo, podemos inferir que “casa grande” refere-se às classes dominantes e “senzala” às camadas populares. “Senzala” é um termo de origem africana que significa “conjunto de alojamentos que se destinavam aos escravos”34. Nesse caso, pode-se afirmar que a referência ao período escravocrata se dá através de um contradiscurso, pois ao invés de reforçar a ideologia racista, ela contribui para um discurso de resistência, promovendo o que Van Dijk (2008) chama de “contrapoder”. O contrapoder é uma resistência à dominação, que nesse caso, impediria que uma mulher negra obtivesse um diploma de graduação em medicina. Diferentemente de um discurso de resistência, a imagem abaixo ilustra a referência à senzala como uma prática discursiva condizente com a ideologia do racismo:

Figura 28 Fonte: Extra http://extra.globo.com/noticias/brasil/jovem-compara-metro-senzala-se-arrepende-mas-nao-escapa-de-reacao-da- web-18448555.html Acesso em 14/03/16.

O conteúdo da figura 28 diz respeito a uma publicação no Twitter de uma jovem relacionando uma estação de metrô à senzala. Além disso, a jovem ainda se diz ser o contraste do vagão devido ao fato de ser uma pessoa branca. Percebe-se, nesse caso, que o ato de relacionar um grupo de pessoas afrodescendentes a escravos está de acordo com práticas racistas. A expressão nada contra, que inicia o período, configura uma negação ao racismo, que na verdade, seguida de uma afirmação racista, contribui para que predomine o discurso social do branco dominante, como problematiza Van Dijk (ibid., p. 142). No texto em análise, percebe-se, no uso metonímico, uma forma de diminuir a atriz, já que a figura do negro escravizado ocupou, durante todo o seu período de existência, o lugar de menos prestígio na sociedade brasileira.

34 DICIONÁRIO da Língua Portuguesa. São Paulo: Cia. Melhoramentos, 2006. 67

O segundo comentário diz vai lavar louça com esse cabelo. Neste caso, há uma referência à aparência de uma esponja de aço utilizada para lavar louças. O sexto comentário (CABELO DE LAVAR LOUÇA KKKK ESPONJAÇO KKKKK) e o nono (cabelo de Bombril) também fazem essa mesma referência. A relação metafórica do cabelo crespo com a esponja de aço tem sido utilizada de forma a inferiorizar e estigmatizar os cabelos de pessoas afrodescendentes. Outros dois casos polêmicos em que foi feita essa relação (esponja de aço – cabelo crespo) ocorreram recentemente. Em 2013, o estilista Ronaldo Fraga usou esponja de aço no lugar do cabelo das modelos no desfile de sua coleção durante o São Paulo Fashion Week. Segundo o estilista, o ato seria uma homenagem à cultura negra. Devido ao costume de fazer essa relação pejorativamente, o ato foi por muitos considerado racista. A imagem abaixo ilustra o ocorrido:

Figura 29 Fonte: Portal de notícias G1 http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2013/03/desfile-de-ronaldo-fraga-com-cabelo-bombril-divide-opinioes.html Acesso em 07/03/2016. O outro caso diz respeito não a uma esponja de aço, mas a uma esponja comum. No Reality Show “”, foi usada uma esponja para lavar louças no formato de um boneco com cabelo no estilo Black Power. A utilização dessa esponja de cozinha causou a indignação de muitos, pois a consideraram racista. É irônico que um estilo de cabelo considerado um símbolo revolucionário e libertário nas décadas de 60 e 70 seja utilizado em uma relação metafórica tradicionalmente elaborada com fins de depreciação. Pode-se observar essa esponja na imagem seguinte: 68

Figura 30 Fonte: Revista Veja http://vejasp.abril.com.br/blogs/pop/2016/01/19/esponja-cozinha-bbb/l Acesso em 07/03/2016.

No terceiro comentário, há a pergunta: Quem postou a foto desse gorila no Facebook? Percebe-se, mais uma vez, o uso da figura de uma primata, neste caso um gorila, para humilhar uma pessoa afrodescendente. No quarto comentário, a atriz também é metonimicamente considerada um animal. O comentário é “não sabia que no zoológico tinha câmera”. Apesar de não haver a identificação de nenhum animal, a palavra “zoológico” sugere o mesmo tipo de comparação. O quinto comentário apresenta a expressão cabelo de saco, fazendo referência aos pelos de um saco escrotal. Essa relação metafórica também é depreciativa, visto que essa parte íntima masculina tem uma conotação negativa. Tratando-se do cabelo de uma mulher, essa comparação se torna ainda mais ofensiva. O sétimo comentário diz: Esse cabelo de esfregão. A metáfora utilizando a imagem de um esfregão se revela racista devido ao fato de que relaciona o cabelo da atriz a um objeto utilizado para a limpeza do chão. A atividade de limpar um ambiente é considerada, mesmo que injustamente, uma atividade de pouco prestígio. Além disso, o chão tem uma conotação muito ruim. Podemos retomar as metáforas conceptuais BAIXO É RUIM e CONTROLE É POR CIMA, que evidenciam a negatividade da palavra chão. O oitavo comentário, SALVE REDE GLOBO, não apresenta, a princípio, um cunho racista, a não ser que se trate de uma ironia. No caso de ser uma ironia, passa a ser pejorativo, pois a atriz Taís Araújo trabalha naquela rede de televisão e esse comentário em uma foto sua poderia ser entendida como uma crítica à Rede Globo por tê-la em seu quadro de funcionários. Como esse comentário está no meio de vários comentários racistas, podemos supor, devido a esse contexto, que seja um caso de ironia. Porém, não podemos afirmá-lo. O décimo comentário, os Traficante [sic] pira [sic], chei [sic] de pó na cara :o, faz uma alusão à cocaína. Provavelmente o fato de a atriz estar muito bem maquiada e de o pó 69 facial ser um dos itens básicos de uma maquiagem possibilitaram a referência à cocaína em pó vendida por traficantes de drogas. Por ser uma droga ilegal e maléfica à saúde, a negatividade das palavras traficante e pó é trazida para a relação metafórica. Apesar de ser pejorativo, não podemos afirmar que se trate de um comentário racista, já que pessoas brancas também utilizam pó na maquiagem. Porém, é possível que a intenção tenha sido racista devido ao fato de haver na história casos de jogadores de futebol negros que supostamente usaram pó de arroz no corpo para disfarçar sua cor. Um caso muito conhecido, apesar de haver controvérsias, é o caso do jogador Carlos Alberto do Fluminense em 1914. Devido ao fato de o futebol na época ser um esporte praticado pela elite e não por negros, o jogador teria utilizado o pó de arroz com o receio de ser rejeitado pela sua cor. Com o suor durante a partida, a maquiagem derreteu e a torcida adversária passou a chamar o Fluminense de Pó de Arroz, apelido que permanece até hoje, tendo sido inclusive assumido pelos próprios torcedores do clube.35 O primeiro comentário da segunda imagem apresenta a frase Entrou na globo pelas cotas. Percebe-se que o talento da atriz é menosprezado através desse comentário, pois o mesmo sugere uma contratação não por merecimento mas sim por um sistema de cotas, que não existe. Além disso, também desmerece o próprio sistema de cotas, como se o estudante que entrasse na faculdade por esse sistema não fosse realmente capaz. Desta forma, o comentário contribui para que as cotas raciais, ao invés de serem entendidas como um recurso para a diminuição das consequências de um processo histórico desfavorável a determinada etnia, ou seja, uma ação afirmativa, sejam vistas simplesmente como uma maneira de alguém obter vantagem. O segundo comentário diz: pensava que o facebook era pra humanos não pra macaco. Aqui há, mais uma vez a relação metafórica pejorativa que relaciona o negro ao macaco. O mesmo pode ser observado também no sexto comentário que diz: Limda [sic] com M de banana. Neste caso, a palavra “banana” sugere que o “M” mencionado diz respeito a “macaco”. A própria palavra “banana” metonimicamente representa o animal macaco. O terceiro comentário Esse cabelo de esfregão e o quarto Já voltou da senzala? também estão presentes na primeira imagem. Já foram tecidos comentários sobre eles anteriormente.

35 Não encontramos registros históricos sobre essa versão dos fatos. Porém, há inúmeros artigos comentando o ocorrido, como os presentes nos seguintes endereços eletrônicos: http://globoesporte.globo.com/ESP/Noticia/Futebol/Fluminense/0,,MUL335327-4284,00.html; http://veja.abril.com.br/blog/quanto-drama/bastidores/lado-a-lado-futebol-po-de-arroz/; https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_do_futebol_do_Brasil; e http://observatorioracialfutebol.com.br/a- historia-do-racismo-no-futebol-do-po-de-arroz-a-aranha/. Acesso em 25/03/16. 70

O quinto comentário diz cabelo de parafuso enferrujado. A metáfora do parafuso enferrujado é depreciativa devido ao fato de que, elemento do domínio fonte, a ferrugem é um efeito de corrosão. O ferro enferrujado, em tese, não tem tanto valor quanto o ferro intacto, o que faz com que a ferrugem tenha uma conotação negativa. Sendo assim, o parafuso, que é imageticamente projetado para o cabelo crespo, sendo enferrujado, adquire um sentido negativo. Pode-se dizer que essa metáfora também se dá pela cor, já que o tom acobreado do cabelo da atriz lembra o tom da ferrugem. O sexto e último comentário da segunda imagem traz a seguinte indagação Podia ser mais clara? Se o comentário estivesse se referindo a um texto, o adjetivo “clara” poderia ser sinônimo de “compreensível” ou “transparente”. Porém, como se trata de uma imagem, podemos inferir que o(a) autor(a) tenha se referido à cor da atriz Taís Araújo. Na verdade, pode- se pensar na hipótese de que o(a) autor(a) tenha se beneficiado da ambiguidade de seu texto para que o racismo não ficasse tão evidente. Devido a essa ambiguidade, optamos por não considerar clara como um veículo metafórico. Dos dezessete comentários analisados, quatro têm ligação com o termo macaco: além do termo propriamente dito, há gorila, banana e zoológico. Além desse veículo metafórico, há também referência à escravidão, à esponja de lavar louça, aos pelos pubianos, ao esfregão, à cocaína, ao sistema de cotas e à ferrugem, como pode ser observado no quadro seguinte:

Quadro 2 – Relações figuradas (Taís Araújo)

Veículo metafórico / metonímico Relações figuradas (Expressão linguística) Senzala Metáfora por valoração / Metonímia para escravo lavar louça com esse cabelo Esponja – Metáfora por valoração Gorila Metáfora por valoração Zoológico Metáfora por valoração / Metonímia para animal Cabelo de saco Metáfora por valoração Cabelo de lavar louça / Esponjaço (Esponja) Metáfora por valoração 71

Esfregão Metáfora por valoração. Metáforas Conceptuais: BAIXO É RUIM e CONTROLE É POR CIMA Cabelo de Bombril (Esponja) Metáfora por valoração os traficante pira, chei de pó na cara (Pó) Metáfora por valoração Entrou na globo pelas cotas Metáfora por valoração Macaco Metáfora por valoração Cabelo de parafuso enferrujado Metáfora por valoração / Metonímia pela cor Limda com M de banana Macaco – Metáfora por valoração Banana – Metáfora por valoração / Metonímia para macaco

5.3. O caso do participante do programa Big Brother Brasil 16 Ronan

Durante a edição deste ano (2016) do programa Big Brother Brasil, o participante Ronan, estudante de filosofia, sofreu comentários racistas em sua página no Facebook. Esses comentários estão presentes na imagem abaixo:

Figura 31 Fonte: Catraca Livre https://catracalivre.com.br/geral/cidadania/indicacao/ronan-do-bbb-16-e-vitima-de-racismo-nas-redes-sociais/ Acesso em 07/03/16 72

No primeiro comentário, Ronan é chamado de torradinho. Por ser um alimento torrado mais escurecido, percebe-se que a cor foi mapeada para adjetivar o estudante. O(A) autor(a) do comentário também diz: vou stár [sic] lá com um cacho de banana, onde há a metonímia banana para macaco. Mais uma vez, uma pessoa negra é chamada de macaco ofensivamente. Outra expressão desse comentário que pode ser considerada racista é: com macumba ou sem macumba. Macumba é um termo utilizado, muitas vezes pejorativamente, para fazer referência a religiões de origem africana, como Candomblé e Umbanda. Além disso, o termo também pode ser utilizado como sinônimo de feitiço, o que parece ser o caso do comentário acima, pois, pode-se inferir, de acordo com o(a) autor(a) do texto, o estudante poderia fazer um feitiço para continuar no programa. No fim do comentário, há a ordem: vai vender água no sinal. Sendo a atividade de vender água em sinal de trânsito uma atividade de pouco prestígio social, entende- se que há a intenção de inferiorizar o participante. No terceiro comentário, há novamente o termo torradinho para se referir a Ronan. É interessante que o(a) próprio(a) autor(a) do comentário assume que sua postura é racista: não sou racista, mais [sic] p/ ele sim. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que ele(a) assume que está sendo racista ao se referir ao participante, defende que não é uma pessoa racista. O quinto comentário da imagem acima diz o seguinte: Ronan só correu mais rápido porque é preto e preto sabe correr da polícia. Provavelmente, o comentário diz respeito a alguma atividade dentro da casa em que os participantes tiveram que correr. Como Ronan foi o mais rápido, seu feito é diminuído por meio de uma explicação racista, preto sabe correr da polícia, na qual afro-brasileiros são qualificados como marginais ou criminosos. No sexto comentário, o participante é descrito como preto gordo e viado [sic]. Percebe-se que os três adjetivos são utilizados pejorativamente. Apesar de preto, gordo e homossexual não serem características intrinsicamente negativas, em um contexto que aponta razões para um participante ser eliminado, esses adjetivos, em seu conjunto apresentam um conotação negativa. De fato, esse uso pejorativo ecoa três representações negativas e preconceituosas, que vão além do contexto do programa: a de uma pessoa negra (“preto”: racismo), gorda (preconceito contra estética de corpo) e homossexual (“viado”: expressão normalmente ofensiva, usada até mesmo como “palavrão”, expressando atitude homofóbica). O sétimo comentário diz: Esse macaco tem que sair. Novamente, o termo “macaco” é utilizado metaforicamente para diminuir o participante pelo fato do mesmo ser afrodescendente. O oitavo comentário diz: Nessa foto vemos a patroa do Ronan e o Ronan. Esse comentário faz uma alusão a uma possível posição de subalterno de Ronan. Como, historicamente, afro-brasileiros, no período pós-escravatura, foram obrigados a prestar serviços 73 de menor prestígio social, muitos vezes no âmbito doméstico, a relação metafórica entre patroa- empregado, mapeada metaforicamente para a relação entre dois participantes de um mesmo programa, passa a ter um significado carregado de ideologia de exclusão. Dos oito comentários presentes na imagem, há a referência ao termo macaco em dois deles: o primeiro, metonimicamente, com a expressão cacho de banana e o sétimo com a própria palavra macaco. Os outros veículos metafóricos são: torradinho, macumba, vender água no sinal, correr da polícia e patroa, como pode ser observado no quadro 3:

Quadro 3 – Relações figuradas (Ronan)

Veículo metafórico / metonímico Relações figuradas (Expressão linguística) Torradinho (Comida queimada) Comida torrada é preta / escura – Metonímia pela cor / Metáfora por valoração Cacho de banana Banana – Metonímia para macaco Macaco – Metáfora por valoração Macumba Metáfora por valoração Vender água no sinal Metáfora por valoração Preto sabe correr da polícia Metáfora por valoração Macaco Metáfora por valoração A patroa do Ronan (Empregado) Metáfora por valoração

5.4. O caso da cantora Ludmilla

A cantora Ludmilla recebeu em seu Twitter o seguinte comentário racista: nojo negra macaca feia. Nesse comentário, a cantora é metaforicamente chamada de “macaca”. O uso dessa metáfora, mais uma vez, aponta para a suposta inferioridade de uma pessoa afrodescendente, e, por esse motivo, é considerado racista. A palavra “nojo” também é usada metaforicamente, já que uma aversão a uma pessoa é expressa por uma reação biológica. Neste caso, podemos mencionar a Metáfora Conceptual CORPO HUMANO É CONTÊINER PARA EMOÇÕES. A imagem abaixo ilustra esse comentário no Twitter e também a resposta da cantora. 74

Figura 32 Fonte: O Dia http://odia.ig.com.br/diversao/celebridades/2015-06-23/ludmilla-e-alvo-de-comentario-racista-em-rede- social.html Acesso em 10/03/16.

Quadro 4 – Relações figuradas (Ludmilla)

Veículo metafórico / metonímico Relações figuradas (Expressão linguística) Macaca Metáfora por valoração Nojo Metáfora por valoração / Metáfora Conceptual CORPO HUMANO É CONTÊINER PARA EMOÇÕES

5.5 O caso da atriz Cris Vianna

A atriz Cris Vianna foi vítima, em sua página no Facebook, de vários comentários racistas em 30 de novembro de 2015. Posteriormente, a polícia descobriu que provavelmente foi um grupo de pessoas que planejou fazer esses ataques racistas ao mesmo tempo para ganhar visibilidade na mídia. Descobriu-se ainda que esse mesmo grupo postou comentários racistas direcionados à jornalista Maria Júlia Coutinho e às atrizes Taís Araújo e Sheron Menezzes. Pessoas de várias partes do Brasil foram presas por participarem desse grupo. Essa informação esteve presente em vários jornais do dia 16 de março de 2016, como, por exemplo o Jornal Extra ( Acesso em 25/03/16). As duas imagens abaixo apresentam alguns comentários referentes à atriz Cris Vianna:

75

Figura 33 Fonte: O Dia http://www.bolsademulher.com/famosas/depois-de-tais-araujo-e-maju-cris-vianna-e-vitima-de-racismo-e-da- declaracao-incrivel Acesso em 14/03/16.

Figura 34 Fonte: Diário 24 horas http://www.diario24horas.com.br/noticia/41761-cris-vianna-registra-queixa-na-delegacia-contra-comentarios- racistas-na-internet Acesso em 14/03/16. 76

Na primeira imagem, há quatro comentários (os três primeiros e o sétimo) e na segunda imagem, três comentários (o quarto, o sexto e o décimo) que fazem referência a esponja de aço ou simplesmente um utensílio para limpar a casa. São utilizados os termos Assolan e Bombril, que denominam marcas de esponja de aço. Também há a pergunta: JÁ USOU ESSE CABELO PARA LEVAR A CASA HJ AFRICANA? nas duas imagens. Podemos inferir que o(a) autor(a) esteja se referindo também a esponja de aço ou até mesmo a um esfregão. Estes veículos metafóricos já foram comentados no caso da atriz Taís Araújo. Há a repetição da palavra africana em cinco dos sete comentários da primeira imagem e em oito dos doze comentários da segunda imagem. O termo pode ser considerado uma metonímia para negra. Em um contexto de diversas relações metafóricas de cunho racista, existe a possibilidade de que o uso metonímico da palavra africana tenha sido feito com o intuito de inferiorizar a atriz. Entendemos também que o termo africana tenha sido usado como um vocativo. Apesar de em alguns casos haver dúvidas devido à falta de pontuação, como em cabelo de pacaia africana, a presença constante do termo no fim das frases indica que em todos os casos há a possibilidade de africana estar qualificando a atriz e não o substantivo anterior. É interessante observar que chamar uma pessoa de africano(a) não deveria ter nenhuma conotação negativa, já que a África é um continente com uma enorme extensão geográfica e muito diversificado culturalmente36. Porém, na visão de uma pessoa que nutre sentimentos de ódio ou repulsa por esse continente, o adjetivo pode ser utilizado com fins racistas. Ao se referirem aos resultados de uma pesquisa feita, em uma programa de televisão, sobre as imagens que as pessoas teriam sobre a África, Nyamien e Teruya (2016) comentam:

As falas dos participantes sobre as imagens da África são: pouca civilização ainda; muito atrasada; muita doença. Estas falas indicam a presença de preconceitos que refletem um modo de pensar historicamente constituído, vinculados a determinadas teorias já ultrapassadas baseadas nas ideias de hierarquia entre raças. Neste contexto, o continente africano é visto como atrasado, primitivo, habitado por populações inferiores. E hoje em dia as bases às quais eles foram construídos não se sustentam mais. (p. 3) O quarto comentário da primeira imagem e o décimo-segundo da segunda apresentam uma relação metafórica com o animal porco-espinho. Este animal tem por característica ser manso e nunca ter a iniciativa de atacar outro animal, a não ser que se sinta ameaçado. Porém, percebe-se na primeira imagem que não há o mapeamento de sua mansidão e de nenhuma outra característica positiva do animal: Cade [sic] o Ibama pra tirar esse porco espinho do facebook?

36 Para questões referentes ao continente africano, sugerimos a leitura das obras M'BOKOLO, E. África Negra: História e Civilizações, tomo I, Até ao Século XVIII, São Paulo, Salvador: Casa das Áfricas, Edufba, 2009 e M'BOKOLO, E. África Negra: História e Civilizações, tomo II, Do século XIX aos nossos dias, São Paulo, Salvador: Casa das Áfricas, Edufba, 2011. 77

Ao contrário, é possível perceber que o que está sendo mapeado do animal é algum traço negativo. Na segunda imagem, há o comentário: Lgl esse porco espinho na cabeça africana. Lgl é uma abreviação utilizada na internet para a palavra legal. Podemos inferir que o(a) autor(a) do comentário está fazendo um paralelo entre o cabelo da atriz e a aparência de um porco-espinho, que pode ser observada na imagem abaixo:

Figura 35 Fonte: Casa de inverno https://casadeinverno.wordpress.com/2010/05/15/sonic-e-o-dilema-do-porco-espinho/ Acesso em 14/03/16.

O quinto comentário da primeira imagem utiliza a metáfora vassouras antigas de palha. A relação do cabelo crespo com vassouras é comumente feita em comentários racistas (um exemplo é o caso ilustrado pela figura 36). A vassoura, assim como o esfregão já mencionado anteriormente, é utilizada para o serviço doméstico, que tem pouco prestígio social. Além disso, o fato de ela ser usada para limpar o chão nos remete às metáforas conceptuais BAIXO É RUIM e CONTROLE É POR CIMA. No decorrer desta pesquisa, aconteceu um outro fato que chamou a atenção para essa relação (cabelo crespo e vassoura). Fausto Silva, um dos mais populares apresentadores brasileiros, recebeu a cantora Anitta em seu programa e disse que uma de suas dançarinas possuía cabelo de vassoura de bruxa. O caso levantou muitos debates na internet e Fausto publicou um vídeo no qual diz que não é uma pessoa racista. A imagem abaixo retrata esse momento do programa, ocorrido em 20/04/14. 78

Figura 36 Fonte: Veja São Paulo http://vejasp.abril.com.br/blogs/pop/2014/04/22/faustao-diz-que-dancarina-de-anitta-tem-cabelo-vassoura-de- bruxa-e-provoca-polemica-na-internet/ Acesso em 25/03/16. O sexto comentário da primeira imagem apresenta a metáfora pelo de ratazana. A ratazana, por ser um animal tipicamente de esgoto, tem em geral uma conotação negativa. Além disso, ratazanas são animais que apresentam risco à saúde do ser humano devido ao fato de serem transmissores de diversos tipos de doenças. Portanto, relacionar o cabelo de uma pessoa ao pelo desses animais não é algo plausível. A negatividade atribuída a este animal é mapeada junto com um elemento semanticamente “neutro: o seu pelo, que, na projeção, se reveste, metonimicamente, das características consideradas repulsivas do roedor em questão. O primeiro comentário da segunda imagem, Mãe do Cirilo, faz referência à uma personagem de uma famosa novela mexicana denominada Carrossel. Essa novela foi exibida recentemente em uma versão brasileira (2012-2013). No folhetim, o personagem Cirilo era uma menino ingênuo constantemente ridicularizado pela personagem Maria Joaquina, por quem ele nutria um sentimento amoroso. Talvez o fato de se tratar de um personagem desprezado por ser pobre e negro tenha contribuído para essa escolha metafórica. O sétimo e o décimo primeiro comentários da segunda imagem relacionam o cabelo da atriz a pelos pubianos. O sétimo diz: parece o cabelo da xereca da minha irmã e o décimo, parece até o cabelo do meu saco quando bato uma. Essa relação também foi encontrada no caso da atriz Taís Araújo, que recebeu o comentário cabelo de saco. Provavelmente, o fato de os pelos pubianos serem mais grossos que os outros pelos do corpo humano foi mapeado para o cabelo tanto da atriz Taís Araújo quanto o da atriz Cris Vianna, por serem cabelos crespos. No décimo comentário, há ainda o complemento quando bato uma, referindo-se à ação de masturbar-se, o que torna o comentário ainda mais ofensivo. De uma certa forma, à ideologia racista é acrescentada uma conotação sexual ofensiva que, se por um lado parece desrespeitar a mulher (a xereca de minha irmã), por outro, enaltece a própria sexualidade/virilidade (quando bato uma). 79

O oitavo comentário da segunda imagem utiliza o termo pacaia metaforicamente. De acordo com o dicionário Michaelis37, o termo significa “cigarro, charuto ou fumo ordinário”, sendo um termo típico da região Norte do Brasil. No comentário Me empresta esse cabelo para eu dar um trago cabelo de pacaia, é estabelecida a relação entre o cabelo da atriz e esse tipo de cigarro. Há outros comentários na segunda imagem, porém não fizemos nenhuma análise metafórica a respeito deles devido ao fato de serem mensagens de apoio à atriz ou se tratarem de mero xingamento. Nas duas imagens referentes à atriz Cris Vianna, encontramos dezenove comentários e em nenhum deles apareceu a figura do animal macaco. Apareceram, porém, outros dois animais, porco-espinho e ratazana, ambos com conotação negativa discursivamente construída.

Quadro 5 – Relações figuradas (Cris Vianna)

Veículo metafórico / metonímico Relações figuradas (Expressão linguística) Assolan / Bombril / Cabelo para lavar a casa Metáfora por valoração (Esponja) Africana Metonímia para negra Porco-espinho Metáfora por valoração Vassouras antigas de palha Metáfora por valoração. Metáforas conceptuais BAIXO É RUIM e CONTROLE É POR CIMA Pelo de ratazana Metáfora por valoração Mãe do Cirilo Metáfora por valoração (etnia) Pelo pubiano Metáfora por valoração Pacaia Metáfora por valoração

5.6. O caso da atriz Sheron Menezzes

37 DICIONÁRIO Michaelis. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/pacaia%20_1014157.html Acesso em 27/03/16. 80

A atriz Sheron Menezzes foi alvo de comentários racistas após postar uma foto tirada na Europa com o namorado. As três imagens abaixo contêm esse tipo de comentário:

Figura 37 Fonte: Ego http://ego.globo.com/famosos/noticia/2015/12/sheron-menezzes-faz-desabafo-apos-tambem-sofrer-ataques- racistas.html Acesso em 14/03/16.

81

Figura 38 Fonte: Correio 24 horas http://www.correio24horas.com.br/single-entretenimento/noticia/sheron-menezzes-e-vitima-de-racismo-na- internet-e-desabafa-vao-ter-que-engolir-as-negras/?cHash=c8d6e530e8dd3a7e402c997fa84c3cd1 Acesso em 14/03/16.

82

Figura 39 Fonte: Correio Braziliense http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e- arte/2015/12/07/interna_diversao_arte,509592/atriz-sheron-menezzes-sofre-ataques-racistas-nas-redes- sociais.shtml Acesso em 14/03/16.

A figura 37 apresenta os veículos metafóricos Nescau, zoológico e macaquinha. A marca de achocolatado Nescau é utilizada devido ao fato de o namorado da atriz ser branco. Essa metáfora também aparece na figura 39, em que há o comentário: Se mexer dá Nescau. A relação entre um homem branco e uma mulher negra também foi alvo de ataques racistas nas redes sociais, dessa vez dirigidos a um outro casal. Os comentários foram noticiados pelo Jornal O Dia:

Figura 40 Fonte: O Dia http://odia.ig.com.br/noticia/brasil/2014-08-27/jovem-casal-mineiro-sofre-racismo-ao-publicar-foto- no-facebook.html Acesso em 14/03/16 Entre os comentários, o último apresenta o mesmo veículo metafórico: Nescau (se meche vira Nescau), mapeando do domínio fonte (o chocolate) a cor escura do chocolate e o 83 branco do leite que normalmente são misturados na preparação da bebida. É interessante notar que o frame “Nescau” não é avaliado como algo negativo em nossa cultura, pois é um achocolatado aparentemente apreciado, principalmente por crianças. Além disso, uma rápida pesquisa no site Google mostra que ele faz parte de várias receitas de bolos e de doces. Ou seja, fora de um contexto como o dos comentários em foco, uma expressão como se mexe vira Nescau não implicaria, a princípio qualquer ofensa. O mesmo acontece com o comentário café com leite. No entanto, a mistura de cores em seres humanos parece produzir, em algumas pessoas, um forte incômodo: como se a porção negra da mistura pudesse “contaminar” a porção branca. Nesse sentido, as expressões Nescau e café com leite, como também a aparentemente neutra black and white, do comentário anterior dirigido a Sheron Menezzes, adquirem uma conotação, ou uma orientação argumentativa (GUIMARÃES, 2002), evidentemente racista no contexto discursivo dos comentários. O fato de o namorado da atriz ser branco também é alvo do comentário ostenta rola branca, que faz referência ao pênis do rapaz (branco) como sendo objeto de ostentação e, portanto, orgulho para uma mulher negra. Aqui, parece haver uma articulação altamente ofensiva entre duas ideologias: o machismo e o racismo. Os veículos metafóricos zoológico e macaquinha aparecem, mais uma vez, dando um caráter não humano a uma pessoa negra. Isto também ocorre na figura 38, pois há, além da palavra macaco em um comentário, um outro comentário no qual foi feita uma montagem para que o rosto da atriz fosse substituído pela imagem de um macaco. A figura 38, além do veículo metafórico macaco, apresenta também as expressões munição de churrasqueira, cabelo ruim, (ostenta) rola branca, negona pobre, foto black and white, sombra 3D e luto eterno. Munição de churrasqueira faz referência metonímica a carvão, que por ser preto é relacionado à cor negra da atriz. Esse veículo metafórico apareceu também nos comentários direcionados à jornalista Maria Júlia Coutinho. A referência ao cabelo da atriz como cabelo ruim é coerente com a caracterização preconceituosa do cabelo crespo como algo negativo. Os cabelos das atrizes Taís Araújo e Cris Vianna também foram alvos de comentários racistas, através dos veículos metafóricos esponja de lavar louça (e sinônimos), parafuso enferrujado e vassoura (ver comentários em 5.2 e 5.5). A expressão negona pobre, carregada de preconceito, aponta para a caracterização estereotipada do negro como pobre. É interessante observar que mesmo se tratando de uma atriz famosa, o que lhe confere um status social alto, Sheron é adjetivada como pobre devido ao fato de ser negra. É provável que este preconceito tenha origem na maneira como os negros escravizados foram libertados no Brasil: sem nenhuma assistência social, o que fez com que 84 eles fossem marginalizados (FERNANDES, 1978). Essa realidade ainda é observada nos dias de hoje, em que apesar de a maioria dos brasileiros serem negros ou pardos, estes representam apenas 17,4% dos brasileiros mais ricos, dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) referentes ao ano de 201438.Apesar dessa expressão não caracterizar um veículo metafórico, optamos por incluí-la nesta discussão devido à sua relevância para a questão do racismo. Na utilização do veículo metafórico sombra 3D, pode-se observar a predominância da cor escura da sombra e também seu aspecto não-humano. Apesar de a sombra de uma pessoa ter a forma de um corpo humano, ela não é um ser humano, é apenas uma obscuridade provocada por um obstáculo à luz. Uma das definições do dicionário Michaelis para sombra é: escuridão, trevas, noite39, o que faz com que haja uma metonímia pela cor no uso desse veículo metafórico. Além disso, o aspecto do “não ser”, ou ser uma “imitação” de um ser humano, um “espectro”, presente no frame de sombra (mesmo em “3D”), parece ser também mapeado nesta expressão metafórica, causando, possivelmente, um efeito discursivo ainda mais negativo. O último veículo encontrado na figura 38 é luto eterno. O termo luto utilizado metaforicamente para designar uma pessoa negra também está presente nos comentários feitos na rede social da jornalista Maria Júlia Coutinho (ver 5.1). Da mesma forma que sombra, luto parece mapear também uma carga sociocognitiva negativa: uma expressão de dor, de morte; já o modificador eterno, algo que não tem fim, intensifica esse feito. A figura 39 apresenta três comentários: se der um apagão só vê o sorriso, quanto custa para um negro andar de navil [sic] e se mexer dá nescau, que já foi comentado acima. O primeiro comentário estabelece uma relação da cor negra da atriz com uma situação de apagão, ou seja, falta de luz ou energia elétrica, como se a única parte visível da atriz, neste caso, fossem seus dentes por serem brancos. Esse comentário nos faz lembrar de alguns textos humorísticos racistas, nos quais são destacadas as partes brancas do corpo de um negro. Como exemplo, há as seguintes piadas: Sabe quais são as 5 partes brancas do negro? A palma da mão, a sola do pé, o branco dos olhos, os dentes e o dono40

Quais as únicas partes consideradas boas dos negros? Palma da mão e sola dos pés, pois são brancas.41

38 http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/12/04/negros-representam-54-da-populacao-do-pais-mas- sao-so-17-dos-mais-ricos.htm Acesso em 16/05/16. 39 DICIONÁRIO Michaelis. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues- portugues&palavra=sombra Acesso em 17/05/16. 40Fonte: Acesso em 17/05/16. 41 Fonte: Acesso em 17/05/16. 85

A narrativa abaixo ressalta uma “superioridade” de uma parte do corpo branca: Um negão trabalhava em uma gráfica, na guilhotina. Um dia marcou bobeira e a guilhotina cortou a ponta de um de seus dedos... Foi levado a um hospital, atendido e avisado que havia uma pessoa morta que tinha deixado todos os órgãos para doação.... Só que era branco.... O preto aceitou e o dedo foi implantado... Uma semana depois o tição morreu.... Qual a causa ??????? O DEDO branco rejeitou o resto...42 Percebe-se, nesse caso, a presença de uma teoria do humor chamada de Teoria de Superioridade, segundo a qual o fato de o falante se sentir superior a outra pessoa faz com que a narrativa seja divertida. Cartsburg (2007, p. 9) ressalta que essa teoria [...] baseia-se na supremacia de um falante em relação a outro. Keith-Spiegel afirma que ‘nos comparamos favoravelmente a outros como sendo menos estúpidos, menos feios, menos desafortunados, ou menos fracos’ (1972, 6). Devido a essa superiorida, as pessoas tendem zombar de outras, o que resulta em diversão.43 Por fim, há o comentário restante da figura 39: quanto custa para um negro andar de navil [sic]. Percebe-se nesse comentário a imagem de um negro como um animal, que para viajar de navio tenha que pagar um valor diferente de um ser humano. É interessante também que a atriz estava viajando na Europa e a grande maioria das pessoas que viajam do Brasil para qualquer país da Europa o façam de avião e não de navio. É possível que essa relação (negro x viagem de navio) tenha sido escolhida, apesar de atualmente ser exceção, devido ao fato histórico de negros capturados na África chegarem ao Brasil de navio (os chamados “navios negreiros”), a partir do século XVI, para trabalharem nos engenhos de cana-de-açúcar. Portanto, é possível que nesse comentário haja a conceptualização do negro como animal e também como escravo. De fato, o tratamento dados aos escravos africanos, pelos brancos, não era muito diferente daquele dado a animais (VASCONCELOS, 2012).

Quadro 6 – Relações figuradas (Sheron Menezzes)

Veículo metafórico / metonímico Relações figuradas (Expressão linguística) Nescau Metonímia pela cor Zoológico Metáfora por valoração / Metonímia para animal Macaquinha Metáfora por valoração

42 Fonte: Acesso em 17/05/16. 43 Tradução nossa para: It is based on the supremacy of one speaker to another. Keith-Spiegel states that ‘we compare ourselves favourably to others as being less stupid, less ugly, less unfortunate, or less weak’ (1972, 6). Out of this superiority people tend to make fun at others which results in amusement. 86

Macaco Metáfora por valoração Imagem de macaco Metáfora por valoração Munição de churrasqueira (Carvão) Metonímia pela cor / Metáfora por valoração Cabelo ruim Metonímia Ostenta rola branca (Pênis de homem Metáfora por valoração branco) Foto black and white (Imagem em preto e Metonímia pela cor / Metáfora por valoração branco) Sombra 3D Metonímia pela cor Luto eterno Metonímia pela cor / Metáfora por valoração Se de um apagão só vê o sorriso Metonímia pela cor / Metáfora por valoração Quanto custa para um negro andar de navil Metáfora por valoração [sic] (Andar de navio) Se mexer dá nescau (Achocolatado) Metonímia pela cor

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6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A partir da análise dos comentários de teor racista enfocados no capítulo anterior, pudemos fazer uma relação do total de veículos metafóricos encontrados. Constatamos um total de trinta veículos metafóricos / metonímicos diferentes, sendo que muitos deles ocorrem repetidas vezes. Abaixo, encontra-se uma tabela com esses veículos metafóricos / metonímicos, como também o número de ocorrências de cada um.

Quadro 7 – Veículos metafóricos / metonímicos e suas ocorrências

Veículos metafóricos / metonímicos Número de ocorrências Luto 2 Comida queimada 2 Banana 4 Carvão 2 Imagem em preto e branco 2 Senzala 1 Esponja 10 Primata não-humano 7 Zoológico 2 Pelo pubiano 3 Esfregão 2 Pó (cocaína) 1 Cotas raciais 1 Parafuso enferrujado 1 Macumba 1 Vender água no sinal 1 Correr da polícia 1 Empregado 1 Africana 13 Porco-espinho 2 Vassoura 1 Pelo de ratazana 1 Mãe do Cirilo 1 Pacaia 1 Achocolatado 2 Cabelo ruim 1 Pênis de homem branco 1 Sombra 1 Apagão 1 Andar de navio 1

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Podemos perceber que muitos dos veículos metafóricos / metonímicos presentes na tabela acima pertencem a um mesmo campo semântico. Por exemplo, tanto vassoura como cabelo ruim (e ainda outros) fazem referência a cabelo crespo. Assim, optamos por fazer uma categorização dos veículos metafóricos. Propomos as seguintes categorias: veículos metafóricos relacionados à escravidão ou à classe social44, a cor, a animais e a cabelo, levando em consideração a frequência de cada veículo metafórico. A categorização dos veículos metafóricos / metonímicos pode ser observada a seguir:

Quadro 8 – Categorização dos veículos metafóricos / metonímicos

Veículos metafóricos Veículos Veículos Veículos / metonímicos metafóricos / metafóricos / metafóricos / relacionados à metonímicos metonímicos metonímicos escravidão ou à relacionados a cor relacionados a relacionados a classe social cabelo animais Senzala Luto Pelo pubiano Banana Esponja (de aço) Comida queimada Vassoura Primata não-humano (macaco, gorila) Pó (cocaína) Carvão Pelo de ratazana Zoológico Cotas raciais Imagem em preto e Pacaia (cigarro ou Porco-espinho branco charuto) Macumba Parafuso Cabelo ruim Pelo de ratazana enferrujado Vender água no sinal Achocolatado Porco-espinho Correr da polícia Pênis de homem Esponja (de aço) branco Empregado Sombra Esfregão Africana Apagão Mãe do Cirilo Esfregão Vassoura Andar de navio

44 Discorreremos sobre a razão pela qual optamos por considerar escravidão e classe social como pertencentes à mesma categoria em 6.1. 89

Ao fazermos esse agrupamento dos veículos por categorias semânticas, percebemos que a sua maioria diz respeito à escravidão ou à classe social (41,6%). A ocorrência de veículos relacionados a cabelo corresponde a 22,6% do total de ocorrências. Os veículos relacionados a animais correspondem a 19%, e a cor, 16,6%. Abaixo, encontram-se dois gráficos que ilustram essa categorização. Podemos visualizar o número de ocorrências de veículos metafóricos / metonímicos em cada categoria no primeiro gráfico e as porcentagens de ocorrências no segundo.

Veículos Metafóricos / Metonímicos

35

19 16 14

RELACIONADOS RELACIONADOS RELACIONADOS RELACIONADOS À ESCRAVIDÃO A CABELO A ANIMAIS A COR OU À CLASSE SOCIAL

Gráfico 1- Número de veículos metafóricos / metonímicos em cada categoria

Veículos Metafóricos / Metonímicos

Relacionados à escravidão ou à classe social 16,6% Relacionados a cabelo 41,6% 19% Relacionados a animais 22,6%

Relacionados a cor

Gráfico 2- Porcentagens de ocorrências de veículos metafóricos / metonímicos em cada categoria

É importante observar que a categoria relacionada a cor foi a que apresentou menos ocorrências de veículos metafóricos / metonímicos. Apesar do fato de que, com base em nossa intuição acerca da natureza do preconceito racial, a cor provavelmente seria o aspecto que se sobressairia na representação discriminatória de afrodescendentes, a relação com a escravidão 90 foi a característica que surgiu com maior frequência no corpus. É relevante também o fato de que a maior diferença entre categorias foi entre a mais frequente (veículos relacionados à escravidão ou à classe social) e a segunda mais frequente (veículos relacionados a cabelo). A diferença entre a segunda mais frequente (veículos relacionados a cabelo) e a terceira (veículos relacionados a animais) e entre a terceira (veículos relacionados a animais) e a quarta (veículos relacionados a cor) foi bem menor. Isso evidencia a forte relação entre discriminação racial e discriminação social, marcada linguisticamente no corpus, ecoando ideologias compartilhadas no “inconsciente cognitivo”.

6.1. Veículos metafóricos / metonímicos relacionados à escravidão ou à classe social

Consideramos relacionados à escravidão ou à classe social os seguintes veículos metafóricos / metonímicos: senzala, esponja, pó, cotas raciais, macumba, vender água no sinal, correr da polícia, empregado, africana, mãe do Cirilo, esfregão, vassoura e andar de navio. É possível perceber, nessas expressões, que algumas estão diretamente relacionadas à escravidão de negros no Brasil, como senzala e africana. Já outras, como cotas raciais e correr da polícia, estão relacionadas a questões de cunho social. Como apontam os estudos do sociólogo Florestan Fernandes (1978), não houve por parte do estado nenhum tipo de assistência social após a abolição da escravatura, o que fez com que a população negra ficasse “à margem” da sociedade. Este fato fez com que optássemos por considerar escravidão e pobreza dentro da mesma categoria. Como consequências da marginalização social de negros no Brasil, podem ser citados fatores como vulnerabilidade socioeconômica, menos acesso à educação formal, maior ocorrência de crimes etc. Nesse sentido, é possível afirmar que os veículos metafóricos mãe do Cirilo (personagem pobre) e vender água no sinal transparecem essa conotação do negro como pobre, apesar de as pessoas alvos desses comentários não fazerem parte da população com baixo poder aquisitivo. Podemos perceber também o uso da expressão cotas raciais como referência ao pouco acesso à educação pelas pessoas negras e às políticas públicas afirmativas, que estabelecem cotas raciais e/ou para alunos de escolas públicas para as instituições federais de educação (Lei nº 12.711/201245), e correr da polícia, remetendo à associação normalmente estabelecida entre criminalidade e classe social.

45 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm Acesso em 29/06/16. 91

Acreditamos, também, que o período escravocrata tenha contribuído para o fato de trabalhos domésticos terem pouco prestígio social. Os estudos de Fernandes (1978), mostram que o trabalho doméstico no Brasil era feito pelos negros escravizados e, após a abolição, a grande maioria dos empregados domésticos era, e provavelmente ainda é46, constituída de mulheres negras ou pardas. Os veículos metafóricos empregado, esponja, esfregão e vassoura expressam essa conotação. O período escravocrata parece também estar relacionado à conotação negativa do continente africano. O fato de os negros escravizados terem vindo da África pode ser uma explicação para o uso constante do veículo metafórico africana, que ocorreu em um total de treze vezes. Além disso, as religiões africanas também podem ter sido estigmatizadas devido a esse fator, o que explicaria o uso pejorativo do termo macumba. O veículo andar de navio também por ser considerado como pertencente a essa categoria, pois entendemos que o comentário quanto custa para uma negra andar de navil [sic] está relacionado ao fato de que, durante o escravismo, os negros eram trazidos para o Brasil em navios, chamados “Navios Negreiros”. Isto difere do que acontece hoje, quando a maioria das pessoas que viajam por longos trajetos o fazem de avião. Sendo essa a categoria em que encontramos a maior parte dos veículos metafóricos, podemos constatar que o período escravocrata forjou o caráter da sociedade brasileira e ainda hoje suas consequências são determinantes nas relações sociais estabelecidas entre brasileiros. A grande presença de veículos metafóricos pertencentes a essa categoria aponta para o fato de que a forma como se deu todo o processo de escravização de negros no Brasil e também o processo de abolição da escravatura estão diretamente relacionados às questões raciais. Sendo a ideologia a base das práticas sociais, como afirmamos em nossa fundamentação teórica (p. 25), é natural que havendo a ideologia do racismo, ela seja evocada nas metáforas e metonímias presentes em discursos racistas. Ou seja, neste caso, ao mesmo tempo em que as metáforas e metonímias acabam por contribuir para essa construção ideológica, também fazem com que o racismo fique ainda mais evidente.

6.2. Veículos metafóricos / metonímicos relacionados a cabelo

46 Segundo o site UOL, uma pesquisa da Fundação Seade mostrou que, em 2014, 52,6% das empregadas domésticas eram negras. http://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2015/04/23/parcela- de-empregadas-domesticas-em-sp-e-a-menor-desde-1985-diz-estudo.htm Acesso em 28/06/16. 92

Os veículos metafóricos / metonímicos que fazem parte desta categoria são: pelo pubiano, vassoura, pelo de ratazana, pacaia (cigarro ou charuto de má qualidade), cabelo ruim, porco-espinho, esponja e esfregão. A negatividade preconceituosa do cabelo crespo é conceptualizada, na língua portuguesa, através de diversas expressões. Destacamos algumas: vassoura, cabelo ruim, cabelo duro47, esponja de aço, pixaim, carapinha, mafuá, cabelo igual a bandido: quando não está preso, está armado e outras. Em alguns desses veículos, há o mapeamento de textura, como pelo pubiano, pelo de ratazana e esponja (de aço). Porém, a escolha de expressões que já possuem uma negatividade de sentido, (pelo pubiano, devido à ideologia do machismo; pelo de ratazana por ser um animal que vive no esgoto e por poder transmitir doenças; e esponja devido a conceptualização negativa de trabalhos domésticos em geral) reforça a depreciação do cabelo crespo proposta pelo preconceito racial. Há, na língua, outros termos que se referem a objetos que possuem uma textura semelhante ao cabelo crespo. Por exemplo, pelo de carneiro, alface crespa etc. Esses objetos apresentam uma textura próxima à do cabelo crespo, porém não são usados para essa conceptualização.

6.3. Veículos metafóricos / metonímicos relacionados a animais

Nesta categoria, encontram-se os veículos metafóricos / metonímicos banana, primata não-humano (macaco, gorila), zoológico, porco-espinho e ratazana. Entendemos a grande presença no corpus de veículos metafóricos / metonímicos relacionados a animais como mais uma tentativa de inferiorizar o negro. Observamos que nas metáforas de animais, o principal mapeamento encontrado é o da primitividade, já que os animais são considerados inferiores ao homem na escala evolutiva. Os veículos porco-espinho e ratazana aparecem como referência ao cabelo crespo e, por isso, serão abordados também na categoria Veículos relacionados a cabelo. Apesar do fato de que em qualquer referência a animal há a possibilidade do mapeamento da primitividade, no caso desses dois veículos metafóricos, acreditamos que o mapeamento principal seja a aparência desses animais. Os veículos macaco e gorila (primatas não-humanos) tiveram um total de sete ocorrências no corpus. Desta forma, o animal macaco ou gorila se configura como o animal mais utilizado na conceptualização de uma pessoa afrodescendente. Pode-se argumentar que

47Há inclusive um desenho animado denominado “Urso do Cabelo Duro” (versão brasileira de Help!... It's the Hair Bear Bunch!) de 1971. 93 essa ampla utilização do termo macaco/gorila tenha a ver, como discutido no capítulo 4, com a necessidade de se “justificar” a escravização de negros. Alinhando-nos à hipótese levantada por BRADLEY (2013), acreditamos que essa conceptualização de negro como macaco tenha o objetivo de facilitar a aceitação da escravidão. Através da conceptualização de negros como animais (considerando-se aqui não apenas o macaco, mas também os outros animais presentes no corpus), é possível a sua conceptualização como não-humanos. A partir do momento em que pessoas negras não são consideradas seres humanos, sua escravização pode passar a ser admissível, da mesma forma que a domesticação de animais o é: o fim do processo é sempre subjugá-los ao poder do homem para que esses possam servi-lo.

6.4. Veículos metafóricos relacionados a cor

Destacamos como veículos metafóricos relacionados a cor as seguintes expressões: luto, comida queimada, carvão, imagem em preto e branco, parafuso enferrujado, achocolatado, pênis de homem branco, sombra e apagão. É possível perceber que há uma negatividade da cor negra projetada em todos esses veículos. A primeira razão para essa negatividade pode estar relacionada à questão corpórea da escuridão. Retomando o trabalho de Puente (2014), abordado em nossa fundamentação teórica (p. 28), há que se problematizar a negatividade das metáforas negras como sendo exclusivamente atribuída à ideologia racista (PAIVA, 1998). A motivação sensório motora, base da cognição corporificada, um dos postulados centrais da linguística cognitiva, mostra-se como um importante fator na base da conceptualização de muitas metáforas. O estudo das metáforas negras no corpus bíblico desenvolvido por Puente (ibid.) mostra a dimensão corporificada da metáfora conceptual (ou mesmo metáfora primária) MAL É ESCURIDÃO. As expressões sombra e apagão, portanto, podem evocar, da mesma forma, a experiência sensório motora com a noite e a escuridão. No entanto, fatores sócio-históricos, como a escravidão, agregam um valor ideológico à negatividade corpórea das metáforas negras, tornando-as veículos altamente reprodutores de discriminação. Outra questão também importante para a negatividade da cor negra é a literalidade de algumas expressões. Por exemplo, na expressão comida queimada, além de evocar metonimicamente a cor preta (comida queimada normalmente torna-se escura pelo processo de combustão), há a negatividade de uma alimento queimado que deixa de ser próprio para o consumo. A expressão parafuso enferrujado também denota a deterioração de algo. Já a 94 expressão imagem em preto e branco apresenta uma negatividade devido à qualidade de uma imagem. Especificamente no caso de um aparelho de TV, imagem em preto e branco denota algo ultrapassado, pois desde a década de 50 há a tecnologia de televisores em cores. O veículo metafórico luto, por sua vez, além de evocar metonimicamente a cor negra (pela tradição de se usar roupas negras ao se estar em um estado de luto), também apresenta uma negatividade devido ao seu sentido básico (do domínio fonte), pois está relacionado à morte e ao sofrimento que ela provoca. No caso do veículo metafórico achocolatado, a princípio ele não seria algo ruim, já que se trata de uma bebida muito apreciada, especialmente por crianças. Porém, devido à negatividade da cor negra, a mistura de pessoas de etnias diferentes pode expressar uma espécie de “contaminação”. Essa outra conotação do termo achocolatado para fazer referência a um casal constituído por uma mulher negra e um homem branco tem por base a ideologia racista. Nesse caso, a negatividade, ao contrário do que vemos na maior parte dos mapeamentos metafóricos, é projetada do domínio alvo para o domínio fonte. / metonímicos A expressão ostenta rola branca trata do órgão sexual de um homem branco que, no caso do contexto em foco, namora uma mulher negra. A utilização do verbo ostentar demonstra uma superioridade de pessoas brancas em geral. Desta forma, o fato de uma mulher negra namorar um homem branco é visto como motivo para um exibicionismo por parte dela. Isto aponta para uma articulação entre as ideologias do racismo e do machismo, já que também envolve questões de gênero.

95

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, buscamos analisar os possíveis mapeamentos do uso metafórico da expressão “macaco”. Buscamos também analisar outras relações metafóricas presentes em casos de racismo e, por último, discutir as questões culturais e ideológicas importantes para a problematização das construções metafóricas. As relações metafóricas abordadas nesta pesquisa (principalmente as que têm a ver com a escravidão, pois foram as mais frequentes) apontam para a natureza cognitiva da metáfora. Em consonância com a Teoria da Metáfora Conceptual (LAKOFF; JOHNSON, 1980 [2002], os resultados, por exemplo, indicam que apesar de não falarmos em nosso dia-a-dia sobre as questões que envolvem a escravatura, elas parecem ancorar, de um modo inconsciente, metáforas e metonímias utilizadas em nosso cotidiano, e outras mais deliberadamente racistas. Muitas vezes, essas metáforas não aparecem em uma linguagem mais controlada, como indica a análise do uso metafórico do termo “macaco” (capítulo 4). Porém, em uma linguagem mais distante do chamado “politicamente correto”, essas relações metafóricas são relativamente comuns. Acreditamos que, apesar de os resultados serem provenientes de colocações de conteúdo racista, a grande maioria das relações metafóricas presentes nesse discurso não causa estranheza em um falante comum de português do Brasil. Já que, alinhando- nos a Van Dijk (2000), a ideologia é a base das práticas sociais, é razoável que uma ideologia como o racismo esteja presente em uma sociedade que, como afirmamos na seção 6.1, foi forjada pela cultura escravocrata. Baseando-nos nos resultados deste estudo, podemos argumentar que há relações metafóricas ou metonímicas ligadas a todo o processo de escravidão. Sobre o início da escravidão no Brasil, ou mesmo antes dela, podemos mencionar as projeções metafóricas do animal macaco para o africano como uma justificativa para escravizá-lo e as metáforas de animais, que, como um todo, apontam para uma inferioridade (criada pela ideologia racista) do negro. Sobre o período de tempo durante a escravidão, podemos fazer menção às metáforas/metonímias ligadas ao que o negro fazia: trabalho braçal, trabalhos domésticos etc. São exemplos os seguintes veículos metafóricos/metonímicos: esponja, esfregão e vassoura. Também podemos mencionar os veículos navio (como metonímia para “navio negreiro”) e senzala. Sobre o período depois da escravidão, podemos fazer alusão às suas consequências, como a marginalização social, que transparece nos veículos vender água no sinal, correr da polícia, empregado e cotas raciais. 96

Devido aos fatores mencionados acima, acreditamos que a reflexão que surge a partir das questões levantadas neste estudo contribui para uma maior conscientização acerca da extensão de conceptualizações racistas em nossa sociedade. Além dessa contribuição social, julgamos esta pesquisa relevante para a Teoria da Metáfora, já que ela aponta para os aspectos cognitivo, cultural e ideológico da metáfora. Acerca das limitações da pesquisa, podemos mencionar a extensão do corpus escolhido para a análise do uso metafórico do termo “macaco” (capítulo 4). Nossa opção por analisar apenas as primeiras vinte ocorrências do termo “macaco” do Corpus do Português deve-se ao fato de o foco desta pesquisa recair sobre a relação entre os usos metafóricos e a ideologia racista. Assim, optamos por estender nossas análises às construções metafóricas ou metonímicas cujo conteúdo é considerado racista. Outra limitação da pesquisa diz respeito aos comentários de teor racista (capítulo 5). Como exposto na seção 5.5, é provável que a maioria dos ataques racistas que compõem o corpus desta pesquisa tenham sido planejados por um mesmo grupo com o objetivo de disseminar o racismo. Consideramos este fato uma limitação, já que os comentários analisados não representam a opinião da sociedade como um todo. Porém, apesar de haver a possibilidade de algumas construções metafóricas e metonímicas não serem individuais e espontâneas, elas representam discursos comumente ouvidos em nossa sociedade, haja vista os casos que motivaram esta pesquisa (ver Introdução). Esses discursos, provavelmente por constituírem crime e até mesmo por serem contrários ao “politicamente correto”, são mais facilmente encontrados através de mídias mais informais, como as redes sociais, por exemplo. Uma indicação para futuras investigações seria utilizar um corpus mais abrangente. Apesar das limitações, cremos que esta pesquisa indica que a Teoria da Metáfora Conceptual tem muito a contribuir ao estudo crítico de fenômenos sociais de forma geral, já que através do estudo das relações metafóricas, é possível o acesso, mesmo que parcial e não definitivo, às ideologias que fazem parte de nossa cultura. Como afirma Kövecses (2005, p. 1), nossa cultura é nosso conjunto de entendimentos compartilhados. Então, os conhecimentos acerca de diferentes ideologias fazem parte de nossa cultura e, especificamente no caso da ideologia racista, é de fundamental importância que esses conhecimentos sejam ampliados. Desta forma, acreditamos que a explicitação das questões abordadas neste estudo trazem luz a um tema muitas vezes negligenciado em uma nação cuja história está tão profundamente ligada à discriminação racial ainda presente na contemporaneidade.

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ANEXO

1 tudo aceita porque é moda - que é capaz de sair na rua feito um macaco pendurado no rodo porque é moda - então eu tive oportunidade de ir num casamento 2 você tem isso no conto Relatório para uma academia - que é feito por um macaco que se / como é? - a conversão de um macaco - você tem 3 feito por um macaco que se / como é? - a conversão de um macaco - você tem na própria Metamorfose - e tem num conto tipicamente judaico - que

4 que eu já estou meio esquecida - que é mais? tem cobra - arara macaco que é um animal superinteressante o macaquinho - mu::ito muito muito - porque: sei 5 (ri)) diga mais aí que é que Doc. - você falou também em macaco - você conhece Inf. - uhm Doc. - algum tipo de macaco assim

6 em macaco - você conhece Inf. - uhm Doc. - algum tipo de macaco assim em particular? Inf. - não - pra mim todos eles são macacos

7 eles são macacos - com exceção de sagüim - ((rindo)) que é um macaco pequenininho - e por sinal nós criávamos dois aqui em casa - dois sagüins mas

8 evolução do homem - quando o homem sapiens - que já deixou de ser (macaco) - passou a usar a inteligência - a conseguir fazer coisas - e como

9 , dobrei os agudos, beleza, agora vamos fazer as vozes. Já tô macaco velho. Vou fazer agudo no final do período? Eu vou me foder,

10 vê -, com as mãos peludas agarrando o rifle, é na verdade um macaco. O tropeiro move o rosto e percebe que a seu lado, mascando o

11 A imagem que o domina é aquela: as cabeças são bornais nas mãos do macaco. Cajango as aguarda. talvez com impaciência, querendo reconhecer os que invadiram a

12 , e no qual muitas empresas naufragaram quando, em um dos seus malabarismos de macaco em casa de louça, desmentindo as peremptórias negativas diariamente feitas pela imprensa, apanhou

13 Federação, depondo o fone no gancho, sorriu irônico: o delegado aprendera que macaco velho não mete a mão em cumbuca. Clínio Benito Madeira, depois de convocar

14 brutalidade das feições; tinha os olhos grandes e pouco queixo, um maxilar de macaco. A mulher do balcão perguntou-me para onde eu ia. Gávea, respondi. 15 ninguém. Era o meu pai escarrado. O nariz pequeno e o maxilar de macaco. Minha mesmíssima pele. Na época, decidi não publicar este manuscrito. Na 16 ficando doido. Querendo logo ir pra tua casa, onde deve estar arrodeado de macaco, ou pra zona, onde tudo quanto é macaco dorme de graça com as 17 onde deve estar arrodeado de macaco, ou pra zona, onde tudo quanto é macaco dorme de graça com as mulheres à-toa. Te apressa senão tu perde o portador 18 Esse movimento também foi criado por Miyamoto. Ele o chamou " O corpo do macaco chinês ", ou seja, um macaco de braços bem curtos. Antes que 19 Ele o chamou " O corpo do macaco chinês ", ou seja, um macaco de braços bem curtos. Antes que o inimigo avance e golpeie, você fecha 20 - Você deu um salto qualitativo.. entende? - Como se eu fosse um macaco e me tornasse um homem.. - Sim.. sua casa. - Esperem!