RESSALVA

Atendendo solicitação do autor, o texto completo desta dissertação será disponibilizado somente a partir de 03/07/2022.

Lucas Ramos Pereira

Efeito do ambiente e da disponibilidade de oxigênio no perfil hematológico e na frequência cardíaca de geoffroanus (Schweigger, 1812)

São José do Rio Preto 2020

Lucas Ramos Pereira

Efeito do ambiente e da disponibilidade de oxigênio no perfil hematológico e na frequência cardíaca de (Schweigger, 1812)

Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Biologia junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto.

Financiadora: CAPES

Orientadora: Profª. Drª. Claudia Regina Bonini Domingos

São José do Rio Preto 2020

Lucas Ramos Pereira

Efeito do ambiente e da disponibilidade de oxigênio no perfil hematológico e na frequência cardíaca de Phrynops geoffroanus (Schweigger, 1812)

Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Biologia Animal junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto.

Financiadora: CAPES

Comissão Examinadora Profª. Drª Claudia Regina Bonini Domingos UNESP – Campus de São José do Rio Preto Orientadora

Prof. Dr. Renato de Mei Romero IFAL - Câmpus Marechal Deodoro / Instituto Federal de Alagoas

Profa. Dra. Maria Isabel Afonso da Silva Centro de Educação e Letras (CEL)/ Universidade Federal do Acre

São José do Rio Preto 03 de julho 2020

Dedicatória

Aos meus pais, João Paulo e Noemia. Ao meu irmão, Thiago. À minha orientadora, Claudia. À família “postiça” que me acolheu ao longo desse tempo, Nadir, Ana Luisa, Ana Carolina e Marquinho. Aos amigos, companheiros de jornada e contribuintes deste trabalho.

Agradecimentos Agradeço, Aos meus pais, João Paulo e Noemia, por todo o incentivo, força, apoio e, principalmente, pelo seu amor incondicional. À minha orientadora, Claudia, por não me deixar desistir, por todos os ensinamentos, por todo o companheirismo e por toda a luta. Ao meu irmão, Thiago, que por diversas vezes teve de ser compreensivo com minhas ausências nos almoços de domingo, nas apresentações das crianças. À minha família postiça, Vó Nadir, Ana Luisa, Ana Carolina, Marquinho e Renato. Todos os nossos momentos juntos fizeram parte da construção desse trabalho, da minha formação como ser humano e, também, da manutenção da minha sanidade em momentos tão sombrios. Ao meu parceiro, Henrique, pela paciência, pelos ensinamentos, pelos bons momentos, pelo apoio e por tudo aquilo que vivenciamos juntos. Aos companheiros de laboratório que, desde 2013, compartilharam seus conhecimentos comigo, dividiram alguns bons momentos e fizeram desse processo de construção científica o mais leve possível. Aos amigos que, embora longe, estão sempre próximos, Thaís, Marcelo, Patrícia, Daniel, Guilherme, Lidiane, Kauan, Fernanda e Ingrid. A saudade também serve como combustível para os momentos em que eu me vi desanimado, cansado e desiludido com relação à ciência. Aos companheiros de trabalho que auxiliaram nas diferentes jornadas, nos momentos necessários e, principalmente, na luta em busca de uma educação da melhor qualidade e mais acessível. Aos companheiros do Laboratório de Fisiologia Comparada do Ibilce/UNESP, pelos ensinamentos, pelo companheirismo nos momentos de instrumentação e por todo o auxílio e ao Prof. Dr. Luis Henrique Florindo por ter cedido o espaço de seu laboratório para que essa pesquisa pudesse ser realizada. À Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de São José do Rio Preto (FAPERP) pelo auxílio financeiro para comparecimento em eventos e ao IBAMA, pela concessão de licença de coleta e manejo dos espécimes. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Epígrafe

“While it is always best to believe in one’s self, a little help from others can be a great blessing.” (Uncle Iroh, 2006)

Resumo Phrynops geoffroanus é um quelônio dulcícola conhecido popularmente como cágado-de-barbelas que habita o continente sul-americano em quase sua totalidade. Este animal é encontrado em ambientes com elevado nível de contaminantes e de ação antrópica, como rejeitos de construção civil e despejo de esgoto. O objetivo deste trabalho foi aferir a frequência cardíaca e diversos parâmetros hematológicos (hemograma e dosagem de metahemoglobina) em diferentes situações de normalidade na disponibilidade de oxigênio, mergulho forçado e retorno à normalidade, para que pudesse ser realizado um processo comparativo. O experimento consistiu na coleta de seis animais, seu transporte ao Centro de Estudo de Quelônios, no qual foram inseridos em tanques de água com restos de sedimentos do ambiente natural, visando manter-se um meio semelhante àquele encontrado na vida livre. Estes animais foram instrumentados de acordo com o triângulo equilátero de Einthoven, para aferir a frequência cardíaca, e tiveram 2mL de sangue retirados em cada etapa do processo. O sangue foi analisado de acordo com o hematócrito, dosagem de hemoglobina circulante, contagem total de eritrócitos, contagem total de leucócitos e contagem diferencial de leucócitos, o que caracteriza o hemograma, além da dosagem de metaemoglobina. Os resultados demonstraram uma diminuição na frequência cardíaca sequencial, de acordo com as horas de experimento, e seu posterior retorno à normalidade, com a remoção da restrição de respirar. Além disso, os resultados de hematócrito também foram estatisticamente significativos e relacionados à diminuição do aporte de gás oxigênio a nível pulmonar. Com relação aos leucócitos, foi possível observar diferenças na quantidade de linfócitos, heterofilos e eosinófilos, indicando um efeito de preparo para o estresse oxidativo (POS) nestes animais. Quanto aos demais parâmetros, sua não diferença estatística indica a ocorrência de mecanismos de controle da concentração de oxigênio no organismo, evidenciando, por exemplo, a respiração cloacal já demonstrada na família , à qual pertence o grupo de estudo. Palavras chave: cágado-de-barbelas; hematologia; sistema cardiovascular.

Abstract Phrynops geoffroanus is freshwater popularly known as Geoffroy’s side- necked turtle that inhabits the South American continent in almost its entirety. This animal is found in environments with a high level of contaminants and anthropic action, such as waste from civil construction and sewage dumping. The objective of this work was to measure heart rate and several hematological parameters (blood count and metahemoglobin dosage) in different situations of normality in oxygen availability, forced diving and return to normality, so that a comparative process could be performed. The experiment consisted of the collection of six , their transport to the Centro de Estudo de Quelônios, in which they were inserted in water tanks with sediment debris from the natural environment, aiming to remain an environment similar to that found in free life. These animals were instrumented according to the equilateral triangle of Einthoven to measure the heart rate, and had 2mL of blood removed at each stage of the process. Blood was analyzed according to hematocrit, circulating hemoglobin dosage, total erythrocytes count, total leukocytes count and differential leukocyte count, which characterizes the blood count, in addition to metaemoglobin dosage. The results showed a decrease in sequential heart rate, according to the hours of the experiment, and its subsequent return to normality, with the removal of the breathing restriction. In addition, hematocrit results were also statistically significant and related to the decrease in oxygen gas intake at the pulmonary level. Regarding leukocytes, it was possible to observe differences in the amount of lymphocytes, heterophiles and eosinophils, indicating a preparation effect for oxidative stress (POS) in these animals. As for the other parameters, their non-statistical difference indicates the occurrence of mechanisms to control the concentration of oxygen in the body, evidencing, for example, the cloacal respiration already demonstrated in the Chelidae family, to which the study group belongs. Keywords: Geoffroy’s side-necked turtle; haematology; cardiovascular system.

Lista de Figuras Figura 1. Métodos de retração de pescoço em Testudines. (A) e (B).....13

Figura 2. Esquema de carapaça (A) e plastrão (B) de um indíviduo da espécie maximiliani. m = escudos marginais; n = escudo nucal; v = escudos ventrais; c = escudos costais; i = escudo intergular; g = escudo gular; h = escudo humeral; p = escudo peitoral; ab = escudo abdominal; f = escudo femoral e an = escudo anal...... 14

Figura 3. Espécime de Phrynops geoffroanus...... 14

Figura 4. Esquema do coração de um quelônio, com destaque para a crista muscular no processo de sístole. AAD = arco aórtico direito; AAE = arco aórtico esquerdo; AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo; AP artéria pulmonar; SV = sinus venosus; VP = veia pulmonar...... 15

Figura 5. Representação esquemática das possibilidades de vias circulatórias em quelônios e Squamata. A partir do átrio esquerdo (LAt), o sangue arterial (setas brancas) pode seguir para os arcos aórticos direito e esquerdo (RAo e LAo, respectivamente), ou para a artéria pulmonar (PA), representando um desvio L-R. A partir do átrio direito (RAt) o sangue venoso (setas pretas) pode seguir para a artéria pulmonar, representando um desvio R-L, ou para os arcos aórticos esquerdo e direito...... 16

Figura 6. Esquema representando o delineamento experimental do trabalho...... 20

Figura 7. Imagem sobre o método de contenção dos animais durante o experimento de aquisição de dados da frequência cardíaca...... 21

Figura 8. Coleta de sangue a partir do seio occipital em Phrynops geoffroanus...... 21

Figura 9. Câmara de Neubauer, com destaque para as áres em que se contam leucócitos (azul) e contagem de eritrócitos (pontos vermelhos)...... 23

Figura 10. Técnica de preparo do esfregaço sanguíneo...... 25

Figura 11. Gráfico representando as médias de b.p.m. de cada indivíduo ao longo do experimento...... 30

Lista de Tabelas Tabela 1. Peso, Comprimento e Largura dos animais coletados...... 29 Tabela 2. Frequência cardíaca (b.p.m.) dos animais a cada hora de experimentação...... 29

Tabela 3. Médias dos componentes do hemograma relacionados à série vermelha com as respectivas unidades em normoxia, mergulho forçado e reperfusão...... 31 Tabela 4. Médias dos componentes do hemograma relacionados à série branca com as respectivas unidades em normoxia, mergulho forçado e reperfusão...... 32

Sumário

1. Introdução ...... 13 1.1. Características dos quelônios ...... 13 1.1.1. Phrynops geoffroanus ...... 14 1.2. Fisiologia...... 15 1.3. Hematologia ...... 17 1.4. Condições Ambientais ...... 17 1.5. Justificativa Teórica ...... 18 2. Objetivos ...... 19 2.1. Objetivos Gerais...... 19 2.2. Objetivos Específicos...... 19 3. Metodologia...... 20 3.1. Análise Cardiovascular ...... 20 3.2. Análise Hematológica ...... 21 3.2.1. Coleta de Sangue ...... 21 3.2.2. Hematócrito ...... 22 3.2.3. Dosagem da hemoglobina circulante ...... 22 3.2.4. Contagem de células ...... 23 3.2.5. Índices Hematimétricos ...... 26 3.3. Dosagem de Metaemoglobina...... 27 4. Resultados e Discussão ...... 29 4.1. Análise Descritiva ...... 29 4.2. Análise Cardiovascular ...... 29 4.3. Análise Hematológica ...... 31 4.3.1. Série Vermelha ...... 31 4.3.2. Série Branca ...... 32 4.3.3. Dosagem de Metaemoglobina ...... 33 4.4. Considerações Gerais ...... 33 5. Conclusão ...... 35 Referências ...... 36 Anexo A – Comitê de Ética no Uso de Animais (CEUA) Ibilce/Unesp...... 39 Apêndice A – Informações Adicionais ...... 40

13

1. Introdução

1.1. Características dos quelônios

Atualmente, o grupo dos répteis é composto pela família Testudines, Archosauria e Lepidosauria. Nestes, o grupo dos quelônios encontra-se na família dos Testudines, com cerca de 356 espécies descritas (RHODIN et al., 2017). Ainda dentro deste grupo, há uma subdivisão em duas subordens, Cryptodira e Pleurodira. Os indivíduos da subordem Cryptodira possuem o pescoço mais curta e um mecanismo de retração no sentido do eixo longitudinal da carapaça, ou seja, apenas retraem seu pescoço para o interior do casco sem nenhum tipo de movimentação horizontal. Os indivíduos da subordem Pleurodira retraem seu pescoço dobrando-o horizontalmente (POUGH; JANIS; HEISER, 2003; GOULART; 2004, BONINI-DOMINGOS; OLIVEIRA, 2017). (Figura 1)

Figura 1. Métodos de retração de pescoço em Testudines. Cryptodira (A) e Pleurodira (B).

Fonte: adaptador de WERNEBURG et al., 2014.

Uma das características mais evidentes do grupo dos quelônios é o casco, composto por duas partes distintas: a porção superior (carapaça) e a porção inferior (plastrão). A carapaça é composta por escudos córneos que são nomeados de acordo com sua localização, sendo estes marginais, nucal, ventrais e costais. O plastrão também é composto pelos escudos córneos, 14

sendo estes divididos em intergular (nem sempre presente), gular, humeral, peitoral, abdominal, femoral e anal (BENEDITO, 2015). (Figura 2)

Figura 2. Esquema de carapaça (A) e plastrão (B) de um indíviduo da espécie Hydromedusa maximiliani. m = escudos marginais; n = escudo nucal; v = escudos ventrais; c = escudos costais; i = escudo intergular; g = escudo gular; h = escudo humeral; p = escudo peitoral; ab = escudo abdominal; f = escudo femoral e an = escudo anal.

Fonte: Adaptado de Benedito, 2015.

1.1.1. Phrynops geoffroanus

Phrynops geoffroanus (SCHWEIGGER, 1812), popularmente conhecido como “cágado- de-barbelas” é caracterizado principalmente pela ocorrência de duas “barbelas” na porção inferior da cabeça (figura 3). Trata-se de um quelônio dulcícola que habita diversos rios sul- americanos, com ocorrência descrita no Equador, Peru, Bolívia, Colômbia, Argentina, Paraguai, Uruguai e no Brasil (VOGT et al., 2015). Observa-se que estes animais habitam especialmente localidades contaminadas por despejo químico e orgânico.

Figura 3. Espécime de Phrynops geoffroanus.

Fonte: VOGT et al., 2015. 15

1.2. Fisiologia

O estudo da fisiologia de um animal remete ao entendimento de suas funções vitais e mecanismos de resposta às condições do meio, considerando as modificações pela ação antrópica (HILL; WISE; ANDERSON, 2012) e corrobora a importância para a delimitação de padrões de normalidade, não só para a avaliação das condições de manejo, mas também para viabilizar estudos comparativos intra e interespécies. O sistema circulatório é o responsável por direcionar o sangue a fim de realizar as trocas gasosas com os tecidos do organismo. Em quelônios, o coração possui três cavidades, contudo, ocorre uma minimização da mistura de sangue venoso e arterial por meio de uma crista muscular que forma um septo incompleto durante a sístole (HILL; WISE; ANDERSON, 2012; BENEDITO, 2015) (Figura 4).

Figura 4. Esquema do coração de um quelônio, com destaque para a crista muscular no processo de sístole. AAD = arco aórtico direito; AAE = arco aórtico esquerdo; AD = átrio direito; AE = átrio esquerdo; AP artéria pulmonar; SV = sinus venosus; VP = veia pulmonar.

Fonte: BENEDITO, 2015.

Em quelônios, podemos fazer uso do termo sincronia cardiorrespiratória como sendo a relação intrínseca entre a respiração e o batimento cardíaco. Como efeito disso, temos o aumento da frequência cardíaca (ƒH) concomitante ao momento da respiração, e sua relação inversa quando não respirando. Há relatos, ainda, de que em quelônios o aumento do fluxo sanguíneo pulmonar é mediado por uma redução na resistência vascular pulmonar (BURGGREN, 1977; MILSOM et al., 1977; WANG; HICKS, 1996). 16

Neste grupo, existe a possibilidade de ocorrerem desvios intracardíacos. Nesses desvios, o fluxo sanguíneo retorna para o organismo ou para os pulmões, caracterizando esta como uma via alternativa para a recirculação do sangue no organismo. Esse desvio poder ser de dois tipos distintos, da direita para a esquerda (R-L) ou da esquerda para a direita (L-R) (Figura 5). No desvio R-L, o sangue que acaba de chegar da circulação sistêmica retorna para esta, sem passar pelo pulmão para ser reoxigenado. O contrário ocorre na circulação L-R, na qual o sangue arterial, recém-chegado do pulmão, retorna para os pulmões. A ocorrência desses desvios altera significativamente a oxigenação do sistema, aumentando-a (L-R) ou causando sua diminuição (R-L). Consequentemente, esses desvios têm como função otimizar os processos de transporte de CO2 e O2 no sistema, sendo que essa característica é melhor observada no desvio L-R, o qual aumenta a saturação da oxiemoglobina na circulação pulmonar, otimizando o efeito de Haldane

(a concentração de O2 no sangue que está passando pelos pulmões causa o aumento da taxa de remoção do CO2 acoplada na hemoglobina). Sendo assim, é responsável por facilitar a remoção de CO2 da corrente sanguínea nos pulmões e a posterior excreção deste gás via expiração (SIGGARD-ANDERSEN; GARBY, 1976; HICKS; WANG, 1996).

Figura 5. Representação esquemática das possibilidades de vias circulatórias em quelônios e Squamata. A partir do átrio esquerdo (LAt), o sangue arterial (setas brancas) pode seguir para os arcos aórticos direito e esquerdo (RAo e LAo, respectivamente), ou para a artéria pulmonar (PA), representando um desvio L-R. A partir do átrio direito (RAt) o sangue venoso (setas pretas) pode seguir para a artéria pulmonar, representando um desvio R-L, ou para os arcos aórticos esquerdo e direito.

Fonte: adaptado de HICKS; WANG, 1996.

Além disso, estudos sugerem que o coração dos quelônios possua musculatura lisa no átrio, o que estaria envolvido com a regulação do débito cardíaco em situação de mergulho (JOYCE, 2020). 17

1.3. Hematologia Um dos principais parâmetros que implica na determinação de possíveis padrões é o perfil hematológico. O sangue, responsável pelo transporte de nutrientes, gases – principalmente o oxigênio – e também de metabólitos, indica o funcionamento geral do organismo, o estado de saúde e também a resposta a doenças e ações ambientais. Além disso, as células do sangue também atuam na proteção contra agentes invasores desempenhando papel fundamental no sistema imune (TROIANO, SILVA, 1998). A avaliação de respostas hematológicas a fatores ambientais e fisiológicos gera informações de extrema utilidade para a conservação das espécies (ZHANG et al., 2011). Além disso, pode-se afirmar que a frequência cardíaca, concomitante com movimentações dos músculos próximos às veias e a movimentação de membros têm como função manter o processo de circulação de sangue relativamente constante a fim de garantir a homeostase. No processo de circulação sanguínea, a hemoglobina contida nos eritrócitos liga-se ao oxigênio na circulação pulmonar, transformando-se em oxiemoglobina (OxiHb), também caracterizada pelo estado reduzido ou ferroso (Fe++) do ferro inserido no grupo heme. Algumas reações metabólicas que ocorrem nos organismos têm alto potencial oxidativo, sendo assim essa molécula de ferro é oxidada mais uma vez, sendo este considerado um estado férrico +++ (Fe ), perdendo sua capacidade de ligação à molécula de O2, caracterizando-se então como metaemoglobina (MetaHb), a qual pode ser reconvertida em OxiHb devido à ação enzimática. Nesse estado, ocorre a situação de equilíbrio entre MetaHb e OxiHb por conta da ação das enzimas antioxidantes (DACIE; LEWIS, 1995; NAOUM; RADISPIEL; MORAES, 2004).

1.4. Condições Ambientais

Diz-se que um animal se encontra em um ambiente aquático hipóxico quando a concentração de gás oxigênio (O2) disponível no meio é de cerca de 30% (cerca de 2 mg de O2 para cada litro de água) (WELKER et al., 2013) e, uma vez inserido neste meio com baixa concentração de gás oxigênio, pode ocorrer hipóxia tecidual, caso o animal não consiga encontrar outra forma de suprir a demanda de oxigênio (HILL; WISE; ANDERSON, 2012). Sendo assim, ajustes fisiológicos sistêmicos são necessários para que a homeostase possa ser mantida. Além disso, o retorno à normoxia (cerca de 6 mg de O2 para cada litro de água do ambiente) (WELKER et al., 2013) pode gerar ainda mais danos teciduais devido à superprodução de espécies reativas de oxigênio (ERO) com a reentrada de O2 no organismo. Contudo, diversos mecanismos de resposta adaptativa (dentre eles os fisiológicos), são desencadeados a fim de prevenir maiores danos decorrentes do acúmulo de ERO (LOPEZ- 18

TORRES et al., 1993). O mergulho forçado ocorre quando, por algum motivo, um animal está impedido de subir à superfície em busca de ar. Dados encontrados em tartarugas cabeçudas indicam que não há alterações significativas na frequência cardíaca em mergulho voluntário (WILLIAMS et al., 2019).

1.5. Justificativa Teórica

Ajustes na fisiologia decorrentes tanto da disponibilidade de O2, como também com relação à qualidade do meio em que vivem, são desconhecidos para esses animais, apesar de ficarem a estes atribuídos a longevidade e a resiliência com relação às alterações ambientais às quais os quelônios estão constantemente sujeitos. Também deve-se destacar os ajustes metabólicos relacionados às condições de mergulho forçado e reperfusão destes animais. As características de um sistema de resposta a esses estressores decorrentes de alterações ambientais podem auxiliar de diversas maneiras a pesquisa básica.

A compreensão dos aspectos relacionados ao controle da frequência cardíaca durante mergulho e aos ajustes realizados pelo organismo em relação à concentração de oxigênio disponível no meio e refletidos diretamente no hemograma tende a direcionar melhor os estudos neste âmbito, sendo posteriormente transpostos para até outros grupos de vertebrados.

Este trabalho tem como objetivo elucidar alguns destes mecanismos ou, ao menos, auxiliar novas pesquisas relacionadas a esta temática. 35

5. Conclusão

I. O processo de mergulho forçado por si só não é capaz de induzir diferenças significativas no organismo dos quelônios com relação à respostas fisiológicas ao fator de estresse ambiental, uma vez que estes possuem outros mecanismos de obtenção de oxigênio;

II. Com relação ao hemograma, apenas o hematócrito sofreu alteração significativa quando comparado ao controle. Pode-se concluir então que o ajuste fisiológico sofrido por estes animais ao longo do processo de mergulho forçado foi contido pelo organismo a partir de outros mecanismos.

III. Houve diferença significativa no número de linfócitos, heterofilos e eosinófilos, indicando assim resposta do organismo em razão de subprodutos químicos formados a partir da limitação da taxa de oxigenação do organismo;

IV. A dosagem de metaemoglobina, ainda que não significativa em relação à disponibilidade de oxigênio do meio, pode ser indicativo de estresse ambiental, uma vez que está presente em quantia considerável. 36

Referências

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