Orquestra Sinfónica & Coro
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4 Nov 2017 Orquestra 18:00 Sala Suggia – À VOLTA DO BARROCO Sinfónica CICLO BARROCO BPI & Coro Casa da Música Leopold Hager direcção musical Ruth Ziesak soprano Iris Oja meio ‑soprano Benjamin Bruns tenor Krešimir Stražanac baixo‑barítono MECENAS MÚSICA CORAL A CASA DA MÚSICA É MEMBRO DE 1ª PARTE Wolfgang Amadeus Mozart Sinfonia n.º 40, em Sol menor, KV 550 (1788; c.35min) 1. Molto allegro 2. Andante 3. Menuetto: Allegretto 4. Allegro Assai 2ª PARTE Wolfgang Amadeus Mozart/Franz Xaver Süssmayr* Requiem, KV 626 (1791; c.50min) I. Introitus: Requiem II. Kyrie III. Sequentia: – Dies irae – Tuba mirum – Rex tremendae – Recordare – Confutatis – Lacrimosa IV. Offertorium: – Domine Jesu –Hostias V. Sanctus VI. Benedictus VII. Agnus Dei VIII. Communio: Lux aeterna * I e II: Mozart; III e IV: Mozart e Süssmayr; V, VI e VII: Süssmayr; VIII: Süssmayr, sobre o Introitus e o Kyrie de Mozart Texto original e tradução nas páginas 10 a 13. 3 nunca teria escutado as suas últimas sinfonias, Wolfgang Amadeus Mozart hoje consistentemente rebatida, embora não SALZBURGO, 27 DE JANEIRO DE 1756 saibamos ao certo a que ocasião se destinava VIENA, 5 DE DEZEMBRO DE 1791 originalmente esta sinfonia. A Sinfonia n.º 40 é escrita em Sol menor, As obras que figuram neste programa datam constituindo, a par da Sinfonia n.º 25, exem‑ da fase final do percurso de Wolfgang Amadeus plo excepcional de uma sinfonia de Mozart em Mozart. Residindo o compositor em Viena tonalidade menor. O resultado musical da obra desde 1871, viveu os seus últimos anos com difi‑ é notório pela sua força expressiva, variedade culdades económicas, decorrentes da guerra de carácter e dramatismo por vezes quase entre Áustria e Turquia (1787 ‑1791) e da conse‑ operático, tudo isto conseguido com um efec‑ quente redução do investimento cultural na tivo instrumental de orquestra de cordas e 9 cidade. Mais tarde, as dificuldades de saúde instrumentos de sopro (1 flauta, 2 oboés, 2 clari‑ que o vitimariam também se fariam sentir. No netes, 2 fagotes, 2 trompas). Não se ouvem entanto, o mesmo período viu nascer obras nesta sinfonia timbales, muito menos trom‑ marcantes do seu catálogo, incluindo algumas petes ou mesmo trombones (que à época que se tornariam referência de público gene‑ ainda não tinham sido utilizados em contexto ralizado e de estudiosos e compositores. É o sinfónico); no entanto, a exploração exaustiva, caso das óperas Don Giovanni (1787), Così fan tão calculada quanto exuberante, dos recursos tutte (1790) e A Clemência de Tito (1791), ou do orquestrais utilizados faz com que em nenhum singularíssimo ‘singspiel’ A Flauta Mágica (1791); momento o ouvinte seja confrontado com a do Quinteto para clarinete (1789); dos últimos impressão de uma obra de “pequena escala” e mais pessoais Concertos para piano (cinco ou sequer com a sensação de falta de algum concertos em cinco anos entre 1786 e 1791) e elemento mais acutilante. do Concerto para clarinete (1791). A peça é fundada nos princípios estrutu‑ rais típicos da música do período Clássico. Sinfonia n.º 40, em Sol menor, KV 550 Três dos quatro andamentos estão concebi‑ dos segundo a chamada ‘forma‑sonata’, desti‑ No Verão de 1788, num afã de produtividade nada usualmente aos primeiros andamentos sinfónica (aparentemente espontânea e não de sinfonia da época (a excepção é o terceiro sob encomenda), Mozart concebeu aque‑ andamento, concebido segundo a forma terná‑ las que seriam as suas três últimas sinfonias. ria habitual de ‘minueto e trio’). Como seria de Da Sinfonia n.º 40 escreveu duas versões: na esperar nas obras do último período de Mozart, primeira não figuravam os clarinetes, que hoje a peça está repleta de momentos de ousadia, são uma parte tão essencial da identidade da especialmente em termos harmónicos, aos peça aos ouvidos do grande público; na versão quais não falta uma assumida expressão de revista, acrescentou as partes desse naipe, pathos, o que rapidamente fará um ouvinte acabando por reescrever muito do material atento reconhecer‑lhes proximidade para com destinado aos oboés e à flauta para que melhor alguns dos recursos mais associados à música se integrassem com o papel dos clarinetes. do Romantismo que não tardaria a eclodir. Persistiu longamente a narrativa de que Mozart 4 Sem introdução que não seja um breve com‑ trando o seu espaço até assumirem maior passo de acompanhamento, o Allegro molto protagonismo com figurações entrecortadas que abre a sinfonia lança desde logo um dos que se transformam em linhas descendentes. temas mais famosos de toda a obra de Mozart. No desenrolar do andamento, a harmonia, fértil Em poucos segundos se exemplifica cabal‑ em recursos cromáticos, acentua ainda mais a mente o famoso equilíbrio entre concisão, ele‑ intensidade emocional. gância, transparência, expressividade e recorte O Minueto de que se compõe o terceiro de construção que só poderiam vir do mestre andamento da peça surge ‑nos como algo de Salzburgo. A entrada dos sopros na pon‑ longínquo da forma original de dança a que te é particularmente eficaz pelo acréscimo de o seu nome faz alusão, sendo aqui dotado de colorido que reforça a tensão harmónica e que um peso invulgar. A sua construção é pecu‑ contrasta com erupções dinâmicas súbitas. O liar em termos de métrica e duração de frases. segundo tema, ao mesmo tempo despojado e Sobressai desde logo na melodia uma hemíola lírico, faz os sopros brilharem em diálogo com (acentuação regular cuja métrica contraria a as cordas, num desfilar de delicadas linhas des‑ pulsação natural do compasso), cujo efeito de cendentes. Na parte final da exposição, um jogo instabilidade é reforçado por as frases terem de retardos em diálogo é sabiamente combina‑ durações diferentes entre si: às primeiras duas do com o motivo inicial do tema de uma forma frases, com 3 compassos cada, respondem por demais imprevisível. O desenvolvimento outras duas frases, estas de 4 compassos (!), traz modulações que se sucedem, audazes, o que confere uma vitalidade muito própria por meio de cromatismos e por entre secções à música que prende a atenção do ouvinte, imitativas em que as famílias instrumentais se num andamento que faz especial uso da arte opõem e respondem entre si. Na reexposição, do contraponto. Nos compassos centrais, o acrescem secções com mais tensão harmóni‑ ‘trio’ (única secção de toda a sinfonia que se ca e diálogo que reforçam a impressão profun‑ manteve inalterada desde a primeira versão) damente dramática e assertiva do andamento. chega mais luminoso, em Sol maior, com uma São apenas alguns dos muitos traços que nos expressão muito mais leve e cândida e uma fazem reconhecer a linguagem orquestral escrita que convida a apreciar as conjugações de um compositor que soube explorar como e variedade tímbrica dos naipes de madeiras e nenhum outro do seu tempo as potencialida‑ das trompas. “É como se os anjos juntassem as des dramáticas da orquestra (aspecto de que suas vozes”, diria mais tarde Schubert a propó‑ a escrita instrumental das suas óperas e con‑ sito deste ‘trio’. certos é também valioso testemunho). O andamento final é o verdadeirotour de O segundo andamento, Andante, contrasta force da sinfonia, resgatando ‑lhe uma ener‑ pela expressão gentil. Inicia ‑se com uma encan‑ gia exaltante. Aqui os contrastes são levados tadora sucessão de entradas dos instrumentos mais longe, sucedendo ‑se rapidamente, como de corda, sob as quais se encontra um sinuoso demonstra o tema inicial com a sua ascen‑ movimento cromático. A entrada de trompas, são rápida articulada em staccato, seguida subtil, é um dos imensos pormenores dignos de uma figuração de semicolcheias que asse‑ de nota de um andamento de invenção trans‑ vera os finais de frase num forte decidido. Estes bordante. Aos poucos os sopros vão encon‑ compassos iniciais foram particularmente 5 caros a Beethoven: os contornos deste tema Com efeito, esta sinfonia foi muito apreciada podem ser discernidos no scherzo da sua quinta já no Romantismo, vista sob prismas diversos. sinfonia ou, ainda mais claramente, no início da Schumann comparou ‑a à beleza de um templo primeira sonata para piano que compôs (publi‑ grego; Berlioz referiu‑a como um “modelo de cada escassos quatro anos depois desta sinfo‑ delicadeza e ingenuidade”; e, já no século XX, nia de Mozart). Nem o próprio Beethoven ousou Charles Rosen viu na Sinfonia n.º 40 uma obra na época, porém, uma modulação tão extraordi‑ de “paixão, violência e dor”. nária como a que Mozart deixou escrita no início Os manuscritos de ambas as versões da da secção de desenvolvimento: numa textura sinfonia foram adquiridos na década de 1860 entrecortada por pausas, em breves compas‑ por Johannes Brahms, que acabaria por doá‑ sos ouvem ‑se em uníssono onze das doze notas ‑los à Gesellschaft der Musikfreunde in Wien da escala cromática, abalando profundamente (Sociedade dos Amigos da Música de Viena), a estabilidade tonal. A tempestuosa e violenta onde se encontram desde então. narrativa é ainda enriquecida por secções em fugato, deixando a peça refém de um ímpeto inexorável que a aproxima do irredutível espí‑ rito beethoveniano. Mozart e Süssmayr – Litografia de Eduard Friedrich Leybold, 1857 6 Requiem, KV 626 músico diletante, encomendava com frequência Versão concluída por Franz Xaver Süssmayr obras a outros compositores, que fazia figurar depois em concertos privados como sendo de Alguns meses antes da sua morte, recebeu sua própria autoria. Não seria de estranhar, por‑ uma carta não assinada, pedindo ‑lhe que tanto, que pretendesse fazê ‑lo também com um escrevesse um requiem e que cobrasse Requiem encomendado ao venerável Wolfgang por ele o quanto quisesse. Como esta obra Amadeus Mozart, precisando de especial sigilo não lhe era de todo apelativa, pensou: “vou para esconder a falsa atribuição. cobrar tanto que me vai deixar em paz”.