TRAJETÓRIA DO FUTSAL FEMININO NO BRASIL: UM CAMINHO REPLETO DE OBSTÁCULOS Cláudia Moraes E Silva Pereira1 Alfredo Cesar Antun
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TRAJETÓRIA DO FUTSAL FEMININO NO BRASIL: UM CAMINHO REPLETO DE OBSTÁCULOS Cláudia Moraes e Silva Pereira1 Alfredo Cesar Antunes2 Resumo: O objetivo do presente trabalho é apresentar a trajetória histórica do futsal feminino brasileiro e as implicações frente às questões de gênero. É perceptível a existência de uma tensão entre futsal e mulher atleta, no que diz respeito à representação social do futsal como um esporte masculino e a prática realizada por mulheres, em função das representações existentes em relação à construção da feminilidade. Traçar o percurso histórico da modalidade torna- se importante para interpretar o sentido da prática das diferentes agentes envolvidas no processo de constituição da modalidade. A pesquisa é de caráter qualitativo. Utiliza-se como metodologia a pesquisa bibliográfica. São selecionados artigos de periódicos científicos encontrados Portal Capes que discutem o futsal feminino no país e seus aspectos históricos. São excluídos artigos que trabalham com aspectos técnicos e de saúde referente ao futsal. Além disso, livros e outros materiais são elencados para a pesquisa. A história do futsal feminino no Brasil carrega contextos para além da prática esportiva em si, que podem se colocar como barreiras para a participação da mulher atleta na modalidade. Contextos estes vinculados a concepção histórica da mulher na sociedade e a construção de uma imagem voltada para a feminilidade. Assim, buscamos relacionar na história aspectos de gênero que influenciam a consolidação da modalidade no país. Palavras-chave: Futsal feminino; História; Gênero. Introdução Discutir sociologicamente o esporte moderno é ir além da melhor tática ou estratégica para se vencer um campeonato. Esporte possui um caráter polissêmico, ou seja, possui vários sentidos e significados, mediante ao contexto em que está inserido. Wanderley Marchi Jr (2004, p. 5) conceitua o esporte como “[...] uma atividade física em constante desenvolvimento, construída e determinada conforme uma perspectiva sociocultural, e em franco processo de profissionalização, mercantilização e espetacularização”. Entender o esporte desta maneira permite identificar as relações (internas e externas) existentes em uma modalidade esportiva e quais os reais interesses que se colocam através da realização e investimento na modalidade. Especificamente, a trajetória do futsal feminino possui elementos diferenciados do futsal masculino no Brasil. A participação feminina passa por inúmeras restrições e complicações em função do contexto social da mulher esportista no país e pela construção do futebol como esporte nacional masculino. Em relação à implementação da modalidade no país, uma das barreiras mais relevantes ocorreu vinculada à política nacional. Em 1941 foi elaborado o Decreto-Lei 3199 que proibia a participação das mulheres em esportes que não condiziam com a feminilidade. Em seu artigo 54 está explícito: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições 1 Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Brasil. 2 Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, Brasil. 1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país” (BRASIL, 1941, p. 1). As mulheres foram proibidas de participar de esportes como futebol, futsal, hugby, lutas, polo aquático e halterofilismo. Apenas em 1979 o decreto foi revogado. A participação feminina dentro do campo esportivo emerge de um contexto e social relacionado a papéis e funções sociais da mulher construídas historicamente. Segundo Rubio e Simões (1999, p.50) "o papel desempenhado pela mulher no esporte confunde-se e mescla-se com seu papel social na história da humanidade, história essa escrita e interpretada de um ponto de vista masculino". A partir disso, mulher e esporte se apresenta como uma relação repleta de nuances. Ainda assim, como dados relevantes, a seleção brasileira de futsal feminino, desde a sua consolidação no campo esportivo, conquistou todos os títulos internacionais disputados. No Campeonato Sul-Americano de Futsal Feminino organizado nos anos de 2005, 2007, 2009 e 2011 as atletas brasileiras saíram vitoriosas, assim como nas cinco edições do Campeonato Mundial Feminino de Futsal, nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 (CBFS, 2015). Nesse aspecto, intentamos refletir a trajetória do futsal feminino no Brasil a fim de observar a existência de possíveis barreiras e limitações mediante resultados positivos em competições esportivas internacionais. Entendendo o esporte como fenômeno sociocultural, é possível que as vitórias da Seleção Brasileira não representem as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na prática do futsal feminino, o que nos possibilita aprofundar em questões históricas e culturais da participação da mulher no esporte. Reflexões acerca do subcampo esportivo futsal e as implicações na participação feminina O esporte da atualidade é denominado de esporte moderno, diferente de outros contextos históricos no qual este esteve presente. Como definição, o esporte é um fenômeno social e processual presente na sociedade contemporânea, repleto de significados e sentidos que se entrelaçam no contexto esportivo, vinculados a processos de mercantilização, espetacularização e profissionalização (MARCHI JUNIOR, 2004; SALVINI, 2012). Para uma leitura adequada do esporte é possível uma análise relacional baseada na Teoria Reflexiva de Bourdieu realizada pela “análise da relação entre posições sociais (conceito relacional), as disposições (ou os habitus) e as tomadas de posição, as ‘escolhas’ que os agentes sociais fazem nos domínios mais diferentes da prática” (BOURDIEU, 1996, p. 17, grifos do autor). 2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X O esporte sociologicamente pensado se insere em um campo macrossocial sofrendo influências internas e externas à sua prática e se consolida como prática social. A estrutura e o funcionamento do esporte moderno “estão fundamentados em uma lógica ditada por uma sociedade que tem como referência a produção” (RUBIO, 2011, p. 86), organizado sobre os pilares da sociedade capitalista. Nesse aspecto, o esporte moderno pode ser considerado um produto a ser consumido, um espetáculo a ser vendido e uma profissão a ser adquirida. O futsal, como todo e qualquer esporte, está imerso neste contexto relacional. Originário nacionalmente da Associação de Moços de São Paulo, em 1940, a modalidade surge das “peladas” organizadas em quadras e basquete e hóquei como uma adaptação da prática do futebol de campo, já que havia grandes dificuldades de se encontrar campos livre para a realização do futebol. Surge primeiramente como futebol de salão3 (CBFS, 2015) e carrega símbolos inerentes ao futebol que se transferem ao futsal, pela proximidade entre as modalidades e pela grande repercussão nacional. Entre o futebol e o futsal, o futebol em termos de mercantilização, espetacularização e profissionalização pode ser considerado o campo de maior destaque no contexto esportivo. Já o futsal ainda busca o seu espaço. Considera-se na pesquisa o futsal como subcampo dentro do campo esportivo. De acordo com a Teoria Reflexiva de Pierre Bourdieu, campo é um espaço social estruturado que ao mesmo tempo se apresenta como um campo de forças representado pelas necessidades dos agentes envolvidos e como um campo de lutas, no qual os agentes se enfrentam conforme as posições no campo de forças. Tais relações podem determinar a conservação ou a transformação da estrutura do campo (BOURDIEU, 1996). Pode ser entendido como um espaço de lutas e de disputas entre “o amadorismo e o profissionalismo, o esporte-prática e o esporte-espetáculo, o esporte distintivo (de elite) e os esporte popular (de massas)” (BOURDIEU, 1993 apud MARCHI JUNIOR, 2004, p. 55). Repleto de disputas e competições, o campo esportivo se estrutura mediante interesses de agentes e instituições participantes desse campo tais como atletas, árbitros, técnicos, gestores como prováveis agentes e mídia, imprensa, confederações e patrocinadores como possíveis instituições. 3 De acordo com Wilton Carlos de Santana, o futebol de salão é o precursor do futsal. Regido e organizado pela Federação Internacional de Futebol de Salão (FIFUSA), o futebol de salão surge na década de 30, sendo praticado por muitos países inclusive o Brasil. Na década de 80, houve um interesse da Federação Internacional de Futebol (FIFA – Federation Internacionale Football Association) em assumir o futebol de salão. Não obtendo sucesso, a FIFA realiza o 1º campeonato de futebol cinco (futebol de salão com regras alteradas) e obtém uma fusão deste com o futebol de salão, sem aceitação da FIFUSA. Atualmente o futebol de salão no Brasil aparece como uma modalidade marginalizada, enquanto o futsal como esporte em ascensão. (SANTANA, 2010). 3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X As disputas e aproximações que ocorrem dentro do subcampo vão determinar interesses e ações relacionadas aos processos de profissionalização, mercantilização e espetacularização da modalidade. Dependendo das relações de poder e das lutas dentro do subcampo do futsal, o espaço social se organiza e reorganiza na busca de adequações ou transformações da estrutura estabelecida.