Ler Portugal No Século XIX: Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco E Eça De Queirós
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
Ler Portugal no Século XIX ... - Luna Ler Portugal no Século XIX: Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós. Prof. Dr. Jayro Luna (Jairo Nogueira Luna ) – UPE Resumo: Neste artigo se busca comentar acerca dos principais escritores de romances em Portugal do Século XIX. Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco representando cada um, uma vertente narrativa do Romantismo, ao passo que Eça de Queirós, realista, nos apresenta uma quarta possibilidade narrativa. Os aspectos históricos, sociais e culturais de Portugal estão presentes em cada um dos romancistas citados, porém, com especificidades no tratamento que dão aos mesmos aspectos. Palavras-chave: Literatura Portuguesa, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós. Abstract: In this article we seek comment on the main writers of novels of the nineteenth century in Portugal. Almeida Garrett, Alexandre Herculano and Camilo Castelo Branco each representing one of Romanticism narrative aspect, while Eca de Queiroz, realistic, presents us with a fourth possibility narrative. The historical, social and cultural features of Portugal are present in each of their novelists, however, with specific in their treatment of the same features. Keywords: Portuguese literature, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Eca de Queiroz. 1. Introdução O Século XIX em Portugal é um século que muitas transformações políticas, sociais,econômicas e culturais em Revista Diálogos – N.° 12 – Set. / Out. - 2014 55 Ler Portugal no Século XIX ... - Luna Portugal. No âmbito da Literatura compreende a passagem do Neoclássico para o Romantismo, e na sua segunda metade, notadamente a partir da década de 70, é o momento em que se apresenta a escola Realista. Não falaremos nessa aula das características peculiares de cada escola, mas destacaremos quatro escritores, três românticos e um realista, que produziram um conjunto de obras em que o tema a se destacar é a visão que tinham desse Portugal em transformação. No início do século, Portugal, como toda a Europa, sofreu os efeitos do período Napoleônico, a ida da família real para o Brasil, muito mais que uma fuga apressada, foi a transposição para a colônia de toda a corte portuguesa, inclusive, com a ajuda de vários navios ingleses. O reino unido de Brasil e Portugal, com capital no Rio de Janeiro, que perdurou até 1815, quando da queda de Napoleão em Waterloo, foi o ponto inicial que marca o processo de separação da sua principal colônia do domínio da metrópole portuguesa. A solicitação da volta do príncipe Dom Pedro para Lisboa e a recusa deste, levando ao processo de independência do Brasil, causou em Portugal profundas transformações econômicas que se somaram ao período caótico da dominação francesa. Portugal entra assim no chamado período romântico em grande crise de identidade e com um sentimento de desesperança quanto ao futuro do império lusitano. O sistema Revista Diálogos – N.° 12 – Set. / Out. - 2014 56 Ler Portugal no Século XIX ... - Luna sócio-econômico baseado na simples exploração das riquezas coloniais estava em franca decadência, e as colônias africanas restantes, além duns parcos territórios na Ásia não poderiam sustentar as necessidades da aristocracia lusitana, num país que deixava passar o período de industrialização na Europa praticamente em branco. 2. Almeida Garret É nesse panorama que Almeida Garret vai se destacar como o autor que apresenta obras cujo tema é a discussão acerca da identidade da nação portuguesa e da busca dessa identidade na análise dum passado tido glorioso e do entendimento das causas da perda dessa grandiosidade. Assim é que costuma-se destacar duas obras, o drama em três atos, Frei Luís de Sousa e o romance Viagens na Minha Terra. No primeiro, o passado de Portugal parece ser uma espécie de fantasma que a todo momento ameaça ruir a frágil estrutura do presente, principalmente na figura de Dom João de Portugal. O mito sebastianista também vai sendo apresentado na obra, na contextualização dos momentos posteriores à batalha Alcácer Qibir e na eminência do domínio espanhol. O casamento em segundas núpcias de Madalena e Manuel Coutinho, e a filha do casal, Maria de Noronha, constroem assim Revista Diálogos – N.° 12 – Set. / Out. - 2014 57 Ler Portugal no Século XIX ... - Luna uma família cuja base está no desaparecimento de D. João de Portugal. Este, análogo ao mito sebastianista, retornará para ocupar o seu lugar, fazendo com que os amantes resolvam adotar o hábito religioso como forma de expiação e a filha que morre diante da situação trágica de destruição de sua família. Espécie de metáfora de um Portugal que ao tempo de Almeida Garrett parece desacreditar na possibilidade de recuperação de seu passado. Em Viagens na Minha Terra, romance cuja estrutura de capítulos e a forma como se conecta a parte ficcional com a narrativa romanceada da viagem executada por Garrett e amigos de Lisboa ao interior de Portugal, passando por monumentos e paisagens históricas de Portugal, dão à obra um aspecto de romance de invenção, de experimentalismo. O drama inserido – a parte ficcional, digamos assim – gira em torno do romance de Joaninha e Carlos. Essa espécie de bom vivant e conquistador, que se vê dividido entre o amor de Joaninha, os amores ingleses e a luta na revolução portuguesa (1828-1834), tendo como causa a disputa da coroa portuguesa entre os dois filhos de Dom João VI, Dom Pedro (I do Brasil e IV de Portugal) e Dom Miguel, que culminou com o regresso de Dona Maria II ao trono – conforme era a intenção dos liberais de Pedro IV, e o exílio de Miguel na Alemanha. O auxílio dos ingleses foi fundamental para a vitória de Pedro. Revista Diálogos – N.° 12 – Set. / Out. - 2014 58 Ler Portugal no Século XIX ... - Luna Dom Dinis, é o personagem nessa obra que tem um passado a esconder, qual seja, o de ser o pai de Carlos. A revelação da origem de Carlos é também a revelação do passado esquecido de Portugal. È o encontro com sua verdadeira origem e as viagens de Carlos à Inglaterra representam também o modo como Portugal se associava ao império britânico, tornando-se, nesse sentido, dependente dos ingleses para solução de seus problemas internos. Por outro lado, os capítulos em que Garrett faz a narrativa da viagem que efetivamente fizera pelo interior de Portugal, em companhia de amigos, vão se compondo com a descrição de monumentos e cenários da história de Portugal, recuperando aqui e ali, elementos – não raras vezes – lendários e heróicos, como o túmulo de Pedro Álvares Cabral, a história de Santa Iria, a descrição de Santarém. Viagens na Minha Terra fornece por meio das personagens do drama amoroso uma visão simbólica de Portugal em que se busca dialogar acerca das causas da decadência do império português. Assim, o instável Carlos, que não consegue decidir-se acerca das suas relações amorosas, é o personagem que podemos ligar às características biográficas do próprio autor. Georgina, a namorada inglesa de Carlos, apresenta-nos uma visão de ingenuidade e altruísmo como caracteres de uma mulher estrangeira que acaba por não querer envolver-se por questões Revista Diálogos – N.° 12 – Set. / Out. - 2014 59 Ler Portugal no Século XIX ... - Luna sentimentais ao drama histórico de Portugal, fazendo de sua reclusão religiosa a justificativa para não participar dos dilemas e conflitos históricos que motivaram sua decepção amorosa. É a fleugma britânica. Joaninha, a amada de Carlos, singela e terna, nascida e vivendo no vale de Santarém, a “menina dos rouxinóis” simboliza uma visão ingênua de Portugal, quase folclórica, que não se sustenta diante das condições históricas. A velha cega Francisca, avó de Joaninha, mostra-nos a imprudência e a falta de planejamento com que Portugal se colocava no governo dos liberalistas, levando a nação à decadência. Por fim, Frei Dinis é a própria tradição calcada num passado histórico glorioso, que no entanto, não é mais capaz de justificar-se sem uma revisão de valores e de perspectivas. O final do drama, que culmina na morte de Joaninha e na fuga de Carlos para tornar-se barão, representa a própria crise de valores em que o apego à materialidade e ao imediatismo acaba por fechar um ciclo de mutações de caráter duvidoso e instável. 2.1. O Arco de Sant’Anna – volume I Uma outra obra, que não é muito lembrada na questão de como Garrett analisa Portugal, é O Arco de Sant’Anna. Romance publicado em dois volumes, com um espaçamento de mais de dez anos entre a publicação do primeiro e do segundo volume. Haja Revista Diálogos – N.° 12 – Set. / Out. - 2014 60 Ler Portugal no Século XIX ... - Luna vista que poucos têm sido os leitores atualmente desse romance, resolvo aqui fazer um breve resumo do enredo da obra: Do Volume I (por Oliveira Marreca): “É no Porto. Reina D. Pedro Cru. É senhor temporal e espiritual do burgo o bispo D. Egídio (se a crônica lhe acerta com o nome). E este bispo, esquecido de sua esposa em Cristo, gosta de mulheres casadas, e das solteiras também. Aninhas, uma rapariga que mora no Arco de Sant’Ana, e tem ausente o marido, é requestada por ordem do prelado por Pero Cão, o mordomo ostensivo e mercúrio secreto de sua reverendíssima. Resiste; e como resiste, numa noite é raptada. Uma vizinha e amiga sua íntima, ao levantar- se de manhã seguinte, descobre o rapto, e, atinando com a origem dele, fez amotinar o povo. O povo amotinado corre em tumultos aos paços episcopais, vociferando palavras de indignação. O Bispo, paramentado para sair na procissão de S. Marcos, apresenta-se ao torpel dos populares com aspecto composto e imperturbável. Estes titubeiam. Mas depois de uns tropos momentâneos, renasce mais tremenda a sua irritação. Aparece então Paio Guterres, um clérigo muito benquisto e respeitado, e à sua voz persuasiva é dissipado o tumulto.