UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE BIOLOGIA

João Emmanuel Vargas Ventura Vitonis

“Estudo da Variação Genética de brasiliensis (, )”

CAMPINAS 2016 João Emmanuel Vargas Ventura Vitonis

“Estudo da Variação Genética de Stramonita brasiliensis (Mollusca, Gastropoda)”

Dissertação apresentada ao Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do Título de Mestre em Ecologia

ESTE ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO JOÃO EMMANUEL VARGAS VENTURA VITONIS E ORIENTADA PELO PROF. DR. FLÁVIO DIAS PASSOS.

Orientador: PROF. DR. FLÁVIO DIAS PASSOS

Co-Orientador: PROF. DRA. VERA NISAKA SOLFERINI

CAMPINAS

2016 Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Biologia Mara Janaina de Oliveira - CRB 8/6972

Vitonis, João Emmanuel Vargas Ventura, 1989- V833e VitEstudo da variação genética de Stramonita brasiliensis (Mollusca, Gastropoda) / João Emmanuel Vargas Ventura Vitonis. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

VitOrientador: Flávio Dias Passos. VitCoorientador: Vera Nisaka Solferini. VitDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Biologia.

Vit1. . 2. Espécies crípticas. 3. Gastrópode - Brasil, Sudeste. I. Passos, Flávio Dias,1971-. II. Solferini, Vera Nisaka,1957-. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Biologia. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Genetic variation in Stramonita brasiliensis (Mollusca, Gastropoda) Palavras-chave em inglês: Muricidae Cryptic Gastropoda - Brazil, Southeast Área de concentração: Ecologia Titulação: Mestre em Ecologia Banca examinadora: Flávio Dias Passos [Orientador] André Victor Lucci Freitas Lenita de Freitas Tallarico Data de defesa: 08-11-2016 Programa de Pós-Graduação: Ecologia

Campinas,8 de novembro de 2016.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Flávio Dias Passos

Prof.. Dr. André Victor Lucci Freitas

Profa. Dra. Lenita de Freitas Tallarico

Os membros da Comissão Examinadora acima assinaram a Ata de Defesa, que se encontra no processo de vida acadêmica do aluno.

“Quando lhe perguntaram quantos caminhos levam à iluminação, o monge chutou um monte de terra. ‘Conte’, disse ele sorrindo, ‘e depois encontre mais grãos.’” (Flavor text de Monastério Místico)

Agradecimentos: Para a minha mãe, Izabel Cristina, que não pôde ver em vida essa dissertação pronta. Espero que a senhora esteja bem. Te amo. Para meu pai, Jonas, por todo o apoio em todos esses anos de graduação, mestrado e agora graduação de novo. A chatice da minha irmã Lívia, que eu gosto muito, apesar de todas as mordidas que me deu quando era pequena =P Aos meus orientadores Flávio e Vera, por toda a ajuda e paciência em todo o mestrado. A Célia pela ajuda imprescindível com as técnicas de extração e de PCR. Aos meus colegas de laboratório, pela ajuda com coletas, procedimentos, análises e momentos de descontração, especialmente a Priscila (Grinch), Marjorie, Fabrizio e Elen. A minha “grande” amiga Karol, por todos esses anos com muitas risadas, dança, RPG, MMOs, conversa jogada fora, desde o primeiro ano da graduação até hoje. Com certeza teriam sido anos com muito menos diversão sem você. Aos amigos Estrela, Up, Adriele pelas horas de conversa jogadas fora, jogos de Magic, animes e etc. A todos os membros das duas Comissões Organizadoras desses dois CAEBs que ajudei a montar. Sem vocês não seria possível realizar o melhor congresso do mundo!!! Aos meus filhotes ronronantes: Homero, Tuti, Dewey, Cookie, Marie, Phoebie, Jhonie, Mitizie, Sebastian e Rocco. E a minha “peste negra” Luna e aos outros dois Lu’s.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia e a Capes pela bolsa.

Resumo

O objetivo deste trabalho foi tentar elucidar as relações taxonômicas dentro de um possível complexo de espécies em Stramonita brasiliensis, um gastrópode marinho que ocorre em costões rochosos ao longo do litoral brasileiro. Para tanto foram sequenciados o gene mitocondrial COI e o nuclear 28S de espécimes de S. brasiliensis coletados em oito pontos ao longo do litoral dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, na região sudeste do Brasil. Com os dados obtidos foram realizadas análises de parâmetros populacionais e inferidas árvores filogenéticas utilizando métodos bayesianos. Os resultados obtidos trazem novas evidências que sugerem que S. brasiliensis é realmente um complexo de espécies, tendo sido identificadas duas espécies distintas nos espécimes coletados: a própria S. brasiliensis e S. haemastoma.

Abstract

The purpose of this study was to try to elucidate the taxonomic relationships within a possible complex of species in Stramonita brasiliensis, a marine gastropod that occurs on rocky shores along the Brazilian coast. In order to perform this we sequenced the mitochondrial gene COI and the nuclear 28S of S. brasiliensis specimens from eight points along the coasts of the states of São Paulo and Rio de Janeiro, in southeastern region of Brazil. With the data we performed analysis of population parameters and inferred phylogenetic trees using Bayesian methods. The results sugested that S. brasiliensis is indeed a complex of species having two distinct species: S. brasiliensis and S. haemastoma.

Índice

Introdução ...... 10 Materiais e Métodos ...... 13 Coletas ...... 13 Extração e Amplificação de DNA ...... 15 Análises ...... 17 Resultados ...... 21 Coleta, extração e sequenciamento do material genético ...... 21 Análise Bayesiana...... 21 Análises Populacionais ...... 21 Discussão ...... 31 Conclusão ...... 33 Referências ...... 34

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Introdução

Mollusca é o segundo maior filo , composto por cerca de 200 mil espécies, encontradas nos mais diversos ambientes, sendo particularmente numeroso em habitats marinhos. A classe Gastropoda é a maior do grupo, sendo a segunda mais diversa em número de espécies entre todos os animais. Estimativas variam bastante, de 40 mil a até 150 mil gastrópodes existentes na fauna atual, cuja maior parte é registrada para os ambientes marinhos, mas ocorrendo também em água doce e sendo o único grupo de moluscos com espécies que vivem no ambiente terrestre (AKTIPIS ET AL, 2008). Gastrópodes possuem grande importância nos ambientes marinhos, sendo importantes elos das cadeias alimentares, em alguns casos sendo predadores importantes na estruturação das cadeias alimentares locais. Isso ocorre, por exemplo, com espécies da família Muricidae que habitam costões rochosos por todo o mundo

(BARCO ET AL., 2010). No litoral sudeste brasileiro, a principal espécie de Muricidae habitante de costões rochosos é Stramonita brasiliensis Claremont & Reid, 2011 (Figura 1), um importante predador que se alimenta de mexilhões (Perna perna, Brachidontes solisianus, B. darwinianus e Modiolus carvalhoi), ostras (Crassostrea rhizophorae), outros gastrópodes (Fissurella clenchi e Collisella subrugosa), cracas (Chthamalus bisinuatus, Tetraclita stalactifera e Megabalanus coccopona), além do poliqueta

Phragmatopoma lapidosa (DUARTE, 1990; LAVRADO, 1992). Perfura as conchas dos moluscos e as placas das cracas utilizando secreções enzimáticas e sua rádula

(CARRIKER, 1978, 1981). Usa sua longa probóscide para consumir os tecidos das presas, uma vez completado o furo. Para alimentar-se de Phragmatopoma, usa a mesma estrutura para alcançar o poliqueta no interior do tubo (WATANABE & YOUNG, 2006).

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Figura 1 - Stramonita brasiliensis em um costão rochoso no litoral de São Paulo, Brasil. Escala de 1 cm.

Espécimes de Stramonita sp apresenta grande capacidade de locomoção, se deslocando de uma rocha para a outra no costão, tanto em busca de alimentos como para formar agregados para a reprodução (PAPP & DUARTE, 2001). É um molusco dióico com fertilização interna (KOOL, 1993), que forma agregados para a cópula e deposição das cápsulas ovígeras (D’ASARO, 1966; PAPP & DUARTE, 2001). As larvas são planctotróficas (D’ASARO, 1966), o que permite uma grande capacidade de dispersão (JANSON, 1987; TODD ET AL., 1998; BOHONAK, 1999). É também importante bioindicadora de contaminação de TBT e TPhT no litoral brasileiro (LIMAVERDE ET AL., 2007). A história taxonômica de S. brasiliensis é muito controversa, por muito tempo tendo sido classificada como S. haemastoma, espécie de ampla distribuição geográfica, ocorrendo em todo o Oceano Atlântico e parte do Mediterrâneo, mas que pairavam dúvidas acerca de sua monofilia. Alguns autores consideravam que tratava- se de uma única espécie composta por diversas subespécies (KOOL, 1993), enquanto outros acreditavam que esta tratava-se de um complexo de espécies (LIU ET AL, 1991;

VERMEIJ, 2001). Em um recente estudo utilizando ferramentas moleculares

(CLAREMONT ET AL. 2011), S. brasiliensis foi reconhecida como espécie nova, distinta

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de S. haemastoma e outras quatro espécies pertencentes ao complexo S. haemastoma, consideradas anteriormente subespécies dessa, também foram elevadas ao nível de espécie no mesmo estudo.

Em um estudo populacional de Stramonita sp., UDELSMANN (2009) analisou 14 locos de isoenzimas em populações de nove localidades do litoral brasileiro, observando uma clara presença de dois grupos distintos, em animais vivendo em simpatria em todas as localidades. Foi encontrada uma distância genética entre os dois diferentes grupos de 0,338 (valores compatíveis com os encontrados em espécies congenéricas). No entanto, ao realizar uma análise morfométrica das conchas, não foi encontrada nenhuma diferença significativa entre os espécimes de cada grupo. Com base nesses resultados, concluiu que existem evidências suficientes para a separação da espécie em dois agrupamentos genéticos distintos, que embora apresentem certo grau de hibridização, esta é limitada por algum mecanismo de isolamento reprodutivo. O desafio de identificar espécies que não tenham grande variação em caracteres morfológicos já foi reconhecido antes mesmo da adoção do sistema de classificação proposto por Linnaeus (BICKFORD ET AL., 2006). Dessa forma, não surpreende que espécies diferentes ocorram em um mesmo ambiente, sem, contudo apresentarem diferenças morfológicas marcantes a ponto de serem reconhecidas como espécies diferentes. Em ambientes marinhos há indícios de grande ocorrência de espécies crípticas, ocorrendo também na costa brasileira (CROSSLAND ET AL., 1993; RIDGWAY ET AL., 1998;

KNOWLTON, 1993; IGNACIO ET AL., 2000; RAHMAN & UEHARA, 2004; LIMA ET AL., 2005;

CRUMMET & EERNISE, 2007). Isso se deve tanto ao pouco conhecimento da biologia de diversos táxons (ocasionados pelas dificuldades de coleta, estudos em campo e manutenção dos organismos em laboratório), ou como as características típicas de muitos organismos marinhos, como sistemas de reconhecimento químico de parceiros (divergindo de um sistema visual ou sonoro, como encontrado em muitos organismos terrestres e mais facilmente observáveis por nossos sentidos), e variações nas capacidades de dispersão e na preferência de microhábitats para o assentamento larval (KNOWLTON, 1993).

Para neogastrópodes, PALMER ET AL. (1990) apontou que caracteres da concha podem não ser adequados para a identificação de muitos grupos, já que tais

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caracteres podem apresentar grande variação intraespecífica. Apesar disso, os caracteres da concha ainda são os mais utilizados na taxonomia do grupo. A identificação de complexos de espécies e a elucidação das relações filogenéticas de seus integrantes têm grande relevância em diversas áreas, como evolução, ecologia e conservação. Em questões relacionadas à evolução, essa identificação pode ter uma contribuição significativa para o entendimento de mecanismos de especiação em ambientes marinhos (KNOWLTON, 1993). Diversas questões em ecologia dependem de uma clara delimitação das espécies estudadas, como relações de competição inter e intraespecíficas, de predadores e presas, e de simbiontes e hospedeiros (MLADENOV & EMSON, 1990;

KNOWLTON ET AL., 1992; KNOWLTON, 1993; GELLER, 1999; DUDA ET AL., 2009). Várias espécies utilizadas como bioindicadoras já foram reconhecidas como sendo um conjunto de espécies crípticas (GRASSLE & GRASSLE, 1976; LOBEL ET AL, 1990;

KNOWLTON ET AL., 1992). Neste último caso, cada uma das diferentes espécies dentro do complexo pode se comportar diferencialmente aos poluentes a que estão sendo expostas, potencialmente causando grandes erros na interpretação dos dados coletados (LOBEL ET AL., 1990; KNOWLTON ET AL., 1992). O uso de técnicas moleculares e de análise da sequências de DNA para a distinção de conjuntos de espécies crípticas é amplamente documentado na literatura, já tendo sido usado, inclusive, para outras espécies de moluscos (CROSSLAND ET AL.,

1993; LIMA ET AL., 2005, CARSTENS ET AL., 2013, ZOU & LI, 2016, GIRIBET & KAWAUCHI, 2016). Dessa maneira o objetivo do presente trabalho foi, por meio da utilização de sequenciamento de dois genes, identificar a possível ocorrência de um complexo de espécies em populações de S. brasiliensis no litoral norte de São Paulo e sul do Rio de Janeiro. Para delimitá-las utilizou-se o conceito de linhagens evolutivas (CARSTENS

ET AL., 2013)

Materiais e Métodos

Coletas Foram realizadas coletas em oito localidades durante os meses de fevereiro de 2011 a novembro de 2012, seis no estado de São Paulo e duas no estado do Rio de

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Janeiro. Os locais e datas das coletas estão indicados na Figura 2 e na Tabela 1 e podem ser vistos os pontos de coleta. A Figura 3 mostra o costão rochoso em um dos locais de coleta.

Figura 2 - Locais de coleta dos exemplares de Stramonita sp. utilizados no estudo. Seis pontos são no litoral norte do Estado de São Paulo e dois no sul do Rio de Janeiro.

As coletas foram realizadas manualmente, sem o auxílio de nenhum equipamento especial, durante a maré baixa. Em cada localidade foram coletados de 26 a 41 indivíduos, que foram separados em sacos plásticos e, no Laboratório de Diversidade Genética na Universidade Estadual de Campinas, foram anestesiados e dissecados para obtenção de uma amostra de tecido muscular dos pés para as análises futuras. Os indivíduos coletados na praia do Cepilho (Paraty, RJ) e na praia Vermelha (Angra dos Reis, RJ), no entanto, foram fixados ainda em campo em álcool 90%. As amostras dos tecidos foram preservadas em nitrogênio líquido até o momento da extração do material genético. Todos os indivíduos coletados serão depositados no Museu de Zoologia da Universidade Estadual de Campinas “Adão José Cardoso”. No caso dos espécimes que tiveram sua concha danificada para a obtenção da amostra de tecido, os fragmentos desta foram preservados e serão depositados juntamente com o restante do animal.

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Figura 3 - Costão rochoso da Praia Grande - Ilhabela/SP.

Extração e Amplificação de DNA

Os genes utilizados no presente estudo foram o gene mitocondrial Citocromo Oxidase I (COI) e o gene nuclear 28S. Ambos são comumente utilizados em estudos populacionais e já foram utilizados anteriormente em estudos com espécies do gênero

Stramonita (BARCO ET AL., 2010; CLAREMONT ET AL., 2011).

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Tabela 1: Locais de coleta das amostras de Stramonita sp.

Município Localidade Coordenada Data Nº de Indivíduos Numeração dos espécimes informativos

Geográfica coletados

Ilhabela (SP) Praia Grande 23º51’34”S 45º25’05”O 16/02/2011 30 41, 55

São Sebastião Praia de Toque- 23º49’24”S 45º32’00”O 17/02/2011 35 20

(SP) toque Pequeno

São Sebastião Praia das 23°43'51"S 45°23'58"O 23/03/2012 41 79, 92, 93,94, 98, 98.1, 100, 102, 103

(SP) cigarras

Ilhabela (SP) Praia Grande 23º51’34”S 45º25’05”O 24/03/2012 34 110, 113, 114, 116, 117, 121, 123, 124, 130, 131, 137,

138, 139

Ilhabela (SP) Prainha 23°51'02"S 45°24'50"O 24/03/2012 31 143, 144, 148, 152, 155, 156, 156.1

São Sebastião Juquehy 23º46’17”S 45º43”22”O 20/06/2012 26 176, 178, 184, 192

(SP)

São Sebastião Guaecá 23°49'27"S 45°27'13"O 21/06/2012 30 196, 197, 198, 199, 200, 202, 203, 204, 205, 206, 210,

(SP) 213, 218, 221, 222, 223, 225, 226, 229

Parati (RJ) Praia do Cepilho 23º20’39”S 44º42’46”O 07/11/2012 27 310.1, 326, 328, 329

Angra dos Praia Vermelha 23°01'18"S 44°29'37"O 08/11/2012 33 330, 332, 333, 335, 337

Reis (RJ)

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O material genético foi extraído de fragmentos do músculo do pé dos indivíduos coletados, seguindo-se protocolo CTAB (Cetyltrimethyl Ammonium Bromide) adaptado para moluscos (WINNEPENNINCKX, 1993). Para a amplificação do fragmento do gene mitocondrial COI, foram utilizados os primers COIF e COIMUR (CLAREMONT ET AL., 2011), enquanto que para o gene nuclear 28S utilizou-se os primers LSU5 e LSU1600R (CLAREMONT ET AL., 2011) (Tabela 2). A Tabela 3 mostra as condições de amplificação de cada gene estudado. Tabela 2: Relação e sequências dos primers utilizados na amplificação dos genes estudados.

Nome Sequência

COIF 5’-CTA CAA ATC ATA AAG ATA TTG G-3’

COI-MUR 5’-ACA ATA TGA GAA ATT ATW CCA AA-3’

LSU5 5’-TAG GTC GAC CCG CTG AAY TTA AGC A-3’

LSU1500R 5’-AGC GCC ATC CAT TTT CAG G-3’

Tabela 3: Condições de amplificação para os genes COI e 28S utilizadas durante o estudo.

Anelamento Alongamento Extensão

COI 95,0ºC, 1 min 50,0ºC, 1 min 72,0ºC, 1 min

28S 94,0ºC, 1 min 64,0ºC, 1 min 72,0ºC, 1 min

O sequenciamento foi realizado utilizando a metodologia Sanger, em um sequenciador de modelo Perkin Elmer ABI Prism 377 capillary sequencer (Applied

Biosystems, Foster City, CA, USA).

Análises As sequências obtidas foram alinhadas utilizando o algoritmo clustal W

(CHENNA ET AL., 2003), implementado no programa Mega versão 6.0 (TAMURA ET AL.,

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2013). Posteriormente, passaram por uma etapa de alinhamento manual, a fim de eliminar gaps e criar uma sequência consenso entre as sequências foward e reverse já devidamente transformada em seu complemento reverso. Foram analisadas

árvores filogenéticas e parâmetros populacionais (FST, distância genética, testes de neutralidade) (NEI, 1972; NEI, 1978; WEIR & COCKERHAM, 1984). Para as inferências filogenéticas foram utilizadas, além do material coletado no presente estudo, sequências gênicas de diversas espécies do gênero Stramonita depositadas no GenBank. Foram elas: S. brasiliensis, S. haemastoma, S. rustica, S. delessertiana, S. floridana, S. biserialis, S. canaliculata (a Tabela 4 contém os números de depósito das sequências utilizadas). As sequências de Acanthais brevidentada foram utilizadas para compor o outgroup (Tabela 4). As filogenias foram estimadas pelo programa Beast, versão 1.8.0. O melhor modelo de substituição foi calculado, para cada gene, usando o programa Mega, selecionando-se o mais adequado através do critério de seleção Akaike. Tais modelos foram utilizados em todas as análises de cada gene. Foram rodadas 10000000 gerações, amostrando-se árvores a cada 1000. Para a montagem da árvore final foi usado um burn-in de 1000. Para as análises com relógio molecular, foi utilizada a taxa de mutação proposta por WILKE ET AL. (2009), usando-se um modelo de relógio estrito.

Um teste de saturação, feito com o programa DAMBE (XIA, 2013), foi realizado para determinar se o relógio estrito era o melhor modelo para os dados apresentados. Para a inferência dos parâmetros populacionais foram utilizados o programa

DNAsp versão 5.10.1 e Arlequin versão 3.5.1.3 (EXCOFFIER & LISCHER, 2010). Foram realizados testes do tipo AMOVA do conjunto de dados separando em diferentes grupos: primeiramente uma análise geral, separando os espécimes utilizados apenas com base no agrupamento filogenético a que cada indivíduo pertencia, baseados na filogenia obtida através do gene COI. Após isso, dois novos testes separando, para cada agrupamento filogenético, os indivíduos de cada local de coleta. Finalmente, foi realizada uma análise de expansão populacional entre os indivíduos de cada agrupamento filogenético encontrado. Os espécimes utilizados em cada grupo podem ser vistos na Tabela 5. Para as sequências de COI foi montada uma rede de haplótipos utilizando o programa Network versão 4.612 (POLZIN ET AL, 2003).

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Tabela 4: Relação das sequências prospectadas no GenBank utilizadas para as análises bayesianas.

Espécie Local Número no GenBank

Acanthais brevidentada Costa Rica FR695720.1

Stramonita biserialis Panama FR695850.1

Costa Rica FR695835.1

Costa Rica FR695834.1

Costa Rica FR695833.1

Costa Rica FR695832.1

Stramonita brasiliensis São Paulo, Brasil FR695839.1

Stramonita canaliculata Texas, EUA FR695836.1

Florida, EUA FR695755.1

Florida, EUA FR695777.1

Stramonita Peru FR695725.1

delessertiana

Stramonita haemastoma Venezuela FR695824.1

Ilhas Canárias, Espanha FR695794.1

Croácia FR695792.1

Senegal FR695768.1

Espanha FR695746.1

Espanha FR695745.1

Açores, Portugal FR695734.1

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Tabela 5: Relação das amostras utilizadas para as análises populacionais, agrupados por local de coleta e grupo filogenético.

Local de Coleta Grupo Filogenético Numeração dos Espécimes

Praia Grande – Ilhabela S. brasiliensis 41, 55

Toque-toque pequeno – São S. brasiliensis 20

Sebastião

Praia das Cigarras – São S. brasiliensis 79, 92, 93, 98, 98.1, 100, 102,

Sebastião 103

S. haemastoma 94

Praia Grande (coleta 2) – S. brasiliensis 121, 131

Ilhabela S. haemastoma 110, 113, 114, 116, 117, 123,

124, 129, 130, 137, 138, 139

Prainha – Ilhabela S. brasiliensis 155

S. haemastoma 143, 144, 148, 152, 156, 156.1

Juquehy – São Sebastião S. brasiliensis 176,178, 184, 192

Guaeca – São Sebastião S. brasiliensis 196, 197, 198, 199, 200, 205,

210, 213, 218, 222, 223, 225,

226, 229

S. haemastoma 202, 203, 204, 206, 221

Praia do Cepilho - Paraty S. brasiliensis 310.1, 326, 328

S. haemastoma 329

Praia Vermelha – Angra dos S. brasiliensis 330, 333, 335, 337

Reis S. haemastoma 332

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Resultados

Coleta, extração e sequenciamento do material genético

Nas oito coletas realizadas, foram capturados um total de 257 indivíduos. Destes, foram obtidas 65 sequências informativas do gene mitocondrial COI, contendo 556 pares de base. Foram sequenciados dois fragmentos do gene 28S, um com 482 pares de base e outro com 589 pares, para um total de 17 indivíduos. Observou-se um maior sucesso na amplificação nos exemplares cuja amostra de tecido foi obtida e conservada imediatamente em nitrogênio líquido, sem passar por uma fase em acondicionamento em álcool. Análise Bayesiana Para o gene COI o modelo de substituição que melhor explicava os dados obtidos foi o HKY + G. Para esse modelo a taxa de substituição proposta para gastrópodes por WILKE ET AL. (2009) é de 1,37, tendo sido a adotada para a datação da árvore obtida (Figura 4). Para o gene ribossomal 28s foi utilizado o mesmo modelo, mas não foi feita a datação da árvore obtida (Figura 5).

Análises Populacionais Foram realizados testes D de Tajima e FS de Fu para verificar se é possível identificar sinais que indiquem a possível ocorrência de uma expansão populacional para ambos os genes (Tabelas 6 e 7). Para as amostras do gene COI, os testes foram realizados separando as sequências obtidas em localidade de coleta (Tabela 8) e em localidade de coleta e espécie a que pertence (Tabela 9). As amostras do gene 28s não sofreram tratamento semelhante devido ao baixo número amostral que haveria em cada localidade. Também foram calculados os índices de diversidade genética para ambos os genes (Tabelas 10, 11 e 12). Pode-se observar a existência de indícios que sugerem uma expansão populacional tanto em S. brasiliensis quanto para S. haemastoma.

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Figura 4 - Árvore filogenética obtida por meio do sequenciamento do gene COI. Espécimes numerados foram os coletados nesse trabalho. Demais sequências foram obtidas no GeneBank (com nome por extenso). Em verde sequências de S. brasiliensis, em vermelho sequências de S. haesmastoma. Probabilidades dos ramos acima de 0,75 estão indicadas na figura.

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Figura 5 - Árvore filogenética obtida a partir de sequências do gene nuclear 28S. Em vermelho espécimes identificados como S. haemastoma e em verde espécimes identificados como S. brasiliensis através da filogenia do COI.

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Tabela 6: Resultados do teste D de Tajima e FS de Fu para sequências do gene mitocondrial COI. Em vermelho resultados significativos.

COI Populações D Tajima (p) Tajima's D FS FU (p) FS p-value Toque toque pequeno 1.00000 0.00000 0.00000 N.A. Praia Grande 1 G1 1.00000 0.00000 1.60944 0.50400 Praia das Cigarras G1 1.00000 0.00000 0.00000 N.A. Praia das Cigarras G2 1.00000 0.00000 0.00000 N.A. Praia Grande2 G1 1.00000 0.00000 2.07944 0.54300 Praia Grande2 G2 0.32000 -0.58334 -0.91203 0.27400 Prainha G1 1.00000 0.00000 0.00000 N.A. Prainha G2 0.62100 0.31961 -1.00914 0.16000 Juquehy G1 0.19600 -0.78012 2.19722 0.82400 Guaeca G1 0.01600 -1.95516 1.31826 0.78500 Guaeca G2 0.45300 -0.38503 1.44966 0.68900 Paraty G1 0.76200 0.00000 2.88418 0.85700 Paraty G2 1.00000 0.00000 0.00000 N.A. Angra G1 1.00000 0.00000 0.00000 N.A. Angra G2 1.00000 0.00000 0.00000 N.A. Média 0.77300 -0.21150 0.60106 N.A. Desvio Padrão 0.34177 0.53580 1.15383 N.A.

Tabela 7: Resultados do teste D de Tajima e FS de Fupara sequências do gene nucelar 28S. Não houve resultados significativos.

28S Valor Média Desvio Padrão Tajima's D -0.09250 -0.09250 0.00000 D Tajima (p) 0.53400 0.53400 0.00000 FS FU (p) -1.33709 -1.33709 0.00000 FS p-value 0.17100 0.17100 0.00000

25

Tabela 8: Resultados do Teste D Tajima e FS de Fu para o gene mitocondrial COI em S. brasiliensis. Em vermelho resultados significativos.

Valor Média

Teste D de Tajima Tamanho da Amostra 39 3.800.000

S 22 2.200.000

Pi 185.633 185.633 D de Tajima -217.632 -217.632

P 0.00200 0.00200

Teste FS de Fu

Nº real de alelos 8 800.000

Orig. 8 800.000 Tabela 9: Resultados do Teste D Tajima e FS de Fu para o Theta pi 185.633 185.633 gene COI em S. haemastoma. Em Exp. nº de alelos 621.312 621.312 vermelho resultados significativos. FS -111.798 -111.798 P 0.30000 0.30000 Valor Média

Teste D de Tajima Tamanho da Amostra 26 2.500.000 S 37 3.700.000 Pi 926.667 926.667 D de Tajima -0.20587 -0.20587 P 0.45800 0.45800

Teste FS de Fu Nº real de alelos 21 2.100.000 Orig. 21 2.100.000 Theta pi 926.667 926.667 Exp. nº de alelos 1.249.159 1.249.159 FS -861.460 -861.460 P 0.00100 0.00100

26

Tabela 10: Índices de diversidade molecular para o gene COI. Amostras separadas entre as diferentes localidades de coleta.

Toque Toque Praia Praia das Praia Praia Desvio Pequeno Grande Cigarras Grande 2 Prainha Juquehy Guaecá Paraty Vermelha Média Padrão Nº de transições 0 2 40 58 51 3 53 36 46 32,111 22,408 Nº de transversões 0 3 6 14 6 1 11 7 7 6,111 4,228 Nº de substituições 0 5 46 72 57 4 64 43 53 38,222 26,237 Nº de indels 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,000 0,000 Nº de sítios de transições 0 2 40 56 51 3 52 36 46 31,778 22,054 Nº de sítios de transversões 0 3 6 14 6 1 11 7 7 6,111 4,228 Nº de sítios de substituições 0 5 46 66 56 4 61 42 53 37,000 24,993 Nº de sítios de substituições exclusivas 0 0 0 2 0 0 5 2 1 1,111 1,595 Nº de sítios de indels 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0,000 0,000 Pi 0.000 5.000 10.222 20.495 19.381 2.000 18.157 21.833 26.500 15.449 8.128

27

Tabela 11: Índices de diversidade molecular para o gene COI. Amostras separadas entre as diferentes localidades de coleta e entre as duas espécies (G1 = S. brasiliensis e G2 = S. haemastoma)

Praia Praia Toque Praia das das Praia Praia toque Grande1 Cigarras Cigarras Grande2 Grande2 Prainha Prainha Juquehy Guaeca Guaeca Paraty Paraty Angra Angra Desvio pequeno G1 G1 G2 G1 G2 G1 G2 G1 G1 G2 G1 G2 G1 G2 Média Padrão Nº de transições 0 2 0 0 3 26 0 21 3 8 19 5 0 0 0 5.438 8.625 Nº de transversões 0 3 0 0 5 7 0 0 1 5 2 2 0 0 0 1.562 2.279 Nº de substituições 0 5 0 0 8 33 0 21 4 13 21 7 0 0 0 7.000 10.033 Nº de indels 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0.000 0.000 Nº de sítios de transições 0 2 0 0 3 26 0 21 3 8 19 5 0 0 0 5.438 8.625 Nº de sítios de transversões 0 3 0 0 5 7 0 0 1 5 2 2 0 0 0 1.562 2.279 Nº de sítios de substituições 0 5 0 0 8 33 0 21 4 13 20 7 0 0 0 6.938 9.943 Nº de sítios de substituições exclusivas 0 0 0 0 1 8 0 0 0 6 2 3 0 0 0 1.250 2.436 Nº de sítios de indels 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0.000 0.000 Pi 0.000 5.000 0.000 0.000 8.000 9.855 0.000 9.667 2.000 2.099 9.100 4.667 0.000 0.000 0.000 3.14917 3.94861

28

Tabela 12: Índices de diversidade molecular para o gene 28s

Valor Nº de transições 121 Nº de transversões 219 Nº de substituições 340 Nº de indels 2 Nº de sítios de transições 103 Nº de sítios de transversões 219 Nº de sítios de substituições 280 Nº de sítios de substituições exclusivas 289 Nº de sítios de indels 2 Pi 81.279

Os resultados dos testes de AMOVA entre as duas espécies (Tabela 13) e, nos realizados para cada espécie, para verificar a variação dentre os locais de coleta (Tabelas 14 e 15), indicam que, quando comparadas em conjunto, a maior parte da variação entre os espécimes coletados está entre cada espécie, enquanto que, quando avaliadas isoladamente, a maior parte da variação é devido a diferenças intrapopulacionais, e não entre populações de diferentes localidades. A rede de haplótipos construída com base nas sequências do gene mitocondrial COI pode ser observada na Figura 6. É possível notar a presença de dois grupos separados por 18 passos mutacionais, correspondentes aos agrupamentos encontrados na filogenia bayesiana (S. brasiliensis em verde na figura, e em vermelho, S. haesmatoma). O padrão observado em S. brasiliensis corresponde ao esperado em caso de uma expansão populacional, condizente com os resultados obtidos em outras análises. Tabela 13: Resultados do teste AMOVA utilizando como grupos de comparação as espécies encontradas, S. brasiliensis e S. haemastoma.

Graus de Soma dos Variância dos Porcentagem de Fonte da variação Liberdade quadrados Componemtes Variação Entre as espécies 1 623.092 19.89056 Va 88.81 Dentro da Espécie 63 157.923 2.50672 Vb 11.19 Total 64 781.015 2.239.728 100

Indice de Fixação (FST): 0.88808

29

Tabela 14: Resultados do teste AMOVA comparando as populações de S. brasiliensis entre os diferentes locais de coleta.

Graus de Soma dos Variância dos Porcentagem de Fonte da variação Liberdade quadrados Componemtes Variação Entre as populações 7 1.275 0.00373 Va 2.19 Dentro das populações 30 4.988 0.16627 Vb 97.81 Total 37 6.263 0.17000 100

Indice de Fixação (FST): 0.02191

Figura 6 - Rede de Haplótipos construída a partir das sequências do gene nuclear COI. Em verde haplótipos correspondentes a S. brasiliensis e em vermelho a S. haemastoma. Número de passos mutacionais entre os diferentes haplótipos, quando mais de um, indicados pelo número de traços perpendiculares (quando até três passos) ou pelo número de passos (quando mais de três passos).

Tabela 15: Resultados do teste AMOVA comparando as populações de S. haemastoma entre os diferentes locais de coleta.

Graus de Soma dos Variância dos Porcentagem de Fonte da variação Liberdade quadrados Componemtes Variação

30

Entre da populações 5 2.367 -0.00231 Va -0.48 Dentro das populações 20 9.633 0.48167 Vb 100.48 Total 25 12.000 0.47935 100

Indice de Fixação (FST): -0.00483

31

Discussão

Analisando a filogenia com as espécies de Stramonita gerada com base em sequências do gene COI, pode-se observar uma clara distinção entre dois grupos principais (em verde e vermelho na Figura 4), com separação estimada em cerca de 5 milhões de anos. Utilizando-se sequências de diferentes espécies do gênero Stramonita, disponíveis no GenBank, pode-se observar que os dois grupos se agrupam em torno de duas espécies descritas: o agrupamento verde se une a exemplares de S. brasiliensis, enquanto que o vermelho fica no mesmo clado de S. haemastoma. É possível observar que ambos os clados formam um grupo monofilético, uma vez que na filogenia encontrada, S. haemastoma é grupo irmão de um clado contendo S. rustica, S. floridana, S. biserialis e S. brasiliensis. A topologia encontrada difere daquela obtida por CLAREMONT ET AL. (2011), que, utilizando os genes COI, 16S e 28S, encontrou um clado composto por S. brasiliensis, S. biserialis e S. floridana, irmão de um segundo clado que une S. haemastoma, S. rustica e S. canaliculata. Ainda, pela topologia da árvore obtida, é possível observar que a separação de S. delessertiana, espécie que ocorre no oceano Pacífico, com o clado demais clados de Stramonita (que habitam o oceano Atlântico) ocorre antes da completa separação do Istmo do Pananá (há cerca de 2,7 milhões de anos). Tal evento de especiação pode ser devido não há completa separação de ambos os oceanos, mas talvez com a alteração de correntes marítimas devido ao início do fechamento do Istmo, que começa há pelo menos 15 milhões de anos (LESSIOS, 2008). No entanto a árvore filogenética obtida utilizando o gene 28s não encontrou os mesmos resultados (Figura 5), mas isto pode ser devido a taxa de mutação menor desse gene, que o torna mais estável ao longo do tempo evolutivo e pouco informativo para esse nível de análise. Até recentemente eram registradas no Brasil apenas três espécies do gênero: S. brasiliensis, S. rustica e S. mariae (ABBOTT, 1974; MARINI, 1988; RIOS,

1994, 2009), não havendo registro de S. haemastoma após a separação do complexo por CLAREMONT ET AL. (2011). No entanto, DE BIASI ET AL (2016) encontraram evidências bastante semelhantes as aqui observadas, sugerindo a

32 existência de populações de S. haemastoma convivendo com S. brasiliensis no estado de São Paulo. No entanto seu estudo apresenta um menor número amostral e não foram feitas análises de parâmetros populacionais como os aqui feitos. Dessa forma a distribuição de S. haemastoma que antes se distribuía ao longo da costa africana e europeia, chegando a ocorrer no Mediterrâneo e as ilhas dos Açores, Canárias e do Cabo Verde, com registro de alguns poucos exemplares na costa da Venezuela (CLAREMONT ET AL., 2011), agora passa a ser registrada para o litoral sudeste brasileiro. As conchas de S. brasiliensis e S. haemastoma diferem muito pouco, sendo as conchas da segunda em média um pouco maiores, com um maior número de fileiras de nódulos espirais (CLAREMONT ET AL., 2011). Por esse motivo torna-se bastante difícil identificar espécimes das duas espécies em campo, facilitando a confusão taxonômica entre ambas, embora diversos estudos já tenham sido utilizados na costa brasileira com a espécie (DUARTE, 1990;

LAVRADO, 1992; PAPP & DUARTE, 2001; LIMAVERDE ET AL, 2007; UDELSMANN, 2009). Esse resultado é particularmente importante, pois mostra que é necessário tomar um maior cuidado com a identificação de ambas as espécies, pois em muitos desses estudos realizados, ambas podem estar se comportando de maneira diferente e alterando os resultados obtidos, como já registrado para outras espécies crípticas. A rede de haplótipos (Figura 6) inferida a partir das sequências do gene COI mostram um resultado concordante com à filogenia do COI, com dois grandes agrupamentos separados por 18 passos mutacionais. Esse resultado demonstra uma clara separação entre esses dois grupos, além de mostrar uma possível expansão populacional ocorrendo no agrupamento maior (acima, a direita), de indivíduos pertencentes a S. brasiliensis. No agrupamento com espécimes de S. haemastoma (abaixo, a esquerda), no entanto, não é encontrado tal agrupamento em forma de estrela, o que não é o esperado segundo a hipótese de uma colonização mais recente com posterior expansão populacional. Os resultados obtidos pela análise populacional foram condizentes com a hipótese de expansão populacional em ambos os grupos (Tabelas 6 e 7).

Observou-se grande tendência a neutralidade do gene COI, com presença de alelos raros em algumas das populações. Os resultados do teste de

33

AMOVA realizados comparando ambas as espécies (Tabela 13) mostram que a maior parte da variação genética encontrada (quase 89%) está entre as duas espécies, enquanto que, ao se fazer o mesmo teste apenas com indivíduos da mesma espécie (Tabelas 14 e 15), a relação se inverte, sendo mais importante a variação encontrada dentro das subpopulações do que as encontradas entre as populações. Tais resultados são condizentes com a existência de duas espécies diferentes, com baixa estruturação, como é o esperado de espécies marinhas capazes de dispersar-se por longas distâncias.

Apesar de terem sido coletados 257 indivíduos para a realização desse trabalho (cerca de 30 indivíduos para cada localidade) houve uma grande dificuldade em conseguir realizar a amplificação das sequências obtidas, mesmo utilizando protocolos já utilizados para a espécie em trabalhos anterior a este

(BARCO ET AL., 2010; CLAREMONT ET AL., 2011). Entre as hipóteses levantadas para explicar o ocorrido estão diferenças na coleta e armazenamento das amostras (com os exemplares trazidos vivos para Campinas e congelados em nitrogênio líquido apresentando melhores resultado na amplificação) e diferenças nas marcas dos reagentes utilizados para extração e amplificação do material, que podem de alguma forma ter causado interferência na qualidade dos resultados obtidos. Este problema foi ainda maior no caso do gene 28S, que apresentou um número ainda menor de exemplares sequenciados, e estas sequências de qualidade bastante reduzida quando comparadas às geradas para o COI, o que pode ajudar a explicar as diferenças encontradas nos resultados aqui apresentados. Por este motivo seria interessante a realização de futuros estudos abrangendo novas regiões genômicas que possam corroborar as hipóteses taxonômicas aqui apresentadas.

Conclusão

A taxonomia do gênero Stramonita é extremamente complexa, com a ocorrência de diversas espécies crípticas que estão sendo reveladas com a ajuda de ferramentas moleculares. Este trabalho encontrou evidências de que o

34 que é considerado no Brasil como sendo apenas uma espécie (S. brasiliensis) trata-se na verdade de duas espécies diferentes, sendo a segunda S. haemastoma, descrita para a Europa, África e Venezuela. Dessa maneira amplia-se a distribuição registrada de S. haemastoma para o sudeste brasileiro e se reforça a necessidade de tomar o devido cuidado na identificação de ambas as espécies, pois isso pode ter impacto em estudos que utilizam o gênero como bioindicador ou trabalhos em ecologia de costões rochosos. Os resultados obtidos pela análise da rede de haplótipos e alguns dos testes populacionais condizem com a hipótese de uma colonização recente por S. haemastoma, com posterior expansão populacional. No entanto, mais estudos são necessários para verificar se trata-se de uma expansão natural (vinda da Europa/África ou para aqueles continentes), ou foi uma espécie introduzida por ação antrópica.

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