O Sítio Campaniforme De São Gregório (Caldas Da Rainha)*

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O Sítio Campaniforme De São Gregório (Caldas Da Rainha)* O sítio campaniforme de São Gregório (Caldas da Rainha)* JOÃO LUÍS CARDOSO** RESUMO A estação campaniforme de São Gregório (Caldas da Rainha), uma das mais setentrionais da Estremadura, caracterizada pela ocorrência de produções campaniformes incisas, corres- ponde certamente a pequeno sítio de carácter familiar, que se integraria, como os seus homó- logos da Baixa Estremadura, em espaços económicos alargados, geridos por povoados mais importantes, situados em locais estratégicos. Na região imediata, sítios semelhantes aos de Outeiro de São Mamede (Bombarral) e Outeiro da Assenta (Óbidos), ainda não cabalmente identificados, poderiam corresponder a essa realidade dual da ocupação humana do território no decurso da segunda metade do III milénio a.C. ABSTRACT The beaker site of São Gregório (Caldas da Rainha), one of the northernmost of the Estremadura region, is characterized by the occurrence of incise beaker fragments and corresponds surely to a small establishment of a familiar basis. It was integrated, like its homologous settlements of Low Estremadura, in large economic areas managed by more important settlements located in strategic places. In the adjacent region similar sites are unknown but they would be similar to those of Outeiro de São Mamede (Bombarral) and Outeiro da Assenta (Óbidos), illustrating the dual reality of the human occupation of the region during the second half of the 3rd millennium BC. 1. Localização e condições de jazida No decurso da prospecção arqueológica realizada em Abril de 1997 por João Carlos Caninas e Francisco Henriques para a firma Inovação e Projectos em Ambiente, Lda. no âmbito do Estudo de Incidências Ambientais do Lanço Caldas da Rainha-Rio Maior da auto-estrada do Oeste, foi identi- ficada uma mancha de distribuição de materiais arqueológicos à superfície. Tal sítio, no referido estudo, foi registado com a designação Charneca de São Gregório 2 e descrito do seguinte modo: Grande quantidade de cerâmicas lisas, incluindo bordos, e decoradas (campaniformes), um fragmento de machado, alguns sílices e argila de cobertura. Ocorrência na ponta de uma cumeada ocupada por um eucaliptal com cerca de 3 anos. Grande revolvimento do solo com espalhamento de cerâmica por ambas as encostas numa área de 600 m². REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 15. 2012, pp. 31–45 31 João Luís Cardoso O sítio campaniforme de São Gregório (Caldas da Rainha) b Fig. 1 Localização do sítio de São Gregório na Península Ibérica (a) e na Carta Militar de Portugal na escala de 1/25 000, Folha 339, Lisboa, Serviços Cartográficos do Exército (b), correspondendo ao n.º 18, enquadrado por outras ocorrências a pré-históricas (n.os 17, 19 e 20), de reduzida importância. Este local corresponde na Fig. 1b ao locus 18; os loci 17, 19 e 20 correspondem, respectivamente, a achado isolado de um fragmento de cerâmica pré-histórica muito rolado, com duas linhas incisas; a pequeno conjunto de fragmentos cerâmicos dispersos ocupando área com cerca de 100 m² virada a poente; e a um pequeno conjunto de restos de talhe, de sílex, associados a profundo revolvimento do solo. As coordenadas hectométricas UTM do locus 18, o único que será objecto de estudo deta- lhado, são as seguintes: MD 973540 (Fig. 1a e 1b). Administrativamente, o local pertence ao concelho de Caldas da Rainha, distanciando-se da povoação de São Gregório da Fanadia cerca de 2,5 km para SE. A intensa cobertura do terreno por eucaliptos jovens (Fig. 2) dificultou os trabalhos da pros- pecção, os quais, no entanto, conduziram à recolha, por área dispersa, devido ao revolvimento dos terreno, de um conjunto assinalável de fragmentos cerâmicos, cuja escassa densidade, contudo, não era suficiente para considerar a existência de um povoado, mas simplesmente de um pequeno núcleo habitado, pequena granja ou casal agrícola de cunho familiar, implantado em local com boas condições de visibilidade, tal como acontece com a generalidade dos homólogos conhecidos da região meridional da Estremadura. A evidente coerência do conjunto e a ausência de rolamento dos materiais reforçavam aquela conclusão, contrariando a hipótese de provirem de outro local, ou de corresponderem a misturas de espólios de diversas épocas. Encontrava-se deste modo justificado o seu estudo, por ilustrar, con- juntamente com outras ocorrências com as mesmas características conhecidas mais a sul, a estraté- gia de ocupação do território e de exploração dos respectivos recursos. 32 REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 15. 2012, pp. 31–45 O sítio campaniforme de São Gregório (Caldas da Rainha) João Luís Cardoso Fig. 2 São Gregório. Vistas do local das recolhas de espólios campaniformes. 2. Estudos dos materiais 2.1. Indústrias líticas Conservam-se apenas três artefactos líticos, todos de sílex, dois de coloração avermelhada, de origem regional, e outro de coloração cinzenta, de origem regional provável. Dos três, apenas um, correspondente a uma delgada lasca de coloração avermelhada (Fig. 3 a), com indícios de utilização num dos bordos laterais, possuindo brilho de cereal, e por isso reportada a um elemento de foice, se encontra representada (Fig. 3 b). Os outros dois artefactos correspondem a núcleos irregulares, ambos orientados para a extrac- ção de lâminas e lamelas. Fig. 3 Lasca de sílex castanho-avermelhado (a), com vestígios de utilização num dos bordos laterais como elemento de foice (b). 3. Produções cerâmicas 3.1. Cerâmicas decoradas Recolheram-se 22 fragmentos decorados, todos eles incluídos no grupo das cerâmicas campa- niformes, dos quais se desenharam 19 exemplares. As pastas mostram-se em geral de má qualidade, grosseiras a muito grosseiras, mesmo nos exemplares correspondentes a pequenos recipientes, REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 15. 2012, pp. 31–45 33 João Luís Cardoso O sítio campaniforme de São Gregório (Caldas da Rainha) podendo incluir e.n.p. de quartzo com quase 5 mm de diâmetro, friáveis e de coloração castanha, em ambas as superfícies e no núcleo, embora este se afigure muitas vezes mais escuro, de tonalidade anegrada. As superfícies possuem frequentemente uma aguada para as tornar mais regulares e suaves ao tacto. Trata-se, por certo, de uma produção cerâmica homogénea e expedita, de carácter utilitário, onde os exemplares lisos, pelas características de qualidade, cozedura ou acabamento em nada se diferenciam dos decorados. Do ponto de vista decorativo, 19 fragmentos ostentam a técnica incisa, por vezes associada à técnica impressa ou à do puncionamento oblíquo; apenas 3 fragmentos exibem a técnica a ponti- lhado, sendo para tal utilizada matriz de dentes de secção sub-rectangular. Tendo presentes a forma dos recipientes e as suas dimensões, a técnica e os padrões decorati- vos, foi possível elaborar a seguinte distribuição: s caçoilas de grandes dimensões com decoração incisa – 1 ex. (Fig. 5, n.º 1); s caçoilas de dimensões médias com decoração incisa – 8 exs. (Fig. 4, n.os 1, 2 e 4; Fig. 5, n.os 3, 4, 6 e 7; Fig. 6, n.º 2). Três destes exemplares (Fig. 4, n.º 2, Fig. 5, n.º 4 e Fig. 6, n.º 2) possuem uma banda horizontal com decoração pseudo-excisa, constituída por puncionamentos mais ou menos oblíquos alternados, encontrando-se a referida banda delimitada de ambos os lados por bandas com preenchimento interno de linhas incisas oblíquas; s caçoilas de pequenas dimensões com decoração incisa – 1 ex. (Fig. 6, n.º 1); s caçoilas de dimensões pequenas a médias com decoração pontilhada – 1 ex. (Fig. 6, n.º 3); Fig. 4 São. Gregório. Cerâmicas campaniformes decoradas. 34 REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 15. 2012, pp. 31–45 O sítio campaniforme de São Gregório (Caldas da Rainha) João Luís Cardoso Fig. 5 São. Gregório. Cerâmicas campaniformes decoradas. s taças Palmela com decoração incisa – 2 exs. (Fig. 4, n.º 3). O exemplar desenhado possui a particularidade de a decoração incisa, presente apenas no lábio aplanado, se associar a rara técnica correspondente a decoração formando linhas verticais interrompidas, na parede externa do recipiente; a este, acresce outro exemplar não desenhado, de pequenas dimensões; s taça Palmela com decoração a pontilhado – 1 ex. (Fig. 6, n.º 4). REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 15. 2012, pp. 31–45 35 João Luís Cardoso O sítio campaniforme de São Gregório (Caldas da Rainha) Fig. 6 São Gregório. Cerâmicas campaniformes lisas e decoradas. Os restantes fragmentos pertencem a recipientes de tamanho médio, de forma inclassificável, provavelmente na maioria dos casos a caçoilas, dos quais um ostenta a decoração incisa associada à técnica do puncionamento oblíquo, recorrendo para tal a uma ponta romba aplicada na pasta mole (Fig. 5, n.º 5). Um outro possui decoração a pontilhado (Fig. 5, n.º 8), ostentando os restantes a decoração incisa. 36 REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 15. 2012, pp. 31–45 O sítio campaniforme de São Gregório (Caldas da Rainha) João Luís Cardoso Fig. 7 São Gregório. Cerâmicas campaniformes lisas. De forma geral, evidencia-se assinalável homogeneidade do conjunto, tanto nas técnicas uti- lizadas, com predominância quase absoluta da técnica incisa, com 19 em 22 ocorrências, como nos motivos decorativos, monótonos e pobres, com excepção do motivo pseudo-exciso, realizado porém com técnica muito fruste e descuidada, presente em 3 fragmentos. REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 15. 2012, pp. 31–45 37 João Luís Cardoso O sítio campaniforme de São Gregório (Caldas da Rainha) Fig. 8 São Gregório. Cerâmicas campaniformes lisas. 38 REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 15. 2012, pp. 31–45 O sítio campaniforme de São Gregório (Caldas da Rainha) João Luís Cardoso 3.2. Cerâmicas lisas O número de fragmentos de recipientes lisos identificáveis ascende a 18 exemplares com bordo, todos eles reproduzidos nas Fig. 6, n.os 5 e 6; Fig. 7, n.os 1 a 8; e Fig. 8, n.os 1 a 8, integrando-se nas seguintes formas principais: s caçoilas: ao bordo e colo de caçoilas de dimensões médias, com equivalentes nos tamanhos dos exemplares decorados, pertencem os fragmentos representados nas Fig.
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