Rozângela Alves Vilasbôas ASPECTOS DO PÓS-MODERNISMO E DO REALISMO MÁGICO EM MOACYR SCLIAR Araraquara 2007
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Rozângela Alves Vilasbôas ASPECTOS DO PÓS-MODERNISMO E DO REALISMO MÁGICO EM MOACYR SCLIAR Araraquara 2007 2 Rozângela Alves Vilasbôas ASPECTOS DO PÓS-MODERNISMO E DO REALISMO MÁGICO EM MOACYR SCLIAR Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Araraquara, para obtenção do título de Doutor em Letras (Área de Concentração: Estudos Literários). Orientador: Profª. Drª. Maria Lúcia Outeiro Fernandes Araraquara 2007 3 Rozângela Alves Vilasbôas ASPECTOS DO PÓS-MODERNISMO E DO REALISMO MÁGICO EM MOACYR SCLIAR TESE PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR COMISSÃO EXAMINADORA __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ __________________________ Araraquara, ___ de ___________ de 2007. 4 Graças Ao Deus da minha vida, Ao Seu Filho da minha redenção, E ao Espírito Santo da minha luz. A minha orientadora Profª. Drª. Maria Lúcia Outeiro Fernandes, esposo e filhas pela doação, A minha família pelo apoio, Aos professores Ana Luíza Camarani, Sílvia Telarolli e Eduardo Coutinho pelas preciosas contribuições, E a todos que de diferentes formas ajudaram-me na realização deste trabalho. 5 “Benditos sejam os que residem na tua casa.” (Mas eu imagino, senhor, que a tua casa seja mais espaçosa que a minha choça.) “Eu te louvo, meu Deus e Rei.” (De que me adiantaria fazer o contrário?) “Todos os dias te abençôo” (mesmo de estômago vazio). “O Senhor é bom para todos” (bem, talvez esqueça alguém de vez em quando, mas é que Ele tem muitos em quem pensar). “Ele satisfará os desejos dos que o temem, ouvirá seus brados e os salvará.” (Mas quando, Senhor? Quando?) Scholem Aleichem 6 Resumo Este trabalho trata da contemporânea obra de Moacyr Scliar (1937), a qual exibe um verdadeiro cosmos ficcional de temas, abordados à maneira peculiar do escritor, imprimindo o absurdo e o cômico em sua narrativa. Procura-se, ainda, abordar a receptividade da obra junto à reivindicante crítica e ao público. Mostra um painel disjuntivo e esquizofrênico, onde uma diversidade neobarroca de ingredientes e estratégias literárias, típicos também do pós-modernismo, projeta-se aos olhos do espectador/consumidor a fim de problematizar e fazer descrer da performativa hiper-realidade que motiva semiótica e ideologicamente o contexto atual. Apresenta o realismo mágico como uma saída para desconstruir e pôr em xeque a contemporaneidade internacional e latino-americana na qual, por imperar o vazio, a realidade vigente reclama suas faces racional e mágica, de forma contraditoriamente não manifesta, por meio de outras dimensões lingüísticas. Palavras-chave: Moacyr Scliar, pós-modernismo, realismo mágico, absurdo, humor. 7 Abstract This research focuses on the contemporary work of Moacyr Scliar (1937), which exhibits a true fictitious cosmos of subjects, approached in the writer¶s peculiar way, printing the absurd and the comic in his narrative. It intends also to focuse his work reception because of the claiming critics and the public. It presents a disjoint and esquizofrenic panel, where a neobaroque diversity of ingredients and literary strategies typical also of the post-modernism, projects in the eyes of the spectator/consumer in order to problematize and make disbelieving in the performing hiper-reality that motivates semiotic and ideologically the present context. It shows the magic realism as a way to desconstruct and put in check the international and Latinamerican contemporanity in which for predominating the emptiness, the effective reality demands its rational and magic faces, in a contradictory not manifest way, through other linguistic dimensions. Key words: Moacyr Scliar, post-modernism, magic realism, absurd, humour. 8 Sumário Introdução 10 1 Moacyr Scliar 23 1.1 O autor 23 1.2 A temática 27 1.2.1 O judaísmo 27 1.2.1.1 A ficção e a história 31 1.2.1.2 A política 33 1.2.1.3 A revalorização da cultura 36 1.2.1.4 O cotidiano 39 1.2.1.5 Os cristãos-novos 42 1.2.1.6 A busca da identidade 44 1.2.1.7 A Porto Alegre 45 1.2.1.8 O bíblico 48 1.2.1.9 O mitológico 53 1.2.1.10 O lendário 56 1.2 1.11 A infância 57 1.2.1.12 O olho 62 1.2.1.13 A medicina e a literatura 63 1.2.1.14 A psicanálise e a ficção 67 1.3 A obra 71 1.4 O processo de criação 84 1.5 A crítica 110 2 A condição pós-moderna em A estranha nação de Rafael Mendes 115 2.1 Fragmentos/sintagmas justapostos 119 2.1.1 A metaficção 119 2.1.2 A metaficção historiográfica 125 2.1.3 A morte do sujeito 132 2.1.4 A realidade como representação: espetáculo, simulacro e pastiche 135 9 2.1.4.1 O espetáculo 135 2.1.4.2 O simulacro 138 2.1.4.3 O pastiche 142 2.1.5 O kitsch 148 2.1.6 A exaustão 155 2.1.7 A esquizofrenia 161 2.2 Implicações do tempo da ficção no tempo da história 166 2.2.1 Para começar 166 2.2.2 Para prosseguir 168 2.2.2.1 A síntese da história 168 2.2.2.2 O narrador 170 2.2.2.3 A cronologia narrativa 171 2.2.3 Para tentar fechar 183 2.3 Os ideais/sonhos sonhosideais dos Mendes 185 2.3.1 E os sonhos acontecem... 185 2.3.2 ...e os sonhos têm uma análise... 186 2.3.3 ...e os sonhos param de sonhar. 195 3 O realismo mágico em Sonhos tropicais 197 3.1 A imprecisão terminológica 197 3.2 A caminho da precisão 199 3.3 A precisão do termo 226 Conclusão 234 Referências 258 10 Introdução As idéias da modernidade, para críticos como Chiampi (1991), vistas sob o “ajuste do contas” de um grupo de beligerantes auto-intitulado pós-moderno, em 1960, mostram-se, hoje, como um programa falido pela utopia de seu elitismo e autoritarismo, enquanto a arte que expressa tais idéias está com seu poder de inovação — ruptura, experimentação e transgressão — esgotado. Por outro lado, os defensores da modernidade reconhecem sua crise de identidade, mas uma crise que não implica extinção de seus princípios, e sim a retomada da razão crítica dentro da atual sociedade pós-industrial do capitalismo avançado, a fim de impulsionar o utopismo iluminista e completar o projeto inacabado da modernidade. A obra do escritor e médico Moacyr Scliar, iniciada oficialmente em 1962, com o romance Histórias de médico em formação (1962), à medida que questiona intensamente os fundamentos da arte modernista e traduz certa descrença nos metarrelatos, bem como nos valores prezados pela modernidade (LYOTARD, 1993), traz inegáveis marcas da pós-modernidade, podendo ser tomada como exemplo de uma nova contextualização e uma nova ótica dada ao movimento ocidental de renovação artística surgido no período entre-guerras e canonizado como modernismo. Na perspectiva adotada por Lyotard, a pós-modernidade resulta da desconfiança em relação a toda forma de conhecimento apoiada nos metadiscursos e da sua dependência dos mecanismos de fomento da pesquisa, ou seja, o saber transforma-se em mais um produto de consumo, valendo pelo seu “valor de uso” e deixando de “ser para si mesmo seu próprio fim” (p. 5). Ao se problematizar as contradições da contemporaneidade, a linha pós-moderna apostata a religião do século XX, isto é, a ciência e tudo que a implica como razão, sujeito, totalidade, verdade, progresso (LYOTARD, 1993). Em conseqüência, a crença na ciência como forma de progresso fica rasurada e ganha fôlego a relatividade semiótica. Fala-se sobre outras falas; uma linguagem o máximo que consegue é dialogar com outras linguagens; os fatos estão presos a imagens, clichês e simulacros, e a forma de se chegar a eles é impossível a não ser pela conveniência da linguagem inerentemente não neutra e não referencial; os limiares entre realidade e ficção, centro e 11 fora, autor e narrador, literatura e história estão para sempre confundidos. E, dessa forma, a verdade se converte em uma questão de ordem do dia; a história não pretende ser total, mas apenas se desenvolver a partir de micro-histórias, narradas não necessariamente por “narradores” oficiais; o cosmos se torna a pluralidade caótica de cacos, porém muito bem juntados de acordo com a ótica e a ênfase que se quer dar a eles. Na relativização lingüística e na mistura de fronteiras, pode-se dizer que reside a proposta pós-moderna incrédula e democrática, cujo planejamento pretende conhecer as formas de representação e seus discursos manipuladores e homogeneizadores para dar conta de atingir e conviver com as diferenças dos setores mais minoritários e marginalizados da sociedade. Para tanto, não se promove o privilégio de nenhum grupo social sobre o outro, nem ainda o de uma corrente estética sobre a outra, mas acolhe todos e todas criticamente, sem contudo implicar a devoção ao capitalismo tardio (JAMESON, 1997) como novo estilo de época, nem tampouco à irracionalidade acrítica à nova fase desse sistema político. Antes se viabiliza o convívio com o outro e com sua diferença, aliás o que garante uma democracia social em sentido lato, uma vez que, para Deleuze-Guattari, o esquizofrênico ideal é “aquele sujeito psíquico que ‘percebe’ somente através da diferença e da diferenciação, se isso for concebível” (p. 346). Este trabalho não pretende passar o receituário de uma nova forma totalizante de engajamento e emancipação artística, mas, apesar dessa sua não pretensão descabida, poder-se-á notar sua contribuição para atualizar e antenar a sensibilidade para os aspectos reveladores e críticos da arte, em relação à realidade circundante, subjugada ao domínio dos meios de comunicação que transformaram o real em signo e imagem em nome da informação, a partir das ponderações de Jameson (1997), Lyotard (1979) e Baudrillard (1981).