SALVAGUARDA DE CAVANILLESII A. BARRA & G. LÓPEZ COMO MEDIDA DE MINIMIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE ALQUEVA

Relatório Final (Volume I)

Junho 2004

Equipa responsável: Isabel Marques David Draper Eva Salvado Sílvia Albano María José Albert José María Iriondo

Coordenação: Antònia Rosselló Graell

Co-financiado pelo

FEDER Projecto promovido pela EDIA, S.A. e co- financiado pela EDIA, S. A. e pelo FEDER

Jardim Botânico - Museu Nacional de História Natural Universidade de Lisboa (JB-MNHN/UL)

Sugere-se a seguinte citação: Marques, I., Draper, D., Salvado, E., Albano, S., Albert, M. J., Iriondo, J. M. & Rosselló- Graell, A. (2004). Salvaguarda de A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem de Alqueva. Relatório Final. Jardim Botânico – Museu Nacional de História Natural. Universidade de Lisboa. 214 p. Lisboa.

Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 ÍNDICE

1 PRÓLOGO 5

2 INTRODUÇÃO 7

2.1 O GÉNERO NARCISSUS L. 10 2.1.1 Origem fitogeográfica 10 2.1.2 Importância económica do género 11 2.2 DESCRIÇÃO DE NARCISSUS CAVANILLESII A. BARRA & G. LÓPEZ 11 2.2.1 Introdução nomenclatural 11 2.2.2 Morfologia 12 2.2.3 Habitat e ecologia 12 2.2.4 Distribuição e fitogeografia 13 2.3 SITUAÇÃO EM PORTUGAL E ESTATUTO DE AMEAÇA ANTES DO PROJECTO (2001) 14 2.4 ENQUADRAMENTO E OBJECTIVOS DO PROJECTO 16

3 INFORMAÇÃO BASE 17

3.1 CARACTERIZAÇÃO ECOLÓGICA 18 3.1.1 Caracterização das populações 18 3.1.1.1 Metodologia 21 3.1.1.2 Resultados e discussão 23 3.1.2 Caracterização climática 28 3.1.2.1 Metodologia 28 3.1.2.2 Resultados e discussão 28 3.1.3 Aspectos pormenorizados das populações portuguesas 30 3.1.3.1 População da Ajuda 30 3.1.3.2 População de Montes Juntos 35 3.2 CENSO E CARTOGRAFIA 40 3.2.1 Metodologia 40 3.2.2 Resultados e discussão 43 3.3 CARACTERIZAÇÃO GENÉTICA DE N. CAVANILLESII 49 3.3.1 Metodologia 50 3.3.1.1 Random Amplified Polymorphic DNA (RAPD) 50 3.3.1.2 Inter-Simple Sequence Repeat (ISSR) 51 3.3.1.3 Análise da diversidade genética 52 3.3.2 Resultados e Discussão 53 3.4 FENOLOGIA 62 3.4.1 Metodologia 62 3.4.2 Resultados 65 3.4.2.1 Fenologia da floração e da frutificação 67 3.4.3 Discussão 70 3.5 BANCO DE SEMENTES DO SOLO 72 3.5.1 Metodologia 72 3.5.2 Resultados e discussão 73 3.6 BIOLOGIA REPRODUTIVA 75

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Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 3.6.1 Biologia Floral 76 3.6.1.1 Metodologia 76 3.6.1.2 Resultados 77 3.6.1.3 Discussão 78 3.6.2 Sistema de cruzamento 79 3.6.2.1 Metodologia 80 3.6.2.2 Resultados 83 3.6.2.3 Discussão 85 3.6.3 Ensaios de Germinação 86 3.6.3.1 Metodologia 86 3.6.3.2 Resultados 87 3.6.3.3 Discussão 89 3.6.4 Sucesso reprodutivo de N. cavanillesii 89 3.6.4.1 Metodologia 89 3.6.4.2 Resultados 90 3.6.4.3 Discussão 91 3.7 INTERACÇÕES PLANTA-INSECTO 92 3.7.1 Vectores de Polinização 92 3.7.1.1 Metodologia 94 3.7.1.2 Resultados 95 3.7.1.3 Discussão 102 3.7.2 Agentes de predação/dispersão de sementes: formigas 104 3.7.2.1 Metodologia 104 3.7.2.2 Resultados 105 3.7.2.3 Discussão 107 3.7.3 Insectos com acção herbívora 109 3.7.3.1 Metodologia 109 3.7.3.2 Resultados 110 3.7.3.3 Discussão 113 3.8 O HÍBRIDO N. X PEREZLARAE FONT QUER 114 3.8.1 Experiências de hibridação artificial 115 3.8.2 Dados autoecológicos 117 3.8.3 Monitorização dos híbridos 120 3.8.4 Consequências ecológicas e evolutivas 121

4 TRANSLOCAÇÃO 123

4.1 TRANSLOCAÇÃO PROVISÓRIA 124 4.1.1 Metodologia 125 4.2 TRANSLOCAÇÃO DEFINITIVA 127 4.2.1 Selecção do local definitivo 127 4.2.1.1 Modelização da adequabilidade ecológica de N. cavanillesii 128 4.2.2 O processo de translocação 133 4.3 AVALIAÇÃO BIOLÓGICA DO MODELO 136 4.3.1 Germinação in situ 136

5 MONITORIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS ACÇÕES 143

5.1 QUANTIFICAÇÃO DOS INDIVÍDUOS REPRODUTORES 144 5.2 DEMOGRAFIA 148 pág. 2 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 5.2.1 Metodologia 148 5.2.1.1 Tamanho populacional 148 5.2.1.2 Estrutura populacional 149 5.2.1.3 Modelos matriciais lineares 150 5.2.1.4 Obtenção de dados 150 5.2.2 Resultados e Discussão 152 5.2.2.1 Tamanho populacional 153 5.2.2.2 Estrutura populacional 153 5.2.2.3 Modelos matriciais lineares 155 5.3 SUCESSO REPRODUTIVO: TAXA DE FORMAÇÃO DE SEMENTES 156

6 PROTOCOLOS DE EMERGÊNCIA 159

6.1 ACÇÕES DE CONSERVAÇÃO EX SITU 160 6.1.1 Banco de Germoplasma 160 6.1.2 Cultura in vitro 162 6.1.3 Protocolo para a Micropropagação de N. cavanillesii 165

7 NOVA AMEAÇA PARA N. CAVANILLESII EM PORTUGAL: OBRAS NA PONTE DA AJUDA 167

8 ACÇÕES DIRIGIDAS À DESCIDA DO ESTATUTO DE AMEAÇA DE N. CAVANILLESII 173

8.1 INTRODUÇÃO EXPERIMENTAL DE NOVOS NÚCLEOS 174

9 CONCLUSÕES 177

9.1 SITUAÇÃO DE N. CAVANILLESII NO FINAL DO PROJECTO (2004) 178

10 RECURSOS HUMANOS E DIVULGAÇÃO 187

11 ACÇÕES FUTURAS 197

12 AGRADECIMENTOS 201

13 BIBLIOGRAFIA 203

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pág. 4 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 1 PRÓLOGO

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Nas últimas décadas, tanto a comunidade científica como a sociedade em geral tem tomado consciência da importância patrimonial da biodiversidade. O acréscimo alarmante do risco de extinção de plantas e animais devido, nomeadamente, ao desaparecimento, fragmentação e degradação dos ecossistemas tem promovido o desenvolvimento de acções com o objectivo de conservar o património natural. No entanto, o conhecimento preciso da biologia das espécies vegetais é muitas vezes escasso. Embora haja países com uma longa experiência em conservação e restauração, na área Mediterrânea é ainda escassa a informação sobre a resposta das espécies a este género de acções.

Por outro lado, a conservação em termos práticos não é vista muitas vezes como uma ciência moderna. É importante proteger… mas à distância! Medidas de conservação mais activas facilmente são alvo de críticas e consequentemente não existem documentos que avaliem os aspectos negativos e positivos das acções promovidas. Obviamente, que não se trata de proteger por si mesmo, pois qualquer destas acções deveria ter como base vários estudos prévios. Mas possivelmente, ao falarmos tantas vezes da perda de biodiversidade, devemos ter consciência que chegou a altura de agir se queremos proteger este património natural.

Neste âmbito, o projecto de “Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem de Alqueva” surge da necessidade de conservação desta espécie perante a construção da referida obra. Durante a definição do desenho experimental tornou-se primordial encontrar uma solução que permitisse a salvaguarda da população de Montes Juntos. A translocação desta população tornou-se numa operação de resgate (sem precedentes na Península Ibérica), essencial para a conservação desta espécie em Portugal. No entanto, tornou-se claro que para maximizar o sucesso desta acção seriam necessários diversos estudos base. Estes estudos permitiriam conhecer o comportamento da espécie, não só o que se referia directamente ao seu desenvolvimento, mas também serviriam para compreender as interacções existentes entre esta espécie e o meio envolvente. Paralelamente, os resultados provenientes destes estudos funcionariam como um meio de avaliação das acções efectuadas permitindo estimar o seu êxito.

Assim, descrevem-se os estudos efectuados e os resultados obtidos no âmbito da salvaguarda de N. cavanillesii em Portugal. Embora os principais objectivos deste projecto fossem referentes à minimização dos impactes provocados pela barragem de Alqueva torna-se importante salientar o escasso conhecimento que existia há 4 anos atrás sobre a biologia desta espécie. Neste sentido, é actualmente possível definir o comportamento de N. cavanillesii sabendo como se reproduz, como reage com outras espécies vegetais ou mesmo como interage com outros grupos biológicos sejam polinizadores, dispersores, predadores ou herbívoros. Desta forma, foi possível definir as etapas mais críticas do ciclo vital desta espécie contribuindo para uma gestão efectiva de Narcissus cavanillesii e para a sobrevivência desta espécie em Portugal.

pág. 6 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 2 INTRODUÇÃO

“Creative solutions to future mitigation negotiations are needed to overcome the social, legal, and political biases that perpetuate the treatment of endangered as second-class citizens.” K. S. Berg

pág. 7 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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A conservação é um tema actual, frequentemente utilizado em meios de comunicação e geralmente utilizado de forma incorrecta como sinónimo de Biodiversidade ou de Ecologia. Trata-se dum conceito formado maioritariamente pelas sociedades modernas em consequência do seu desenvolvimento. Assim, o objectivo principal da biologia da conservação é o de evitar ou limitar a prematura extinção de espécies (Primack, 1996). É importante salientar que a extinção pode ser um fenómeno natural já que se estima que 99.9% das espécies que habitaram a Terra já foram extintas (Garcia, 2002). De facto, qualquer espécie actual existe graças a uma evolução biológica, durante a qual houve a formação de novas espécies e o desaparecimento das menos aptas. Contudo, a perda de espécies no último século ocorreu a uma velocidade superior aos séculos anteriores (Pimm et al., 1995), de forma que se estima que 25% das espécies de plantas vasculares que existem actualmente podem desaparecer nos próximos 20 anos (Given, 1994).

A crescente preocupação pela conservação da biodiversidade tem-se reflectido na grande quantidade de linhas de acção conduzidas em muitos países. Embora o Mediterrâneo seja uma das zonas com maior biodiversidade (figura 1) apresenta escassos resultados sobre a dinâmica populacional e a resposta das próprias espécies a determinado tipo de alterações. Devido à contínua perda, fragmentação e degradação dos ecossistemas e populações, as acções de reintrodução e de restauração têm-se convertido em importantes ferramentas para a conservação das espécies endémicas, raras e ameaçadas. No entanto, é necessário planear cuidadosamente estas acções para garantir a sua máxima eficiência e minimizar a interferência com outros valores existentes nos locais onde se actua.

Figura 1. Centros de biodiversidade “hotspot” (% vegetação remanescente; % área protegida; nº espécies de plantas com valor regional).

1. Tropical Andes (25; 25; 20000) 2. Mesoamerica (20; 60; 5000) 3. Caribbean (11; 100; 7000) 4. Brazil's Atlantic Forest (7.5; 36; 8000) 5. Choc/ Darien/ Western Ecuador (24; 26; 2250) 6. Brazil's Cerrado (20; 6; 4400) 7. Central Chile (30; 10; 1605) 8. California Floristic Province (25; 39; 2125) 9. Madagascar (10; 20; 9704) 10. Eastern Arc & Coastal Forests of Tanzania/Kenya (7; 100; 1500)

11. West African Forests (10; 16; 2250) 19. Indo-Burma (5; 100; 7000) 12. Cape Floristic Province (24; 78; 5682) 20. South-Central China (8; 26; 3500) 13. Succulent Karoo (27; 8; 1940) 21. Western Ghats/ Sri Lanka (7; 100; 2180) 14. Mediterranean Basin (5; 38; 13000) 22. SW Australia (11; 100; 4331) 15. Caucasus (10; 28; 1600) 23. New Caledonia (28; 10; 2551) 16. Sundaland (8; 72; 15000) 24. New Zealand (22; 88; 1865) 17. Wallacea (15; 39; 1500) 25. Polynesia/ Micronesia (22; 49; 3334) 18. Philippines (3; 43; 5832) Totais: (12; 38; 133149)

Diversas são as acções que se englobam na biologia da conservação assim como os conceitos que lhe estão associados. pág. 8 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Assim, o termo Mitigação (“Mitigation”) abrange uma grande variedade de acções destinadas a evitar, reduzir ou compensar os impactos negativos do desenvolvimento (Berg, 1996). Reforço (“Re-inforcement”) refere-se à adição de indivíduos a uma população já existente da mesma espécie (IUCN, 1995), com a finalidade de aumentar a estabilidade essa população. Resgate (“Rescue”) consiste em salvar os indivíduos de uma população da destruição, deslocando-a para outro lugar. O resgate é considerado um caso particular de Translocação (“Translocation”), acção que define a deslocação de plantas de uma localidade para outra (Fiedler & Laven, 1996). Uma Reintrodução (“Re-introduction”) é uma tentativa de estabelecer uma espécie numa área que já fez parte da sua distribuição histórica, mas onde se extinguiu ou dela foi extirpada (IUCN, 1995). Em muitos casos, não é possível devolver os indivíduos ao seu local de origem por exemplo, porque este desapareceu ou foi profundamente alterado, já não sendo apropriado para a existência da espécie. Nestas situações, selecciona-se um ou vários sítios de características adequadas, geralmente o mais semelhante possível ao sítio original, para a reintrodução. A Reintrodução de uma espécie é um caso específico de Restauração (“Restoration”). A recuperação completa de uma combinação de espécies de plantas e animais poucas vezes tem sido tentada. No entanto, a restauração de uma única espécie de planta ou animal é realizada cada vez mais com maior frequência em todo o mundo (IUCN, 1995).

Um conhecimento básico da biologia da espécie (“Baseline information”) é fundamental na realização de qualquer acção relativa à biologia da conservação. Para este fim são precisos estudos prévios sobre biologia reprodutiva, interacções planta-animal e planta- planta, dinâmica populacional (demografia) e caracterização genética da espécie. Uma das críticas mais frequentes de que são objecto os planos de recuperação é a de que estes são executados sem se ter uma informação básica sobre a espécie (Howald, 1996).

A ciência pode e deve contribuir para a conservação da biodiversidade, sem decidir o que existe para proteger e como fazê-lo, mas sim proporcionando informação rigorosa que sirva de base para dirigir as acções de gestão. O número de problemas e metodologias que ocorrem quando se trata de conservar uma espécie, deve ser provavelmente tão elevado quanto o número de espécies que estão a ser protegidas. Embora existam problemas gerais, resultado de acções comuns que provêm da deterioração ou transformação do meio ambiente, também é certo que cada espécie tende a reagir de forma particular. Assim, não existe um compêndio de métodos ou materiais específicos para cada estudo. Cada caso é único e provavelmente requer uma metodologia única que vai sendo desenvolvida dia após dia. Por isso, apenas um estudo particular, específico a cada espécie, com abundante informação de campo e uma criatividade capaz de ultrapassar os problemas que surgem quando se trabalha em condições naturais é capaz de assegurar o maior êxito possível para a conservação de uma espécie.

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2.1 O GÉNERO NARCISSUS L.

Os Narcissus L. são geófitos estacionais pertencentes à família das , Classe Liliopsida (Cronquist, 1981). O bolbo apresenta várias túnicas sendo as externas escuras, raramente esbranquiçadas com dimensões e formatos variáveis, consoante a espécie. Na parte inferior do bolbo inserem-se várias raízes finas, não ramificadas. Superiormente emergem as folhas que podem ser estreitas ou largas, cilíndricas ou planas, rígidas ou flexíveis e com a margem lisa ou serrilhada de acordo com a espécie. Na altura da floração, emerge da parte média do bolbo, um caule (haste floral, pedúnculo floral ou escapo) oco ou maciço, cilíndrico ou plano, com duas linhas longitudinais salientes e opostas. Este pedúnculo possui superiormente uma única folha membrano-escariosa (espata ou bráctea) formando um invólucro que encerra as flores durante o seu desenvolvimento. Nos últimos estados da sua formação, as flores saiem desse invólucro e abrem. A flor possui um ovário ínfero, globoso-trigonal, trilocular, com vários óvulos em cada lóculo. Sobre o ovário insere-se uma peça tubulosa (tubo do perianto), em geral bem desenvolvida, raras vezes curta ou sub-nula, cilíndrica ou trigonal. Na extremidade desta peça inserem-se seis tépalas brancas, amarelas ou verdes, de forma variada, colocadas horizontalmente (tépalas patentes), reviradas sobre o tubo (tépalas reflexas) ou formando um ângulo sobre a coroa (tépalas ascendentes). A coroa pode ter a forma de um tubo comprido, de um cálice ou de um anel pouco saliente e a margem pode ser inteira, lobada, denticulada ou fimbriada. O androceu é constituído por seis estames inseridos na base do tubo, na sua parte média ou próximo da abertura. Os filetes podem ser direitos ou curvos e as anteras são oblongas ou lineares, bilobadas, inserindo-se na extremidade do filete, pela parte média do dorso (anteras dorsifixas) ou quase pela base (anteras sub-basifixas). O estilete é cilíndrico, de comprimento variável terminando num estigma trilobado. A cápsula é ovóide ou globoso- trigonal e abre por três valvas. As sementes são subglobosas ou angulosas e com exoscarpo negro (Fernandes, 1936; 1951; 1967).

2.1.1 ORIGEM FITOGEOGRÁFICA

O género Narcissus é considerado originário da região mediterrânea. O centro de origem e dispersão deste género terá sido a região constituída pelo sudeste de Espanha e a região ocidental do Mediterrâneo, que corresponde actualmente ao estreito de Gibraltar (Fernandes, 1943). Os estudos paleogeográficos demonstram que no Pleistocénico, o Mediterrâneo estaria provavelmente dividido em dois mares interiores, pela existência de dois estreitos entre a Europa e o Norte de África. Um desses estreitos (Gibraltar) teria sido o centro de dispersão deste género, enquanto o outro daria origem à Itália, Sicília, Malta e Norte da Tunísia, assim como a outros territórios actualmente submersos. Com base na sua distribuição, considera-se que a espécie ancestral do género deverá ter surgido no começo do Quartenário (Fernandes, 1951).

Do ponto de vista morfológico, esta forma ancestral seria uma pequena planta bulbosa existente nas fissuras rochosas, com folhas estreitas e flores pequenas, amarelas, não odoríferas, com o tubo do perianto relativamente largo, uma coroa rudimentar e estames livres, à mesma altura (Fernandes & Fernandes, 1946; Fernandes, 1951). Após ter povoado as montanhas das regiões espanhola e marroquina, esta forma ancestral terá colonizado outro tipo de habitats, desaparecendo e originando as espécies actualmente consideradas pág. 10 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 (Fernandes, 1969). Embora não haja um verdadeiro consenso no que se refere ao número de espécies pertencentes a este género, a maioria dos autores refere 35 a 70 espécies de Narcissus, distribuídas por dois subgéneros e 10 secções (Fernandes, 1951, 1967, 1975; Blanchard, 1990; Barrett et al., 1996; Dobson et al., 1997).

2.1.2 IMPORTÂNCIA ECONÓMICA DO GÉNERO

O género Narcissus regista a maior diversidade no sudoeste da Península Ibérica e noroeste de Marrocos (Fernandes, 1951; Dobson et al., 1997; Arroyo & Barrett, 2000). Pelas suas características ornamentais e elevado valor económico, este é um dos géneros mais comercializados mundialmente (Oldfield, 1990; Barrett et al., 1996). O recurso às populações no seu habitat natural e a procura por coleccionadores que tentam possuir as espécies mais raras ou endémicas de determinada região tem originado uma crescente preocupação por parte das entidades ligadas à conservação da Natureza.

Embora haja um comércio de bolbos de origem silvestre é difícil quantificar os volumes comercializados mundialmente. Num relatório promovido pelo WCMC (World Conservation Monitoring Center) e pelo WWF-US (World Wildlife Fund-United States), publicado em 1989 e referente ao comércio internacional de bolbos, estima-se que são colhidos cerca de 40 milhões de bolbos, por ano (Oldfield, 1990). Neste documento, Portugal surge como a maior fonte de bolbos de Narcissus, seguido de Marrocos e Turquia (Oldfield, 1990).

Apesar do comércio de bolbos de origem silvestre ser actualmente reduzido em relação ao mercado global, em determinadas espécies esta colheita permanece muito significativa. Até que medidas efectivas de controlo e gestão sejam asseguradas o comércio de bolbos silvestres deve ser visto com alguma preocupação.

2.2 DESCRIÇÃO DE NARCISSUS CAVANILLESII A. BARRA & G. LÓPEZ

2.2.1 INTRODUÇÃO NOMENCLATURAL

N. cavanillesii é um bom exemplo da complexidade taxonómica e nomenclatural que existe no género Narcissus. Cavanilles (1794) foi o primeiro a descrever esta espécie com base em material proveniente de Sevilha classificando-o como um Pancratium. A diagnose efectuada e o seu ícone permitiram a sua posterior reclassificação nomenclatural. A presença dum pequeno tubo floral e o facto de apresentar uma coroa pouco aparente motivou várias discussões e as suas diversas reclassificações. Assim, a espécie actualmente designada por N. cavanillesii A. Barra & G. López já foi conhecida por mais nove designações e incluída em sete géneros diferentes: Pancratium humile Cav., Icon. Descr. 3: 4, tab. 207, fig.2. 1794. Amaryllis exigua Schousboe, Vextr. Marok.: 160, 1800. Tapeinanthus humile (Cav.) Herb., Amaryll.: 190, 414.1837. Braxireon humile (Cav.) Rafin., Fl. Tellur. 4: 23. 1838. Carregnoa lutea Boiss., Voyage Esp. 2: 605. 1842.

pág. 11 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Carregnoa humilis (Cav.) J. Gay, Bull. Soc. Bot. France 6: 88. 1859. Gymnoterpe humile Salisb., Gen. Pl. Fragm.: 108.1866. gracilis Baker in Ball, Spicil. Maroc.: 678. 1878. Narcissus humilis (Cav.) Traub, Life 25: 46. 1969

O facto da mais recente flora portuguesa (Franco & Rocha Afonso, 1994) não incluir esta espécie deve-se provavelmente a um esquecimento, dado que anteriormente Malato-Beliz (1977) já tinha citado esta espécie para Portugal (Ajuda).

2.2.2 MORFOLOGIA

Geófito bolboso. Bolbos de 8-16 (-20) mm por 7-12 (-15) mm (Valdés et al., 1987) com a túnica prolongando-se sobre o escapo. Escapo delgado com 4-18 cm. Folhas de 20 cm de comprimento por 1 mm de largura, cilíndricas (Valdés et al., 1987). Espata com 12-22 mm (Valdés et al., 1987), escariosa e com as margens soldadas. Pedicelos com 6-25 mm, mais curtos que a espata. Flores actinomórficas, amarelas, erguidas e geralmente solitárias (Valdés et al., 1987). Tubo do perianto estreito, com 0.9-3 (-3.8) mm de comprimento (Valdés et al., 1987). Tépalas com (10-) 12-14 por (1.5-) 2.5-4 (-5) mm oblongas ou oblongas-elípticas, obtusas (Valdés et al., 1987). Coroa concolor, inconspícua com 0.5-1 (- 1.6) mm (Valdés & Müller-Doblies, 1984; Valdés et al., 1987) formando uma lâmina continua ou mais raramente 12-lobada (Valdés et al., 1987). Seis estames mais curtos que as tépalas e dispostos quase à mesma altura. Anteras com 2.5-3.5 mm (Valdés et al., 1987). Deiscência longitudinal. Conectivo amarelo, da mesma cor da exina. Nectários situados na base dos estames inferiores. Ovário ínfero tricarpelar soldado com um único estilete. Cápsulas com (4-) 6-9 mm, oblongas (Valdés et al., 1987) dispersando as sementes por deiscência longitudinal. 2n= 28. Floresce e frutifica de Setembro a Novembro (Valdés et al., 1987).

2.2.3 HABITAT E ECOLOGIA

N. cavanillesii é uma espécie de floração outonal que apresenta síndromes de entomófila (Vogel, 1983; Harbone, 1993), sendo frequente em prados de terófitos, em solos arenosos ou argilosos, e em clareiras de matos constituídas essencialmente por Ulex spp. e Cistus spp. (Perez Lara, 1882; Devesa, 1995). Encontra-se presente em altitudes variáveis, desde a Serra de Grazalema até às areias de Algeciras. Em Portugal, as duas localidades encontram-se em solos ácidos, do tipo aluvial correspondente ao leito de cheia do Guadiana (Malato-Beliz, 1977).

Durante a época de floração é comum a presença de outros geófitos como por exemplo, Scilla autumnalis L., Leucojum autumnale L., Urginea marítima (L.) Baker, Crocus serotinus Salisb., Merendera autumnalis (L.) Lange, Arisarum vulgare Targ. Toz e N. serotinus L. A poliploidia pode originar condições fisiológicas susceptíveis de alterar o ciclo de floração das plantas, permitindo a conversão de uma planta de floração primaveril em outra de floração outonal. O facto de todas as espécies de floração outonal pertencentes a este género serem poliploides (N. viridiflorus Schousboe -tetraplóide-, N. elegans Spach - hipertriplóide-, N. cavanillesii -tetraplóide-, N. serotinus -hipertetraplóide-) confirma esta hipótese (Fernandes & Fernandes, 1946). pág. 12 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Durante o resto do ano são comuns outras plantas como Hypochoeris glabra L., Diplotaxis catholica (L.) DC., Rumex bucephalophorus L., Stachys arvensis (L.) L. Poa bulbosa L., Avena barbata Pott ex Link, Calendula arvensis L., Echium plantagineum L., Verbascum sinuatum L., Erodium moschatum (L.) L’Hérit, Senecio vulgaris L. ou Eyngium campestre L. Este tipo de vegetação é típica dos bosques de Quercus faginea Lam., em solos ácidos e representam geralmente zonas típicas de pastagem. A presença de plantas nitrófilas como Verbascum sinuatum L. ou Erodium moschatum (L.) L’Hérit indicam a presença elevada de pisoteio e pastagem nesta área (Malato-Beliz, 1977).

2.2.4 DISTRIBUIÇÃO E FITOGEOGRAFIA

N. cavanillesii é um geófito endémico do Sul da Península Ibérica e Norte de África, Argélia e Marrocos (Fernandes & Fernandes, 1945; Malato-Beliz, 1977; Valdés et al., 1987). Apresenta uma distribuição muito pontual na Península Ibérica com escassas populações e apresentando núcleos muito fragmentados (figura 2).

Figura 2. Distribuição de Narcissus cavanillesii na Península Ibérica. Base corológica obtida a partir de diversas fontes. O seu centro de origem terá sido o Estreito de Gibraltar a partir do qual a espécie ancestral com 14 cromossomas somáticos terá colonizado a zona litoral do Sul de Espanha. Nesta região, a espécie ancestral terá dado origem a N. gaditanus que colonizou as áreas a oeste e por duplicação cromossómica originou N. cavanillesii que colonizou as áreas a oeste da Península e o Norte de África. Durante a colonização do Sul de Espanha, N. cavanillesii atingiu o Vale do Guadiana onde deu origem às actuais populações (Fernandes & Fernandes, 1946). Embora N. cavanillesii possua uma morfologia possivelmente semelhante à espécie ancestral não deve ser considerado como uma espécie primitiva já que se trata dum tetraploide com um número básico de cromossomas de sete (Fernandes & Fernandes, 1946).

pág. 13 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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2.3 SITUAÇÃO EM PORTUGAL E ESTATUTO DE AMEAÇA ANTES DO PROJECTO (2001)

Em Portugal, a localidade clássica de N. cavanillesii encontra-se situada na Ponte da Ajuda (Elvas) estando referida nos herbários COI (s.n.), LISI (s.n.) e MA (216611) e tendo sido citada por Malato-Beliz (1977). Como resultado do trabalho de campo efectuado para o Segundo Relatório Parcial de Progresso do Projecto PMo 1.1. Monitorização de Plantas Prioritárias realizado pela equipe do MNHN-Jardim Botânico da Universidade de Lisboa foi descoberta a segunda localidade desta espécie em Portugal situada, cerca de 30 km mais a Sul, perto da aldeia de Montes Juntos (Alandroal). Nesta nova localidade a população foi inicialmente considerada como mais numerosa, estimando-se ca. 400 indivíduos, em relação à localidade clássica onde eram estimados ca. 200 indivíduos pois apenas se conheciam os núcleos situados ao redor das ruínas da Ponte (figura 3).

Distribuição de Narcissus cavanillesii na Península Ibérica e no Norte de África (modificado de Fernandes & Fernandes, 1945, segundo fontes diversas)

Figura 3. Localidades de Narcissus cavanillesii em Portugal. À esquerda a localidade clássica da Ponte da Ajuda e à direita a nova localidade situada cerca de Montes Juntos.

N. cavanillesii encontra-se incluído nos Anexos II e IV da Directiva Habitat 92/43/CEE. Esta Directiva Comunitária estipula que a conservação das espécies do Anexo II e requer a designação de zonas especiais para a sua conservação, enquanto o Anexo IV considera que as espécies exigem uma protecção rigorosa. De acordo com os critérios IUCN (2001), N. cavanillesii foi considerado, em Portugal, uma espécie Criticamente Ameaçada:

CR, B2ab(ii, iv) devido à sua extensão de ocorrência ser inferior a 100 km2, apresentar elevada fragmentação e ser esperado um declínio na sua área de ocupância e no número de populações (Rosselló-Graell, 2004).

De facto, a vulnerabilidade desta espécie em Portugal já era conhecida anteriormente, pois já existia um documento prévio do ICN no qual esta espécie era citada como em perigo de extinção em Portugal (ICN, 1990).

pág. 14 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 A única medida de conservação desta espécie foi a sua inclusão na Lista Nacional de Sítios Rede Natura 2000: Sítio Guadiana/Juromenha (Resolução do Conselho de Ministros nº142/97 de 28 de Agosto). Porém, continuavam presentes os impactes provenientes da construção da barragem de Alqueva. As duas localidades portuguesas de N. cavanillesii encontravam-se afectadas pelo futuro enchimento da albufeira da barragem de Alqueva, embora de maneira distinta.

A localidade mais afectada, e que ficaria totalmente submersa, seria a de Montes Juntos, pelo facto de estar situada a uma cota aproximada de 125 m, muito inferior à cota média esperada para a albufeira (147 m). A fragmentação em núcleos de dimensões variáveis e a sua proximidade a caminhos bastante fragmentados eram ameaças que já existiam nesta população (figura 4).

Figura 4. Detalhes dos núcleos de N. cavanillesii, donde se destaca a pequena dimensão de alguns núcleos, a presença de alguns indivíduos em fendas de xistos e a proximidade a caminhos.

A localidade da Ajuda representava um caso totalmente distinto pelo facto de estar a uma cota aproximada de 153-155 m. Esta população irá sofrer alterações no caso da água atingir a cota máxima prevista (152 m). Se esta situação se verificar, embora a população não fique submersa, existiria uma alteração do nível freático pela excessiva proximidade à albufeira o que poderia conduzir a uma maior pressão antrópica sob os indivíduos de N. cavanillesii.

O impacto que o enchimento da albufeira teria na população de Ajuda era (em 2000) imprevisível, o que tornava a sua monitorização absolutamente necessária. O facto de nada se saber sobre a biologia desta espécie tornava a probabilidade de qualquer previsão realista, ainda mais reduzida. Deste modo, pretendia-se obter informação de forma a conseguir detectar-se as alterações e intervir-se atempadamente e antes de se atingir a uma situação irreversível em N. cavanillesii.

pág. 15 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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2.4 ENQUADRAMENTO E OBJECTIVOS DO PROJECTO

O projecto apresentado considera, a priori, acções relativas ao Reforço, Resgate, e Reintrodução da espécie. Deste modo, para a salvaguarda de N. cavanillesii em Portugal, será realizado o Resgate da população de Montes Juntos, estando prevista a sua translocação provisória num local de refúgio. No entanto, a finalidade do projecto apresentado é a de “devolver” esta espécie à sua área de distribuição histórica e este objectivo será concretizado através da sua Reintrodução. A população da Ponte da Ajuda funcionará como um controlo biológico que permitirá avaliar o êxito das acções efectuadas e o comportamento da espécie. De acordo com os resultados obtidos ao longo do projecto estão previstas acções de Reforço populacional sempre que se verificar necessário.

Assim, considerando as ameaças presentes, o objectivo deste projecto é

EVITAR A EXTINÇÃO DE NARCISSUS CAVANILLESII EM PORTUGAL E GARANTIR A SOBREVIVÊNCIA DAS SUAS POPULAÇÕES. Para atingir este objectivo global foram definidos os seguintes estudos experimentais:

1. Caracterização ecológica 2. Censo e cartografia detalhada INFORMAÇÃO 3. Caracterização genética BASE 4. Estudos fenológicos 5. Biologia reprodutiva 6. Interacções planta-insecto 7. Avaliação do impacte da hibridação

8. Translocação da população de Montes Juntos para um local TRANSLOCAÇÃO provisório 9. Reintrodução da população removida na sua área de distribuição histórica

MONITORIZAÇÃO 10. Monitorização e avaliação das acções realizadas E AVALIAÇÃO

11. Colheita de germoplasma e reforçamento dos efectivos da

população da Ajuda e de Montes Juntos. PLANOS DE EMERGÊNCIA 12. Desenvolvimento de métodos com vista à conservação, multiplicação e cultivo da espécie

Como objectivo final e considerando as acções acima previstas, espera-se no final deste projecto diminuir o estatuto de ameaça desta espécie em Portugal, ou seja, N. cavanillesii deixará de ser considerada uma espécie Criticamente Ameaçada (CR) e passará para o estatuto de espécie Ameaçada (E), segundo os critérios da IUCN (2001). pág. 16 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 3 INFORMAÇÃO BASE

pág. 17 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.1 CARACTERIZAÇÃO ECOLÓGICA

De forma a perceber a amplitude ecológica (a capacidade de ocupar nichos diferentes) da espécie em estudo, considerou-se imprescindível conhecer outras populações deste taxon. É de relembrar que no território português só dispomos de dois locais, extremadamente localizados, e torna-se arriscado tirar conclusões relativas à ecologia da espécie só considerando esses locais. O objectivo secundário foi a obtenção de material vegetal da espécie em estudo, procedente de localidades diferentes, para posteriores estudos comparativos.

3.1.1 CARACTERIZAÇÃO DAS POPULAÇÕES

Em primeiro lugar foi necessário conhecer o número máximo de localidades conhecidas para esta espécie. Nesta fase foram consultados os herbários do Real Jardín Botánico de Madrid (MA) e o da Universidad de Estremadura (UNEX); como complemento a estas consultas foram procurados e estudados diversos trabalhos florísticos da zona. Adicionalmente, foi consultado pessoalmente o Sr. Alfredo Barra (Real Jardín Botánico de Madrid), um dos autores da combinação nomenclatural do taxon e que colocou à nossa disposição, toda a sua informação referente a N. cavanillesii e N. serotinus. Com a informação recolhida destas fontes foi elaborado um mapa de distribuição de N. cavanillesii (figura 2).

Com este mapa e pretendendo recolher sempre a maior diversidade ecológica da espécie, foi considerado o critério geográfico de efectuar colheitas, no mínimo, em todas as bacias hidrográficas em que a espécie estivesse presente. Considerando este critério foram sobrepostas as bacias hidrográficas (figura 5) utilizadas por Sánchez-Palomares et al., (1999) com as localidades conhecidas. Outro critério geográfico utilizado na selecção dos locais a visitar foi a utilização dos extremos da sua área de distribuição, para que esta fosse representada correctamente; igualmente, foram ponderadas as localidades mais setentrionais, meridionais, ocidentais e orientais.

Com base em toda esta informação nos dias 19 a 26 de Outubro do 2000 foram visitadas diversas localidades de N. cavanillesii em Espanha. Das localidades visitadas, oito delas tiveram resultados positivos, ou seja, foi encontrado N. cavallinesii (figura 6).

É relevante salientar que todos os locais prospectados representam a totalidade das bacias hidrográficas em que a planta está presente, com a excepção da sub-bacia do Sector Ocidental. (Sub-bacia S2) formada pelos rios:

Vélez, Arroyo de Benagalbón, Arroyo de Granadillos, Arroyo de Totalán, Guadalmedina, Guadalhorce, Fuengirola, Verde, Arroyo de Benavolá, Guadaiza, Guadalmina, Arroyo del Taraje, Guadalmansa, Velerín, Castor, Padrón, Manilva, Guadiaro, Guadarranque, Palmones, De la Miel, Pícaro e Guadalmesí.

pág. 18 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Figura 5. Sobreposição da corologia de N. cavanillessi com as bacias hidrográficas (Sanchez-Palomares et al. 1999). Os registos são apresentados em áreas de 10x10 km ou 1x1 km segundo a sua precisão cartográfica.

Figura 6. Localidades em que foi encontrado N. cavanillesii no Outono de 2000. pág. 19 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Paralelamente, foram prospectadas as localidades próximas a Badajoz (mais setentrional) mas o resultado não foi satisfatório. Foi também procurada no seu extremo ocidental, onde igualmente não foi encontrada. Pelo contrário, ficou bem representada a localidade mais meridional e a mais ocidental.

De forma a comparar os locais onde foi encontrada (tabela 1), com a área total da sua distribuição apresenta-se a figura 7. Tabela 1. Localidades visitadas de N. cavanillesii no Outono 2000. Concelho Código da UTM_1X1 localidade Valencia de las Torres Hs1 30STH4158 Arahal Hs2 30STG6623 Morón de la Frontera Hs3 30STG7908 Algodonales Hs4 30STG8984 Villaluenga del Rosario Hs5 30STF8863 Tarifa (Facinas) Hs6 30STF5602 Medina-Sidonia Hs7 29SQA6636 Aznalcazar Hs8 29SQB4823 Alandroal Montes Juntos 29SPC4663 Alandroal Montes Juntos 29SPC4664 Elvas Ponte Ajuda 29SPC5893

Adicionalmente, em cada um destes locais foi recolhido material vivo desta espécie, para ser utilizado posteriormente em diversos estudos necessários ao maior conhecimento da

Figura 7. Comparação dos locais onde foi encontrada a espécie (em azul) com a sua área de distribuição (em vermelho). pág. 20 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 espécie. O número de indivíduos colhidos por localidade nunca foi superior a 30, de forma a minimizar o impacto negativo que sempre supõe a colheita. Este material foi conservado directamente em vasos para evitar posteriores transplantes que poderiam vir a danificar as plantas.

3.1.1.1 Metodologia

Em cada local em que a planta foi encontrada, foi registada a informação seguindo o formulário utilizado no projecto “Programa de Monitorização do Património Natural (Área de regolfo de Alqueva + Pedrogão) PM1 Projectos e Acções de Monitorização da Vegetação/Flora PMo 1.1 Monitorização de Plantas Prioritárias” (Ballester-Hernández et al., 2000).

A informação considerada na caracterização dos pontos de amostragem foi a seguinte:

Dados de localização: Coordenadas (UTM de 1 x 1 km.). A partir de um Sistema de Informação Geográfica (SIG) foram obtidas as variáveis de exposição, inclinação e altitude.

Dados de geomorfologia: Disposição da pendente do terreno, avaliada nas seguintes classes: convexa, ausência de pendente, patamares, irregular, regular e côncava.

Dados sobre a perturbação: Caracterização das perturbações que possam afectar, positiva ou negativamente, as comunidades vegetais onde se encontram núcleos das espécies em estudo. Salienta-se que o fenómeno “perturbação” pode ter uma influência positiva ou negativa sobre o estado das populações. Pelo facto de diversas espécies-alvo serem características de linhas de água, muitas das perturbações referem-se a este tipo de ambiente. Consideraram-se vários tipos de perturbação: • Perturbações de origem natural biótica: insectos, outra fauna e flora alóctona. • Perturbações de origem natural abiótica: geada, seca (linha de água que apresenta um período de estiagem), queda de pedras, erosão das margens da linha de água ou abatimento do substrato, localização no leito de cheia de linhas de água. • Perturbações de origem antrópica: actividade agrícola intensa, actividade agrícola moderada, pastoreio (detectado pela presença do gado, vestígios da sua passagem ou predação sobre a vegetação), extracção de areias das margens da linha de água, acção de máquinas, fogo, presença humana (local de passagem de pessoas, presença de trilhos, depósito de lixo), corte de vegetação, águas poluídas ou com presença de resíduos industriais, presença de açude ou represa de origem artificial. • Considerou-se também a opção de “ausência de perturbação” quando nenhuma das perturbações anteriormente enumeradas foi detectada durante as visitas aos pontos de amostragem.

pág. 21 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Dados sobre a vegetação envolvente: Tipo de Habitat. Recorreu-se à caracterização da vegetação com base na presença/ausencia dos Habitats da Directiva 92/43/CEE.

Estratificação da vegetação. Pretendeu-se efectuar a avaliação tridimensional da densidade do coberto vegetal. As classes de alturas consideradas foram as seguintes: • inferior a 5 cm • entre 5 e 10 cm • entre 10 e 25 cm • entre 25 e 50 cm • entre 50 e 75 cm • entre 75 e 100 cm • entre 100 e 150 cm • entre 150 e 200 cm • superior a 200 cm

Dados sobre as espécies em estudo: A caracterização dos núcleos de cada espécie considerada no âmbito deste estudo foi feita com base nos seguintes parâmetros:

Área de distribuição. Considerando a área abrangida pelo ponto de amostragem (em geral 10.000 m2), estimou-se a superfície na qual os indivíduos ocorriam. Consideraram-se as seguintes classes: • reduzida: < 500 m2 • intermédia: 500 - 5000 m2 • extensa: > 5000 m2

Agregação. Este parâmetro pretende avaliar de que modo os indivíduos estão distribuídos na área que ocupam no ponto de amostragem. É um parâmetro intimamente relacionado com o tipo de habitat. Consideraram-se três categorias: • isolados • em mosaico • em contínuo

Dimensão da população. O número de indivíduos foi quantificado em seis classes: • < 30 indivíduos • 30 - 50 • 50 - 100 • 100 - 250 • 250 - 1000 • > 1000 indivíduos

Cobertura. Pretende-se avaliar a área coberta pelos indivíduos das espécies-alvo, relativamente ao total do coberto vegetal: • raros, cobertura pouco significativa • < 10 % • 10 - 25 % pág. 22 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 • 25 - 50 % • 50 - 75 % • > 75 %

Associatividade. Este parâmetro pretende descrever o modo como os indivíduos se dispõem no terreno: • isolados • em tufos • em moitas grandes • em mosaico • em tapetes.

3.1.1.2 Resultados e discussão

São apresentados os dados de campo provenientes dos locais visitados. A informação está estruturada numa ficha sinóptica que segue a apresentação já utilizada em Draper et al. (2003). As características dos diagramas encontram-se explicadas numa primeira ficha, com formato padrão Distinguem-se dois blocos principais de informação: Na frente encontra-se a explicação dos diagramas. No verso, apresenta-se a caracterização ecológica baseada nos levantamentos efectuados.

O recurso a diagramas e critérios normalizados, como método comparativo da ecologia das espécies vegetais, foi inicialmente desenvolvido por Grime (1979) e posteriormente generalizado para o conjunto da Flora das Ilhas Britânicas (Grime et al., 1988). No âmbito desta metodologia, referem-se os trabalhos sobre a caracterização de espécies raras dos Açores (Barcelos et al., 1998), nomeadamente a sua aplicação para à espécie endémica Azorina vidalii (Wats.) Feer por Dias et al. (in press). Neste caso, pretendeu-se avaliar os factores que actuam sobre esta espécie de forma a poder actuar sobre eles, em caso de necessidade. O interesse do estudo deve-se ao facto de se tratar de uma espécie incluída na categoria “Criticamente Ameaçada” (CR), segundo os critérios da IUCN (2001) sendo o mesmo caso que N. cavanillesii (Rosselló et al, 2001).

Comparando o conhecimento da espécie referente à sua ecologia no início do projecto (2001) com a visão actual, fica evidente a homogeneidade das populações portuguesas em relação ao conjunto de populações da espécie. O facto de em Portugal só termos duas populações de N. cavanilllesii pode distorcer a nossa ideia do conjunto de necessidades ou preferências da espécie. Nalgum caso, até podemos constatar que a situação dos núcleos portugueses constitui um extremo e não a norma da situação.

Referente à altitude passamos de um limite altitudinal relativamente estreito em Portugal (entre 150-200 m) face a um limite que, abrange desde quase o nível do mar até os 900 m quando consideramos toda a Península Ibérica. A inclinação do terreno deixou de ser preferencialmente inclinada (até 30º de inclinação) para ser nomeadamente plana, chegando excepcionalmente aos 30º (9% dos casos) quando consideramos toda a Península. A tendência da espécie a zonas expostas a leste e a sudoeste confirma-se ao

pág. 23 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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considerarmos as novas localidades. O comportamento da espécie referente ao tipo de pendente manteve-se inalterado.

As características das perturbações que afectam as populações da espécie mudam substancialmente, não em intensidade mas sim em diversidade. Actividades agrícolas, problemas de erosão, quedas de pedras, extracções de areias, fogo e nomeadamente problemas com flora alóctone são novos factores que não aparecem nas populações portuguesas. No caso dos tipos de Habitat, aparecem novos tipos associados a dunas e areias litorais (2260 e 2270), típicos da zona de Doñana. Um dos tipos de habitat que em Portugal era predominante (3280, cursos de água mediterrânicos permanentes com Paspalo-Agrostideum) revela-se pouco frequente no conjunto da distribuição Ibérica. Surge como uma das tipologias preferenciais as formações de pseudo-estepes de Thero- Brachypodietea (6220). As formações de Montados (6310) e pastagens húmidas de Molinio-Holoschoenion (6420) são habitats não compartidos com as populações portuguesas. Existe uma afinidade constante em toda a Península com as formações de Nerio-Tamaricetea e Securinegion ticntoriae (92D0). A estratificação da vegetação passou a ser muito mais heterogénea do que ao início do estudo.

O tipo de populações mudou consideravelmente quando comparamos as duas populações conhecidas no início do projecto, com o conjunto de populações ibéricas. Inicialmente considerávamos as populações sempre formadas com poucos indivíduos, nunca superiores a 50. Ao incluir o resto de populações observa-se que o normal são populações de 100-250 indivíduos, podendo até ultrapassar os mil indivíduos. O caso de populações superiores aos 1000 indivíduos manifesta-se, sobretudo em Portugal, sobre o tabuleiro da ponte de Ajuda. Este núcleo foi encontrado posteriormente à elaboração da ficha que caracterizava as populações portuguesas. A cobertura da espécie passou de rara (em 100% dos casos em 2001) para atingir coberturas até 25% (Ponte de Ajuda). A agregação dos indivíduos passou de 100% de casos de indivíduos isolados, a 10% de disposição em mosaico. Mantém-se a característica de associatividade em indivíduos isolados. A área dos núcleos pode atingir, nalguns casos, dimensões de 500-5000 m2.

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Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López

Altitude: Inclinação: Exposição: Pendente:

360º 450 m + Freq. Consideraram-se 9 classes de altitude, 100 400 Foram consideradas 6 classes, cada uma correspondendo a um 350 315º 45º correspondendo às diferentes intervalo de 50 m. Os valores indicam - Freq. Os dados estão10 classificados 300 categorias de pendente já a frequência relativa das ocorrências e em 8 classes correspondentes 250 aos pontos cardeais1 e estão anteriormente referidas. Os estão apresentados sob a forma de um 200 90 º representados por valores de valores indicam a frequência diagrama de barras horizontais. 45 º 270º ângulos. 0.1A escala de 90º relativa das ocorrências. Os 150 100 representação dos dados é dados estão representados sob a 30 º forma de um hexágono, em que 50 logarítmica. Os valores o eixo correspondente a cada 60 º 75 º 15 º indicam a frequência relativa 0255075100 225ºdas ocorrências. 135º classe coincide com um dos 0 º vértices do hexágono. A escala 180º de representação dos dados é logarítmica.

Perturbações: Habitat (Directiva 92/43/CEE): Foram consideradas50 16 categorias, que correspondem 15 Habitats e à categoria “sem Habitat”. Note-se que pode ocorrer mais do que um Habitat por ponto de amostragem. Os valores indicam a frequência relativa das ocorrências e estão apresentados sob a forma de um diagrama de barras horizontais. Foram consideradas 19 categorias, já 0 anteriormente referidas. Os valores indicam a

frequência relativa da ocorrência das 92D sem 9320 9340 3140 3160 3170 3260 3270 3280 3290 4030 6310 6420 8220 perturbações, podendo ocorrer mais de um tipo 91B0 de perturbação por ponto de amostragem. Os Estratificação: dados estão representados sob a forma de um histograma de barras polares, em que cada um sup. 200 Foram consideradas 9 categorias, já dos raios corresponde a uma das categorias. A 150-200 anteriormente referidas. Os valores indicam a escala de representação é linear; o valor mínimo 100-150 frequência relativa da ocorrência da vegetação, da escala é negativo, de modo a permitir uma 75-100 para cada classe de altura, podendo ocorrer mais melhor visualização das classes de frequência de uma classe de altura de vegetação por ponto 50-75 mais baixa. Pelo mesmo motivo, o valor máximo de amostragem. Os dados estão apresentados sob da escala de representação do gráfico é relativo 25-50 a forma de um diagrama de barras horizontais. ao valor máximo da frequência relativa 10-25 observada. 5-10

inf. 5

0255075100

Dimensão da população (D): Agregação: continuo Consideraram-se as 3 classes já anteriormente referidas. Os valores indicam frequências relativas e os sup. 1000 mosaico dados estão representados sob a forma 250 - 1000 Consideraram-se as 6 classes já anteriormente de um diagrama de barras horizontais referidas. Os valores indicam frequências de escala constante. 100 - 250 relativas e os dados estão representados sob a isolados 50 - 100 forma de um diagrama de barras horizontais de escala constante. 30 - 50 0255075100

in f. 30 Ordenação triangular Associatividade: 0 25 50 75 100 D (100%) tapetes Consideraram-se as 5 classes já anteriormente referidas. Os valores mosaicos indicam frequências relativas e os moitas grandes dados estão representados sob a forma Pretende-se sintetizar a informação de um diagrama de barras horizontais tufos correspondente às variáveis dimensão da de escala constante. população, agregação e cobertura. isolados Cada um dos lados do triângulo corresponde ao eixo de uma das variáveis e cada vértice, ao 0255075100 valor máximo (100%) da escala de uma delas e simultaneamente, ao valor mínimo (0%) das Recobrimento (R): duas outras. A intercepção dos valores de cada Área (A): uma das variáveis permite delimitar uma área que define a relação entre as variáveis. A

sup. 75 % amplitude da área e o vértice para o qual Consideraram-se as 3 classes já Consideraram-se as 6 classes já tende, permitem a interpretação ecológica da anteriormente referidas. Os 50 - 75 % anteriormente referidas. Os valores extensa espécie. alta valores indicam frequências indicam frequências relativas e os 25 - 50 % relativas e os dados estão dados estão representados sob a forma representados sob a forma de um 10 - 25 % de um diagrama de barras horizontais de intermédiamédia R (100%) A (100%) diagrama de barras horizontais escala constante. inf. 10% de escala constante.

reduzida raro baixa

0255075100 0255075100

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Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López

2004 Altitude: Inclinação: Exposição: Pendente:

convexa 100 360º Freq. 55% 100 850 m 10 Freq. 36% 750 315º 10 45º concava ausência Freq. 9% 1 650 1 550 Freq. 0 % 0,1 450 270º 0,1 90º 350 250 regular patamares 150 225º 135º 50 180º 0255075100 irregular

Perturbações: Habitat (Directiva 92/43/CEE):

seca 30 queda pedras geada 20 erosão flora alóctona 10 leito cheia outra fauna 0 sem 2260 2270 3140 3160 3170 3260 3270 3280 3290 4030 6220 6310 6420 8220 9320 9340 91B0 92D0 act.agricola int. insectos Estratificação:

sup. 200 act.agricola mod. 0,1 10,1 150 pastoreio ausência pertubação 75

extração de areias açude/represa 25 acção de máquinas águas poluídas 5 fogo corte veget. freq.humana 0 255075100

Dimensão da população (D): Agregação: continuo

sup. 1000 mosaico 250 - 1000 100 - 250 isolados 50 - 100 0 25 50 75 100 30 - 50 Ordenação triangular Associatividade: inf. 30 D (100%) tapetes 0255075100 mosaicos moitas grandes tufos isolados

0255075100

Recobrimento (R): Área (A):

sup. 75 % extensaalta 50 - 75 % 25 - 50 % média 10 - 25 % R (100%) A (100%) intermédia inf. 10% reduzidabaixa raro

0 25 50 75 100 0 25 50 75 100

pág. 26 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López 2001 Altitude: Inclinação: Exposição: Pendente: convexa 450 m 360º 100 100 400 Freq. 66.6% 350 10 Freq. 33.3% 315º 10 45º 300 concava ausência 250 Freq. 0 % 1 1 200 0.1 150 270º 0.1 90º 100 50 regular patamares 0 25 50 75 100 225º 135º

180º irregular

Perturbações: Habitat (Directiva 92/43/CEE): seca queda pedras geada 40

erosão flora alóctona 20

leito cheia outra fauna 0 sem 3140 3160 3170 3260 3270 3280 3290 4030 6310 6420 8220 9320 9340 91B0 92D0 act.agricola int. insectos Estratificação:

sup. 200 act.agricola mod. 0.1 10.1 100-150 pastoreio ausência pertubação 50-75

extração de areias açude/represa 10-25 acção de máquinas águas poluídas inf. 5 fogo corte veget. freq.humana 0 255075100

Dimensão da população (D): Agregação: continuo

sup. 1000 mosaico 250 - 1000 100 - 250 isolados 50 - 100 30 - 50 0 25 50 75 100 in f. 30 Ordenação triangular Associatividade: D (100%) 0255075100 tapetes mosaicos moitas grandes tufos isolados

0 25 50 75 100

Recobrimento (R): Área (A):

sup. 75 % extensaltaa 50 - 75 % 25 - 50 % intermédimédiaa 10 - 25 % R (100%) A (100%) inf. 10% baixa raro 0 25 50 75 100 0 25 50 75 100 pág. 27 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004

3.1.2 CARACTERIZAÇÃO CLIMÁTICA

Até ao momento temos considerado os factores intrínsecos às populações e ao seu entorno imediato mas não podemos esquecer que os organismos vivos são dependentes de factores ambientais (Font Quer, 1954). O nível de dependência entre a espécie em concreto e o ambiente determinará a sua área de distribuição e o sucesso da espécie em cada local.

3.1.2.1 Metodologia

A partir dos modelos climáticos propostos por Sánchez-Palomares et al., (1999) e das localidades registadas a partir de herbário ou de bibliografia (figura 2), calculou-se a tolerância em relação à temperatura e à precipitação de N. cavanillesii. Para cada mês do ano foi calculada a média da temperatura e a média da precipitação de todas as localidades. A figura 8 ilustra a evolução mensal destes parâmetros assim como, a sua oscilação (SD) entre as diversas localidades

100 200 90 180 80 160 70 140

60 120

50 100 40 80 Temperatura (ºC)

30 60 Precipitação (mm) 20 40 10 20

0 0

o o ir io h o o ro rço ul st br b reiro a Abril Ma J tu M Junho go em u embro Jane eve A v F et O S No Dezembro

Figura 8. Limites da temperatura média e precipitação ao longo do ano, nas localidades de N. cavanillesii. As linhas verticais representam o desvio padrão entre as localidades.

3.1.2.2 Resultados e discussão

N. cavanillesii tolera uma oscilação média de temperatura de ca. 15º entre o mês de Janeiro e o mês de Agosto. Pode-se constatar um enorme paralelismo entre as populações ao longo do ano pois o desvio padrão mantém-se muito constante; a única excepção ocorre em Julho, onde apresenta maior amplitude. pág. 28 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 A pouca variabilidade em temos de temperatura contrasta com a enorme variação de precipitação e dos seus desvios ao longo do ano. A precipitação média oscila entre os 120 mm em Dezembro e os 1.5 mm em Julho. A dispersão dos valores de precipitação é maior em Dezembro sendo considerável durante o Outono e o Inverno. Baseando-nos nos valores obtidos para esta caracterização podemos calcular a zona da Península Ibérica que cumpre estas condições. Podemos determinar a área geográfica onde ocorre em cada mês o limite de temperatura e o limite de precipitação. Os intervalos dos valores considerados são os seguintes: Precipit. media - SD Precipit. media + SD Temp. media - SD Temp. media + SD Janeiro 68.8 162.4 AND 9.37 11.12 Fevereiro 61.0 151.6 AND 10.33 11.90 Março 63.2 144.8 AND 12.18 13.86 Abril 36.3 92.5 AND 14.42 16.16 Maio 26.6 69.7 AND 14.42 16.16 Junho 12.5 25.5 AND 14.42 16.16 Julho 0.62 2.8 AND 23.95 26.82 Agosto 2.9 6.3 AND 24.29 26.60 Setembro 15.6 36.9 AND 21.85 23.90 Outubro 55.8 100.6 AND 17.58 19.40 Novembro 62.8 133.6 AND 12.81 14.48 Dezembro 70.0 177.6 AND 9.41 11.54

Figura 9. Em amarelo apresenta-se a área geográfica que cumpre os condicionantes de temperatura e precipitação. As localidades de N. cavanillesii apresentam-se em vermelho. Da sobreposição excludente (AND) de estas 12 camadas resulta a figura 9. A partir desta caracterização elementar das condições necessárias para N. cavanillesii podia-se esperar

pág. 29 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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que a sua presença em Portugal fosse maior ao longo do vale do Guadiana. Por outro lado, o litoral Mediterrâneo parece reunir também as condições para esta espécie embora não se encontre referida para esta zona do levante peninsular.

3.1.3 ASPECTOS PORMENORIZADOS DAS POPULAÇÕES PORTUGUESAS

Até ao momento foram realizadas caracterizações gerais das populações, baseadas nas suas localidades. O facto de se poder realizar estudos mais aprofundados nas populações nacionais permite uma maior compreensão destas populações. Mesmo assim, os estudos realizados em ambas populações portuguesas não foram os mesmos, pois cada uma delas apresenta particularidades diferentes e problemas diferentes.

A população de Ajuda, nomeadamente o núcleo situado sobre o tabuleiro, encontra-se submetida a uma pressão humana considerável, pela contínua afluência sobre o tabuleiro compactando o solo e aumentando o pisoteio dos indivíduos. Por outro lado, o facto de estar sobre o tabuleiro impede o acesso do gado a esta população evitando a sua predação. Por estes ou por outros motivos este núcleo apresenta a maior densidade de indivíduos reprodutores (157 indivíduos rep./m2) de todas as populações visitadas ao longo do projecto. Todas estas particularidades e a possível recuperação da ponte levou a considerarmos o tabuleiro como um núcleo de particular valor para N. cavanillesii, mas altamente ameaçado por umas obras indeterminadas que poderiam supor a perca de grande parte da população. Neste sentido foi realizado um levantamento visando obter as características que poderiam explicar a elevada densidade de indivíduos sobre o tabuleiro. As características registadas foram:

Altitude relativa da superfície do tabuleiro (m) Cobertura de vegetação (%) Cobertura de solo (%) Cobertura de rochas (%)

Na população de Montes Juntos e aproveitando o facto da translocação deu-se maior importância às características do substrato, que rodeava aos bolbos de N. cavanillesii. Já que foi necessário desenterrar os diversos núcleos desta população e que toda a zona iria ficar alagada, foram extraídas diversas amostras do solo para se poder analisar as seguintes características:

Textura Nível de acidez do solo (pH) Composição de metais pesados

3.1.3.1 População da Ajuda

O tabuleiro da ponde da Ajuda encontra-se constituído por uma superfície relativamente plana e orientada ca. de 350º em relação a Norte. A largura do tabuleiro é de aproximadamente 5 m sendo constante ao longo da ponte e o comprimento total de 145 m (considerando a parte acessível do lado Norte). Encontra-se elevada sobre o rio Guadiana entre 1 m no seu acesso Norte e aproximadamente 12 m na parte central. A ponte foi pág. 30 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 construída com material autóctone da zona adjacente e foi coberta sucessivamente com areias de procedência desconhecida. Os laterais da ponte apresentavam um pretil de cada lado que com o tempo foram ruindo ficando ao mesmo nível que o próprio tabuleiro. Com o tempo, colapsaram diversos arcos e entre-arcos e nalguns locais afundou-se o nível do tabuleiro.

A profundidade do solo é variável pois oscila entre a ausência total de solo (afloramento da antiga calçada) até os 25 cm. Nas zonas de maior profundidade do solo, esta acumulação surge pela sobreposição das areias anteriormente comentadas. Os indivíduos de N. cavanillesii situam-se a 25 metros do acesso Norte e até 65 metros da entrada. Embora tivessem sido encontrados indivíduos isolados nas escadas, no início da ponte (3-5 indivíduos segundo os anos), estes não foram considerados nestes cálculos. Os

Figura 10. Localização dos individuos nas margens do tabuleiro. agregados de N. cavanillesii repartem-se pelas margens do tabuleiro onde teoricamente o pisoteio e a compactação do solo são menores (figura 10).

Metodologia

Para se caracterizar a superfície do tabuleiro realizou-se um levantamento topográfico em 2003 utilizando uma estação total Leica TC407, com uma densidade de pontos de 26 pts/m2. Trabalhou-se em coordenadas relativas que posteriormente foram posicionadas em coordenadas absolutas (coordenadas Gauss, Datum Lisboa) com ajuda dum DGPS (com precisão submétrica e correcção em tempo real, GeoExplorer XT, Trimble).

Para a caracterização do coberto ao longo da ponte foi definida uma grelha de 15x15 cm que abrangeu toda a largura da ponte, ao longo de 47 m onde os agregados de N. cavanillesii ficavam centrados e totalmente incluídos de forma a evitar efeitos de margem.

pág. 31 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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O levantamento da informação foi realizado com câmara de vídeo SONY DCR-TRV11E em posição perpendicular ao solo sobre a grelha. Posteriormente, as imagens de vídeo foram analisadas, quadrado a quadrado, para determinar as seguintes percentagens de cobertura: Cobertura de vegetação (%) Cobertura de solo (%) Cobertura de rochas (%)

Resultados

A altitude relativa do tabuleiro oscila entre 0 cm, considerando o ponto mais fundo, e 86 cm. Ao longo do tabuleiro e dentro da zona amostrada aparecem duas depressões. A primeira e mais profunda encontra-se na parede lateral, do lado direito da ponte, onde ruiu o pretil. Mais à frente, cerca da azinheira, surge a segunda depressão (ca. 30-40 cm). O tabuleiro propriamente dito oscila entre os 20 e 40 cm, estando este intervalo formado pelo resto da calçada e pelas camadas de areia sobrepostas. A superfície que se encontra superior ao tabuleiro é formada pelos restos de ambos os pretís, dos quais ruíram a maior parte embora nalguns lugares ainda permaneçam intactos.

Relativamente às coberturas, ocorre maior complementaridade entre a vegetação e o solo: a vegetação domina os laterais do tabuleiro e o solo domina a faixa central. A componente de rocha regista valores elevados de cobertura na área onde permanece a calçada original e na parte final da zona estudada (figura 11).

Considerando os intervalos definidos de cobertura, a quantidade de superfície completamente ocupada por rocha é maior do que a superfície (dentro do mesmo intervalo) ocupada pelas outras classes. Na superfície coberta entre 0-25% dominam os quadrados com solo (68%) enquanto que as outras duas classes comportam-se perto do 55% (Figura 12).

80

70

60

50 % Vegetação 40 % Solo

30 % Rocha

Frequência relativa 20

10

0 0-25 % 25-50 % 50-75 % 75-100% Intervalo de coberturas

Figura 12. Frequência relativa de cada intervalo de cobertura em função das três classes consideradas: vegetação, solo e rocha.

pág. 32 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Figura 11. Planta do tabulerio da ponte com a caracterização realizada

Altitude relativa (m) Cober. de rocha (%) Cober. de solo (%) Cober. de vegetação (%) 0,8 to 0,9 75 to 100 75 to 100 75 to 100 0,7 to 0,8 50 to 75 50 to 75 50 to 75 0,6 to 0,7 25 to 50 25 to 50 25 to 50 0,5 to 0,6 0 to 25 0 to 25 0 to 25 0,3 to 0,4 0,2 to 0,3 0,1 to 0,2 0 to 0,1 fi l 2 b

1 m N

Referência

pág. 33 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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pág. 34 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 3.1.3.2 População de Montes Juntos

Com outro pormenor podemos analisar a matriz onde se repartem os indivíduos da espécie. A componente edáfica pode ser, em muitas espécies, determinante para completar o seu ciclo de vida. O facto de, em N. cavanillesii, não ser conhecida nenhuma especificidade de este tipo e o facto de que a extracção de amostras ser destrutiva, fez que nos centrássemos na população de Montes Juntos para realizar estes estudos.

A análise granulométrica permite separar por tamanho as partículas do solo revelando a textura do solo. As possíveis combinações nas percentagens destas partículas agrupam-se em classes de tamanhos ou classes de textura. Para este agrupamento, o método mais utilizado é o triângulo de texturas (Soil Survey Division Staff, 1993).

Os resultados granulométricos proporcionam dados sobre a classificação do solo, a sua génesis e propriedades físicas como permeabilidade, retenção de água, arejamento, etc. Os solos estão constituídos por diferentes proporções de partículas de diversos tamanhos. Estas partículas representam areias, limos e argilas e consideram-se os seguintes tamanhos segundo a escala de texturas proposta pelo United Sates Department of Agriculture (2003):

2 mm< areias < 75 µm. 75 µm< limos < 5 µm. 5 µm < argilas.

Na análise do solo efectuada foi também medido o pH, parâmetro que indica o grau de acidez do solo numa escala de 0-14. Considera-se que um solo é ácido se possui um pH com valores compreendidos entre 0-7, básico entre 7-14, sendo 7 um solo neutro. O valor de pH do solo condiciona a disponibilidade dos nutrientes do solo por parte das plantas (Smith & Atkinson, 1975).

Adicionalmente, para completar esta informação foi realizada uma análise química do solo com o objectivo de evidenciar a presença de metais pesados, nomeadamente contaminantes do solo. No solo, os metais pesados tendem a ligar-se fortemente às argilas e outras partículas acumulando-se e concentrando-se nas camadas superiores. A informação obtida será importante no sentido de se detectar indícios de contaminação do solo na população de N. cavanillesii de Montes Juntos.

Metodologia

Foi analisada uma amostra de solo procedente dos núcleos A, H e K do local original da população de N. cavanillesii de Montes Juntos. As amostras foram retiradas utilizando um cilindro metálico de 11 cm de diâmetro e 10 cm de profundidade.

A análise granulométrica foi efectuada utilizando o seguinte protocolo (adaptado de Laboratório Nacional de Engenharia Civil, 1971): 1) Separação da amostra. 2) Secagem da amostra ao ar. 3) Preparação de 3 sub-amostras de 200 g sedimento, por núcleo.

pág. 35 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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4) Crivagem de cada sub-amostra por via húmida e com vibração por meio de um agitador CISA Mod. R. P. 09. Os crivos utilizados corresponderam às seguintes malhas: 2 mm, 75 µm e 6 µm. A bateria de crivos utilizada permitiu separar seixo, areias, limo e argilas. 5) Determinar o sedimento retido em cada crivo e proceder à sua secagem na estufa a 100 ºC, aproximadamente durante 24 h. 6) Pesagem de cada fracção de sedimento. Se existirem fragmentos orgânicos (na malha de 2 mm) estes seriam retirados. Calculo da percentagem de areias, limos e argilas em relação à amostra inicial. 7) Determinação da textura das amostras aplicando o triângulo de texturas.A.S.T.M. = American Society for Testing and Materials.

O pH foi obtido por meio de um medidor de pH de contacto DENVER INSTRUMENT. Para tal separou-se de cada amostra de solo, 7 para o núcleo A e 9 para os núcleos K e H, 3 sub-amostras nas quais efectuaram-se em cada uma delas três medições. Para o correcto funcionamento do aparelho foi necessário humedecer previamente o solo com água destilada. De forma complementar, foi testada a presença de carbonatos aplicando directamente sobre o substrato unas gotas de HCl 10%. Se existirem carbonatos, estes reagem com o ácido formando efervescência.

A análise química de metais pesados e óxidos foi realizada para os núcleos H e K pelo Dep. Geociências (Universidade de Évora) utilizando a técnica de Fluorescência de Raios- X. Esta técnica permite determinar quantitativamente os elementos presentes numa determinada amostra e baseia-se na irradiação da amostra com raios-X. Esta irradiação implica que os elementos presentes na amostra emitam raios-X característicos (fluorescentes) que serão identificados (por comparação com elementos conhecidos) e quantificados.

Resultados

A análise granulométrica classificou as amostras de solo da localidade de Montes Juntos dentro da classe de textura franco-argilosa. Os resultados obtidos para cada núcleo detalham-se na tabela 2.

Tabela 2. Percentagens de areias, limos e argilas nos núcleos A, H e K da população de N. cavanillesii de Montes Juntos. Núcleo Partículas Média ± S. D. A (n=3) Areias 26.57 ± 0.83 Limos 33.73 ± 3.20 Argilas 39.7 ± 3.08 H (n=3) Areias 27.13 ± 0.75 Limos 35.73 ± 1.39 Argilas 37.13 ± 1.00 K (n=3) Areias 34.63 ±1.38 Limos 36.07 ± 1.10 Argilas 29.3 ± 1.66

pág. 36 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Este tipo de solo caracteriza-se por apresentar uma percentagem de areia entre 20-45%, de limos entre 15-53% com um 27-40% de argilas. Os solos com textura franco-argilosa são compactos quando secos e pegajosos e plásticos quando húmidos. As principais características físicas são a pouca drenagem, levada retenção de água e pouca porosidade. Considerandos que os núcleos amostrados localizavam-se nas margens do rio Guadiana (ficando por vezes submersos pela subida do nível de água) os resultados são concordantes com as características dos solos aluviais. Estes solos apresentam uma escassa drenagem, texturas relativamente finas e, em termos gerais, um conteúdo superior a 35% de argilas.

Embora o solo dos núcleos A, H e K pertença à categoria franco-argilosa, salienta-se o núcleo K pelo facto de conter uma maior proporção de areias e limos assim como, a menor percentagem de argilas em comparação com a composição destas partículas nos restantes núcleos. Convém lembrar que, dos núcleos analisados, o K era o que se encontrava mais elevado em relação ao leito do rio (na base duma encosta), situações que podem explicar a elevada percentagem de partículas maiores. A figura 13 exemplifica o resultado da análise granulométrica posicionando as amostras no triângulo de texturas.

Figura 13. Classificação da textura do solo dos núcleos A (vermelho), H (verde) e K (azul). As amostras incluem-se na classe de solo franco-argiloso.

Considerando que a maioria dos solos apresenta um pH ácido (Smith & Atkinson, 1975), as medições efectuadas também evidenciaram o carácter ácido do solo dos núcleos A, H e K. Os valores obtidos apresentaram poucas oscilações, destacando-se o núcleo A por ter o pH menos ácido, 5.33, seguido pelo núcleo K com um valor de 5.19. O núcleo H registou o pág. 37 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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pH mais ácido com 5.14 (tabela 3). O núcleo H encontrava-se num afloramento de xisto, inserido nas fendas da rocha o que permite compreender o nível de acidez detectada.

Tabela 3. Valores de pH do solo para os núcleos A, H e K de Montes Juntos. Núcleo Média S. D. A (n=21) 5.33 0.09 H (n=27) 5.14 0.07 K (n=27) 5.19 0.08

A reacção dos carbonatos foi negativa para todas as amostras sendo este resultado coerente com os valores de pH acima referido. Os carbonatos são altamente solúveis em água e por isso, estando numa zona de leito de cheia tendem a ser solos lavados e des-carbonatados. Estes valores são concordantes com os resultados da análise granulométrica (textura franco-argilosa) pois estes solos apresentam geralmente um pH ácido e um certo conteúdo de matéria orgânica (Soil Survey Division Staff, 1993).

Os teores de pH obtido revelam a pouca disponibilidade, por parte das plantas, de nitrogénio, fósforo e potássio do solo. A pH inferiores a 6-6.5, estes macronutrientes reagem com os protões do solo deixando de ser assimiláveis pelas plantas (Brady, 1984).

Em relação aos metais pesados identificados por fluorescência de raios-X salienta-se o elevado teor de chumbo e arsénico no núcleo K em comparação com os valores obtidos para os mesmos elementos no núcleo H (tabela 4). Como já foi referido, os metais pesados unem-se fortemente às argilas acumulando-se no solo. Assim, como foi detectado um importante conteúdo em argilas no solo, pode-se pensar na existência de um certo grau de contaminação do solo.

Tabela 4. Resumo dos metais pesados e das suas proporções nos núcleos H e K. Destacam-se a negrito os valores mais relevantes de acumulação de metais pesados. Elemento (ppm) Núcleo H Núcleo K Ba 273 493 Sn <5 <5 Nb 13 19 Zr 145 319 Y 15 23 Sr 148 175 Rb 65 95 Pb <5 74 As <5 23 Zn 112 142 W <5 <5 Cu 18 34 Ni 35 37 Co <5 6 Cr 67 88 V 57 79

Dos óxidos detectados (tabela 5) salientam-se os valores do Al2O3 por apresentarem as percentagens mais elevadas, com 12.8% e 14.28% para o núcleo H e K respectivamente. pág. 38 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Para além do elevado conteúdo deste óxido, convém relembrar que a pH baixos, como é o caso, o alumínio dissolve-se no solo passando a ser nocivo para as plantas. Também convém mencionar o SiO2 por ser o óxido mais abundante. Este composto químico é muito abundante na natureza formando parte do quartzo, granitos, areias e arenitos.

Tabela 5. Resumo dos óxidos e das suas proporções nos núcleos H e K. Destacam-se a negrito os valores mais relevantes de acumulação de óxidos. *P.R. = Por reconhecer. Óxidos (%) Núcleo H Núcleo K

Fe2O3 4.89 4.86 MnO 0.07 0.11 TiO2 0.55 1.02 CaO 0.27 1.12 K2O 1.54 2.0 P2O5 0.19 0.17 SiO2 71.74 65.43 Al2O3 12.8 14.28 MgO 2.47 1.97 Na2O 2.59 1.63 P. R*. 2.47 6.93

pág. 39 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.2 CENSO E CARTOGRAFIA

A estrutura espacial revela-se de vital importância em acções de conservação de espécies ameaçadas. O seu papel na dinâmica populacional só recentemente foi comprovado com a aplicação de ferramentas de análise molecular de populações. Entre outros factores, a distribuição espacial dos indivíduos influencia a troca polínica entre os indivíduos e consequentemente a sua variabilidade genética e o êxito da sua descendência (García & Iriondo, 2002).

Assim, este estudo teve como objectivo obter um censo e cartografia pormenorizados dos indivíduos de N. cavanillesii nas duas localidades portuguesas. Esta informação era de particular interesse no caso da população de Montes Juntos devido á futura acção de translocação.

3.2.1 METODOLOGIA

Relativamente à população A de Montes Juntos foi feito B um levantamento pormenorizado dos distintos C N D núcleos, no Outono do 2000. O interesse da cartografia a realizar incidia em obter em E primeiro lugar, a posição e orientação relativa dos Barranco núcleos, informação essencial para o processo de translocação. F No caso particular de pequenas populações ou G populações fragmentadas, como é o caso da localidade H de Montes Juntos, estas relações são ainda mais delicadas. Não podemos I avaliar o efeito que representaria numa espécie, Tubo de irrigação que apresenta uma população fragmentada, a alteração J destas relações e por isso na translocação a realizar tentaremos manter estes K factores. Numa primeira K Caminho

Rio cartografia foram localizados os principais núcleos (em Figura 14. Esquema da posição e código das parcelas de N. termos de número de cavanillesii de Montes Juntos. indivíduos), assim como pág. 40 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 aqueles que apresentavam indivíduos isolados ou pequenos núcleos (figura 14).

De forma a posicionar correctamente cada núcleo foram definidos uns pontos de origem de coordenadas, em cada núcleo. Estas origens foram retiradas com GPS para posteriormente serem transformadas com correcção diferencial. Para poder ter o ângulo de rotação, entre os diferentes pontos de origem dos núcleos, foram projectados no eixo das abcissas e das ordenadas cada 10, 20 e 30 m. Esta projecção permitiu reduzir os erros de posicionamento relativo, dos núcleos (figura 14). No que se refere à cartografia dos indivíduos foi realizado um único levantamento em Outubro (2000). Este levantamento foi realizado em todos os núcleos com mais de 5 indivíduos reprodutores e considerando só os indivíduos reprodutores.

• •••• •••••••••• ••••• •••••• •••

•••• ••• • •• ••••••• •••••

••••• •••••

Figura 15. Posicionamento dos centros de coordenadas para a determinação da distancia relativa e da rotação entre os núcleos. Para um correcto censo convém definir o conceito de indivíduo, o que tratando-se de uma espécie bolbosa, com uma elevada capacidade de reprodução vegetativa não é uma tarefa simples. Para os nossos estudos actuais e futuros sobre o género Narcissus assumimos que “um” individuo como o conjunto de talos florais e folhas que emergem no mesmo ponto da terra. Embora não seja tecnicamente correcto falar de indivíduo torna-se mais prático o seu seguimento. Dos diferentes núcleos apresentados na figura 14, só cumpriam esta consideração os núcleos seguintes: A, B, C, E, F, G, H, I, J, e K.

pág. 41 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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A cartografia foi definida a partir da origem do núcleo e estabeleceram-se dois eixos perpendiculares entre eles, de forma a melhor incluir o conjunto do núcleo. Desta forma, nem todos os núcleos estavam orientados na mesma direcção, mas este detalhe era ultrapassado da forma explicada na figura 3. Os indivíduos foram marcados com pionés de 4 mm de diâmetro, no local de emergência do indivíduo, para depois serem registadas as suas posições fotograficamente, com uma grelha sobreposta (figura 16). Posteriormente estas fotografias eram georeferenciadas e analisadas num SIG. Desta forma, obtínhamos duma maneira expedita a quantidade de indivíduos e a sua posição relativa. A mesma metodologia foi aplicada na população de Ajuda embora a sua logística fosse mais simples pois esta população não apresenta o grau de fragmentação observado em Montes Juntos.

Figura 16. Realização da cartografia do núcleo E.

Os dados obtidos neste censo e cartografia permitiriam uma ordenação dos núcleos, em função da sua quantidade de indivíduos e área ocupada caso não podessem ser todos translocados. Afortunadamente e como posteriormente vamos comentar, todos eles foram translocados revelando-se o trabalho de cartografia dos indivíduos, muito útil nos trabalhos de translocação.

pág. 42 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 3.2.2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na população de Montes Juntos foram cartografados 10 núcleos com dimensões desde 0.5 m2 a 15 m2. A sua cartografia pormenorizada apresenta-se nas páginas seguintes. Nos núcleos C e J apareciam pequenas manchas (tufos) de elevada densidade de indivíduos não reprodutores que se encontram representadas por áreas a vermelho. As grelhas representadas nestas imagens têm sempre dimensões de 10 x 10 cm. O censo da população de Montes Juntos apresenta-se na tabela 6.

Núcleo A

Núcleo B

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Núcleo C

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Núcleo E

pág. 44 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Núcleo F

Núcleo G

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Núcleo H

Núcleo I

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Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Tabela 6. Censo dos indivíduos reprodutores da população de Montes Juntos. Núcleos Nº Indivíduos reprodutores 2000 A 111 B 13 C 86 E 24 F 106 G 49 H 523 I 56 J 30 K 178 Total 1176

Na população da Ajuda foram cartografados dois núcleos principais:

O primeiro com 6 m2 encontra-se situado a oeste das ruínas da antiga ponte da Ajuda. O censo efectuado em 2001 revelou a existência de 56 indivíduos reprodutores ao contrário dos 200 indivíduos que eram estimados. O segundo núcleo, com a maior densidade de indivíduos, encontra-se situado em cima do tabuleiro da ponte apresentando um total de 64 m2. Neste núcleo foram cartografados 3356 indivíduos reprodutores em 2001. Trata-se do núcleo de maior densidade de N. cavanillesii na Península Ibérica o que justifica a sua importância em termos de conservação. O facto de se encontrar isolado e em cima de umas ruínas, nas quais a presença humana é frequente, pode representar uma ameaça para a sua sobrevivência. A figura 17 representa a cartografia pormenorizada do núcleo que se encontra sobre o tabuleiro da Ponte.

pág. 47 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Num indiv. celda __(15x15 cm) _ 30 to 32 28 to 30 26 to 28 24 to 26 22 to 24 Figura 17. Localização e censo dos 20 to 22 individuos sobre o tabuleiro realizado 18 to 20 16 to 18 em 2001. 14 to 16 12 to 14 10 to 12 8 to 10 6 to 8 4 to 6 2 to 4 1 to 2

1 m N

Referência

pág. 48 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.3 CARACTERIZAÇÃO GENÉTICA DE N. CAVANILLESII

Os dados referentes à diversidade genética entre indivíduos da mesma população e entre populações distintas são essenciais para formular estratégias de gestão apropriadas, sobretudo em espécies raras ou ameaçadas. Vários aspectos relacionados com a biologia da conservação, como a perda de diversidade genética ou a restauração de populações ameaçadas, só podem ser resolvidos com base em detalhados estudos genéticos (Hamrick & Godt, 1996).

Em comparação com as espécies abundantes, as raras, endémicas ou ameaçadas contêm uma menor variabilidade genética (Gitzendanner & Soltis, 2000). A perda de variabilidade genética pode promover a extinção de populações, sobretudo nos casos de perturbação de habitat ou de limitações reprodutivas (Barrett & Kohn, 1991), o que pode aumentar o risco de extinção local de uma espécie.

De forma a caracterizarmos geneticamente N. cavanillesii, os niveis e os padrões da variabilidade genética de 9 populações foram analisadas utilizando “Random Amplified Polymorphic DNA” (RAPD) e “Inter-Simple Sequence Repeat” (ISSR). Estes marcadores têm a vantagem de não ser precisa informação prévia sobre o genoma, dando bons resultados na avaliação da diversidade genética intra e inter-populacional (Newbury & Ford-Lloyd, 1997). A caracterização molecular baseada em RAPDs e ISSR encontra-se amplamente utilizada desde a última década nos estudos de espécies vegetais raras ou ameaçadas (Robinson et al., (1997), Wolfe et al., (1998), Esselman et al., (1999), Martín et al. (1999), Tansley & Brown (2000), Escudero et al. (2003) e Torres et al. (2003)).

Assim, a caracterização genética das populações de N. cavanillesii teve como principal objectivo obter informação para o desenvolvimento de estratégias de conservação, nomeadamente determinar a proveniência do germoplasma a utilizar, no caso de acções reforço nas populações de N. cavanillesii.

Por estes motivos foi necessário (1) estimar a diversidade genética da espécie na sua área de distribuição peninsular em termos de diversidade alélica (número de genotipos diferentes); (2) avaliar o grau de afinidade genética existente entre populações evidenciando quais delas apresentam um património genético mais semelhante; (3) comprovar a existência de endogamia e o grau de fluxo génico entre os distintos núcleos populacionais de Montes Juntos revelando se a diversidade genética se encontra estruturada. A estrutura genética ocorre quando as frequências alélicas não se distribuem ao acaso dentro de uma população seguindo pelo contrário um determinado padrão (Sosa et al., 2002).

Esta informação é fundamental em termos de conservação pois permitirá determinar as populações das quais deve proceder o germoplasma, quer sementes quer bolbos, no caso de ser necessário reforçar alguma das duas populações portuguesas. Assim, a caracterização genética das populações de N. cavanillesii fornecerá informação imprescindível no desenho de estratégias de gestão das populações portuguesas.

pág. 49 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.3.1 METODOLOGIA

O material vegetal procedeu das localidades peninsulares visitadas para a caracterização ecológica da espécie, onde foram colhidos 15-20 indivíduos por localidade. Da população de Montes Juntos colheram-se 15 exemplares por cada um dos 10 núcleos populacionais. O número de amostra colhida teve a premissa de não intervir com a dinâmica da população. Os exemplares foram imediatamente transferidos para vasos de forma mantê-los vivos. No laboratório as folhas foram desinfectadas com etanol (50%), cortadas em fragmentos de ca. 100 mg, identificando o indivíduo e localidade de procedência, e imediatamente congeladas a –80ºC até ao momento da extracção do ADN.

3.3.1.1 Random Amplified Polymorphic DNA (RAPD)

O protocolo seguido para a extracção do ADN foi o proposto por Torres et al. (1993) com alguma modificação (Anexo I).

Selecção da polimerase O ADN de cinco indivíduos foi amplificado, Polymerase Chain Reaction (PCR), utilizando duas polimerases termoestáveis, EcoTaq (derivada de Thermus aquaticus) e BioTools (derivada de Thermus thermofilus). Os compoentes da PCR para cada polimerasa estão detalhados na tabela 7. As reacções de amplificação realizaram-se num termociclador Perkin Elmer (mod. 480), com uma capacidade de 48 amostras. O programa utilizado foi o seguinte: 1 ciclo de 2 min a 94 ºC, 35 ciclos de 30 s a 94 ºC, 1 min a 37ºC, 1 min a 72 ºC e 1 ciclo de 5 min a 72ºC.

Tabela 7. Protocolo de reacção PCR utilizado para cada polimerase testada. Compoentes PCR/RAPDs EcoTaq BioTools Água destilada 10 x PCR buffer 1 x PCR 1 x PCR dNTPs (25 mM) 0.1 mM 0.1 mM Cl2Mg 1.5 mM 2 mM Primer (5 µM) 0.2 µM 0.2 µM ADN polimerasa (5U/µl) 0.035 U/µl 0.035 U/µl Amostra de ADN (10 ng/µl) 2 ng/µl 2 ng/µl

Selecção dos primers Uma vez seleccionada a polimerasa (BioTools) amplificou-se ADN dos mesmos cinco indivíduos utilizados no processo da selecção da polimerase com 50 oligonucleótidos decameros da série 100/6 da University of British Columbia (UBC) seguindo o protocolo descrito na tabela 7. O programa de amplificação do ADN foi o mesmo que foi utilizado para a selecção da polimerase. Este estudo permitiu seleccionar 9 primers (tabela 8) que deram lugar a um padrão de bandas claro e intenso.

Amplificação das amostras A partir das soluções de trabalho e para cada população preparou-se uma mistura com o ADN dos 15 indivíduos para a sua posterior amplificação. Em cada amplificação pág. 50 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 adicionou-se uma amostra controlo na qual foram substituídos os 4 µl de ADN por 4 µl de água destilada esterilizada.

Tabela 8. Primers UBC (série 100/6) seleccionados para o estudo da diversidade genética de N. cavanillesii mediante PCR/RAPDs. A: adenina, T: timina, G: guanina; C: citosina. Primer Sequência 5’ 3’ 502 GCA TGG TAG C 513 TAT ACG ACC C 532 TTG AGA CAG G 535 CCA CCA ACA G 541 GCC CCT TTA C 550 GTC GCC TGA G 571 GCG CGG CAC T 578 GGT GTC CAC T 587 GCT ACT AAC C

Electroforese e visualização Os fragmentos amplificados separaram-se mediante electroforese em gel de agarosa a 1.5% em tampão TBE (1X). As condições de electroforese foram 3V/cm durante 3.5 h em tampão TBE (1X). Como marcador da frente utilizou-se uma mistura de azul de bromofenol (100 mg), ficoll tipo 400 (20 g), EDTA 0.2 M (37.5 ml) e água destilada (42.4 ml). Com o objectivo de determinar o peso molecular das bandas de amplificação colocaram-se 10 µl de marcador de 100 pares de bases nas faixas exteriores e central da electroforese. A solução do marcador de tamanhos moleculares de ADN encontra-se formada por 160 µl de água destilada, 20 µl de marcador de frente e 20 µl de marcador de peso molecular 100 pares de bases (100 Pair Base Ladder, Pharmacia). O resultado da amplificação foi revelado com brometo de etídio (0.5 µg/ml) e visualização à luz ultravioleta sendo fotografado com uma câmara Polaroid MP-4 e película Polaroid 667.

3.3.1.2 Inter-Simple Sequence Repeat (ISSR)

O protocolo seguido para a extracção do ADN foi o proposto por Futon et al. (1995) (Anexo II).

Selecção dos primers Para esta selecção amplificou-se ADN de um indivíduo, seleccionado de forma aleatória, de cada núcleo da população de Montes Juntos utilizando a polimerasa BioTools. Com estas amostras testaram-se um total de 31 oligonucleótidos decameros da série 100/9 da UBC segundo o protocolo de reacção de amplificação detalhado na tabela 9. As amplificações realizaram-se num termociclador MJ Research, Inc. (mod. PTC-100), con uma capacidade de 60 amostras. O programa utilizado foi: 1 ciclo de 1 min a 94 ºC, 35 ciclos de 30 s a 94 ºC, 45 s a 52 ºC, 2 min a 72 ºC e 1 ciclo de 5 min a 72ºC.

pág. 51 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Tabela 9. Protocolo de amplificação PCR/ISSR. Compoentes PCR/ISSR Concentrações Água destilada 10 x PCR buffer 1 x PCR dNTPs (12.5 mM) 0.2 mM Cl2Mg (50 mM) 2 mM Primer (5 µM) 0.2 µM ADN polimerasa BioTools (1U/µl) 0.7 U/µl Amostra de ADN (10 ng/µl) 4 ng/µl

Assim seleccionaram-se 7 primers efectuando-se PCRs adicionais, quer alterando a temperatura do ciclo de amplificação, quer adicionando formamida com o objectivo de melhorar o resultado da amplificação de ADN. A tabela 10 detalha a composição dos primers seleccionados e respectivas condições de amplificação.

Tabela 10. Primers UBC (série 100/6) seleccionados para o estudo da diversidade genética de N. cavanillesii meiante PCR/ISSR e condições de amplificação. A: adenina, T: timina, G: guanina; C: citosina, R: A ou G, Y: C ou T. Primer Sequência 5’ 3’ Temperatura Formamida

834 (AG)8 YT 52 ºC Sim 841 (GA) 8 YC 52 ºC Sim 848 (CA)8 RG 52 ºC Não 855 (AC)8 YT 53 ºC Sim 856 (AC)8 YA 53 ºC Sim 868 (GAA) 6 52 ºC Não 874 (CCCT)4 51 ºC Sim

Amplificação das amostras A partir das soluções de trabalho amplificou-se ADN de 150 indivíduos procedentes de Montes Juntos (15 indivíduos/núcleo, 10 núcleos em total) e de 16 indivíduos da população da Ajuda, utilizando os primers seleccionados e seguindo o protocolo acima referido (tabela 10). Assim, os resultados baseiam-se na amplificação de 157 amostras: 141 indivíduos procedentes de Montes Juntos e 16 da Ajuda. Embora exista uma diferença no tamanho da amostra de cada população, a análise estatística efectuada posteriormente encontra-se desenhada para poder avaliar comparativamente os diferentes núcleos da população de Montes Juntos, ficando desta forma o tamanho da amostra equilibrada.

Electroforese e visualização As electroforeses foram efectuadas de idéntica forma aos PCR/RAPDs com a excepção de serem realizadas em geles de agarosa a 2% com uma duração de 4h. A captura das imagens foi realizada mediante uma câmara digital KODAK EDAS 290.

3.3.1.3 Análise da diversidade genética

As bandas obtidas foram consideradas como caracteres discretos elaborando-se una matriz de presença/ausência (matriz básica de dados). Assim, cada população ou núcleo ficou representado por um vector de uns e zeros, consoante a presença ou ausência de uma. Para se quantificar a diversidade genética de cada população aplicou-se o coeficiente de Dice pág. 52 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 (Nei & Li 1979), também conhecido como índice de Nei. O coeficiente de Dice representa um índice de semelhança que compara as presenças mas não as ausências de bandas. Em RAPDs e ISSRs a coincidência (presença) de uma banda nos indivíduos implica a existência de um fragmento de ADN de características semelhantes, ou seja, uma semelhança. No entanto, o facto de que uma determinada banda não estar presente em dois indivíduos não significa que estes indivíduos apresentem uma maior semelhança no seu ADN. A semelhança entre dois indivíduos i e j segundo o coeficiente de Dice está determinado pela seguinte fórmula: 2a S = ij 2a + b + c a = número de bandas comuns nos indivíduos. b = número de bandas exclusivas do indivíduo j. c = número de bandas exclusivas do indivíduo i. Os valores de semelhança oscilam entre 0 (mínima similitude) e 1 (máxima similitude).

Com o objectivo de obter uma representação gráfica da matriz de similitude facilitando assim a sua interpretação, elaborou-se um dendrograma mediante o método de agrupamento UPGMA (Unweighted pair group method using arithmetic averages). Esta metodologia é considerada a que origina menor distorsão dos dados (Sneath & Sokal, 1973). Os agrupamentos obtidos verificaram-se comparando a matriz de similitude inicial com a matriz cofenética criada a partir do dendrograma gerado pelo UPGMA, avaliando o grau de correlação mediante a utilização do teste normalizado de Mantel (r’) (Rohlf & Sokal, 1981). Para a realização do referido teste de Mantel foi utilizado o programa NTSYS-pc (versão 2.02c) com base em 1000 permutações.

A variabilidade molecular foi estimada analisando 1) as populações de Ajuda e Montes Juntos, 2) a variabilidade inter e intra -núcleos e 3) a variabilidade inter e intra-populações. Com essa finalidade foi realizada uma análise não paramétrica da variabilidade molecular (AMOVA) com o programa ARLEQUIN (versão 2001) sendo a significância testada com base a 1000 permutações (Excoffier et al., 1992; Stewart & Excoffier, 1996). Com este fim elaborou-se uma matriz de distâncias genéticas entre os possíveis pares de indivíduos aplicando a distância euclideana quadrada. Com base nesta matriz calculou-se o índice de Phi (Huff et al., 1993). A homogeneidade das varianças de cada núcleo e população (HOMOVA) contrastou-se por meio de permutações baseadas no teste de Barlett (utilizado para avaliar a homogeneidade das variâncias).

3.3.2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise da diversidade genética das populações de N. cavanillesii de Montes Juntos e Ajuda efectuou-se com base no resultado do padrão de bandas obtido mediante a técnica dos ISSR.

pág. 53 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Identificaram-se entre as duas populações um total de 61 bandas sendo todas elas polimórficas (Fig. 5). A população de Montes Juntos contém 90.17% das bandas detectadas e as restantes 49.19% encontram-se na populaçao de Ajuda. Contudo, Ajuda apresenta 6 bandas exclusivas da população, número bastante inferior às 31 bandas exclusivas de Montes Juntos. 24 bandas são comuns a ambas as populações.

O número de genotipos diferentes identificados para as populações portuguesas de N. cavanillesii é de 91, contendo Montes Juntos 87.91% e Ajuda o restante 12.09% da riqueza alélica da espécie em Portugal.

Ajuda e Montes Juntos apresentam um coeficiente de similitude de 0.60. O valor da similitude genética calculado a partir do índice de Dice é 0.738 para Montes Juntos e 0.851 para Ajuda indicando que os indivíduos de Ajuda são mais semelhantes entre si (valor de Dice mais próximo a 1) que os pertencentes a Montes Juntos.

Fig 5. Exemplo dos padrões de bandas PCR-ISSRs obtidos com o primer UBC-868 para a população de Montes Juntos. Observa-se como o indivíduo B4 apresenta um padrão de bandas distinto dos restantes indivíduos. As letras identificam o núcleo ao qual pertencem os indivíduos.

Assim, Ajuda apresenta 2/3 das bandas únicas detectadas para a espécie em Portugal enquanto que Montes Juntos contém um elevado número de bandas exclusivas da população e a maioria dos genotipos.

Analisando a frequência das bandas observa-se que 21% foram detectadas com uma frequência superior a 80% (identificadas em mais de 125 indivíduos dos 157 analizados). Por outro lado as bandas menos frequentes, aquelas encontradas com uma frequência pág. 54 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 inferior a 10%, representam 30% do total das bandas detectadas. Convém salientar que 9 bandas foram encontradas uma única vez sendo 6 delas exclusivas da população da Ajuda (UBC-841/450, UBC-841/600, UBC-841/850, UBC-868/550, UBC-868/800 e UBC- 868/900) e as 3 restantes da população de Montes Juntos (UBC-841/550, UBC-841/1050 e UBC-868/850).

Comparando os resultados observa-se que a maior variância é detectada entre os núcleos de Montes Juntos e dentro das populações (56.06%) (tabela 11). Salienta-se o facto que a variança intra-núcleos é superior à registada entre populações correspondendo a 23.26% e 20.78% respectivamente. A diversidade genética encontrada em Ajuda (47.06) foi superada nos núcleos I e F de Montes Juntos (78.93 e 51.29 respectivamente).

O valor de Phi (Ф), 0.76, (P<0.001) revela que a diversidade genética da população não se encontra distribuída ao acaso. A existência de uma estrutura genética espacial na população de Montes Juntos implica que a população não é panmítica, ou seja, que os alelos não são transmitidos com a mesma probabilidade entre os diferentes indivíduos. Como consequência desta situação, os distintos núcleos possuem diferentes conteúdos de diversidade genética podendo acontecer processos microevolutivos dentro de uma mesma população. De facto, a curta distância de voo dos insectos visitantes assim como a curta dispersão primária das sementes nas proximidades da planta mãe apoia o fraco fluxo genético que pode existir.

Analisando a variância em Montes Juntos intra e inter-núcleos verifica-se que existe uma variância inter-núcleos muito superior (72.24%) à existente dentro dos núcleos (27.76%) indicando um escasso fluxo génico entre núcleos que pode ser devido por exemplo à pouca transferência de pólen por parte dos insectos ou à capacidade de reprodução vegetativa da espécie.

O resultado da análise da variância entre as duas populações e dentro destas revela uma variança superior (57.93%) dentro das populações. Esta informação é coerente com o facto de N. cavanillesii apresentar um sistema reprodutivo onde podem existir fecundações por cruzamentos alógamos. No entanto, devido à capacidade de reprodução por via asexual, a percentagem da variança intrapopulacional não atinge os valores detectados em espécies alógamas autocompatíveis mas com ausência de reprodução asexual, i.e. Erodium paularense Fern. Gonz. & Izco com 73.17% (Martín et al., 1999), nem valores tão extremos como no caso de espécies alógamas autoincompatíveis, i.e. Antirrhinum microphyllum Roth. com 93% (Torres et al., 2003).

Os resultados da AMOVA indicam que ambas populações têm uma composição genética própria salientando a importância da sua conservação para a preservação da diversidade genética de N. cavanillesii em Portugal.

Analisando a diversidade genética existente nos núcleos da população de Montes Juntos (ISSR) destaca-se o núcleo I como o mais diverso contendo 29.31% da diversidade genética da população, seguido pelos núcleos F e B com 19.05% e 12.43% respectivamente. Pelo contrário, os núcleos C, J e K são os que apresentam menor diversidade representando 3.52%, 3.08% e 1.78% respectivamente. Os núcleos A, E, G e H

pág. 55 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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apresentam valores intermédios de diversidade genética correspondendo a 7.33%, 6.19%, 9.43% e 7.88% (tabela 12).

Tabela 11. Análise da variância molecular (AMOVA) para as populações portuguesas de N. cavanillesii. g. l.: grados de liberdade; SSD: soma do desvio dos quadrados médios; Φ: estatístico Phi. ***P<0.001. Salientam-se a negrito os valores mais elevados da variância da diversidade em cada um dos conjuntos analizados. Fonte da variação g. l. SSD Variança (%) Ф Entre populações 1 141.11 20.78 0.768***

Entre núcleos e intra-populações 9 683.55 56.06 Intra- núcleos 146 316.32 23.16 Inter-núcleos 10 824.65 72.24 Intra- núcleos 146 316.32 27.76 Inter-populações 1 141.10 42.07 Intra- populações 155 999.87 57.93

Tabela 12. Efectivos populacionais e diversidade genética dos núcleos da população de Montes Juntos. Em negrito salientam-se os valores máximos e mínimos de diversidade genética. * A diversidade genética encontra-se expressa como a soma dos quadrados da análise da variância molecular. ** Proporção em relação ao total da soma de quadrados. Núcleos Efectivos núcleo Diversidade genética* Diversidade genética (%)** A (n=15) 345 19.7333 7.33 B (n=15) 33 33.4667 12.43 C (n=15) 1870 9.4667 3.52 E (n=9) 268 16.6667 6.19 F (n=17) 405 51.2941 19.05 G (n=13) 957 25.3846 9.43 H (n=13) 1193 21.2308 7.88 I (n=15) 70 78.9333 29.31 J (n=15) 160 4.8000 1.78 K (n=14) 2002 8.2857 3.08

Comparando a diversidade genética dos núcleos com o seu número de indivíduos observa- se que não existe uma aparentemente correlação entre estes dois parâmetros. Salienta-se por um lado que o núcleo I embora seja o mais pequeno em termos de efectivos populacionais é o que contém maior diversidade genética. Esta situação poderia dever-se ao facto do núcleo I ter actuado nalguma altura como fonte alélica. Neste sentido convém relembrar que populações (núcleos) pequenas e isoladas apresentam um maior risco de sobrevivência devido a eventuais processos de estocasticidade ambiental (Schemske at al., 1994).

Por outro lado, o núcleo K apresenta o maior número de indivíduos mas uma escassa diversidade genética. Provavelmente, nos núcleos com maior número de indivíduos, a grande maioria procede de reprodução vegetativa, o que permitiria aumentar de uma forma relativamente rápida os efectivos mas implicaria uma homogeneização da diversidade genética do núcleo. pág. 56 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Em termos de conservação e com base nos resultados acima referidos a preservação dos núcleos I, F e B poderia considerar-se prioritária devido ao seu elevado contributo à diversidade genética da população. No entanto, como a maior variância da diversidade genética encontra-se entre os núcleos, resulta igualmente importante desde o ponto de vista genético a conservação de TODOS os núcleos populacionais de Montes Juntos.

Embora não exista um consenso sobre o número mínimo de indivíduos que deveria ter uma população para manter a sua diversidade genética, um dos valores mais aceite é 500 (Franlkin, 1980; Soulé, 1980). Por baixo deste valor existiria a possibilidade de processos de deriva genética que se traduziriam numa perda de alelos e de heterozigosidade populacional (Fleming & Sydes, 1997; Menges, 1991).

Na figura 18 observa-se a clara separação dos indivíduos da população da Ajuda e de Montes Juntos (ramos I e II, respectivamente). Relativamente a Montes Juntos observam- se dois grupos, um deles formado pelos núcleos A, H, J e K e outro constituído pelos núcleos B, C, E, F e G. Os indivíduos do núcleo I posicionam-se repartidos entre os dois grupos.

Com excepção dos núcleos A e G este agrupamento é coerente com a distribuição espacial dos núcleos no terreno assim como o facto que os núcleos C e J serem os mais distantes geneticamente, com um valor de Phist (Фst) de 0.93, enquanto que os núcleos mais parecidos geneticamente são H e I com Фst de 0.33.

Salienta-se que os indivíduos pertencentes a um mesmo núcleo mantêm-se agrupados evidenciando a homogeneidade genética encontrada dentro dos núcleos. No entanto, é importante mencionar que alguns exemplares dos núcleos I, F e B separam-se do resto dos indivíduos do seu núcleo. Este resultado concorda com o facto de serem estes os núcleos com maior diversidade genética e os indivíduos que se separam poderiam apresentar as combinações alélicas que aportariam maior riqueza genética a estes núcleos. Por outro lado, estes indivíduos geneticamente mais diferentes poderiam constituir o resultado de processos de fluxo génico entre diferentes núcleos.

Relacionando as relações genéticas dos núcleos com a sua disposição espacial pode-se pensar que o núcleo I, o qual contém maior diversidade genética, funcionaria como fonte alélica podendo dar lugar aos núcleos H, J, G e K. De forma homóloga o núcleo F poderia ter dado lugar aos núcleos A, B, C, e E. Contudo, os núcleos da população de Montes Juntos podem ser o resultado da fragmentação de uma população maior e que devido ao reduzido fluxo génico entre os núcleos, estes evoluíssem diferenciando-se geneticamente.

Os resultados da caracterização molecular de todas as localidades peninsulares analisadas evidenciaram um variado padrão de diversidade genética, com base no número de genótipos detectados. Os estudos não detectaram polimorfismos na população de Morón de la Frontera (Sevilha). Pelo contrário, nas populações de Valencia de las Torres (Badajoz), Arahal (Sevilha) e Algodonales (Cádiz) observaram-se de 1 a 5 genótipos diferentes consoante o primer (Figura 19).

pág. 57 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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pág. 58 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 A

I H

I

J

K

H B

C

B E

F

I

G II F I B

I Ajuda

0.5 0.6 0.7 0.8 1.0 Coeficiente de Dice Figura 18. Relações genéticas de N. cavanillesii nas populações de Montes Juntos e Ajuda. r’ = 0.839 (teste de Mantel). As letras correspondem aos núcleos de Montes Juntos. pág. 59 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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pág. 60 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Figura 19. O padrão de bandas, obtido mediante a técnica de RAPDs, correspondente aos indivíduos da população de Valencia de las Torres evidencia a existência de diversos genótipos (setas em amarelo).

Assim, as populações estudadas de N. cavanillesii teriam uma origem por reprodução sexual ou vegetativa, sendo a proporção de indivíduos gerada por um ou outro sistema de reprodução muito variável, dependendo da população e das condições ambientais podendo chegar a casos extremos onde só é detectado um único genótipo. A baixa variabilidade genética detectada nalgumas das populações analisadas pode ser consequência de fenómenos relacionados com o fluxo genético, sistema de cruzamento,...,etc. Os resultados obtidos a partir da caracterização molecular (RAPD) de todas as populações de N. cavanillesii estudadas revelaram escassa variabilidade genética entre si revelando que N. cavanillesii apresenta, em geral, pouca diversidade genética.

Face a necessidade de identificar a procedência do germoplasma mais idóneo para acções de reforço ou reintrodução convém considerar critérios ecológicos, geográficos e genéticos, por esta ordem. Geneticamente, as populações não apresentam grande variabilidade genética o que significa que a procedência do material não influenciaria a diversidade genética final. Geograficamente, pelos mesmos motivos, seria independente recolher material próximo ou longe das localidades portuguesas. As maiores diferenças foram encontradas na caracterização ecológica das populações. Assim, o melhor seria utilizar material da população com condições ecológicas semelhantes.

Na necessidade de reforçar a população de Montes Juntos, o germoplasma mais recomendável deveria proceder da população de Ajuda (e vice-versa). A população da Ajuda e de Montes Juntos apresentam características ecológicas semelhantes e são as mais próximas desde o ponto de vista geográfico. O facto dos cruzamentos xenógamos entre Ajuda e Montes Juntos terem sido significativamente superiores aos cruzamentos autogâmicos sugere que este reforço não seria prejudicial para a dinâmica populacional, não sendo de esperar fenómenos de depressão exogâmica.

pág. 61 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.4 FENOLOGIA

As características fenológicas da floração (duração, intensidade, pico e sincronia) são fundamentais no esforço reprodutivo das plantas (Richards, 1986). O estudo da fenologia da floração é determinante na utilização dos recursos hídricos e luminosos disponíveis para a produção de flores e desenvolvimento de sementes (Galen & Staton, 1991); adicionalmente, afecta a sincronia reprodutiva com os seus potenciais conspecíficos (Marquis, 1988) e a atracção e actividade dos polinizadores, assim como o fluxo genético via pólen (Gross & Werner, 1983).

Assim, este estudo teve como principal objectivo a caracterização do ciclo fenológico de N. cavanillesii. A fenologia da floração e da frutificação foi analisada pormenorizadamente permitindo obter a duração, as curvas referentes a cada fenofase e a quantidade de indivíduos em cada uma delas caracterizando, deste modo, as etapas de maior relevância no sucesso reprodutivo da espécie.

3.4.1 METODOLOGIA

O estudo da fenologia de N. cavanillesii foi efectuado na localidade de Ajuda e nos indivíduos dos núcleos translocados de Montes Juntos, com o objectivo de conhecer o comportamento fenológico da população. Os indivíduos de Montes Juntos permitiriam realizar uma primeira avaliação do efeito da translocação, nos diversos núcleos. Vários aspectos foram considerados na escolha dos núcleos: heterogeneidade de situações dos núcleos; núcleos pequenos - grandes; núcleos sobre rocha - sobre solo; núcleos de baixa densidade - elevada densidade de indivíduos.

Assim, iniciou-se este estudo, nas duas populações, registando desde o momento da emergência, o estado fenológico (fenofases) dos indivíduos. Várias fenofases foram consideradas: 1. Estado vegetativo; 2. Floração; 3. Frutificação; 4. Deiscência do fruto (libertação de sementes); 5. Emurchecimento. Igualmente, foram considerados os frutos abortados (frutos em que houve uma paragem no seu desenvolvimento) e os indivíduos predados; este último foi acrescentado pelo elevado nível de herbivoria produzida por insectos herbívoros. Relembramos que de forma a eliminar a acção do gado foram vedados todos os núcleos.

O estado vegetativo (1) correspondeu às plantas que não atingiram o estado reprodutor, apresentando somente uma ou duas folhas. Considerou-se que uma planta se encontrava em floração (2) quando existia, pelo menos, uma flor aberta (de acordo com os critérios adoptados por Herrera, 1986). A fase de frutificação (3) foi considerada quando a planta continha pelo menos um fruto e até aos primeiros sinais de emurchecimento. A deiscência do fruto (4) foi considerada quando este abriu espontaneamente, libertando as sementes. pág. 62 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Quando a planta começou a apresentar os primeiros sinais de envelhecimento, considerou- se o estado de emurchecimento (5).

Para se efectuar este estudo foram utilizados pionés de diferentes cores. Para cada núcleo, ao pé de cada indivíduo, foi colocado um pioné representativo do estado fenológico da planta (figura 20). Os pionés foram colocados na altura da emergência foliar, considerando o estado vegetativo e utilizando os pionés de cor vermelha. Caso se verificar posteriormente, que não se tratava de Narcissus, o pioné era trocado por um pioné de cor verde cancelando, desta forma, o registo deste indivíduo. Igualmente, se durante o período de floração era verificado que não se tratava de N. cavanillesii, mas de N. serotinus, procedia-se de igual forma, trocando o pioné vermelho por um de cor branco.

N. cavanillesii Libertação de Emurchecimento Flor sementes

Estado vegetativo N. serotinus Predação/ Aborto

Emurchecimento Predação Não é Narcissus

Figura 20. Esquema representativo das fases e das cores consideradas na realização da fenologia de N. cavanillesii.

Nos indivíduos que passaram do estado vegetativo ao de floração foi colocada uma etiqueta metálica no dia em que a flor abriu, permitindo-nos registar a data de floração. Igualmente, o pioné anterior foi trocado por um pioné correspondente ao estado de floração. De forma semelhante, na altura da frutificação e na libertação de sementes, o pioné da fenofase anterior foi trocado pelo pioné correspondente a cada uma destas fenofases. Se a flor ou fruto tivessem sido predados ou este último tivesse abortado, considerar-se-ia outro estado (pioné de cor rosa).

O mesmo procedimento foi utilizado para os indivíduos no estado vegetativo, trocando o pioné correspondente a esta fenofase pelo pioné correspondente ao emurchecimento ou à predação (verde escuro e preto, respectivamente). Estes aspectos, existentes no estado vegetativo e no reprodutor, não se confundem, pois existe a etiqueta metálica associada a este último estado. Dada a rápida evolução dos primeiros dias do ciclo anual, constatado já nos trabalhos decorridos no ano anterior, determinou-se um intervalo temporal de 3 dias. Este intervalo manteve-se de 27-09-01 até 27-10-01. Posteriormente foi alargado a 6 dias até ao fim da frutificação e nas últimas fases, a intervalos maiores pois as mudanças acontecem muito devagar na fase final do ciclo anual.

pág. 63 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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A recolha dos dados foi realizada por meio de um sistema fotográfico digital. Considerando o diâmetro dos pionés utilizados (4 mm) e a resolução (1.344x1.008 pixels) da câmara fotográfica utilizada (Minolta Dimage EX) foi determinada uma área a fotografar no terreno de 75 x 75 cm para cada fotografia. Assim, foi estabelecida uma rede de pontos nas parcelas, em cada 75 cm, de forma a ter pontos permanentes no terreno, permitindo o seguimento dos câmbios fenológicos de cada “subparcela” em cada levantamento fotográfico (figuras 21 e 22).

Figura 21. Registo fotográfico, em Figura 22. Registo fotográfico, em 1/12/2001 do núcleo E, subparcela B2 1/12/2001 do núcleo K, subparcela B2

Em anexo encontra-se o diagrama resumindo as principais fases do ciclo fenológico de N. cavanillesii (Anexo III).

Paralelamente, foi efectuado o mesmo estudo fenológico em N. serotinus (Rosselló et al., 2001). Foram consideradas as mesmas fenofases que no estudo fenológico de N. cavanillesii. Como a densidade de indivíduos nestas parcelas não se apresentou tão elevada como no caso do N. cavanillesii, optou-se por uma metodologia diferente que permitiu marcar, em cada parcela, todos os indivíduos que se encontravam no interior com etiquetas metálicas numeradas (figura 23 e 24).

Figura 23. Parcela 1.5 x 1.5 m situada a 150 m de altitude. Figura 24. Registo fenológico de N. serotinus. pág. 64 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 3.4.2 RESULTADOS

Os resultados deste estudo revelaram um ciclo anual de N. cavanillesii de 6 meses, de 20- 09-2001 até 15-02-2002. As primeiras fases deste ciclo (formação de gemas e floração) apresentam um período curto em comparação com as restantes (frutificação e deiscência do fruto): as gemas estão presentes em apenas 7 dias, de 20-09-2001 até 27-09-2001 e a floração apresenta uma duração de 32 dias, de 27-09-2001 até 28-10-2001. A frutificação ocorreu de 29-10-2001 até 07-12-2001 apresentando uma duração de 40 dias e os frutos formados libertaram sementes de 15-11-2001 até 05-01-2002, ou seja, durante 51 dias.

A fase vegetativa que ocorreu de 27-09-2001 até 20-01-2002 apresentando uma duração de 113 dias. A senescência ocorreu desde 19-11-2001 até 15-02-2002. O ciclo fenológico e a percentagem relativa de indivíduos predados encontram-se representados na figura 25.

14%

12% redados p 10%

8%

6%

4% em relativa de indivíduos g

2% Percenta 0% 08-09-01 22-09-01 06-10-01 20-10-01 03-11-01 17-11-01 01-12-01 15-12-01 29-12-01 12-01-02 26-01-02 09-02-02 23-02-02 Tempo (dias)

Gemas Frutificação Estado Vegetativo

Floração Deiscência do fruto Senescência

Figura 25. Diagrama fenológico de N. serotinus 2001/2002 na população de Montes Juntos. Comparação com a percentagem relativa de indivíduos predados em relação ao total de indivíduos (as setas a vermelho indicam a remoção da rede metálica que vedava as parcelas). n=502.

A predação total nunca foi superior a 12% do total de indivíduos. As maiores percentagens de predação foram observadas durante a fase de floração e frutificação sendo devidas a insectos herbívoros. O terceiro pico de predação observado é devido ao facto da maioria das redes metálicas que vedavam os núcleos de Montes Juntos terem sido vandalizadas permitindo o livre acesso do gado (nomeadamente vacas).

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O mesmo padrão fenológico foi observado na população de N. cavanillesii de Ajuda. Relativamente a N. serotinus, os dados revelaram um ciclo anual de N. serotinus de 6 meses, de 14-10-2001 até 04-04-2002. As primeiras fases deste ciclo (formação de gemas e floração) apresentam um período curto em comparação com as restantes (frutificação e deiscência do fruto): as gemas estão presentes em apenas 9 dias, de 14-10-2001 até 23-10- 2001 e a floração apresenta uma duração de 18 dias, de 14-10-2001 até 01-11-2001. A frutificação ocorreu de 17-10-2001 até 18-12-2001 apresentando uma duração de 60 dias e os frutos formados libertaram sementes de 07-11-2001 até 22-03-2002, ou seja, durante 131 dias. No total, desde a formação de gemas até ao final da frutificação passaram-se 167 dias. A fase vegetativa que ocorreu de 14-10-2001 até 02-03-2002 apresentando uma duração de 174 dias. A senescência apresentou uma duração de 118 dias ocorrendo de 04-12-2001 até 04-04-2002.

O ciclo fenológico e a percentagem relativa de indivíduos predados encontram-se representados na figura 26.

40%

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5% Percentagem relativa de indivíduos predados indivíduos de relativa Percentagem

Quantidade relativa de indivíduos predados 0% 06-10-01 20-10-01 03-11-01 17-11-01 01-12-01 15-12-01 29-12-01 12-01-02 26-01-02 09-02-02 23-02-02 09-03-02 23-03-02 06-04-02 Tempo (dias) Tempo (dias) Gemas Frutificação Estado Vegetativo

Floração Deiscência do fruto Senescência

Figura 26. Diagrama fenológico de N. serotinus 2001/2002. Comparação com a percentagem relativa de indivíduos predados em relação ao total de indivíduos (as setas a vermelho indicam a remoção da rede metálica que vedava as parcelas). n=372.

Comparando a percentagem relativa de indivíduos predados nas diferentes fenofases, os resultados demonstram que esta percentagem nunca é superior a 35%. Por outro lado, ao contrário, de N. cavanillesii estas predações não são devidas à acção herbívora por parte de insectos mas por parte de macromamíferos (gado) o que justifica as maiores percentagens de predação observadas. Embora estas plantas contenham alcalóides o início do seu ciclo de vida ocorre numa época do ano em que a disponibilidade de recursos é baixa e este facto poderá ter favorecido a predação por parte do gado.

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3.4.2.1 Fenologia da floração e da frutificação

A floração de N. cavanillesii em 2001 apresentou uma duração de 32 dias, florescendo de 27-09-2001 até 28-10-2001. O pico ocorreu 15 dias após o início da floração atingindo o máximo de 1287 flores abertas em simultâneo. A frutificação desta espécie ocorreu desde 29-10-2001 até 07-12-2001 com uma duração de 40 dias. O pico da frutificação ocorreu em 28-11-2001 após 29 dias do início do período de frutificação com um total de 1751 frutos (figura 27). Os resultados demonstram que não existe sobreposição entre o período de floração e o da frutificação, ou seja, quando N. cavanillesii inicia a frutificação, a floração já terminou.

100

80

60

40 % indivíduos 20

0 27-09-2001 12-10-2001 27-10-2001 11-11-2001 26-11-2001 11-12-2001

Tempo (dias)

Floração Frutificação

Figura 27. Percentagem de indivíduos de N. cavanillesii em floração (n= 3336) e em frutificação (n=1840) na Ajuda, em 2001.

Dos 3336 indivíduos reprodutores existentes sobre o tabuleiro da ponte da Ajuda somente 45% chega a formar fruto o que significa uma baixa taxa de sucesso natural, em termos de formação de frutos. Os mesmos resultados foram obtidos na população de Montes Juntos embora não possam ser conclusivos pelo facto da população ter sido translocada. Assim, será importante verificar as causas que limitam o sucesso reprodutivo e que poderão ser justificadas por um baixo fluxo polínico.

Em 2001, a floração de N. serotinus apresentou uma duração de 16 dias, de 14-10-2001 até 29-10-2001, ocorrendo o pico em 20-10-2001. Comparativamente à floração de N. cavanillesii, N. serotinus apresentou um período de floração de menor duração (16 vs. 32 dias). Por outro lado, constatou-se que o início da floração de N. serotinus ocorreu duas semanas depois que em N. cavanillesii. O período de floração das duas espécies de

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Narcissus sobrepõe-se parcialmente apresentando uma sincronia de 15 dias (período de tempo em que as duas espécies se encontram simultaneamente em floração) (figura 28).

100

80

60

40 % indivíduos 20

0 27-09-2001 04-10-2001 11-10-2001 18-10-2001 25-10-2001 Tempo (dias)

N. serotinus N. cavanillesii

Figura 28. Percentagem de indivíduos em floração de N. serotinus (n= 249) e N. cavanillesii (n= 3336).

A frutificação de N. serotinus ocorreu desde 17-10-2001 até 15-12-2001 apresentando uma duração de 58 dias com o pico em 12-10-2001. O período de frutificação foi de maior duração que o de N. cavanillesii (58 vs. 40 dias), existindo uma sobreposição da frutificação em ambas as espécies. De facto, quando N. cavanillesii começou a frutificar já N. serotinus se encontrava na fase final do período de frutificação e, neste sentido, as espécies apresentaram uma sincronia de 40 dias (figura 29).

100

80

60

40 % indivíduos

20

0 27-09-2001 12-10-2001 27-10-2001 11-11-2001 26-11-2001 11-12-2001 Tempo (dias)

N. cavanillesii N. serotinus

Figura 29. Percentagem de indivíduos em frutificação de N. cavanillesii (n= 1840) e de N. serotinus (n= 812). A fenologia da frutificação de ambas as espécies revela uma curva em sino. pág. 68 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Na figura 30 podem-se observar as duas espécies estudadas em estado de frutificação. São de salientar as diferenças morfológicas entre as cápsulas de ambas as espécies que correspondem à formação de distintas quantidades de sementes.

Figura 30. N. cavanillesii (esquerda) e N. serotinus (direita) na fenofase de frutificação.

Nas observações efectuadas no Outono de 2000 verificou-se uma sincronia da floração entre os indivíduos próximos. Este padrão era mais óbvio nos núcleos de Montes Juntos, os quais pareciam ter uma dinâmica própria, o que é concordante com os resultados da caracterização molecular. Alguns estudos foram efectuados nos anos seguintes mas devido à translocação o número de flores existentes era insuficiente para efectuarmos cálculos estatísticos sobre a síncronia intra e inter-núcleos. A título de exemplo a figura 31 revela o padrão de floração existente em 2001, nos núcleos A, E, F e J.

A E F J 12

10

8

6

4 nº indivíduos

2

0 27-09-01 30-09-01 03-10-01 06-10-01 09-10-01 12-10-01 15-10-01 18-10-01 21-10-01 24-10-01 27-10-01 30-10-01

Figura 31. Floração existente em 2001 nos núcleos A, E, F e J da população de Montes Juntos. pág. 69 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.4.3 DISCUSSÃO

O ciclo de vida de N. cavanillesii é característico dos geófitos que incluem uma fase de dormência, que pode variar entre várias semanas e vários meses (Dafni et al., 1981). Poucos geófitos estão activos durante todo o ano sendo estes típicos das zonas tropicais (Holttum, 1955; Holdsworth, 1961).

A existência de um órgão de reserva como um bolbo confere-lhes uma vantagem ecológica adaptativa. O armazenamento de reservas em plantas bolbosas permite-lhes uma acumulação de substâncias energéticas, essenciais no início do seu ciclo de vida e que lhes permite uma rápida resposta de crescimento e uma vantagem em períodos onde a produção de recursos é menor (Rees, 1972; Shmida & Dafni, 1989). O órgão de reserva possui um peso mínimo, que varia consoante a espécie, para que a floração ocorra (Rees, 1972; Dafni et al., 1981), facto que terá implicações ao nível da dinâmica populacional da espécie considerada.

O espectro de floração nas áreas mediterrâneas revela um máximo na Primavera/Verão (Auerbach & Shmida, 1987; Shmida & Dafni, 1989). No período de tempo entre o final do Verão e o fim do Inverno, poucas espécies estão em floração (em comparação com o total existente), sendo a maioria geófitos (Shmida & Dafni, 1989). Vários autores explicam o facto destes geófitos florescerem fora da época principal de floração, pela existência de um órgão de reserva (Burtt, 1970; Dafni et al., 1981; Barrett et al., 1996). A floração outonal é explicada pela menor competição existente ao nível dos polinizadores: a frequência de visita em cada planta será maior, pois existem poucas espécies em floração e a probabilidade de transferência de pólen entre espécies diferentes será menor (Dafni et al., 1981).

Do ponto de vista ecológico será importante que os ciclos vitais de duas espécies conspecificas e de abundâncias diferentes não sejam totalmente coincidentes. A espécie menos abundante, neste caso N. cavanillesii, poderá não ter a capacidade de atrair os polinizadores que partilha com a espécie mais abundante, N. serotinus, e por isso será vantajoso não florescerem em simultâneo, evitando assim a competição pelos insectos polinizadores. Esta consideração é apoiada por Murali & Sumukar (1994) que referem que as espécies raras têm tendência para florescerem mais cedo, comparativamente com as espécies mais abundantes pois o risco da transferência de pólen heterospecífico será maior para a espécie rara. Assim, é benéfico haver uma antecipação no começo da floração da espécie mais rara, em relação à mais abundante.

A distinta capacidade de atrair polinizadores também poderá justificar as diferenças no período de floração das duas espécies. Se a espécie mais abundante for também mais atractiva, os polinizadores serão mais rapidamente atraídos por esta e não pela espécie menos abundante. A sobreposição dos períodos de floração permite a hibridação entre N. cavanillesii e N. serotinus. De facto, o processo de hibridação natural é mais provável quando uma das espécies parentais está em minoria quantitativa e existe uma sobreposição do período de floração de ambas as espécies (Riseberg & Carney,1998). pág. 70 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 A existência desta sobreposição floral é suficiente para permitir a formação do híbrido N. x perezlarae Font Quer, que de facto foi encontrado nas duas localidades de N. cavanillesii (figura 32). Este taxon poderá afectar o sucesso reprodutivo dos parentais pois pode haver um perigo de contaminação genética por retrocruzamentos com essas espécies ou, inclusive, ter uma maior capacidade de perpetuação que os parentais. Neste sentido, considerou-se importante a realização de experiências em N. x perezlarae para avaliar a sua influência no êxito reprodutivo das espécies parentais, nomeadamente de N. cavanillesii (ver capítulo 3.10).

N. cavanillesii

N. x perezlarae

Figura 32. N. x perezlarae e as duas espécies parentais: N. cavanillesii e N. serotinus.

N. serotinus

pág. 71 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004

3.5 BANCO DE SEMENTES DO SOLO

Nem todas as sementes que se depositam no solo, no fim do ciclo anual da espécie germinarão no próximo ano. As vias que podem seguir estas sementes são muitas e diversas: podem morrer, serem predadas, rebentar na próxima época ou formarem um reservatório de sementes que poderão vir a rebentar nos anos seguintes. O conjunto de sementes que fica no solo denomina-se banco de sementes do solo; este banco pode-se dividir em banco temporal ou banco permanente do solo. O banco temporal corresponde ao total de sementes que ficam incorporadas no solo e que germinam na próxima época. O banco permanente é formado pelo conjunto de sementes que não rebentam na próxima época de germinação, constituindo um reservatório constante de material, o qual poderá desempenhar um importante papel face a perturbações (fogo, erosão,...). Este papel adquire ainda mais relevância, em espécies raras ou ameaçadas pois o conhecimento da dinâmica destes reservatórios poderá revelar informações sobre a resiliência da população face às perturbações, determinar passos limitantes do ciclo anual da população ou a capacidade de colonização da espécie. Pode ser que nalguns casos, este seja o único reservatório de material genético disponível, para proceder a acções de conservação (Aparicio&Guisande, 1997).

3.5.1 METODOLOGIA

Para se poder caracterizar o banco de sementes temporal do solo foi feita, em Agosto de 2001, uma amostragem na localidade de Montes Juntos. Esta foi dirigida a três núcleos: A, H e K, que foram escolhidos em função do tipo de substrato que tinham: A solo H rocha K solo

De forma a perturbar ao mínimo os núcleos, as amostras foram retiradas da zona imediatamente envolvente a eles e por isso, na realidade foi avaliada a capacidade de Narcissus dispersar as sementes e estas ficarem no solo. Retiraram-se nove amostras em cada núcleo (com duas réplicas cada uma), com um volume cilíndrico de 11 cm de diâmetro e 10 cm de profundidade (nalguns casos a profundidade podia ser menor pela existência de rocha). Dado que os três núcleos apresentavam uma ligeira inclinação face a Este, obtou-se por tomar mais amostras na parte Este dos núcleos (figura 33).

Assim, delimitaram-se dois círculos concêntricos a partir do núcleo, um de 2 m de diâmetro e o outro de 4 m. Dentro do primeiro retiraram-se 3 amostras (com duas réplicas), com uma separação de 120º entre as amostras. Dentro do círculo maior (4 m) retirou-se o dobro das amostras, para compensar o efeito da distância relativa à fonte das sementes; estas amostras seguiam também uma disposição radial relativamente às amostras do circulo interior, de forma a poder-se relacionar a distância, a inclinação do terreno e a quantidade de sementes no solo.

pág. 72 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 + Inclinação

4 m 2 m

N

- Inclinação

Figura 33. Diagrama da distribuição das amostras de solo retiradas. O quadrado central cinzento representa o núcleo, e os círculos laranja as amostras com as réplicas.

As amostras de solo foram secas à temperatura ambiente e posteriormente foram conservadas a 4ºC até serem processadas. Para facilitar a contagem das possíveis sementes que formariam o banco de sementes do solo, as amostras foram peneiradas por via húmida. Foram utilizados crivos de 7 mm, 4mm e 2mm. Considerando que o tamanho médio das sementes de ambas as espécies de Narcissus oscila entre 2.4-3.5 mm as sementes ficariam concentradas na última inter-fase. Após a concentração das sementes, toda a amostra de tamanho compreendido entre 2 e 4 mm foi observada à lupa binocular.

É preciso salientar que falamos de Narcissus em termos genéricos, pois as sementes das duas espécies de Narcissus presentes na zona, têm uma morfologia muito semelhante e não sendo distinguíveis.

3.5.2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após se ter analisado um total de 9 amostras, com as suas respectivas réplicas, para cada núcleo estudado (A, H e K), o que supôs um total de 27 amostras de solo, em nenhuma delas foi encontrada uma única semente completa de Narcissus. Foram encontrados restos de sementes de este género, mas nenhuma com capacidade de actuar como reservatório permanente. Estes resultados permitem confirmar a ausência de banco de sementes do solo pág. 73 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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em N. cavanillesii e em N. serotinus. Esta característica é importante no momento de compreender e interpretar a dinâmica populacional destas espécies.

As sementes das duas espécies de Narcissus possuem uma viabilidade muita reduzida tal como outros geófitos outonais (figura 34). Estas sementes possuem uma elevada taxa de germinação que vai diminuindo progressivamente, com o passar do tempo. Por exemplo, após a sua libertação, as sementes de N. cavanillesii apresentam uma taxa de germinação de 93%; passado 8 meses esta taxa diminui para 26% (figura 34). Estes resultados demonstram a importância da produção anual de sementes: o sucesso reprodutivo da espécie depende da quantidade de sementes que produz em cada ano.

1 month 8-months

100 90 80 70 60 50 40

Germination (%) Germination 30 20 10 0 L. autumnale N. cavanillesii N. serotinus S. autumnalis U. maritima

Figura 34. Viabilidade das sementes de cinco geófitos outonais (Leucojum autumnale, N. cavanillesii, N. serotinus, S. autumnalis e Urginea maritima) ao longo do tempo (Marques et al., 2004).

Não existindo um banco de sementes no solo, a perpetuação das espécies depende inteiramente das sementes produzidas em cada ano e das germinações que sejam efectuadas no próprio ano. As sementes que não tiveram germinado desaparecem do sistema seja por predação ou migração. A ausência de banco se sementes permanente é um maior risco para as espécies, nomeadamente aquelas que produzem poucas sementes ou que requerem umas condições muito particulares de germinação, reduzindo a sua eficiência no crescimento do tamanho populacional.

Por estes motivos deve-se considerar a possibilidade de se maximizar a germinação das sementes no próprio ano em que são produzidas, recolhendo as sementes e facilitando a sua germinação. Desta maneira podemos incrementar o tamanho dos núcleos a longo prazo e assegurar a perpetuação dos núcleos. Adicionalmente, devem ser colhidas sementes dos núcleos para conservação ex situ, devendo prestar-se maior atenção aos tamanhos das amostras retiradas em cada ano, para não quebrar a própria dinâmica das espécies.

pág. 74 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 3.6 BIOLOGIA REPRODUTIVA

O conhecimento da biologia reprodutiva e todas as características fenológicas que afectam o desenvolvimento reprodutivo são essenciais na concepção de programas de conservação que preservem o potencial genético de uma espécie, nomeadamente de espécies endémicas e ameaçadas (Spies & Tepedino, 1995; Osunkoya, 1999; Anderson et al., 2001; Weekley & Race, 2001; García et al., 2002; Marrero et al., 2002; Navarro & Guitián, 2002). Dada a importância da fase reprodutora na dinâmica populacional de uma espécie (Cruden, 1977; Galen & Staton, 1991) torna-se essencial conhecer o sistema de reprodução da espécie.

O termo sistema de reprodução inclui todos os aspectos da expressão sexual das plantas que afectam a contribuição genética para a seguinte geração de indivíduos de uma espécie (Dafni, 1992). De forma peral, reconhecem-se nas angiospérmicas três tipos principais de sistemas de cruzamento: apomixia (reprodução sem intervenção sexual), autogamia (autopolinização) e xenogamia (polinização cruzada), podendo estes dois últimos tipos apresentarem graus intermédios (Kearns & Inouye, 1993).

A adopção de um sistema de cruzamento por uma espécie baseia-se na existência de sistemas de compatibilidade/ incompatibilidade. Podem-se distinguir dois tipos de sistemas de incompatibilidade: esporofítico, em que a rejeição do pólen ocorre ao nível do estigma (Gibbs, 1986) e gametofítico, em que a rejeição ocorre ao longo do estilete ou no ovário (Mulcahy & Mulcahy, 1983).

A caracterização do sistema de cruzamento passa por diversas fases (adaptado de Falk et al., 1996): Conhecimento da biologia floral do taxon; Sincronismo da fenologia da floração; Determinação do sistema de cruzamento; Análise da produtividade de frutos e sementes de cada cruzamento; Caracterização da germinação; Determinação da taxa de viabilidade das sementes

Neste sentido, este estudo teve como objectivo determinar o sistema de cruzamento de Narcissus cavanillesii, assim como o seu sucesso reprodutivo. Este depende da existência de mecanismos de compatibilidade/ incompatibilidade, da taxa de formação de frutos (fruit set), da qualidade e quantidade de sementes formadas e da viabilidade das sementes (Dafni, 1992).

Adicionalmente, de forma a avaliarmos o papel do sistema reprodutivo no êxito de N. cavanillesii, as seguintes perguntas foram efectuadas: 1) será que a formação de frutos e sementes se encontra dependente da acção dos polinizadores? 2) existe alguma evidência de depressão endogâmica? 3) Qual é o sucesso reprodutivo de Narcissus cavanillesii?

pág. 75 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.6.1 BIOLOGIA FLORAL

Cerca de 80% das plantas superiores produzem flores hermafroditas que possuem órgãos de reprodução masculinos e femininos (Pérez de Paz, 2002). A quantidade de grãos de pólen produzidos por uma flor varia consoante os grupos taxonómicos e encontra-se correlacionado com o síndrome de polinização (Cruden, 1977; Dafni, 1992). Da mesma forma, o número de óvulos constitui um dos principais recursos da flor limitando a formação das sementes, a sua qualidade e portanto o êxito reprodutivo feminino.

A receptividade estigmática é um parâmetro importante dentro do estudo da biologia floral já que se refere ao período de tempo no qual o pólen depositado sobre o estigma é capaz de desenvolver um tubo polínico, chegar até ao saco embrionário e fertilizar o óvulo. Paralelamente a este parâmetro, é importante estudar a possível separação temporal ou espacial entre os órgãos reprodutores. Embora as flores hermafroditas sejam capazes de auto-fertilização, muitas vezes desenvolveram mecanismos que limitam esta possibilidade (autoincompatibilidade) de forma a reduzir fenómenos de competição polínica e estigmática (Dafni, 1992).

Assim, o estudo da biologia floral ou fases florais de N. cavanillesii teve como principal objectivo caracterizar o desenvolvimento das diversas partes florais desde o primeiro dia da abertura da flor até à sua senescência. Estes resultados permitiam determinar etapas críticas para a fertilização.

3.6.1.1 Metodologia

Este estudo foi efectuado no Outono de 2001 com plantas da população da Ajuda, durante o período de máxima floração para cada uma das espécies (meados de Outubro para o N. cavanillesii e finais do mesmo mês para o N. serotinus). Para tal, marcaram-se 12 gemas florais de N. cavanillesii e 75 gemas de N. serotinus nos dias prévios à sua abertura. Devido à sobreposição deste estudo com os trabalhos relativos à fenologia (capítulo 3.6) e ao sistema de cruzamento (capítulo 3.8), não foi possível monitorizar um número maior de gemas florais de N. cavanillesii. Desde o momento da abertura das flores observaram-se diariamente, nas duas espécies, as mudanças ao nível da flor registando o estado das diferentes partes florais (abertura das tépalas, comprimento do estigma, posição dos estames, libertação de pólen).

O facto de N. serotinus apresentar uma flor com estrutura tubulada (tubo tepalino) a qual esconde os órgãos florais dificultou a realização das observações referidas sendo, à partida, preciso destruir a flor para visualizar as partes internas. Este facto implicava ter de marcar um número muito elevado de gemas florais já que a mesma flor só podia ser observada unicamente, uma vez. Frente a esta situação resolveu-se recorrer à utilização de um otoscópio (aparelho médico utilizado nomeadamente pelos otorrinolaringologistas). Este aparelho permitiu a observação do desenvolvimento dos órgãos internos florais, sem ter de destruir a flor tornando-se possível o seguimento das mesmas flores, de forma diária, desde a sua abertura até ao emurchecimento floral. No caso de N. cavanillesii, estas observações foram realizadas à vista desarmada já que a estrutura aberta da flor deixa totalmente expostas as partes florais. pág. 76 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Em N. serotinus, registou-se também a intensidade do cheiro que emanavam as flores, assim como a presença de pólen sobre o estigma. Nesta espécie e ao longo deste estudo verificou-se a existência de pequenos coleópteros, no interior da flor e por isso a sua presença, localização e conteúdo em pólen (se transportavam ou não pólen) foi também registado.

3.6.1.2 Resultados

As flores de N. cavanillesii apresentaram uma duração média de 5.00 ± 1.04 dias (n=12), resultado ligeiramente inferior ao obtido para N. serotinus cujas flores apresentaram uma duração média de 5.49 ± 1.22 dias (n=75). Embora o número de flores de N. cavanillesii seja muito inferior (12) às seguidas para N. serotinus (75), os resultados obtidos podem considerar-se representativos da escassa variabilidade das partes florais, observada entre os indivíduos de N. cavanillesii (tabela 13). As observações diárias revelaram um comportamento distinto do desenvolvimento floral, nestas duas espécies.

Em N. cavanillesii, as tépalas abrem gradualmente durante o primeiro dia da floração, expondo todos os orgãos florais e permanecendo abertas até ao fim da floração. O estigma apresenta sempre o mesmo comprimento, estando à altura das anteras e dos estames superiores, desde o momento da ântese. Os estames superiores encontram-se na sua posição definitiva, desde o início da abertura da flor, mas não existe libertação de pólen até ao 2º-3º dia. Relativamente aos estames inferiores, verifica-se que no momento da abertura se encontram na parte inferior da flor atingindo a altura dos estames superiores, a partir do 2º-3º dia mas não se observando libertação de pólen até ao 3º dia. Não foram detectadas diferenças na receptividade estigmática ao longo da idade floral (tabela 13). Apresenta-se em anexo um diagrama das fases florais de N.cavanillesii (Anexo IV).

Em N. serotinus, o estigma aumentou o seu comprimento durante o primeiro dia até atingir o nível superior do tubo tepalino e apenas ocasionalmente o ultrapassou. Os estames superiores encontram-se na parte superior do tubo desde o momento da abertura da flor, começando a libertar pólen a partir do 2º dia. A evolução dos estames inferiores foi distinta permanecendo na parte inferior do tubo até o 4º dia, embora libertassem pólen desde o 3º dia (tabela 13).

Tabela 13. Quadro comparativo da evolução da receptividade do estigma e da libertação de pólen durante a vida da flor de N. cavanillesii e de N. serotinus. N. cavanillesii Ântese N. serotinus Receptividade N. cavanillesii estigmática N. serotinus N. cavanillesii Libertação pólen N. serotinus Dias 1 2 3 4 5

Em N. serotinus, a maior intensidade no cheiro das flores no terceiro e quarto dia (provavelmente devido a uma maior produção de néctar) coincide com a libertação do pólen das anteras inferiores. Este padrão de floração poderá ter implicações na eficiência da polinização dos diferentes insectos visitantes. Embora em N. serotinus a atracção de

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polinizadores, devido à produção de néctar, parece ser contínua durante quase toda a floração, pode ser mais intensa no momento da abertura das anteras inferiores, sendo esta a altura em que os indivíduos apresentam maior probabilidade de sucesso na troca polínica. Este facto verifica-se em certa medida, com a observação de coleópteros sobre as flores (figura 35). A maior proporção de coleópteros cobertos com pólen observou-se nos dias 2, 3 e 4, coincidindo com uma hipotética maior produção de néctar (associado a um cheiro mais intenso) e com a libertação de pólen.

20 18 16 Zona das anteras 14 Ao nectar 12 10 8

% coleopteros % 6 4 2 0 1234567 Idade da flor

Figura 35. Proporção de coleópteros observados nas flores de N. serotinus com distintas idades (n= 151).

O seguinte quadro (tabela 14) resume as semelhanças e diferenças entre a biologia floral das duas espécies de Narcissus estudadas.

Tabela 14. Quadro comparativo da biologia floral de N. cavanillesii e N. serotinus. Fases florais N. cavanillesii N. serotinus Duração média flor (dias) 5.00 ± 1.04 5.49 ± 1.22 Estigma longo Sempre Um dia depois da antese Posição dos Superiores Sempre acima Sempre acima estames Inferiores Sobem do 2º para o 3º dia Sobem do 3º para o 4º dia Libertação de Anteras superiores No 2º / 3º dia No 2º dia pólen Anteras inferiores No 3º dia No 3º dia Cheiro Pouco aparente Mais intenso no 3º e 4º dia

3.6.1.3 Discussão

Os resultados da biologia floral permitiram determinar o melhor momento, para a realização das polinizações manuais de N. cavanillesii. Neste sentido, e já que segundo ensaios prévios efectuados, o estigma esteve sempre receptivo e com a mesma intensidade, o primeiro dia da floração seria o mais apropriado para efectuar com maior eficiência, os cruzamentos entre flores de diferentes plantas (xenogamia); nesta altura, o pólen da própria

pág. 78 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 planta ainda não tinha sido libertado, minimizando desta forma uma possível autofecundação. A partir do 2º dia com a abertura das anteras, primeiro das superiores e seguidamente das inferiores, já seriam possíveis também as polinizações autogâmicas. A libertação progressiva de pólen proporciona mais oportunidades para a realização deste tipo de cruzamentos até ao fim da floração.

Igualmente, em N. serotinus não se verificaram diferenças na receptibilidade estigmática, nas distintas idades florais, podendo assumir que o primeiro dia da flor é o que apresenta maiores probabilidades de sucesso para os cruzamentos xenogâmicos (Marques 2001/2002). A libertação progressiva do pólen a partir do 2º dia da flor permite realizar cruzamentos quer autogâmicos quer xenogâmicos (nestes polinizando sempre flores que apresentem todas as anteras fechadas).

O facto de N. cavanillesii apresentar protogínia, maduração dos órgãos sexuais femininos antes dos masculinos, facilitaria em com a exposição total das anteras e do estigma, os processos de polinização cruzada. Pelo contrário, em N. serotinus o estigma e o pólen são funcionais simultaneamente, sendo à partida favorecidos os cruzamentos autógamos. Nesta espécie a estrutura da flor e o tubo tepalino escondem os órgãos florais, dificultando as fecundações xenógamas.

3.6.2 SISTEMA DE CRUZAMENTO

O tipo de sistema de cruzamento representa um parâmetro vital num ciclo de vida duma planta pelo seu efeito directo na estrutura genética, dinâmica e processos evolutivos. O conhecimento das suas características significa conhecer as falhas reprodutivas e portanto, desenhar medidas correctivas mais coerentes para a sua estratégia de conservação.

A autogamia represente uma vantagem adaptativa pois a planta pode produzir frutos sem estar dependente dos vectores de polinização. Em condições de reduzida polinização cruzada, por exemplo em condições ambientais pouco favoráveis (Herrera et al., 2004) ou quando exista limitação ou competição pelos polinizadores (Fausto et al., 2001) a autogamia pode ser seleccionada como um mecanismo que permite assegurar a reprodução.

Porém, após várias gerações, a autogamia pode ter produzido um número de plantas geneticamente uniformes, sem possibilidade de dar origem a novas combinações genéticas. Esta falta de variabilidade pode provocar a extinção da espécie se esta não for capaz de se adaptar a novas variações climáticas ou ecológicas (Pérez de Paz, 2002). Esta perda de viabilidade por consanguinidade ou inbreeding depression é considerada como uma das potenciais ameaças para a sobrevivência da espécie (Jonston & Schoen, 1996; Castillo, 1998; Culley et al., 1999).

Assim, este estudo teve como principal objectivo determinar o sistema de cruzamento de N. cavanillesii verificando a importância e dependência dos vectores de polinização para que ocorra fertilização.

pág. 79 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.6.2.1 Metodologia

Para a determinação do sistema de cruzamento das duas espécies de Narcissus estudadas realizaram-se polinizações manuais, nas populações naturais de N. cavanillesii e de N. serotinus da Ajuda e também de Montes Juntos. Experiências prévias foram realizadas no Outono de 2001, onde foram desenvolvidas as diferentes técnicas a utilizar e obtidos os primeiros resultados de biologia reprodutiva (Rosselló et al., 2001). Como foram detectados alguns erros metodológicos (Rosselló et al., 2001) as experiências tornaram a ser repetidas no Outono de 2002.

Para este estudo foi imprescindível embolsar as gemas florais antes da sua abertura, para evitar o acesso dos polinizadores. Assim, etiquetaram-se as gemas florais antes da sua abertura e foram embolsadas utilizando bolsas de celofane. Estas bolsas retiraram-se no momento da polinização manual e voltaram-se a colocar para evitar o acesso dos insectos, cuja actividade poderia interferir nos resultados. As flores foram polinizadas segundo os tratamentos detalhados na Tabela 15.

Tabela 15. Resumo das manipulações efectuadas em cada cruzamento e as suas implicações ecológicas (adaptado de Dafni, 1992). Cruzamento Tratamento Significado ecológico Controlo Flores não embolsadas, sem Avaliação da polinização sob polinização manual. condições naturais. Autogamia Flores embolsadas sem nenhum Verificação da necessidade ou passiva tipo de polinização manual. não de vectores de polinização para que ocorra autofertilização. Autogamia Embolsamento. Verificação da necessidade ou induzida Polinização manual do estigma não de vectores de polinização de uma flor com o pólen dessa para que ocorra autofertilização. mesma flor. Polinizadores podem induzir a autopolinização que não ocorreria espontaneamente. Indicação da existência de sistemas de autocompatibilidade/ incompatibilidade. Xenogamia Flores emasculadas * (remoção Verificação da necessidade ou das anteras), embolsadas e não de vectores de polinização polinizadas com pólen de pelo para que ocorra fertilização. menos 10 indivíduas da mesma Indicação da existência de população (intrapopulacional) ou sistemas de compatibilidade. de outra população (interpopulacional). * No N. serotinus só foi possível retirar as anteras superiores já que a remoção das inferiores danificaria a flor; tal, não deverá interferir nestes resultados uma vez que, a remoção das anteras e as polinizações manuais são feitas antes das anteras estarem abertas, quer sejam superiores ou inferiores. As polinizações realizaram-se sempre utilizando pólen fresco (do mesmo dia) colhido nas flores, pouco depois da antese (momento da abertura da flor). Nas duas espécies de Narcissus realizaram-se experiências prévias, para a determinação da receptibilidade do estigma, mediante o método do peróxido de hidrogénio (Galen & Kevan, 1980), para pág. 80 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 determinar o momento mais idóneo para realizar as polinizações. Estas experiências não revelaram, em nenhuma espécie, diferenças na receptibilidade estigmática, nas diferentes idades florais. Portanto, optou-se por realizar as polinizações manuais no momento em que houvesse menos riscos de contaminação com pólen próprio (nos tratamentos de xenogamia), mas que coincidisse com a presença de pólen disponível para os tratamentos de autogamia induzida.

No caso do N. cavanillesii, a abertura das anteras dos estames superiores ocorreu a partir do segundo dia e por isso, as polinizações realizaram-se sobre estigmas de 2 dias, após a antese. No N. serotinus, o pólen estava disponível desde o primeiro dia da abertura da flor realizando-se as polinizações no primeiro dia.

Relativamente aos cruzamentos de xenogamia interpopulacional os indivíduos de N. cavanillesii da população da Ajuda foram polinizados com pólen procedente de indivíduos de Montes Juntos (tabela 16). Plantas de N. serotinus de Montes Juntos foram polinizadas com pólen de outras flores da mesma população e indivíduos da Ajuda com pólen de indivíduos da mesma localidade, de indivíduos próximos à Aldeia da Luz e ainda com pólen procedente de uma população perto de Badajoz (Espanha).

Tabela 16. Número de polinizações realizadas para cada tratamento assim como, a distância entre as diversas populações. Tratamento N. cavanillesii N. serotinus Distância (Km) Controlo 60 60* Autogamia passiva 60 60 Autogamia induzida 60 60 Xenogamia intrapopulacional 60 60 (Ajuda-Ajuda) Xenogamia intrapopulacional ----- 43 (Montes Juntos-Montes Juntos) Xenogamia interpopulacional 60 60 31 (Ajuda -Montes Juntos (♂)) Xenogamia interpopulacional ----- 40 53 (Ajuda - Aldeia da Luz (♂)) Xenogamia interpopulacional ----- 43 23 (Ajuda - Badajoz (♂)) * : estes números correspondem ao controlo da população de Ajuda e de Montes Juntos respectivamente. ♂: população dadora de pólen.

Estas experiências com N. serotinus a nível de xenogamia interpopulacional pretendiam determinar a existência de sistemas de compatibilidade da população de Ajuda com outros núcleos populacionais de características ecológicas semelhantes distribuídas num gradiente ao longo do rio Guadiana. Deste modo seria testada a relação entre a existência de sistemas compatibilidade ou autoincompatibilidade entre as populações estudadas em aumentar a distância entre elas ao longo do rio.

À medida que as flores foram entrando em emurchecimento, as bolsas de celofane foram retiradas para permitir o correcto desenvolvimento dos frutos, identificando-se os indivíduos que deram frutos permitindo calcular o ratio frutos/flores. O nível de compatibilidade foi estimado mediante o índice de autoincompatibilidade (ISI) (Lloyd & pág. 81 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Schoen, 1992). Este índice permite estimar a capacidade da espécie para formar frutos se houver limitação de polinizadores, relacionando o número de frutos formados a partir da autopolinização e o número de frutos formados por polinização cruzada segundo a seguinte fórmula:

Fra

Fla ISI = Frc

Flc Fra: frutos formados por autogamia passiva Fla: flores onde se efectuou autogamia passiva Frc: frutos formados por xenogamia intrapopulacional Flc: flores onde se efectuou xenogamia intrapopulacional

Este índice tem a seguinte classificação: 0 a espécie é completamente autoincompatível <0.2 principalmente autoincompatível >0.2 <1 parcialmente autoincompatível >1 autocompatível

Apresenta-se em anexo um diagrama resumido, do processo de determinação do sistema de cruzamento (Anexo V).

Já foi referida a importância dos estudos relativos ao sistema de cruzamento das espécies no âmbito da biologia da conservação. Neste sentido, torna-se evidente a necessidade de adquirir conhecimentos relativos à taxa de formação de sementes (ratio sementes/fruto) nos vários cruzamentos realizados. Com a finalidade de calcular este parâmetro e momentos antes da deiscência dos frutos, as cápsulas foram embolsadas utilizando uma tela de nylon, com uma malha de 0.4 mm que permite a transpiração e evita a dispersão das sementes. Posteriormente procedeu-se à contagem, para cada fruto, das sementes viáveis e das abortadas mediante abertura directa dos frutos à lupa (LEICA WILD M3B, ampliação: 16X e 40X). Efectuou-se uma análise ANOVA (p<0.05) para comparar o número de sementes produzidas por fruto, em cada um dos tratamentos e para cada uma das espécies, aplicando-se o teste de Scheffe que permite comparar os dados e agrupá-los segundo a sua semelhança. Finalmente também foi analisado o peso médio das sementes viáveis produzidas nas polinizações manuais efectuadas. Esta variável é importante já que poderia ocorrer uma elevada produção de sementes num determinado tratamento, mas com um menor peso médio comparativamente às procedentes de outro tipo de polinização. Considera-se que o peso das sementes está positivamente correlacionado com a capacidade de germinação e com o vigor das plântulas.

Neste sentido, o conjunto de sementes viáveis procedente de cada um dos frutos foi pesado utilizando uma balança de precisão (SARTORIUS, precisão de mg) sendo posteriormente calculada a média do peso das sementes por tratamento. No tratamento estatístico do peso das sementes também se efectuou uma análise ANOVA (p<0.05) para comparar o peso das

pág. 82 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 sementes produzidas por fruto, em cada um dos tratamentos e para cada uma das espécies, aplicando-se quando existirem diferenças significativas, os testes de Scheffe ou de Duncan.

3.6.2.2 Resultados

Em N. cavanillesii verificou-se a formação de frutos em todos os tratamentos efectuados. No entanto, os valores obtidos para a frutificação foram diferentes para os distintos tratamentos aplicados. As flores N. cavanillesii provenientes de polinizações cruzadas formaram significativamente mais frutos que as provenientes de autocruzamentos ou cruzamentos induzidos (Mann-Whitney U = 1020, p<0.001 e U = 1350, p <0.01 respectivamente). Este aspecto concorda com o valor do ISI obtido (0.32) podendo-se considerar que N. cavanillesii é uma espécie parcialmente autoincompatível.

Estes resultados indicam que a espécie é capaz de formar frutos por autopolinização embora seja mais favorável a frutificação a partir de cruzamentos de indivíduos diferentes. As percentagens mais altas correspondem às polinizações xenogâmicas (tabela 17), salientando a importância da acção dos polinizadores no sucesso reprodutivo desta espécie.

Nas polinizações realizadas entre indivíduos de diferentes populações (xenogamia interpopulacional) obtiveram-se valores de frutificação semelhantes aos obtidos nos cruzamentos xenogâmicos intrapopulacionais (Mann-Whitney U=366.00, p=0.969; tabela 7).

Estes resultados indicam que actualmente, a espécie não apresenta problemas de depressão exogâmica. Isto significa que a diferenciação genética entre as populações de N. cavanillesii de Ajuda e de Montes Juntos não é suficientemente grande para evitar o cruzamento entre seus indivíduos. Se nalgum momento as duas populações estiveram mais próximas, devido à existência de populações intermédias, as causas que provocaram a sua separação devem ser recentes e não parece ter havido uma evolução genética independente das populações; as duas continuam a partilhar um número suficiente de genótipos compatíveis, que permitem uma frutificação com sucesso, mediante polinizações entre elas. Este resultado é particularmente importante se futuramente forem necessárias acções de reforço populacional.

Tabela 17. Valores de frutificação de N. cavanillesii obtidos nos tratamentos de polinização realizados na população da Ajuda (Outubro 2002). n= 60 cruzamentos realizados. Tratamento Frutos/flores Controlo 0.50 ± 0.50 Autogamia induzida 0.20 ± 0.40 Autogamia passiva 0.38 ± 0.49 Xenogamia Ajuda-Ajuda 0.63 ± 0.48 Xenogamia Ajuda-Montes Juntos (♂) 0.60 ± 0.49 ♂: população dadora de pólen.

No caso de N. serotinus todos os tratamentos de polinização realizados também levaram à formação de frutos salientando-se o facto que em condições naturais, N. serotinus produz mais frutos que N. cavanillesii. Apenas 25% das plantas com bolsas produziram frutos

pág. 83 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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(tabela 18). Contudo, as polinizações de autogamia induzida aumentaram a produção de frutos para 42% (tabela 18), não diferindo significativamente do controlo e dos tratamentos xenógamos (Mann-Whitney U=1560, p=0.142; tabela 18). Assim, embora N. serotinus seja uma espécie autocompatível, as actividades dos visitantes florais parecem ser importantes para os processos de auto-polinização (Marques 2001/2002).

Com estes resultados, o valor do ISI foi de 0.56, indicando que se trata de uma espécie parcialmente autoincompatível. Os diversos tratamentos de xenogamia interpopulacional não apresentaram diferenças significativas entre eles (H=6.026, p=0.110), indicando que as distintas populações de N. serotinus não se encontram geneticamente muito afastadas .

Tabela 18. Valores de frutificação de N. serotinus resultantes dos diversos tratamentos de polinização realizados nas populações de Montes Juntos e da Ajuda em Outubro de 2001. n=nº de cruzamentos realizados. Tratamento Frutos/flores Controlo Montes Juntos 0.67 ± 0.46 Autogamia induzida 0.42 ± 0.15 Autogamia passiva 0.25 ± 0.14 Xenogamia M. Juntos-M. Juntos 0.45 ± 0.49 Controlo Ajuda 0.68 ± 0.45 Xenogamia Ajuda-Ajuda (♂) 0.44 ± 0.50 Xenogamia Ajuda-Montes Juntos (♂) 0.27 ± 0.38 Xenogamia Ajuda-Luz (♂) 0.35 ± 0.48 Xenogamia Ajuda-Badajoz (♂) 0.28 ± 0.45 ♂: população doadora de pólen.

Relativamente à taxa de formação de sementes observa-se que N. cavanillesii forma significativamente menos sementes por fruto nas polinizações de autogamia passiva em comparação com as de xenogamia (tabela 19). O mesmo foi verificado para N. serotinus embora a taxa de formação de sementes seja maior que a de N. cavanillesii.

Tabela 19. Formação de sementes viáveis/fruto de N. cavanillesii e N. serotinus nos cruzamentos efectuados. Indicam-se também os resultados da análise estatística efectuada. Dentro da mesma coluna, os tratamentos com letra igual não diferem significativamente (teste de Scheffe, p<0.05). Destacam-se em negrito os tratamentos que produziram um maior número de sementes viáveis. Tratamento N. cavanillesii N. serotinus Controlo 4.42 a,b 9.15 a Autogamia induzida 3.32 a,b 2.53 b Autogamia passiva 2.54 b 3.12 b Xenogamia Ajuda-Ajuda 5.66 a 6.00 a Xenogamia Ajuda-Montes Juntos (♂) 6.00 a 7.33 a Controlo Montes Juntos - 9.03 a Xenogamia M. Juntos-M. Juntos (♂) - 8.91 a Xenogamia Ajuda-Luz (♂) - 8.85 a Xenogamia Ajuda-Badajoz (♂) - 9.12 a ♂: população dadora de pólen.

Porém, para N. cavanillesii não foram detectadas diferenças significativas no peso das sementes ao contrário de N. serotinus onde foram encontradas diferenças significativas consoante os tratamentos efectuados (tabela 20). Salienta-se que as xenogamias efectuadas pág. 84 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 entre as populações de Ajuda e de Montes Juntos assim como, entre Ajuda e Badajoz, formam sementes com significativamente maior peso que nos restantes tratamentos. Por outro lado, as sementes dos indivíduos controlo de Montes Juntos, da autogamia passiva e da xenogamia intrapopulacional em Montes Juntos destacam-se por as suas sementes terem um peso significativamente menor (Marques 2001/2002).

Tabela 20. Quadro comparativo do peso médio das sementes viáveis (mg) para N. cavanillesii e N. serotinus (média ± st. dev.). Indicam-se também os resultados da análise estatística efectuada. Tratamento N. cavanillesii N. serotinus Controlo Ajuda 1.75 ± 0.45 1.57 ± 0.49 a,b Autogamia induzida 1.64 ± 0.35 1.52 ± 0.51 a,b Autogamia passiva 1.72 ± 0.54 1.35 ± 0.42 b Xenogamia Ajuda-Ajuda 1.65 ± 0.49 1.55 ± 0.38 a,b Xenogamia Ajuda-Montes Juntos 1.80 ± 0.80 1.78 ± 0.28 a Controlo Montes Juntos - 1.23 ± 0.40 b Xenogamia M. Juntos-M. Juntos - 1.34 ± 0.60 b Xenogamia Ajuda-Luz - 1.45 ± 0.60 a,b Xenogamia Ajuda-Badajoz - 1.82 ± 0.39 a Dentro da mesma coluna, os tratamentos com igual letra não diferem significativamente (teste de Duncan, p<0.05). Destacam-se em negrito os tratamentos que produziram sementes com um maior peso.

3.6.2.3 Discussão

N. cavanillesii apresenta protogínia, favorecendo os processos de fecundação cruzada perante as fecundações autógamas. Esta situação é coerente com os resultados relativos à produção de frutos pois formaram-se significativamente mais frutos nos tratamentos xenógamos em comparação com os autógamos. Em comparação, o facto de N. serotinus formar mais frutos no controlo que N. cavanillesii, evidenciando uma certa limitação na reprodução deste último, pode estar relacionado com uma maior viabilidade do pólen ou com uma diferente actividade dos polinizadores (Marques 2001/2002).

A frutificação, tal como a floração ou a germinação, necessita de um input de energia e de nutrientes. Esta acumulação e alocação de recursos pode influenciar padrões de frutificação e regular a quantidade e o tamanho das sementes produzidas. Os resultados para N. cavanillesii relativos à formação de sementes por fruto indicam que as fecundações por xenogamia dão lugar a uma maior produção de sementes do que por autogamia passiva. Ou seja, a espécie responde mais favoravelmente em termos de taxa de formação de sementes quando existe troca de pólen com outros indivíduos. Este facto poderá ser explicado pela existência de um património genético mais diversificado como consequência das xenogamias efectuadas.

Dada a importância das xenogamias, torna-se relevante salientar a relevância dos polinizadores naturais e da sincronia da floração. Quanto mais sincronizada for a floração, ou seja, quanto mais flores estiverem abertas simultaneamente, maior será a probabilidade de troca de pólen entre as várias flores. Paralelamente, terão que existir vectores de polinização disponíveis e eficientes no favorecimento desta acção. Estes resultados são coerentes com os obtidos para esta espécie no que se refere à formação de frutos

pág. 85 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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(frutos/flores). Igualmente para este parâmetro, as polinizações xenogâmicas levaram à formação de mais frutos, em comparação com os frutos formados por autogamia passiva.

No entanto, analisando o peso das sementes verificou-se que não existem diferenças significativas entre os diferentes tratamentos realizados. Para este parâmetro é indiferente a procedência das sementes. Tal poderá ser explicado pelo facto de ainda haver recursos disponíveis e por isso as sementes formadas não terem tido nenhum constrangimento a nível energético durante esta fase do seu desenvolvimento.

3.6.3 ENSAIOS DE GERMINAÇÃO

Uma elevada produção de sementes não é sinónimo de sucesso reprodutivo já que estas sementes podem ter uma baixa qualidade genética ou uma viabilidade muito reduzida, traduzindo-se neste caso, numa baixa taxa de germinação (Stephenson, 1980). Desta forma, torna-se importante avaliar a capacidade de germinação das sementes formadas e comparar os distintos tratamentos efectuados.

Assim, este estudo teve como principal objectivo determinar as condições de temperatura mais apropriadas à germinação de N. cavanillesii determinando a sua percentagem de germinação e ainda o T50, número de dias que as sementes demoram a atingir 50% da percentagem final de germinação.

3.6.3.1 Metodologia

Durante o Outono de 2001 foram colhidas na Ajuda sementes de N. cavanillesii e de N. serotinus com a finalidade de conhecer as melhores condições para a sua germinação. Com este objectivo, sementes de ambas as espécies foram colocadas a germinar num fitoclima (SELECTA HOTCOLD-GL). Não existindo trabalhos prévios relativos à germinação destas sementes (Thompson, 1977), estas foram colocadas nas condições de temperatura e fotoperíodo habitualmente utilizadas na germinação de sementes provenientes das latitudes mediterrâneas (Baskin & Baskin, 2001): Temperaturas: 10ºC, 15ºC, 20ºC, 15/25ºC e 25ºC. Fotoperíodo: 16h:8h (luz/escuridão).

Em cada tratamento (um por cada uma das temperaturas) utilizaram-se 100 sementes que foram colocadas em 4 caixas de Petri de 7 cm de diâmetro (25 sementes/placa) com papel de filtro humedecido com água destilada. De 2 em 2 dias contaram-se as sementes germinadas. Considerou-se que uma semente germinou quando a respectiva radícula media pelo menos 2 mm, finalizando-se o ensaio quando, num periodo de 3 dias consecutivos de registo dos dados, não se detectaram novas germinações. No final foram calculadas as percentagens de germinação em cada tratamento, assim como o respectivo T50 (número de dias que as sementes demoram a atingir 50% da percentagem final de germinação). Os dados foram transformados utilizando a transformação do arcoseno e uma vez normalizados, efectuou-se uma análise ANOVA (p<0.05) para comparar os resultados, aplicando posteriormente o teste de Scheffe que permite comparar os dados e agrupá-los segundo a sua semelhança. pág. 86 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.6.3.2 Resultados

Os ensaios de germinação realizados evidenciaram que N. cavanillesii germina numa elevada percentagem a 10ºC e 15ºC (83.79% e 91% respectivamente). A germinação é muito reduzida a 20ºC e nula a 15/25ºC e 25ºC. A análise de variância detectou diferenças significativas entre as percentagens de germinação consoante as temperaturas, sendo 10ºC e 15ºC as condições em que a germinação é significativamente mais elevada (tabela 21).

Tabela 21. Percentagem de germinação de sementes (média ± st. dev.). n= 100. Indicam-se também os resultados da análise estatística efectuada. As comparações foram efectuadas utilizando o teste de Scheffe (p< 0.05). Os tratamentos com igual letra não diferem significativamente. Em negrito destacam-se as maiores percentagens de germinação obtidas em N. cavanillesii. Germinação (%) Temperatura N. cavanillesii N. serotinus 10 ºC 83.79 ± 7.46 a 95.00 ± 3.83 15 ºC 91.00 ± 3.82 a 98.00 ± 4.00 15/25 ºC 00.00 ± 00.00 b 95.00 ± 6.00 20 ºC 3.04 ± 3.84 b 95.00 ± 6.00 25 ºC 00.00 ± 00.00 b 94.00 ± 4.00

Estes resultados demonstraram que as temperaturas de 10ºC e de 15ºC são as temperaturas para as quais as sementes de N. cavanillesii germinam numa percentagem mais elevada e significativamente diferente da obtida nas restantes condições testadas. Pelo contrário, N. serotinus possui uma elevada percentagem de germinação, superior a 94%, em todas as temperaturas testadas (tabela 21). Neste caso, a análise de variância efectuada não detectou diferenças significativas entre os resultados de germinação para as diferentes temperaturas testadas (p<0.05). Estes resultados indicam que não existe uma correlação estreita entre a temperatura e a percentagem de germinação em N. serotinus.

Porém, a análise de variância efectuada detectou diferenças significativas entre os valores de T50 das várias temperaturas testadas, atingindo as sementes de N. cavanillesii mais rapidamente 50% da percentagem de germinação total a uma temperatura de 15ºC (tabela 22).

Estes resultados, assim como os obtidos na percentagem de germinação, indicam que 15ºC parece ser a temperatura mais apropriada para a germinação de sementes de N. cavanillesii por proporcionar uma percentagem de germinação mais elevada (91%) assim como um menor T50 (15.75 dias). A 15ºC a germinação começou mais cedo e numa maior proporção, facto que se reflecte num menor T50 para esta temperatura (figura 36).

pág. 87 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Tabela 22. T50 de N. cavanillesii e N. serotinus para cada temperatura (média ± st. dev.). n= 100. Indicam-se também os resultados da análise estatística efectuada. As comparações foram efectuadas utilizando o teste de Scheffe (p< 0.05). Os tratamentos com igual letra não diferem significativamente. Indica-se em negrito o menor valor de T50. T (dias) Temperatura 50 N. cavanillesii N. serotinus 10 ºC 19.00 ± 0.82 a 20.75 ± 0.50 c 15 ºC 15.75 ± 0.96 b 15.00 ± 0.00 b 15/25 ºC -- 9.50 ± 0.57 a 20 ºC -- 10.25 ± 0.50 a 25 ºC -- 10.50 ± 1.73 a

Figura 36. Evolução temporal da germinação das sementes de N. cavanillesii (esquerda) e N. serotinus (direita). Convém salientar que os valores nulos encontram-se sobrepostos nas abcissas. Salientam-se as diferentes escalas para o nº de sementes germinadas.

Relativamente a N. serotinus as sementes têm um menor T50 a temperaturas superiores a 15ºC, ou seja, atingem mais rapidamente 50% da germinação total do que as sementes provenientes dos outros tratamentos. A análise da variância revelou que o número de dias que uma semente demora a atingir o T50 é significativamente diferente entre as temperaturas de 10ºC e de 15ºC e as temperaturas superiores a 15ºC (15/25ºC, 20ºC e 25ºC) (tabela 22).

Analisando estes resultados em conjunto com os da percentagem de germinação, verifica- se que 15/25ºC, 20ºC e 25ºC seriam os melhores valores de temperatura, de entre os testados, para a germinação de sementes de N. serotinus, já que favorecem uma germinação mais rápida.

pág. 88 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 3.6.3.3 Discussão

N. cavanillesii demonstrou uma elevada germinação nas temperaturas mais baixas testadas (10ºC e 15ºC) e uma germinação praticamente nula a temperaturas superiores ao contrário de N. serotinus que parece não apresentar um requisito térmico específico para germinar.

Em condições naturais, as sementes poderiam germinar imediatamente após a sua dispersão (final do Outono - início do Inverno) pois teriam uma temperatura ambiental apropriada. Do ponto de vista ecológico, é vantajoso as sementes germinarem apenas quando existem as condições ideais ao seu desenvolvimento. As sementes que não germinaram durante o período de temperaturas ambientais apropriadas, poderiam entrar em dormência até ao ano seguinte. No entanto, estas sementes não apresentam características de dormência e pelos resultados apresentados no capítulo 3.7 não existe um banco de sementes do solo ou apresenta um papel muito reduzido no ciclo de vida destas espécies. Assim, o output reprodutivo destas espécies depende essencialmente da descendência produzida em cada ano. Um ano de condições desfavoráveis poderá restringir severamente o sucesso da espécie, nomeadamente no caso de N. cavanillesii.

3.6.4 SUCESSO REPRODUTIVO DE N. CAVANILLESII

O sucesso reprodutivo depende de vários factores que controlam a floração, frutificação e produção de sementes (Primack, 1987). Adicionalmente, o sucesso reprodutivo encontra-se condicionado pelo sistema reprodutivo duma espécie (Byers & Meagher, 1992; DeMauro, 1993, Torres et al., 2002) afectando a diversidade genética (Les et al., 1991) e o sucesso dos indivíduos (Kittelson & Maron, 2000). Certas condições, por exemplo, baixo número de indivíduos em floração simultânea ou indivíduos próximos geneticamente pouco distintos podem afectar significativamente a formação de frutos e sementes. Sistemas de autoincompatibilidade e mecanismos de aborto pós-fertilização devido a problemas de depressão endogâmica podem igualmente afectar o desenvolvimento da descendência.

Assim, este estudo teve como principal objectivo determinar o sucesso da descendência de N. cavanillesii. Os resultados obtidos permitem estimar a existência de depressão endogâmica nas populações estudadas.

3.6.4.1 Metodologia

A redução do sucesso reprodutivo, devido a uma baixa variabilidade genética, pode ser medida desde as primeiras etapas do ciclo de vida das plantas (Menges 1991; Waser & Price 1994). Por isso, vários autores têm utilizado as taxas de formação de frutos, de sementes, o peso das sementes formadas, a taxa de germinação ou a taxa de sobrevivência e crescimento das plântulas para calcular os níveis de depressão endogâmica nas espécies em estudo (Charlesworth 1988; Stevens & Bougourd, 1988; Waser & Price 1994; Fischer & Matthies 1997; Quilichini et al. 2001; Navarro & Guitián, 2002).

Assim, para estimarmos o sucesso da descendência (W) de N. cavanillesii, o seguinte índice foi utilizado para cada tratamento de polinização: pág. 89 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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W = w1x w2 x w3x w4 x w5 x w6 x w7 Onde: w1 = formação de frutos (fruit set); w2 = formação de sementes (seed set); w3 = peso das sementes; w4 = percentagem final de germinação; w5 = T50; w6 = vigor da radícula: w7 = nº de dias até ao aparecimento da primeira folha.

Todas as variáveis foram previamente transformadas dividindo a variável pelo valor mais elevado obtido em cada tratamento. W varia entre 0-1.

3.6.4.2 Resultados

Os valores mais elevados de sucesso reprodutivo (figura 37) vieram dos cruzamentos de xenogamia intrapopulacional (0.87), ao contrário dos cruzamentos autógamos que produziram os menores valores de sucesso reprodutivo (0.20). Os cruzamentos intrapopulacionais e interpopulacionais apresentaram resultados semelhantes (0.87 vs 0.70, respectivamente).

1

0.8

0.6

0.4

0.2 c 0 w1 w2 w3 w4 w5 w6 w7 w

Controlo 0.79 0.78 0.94 0.94 1 0.87 0.94 0.45 Autogamia 0.6 0.52 0.96 0.87 1 0.82 0.91 0.19 XenoIntrap 1 0.98 1 0.79 1 0.95 0.97 0.87 XenoInterp 0.95 1 0.85 0.87 1 1 1 0.7

Figura 37. Coeficientes de sucesso reprodutivo (W) em cada tratamento de polinização. w1 = fruit set; w2 = seed set; w3 = peso das sementes; w4 = percentagem final de germinação; w5 = T50; w6 = vigor da radícula e w7 = nº de dias até ao aparecimento da primeira folha. W representa o coeficiente total.

pág. 90 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 3.6.4.3 Discussão

Uma caracterização realista dos efeitos da depressão endogâmica deve incluir quantificações relativas ao sucesso da descendência proveniente de cruzamentos autogâmicos e xenogâmicos (Stevens & Bougourd 1988). Em muitas espécies de plantas, a depressão endogâmica encontra-se associada a uma redução da descendência proveniente de autogamia, em comparação com a descendência da xenogamia (Menges 1991; Quilichini et al. 2001). O nível de endogamia varia com o tipo de sistema de cruzamento e encontra-se relacionado com o tamanho populacional (Ellstrand & Elam, 1993).

Os coeficientes de sucesso reprodutivo de N. cavanillesii demonstram um melhor desenvolvimento da descendência xenogâmica em comparação a descendência autogâmica, o que sugere a existência de depressão endogâmica nas populações portuguesas de N. cavanillesii. Estes resultados são também apoiados pelos dados de formação de frutos e sementes, pois a sua produção também foi menor nos cruzamentos autogâmicos em comparação com os xenogâmicos. Estes resultados demonstram o impacto da depressão endogâmica nas populações de N. cavanillesii e deverão ser considerados nas estratégias de gestão destas populações.

pág. 91 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.7 INTERACÇÕES PLANTA-INSECTO

Os estudos no âmbito da área da interacção planta-insecto são um contributo fundamental para a informação base da espécie alvo (Gorb et al. 2000; Quilichini & Debussche, 2000; Gouverde et al., 2002; Lau & Galloway, 2004; Schöning et al., 2004). A importância ecológica dos insectos como vectores de polinização é considerada crucial (Kearns et al. 1998). Alterações na comunidade de polinizadores e/ou no seu comportamento devido por exemplo, a fragmentação ou perda do habitat, poderá ter consequências directas na estrutura e dinâmica da população vegetal (Gouverde et al. 2002).

Para além dos visitantes florais, os agentes de dispersão são cruciais no ciclo de vida de determinadas plantas funcionando como predadores e/ou como agentes de dispersão de sementes. Desta forma, estes agentes poderão ter um impacto negativo reduzindo a quantidade de descendência produzida ou poderão favorecer a espécie permitindo a colonização de novas áreas, muitas vezes de forma mais rápida. No caso das formigas elas poderão adquirir alimento em vários níveis tróficos (Petal, 1978). Uma parte considerável das espécies é polífaga (consumidoras de material vegetal ou animal), no entanto, existem também espécies bastante especializadas como é o caso das colectoras de sementes (Petal, 1978). A este nível, elas podem actuar como predadoras ou como agentes de dispersão das sementes influenciando o sucesso de cada espécie e afectando a dinâmica populacional (Espadaler & Gómez, 1996).

O impacto da herbivoria na produção da planta tem sido várias vezes abordado. A herbivoria por parte dos insectos pode influenciar severamente as populações de plantas (Ricklefs, 1990) através da acção dos insectos mastigadores de folhas (Lepidoptera, Coleoptera, Orthoptera), sugadores de seiva (Hemiptera e Thysanoptera) ou minadores de folhas (Diptera, Lepidoptera, Coleoptera e Hymenoptera) (Gullan & Cranston, 1994). Estes insectos têm normalmente uma influência negativa, quer ao nível da quantidade de biomassa, quer ao nível da proporção de sementes consumidas pelos herbívoros (Ricklefs, 1990).

Neste sentido este estudo teve como objectivos principais determinar 1) os vectores de polinização de N. cavanillesii e a sua eficiência; 2) o papel das formigas na dispersão/predação das sementes e 3) os principais herbívoros de N. cavanillesii e o seu impacto no sucesso desta espécie.

3.7.1 VECTORES DE POLINIZAÇÃO

Frequentemente as espécies de plantas raras ocorrem em pequenas populações, mais ou menos isoladas, como resultado da fragmentação, destruição ou deterioração dos seus habitats naturais (Petanidou et al. 1995). Nestas condições o fluxo genético é normalmente afectado e estas populações ficam mais susceptíveis a fenómenos de deriva genética e endogamia (Petanidou et al. 1995). Caso se tratem de espécies dependentes dos agentes de polinização entomófilos, a redução dos polinizadores poderá ser um importante factor limitante, contribuindo a longo prazo, para a extinção local dessas espécies (Kearns & Inouye, 1997; Meffe, 1998). pág. 92 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Outro aspecto que poderá estar inerente a estes pequenos núcleos isolados de plantas é a sua incapacidade de atracção de um número elevado de polinizadores (Kwak, 1988). Por este motivo estas plantas raras poderão ser bastante influenciadas pelas espécies circundantes em floração (Petanidou et al. 1995). De forma geral, esta interacção com outras espécies florísticas poderá traduzir-se em 2 tipos principais de fenómenos interação: 1) facilitação: quando a presença de uma espécie promove uma maior taxa de visita noutra espécie, sem prejuízo próprio ou 2) competição: quando ocorre limitação do sucesso reprodutor devido à partilha de polinizadores entre duas espécies que coexistem (Dafni, 1992). Assim, o destino destas plantas estará bastante dependente da preservação das suas relações mutualistas com os polinizadores e com todo o conjunto de organismos que afectam tanto a planta como o polinizador (Kearns & Inouye, 1997).

O conjunto das espécies de insectos, não necessariamente próximas em termos taxonómicos, com atributos que as tornam polinizadores efectivos de uma determinada planta, deve ser reconhecido como um grupo funcional de polinizadores (Corbet, 1997). É de salientar que este grupo funcional de polinizadores é algo que pode variar pois encontra- se sujeito tanto a variações espaciais como temporais. Não obstante, haverá um sub-grupo formado por espécies que se destacaram pela sua abundância e eficácia como polinizadores (Corbet, 1997).

Entende-se por um polinizador eficaz aquele que: a) deposita com maior frequência pólen no estigma das flores que visita; b) por visita deposita uma maior quantidade de grãos de pólen no estigma; c) cujo pólen depositado se encontra com maior viabilidade (Herrera, 1987).

Deste modo, a avaliação da eficiência de um polinizador deve ter em consideração a componente quantitativa e a qualitativa (Herrera, 1987). Devem ser reunidas informações sobre a taxa da visita e duração das mesmas e também informações sobre o comportamento dos visitantes como por exemplo, o contacto entre o estigma e as anteras da mesma flor.

Assim, este estudo teve como principais objectivos:

1. Recolha e identificação dos insectos visitantes 2. Determinação da taxa de visita, do nº de revisitas/flor e estudo da actividade diária dos insectos visitantes. 3. Avaliação da eficiência como polinizador de cada tipo de insecto visitante, através da observação do seu comportamento, taxa de visita e pólen transportado. 4. Comparação da taxa de visita e entomofauna visitante entre vários núcleos, tendo em vista o estudo do efeito de diferentes densidades de flores na atracção dos polinizadores. 5. Avaliação da existência de processos de competição/facilitação entre N. cavanillesii e N. serotinus.

pág. 93 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.7.1.1 Metodologia

Em 2000 devido a execução da translocação da população de Montes Juntos (último ano na localidade original), considerou-se importante a realização de observações relativas à comunidade de insectos visitantes. De forma paralela foram também realizadas nesta localidade observações a flores de N. serotinus das imediações dos núcleos de N. cavanillesii de forma a avaliarmos os processos de competição/facilitação entre estas duas espécies. Estes estudos continuaram na nova localidade, receptora da população translocada e também na população da Ajuda, funcionando esta última como um controlo para as nossas experiências

A metodologia utilizada consistiu na observação contínua, das flores de um determinado núcleo durante períodos contínuos de 30 min. As observações tiveram lugar em períodos cujas condições atmosféricas eram favoráveis à actividade dos insectos (períodos de sol e ausência de precipitação). Adicionalmente também foram registados os valores de temperatura e humidade relativa com uma cadência de 30 minutos ao longo dos períodos de observação, com o auxílio de um termo-higrómetro.

No ano 2000 as observações realizadas em Montes Juntos limitaram-se a dois núcleos, H e K pois estes eram os únicos com um número suficiente de flores para se realizar este estudo. Pelos mesmos motivos, na Ajuda as observações tiveram sempre lugar no tabuleiro da ponte (figura 38). Nesse ano foram também realizadas observações nocturnas. Para esse fim, procedeu-se à filmagem contínua (modalidade de filmagem infra-vermelho), durante 1 hora, 3 vezes durante as 21h30m e as 3h30m.

Figura 38. Observações as flores de N. cavanillesii no tabuleiro da Ponte da Ajuda.

Para N. cavanillesii, o número de flores observadas em Montes Juntos correspondeu ao total de flores abertas no núcleo, em determinado dia. Na localidade da Ajuda, devido à elevada densidade de flores, as observações foram limitadas ao número máximo de flores possível de observar em simultâneo. Por dia, em cada núcleo, procedeu-se à contagem e etiquetagem das flores abertas e à elaboração de um esquema da sua posição relativa (localização individual ou por quadrantes, dependendo da densidade de flores). Em 2000 este procedimento só teve lugar em 2 dias de observação enquanto em 2001 foi executado em todos os dias que se realizaram observações. Esta metodologia permitiu calcular a posteriori o número de visitas/flor.

Durante o período de observação foram descritos para o gravador o tipo de insectos visitantes observados, a duração das visitas, o número de flores visitadas, a hora da visita e pág. 94 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 o comportamento do visitante floral (tipo de recurso colectado: pólen/néctar; e contacto com anteras/estigma). Em 2001, os núcleos A, B, E e K, com diferentes densidades de flores, foram observados no mesmo dia para posterior comparação da taxa de visita e da entomofauna visitante.

Adicionalmente, em 2001 durante o período de floração foi efectuada uma amostragem de pólen de N. cavanillesii e de outras espécies em floração naquele momento, para elaboração de uma pequena colecção de pólen de referência (palinoteca), com o intuito desta auxiliar posteriormente à identificação do pólen acumulado no corpo dos insectos. O pólen foi colocado em álcool a 70% e actualmente encontra-se conservado no Banco de Germoplasma “António Luís Belo Correia” do MNHN.

Para a avaliação da existência de competição/facilitação entre as duas espécies de Narcissus, foram realizadas também observações a N. serotinus, relativamente ao número de visitas e tipo de visitantes. Em 2000, a existência de flores de N. serotinus nas imediações dos núcleos de N. cavanillesii possibilitou observações simultâneas às duas espécies adoptando-se para isso a metodologia descrita anteriormente. Contudo, em 2001 a inexistência desta situação impossibilitou o estudo da influência entre as duas espécies de Narcissus, pelo que se optou por realizar em 2003 na Ajuda as mesmas observações.

Para a elaboração da lista dos insectos visitantes de ambas as espécies procedeu-se à captura de insectos observados a visitar as flores. É de salientar que estas capturas não coincidiram com os momentos em que se fizeram observações para a determinação da taxa de visita. Os exemplares capturados foram guardados a seco e/ou álcool a 70% tendo em vista a sua posterior identificação. A identificação deste material entomológico ficou a cargo de especialistas de cada um dos grupos: Himenopteros- Natural History Museum, Dr. Nuno Oliveira (FCUL); Dipteros- Alexandre Gomes (EAN); Lepidopteros- Engª Elisabete Figueiredo (ISA) e Coleopteros- Dr. Mário Boieiro (FCUL). Estes insectos formam actualmente parte da colecção de referência dos insectos visitantes de N. cavanillesii depositada no MNHN.

3.7.1.2 Resultados

Na floração de 2000 foram realizadas 35 horas de observação a 294 flores de N. cavanillesii registando-se 339 visitas (taxa de visita = 0.03 visitas/flor/hora – 1.15 visitas/flor). Como principais insectos visitantes, destacam-se indivíduos pertencentes à subfamília Megachilinae (46.04% das visitas) embora exemplares da subfamília Halictinae e da família Syrphidae fossem também responsáveis por um número elevado de visitas correspondendo a 27.13% e 18.91% respectivamente (figura 39). Todas as flores marcadas foram visitadas pelo menos uma vez mas o número de visitas registado em cada flor foi bastante variável (máximo=18, mínimo=1). Em relação às observações nocturnas, não foi detectado qualquer tipo de actividade de insectos nas flores de N. cavanillesii (Albano & Salvado, 2001).

pág. 95 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Lycaenidae 4,88% Outros 0,01% Outros Diptera 3,04%

Halictinae 27,13% Syrphidae 18,91%

Megachilinae 46,04%

Figura 39. Principais insectos visitantes de N. cavanillesii e percentagem relativa de visitas (n= 339).

Em 2001 as condições atmosféricas permitiram realizar, ao longo da floração da planta, 43 horas de observações. Na localidade de Montes Juntos, comparativamente a 2000, foi detectada uma maior diversidade de insectos visitantes e uma maior taxa de visita (1278 visitas a 110 flores - taxa de visita = 0.31 visitas por flor por hora). À semelhança do que sucedeu em 2000, o pico das visitas ocorreu entre as 12 e as 14 horas, período no qual as condições de temperatura e humidade foram as mais idóneas para a actividade dos insectos. A actividade diária encontra-se esquematizada na figura 40, onde estão também indicadas as variações da temperatura e humidade relativa.

50 60 45 50 40 35 40 30 25 30 20 20 15 10 10 5 0 0 12h 13h 14h 15h 16h

Figura 40. Variação da taxa de visita (barras cinzentas; valores no eixo da esquerda) e dos valores de Temperatura ºC (linha vermelha; valores no eixo da direita) e Humidade Relativa % (linha azul; valores no eixo da direita) ao longo do dia.

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Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 As observações efectuadas em 2001 revelaram como visitantes mais frequentes os insectos do grupo Halictinae, Calliphoridae e Xilocopinae (figura 41).

Lepidoptera não Colletinae identificados 0.16% Xilocopinae 0.32% 21.22% Halictinae 39.67% Lycaenidae 0.64%

Apinae 1.27%

M egachilinae 1.43%

Syrphidae 3.58% Calliphoridae outros Diptera outros Hymenoptera 21.46% 6.68% 3.58% Figura 41. Principais insectos visitantes de N. cavanillesii e percentagem relativa de visitas em Montes Juntos em 2001 (n= 1258 insectos visitantes).

Na localidade da Ponte da Ajuda foi registada para N. cavanillesii uma taxa de visita consideravelmente superior: 1.30 visitas por flor por hora (552 visitas a 85 flores). È de salientar que os visitantes observados nesta localidade também foram observados em Montes Juntos embora com percentagens relativas de visitas distintas (Halictinae – 83%; Megachilinae – 10.60%; Syrphidae – 5.30%; outros Hymenoptera – 1.10%).

Estes resultados indicam distintas taxas de visita entre os indivíduos de N. cavanillesii das duas populações portuguesas. Considerando que os principais grupos de insectos visitantes são comuns às duas populações, então as diferentes taxas poderão ser resultado da diferente densidade de indivíduos ou do efeito distinto das espécies acompanhantes.

Por outro lado, as duas populações encontram-se submetidas de forma distinta à influência da albufeira, facto que poderá ter influenciado o comportamento dos insectos. O próprio processo de desmatação poderá ter contribuído para as diferenças encontradas.

Contudo, entre os diferentes núcleos da população de Montes Juntos não foram detectadas diferenças entre o número de visitas por flor, não se verificando nenhuma tendência quanto à influência da densidade de flores, na taxa de visita (tabela 23). O registo de um número de visitas muito diferente a núcleos com um número equivalente de flores observadas no mesmo dia (10/10/01) e os dados obtidos no dia 04/10/01 em dois núcleos com diferente número de flores, revelam a existência de outros factores determinantes da taxa de visita como por exemplo as condições ambientais. No entanto, a monitorização dos vectores de polinização permitiu constatar que as características da ecologia da polinização de N. cavanillesii não foram negativamente afectadas pelo processo de translocação.

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Tabela 23. Taxa de visita nos núcleos monitorizados e correspondentes densidades de flores. Núcleo Data Nº visitas Densidade de flores Nº visitas / flor B 03/10/01 18 5 3.60 A 04/10/01 33 3 11.00 K 04/10/01 162 26 6.23 K 05/10/01 156 17 9.18 A 10/10/01 130 8 16.25 E 10/10/01 23 9 2.56 A 11/10/01 160 9 17.78 K 11/10/01 596 33 18.06

No que se refere à relação entre as taxas de visita e a posição relativa das flores no núcleo, o conjunto dos dados recolhidos não é suficiente para fazer a análise pretendida em relação à sequência das visitas devido à reduzida taxa de visita registada. No entanto, quanto à distribuição espacial das visitas às flores e/ou quadrantes apresentamos a título exemplificativo (Anexo VI) os dados relativos ao dia em que se verificou uma maior taxa de visita.

A figura 42 mostra alguns insectos durante as suas visitas às flores de N. cavanillesii.

Aricia cramera (Lycaenidae, Lepidoptera) Halictinae (Hymenoptera)

Megachilinae (Hymenoptera)

Figura 42. Imagens de alguns dos insectos visitantes das flores de N. cavanillesii.

Quanto às visitas observadas em 2000 para N. serotinus verificou-se uma taxa de visita superior à registada para N. cavanillesii (0.11 visitas/flor de N. serotinus/hora). Os Sirfídeos foram responsáveis por 90% destas visitas (tabela 24). A taxa de visita dos Sirfídeos a N. serotinus (0.10 visitas/flor/hora) foi bastante superior à observada para N. cavanillesii (0.01 visitas/flor/hora). É de salientar que 4% das visitas a N. cavanillesii foram de indivíduos que, durante uma mesma sequência de visitas, visitaram ambos as espécies de Narcissus (visitas intercaladas). Estas visitas intercaladas apenas foram efectuadas por insectos da família Syrphidae. pág. 98 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Tabela 24. Percentagem relativa de visitas a N. serotinus efectuada por cada taxon visitante (dados de 2000) (n= 398 visitas). Insecto visitante Visitas (%) Syrphidae (Díptera) 90 Outros Díptera 8 Apis sp. (Apinae, Hymenoptera) 0.5 Lepidoptera 0.25 Megachilinae (Hymenoptera) 0.25

De forma complementar ao estudo realizado em 2000, no Outono de 2003 foram efectuadas na localidade da Ajuda um total de 37 horas de observação a flores de N. serotinus. Estas observações efectuaram-se durante 18 dias entre as 10-12 h. e as 14-16 h.. em períodos de 30 minutos. Registou-se uma taxa de visita de 0.048 visitas/flor/hora. Como principais insectos visitantes, salientam-se indivíduos pertencentes à família Syrphidae e subfamília Megachilinae (figura 43).

Lepidoptera Halictinae 4% 15%

Syrphidae 41%

Megachilinae 27%

Apinae Anthophorinae 1% 12%

Figura 43. Principais insectos visitantes de N. serotinus e percentagem relativa de visitas (Ajuda, 2003) (n= 537).

Do conjunto das observações efectuadas ao longo do projecto foi possível efectuar uma lista dos insectos visitantes de N. cavanillesii e N. serotinus (tabela 25).

Tabela 25. Insectos visitantes de N. cavanillesii e N. serotinus. A negro em azul salientam-se os visitantes exclusivos da primeira e da segunda espécie respectivamente. Os restantes grupos de insectos correspondem a vistantes comuns para ambos taxa (Próxima página).

pág. 99 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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ORDEM HYMENOPTERA Fam Apidae Subfam Apinae Apis sp. Subfam Xylocopinae Ceratina cucurbitina Fam Halictidae Subfam Halictinae Halictus sp. Lasioglossum sp. Fam Megachilidae Subfam Megachilinae Megachile sp. Fam Colletidae Subfam Colletinae Hylaeus sp. Fam Formicidae Subfam Formicinae Plagiolepis pygmaea

Fam Anthophoridae Subfam Anthophorinae Anthophora sp. Amegilla sp. ORDEM DIPTERA Fam Syrphidae Subfam Syrphinae Episyrphus balteatus

Subfam Milesiinae Eristalis tenax Eristalis pratorum Eristalinus taeniops Fam Calliphoridae Subfam Rhiniinae Stomorhina lunata ORDEM LEPIDOPTERA Fam Lycaenidae Subfam Polyommatinae Aricia cramera

Fam Noctuidae Subfam Plusiinae Autographa gama ORDEM COLEOPTERA Fam Nitidulidae Subfam Meligethinae Meligethes sp. pág. 100 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Caracterização do comportamento dos insectos visitantes

Os insectos visitantes de N. cavanillesii caracterizam-se por serem generalistas quanto ao tipo de habitat e de flores visitadas. Esta comunidade de insectos polinizadores é comum nos mais variados tipos de habitats desde que estes não sejam sujeitos a alterações consideráveis no coberto vegetal ou outro tipo de perturbações (Kearns & Inouye, 1997).

Os visitantes do grupo Megachilinae, foram aqueles que se destacaram pelo maior número de visitas/min. e por uma elevada probabilidade de contacto do corpo com o estigma, devido ao maior tamanho destes indivíduos e abundância de pêlos no corpo (tabela 26). O seu contributo efectivo para a polinização desta planta poderá ser semelhante ao de outros grupos com maior percentagem de visitas, tais como Halictinae e Xilocopinae. Comparativamente a estes, os indivíduos da família Calliphoridae exibiram um comportamento nas flores que não contribuiu tão eficazmente para a dispersão de pólen, devido ao reduzido número de visitas efectuadas (Albano & Salvado, 2003).

Tabela 26. Comportamento dos insectos visitantes (dados de 2000 e 2001). “?” – número insuficiente de visitas não permitindo a caracterização destes grupos. Média ± Desvio Padrão. Número Contacto com o Tipo de recurso Insecto visitante Tempo de visita visitas/min. estigma e anteras colectado 5.67 ± 6.52 15.10 ± 27.74 Halictinae Nem sempre néctar n= 71 n= 665 12.95 ± 11.07 2.73 ± 1.38 Megachilinae Sempre néctar n= 16 n= 214 5.38 ± 2.86 13.56 ± 16.39 Xilocopinae Nem sempre néctar n= 35 n= 118 5.23 ± 5.88 12.20 ± 20.95 Syrphidae Nem sempre pólen n= 28 n= 110 2.97 ± 2.95 73.06 ± 84.93 Calliphoridae Nem sempre pólen n= 10 n= 36 24.48 ± 28.06 Lycaenidae ? Nem sempre néctar n= 19 10.18 ± 24.02 Apinae ? ? néctar/pólen n= 11

Na tabela 27 encontra-se um sumário dos vários aspectos do comportamento dos insectos durante as suas visitas às flores de N. serotinus. Destes resultados destaca-se o comportamento dos insectos da família Anthophoridae (Ordem Hymenoptera), não observado em N. cananillesii, que revelaram várias características promissoras do ponto de vista da eficiência como polinizadores: elevado número de visitas por minuto e contacto do corpo muito frequente com estigma e anteras durante a visita. Também é de salientar o papel dos Halictinae, Syrphidae e Lepidoptera ao realizarem um maior número de visitas às flores de N. serotinus que às da espécie precedente (Albano & Salvado, 2003).

pág. 101 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004

Tabela 27. Comportamento dos insectos visitantes de N. serotinus (dados de 2001 e 2003). Número Contacto com o Tipo de recurso Insecto visitante Tempo de visita visitas/min. estigma e anteras colectado 7.20 ± 2.11 5.45 ± 3.83 Halictinae Nem sempre Néctar (n=10) (n=80) 5.79 ± 2.32 2.97 ± 1.07 Megachilinae Sempre Néctar (n=12) (n=146) 10.29 ± 3.69 3.16 ± 1.90 Anthophorinae Sempre Pólen/néctar (n=13) (n=375) 9.04 ± 1.88 3.44 ± 1.36 Syrphidae Nem sempre Pólen (n=20) (n=222) 8.11 ± 2.89 3.67 ± 2.38 Lepidoptera Nem sempre Néctar (n=6) (n=70)

3.7.1.3 Discussão

O acompanhamento de várias épocas de floração através da aplicação de metodologias comparáveis, revelou-se extremamente importante para aprofundar a globalidade dos objectivos inicialmente propostos. Os resultados do ano 2001 relativos aos vectores de polinização, permitiram aumentar os conhecimentos já adquiridos durante o primeiro de ano de trabalho. Nomeadamente no que diz respeito à lista de insectos visitantes, esta foi consolidada e completada. Assim, o maior número de visitas observado para cada grupo de visitantes permitiu uma caracterização e uma avaliação mais detalhada do seu comportamento.

A fragmentação da população de N. cavanillesii de Montes Juntos conjuntamente com a época de floração outonal, menos propícia à actividade dos insectos, poderiam explicar a baixas taxas de visita encontradas. No entanto, foram bastante importantes os resultados do acompanhamento das flores marcadas individualmente (revisitas/flor) efectuado em alguns dias, para se constatar que, mesmo nestas condições, as flores foram revisitadas várias vezes durante o dia. A existência de um reduzido número de espécies em floração simultânea e a capacidade de atraírem tanto colectores de pólen como de néctar, terão sido aspectos determinantes para assegurarem as visitas registadas a N. cavanillesii durante o decurso da época de floração (Albano & Salvado, 2003).

A maior diversidade de insectos e a maior taxa de visita verificadas no ano 2001, comparativamente a 2000, bem como as diferenças na percentagem relativa de visitas nos dois anos de estudo, poderão explicar-se por uma floração mais precoce no segundo ano de observações. Esta correspondeu a um período do ano mais propício à actividade dos insectos polinizadores. Contudo, outros aspectos tais como as diferenças de habitat entre o local original (monitorizado em 2000) e o local temporário para onde os núcleos foram translocados e as próprias alterações a que toda a zona esteve sujeita, nomeadamente a desmatação poderão também justificar as diferenças encontradas. A monitorização dos vectores de polinização nestas duas fases do projecto, permitiu constatar que a translocação temporária dos núcleos não terá influenciado negativamente a diversidade de insectos visitantes e a taxa de visita (Albano & Salvado, 2003). Para a definição do grau de eficiência de um determinado visitante como polinizador de uma dada planta, é necessária uma avaliação conjunta de dados quer quantitativos quer qualitativos das visitas (Herrera, 1987). Além do número de visitas, o tempo de visita, o pág. 102 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 contacto do corpo do insecto com o estigma e as anteras, são aspectos que revelam a maior ou menor probabilidade de ocorrência de deposição de pólen no estigma por parte de determinado tipo de visitante. Já o número de visitas/min. permite avaliar sobretudo a sua capacidade de dispersão do pólen entre as flores.

Tendo em conta estes aspectos, os visitantes do grupo Megachilinae, foram aqueles que se destacaram pelo maior número visitas/min. e por uma elevada probabilidade de contacto do corpo com estigma, devido ao maior tamanho destes indivíduos e abundância de pêlos no corpo. Não obstante, apresentaram uma percentagem de visitas relativamente baixa no ano 2001 em Montes Juntos, pelo que podemos considerar o seu contributo efectivo para a polinização de N. cavanillesii como equivalente ao de outros grupos com maior percentagem de visitas tais como Halictinae e Xilocopinae (Albano & Salvado, 2003). Comparativamente a estes, os indivíduos da família Calliphoridae apesar de também evidenciarem uma elevada percentagem de visitas, exibiram um comportamento nas flores (elevado tempo de visita) que não contribuiu tão eficazmente para a dispersão de pólen (reduzido número de visitas/min.). Relacionando estes dados com os resultados obtidos sobre a biologia reprodutiva, evidencia-se uma vez mais a importância dos insectos polinizadores no sucesso reprodutivo de N. cavanillesii.

Quanto à possível influência da espécie N. serotinus sobre as visitas a N. cavanillesii, tendo em conta os dados recolhidos constatou-se que as flores de N. serotinus existentes nas imediações dos núcleos de Montes Juntos terão contribuído para atrair um maior número de visitas de Sirfídeos a N. cavanillesii. Esta hipótese foi sustentada pela maior taxa de visita de Sirfídeos a N. serotinus e pelo registo de visitas intercaladas, numa mesma sequência de visitas, às duas espécies de Narcissus. O facto de não ter ocorrido uma coexistência, espacial e temporal, da floração nos outros anos de projecto impossibilitou a confirmação desta hipótese de facilitação/competição entre as duas espécies. Não obstante foi reunido um conjunto de informações que trazem novos elementos para esta discussão. Apesar das diferenças ao nível da morfologia floral bastante evidentes entre as duas espécies congéneres, verificou-se que grande parte dos insectos visitantes identificados e respectivo comportamento em cada uma delas é coincidente (Albano & Salvado, 2003).

Convém salientar que nos locais actuais para onde foi translocada a população de N. cavanillesii, N. serotinus não existe em tão grande densidade como nos locais originais. Pelas possíveis inter-relações que existem entre estes dois congéneres, nomeadamente a partilha dos principais grupos de insectos polinizadores, é de extrema importância o restabelecimento da situação original no que diz respeito às populações de N. serotinus. Uma vez que a população de N. cavanillesii se encontra limitada a um pequeno número de indivíduos e dispersa em núcleos isolados, as manchas de N. serotinus localizadas nas imediações destes, poderão revelar-se importantes, não só em termos de disponibilidade de recursos para a comunidade local de polinizadores, mas também, desempenhar um papel importante na atracção destes aos pequenos núcleos de N. cavanillesii .

Na lista de insectos visitantes destas duas plantas, estão incluídas espécies que se caracterizam por serem generalistas quanto ao tipo de habitat e de flores visitadas. Devemos considerar como polinizadores funcionais um conjunto de insectos, composto pelos visitantes que se destacam quer pela sua abundância quer pela sua eficiência como

pág. 103 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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polinizadores. No entanto, este grupo funcional de polinizadores é algo indefinido, uma vez que está sujeito tanto a variações espaciais como temporais como foi comprovado nos nossos resultados.

Consequentemente em termos de gestão fica evidente que esta não se deve centralizar na conservação concreta de determinadas espécies que se evidenciaram mais relevantes por uma ou outra razão, mas em proporcionar condições que permitam uma conservação mais alargada ao nível das condições de habitats. Neste caso em particular, que temos uma comunidade de polinizadores bastante generalista e comum a vários tipos de habitats, será suficiente precaver sobretudo alterações consideráveis no coberto vegetal ou outro tipo de perturbações decorrentes por exemplo de uma agricultura intensiva com utilizações excessivas de pesticidas (Kearns & Inouye, 1997).

3.7.2 AGENTES DE PREDAÇÃO/DISPERSÃO DE SEMENTES: FORMIGAS

O conhecimento dos mecanismos de dispersão é considerado crucial para a compreensão do ciclo vital das espécies raras (Lande, 1998). A etapa da dispersão das sementes pode influenciar negativamente o sucesso da espécie ou pelo contrário, pode permitir a população reduzir o seu perigo de extinção (Slatkin, 1987; Ellstrand, 1992).

As sementes e por vezes as suas estruturas de dispersão, são uma fonte de energia para muitas espécies de formigas. A actividade destes insectos pode beneficiar a população de plantas quando actuam como agentes de dispersão mas também podem predar as sementes podendo ter neste caso impactos negativos na população (Gómez & Espadaler, 1995). A distinção entre agentes de dispersão e de predação nem sempre é clara já que muitas espécies de formigas podem funcionar como predadores e dispersar em diferente proporção parte das sementes que recolhem (Beattie & Hughes, 2002).

Assim, este estudo teve como principais objectivos: 1. Inventariação das espécies de formigas e cartografia dos formigueiros localizados nas imediações dos núcleos de N. cavanillesii, na localidade de Montes Juntos antes da translocação. 2. Detecção de predação/dispersão de sementes de N. cavanillesii por parte de formigas. 3. Quantificação da preferência das sementes de N. cavanillesii em comparação com as sementes das principais espécies acompanhantes.

3.7.2.1 Metodologia

Em Agosto de 2001, antes do início do processo de translocação da população de Montes Juntos, foram cartografados os formigueiros localizados nas imediações dos núcleos de N. cavanillesii. Com esta finalidade a diferentes horas do dia foram colocados iscos, que consistiam em pequenas porções de atum enlatado, ao centro de cada núcleo, com o intuito de atrair as formigas obreiras em actividade naquela área. Aquelas que foram detectadas a transportar o isco foram perseguidas até à entrada dos ninhos. Por cada entrada observada num raio de 5 m do local do isco, foi recolhida uma amostra de 3 indivíduos, para posterior pág. 104 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 identificação das espécies e registados os elementos para a sua cartografia. Os indivíduos amostrados foram identificados pelo Dr. Mário Boieiro (Dept. Zoologia da FCUL).

A mesma metodologia foi aplicada no tabuleiro da Ponte da Ajuda. Adicionalmente, para detectar a existência de predação de sementes de N. cavanillesii por parte de formigas foram distribuídas 15 placas de petri ao longo do tabuleiro. Este estudo foi realizado no Outono de 2003 coincidindo com a época de dispersão de N. cavanillesii. Em cada placa de petri foram colocadas 25 sementes de N. cavanillesii e igual quantidade de sementes das principais espécies acompanhantes que também libertam as suas sementes na mesma altura: Scilla autumnalis, Leucojum autumnale e Diplotaxis catholica. Assim, no total foram colocadas 100 sementes em cada placa de petri. N. serotinus não foi incluído neste estudo pelo facto das suas sementes não se conseguirem distinguir das sementes de N. cavanillesii. Todas as sementes foram previamente mortas de forma a não alterar a dinâmica do tabuleiro da ponte. Previamente à colocação das placas de petri no terreno foram efectuados 8 orifícios de ca. 5 mm de diâmetro de forma a permitir a eventual entrada e saída das formigas com as sementes. Estudos prévios tinham determinado que as formigas existentes possuíam uma largura entre 3-4 mm de largura. Assim, durante 3 semanas e com uma periodicidade de 3 dias quantificaram-se as sementes de cada uma das espécies removidas das placas de petri.

3.7.2.2 Resultados

As espécies observadas nos formigueiros existentes nas imediações dos núcleos de Montes Juntos pertencem à subfamilia Myrmicinae, com excepção de Cataglyphis hispanicus e Cataglyphis ibericus que se incluem na subfamilia Formicinae (tabela 28; figura 44).

Tabela 28 e Figura 44. Espécies de formigas observadas nos núcleos de Montes Juntos.

Espécie Núcleos Aphaenogaster iberica A,B,E,F,J Aphaenogaster senilis F,I,K Cataglyphis hispanicus C,F,I Cataglyphis ibericus K Goniomma hispanicum A Leptothorax sp. A, B Messor barbarus F,H,I,J,K Messor bouvieri G,H,K Pheidolle pallidula C Tetramorium meridionale H, I

O esquema com a distribuição espacial dos formigueiros das espécies identificadas nos núcleos é apresentado na Figura 45.

pág. 105 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Figura 45. Distribuição espacial pelos diferentes núcleos dos formigueiros e respectivas espécies.

pág. 106 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Relativamente ao papel das formigas na predação/herbivoria das sementes de N. cavanillesii verificou-se que do total de 375 sementes colocadas apenas 133 não foram removidas das placas de petri (figura 46). Esta remoção foi maior quando as condições climáticas eram mais propícias a actividade das formigas, como por exemplo em dias de sol, sem chuva e sem vento forte. Geralmente, a actividade das formigas começava por volta das 9.00h-10.00h e terminava no final do dia.

1500 1400 1300 1200 1100 1000 900 800 700 Diplotaxis catholica 600 Scilla autumnalis 500 Leucojum autumnale

nº de sementes 400 300 Narcissus cavanillesii 200 100 0 12-11-2003 15-11-2003 18-11-2003 21-11-2003 24-11-2003 27-11-2003 30-11-2003

Figura 46. Remoção das sementes colocadas nas placas de petri. n = 1500 sementes.

Das 1500 sementes colocadas nas 15 placas de petri, as mais removidas foram as de Diplotaxis catholica (27%) seguidas de N. cavanillesii (26%) e Leucojum autumnale (26%). Estes valores são muito semelhantes e não permitem distinguir uma preferência entre estas espécies, ao contrário de Scilla autumnalis cujas sementes foram as menos removidas (21%). A figura 47 revela a distribuição espacial dos formigueiros e das placas de petri no tabuleiro da ponte demonstrando a maior remoção de sementes com a proximidade da entrada dos formigueiros.

3.7.2.3 Discussão

Das espécies identificadas, Messor barbarus e Messor bouvieri aparecem referenciadas como granívoras e algumas das restantes como omnívoras, nomeadamente Aphaenogaster sp. e Pheidole pallidula (Gómez & Espadaler, 1994). Como foi referido, a colheita das sementes pelas formigas pode traduzir-se num efeito positivo (dispersão) ou negativo (predação) em função da espécie de formiga, do seu comportamento e hábitos alimentares. Neste contexto, as formigas granívoras estão consideradas como importantes agentes predadores de diásporas (Andersen, 1989; Crist & MacMahon, 1992). Em concreto, as espécies Messor barbarus e Messor bouvieri já foram identificadas em diversos trabalhos como grandes consumidoras da produção de sementes (Hensen; 2002; Retana et al. 2004; Schöning et al. 2004). Por estes motivos, é importante avaliar o papel das formigas na dispersão/predação das sementes de N. cavanillesii. pág. 107 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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% Predação

Narcissus cavanillesii Leucojum autumnale Scilla autumnalis Diplotaxis catholica 1 rotated shpFormigueiros m by con

PlacaPlaca• 1515 PlacaPlaca• 1313

PlacaPlaca• 1414

PlacaPlaca• 1212 PlacaPlaca• 1111

• PlacaPlaca 1010PlacaPlaca• 99

PlacaPlaca• 88 PlacaPlaca• 77

PlacaPlaca• 55 PlacaPlaca• 66

1 m N

PlacaPlaca• 33 PlacaPlaca• 44

PlacaPlaca• 22 PlacaPlaca• 11

Referência

Figura 47. Distribuição espacial dos formigueiros e das placas no tabuleiro da ponte. pág. 108 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Os estudos de remoção de sementes revelaram o papel de predação/dispersão por parte das formigas embora não ocorra uma preferência pelas sementes de N. cavanillesii. Na época de dispersão de sementes existem poucos propágulos secos capazes de serem levados pelas formigas e provavelmente por isso não exibem muitas preferências alimentares, em comparação com outras épocas do ano. No entanto, os resultados demonstraram uma elevada predação de sementes de N. cavanillesii. Estas sementes foram levadas para outras áreas permitindo a sua colonização de forma mais rápida. Recentemente, foram observadas marcas de micromamíferos sobre o tabuleiro da ponte. A formação de tocas e locais de refúgio tem proporcionado o desenteramento de bolbos e bulbilhos. Estes, são posteriormente levados pelas formigos. Por estes motivos, é importante controlar, não só a actividade das formigas, mas também dos micromamíferos que recentemente se instalaram no tabuleiro na ponte.

3.7.3 INSECTOS COM ACÇÃO HERBÍVORA

Considera-se a herbivoria por parte de insectos mais especializada que a efectuada pelos mamíferos chegando a abranger uma grande variedade de formas. Em termos gerais, os insectos herbívoros não chegam a causar a morte da planta, diminuem o seu fitness com as consequentes repercussões na dinâmica da população vegetal (Strauss & Zangerl, 2002; Hendrix, 1998). Neste sentido, foram efectuados estudos relativos à identificação e monitorização dos potenciais insectos herbívoros de N. cavanillesii na população de Montes Juntos, quer no local original quer no local receptor da população translocada. Observações prévias tinham revelado a existência de herbivoria por parte de insectos na população de Montes Juntos (Rosselló et al. 2001). Esta acção herbívora era sobretudo evidente na população de Montes Juntos em comparação com a de Ajuda e por isso os estudos centraram-se na primeira população. Assim, este estudo teve como principais objectivos:

1. Inventariação e monitorização dos insectos herbívoros presentes na zona dos núcleos de N. cavanillesii 2. Determinação da existência de herbivoria sobre N. cavanillesii.

3.7.3.1 Metodologia

Partindo do princípio que uma parte importante dos potenciais insectos com acção herbívora será epígea, optou-se pelo uso de armadilhas pit-fall, para a captura e monitorização da entomofauna local. Assim, as armadilhas pit-fall foram colocadas, a partir da época de floração, nas imediações dos núcleos na população de Montes Juntos. No total foram montadas 8 armadilhas no terreno, 4 delas foram distribuídas nos núcleos C, G, H e K translocados e outras 4 foram colocadas nos locais originais correspondentes, junto ao rio. Estes núcleos foram seleccionados como sendo representativos da variabilidade de substrato em que ocorre a espécie (o núcleo C e K estão constituídos nomeadamente por solo, o H por rocha e o G por uma mistura de solo e rocha). Esta distribuição espacial das armadilhas teve em vista a comparação da composição e abundância da comunidade de insectos associadas a cada tipo de habitat (local original/local da translocação), que possam ter repercussões no sentido de uma maior ou menor pressão de herbivoria. pág. 109 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Durante o ano de 2001, o conteúdo das armadilhas foi recolhido com uma periodicidade semanal, sendo os insectos, depois de triados, conservados em álcool a 70% para posterior identificação. Foram também efectuadas capturas directas, sempre que eram observados insectos a predar as plantas de N. cavanillesii. Em 2002, também foram colocadas armadilhas, embora a periodicidade de recolha tenha sido menor que no ano anterior. Todo o material capturado foi identificado até à família e sempre que possível, os exemplares mais comuns foram identificados até ao género e em alguns casos até à espécie. A identificação deste material esteve a cargo do Dr. Israel Silva (Dept. Zoologia da FCUL).

3.7.3.2 Resultados

A entomofauna capturada inclui-se na sua maioria na Ordem Coleoptera com exemplares pertencentes a 10 famílias (tabela 29).

Dos insectos capturados apenas a família Curculionidae é considerada como sendo potencialmente herbívora. Indivíduos desta família (Brachycerus sp.) foram várias vezes observados a alimentarem-se de indivíduos de N. cavanillesii comendo as flores ou cortando o caule da planta sugando posteriormente a saiva e produzindo a maioria das vezes, estragos consideráveis na planta (figura 48).

Figura 48. Brachycerus sp. em actividade herbívora numa planta de N. cavanillesii.

Tabela 29. Lista de insectos epígeos identificados na população de Montes Juntos.

ORDEM COLEOPTERA Hypera sp. Fam. Aphodiidae Fam. Endomychidae Aphodius sp. Lycoperdina sp. Fam. Carabidae Fam. Geotropidae Brachinus bellicosus Thorectes sp. Calathus granatensis Fam. Scarabaeidae Hadrocarabus lusitanicus Copris hispanicus Notiophilus quadripunctatus Fam. Staphylinidae Rhabdotocarabus melancholicus Staphylininae; Ocypus sp. Steropus globosus Oxytelinae; Anotylus sp. Fam. Chrysomelidae Fam. Tenebrionidae Alticinae; Apteropeda sp. Akis sp. Chrysomela sp. Fam. Trogidae Fam. Curculionidae Trox sp. Brachyderinae; Sitona sp. ORDEM COLLEMBOLA Brachycerinae; Brachycerus sp. ORDEM HYMENOPTERA Cycloderes sp. Fam. Formicidae pág. 110 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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A monitorização da entomofauna revelou os núcleos C e K como os mais afectados pelos coleópteros, registando-se até 6 famílias (figuras 49 e 50). Neste sentido salienta-se o núcleo K por conter o maior número de exemplares de herbívoros com a excepção da família Troglidae que apresenta mais indivíduos no núcleo C. Os exemplares da família Carabidae foram os coleópteros mais abundantes em todos os núcleos. O herbívoro Brachycerus sp. (Fam. Curculionidae) foi detectado em todos os núcleos mas com uma maior abundância no núcleo K (24.5%).

Comparando a ocorrência de coleópteros entre o local original e o local receptor da população translocada verifica-se a existência das mesmas famílias embora com algumas variações nas suas abundâncias relativas. Igualmente como acontecia no local original, os núcleos C e K são os mais diversos. Contudo, convém salientar que os núcleos C e H aumentam em diversidade de coleópteros passando a conter exemplares de 6 famílias (no local original foram identificadas 3 famílias em cada um destes núcleos). Os Carabidae mantêm-se como os coleópteros mais abundantes em todos os núcleos. A presença de indivíduos de Brachycerus sp. no local receptor da população translocada também foi verificada embora em menor proporção. Neste sentido é de salientar o núcleo K onde a presença deste género de insectos herbívoros passa de 24.5% a 2.38%, assim como o núcleo H onde não foi detectado nenhum exemplar dos mesmos (Albano & Salvado, 2003).

O estudo realizado permitiu concluir que em termos de abundância os Curculionídeos eram mais relevantes no local original do que no local onde os núcleos foram translocados prevendo-se uma diminuição da predação por parte deste grupo. No entanto, a comunidade da entomofauna rastejante detectada no novo local pode-se considerar semelhante há que existia no local original de N. cavanillesii podendo por isso, vir a ser detectada futuramente as mesmas características de predação (Albano & Salvado, 2003).

O seguimento fenológico efectuado nos núcleos de Montes Juntos permitiu quantificar, nesta população, a herbivoria do coleóptero Brachycerus sp. sobre as plantas em estado reprodutor. Destaca-se o núcleo K com uma maior percentagem de exemplares predados (45%), seguido pelos núcleos H, A e E com 15%, 11% e 10% de predação respectivamente (figura 51). Convém salientar que embora o número de indivíduos de Brachycerus sp. detectado nalguns núcleos fosse baixo (2-3 exemplares), a acção herbívora destes foi bem patente. O núcleo J foi o único onde não foi detectada herbivoria. Assim, a percentagem de reprodutores predados foi bastante variável sendo particularmente significativa no núcleo K.

pág. 111 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Locais originais Aphodiidae Carabidae

50 Chrysomelidae Curculionidae 40 Endomychidae 30 Geotropidae 20 Scarabaeidae nº inds nº Staphylinidae 10 Tenebrionidae 0 Trogidae Local C Local G Local K Local H Indeterminado

Locais Novos Aphodiidae Carabidae 70 Chrysomelidae 60 Curculionidae 50 Endomychidae 40 Geotropidae 30 Scarabaeidae Nº indsNº 20 Staphylinidae 10 Figura 49. Número total de Tenebrionidae insectos capturados por família 0 Trogidae relativamente a cada núcleo. A Local C Local G Local K Local H Indeterminado seta destaca a única família de insectos com potencial acção herbívora. Locais originais Indeterminado Trogidae Tenebrionidae 100% Staphylinidae Scarabaeidae 80% Geotropidae 60% Endomychidae 40% Curculionidae Chrysomelidae 20% Carabidae 0% Aphodiidae Local C Local G Local K Local H

Locais Novos Indeterminado 100% Trogidae Tenebrionidae 80% Staphylinidae 60% Scarabaeidae Geotropidae Figura 50. Percentagem de 40% Endomychidae insectos capturados por família, relativamente a cada 20% Curculionidae núcleo e local. A seta destaca a 0% Chrysomelidae única família de insectos com Carabidae potencial acção herbívora. Local C Local G Local K Local H Aphodiidae pág. 112 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Número flores Flores predadas (%)

180 50 160 45 140 40 120 35 30 100 25 80 20 60 15

Número de flores de Número 40

10 Flores predadas (%) 20 5 0 0 ABCEFGH I JK

Figura 51. Percentagem de indivíduos reprodutores predados em 2001 (em relação ao total de indivíduos reprodutores), nos diferentes núcleos da população de N. cavanillesii de Montes Juntos.

3.7.3.3 Discussão

A acção herbívora torna-se particularmente importante pelos impactos negativos que supõe para o ciclo vital da espécie. No caso da espécie em estudo procurou-se compreender o impacto da herbivoria sobre o sucesso desta espécie, pois verificou-se que a produção de frutos e sementes era uma das etapas cruciais para a sobrevivência de N. cavanillesii. Uma diminuição no número de frutos e sementes supõe uma diminuição directa da descendência. Embora N. cavanillesii também se possa reproduzir de forma assexuada, esta pouco contribui a curto prazo para o sucesso da espécie; os seus efeitos apenas são visíveis a longo prazo e supõem uma menor variabilidade genética para a espécie. Assim, era importante estimar o impacto da herbivoria em N. cavanillesii.

O local receptor da população translocada não evidenciou uma maior diversidade de insectos herbívoros em relação ao local onde se encontrava. Neste sentido, não é de esperar que aconteçam alterações nas interacções já existentes entre a população de N. cavanillesii e a entomofauna epigea. Porém, a actividade herbívora por parte de indivíduos da família Curculionidae (Brachycerus sp.) foi considerável danificando, chegando a danificar 45% dos indivíduos reprodutores de N. cavanillesii, do núcleo K. Em termos de gestão da população de Montes Juntos torna-se por isso importante minimizar o impacto da acção herbívora de Brachycerus sp. sobre as plantas de N. cavanillesii.

pág. 113 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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3.8 O HÍBRIDO N. X PEREZLARAE FONT QUER

“Nothing in biology makes sense except in the light of evolution” Dobzansky, 1973

Durante décadas foi argumentado que os processos naturais de hibridação entre organismos geneticamente divergentes raramente teriam sucesso ou dariam origem a indivíduos com um baixo nível de fertilidade. Esta observação geral levou a que muitos evolucionistas, particularmente zoologistas, considerassem o fenómeno de hibridação, do ponto de vista evolutivo, irrelevante ou mesmo uma via morta. Contudo, recentemente esta opinião generalizada tem sido refutada face aos resultados provenientes de estudos envolvendo taxa híbridos (Rieseberg & Carney, 1998; Arnold, et al., 1999; Carney et al., 2000).

Vários cenários podem resultar face à hibridação e recombinação interspecífica. Se estes híbridos permanecerem pouco frequentes, com uma fraca fertilidade e existirem apenas quando as espécies parentais coabitam, então são facilmente reconhecidos como híbridos e espera-se que as consequências da sua existência sejam mínimas (Stace, 1989). No entanto, se produzirem híbridos férteis ou mais competitivos que os parentais então podem tornar- se comuns e aumentar a sua área de distribuição (Carney et al., 2000). O processo pode ainda ser agravado se alguns dos genótipos criados forem mais adaptados que os próprios parentais constituindo desta forma, um mecanismo de evolução adaptativa e diversidade evolutiva (Arnold et al., 1999).

Neste contexto, podem ocorrer processos de especiação, introgressão ou extinção de uma das espécies por assimilação ou depressão exogâmica (Stebbins, 1963; Rieseberg & Wendel, 1993; Carney et al., 2000). O resultado dependerá das preferências ecológicas do híbrido, do seu fitness e das características dos seus progenitores, entre outros factores (Carney et al., 2000).

A capacidade de hibridação natural do género Narcissus está documentada em diversos trabalhos científicos (Fernández, 1969; Barra & López, 1982, 1983; Sánchez & Martínez, 1995). Em condições naturais, nomeadamente em populações fragmentadas e com poucos indivíduos, o fenómeno da hibridação implica uma perda da eficiência reprodutora dos progenitores. Esta perda traduz-se maioritariamente numa diminuição na produção de sementes pertencentes às espécies parentais, devido à competição existente entre os taxa que podem competir pelo próprio pólen e/ou pelos vectores de polinização, assim como por outros recursos (e.g., espaço, nutrientes).

As prospecções de campo desenvolvidas no Outono de 2001 permitiram constatar pela primeira vez em Portugal, a existência do taxon Narcissus x perezlarae Font Quer (figura 52), híbrido natural entre N. cavanillesii e N. serotinus (Marques et al., in press).

A área de distribuição conhecida para este taxon, até ao início do presente projecto, estava restrita às províncias espanholas de Sevilha (Valdés & Müller-Doblies, 1984; Roales, 1999) e Alicante (MA 547236, MA 547242). Embora tivesse sido colhido pela primeira pág. 114 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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vez em Cádiz, nos finais do Século XIX, não se voltou a constatar a sua presença nesta província (Galán de Mera, 1994). A descoberta de Narcissus x perezlarae em Portugal revela a existência no país, de um taxon que até o momento tinha passado inadvertido, trazendo novos dados para uma melhor compreensão da sua distribuição e ecologia.

Este híbrido foi descrito nos finais do Sec. XIX, com base em plantas colhidas em Cádiz (Espanha), por Pérez Lara sob o binómio de Carregnoa dubia Pérez Lara (Pérez Lara, 1882). Posteriormente, Font Quer reparou na origem híbrida deste taxon e fez a recombinação nomenclatural do mesmo, para Narcissus x perezlarae Font Quer (Font Quer, 1927), passando esta a ser a sua denominação correcta.

No Outono de 2001, Narcissus x perezlarae foi observado na localidade de Montes Juntos e na localidade de Ajuda. Em Montes Juntos encontrou-se um conjunto de 5 indivíduos, no núcleo K de N. cavanillesii. Na Ajuda, este híbrido também foi observado, ocorrendo no tabuleiro da ponte, nas suas proximidades e ainda a 400 m a montante da ponte, formando grupos de vários exemplares que cresciam muito juntos (ca. 62 indivíduos nesta localidade). A partir desse momento, os indivíduos híbridos foram Figura 52. Narcissus x perezlarae periodicamente observados, constatando nalguns Font Quer. casos a produção de sementes viáveis.

Considerando estas observações e conhecendo as potenciais ameaças do híbrido N. x perezlarae, nomeadamente a sua evolução noutros locais, como por exemplo a sua recente especiação na Comunidade Valenciana (Soler, 1998; Marques et al., 2002) considerou-se fundamental avaliar o impacto deste taxon em N. cavanillesii.

3.8.1 EXPERIÊNCIAS DE HIBRIDAÇÃO ARTIFICIAL

De forma a serem determinadas as potenciais ameaças da ocorrência de N. x perezlarae, foram realizadas polinizações manuais interspecificas entre os dois taxa parentais (tabela 30; figura 53). Esta experiência permitirá avaliar a força das barreiras reprodutivas como um mecanismo contra os processos de hibridação. Adicionalmente, será possível quantificar o sucesso que terá a geração híbrida F1 e inferir a sua contribuição nas próximas gerações.

As polinizações foram efectuadas in situ, utilizando pólen dos indivíduos de N. cavanillesii e N. serotinus existentes na Ajuda, adoptando a metodologia detalhada no capítulo 3.4.2. Todos os frutos formados foram recolhidos, utilizando as habituais bolsas de nylon. Desta forma foi eliminada a dispersão de sementes, evitando a contaminação genética artificial, nesta área.

pág. 115 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Tabela 30. Resumo dos cruzamentos interspecíficos realizados e as suas implicações ecológicas

TRATAMENTO POLÍNICO SIGNIFICADO ECOLÓGICO Avaliação da troca polínica entre N. cav. em N. cav x N. cav condições naturais (controlo) Análise da força da barreira reprodutiva de N. ser N. cav x N. ser face a polen interespecífico Análise da força da barreira reprodutiva de N. cav N. ser x N. cav face a polen interespecífico Avaliação da troca polínica entre N. ser em N. ser x N. ser condições naturais (controlo)

Figura 53. Imagem onde se pode observar os dois parentais: N. serotinus (mais alto e de cor branco) e N. cavanillesii (mais baixo e de cor amarelo intenso) assim como três exemplares de Narcissus x perezlarae com caracteres intermédios. As sementes foram quantificadas mediante abertura directa dos frutos à lupa (LEICA WILD M3B, ampliação 16X). Efectuou-se uma análise ANOVA (P<0.05) para comparar o número de sementes produzidas por fruto, em cada um dos tratamentos. Foi aplicado o teste de Scheffe para comparar e agrupar os dados segundo o seu grau de semelhança.

Posteriormente as sementes foram utilizadas em ensaios de germinação utilizando as condições óptimas de fotoperíodo e temperatura definidas no capítulo 3.4.3. Assim, as sementes provenientes de qualquer tratamento em que tivesse ocorrido intervenção de N. cavanillesii foram colocadas a germinar a uma temperatura de 15ºC. Pelo contrário, as pág. 116 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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restantes sementes foram colocadas a germinar a 20ºC. O fotoperíodo foi de 16h:8h (luz/escuridão) para as sementes provenientes de qualquer cruzamento.

No final foram calculadas as percentagens de germinação para cada tratamento, assim como o respectivo T50 (nº de dias que as sementes demoram a atingir 50% da percentagem final de germinação). Igualmente, foi efectuada uma análise ANOVA (P<0.05) para comparar os dados, aplicando posteriormente o teste de Scheffe.

3.8.2 DADOS AUTOECOLÓGICOS

Em todas as polinizações manuais efectuadas verificou- se a formação de frutos (figura 54). Contudo, os valores de frutificação são significativamente diferentes (Kruskal Wallis H=23.740, P<0.05; tabela 31). Os valores de frutificação mais baixos correspondem às polinizações efectuadas em N. serotinus, utilizando pólen de N. cavanilesii (tabela 31). Os resultados demonstram a assimetria do processo de hibridação e o seu impacto negativo para N. cavanillesii: para a formação de frutos foi indiferente receber pólen de si próprio ou do seu congénere (tabela 31).

O facto dos híbridos naturais não existirem sempre que os dois progenitores estão presentes significa que devem existir mecanismos isoladores que actuam de forma a prevenir os processos de hibridação. Estes mecanismos dividem-se em pré-zigóticos e pós – Figura 54. Frutificação de zigóticos, consoante actuem antes ou depois da Narcissus x perezlarae. fertilização e a sua eficácia determinará a taxa de hibridação (Stace, 1989). Os mecanismos pré-zigóticos incluem normalmente as barreiras geográficas, ecológicas, fenológicas ou de incompatibilidade gametofítica ou esporofítica (Carney et al., 1994; Rieseberg et al., 1995).

Tabela 31. Valores de frutificação dos cruzamentos interspecíficos realizados. n= 60 cruzamentos realizados em cada tratamento.

TRATAMENTO FRUIT SET N. cav x N. cav (♂) 0.50 ± 0.50 N. cav x N. ser (♂) 0.44 ± 0.50 N. ser x N. ser (♂) 0.45 ± 0.50 N. ser x N. cav (♂) 0.12 ± 0.32 A possibilidade de formação de frutos indica que as primeiras barreiras reprodutivas (pré- zigóticas), normalmente existentes e que impedem os processos de hibridação foram ultrapassadas. Contudo, pela menor taxa de formação de frutos, N. serotinus apresenta uma maior resistência a estes processos, indicando que esta espécie possui barreiras reprodutivas mais fortes e melhor estabelecidas. Pelo contrário, para a frutificação de N.

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cavanillesii é indiferente que receba pólen da sua própria espécie ou do seu congénere, N. serotinus.

Contudo, quando todas estas barreiras falham podem actuar os mecanismos pós-zigóticos que incluem a inviabilidade e/ ou a esterilidade da geração híbrida, assim como uma redução do seu fitness reprodutivo (Arnold & Hodges, 1995; Fishman & Willis, 2001). Assim, embora a fertilização tenha ocorrido podem entrar em acção outros mecanismos que dificultem a existência do embrião formado. O mais frequente traduz-se numa paragem do desenvolvimento do embrião, por incompatibilidade genética ou pela ausência do tecido nutritivo que normalmente rodeia o embrião (Stace, 1980).

Considerando a importância destes mecanismos para este taxon foram efectuados estudos que permitissem inferir a viabilidade do híbrido e a sua futura influência. Assim, verificou- se que em todos os frutos produzidos ocorreu a formação de sementes viáveis, não variando significativamente o seu número entre os tratamentos efectuados (Kruskal Wallis H= 7.655, P= 0.054; tabela 32).

Contudo, apesar da quantidade de sementes formadas não ser estatisticamente diferente, o seu peso varia consoante o tratamento efectuado (Kruskal Wallis H= 29.399, P<0.005). No cruzamento interspecífico em que N. serotinus é a espécie receptora e N. cavanillesii a espécie dadora de pólen embora exista uma menor formação de frutos, as sementes formadas apresentam um peso médio superior ao cruzamento intraespecífico em N. serotinus (1.802µg em comparação com 1.734µg; tabela 32). Pelo contrário, as sementes provenientes do cruzamento em que N. cavanillesii é o receptor e N. serotinus o dador de pólen possuem o menor peso registado (1.247µg), sendo ainda mais leves que as resultantes do cruzamento intraespecífico em N. cavanillesii (1.247µg em comparação com 1.431µg; tabela 32). Esta diferença de peso nas sementes formadas terá consequências ecológicas e evolutivas diferentes, consoante o híbrido formado.

Tabela 32. Nº de sementes formadas por fruto (seed set), peso médio das sementes, percentagem de germinação e velocidade de germinação (T50) das sementes provenientes dos diferentes tratamentos. n= nº total de frutos viáveis provenientes das polinizações efectuadas. Tratamento Seed set Peso sementes (µg) % germ T50 (dias) N. cav x N. cav (♂) 3.33 ± 2.14 1.431 ± 3.839 93.00 ± 3.82 16.50 ± 1.29 n=30 N. cav x N. ser (♂) 4.19 ± 2.84 1.247 ± 3.040 99.00 ± 2.00 16.00 ± 0.82 n= 26 N. ser x N. ser (♂) 3.59 ± 4.53 1.734 ± 7.263 95.00 ± 5.03 7.75 ± 1.71 n=27 N. ser x N. cav (♂) 1.71 ± 0.76 1.802 ± 4.588 83.33 11.00 n=7

A percentagem de germinação das sementes formadas é muito elevada (tabela 32; figura 55), não sendo detectadas diferenças entre si (Kruskal Wallis H= 6.892, P=0.075). Pelo contrário a velocidade de germinação (T50) é significativamente entre as sementes provenientes dos diferentes tratamentos (Kruskal Wallis H= 9.184, P<0.05). De facto, a maior velocidade de germinação corresponde às sementes dos cruzamentos pág. 118 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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intraespecíficos envolvendo N. serotinus (ca. 8 dias; tabela 32). Para as sementes dos cruzamentos intraespecíficos e interespecíficos envolvendo N. cavanillesii (N. cav x N. cav (♂) e N. cav x N. ser (♂), respectivamente), a velocidade de germinação das sementes foi 50% menor (ca. 16 e 17 dias respectivamente; tabela 32). Pelo contrário, a velocidade de germinação das sementes provenientes do cruzamento interespecífico entre N. serotinus e N. cavanillesii foi apenas 30% menor (ca. 11 dias respectivamente; tabela 32). Este valor aproxima-se do obtido para as sementes provenientes das polinizações envolvendo apenas N. serotinus.

Convém salientar que a velocidade de germinação é bastante elevada para todas as sementes (tabela 32; figura 55). Nas condições adequadas as sementes germinaram rapidamente. Quanto mais rápida for a sua germinação, mais vantajoso será para o taxon pois as sementes conseguirão uma maior disponibilidade de recursos (menos competição, mais espaço), o que determinará a sua taxa de estabelecimento e posterior sobrevivência. Esta estratégia embora pareça mínima pode ser suficiente para determinar o estabelecimento e a sobrevivência dos indivíduos híbridos.

Figura 55. Fases da germinação das sementes de Narcissus x perezlarae.

Assim, embora as sementes correspondentes ao cruzamento interespecífico entre N. serotinus e N. cavanillesii (N. ser x N. cav (♂)) sejam produzidas em menor número, tal como os frutos donde provêm, o seu peso é superior ao das produzidas pelo primeiro parental. Este factor pode significar uma produção de sementes com “melhor qualidade” ou seja, sementes com maior vigor, contendo uma informação genética mais diversificada que poderá significar a sua persistência com as espécies parentais ou projectar a sua sobrevivência perante determinadas mudanças ambientais.

Esta estratégia aliada a uma elevada e rápida germinação será essencial para as etapas seguintes do ciclo vital deste geófito. Contudo, tal como mencionado, podem ainda actuar outros mecanismos que impeçam a persistência deste híbrido ou a sua contribuição para as próximas gerações. Por exemplo, se o híbrido for estéril, o seu contributo reprodutivo para a futura geração será nulo. Porém, num estudo envolvendo um geófito não se torna rápido

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determinar a acção destes mecanismos; após o estabelecimento podem suceder-se vários anos até que o indivíduo atinja o estado reprodutor.

Embora estes últimos mecanismos não sejam fáceis de detectar é possível afirmar que os primeiros mecanismos isoladores foram ultrapassados. A fertilização entre indivíduos de espécies diferentes ocorreu, formando frutos e sementes viáveis que apresentaram uma elevada e rápida taxa de germinação, assim como um estabelecimento semelhante ao dos parentais. Estes indivíduos apresentam, até ao momento, um comportamento semelhante ao dos parentais, não evidenciando uma menor robustez ou um menor fitness adaptativo.

Por ultimo, convém salientar a importância dos dados obtidos no âmbito deste projecto. O conhecimento da existência de híbridos naturais é um procedimento comum, sobretudo para os taxónomos, porém o seu estudo e o seu significado evolutivo são ensaios raros (Arnold, 1992). São escassos os estudos empíricos envolvendo os híbridos naturais, o seu comportamento, a sua ecologia, as suas interacções, a sua relação com as espécies parentais e o impacto da sua existência. Alguns estudos recentes reportam dados sobre alguns destes aspectos e referem a importância deste tipo de trabalho para a conservação das espécies ou para o seu conhecimento evolutivo (Aparício, 1997; Feliner, 1997; Mooring, 2002).

3.8.3 MONITORIZAÇÃO DOS HÍBRIDOS

A projecção relativa ao comportamento de N. x perezlarae é difícil de efectuar com base em tão poucos anos de seguimento, tal como acontece para N. cavanillesii. De 2001 para 2002 ocorreu um aumento acentuado dos híbridos (figura 56) mas possivelmente este número é um artefacto derivado da experiência adquirida nos primeiros anos; actualmente, é mais fácil e mais rápido detectar um indivíduo híbrido.

Existe um maior número de híbridos na Ajuda do que em Montes Juntos e tal poderia ser justificado por uma maior perturbação existente na primeira localidade. A perturbação do habitat é geralmente apontada como uma das principais causas para o aparecimento e sobrevivência dos híbridos (Arnold, 1992). Porém neste caso, este facto pode dever-se a diferentes taxas de fluxo polínico. A abundância de N. serotinus é maior em Ajuda que em Montes Juntos (localidade original) possibilitando provavelmente uma maior atracção de visitantes florais na primeira localidade. Por outro lado, a fragmentação de N. cavanillesii em Montes Juntos induz que os pequenos núcleos isolados tenham um menor poder de atracção para os insectos. Possivelmente, estas características contribuem para um maior fluxo interespecifíco existente na Ajuda.

Com tão poucas transições (matrizes de dados) não é possível definir o tipo de desenvolvimento dos núcleos híbridos. É pouco provável que o seu número de indivíduos diminua porque os parentais co-existem e o híbrido possui uma taxa de crescimento (peso do bolbo) superior ao dos parentais. No entanto, não é possível dizer se a população híbrida está a aumentar ou mantém-se estável. Neste sentido, são necessários mais dados de monitorização relativos ao impacto do híbrido sobre a sobrevivência de N. cavanillesii.

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Montes Juntos Ajuda

100 95 90 91 80 70 62 60 50

Nº ind Nº 40 30 14 20 5 9 10 0 2001 2002 2003 Anos

Figura 56. Narcissus x perezlarae detectados em Montes Juntos e Ajuda, ao longo do projecto.

3.8.4 CONSEQUÊNCIAS ECOLÓGICAS E EVOLUTIVAS

Um elevado número de espécies vegetais parece ter surgido por fenómenos de hibridação (Stace, 1989; Ellstrand et al., 1996). Contudo, o papel criativo dos processos de hibridação só recentemente foi aceite (Arnold, 1997; Rieseberg & Carney, 1998), ao ser empiricamente demonstrado que a fertilidade dos híbridos é variável, podendo apresentar níveis de fertilidade semelhantes ou superiores ao dos progenitores (Arnold & Hodges, 1995). Geralmente, a geração F1 apresenta um reduzido fitness reprodutivo em comparação com as gerações posteriores, as quais tendem a aumentar a sua eficácia reprodutiva mediante a acção de vários mecanismos genéticos (Rieseberg & Carney, 1998; Schweitzer et al., 2002).

Superadas várias barreiras reprodutivas, os indivíduos híbridos formados possuem uma maior variabilidade genética, permitindo a sua sobrevivência numa mudança de condições e/ou possibilitando a extinção das espécies parentais. Quando dois congéneres entram em contacto, um deles pode ser assimilado pelo outro, acabando por desaparecer (Ellstrand, 1992). Levin et al. (1996) documentaram a provável extinção de 10 espécies endémicas e o desaparecimento regional de 5 espécies devido à sua assimilação genética. Neste contexto, a hibridação pode constituir uma ameaça para a persistência de espécies raras. Pode interferir com a capacidade deste taxon reproduzir-se, afectando o seu fitness reprodutivo e o seu crescimento populacional. Por outro lado, pode assimilar todos os indivíduos puros (parentais) de tal forma que apenas a espécie mais comum e os indivíduos híbridos sobrevivam (Levin et al., 1996). No entanto, se a espécie rara possuir um maior fitness reprodutivo que a espécie comum, então a hibridação entre as duas pode igualmente ameaçar a espécie comum de extinção (Antilla et al., 1998). Este desaparecimento de espécies pode durar centenas de anos

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(Goodfriend & Goud, 1996) ou pode ocorrer num período de poucas gerações (Carney et al., 2000).

Pelos motivos descritos compreende-se que a formação de um único indivíduo híbrido implique consequências evolutivas. Estes efeitos assumem uma maior gravidade perante a raridade dum dos parentais. Os resultados obtidos demonstram que o processo de hibridação não é simétrico, pois a espécie mais rara, N. cavanillesii é mais afectada que a espécie mais comum, N. serotinus. Ao nível da formação de frutos e de sementes é indiferente que N. cavanillesii receba pólen da sua própria espécie ou do seu congénere. As sementes híbridas apresentam um peso superior e apresentam uma elevada e rápida taxa de crescimento.

Assim, embora a formação destes híbridos possa ser um processo raro, apresenta um impacto para as espécies parentais envolvidas, sobretudo para N. cavanillesii. A sua existência pode servir de fonte catalizadora para a formação de novas espécies ou para a extinção das envolvidas. O fluxo polínico entre N. cavanillesii e N. serotinus depende, sobretudo do tempo de sobreposição da floração e do tipo de visitantes florais. Pelos resultados descritos anteriormente, os insectos visitantes são do tipo generalistas, para as duas espécies e por isso visitam os dois parentais e proporcionam inclusive a troca interspecifica. Porém, devido ao reduzido período de sobreposição floral (cerca de 2 semanas) a actividade interspecifica dos polinizadores fica limitada a este período. A pergunta que fica pendente é: que acontecerá num ano em que a sobreposição floral seja maior permitindo uma maior troca genética?

O limite entre a incorporação de novo material genético numa espécie parental, favorecendo desta forma a sua existência e a assimilação desta espécie durante este processo é uma fronteira ténue e pouco perceptível. Por estes motivos consideramos importante o seguimento destes indivíduos híbridos, estimando as suas consequências e o seu impacto futuro na sobrevivência de N. cavanillesii. As experiências artificiais comprovaram o impacto negativo da hibridação em N. cavanillesii. Por isso, é necessário compreender a formação dos híbridos e o seu desenvolvimento em condições naturais de forma a minimizar o impacto negativo em N. cavanillesii.

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4 TRANSLOCAÇÃO

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“Translocation of rare, threatened, or endangered plant as mitigation for development impacts is one of the most complicated and controversial issues in plant conservation” K. S. Berg 4.1 TRANSLOCAÇÃO PROVISÓRIA

Pela importância de obter dados sobre o comportamento da população, na localidade original, antes de ser totalmente translocada e com a limitação da calendarização prevista para o fecho das comportas da barragem de Alqueva, início de 2002, encontrou-se uma solução. Esta consistiu na translocação dos núcleos afectados pelo enchimento, até à cota superior mais próxima do local original, de forma a que não ficassem nem submersos, nem inacessíveis na altura emergente, do seu ciclo biológico anual, de forma a poder garantir o registo dos dados, ao longo de todo este ciclo (Outono de 2001). No final deste ciclo anual, os núcleos serão translocados até ao local receptor definitivo. Convém relembrar que, no Inverno de 2000, diversos indivíduos dos núcleos floriram, mas não puderam completar o seu ciclo reprodutor (libertação das sementes) pois ficaram submersos, durante mais de 30 dias, pela influência da própria obra hidráulica a decorrer.

Os estudos realizados no Outono de 2001 visavam principalmente as relações existentes entre os diferentes núcleos e por este motivo tentou-se manter sempre, a mesma estrutura espacial do conjunto da população. Baseados na cartografia dos núcleos e apoiados por ortofotomapas foram visitados diversos locais que reuniam as seguintes condições: maior proximidade às origens, altitude relativa entre os núcleos, presença de barreiras ou obstáculos semelhantes aos existentes na localidade original, distância entre os núcleos e ainda, sempre que possível, vegetação envolvente semelhante. Com todos estes condicionantes, os locais para a translocação provisória em 2001 apresentam-se na figura 57.

Figura 57. Locais escolhidos para receber os núcleos translocados (em amarelo). Em vermelho indicam-se os locais originais. pág. 124 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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4.1.1 METODOLOGIA

Foram extraídos, em Setembro de 2001, 10 núcleos de N. cavanillesii, localizados inicialmente numa cota de 127 m para uma cota superior a 139 m (142-146 m). Os núcleos A, C e K eram constituídos maioritariamente por solo, os núcleos B, E e H eram formados essencialmente por rocha (afloramentos de xisto) e os núcleos F, G, I e J eram considerados núcleos mistos, constituídos por solo e rocha (xisto).

Esta heterogeneidade dos diversos núcleos levou à escolha de diferentes metodologias e à utilização de diversos materiais de trabalho, por parte da equipa do Departamento de Geociências da Universidade de Évora , de forma a optimizar a operação de translocação dos núcleos. Estas escolhas visaram sempre o sucesso e a minimização da perturbação causada aos bolbos de N. cavanillesii.

Os núcleos foram divididos em vários talhões e cada um deles foi colocado em recipientes de plástico, previamente forrados com tela de serapilheira e uma camada de solo, de forma a facilitar a sua remoção e garantir a coesão do talhão. Para manter a estrutura do solo deveria ter sido usada uma tela tipo Geotext mas devido a impossibilidades práticas recorreu-se a uma tela de serapilheira, com a vantagem de ser biodegradável mas garantindo a sua funcionalidade durante a operação de translocação final. De forma a facilitar o manuseamento do solo, já que este se encontrava seco e muito compactado, os talhões foram humedecidos com água.

Verificou-se que por vezes, ficavam bolbos entre os talhões removidos. Estes bolbos eram georeferenciados, etiquetados e posteriormente foram semeados em tabuleiros, contendo solo proveniente da área de localização dos núcleos, incrementando o número de bolbos translocados. Previamente, procedeu-se à abertura de clareiras e outros trabalhos de adequação do habitat, nos locais escolhidos para acolher os núcleos translocados. Os vários talhões foram translocados mantendo a sua posição e a sua orientação original; desta forma, os núcleos reconstituídos ficaram com características semelhantes às originais.

O recipiente de plástico utilizado para a translocação dos talhões foi retirado, sempre que possível, estando o talhão colocado no seu sítio definitivo. Finalmente, todos os recipientes que não foram retirados ou a tela de serapilheira que tivesse ficado visível foi coberta com solo proveniente do local original, minimizando desta forma, o impacto na nova área e não interferindo nas relações ecológicas (nomeadamente com os insectos polinizadores) que aí poderiam decorrer.

Para garantir a manutenção dos núcleos e melhor avaliar o efeito da translocação, os diversos núcleos foram vedados com malha hexagonal, permitindo evitar a herbivoria por parte do gado (bastante frequente nesta zona) e de outros macromamíferos nomeadamente coelhos, javalis, etc. Para garantir que o maior número de indivíduos tinha sido translocado foram feitas visitas periódicas ao local original. Com estas visitas procuravam-se minimizar as restrições próprias a todos os trabalhos desenvolvidos nos anos anteriores assim como os próprios trabalhos realizados na translocação. As situações consideradas foram:

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• Os núcleos isolados (previamente cartografados e georeferenciados no Outono de 2000) que pela baixa densidade de indivíduos (inferior a 5 indivíduos reprodutores) não se justificava serem translocados pela equipe de engenheiros geológicos sendo removidos pela nossa equipe, na altura da floração (Outubro 2001). • Indivíduos que não foram cartografados no ano anterior (2000), pelo facto de não terem florido (a cartografia só foi dirigida aos indivíduos reprodutores) ou por não terem sido localizados nas sucessivas visitas ao local. • Bolbos que ficaram no solo remanescente ou entre os afloramentos de xisto.

Tendo em conta os conhecimentos adquiridos no ano anterior sobre a floração da espécie, as visitas tinham uma periodicidade de 3-4 dias. Assim nas visitas efectuadas ao longo do período de floração obtiveram-se um total de 25-30 indivíduos.O material que era encontrado foi transplantado em vasos ou tabuleiros e levado para dentro da vedação do núcleo original correspondente.

Da experiência adquirida pela equipe de botânicos envolvidos no projecto referente a N. cavanillesii e da experiência e conhecimento do substrato que tinham os engenheiros geológicos surgiram diversas hipóteses relacionadas com a extrema restrição do habitat de N. cavanillesii. Constatou-se uma elevada relação entre a localização dos bolbos e os afloramentos de xisto mais alterados, ganhando peso a possível relação entre a planta e algum elemento mineralógico do substrato. Foi assim sugerida a necessidade de realizar análises químicas e de composição mineralógica do substrato pois poderiam revelar uma importante informação no momento da translocação definitiva. Tal seria importante na escolha do local definitivo ou nos trabalhos de adequação do substrato que deveria acolher os núcleos translocados. No entanto, os resultados finais considerando a caracterização global da espécie não revelaram nenhuma especificidade de substrato (ver capítulo 3.1).

Em anexo encontra-se um diagrama resumindo as principais fases deste processo (Anexo VII).

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4.2 TRANSLOCAÇÃO DEFINITIVA

As acções de translocação são consideradas operações complexas e controversas no âmbito da biologia da conservação. Vários estudos complementares relacionados com a ecologia e a biologia da espécie, assim como, a sua dinâmica populacional são necessários para promover o sucesso da translocação. A primeira etapa numa translocação refere-se à selecção do local onde as espécies têm uma maior probabilidade de sobrevivência. Quanto maior for a semelhança entre as condições ecológicas do novo local e o original, maior será a probabilidade de sobrevivência da população. A selecção do local receptor necessita dum estudo detalhado e preciso. Esta selecção é uma das fases cruciais nas acções de restauração da diversidade mediante a introdução de plantas raras (Fiedler & Laven, 1996). A precisão desta abordagem será crucial para o sucesso da translocação.

Na selecção do novo local terão de ser considerados aspectos históricos, físicos e logísticos (Fiedler & Laven, 1996). De acordo com estes autores, as variáveis físicas mais importantes serão o solo, a exposição e a inclinação. As variáveis biológicas consideradas serão as obtidas através da informação base da espécie (e.g., vectores polinizadores, dispersão, competição). As actividades humanas e a protecção legal serão critérios logísticos muito importantes.

4.2.1 SELECÇÃO DO LOCAL DEFINITIVO

“Receptor-site selecciton is but one of the critical decisions processes in restoring diversity through rare plant introductions” Fiedler & Laven, 1996

As linhas básicas deste processo foram definidas por Draper et al., (2001), baseados em Fiedler & Laven (1996). Três aspectos gerais foram considerados de forma a maximizar o sucesso da translocação: - consideram-se os locais em função do grau de adequabilidade ecológica da espécie - sempre que possível, seleccionam-se zonas em que existam registos da presença da espécie (área histórica do taxon) - considera-se o estatuto de protecção do local receptor.

Adicionalmente, se o objectivo é a conservação a longo prazo será importante considerar o efeito da mudança global nas três premissas consideradas. Segundo Pavlik (1996) qualquer acção de conservação deve ser planeada considerando um período de 100 anos. No caso de N. cavanillesii, conhece-se a sua distribuição na Península Ibérica com algum pormenor, mas se considerarmos que o seu comportamento em Portugal é a de uma espécie finícola (na margem ou limite da sua área de distribuição) torna-se difícil a consideração da área histórica da espécie. Neste caso a escolha do local deve centrar-se nas zonas ecologicamente adequadas, se possível com algum estatuto de protecção e considerando as mudanças temporais (figura 58).

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Adequabilidade

1

2 2 3 Área histórica Estatuto de protecção 2 1 1

Adequabilidade

1’

2’ 2’ 3’ Área histórica Estatuto de protecção 2’ 1’ 1’

Figura 58. Representação esquemática dos níveis considerados na selecção do local receptor da população de N. cavanillesii. Os números indicam o peso relativo das situações ponderadas.

4.2.1.1 Modelização da adequabilidade ecológica de N. cavanillesii

Para poder definir-se a zona mais adequada para o estabelecimento dos núcleos de N. cavanillesii foi necessário conhecer as características ecológicas desta espécie. Assim, tal como foi explicado no 1º relatório (Rosselló-Graell et al., 2001), pelo facto de só serem conhecidas duas localidades em Portugal, foi necessário visitar as populações mais próximas, que se encontram em Espanha, nas Comunidades Autónomas da Estremadura e Andaluzia. Com base na informação obtida sobre a caracterização ecológica da espécie e utilizando um Sistema de Informação Geográfica (SIG) foram obtidas diversas variáveis ecológicas que se utilizaram na elaboração de um modelo de adequabilidade para a espécie (tabela 33).

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Tabela 23. Lista das variáveis consideradas para a elaboração do modelo de adequabilidade, obtidas através de Sánchez-Palomares et al. (1999) e Tuhkanen (1980).

• Altitude (m) • Exposição (º) • Inclinação (º) • Latitude (m) • Longitude (m) • Precipitação média anual (mm) • Temperatura máxima (ºC) • Temperatura mínima (ºC) • Temp. média (ºC) • Ind. Emberger (mediterraniedade) • Ind. Giacobbe (continentalidade) • Ind. Gams (continentalidade) • Ind. Angot (termopluv.) • Ind. Dantin-Revenga (termopluv.) • Ind. De Martonne (termopluv.) • Ind. Lang (termopluv.)

No entanto, convém salientar que a informação que se pode obter através dos registros de herbário relaciona-se somente com a presença da espécie, não sendo possível adquirir uma ideia da abundância ou densidade das populações. Esta limitação condiciona o tipo de algoritmo que pode ser utilizado para a elaboração dos modelos estatísticos (Guisan & Zimmermmann, 2000). No entanto, como consequência dos projectos de monitorização efectuados nesta área (Draper et al., 2000a, 2000b) dispõe-se duma cartografia detalhada da presença e ausência de N. cavanillesii, o que permite a aplicação de modelos logísticos (Augustin et al., 1996).

Do tratamento estatístico as seguintes variáveis foram comprovadas como sendo significativas:

• Exposição (º) [ASPECT] • Precipitação média julho (mm) [PJUL] • Precipitação média agosto (mm) [PAGO] • Precipitação média setembro (mm) [PSET] • Temperatura mínima anual (ºC) [TMIN] • Temperatura média março (ºC) [TMAR] • Temperatura média agosto (ºC) [TAGO] • Temperatura média setembro (ºC) [TSET] • Temperatura média (ºC) [TDEC] • Ind. Angot (termopluv.) [ANGOT]

Os coeficientes para as variáveis seleccionadas foram os seguintes:

Adequabilidade = 40.5702 -3.1367*[TMIN] -0.08046*[ASPECT] -1.0212*[PJUL] +1*[PAGO] -0.01624*[PSET] +2*[TMAR] -1.6954*[TAGO] -1.4623*[TSET] +3*[TDEC] -16.8505*[ANGOT]

Este modelo foi posteriormente ajustado com uma transformação logística que permitisse uma escala de valores entre 0 (ausência) e 1 (presença):

p=EXP([Adequabilidade])/(EXP([Adequabilidade])+1))

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Das amostras obtidas, utilizaram-se 75% para o cálculo do modelo logístico e reservaram- se 25% das amostras para a validação do modelo, seguindo a metodologia proposta por Draper et al. (2000b). Da validação estatística do modelo obtiveram-se os seguintes resultados (figura 59):

Modelo Validação (75%) (25%) 0 85.61 % 98.02 % 1 93.08 % 83.81 %

Figura 59. Mapa preditivo das presenças e ausências de N. cavanillesii na Península Ibérica.

Seguidamente, procedeu-se à aplicação do modelo à área de estudo, considerando os factores intrínsecos às populações portuguesas, os factores importantes na gestão da nova localidade e as mudanças temporais nas variáveis seleccionadas. Dos factores intrínsecos seria importante considerar a distância às localidades originais, a distância aos rios e evidente que seja uma zona fora da albufeira. Considerando a gestão da nova localidade e da espécie vegetal que irá acolher é necessário considerar os usos do solo e áreas protegidas. As variáveis utilizadas poderão sofrer mudanças bruscas ao longo do tempo e por isso torna-se importante poder prever o efeito dessas modificações na nova localidade (figura 60).

Distância loc.loc. originais Distância rios Usos do solo Áreas protegidas •

Figura 60. Aplicação do modelo logístico considerando factores inerentes às localidades portuguesas.

pág. 130 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Considerando o modelo de adequabilidade criado e os factores anteriormente expostos foram determinadas as seguintes zonas, susceptíveis de acolher os núcleos de Montes Juntos de N. cavanillesii (figura 61).

Ponderando a parte prática do processo de translocação, a distância assumiu um papel crucial. Quanto maior fosse a distância entre o sítio original e o final, maior seria o impacto na dinâmica futura da população translocada assim como a complexidade e a dificuldade da operação de deslocamento. Consequentemente, seriam originadas falhas na agregação dos núcleos, com perda da estabilidade, estrutura e Figura 61. Zonas da área de estudo adequadas ao disposição espacial. Por estes motivos, acolhimento de N. cavanillesii. seleccionou-se a área de maior adequabilidade, considerando a distância ao local onde se encontravam os núcleos (figura 62). O grau de adequabilidade foi classificado por 3 tipos de classes: baixa, média e alta adequabilidade em função do desvio padrão. Pelos motivos explicados, as zonas de baixa adequabilidade foram descartadas, restando as de média e alta adequabilidade (amarelo e vermelho; figura 63).

Seguidamente, dentro da zona seleccionada foram escolhidos os locais susceptíveis de acolher cada núcleo, respeitando sempre a estrutura espacial do conjunto da população original, à semelhança da 1ª fase de translocação. 1 km Este factor permite que sejam mantidas as relações existentes entre os diversos núcleos, mantendo as condições originais Figura 62. Aproximação ao terreno considerando o deslocamento dos núcleos e selecção da zona e minimizando as alterações sobre os adequada. Em amarelo as zonas de média indivíduos. Assim, era importante não adequabilidade, em vermelho as zonas de grande criar nenhuma nova barreira entre os adequabilidade e em verde o local original dos núcleos e por isso foi excluída a hipótese núcleos de N. cavanillesii. de colocar algum núcleo nas ilhas

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Figura 63. Hipóteses consideradas para a selecção do local final de acolhimento de N. cavanillesii.

formadas o que promovia o seu isolamento (figura 63.a), assim como foram rejeitadas aquelas em que um dos núcleos iria desaparecer ao longo do enchimento da albufeira (figura 63.b). Pelos motivos referidos era importante manter as condições semelhantes às originais e por isso foram ignoradas as hipóteses que não mantinham as mesmas inter- relações entre os núcleos ou os mesmos corredores de circulação (figura 63.c). A distância original à linha de água foi igualmente ponderada (figura 63.d.,e). Considerando todos estes factores, a hipótese correspondente à figura 63.f. era a que melhor mimetizava as condições originais permitindo a maximização do sucesso da translocação e foi ou sítio seleccionado. A localidade seleccionada é conhecida pelo nome de Outeiro do Pombo e situa-se aproximadamente a 1.5 km, a montante da localidade original (Herdade da Defesa, Montes Juntos). Esta localidade era a única que reunia todas as seguintes condições: proximidade às origens, altitude relativa entre os núcleos, presença de barreiras, obstáculos e corredores de circulação semelhantes aos existentes na localidade original, distância entre os núcleos e vegetação semelhante. Após o conhecimento e o consentimento do proprietário dos terrenos, o Sr. Dias Coutinho, procedeu-se à operação final de translocação dos núcleos de N. cavanillesii. pág. 132 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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4.2.2 O PROCESSO DE TRANSLOCAÇÃO

No início do Verão de 2002 foram deslocados os 10 núcleos de N. cavanillesii, para o seu local final, o Outeiro do Pombo, onde ficaram situados a uma cota média de 157m. Relembramos que estes núcleos apresentam uma elevada variabilidade, sendo constituídos maioritariamente por solo -núcleos A, C e K-, por rocha xistosa -núcleos B e E- ou por uma mistura de ambos os constituintes –núcleos F, G, I e J- (Rosselló et al., 2001). Esta variabilidade aliada às dimensões determinou que para cada tipo de núcleo fosse aplicada uma metodologia diferente de forma a garantir a totalidade dos objectivos propostos. Á semelhança do que aconteceu na primeira fase, a translocação foi auxiliada por uma equipa do Departamento de Geociências da Universidade de Évora constituída por 6 elementos e coordenada pelo Eng. Ruben Varela.

Assim, o processo de translocação constou das seguintes fases: 1. Remoção 2. Preparação para o transporte 3. Transporte 4. Preparação do local receptor 5. Inclusão 6. Adequação

A remoção consistiu na extracção do núcleo do local em que se encontrava. Após remoção do substrato envolvente e com o auxílio de uma chapa de ferro (1.8 x 3 m), retirou-se um talhão de substrato no qual estava incluído o núcleo em questão (figura 64.a). Como na primeira fase da translocação os núcleos tinham sido deslocados em talhões, estes ainda mantinham uma certa coesão e por isso foi possível desagregar a totalidade do núcleo, mantendo a sua estrutura (núcleos A, F, I e J). Igualmente, os núcleos pequenos constituídos por rocha foram transportados individualmente (figura 64.b). Em relação aos núcleos de grandes dimensões, estes foram retirados em duas etapas, utilizando as secções já definidas na 1ª fase da translocação (núcleos C, G, H e K).

A B

Figura 64. Após um ano no local de temporal foi preciso destacar os talhões evitando a sua fragmentação.

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Antes do transporte, cada núcleo foi preparado para o transporte com o auxílio de madeiras de protecção e fitas de nylon adequadas ao transporte de materiais, garantindo desta forma a integridade do núcleo (figura 65.a). Cada núcleo, ficou agregado à chapa de ferro que o sustentava e todo o seu conjunto foi colocado dentro de uma viatura. Dentro desta, o conjunto transportado (figura 65.b) ficou seguro a uma estrutura existente no interior do veículo, mantendo a coesão de todo o conjunto e possibilitando o seu transporte até ao local definitivo.

A B

Figura 65. Os núcleos foram instalados nas pranchas e assegurados com tabluas de madeira e esticadores. Na figura 8.b pode-se observar o descarregamento do núcleo I no local final de acolhimento. Paralelamente, no local receptor, houve uma preparação prévia do habitat, em que foi posicionado, o local de acolhimento do núcleo. Este posicionamento, com recurso ao GPS diferencial e os dados da posição original, permitiu que fosse mantida a mesma distância entre os núcleos e entre estes e a futura albufeira. Igualmente foram abertas clareiras e aberturas no substrato receptor (figura 66.a, b).

A B

Figura 66. Trabalhos de remoção do solo existente nos sítios receptores para poder instalar os núcleos.

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Este processo permitiu a inclusão directa do núcleo transportado no substrato do novo local, havendo o cuidado de os colocar com uma orientação semelhante à original (figura 67.a). Finalmente, procedeu-se à adequação do habitat, acondicionando os núcleos ao novo sítio, preenchendo fendas, aberturas e a restante clareira aberta com substrato proveniente do local original. O substrato foi também colocado por cima dos núcleos pois verificou-se o afloramento superficial de alguns bolbos (figura 67.b). Este processo não só permite uma melhor aderência ao novo local como proporciona zonas adjacentes que podem facilitar os processos de expansão, nesta fase inicial de adaptação ao novo local (figura 68).

A B

Figura 67. Colocação dos núcleos no sítio final (A) e trabalhos de compactação do solo (B).

Figura 68. Floração das primeiras plantas no local definitivo em 28-09-2002. pág. 135 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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4.3 AVALIAÇÃO BIOLÓGICA DO MODELO

A fase reprodutora desempenha um papel crucial para a sobrevivência de uma espécie (Cruden, 1977; Galen & Staton, 1991). Das etapas inerentes a este processo e considerando o género Narcissus, a germinação, o estabelecimento e o número de reprodutores são determinantes no sucesso reprodutivo destes taxa (Blanchard, 1990; Barkham, 1980; 1992). Por este motivo, considerou-se importante determinar o impacto da translocação nestas etapas, do ciclo de vida de N. cavanillesii. Assim, a adaptação no local definitivo dos núcleos translocados foi avaliada através de experiências de germinação in situ, quantificação dos indivíduos reprodutores e análise demográfica.

4.3.1 GERMINAÇÃO IN SITU

Qualquer modelo estatístico para ser considerado representativo e poder ser utilizado em acções concretas, nomeadamente acções de conservação, deve ser validado. As técnicas de validação mais comuns são baseadas em amostras e sub-amostras dos dados disponíveis. Por exemplo, utiliza-se uma fracção dos dados para gerar o modelo e a fracção restante para a sua validação. Esta é a designada validação estatística e que já foi aplicada para testar o modelo matemático gerado. Outro tipo de validações menos utilizadas, pela sua dificuldade e pela morosidade do processo, são as validações biológicas. O exemplo seria a selecção aleatória de pontos, através do modelo obtido e ir a esses pontos, comprovando ou não a presença da espécie nesse local. Assim, pelos objectivos inerentes a este projecto considerou-se também importante, realizar este ultimo tipo de validação.

Esta validação biológica pretende determinar o grau de adequabilidade do local de acolhimento seleccionado. Para isso é necessário seleccionar em primeiro lugar, as zonas de amostragem. Assim, considerando os valores do modelo de adequabilidade e os valores que tomam nas zonas onde há N. cavanillesii, define-se um agrupamento de classes de baixa, média e alta adequabilidade (considerando como centro do intervalo de alta o valor

3000000

2500000

2000000

1500000

1000000

500000

0

1 3 5 7 9 1 3 5 7 9 5 7 9 1 3 .990 0.9800.981 0.9820.9830.9840.9860.987 0.9880.989 0 0.99210.99330.9940.9950.996 0.9980.999

Figura 69. Histograma da frequência dos valores que tomam os pixéis no mapa. A seta vermelha indica o centro do intervalo de alta probabilidade. pág. 136 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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médio onde há N. cavanillesii e o desvio padrão 0.999632 ± 0.000017, figura 69) que é associado às 3 sub-bacias hidrográficas existentes na zona: Degebe, Alto Guadiana e Baixo Guadiana (figura 70 e 71). Estas classes foram definidas considerando a zona onde crescem os indivíduos de N. cavanillesii como valores máximos (Ajuda e Montes Juntos- localidade original); os intervalos seguintes foram determinados em função da frequência

Alto Guadiana Degebe

Baixo Guadiana

Figura 70. Reclassificação dos valores Figura 71. Sectorização geográfica de probabilidade. considerada. de valores, assegurando desta forma que cada intervalo tenha a mesma representação em superfície.

Utilizando estes dois critérios seleccionaram-se aleatoriamente 6 pontos para cada classe, situando 2 em cada sub-bacia (figura 72).

Figura 72. Intervalos de adequabilidade na área de estudo e distribuição das 18 localidades onde se realizaram as germinações in situ (o tamanho dos pontos equivale ao intervalo de adequabilidade: baixo, média e alta). pág. 137 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Em cada uma das localidades seleccionadas efectuaram-se experiências de germinação: 6 réplicas, cada uma contendo 25 sementes. Estas sementes foram enterradas em locais previamente marcados, de forma a garantir-se o seu posterior seguimento (figura 73.). Em Ajuda e Montes Juntos também foram realizadas experiências de germinação, funcionando os seus resultados como controlo.

Figura 73. Experiência de germinação in situ, processo de instalação no terreno.

As experiências de germinação in situ foram realizadas no período de tempo coincidente ao da germinação da espécie: Dezembro-Março (2002-2003). Os dados foram registados temporalmente e 2 meses após o inicio da germinação as amostras foram recolhidas, contendo as sementes nelas depositadas e quantificando-se as germinadas e as não germinadas (figura 74).

Os dados obtidos foram comparados através duma ANOVA (p<0.05) e posteriormente aplicou-se o teste de Scheffe (p<0.05) para comparar o seu grau de semelhança. As percentagens de germinação in situ obtidas são coerentes com a probabilidade de ocorrência atribuída pelo modelo, a cada ponto. Assim, os pontos de maior probabilidade apresentaram uma percentagem de germinação média de 70.80 ± 13.51, os de média o valor de 43.89 ± 24.64 e os de baixa o valor de 26.89 ± 16.45. Por outro lado, verificou-se que os valores dos pontos de alta ocorrência diferem significativamente dos pontos de baixa ocorrência (tabela 34). Desta maneira pode-se concluir que o local actual de acolhida dos núcleos é um dos locais onde ecologicamente N. cavanillesii tem as condições mais favoráveis. Tabela 34. Percentagens de germinação in situ obtidas em cada sítio de amostragem (Média ± Desvio

pág. 138Figure 74. Recolha das amostras e das sementes utilizadas neste estudo. Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Padrão). Probabilidade de Média das germinações % germinação ocorrência por categoria Alta 58.00 ± 9.72 d, e Alta 60.67 ± 12.24 d, e Alta 64.67 ± 5.32 e, f 70.80 ± 13.51 Alta 84.00 ± 4.38 f, g Alta 86.67 ± 2.06 g Media 16.67 ± 6.41 a, b Media 30.00 ± 2.20 a, b Media 38.00 ± 3.35 c 43.88 ±24.63 Media 44.67 ± 4.68 c, d Media 44.67 ± 3.01 c, d Media 89.33 ± 2.06 g Baixa 16.00 ± 1.64 a Baixa 16.00 ± 6.20 a, b Baixa 30.00 ± 11.24 b, c 24.88 ± 16.44 Baixa 31.33 ± 7.34 b, c Baixa 35.33 ± 7.34 b, c Baixa 48.00 ± 7.15 c, d, e

Convém salientar que o facto de se utilizar as germinações só permite avaliar a adequabilidade do meio para esta espécie germinar. Este ensaio não permite avaliar a evolução da espécie por factores antrópicos. Por outro lado, embora inicialmente se considerasse as mudanças temporais nas distintas variáveis, este factor foi considerado pouco relevante pois seleccionou-se uma área muito próxima à população original (apenas foi deslocada 1.5 km para norte). Esta pequena deslocação implica que as mudanças que possam ocorrer nesta localidade são as mesmas que afectariam a população, se esta não tivesse sido translocada. Por outro lado, as mudanças no uso do solo que possam vir a ocorrer estão reguladas, pela zona se encontrar dentro da REDE NATURA 2000, Sítio Guadiana-Juromenha.

Numa análise dirigida a determinar a sub-bacia (figura 71) onde N. cavanillesii apresenta maior afinidade ecológica e maior ajuste ao modelo proposto foram realizadas regressões por cada sub-bacia. Os resultados das germinações in situ, independentemente do intervalo de adequabilidade atribuído a cada ponto de germinação foram cruzados com os valores de germinação por meio de uma regressão linear simples.

A regressão lineal entre a germinação e a adequabilidade do modelo é um indicador real da precisão do modelo à biologia da espécie, ao menos referente ao período de germinação.

Os menores valores do coeficiente de regressão (r2) obtiveram-se na sub-bacia codificada como Baixo Guadiana (figura 75) sendo o valor atingido de r2= 0.1. Esta região é a mais afastada das localidades conhecidas de N. cavanillesii. Contudo, foi nesta bacia onde foi registado o valor mais elevado de geminação, mesmo sem ser um sitio de maior probabilidade. Na bacia do Degebe (figura 76) o coeficiente obtido correspondeu a r2= 0.7. Este valor é considerável em comparação com o anterior. Recorde-se que a principal separação física

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entre as sub-bacias consideradas é a serra de Portel até Moura; a separação entre a bacia do Degebe e a sub-bacia do Alto Guadiana é muito menos aparente e as variáveis do modelo ecológico conseguem explicar melhor a suposta adequabilidade da espécie (reduzindo a dispersão da regressão). Ao analisar-se os valores da sub-bacia Alto Guadiana (figura 77) obteve-se o valor máximo de regressão (r2= 0.8) o que permite considerar o ajuste do modelo nesta zona. Nesta sub-bacia existiam dois locais de controle: um cerca da população de N. cavanillesii em Ajuda e outro junto à população translocada de Monte Juntos (novo sítio). Os valores destes dois locais ajustam-se perfeitamente à regressão do modelo.

Com base nestes resultados podemos concluir que o modelo ecológico gerado, na selecção do local, para acolher a população de Monte Juntos é um modelo válido estatisticamente e biologicamente. Assim o modelo obtido pode ser utilizado em futuras acções de selecção de novos núcleos de N. cavanillesii (por exemplo ilhas ou outros locais). Por outro lado e mais importante para este projecto: demonstrámos que as sementes produzidas no novo local terão uma elevada percentagem de germinação participando na perpetuação dos núcleos translocados, a partir das próximas gerações de sementes.

0,9

0,8 0,7

0,6

0,5

0,4

0,3 Germination (%) Germination 0,2 2 0,1 r =0.13

0 0,9991 0,99912 0,99914 0,99916 0,99918 0,9992 0,99922 0,99924 0,99926 0,99928 0,9993 Probability

Figura 75. Regressão dos valores de germinação obtidos na sub-bacia Baixo Guadiana.

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0,9

0,8

0,7

0,6

0,5

0,4

0,3 Germination (%) Germination 0,2 2 0,1 r =0.70

0 0,9991 0,99912 0,99914 0,99916 0,99918 0,9992 0,99922 0,99924 0,99926 0,99928 0,9993 Probability

Figura 76. Regressão dos valores de germinação obtidos na sub-bacia Degebe.

0,9

0,8

0,7

0,6

0,5 Ajuda 0,4 Monte Juntos 0,3 Germination (%) Germination

0,2 2 0,1 r =0.88 0 0,9991 0,99912 0,99914 0,99916 0,99918 0,9992 0,99922 0,99924 0,99926 0,99928 0,9993 Probability

Figura 77. Regressão dos valores de germinação obtidos na sub-bacia Alto Guadiana. Salientam-se os valores das parcelas de controlo situadas em Ajuda e no novo local de Monte Juntos.

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Implicações de N. serotinus no novo local

Por ultimo, no âmbito da translocação realizada, convém referir a diferente distribuição de N. serotinus na área onde actualmente se encontra a população de N. cavanillesii. Relembramos que na localização original, os núcleos de N. cavanillesii encontravam-se rodeados pelo outro Narcissus (figura 78). Esta espécie, mais comum e frequente no leito do rio não existe em tão elevada abundância e densidade nas restantes áreas, nomeadamente na zona onde ficaram os núcleos translocados. Nesta área, os núcleos de N. serotinus são escassos, isolados entre si e distantes dos núcleos de N. cavanillesii. Os únicos indivíduos de N. serotinus que existem próximo dos núcleos são os que também foram translocados Figura 78. Núcleo H de Montes Juntos da população de Montes Juntos, pois neste apresentando indivíduos de N. cavanillesii e N. serotinus em floração simultânea. processo toda a vegetação existente no interior de cada núcleo foi também translocada.

Pelas inter-relações que existem entre estes dois congéneres, esta diferença de abundância poderá ter implicações ecológicas e evolutivas para os dois Narcissus. Esta proximidade (não só taxonómica, mas ecológica) entre as duas espécies foi precisamente um dos motivos que levou à inclusão de N. serotinus neste projecto. Por exemplo, a menor abundância de N. serotinus poderá implicar uma menor atracção de insectos visitantes, com os consequentes resultados ao nível de sucesso reprodutivo. Por outro lado, a existência de N. serotinus nos núcleos translocados poderá permitir a rápida colonização desta espécie, na zona próxima à linha de água, podendo promover a reconstituição da sua distribuição, na área afectada pela albufeira. Assim, consideramos essencial monitorizar a presença de N. serotinus na área onde se situam os núcleos translocados, assim como avaliar as futuras relações existentes entre N. cavanillesii e N. serotinus.

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5 MONITORIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS ACÇÕES

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A fase reprodutora desempenha um papel crucial para a sobrevivência de uma espécie (Cruden, 1977; Galen & Staton, 1991). Das etapas inerentes a este processo e considerando o género Narcissus, a germinação, o estabelecimento e o número de reprodutores são determinantes no sucesso reprodutivo destes taxa (Blanchard, 1990; Barkham, 1980; 1992). Por este motivo, considerou-se importante determinar o impacto da translocação nestas etapas, do ciclo de vida de N. cavanillesii. Assim, a adaptação no local definitivo dos núcleos translocados foi avaliada através da quantificação dos indivíduos reprodutores, da análise demográfica e do êxito reprodutivo (taxa de formação de sementes).

Na avaliação da translocação considerou-se importante os seguintes aspectos:

Durante a execução técnica desta operação é de salientar o trabalho efectuado pela equipa do Departamento de Geociências da Universidade de Évora, assim como o elevado grau de coordenação e cooperatividade demonstrado.

Também durante a translocação e por motivos técnicos foi preciso humedecer com água diversos núcleos, nomeadamente os que eram constituídos essencialmente por solo. Para os bolbos, que nessa altura (inícios de Setembro) estão em período de dormência, tal supôs, dispor de uma água extra antes do início das chuvas outonais. Se tivermos em consideração que este geófito só depois de receber as primeiras precipitações do Outono reinicia o seu ciclo vital, pode-se pensar que a água utilizada na remoção, nesta altura do ano poderá ter afectado os indivíduos de N. cavanillesii no sentido de desregular o seu ciclo vital.

Depois termos realizado diversos estudos nos núcleos, desde que foram translocados até ao momento actual, constatamos que não foram apenas translocados os N. cavanillesii, mas também toda a vegetação existente originalmente, em cada núcleo. Este facto faz pensar que a translocação foi realizada de forma eficiente no sentido de permitir manter em cada núcleo a estrutura e proporções da vegetação original. Não foi observado o comportamento oportunista de nenhuma espécie.

5.1 QUANTIFICAÇÃO DOS INDIVÍDUOS REPRODUTORES

A análise do número de indivíduos reprodutores deve ser efectuada com cautela, pois perante uma operação de translocação tão delicada seriam necessários dados baseados em 5-10 florações (García et al., 2002; Menges & Dolan, 1998; González-Benito et al., 1995; Barkham, 1980). Adicionalmente, perante o facto da espécie em estudo ser um geófito isto significa que em certos anos o bolbo pode estar em dormência ou apresentar uma forma vegetativa, que pode ser mantida durante várias florações.

A comparação dos dados obtidos indicam uma floração progressiva em 2001, 2002 e 2003 registando-se valores de 24.57%, 38.01% e 41.66%, respectivamente à floração inicial de 2000 (figura 79; tabela 35).

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100

90

80

70

60

50

40 Floração (%) Floração 30

20

10

0 2000 2001 2002 2003

Figura 79. Evolução da temporal da floração (%) nos núcleos translocados.

O facto de existir uma menor proporção de indivíduos em flor não significa que estes morreram ou que não foram translocados, mas que optaram por uma estratégia vegetativa. Estes valores podem ser um reflexo do grau de perturbação provocado pela primeira fase da translocação. Os núcleos onde o grau de dificuldade do processo de remoção foi menor (solo), sendo mais fácil o seu destacamento e podendo ser removidos em talhões maiores, implicaram uma menor perturbação nos mecanismos de desenvolvimento da espécie.

Pelo contrário, nos núcleos com rocha foi necessário recorrer a técnicas de extracção que implicaram uma maior perturbação nos bolbos. Por outro lado, o facto de, na sua maioria, os núcleos com rocha terem sido extraídos numa única peça, explica o maior número de indivíduos reprodutores em comparação com os existentes nos núcleos mistos. Nestes últimos, devido à mistura de substratos, a complexidade do processo de remoção foi maior e tal poderá ter-se reflectido nos resultados obtidos. No entanto, possivelmente devido à perturbação induzida por esta fase da translocação e ao facto desta ter sido efectuada muito perto da altura da emergência de N. cavanillesii, os seus mecanismos fisiológicos provavelmente foram alterados, optando a espécie por uma estratégia vegetativa, em detrimento de um estado reprodutor. Tal poderá ser uma explicação para a baixa taxa de floração obtida em Outono de 2001 perante 2000 (figura 80; tabela x).

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Tabela 35. Resultados do nº de indivíduos reprodutores existentes em cada núcleo, antes do processo de translocação (2000), após a 1ª fase da translocação (2001) e após a 2ª fase da translocação (2002 e 2003). Nº ind. Nº ind. Nº ind. Nº ind. Classe Núcleos Reprodutores Reprodutores Reprodutores Reprodutores Substrato 2000 2001 2002 2003 A 111 27 2 14 Solo B 13 6 19 15 Rocha C 86 20 80 73 Solo E 24 24 0 0 Rocha F 106 9 42 67 Solo-Rocha G 49 6 24 20 Solo-Rocha H 523 30 83 111 Rocha I 56 10 13 25 Solo-Rocha J 30 1 2 12 Solo-Rocha K 178 156 182 153 Solo Total 1176 289 447 490

Os núcleos F, H, I e J, constituídos por uma mistura de solo e rocha à excepção do H formado maioritariamente por rocha, demonstraram um aumento nos indivíduos reprodutores em 2001, 2002 e 2003. Os núcleos B e C revelam um aumento em 2002 comparando com o ano anterior mas uma certa diminuição no número de plantas em flor em 2003 (tabela 35; figura 80).

No núcleo A verificou-se em 2002 uma marcada diminuição no número de plantas em flor comparando com 2001. Esta situação poderia ser consequência de que, durante a translocação definitiva foi necessário colocar algum substrato sobre os núcleos retirados. Esta acumulação adicional de substrato pode, nalguns casos ter sido demasiada e por isso pode ter dificultado ou impedido o processo de emergência dos indivíduos (tabela 35; figura 80).

O núcleo E, formado por rocha, é o único onde não foi registada floração em 2002 e 2003 embora em 2001, 100% dos reprodutores tivessem florido em comparação com o ano anterior. Estes resultados podem ser uma consequência inerente ao ciclo destes indivíduos pois foi constatado que os núcleos com rocha foram os que tinham sofrido menos impacto no momento da translocação. De facto, em 2002 e 2003 alguns destes indivíduos foram registados como vegetativos. Contudo, o facto de durante dois anos consecutivos não se registar nenhum indivíduo em flor torna necessária a planificação e execução de medidas de acção com vista a minimizar esta tendência e as respectivas consequências na dinâmica do núcleo (tabela 35; figura 80).

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600

500

400 solo 300 solo-rocha

nº flores rocha 200

100

0 2000 2001 2002 2003

Figura 80. Percentagem de floração nas várias classes de substrato, ao longo do tempo.

Em resumo pode-se considerar que a percentagem de floração nos núcleos da população de Montes Juntos, embora com certas oscilações, tem uma tendência a aumentar e sob a perspectiva do número de indivíduos reprodutores pode-se considerar que foi executada com sucesso. 100% dos indivíduos de N. cavanillesii que floriram em 2001 foram translocados, quer na operação realizada pelo Departamento de Geociências da Universidade de Évora, quer nas prospecções sistemáticas, por nós realizadas ao longo da floração. Isto não significa ter translocado 100% da população original, pois também foi constatado que nem todos os indivíduos identificados nos anos anteriores floriram em 2001 (permaneceram no estado vegetativo), dificultando a sua localização e translocação. Com base nos dados obtidos estimamos que foi translocada uma percentagem superior a 95% da população original.

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5.2 DEMOGRAFIA

Na área da conservação de espécies vegetais a informação demográfica é considerada crucial para a interpretação da situação actual dos taxa assim como na avaliação da sua futura viabilidade (García, 2002a). Os estudos demográficos envolvem a monitorização das populações permitindo modelizar a sua evolução no tempo (aumento, equilíbrio ou declínio). Esta monitorização leva à detecção de alterações na dinâmica populacional ao longo do tempo, permitindo determinar estados de equilíbrio, aumento ou declínio populacional (Sutter, 1996).

Dada a importância acima referida para avaliar o estado das populações, iniciou-se a monitorização demográfica de N. cavanillesii com o objectivo de avaliar o impacto da translocação sobre a população de Montes Juntos e o sucesso de N. cavanillesii. Os estudos demográficos baseiam-se normalmente em dados correspondentes a intervalos temporais não inferiores a 5 anos, atingindo nalguns casos mais de 10. Por este motivo os resultados obtidos devem ser interpretados com prudência e não podem ser apresentados resultados de dinâmica populacional pois não existem registos suficientes.

5.2.1 METODOLOGIA

5.2.1.1 Tamanho populacional

A análise do tamanho da população constitui uma das primeiras fases da análise demográfica. O modelo demográfico mais simples é aquele que nos permite entender e projectar a evolução do tamanho populacional (N), ao longo do tempo em função dum número mínimo de variáveis (Garcia, 2002).

A equação fundamental em demografia é: Nt + 1= Nt + B-D + I - E,

Onde B corresponde ao número de nascimentos, D o número de mortos, I o número de imigrados, E o número de emigrados e N o número de indivíduos no tempo t e t+1.

Como a migração nas plantas é um processo pouco frequente (somente considerado para as plantas com dispersão a elevadas distâncias), a expressão anterior é simplificada, na seguinte forma: ∆N = B - D

sendo ∆N o valor absoluto correspondente às mudanças no número de indivíduos, no intervalo de tempo (t, t+1). Utilizando uma equação diferencial contínua e substituindo os valores absolutos de nascimentos e mortes por valores relativos ao tamanho populacional (taxa de natalidade: b = B/N; taxa de mortalidade: d = D/N), obtemos a seguinte equação: dN/dt = bN – dN = (b-d)N = r – N

sendo r a taxa de crescimento intrínseca ou instantânea por individuo, também designada por parâmetro maltusiano e que determina se o tamanho da população cresce (r > 0), decresce (r < 0) ou se mantém constante (r = 0). Se a equação anterior, que é uma pág. 148 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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diferencial se integra, obtêm-se uma equação que serve para projectar o tamanho populacional, ao longo do tempo:

rt Nt = N0e

Onde N0 representa o tamanho populacional inicial.

Este é um modelo de crescimento exponencial continuo e que assume determinados princípios: as taxas de nascimento e mortes são constantes, não existe limitação espacial ou energética e a população não possui uma estrutura genética de idades ou tamanhos e por isso todos os indivíduos tem a mesma probabilidade de reproduzir-se ou morrer. Este modelo, normalmente aplicado a microorganismos, nem sempre se ajuste a outros organismos embora seja utilizado quando não se dispõe de mais informações. Em muitas espécies os nascimentos e mortes não são processos contínuos, ocorrendo de forma pontual. A população tem por isso, gerações discretas e por isso calcula-se a taxa de crescimento finita (λ), criando um modelo de crescimento exponencial discreto. A taxa de crescimento continua a ser um parâmetro que avalia as mudanças proporcionais ao tamanho da população num dado momento e num momento posterior. Considerando a relação entre ambos (Nt + 1/ Nt):

t Nt + 1 = λNt e portanto, Nt = N0λ

Assim, a população crescerá, diminuirá ou se manterá estável se λ é maior, menor ou igual a 1, respectivamente.

Convém não esquecer que estes modelos possuem o seu fundamento no crescimento exponencial, processo que em condições naturais só pode ocorrer durante um curto período de tempo. Com o tempo, a competência pelos recursos faz com que o crescimento populacional decresça, em função da densidade populacional (Garcia, 2002).

5.2.1.2 Estrutura populacional

A análise da estrutura interna da população corresponde a um segundo nível de análise num estudo demográfico pois revela dados sobre a composição da população (Menges & Gordon, 1996). Esta focagem baseia-se no facto de nem todos os indivíduos de uma população serem iguais e portanto podem agrupar-se em classes, em função da idade, do tamanho, do sexo, do estado reprodutor, etc. (Garcia, 2002b). Neste sentido, a estrutura populacional das espécies envolventes foi analisada com base nos diferentes estados fenológicos (fenofases). A quantificação destas classes informa-nos sobre os elementos que compõem a população. Não pode ser esquecido que esta análise corresponde a uma única “foto”, dum “filme” completo: a dinâmica populacional. São tão variadas as situações, os factores que intervêm, as formas vitais e as estratégias de cada espécie, que se torna difícil compreender o que está ocorrer, através duma única foto temporal. Aliás, podemos encontrar estruturas populacionais iguais em dois organismos completamente diferentes, de tal forma que um possa estar ameaçado e outro não. Por isso, é importante considerar estes dados no conjunto das restantes análises, contribuindo para a formulação de conclusões práticas e efectivas.

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5.2.1.3 Modelos matriciais lineares

A dinâmica populacional, no âmbito da demografia, abrange diversos aspectos relacionados com as alterações no número de indivíduos. Uma metodologia frequente no estudo da dinâmica populacinal é a aplicação de modelos matemáticos que simulam as mudanças nas populações ao longo do tempo, em função de uma série de parâmetros previamente definidos. Em concreto, os modelos matriciais lineais (nos quais os coeficientes são números reais positivos e não funções) são amplamente utilizados pois conseguem integrar a complexidade do ciclo vital das plantas obtendo uma grande quantidade de informação a partir de um modelo relativamente simples. Estes modelos exploram as propriedades demográficas de uma população num determinado momento inferindo o que pode acontecer no futuro sempre que sejam constantes as taxas vitais registadas (García & Iriondo, 2002). Para poder aplicar-se este modelo são precisos dados de campo de dois momentos separados no tempo e a estrutura da população nas classes demográficas definidas.

A matriz de transição (“n” colunas e “n” filas) contem todas as taxas de supervivência de indivíduos dentro de uma mesma classe assim como a transição entre classes. Os elementos matriciais equivalem a probabilidade de que os indivíduos pertencentes a uma determinada classe num determinado momento (t) passem a formar parte de outra classe no momento (t+1) (García & Iriondo, 2002).

5.2.1.4 Obtenção de dados

Com o objectivo de avaliar ao longo do tempo, a dinâmica populacional de N. cavanillesii, foi iniciado no Outono de 2001, um estudo demográfico da população existente na Ajuda e em Montes Juntos. Para melhor avaliar o efeito do enchimento da barragem optou-se por efectuar o estudo nos indivíduos existentes no núcleo em baixo da Ponte, em detrimento dos existentes no tabuleiro (Rosselló et al., 2001). É neste núcleo que o efeito anteriormente referido será mais evidente, tornando possível a sua monitorização e avaliação. Paralelamente em Montes Juntos foram seleccionadas áreas demográficas nos núcleos de substrato distinto por se ter verificado diferentes alterações no comportamento dos seus indivíduos.

Todos os indivíduos existentes no interior destas parcelas foram marcados com palitos de diferentes cores, de acordo com o estado de desenvolvimento apresentado pelos indivíduos (figura 81). A análise da estrutura interna das populações reflecte, além do tamanho, a composição da população pois considera que nem todos os indivíduos são iguais, o que permite estruturar a população por classes, em função de um ou vários parâmetros biológicos, (idade, tamanho, estados fenológicos,...) (García, 2002b). Assim, para o presente estudo as classes demográficas foram baseadas no estado fenológico dos indivíduos. Foram consideradas oito classes:

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1) Vegetativo com uma folha (palito branco) 2) Vegetativo com duas folhas (palito laranja) 3) Vegetativo com três folhas (palito azul) 4) Vegetativo com quatro folhas (palito rosa) 5) Vegetativo com cinco folhas (palito ocre) 6) Vegetativo com seis folhas(palito cinzento) 7) Vegetativo com sete folhas (palito verde) 8) Reprodutor (palito vermelho)

Figura 81. Indivíduos marcados com palitos de diversos códigos e delimitação de uma área demográfica num dos núcleos de Montes Juntos.

Convém salientar que a dinâmica de uma população ou subpopulação é uma característica própria da população, ou da subpopulação e não da espécie. Por isso, os resultados obtidos permitirão avaliar a evolução temporal dos núcleos considerados como representativos das diferentes condições onde se encontram os indivíduos da população de Montes Juntos. A monitorização destes indivíduos permitirá, em conjunto com outros resultados, uma correcta avaliação da translocação.

Paralelamente, na população da Ajuda, cujo núcleo tem uma dimensão de 2.3m x 1.9m foi posicionada uma quadrícula de 10 cm x 10 cm. De cada quadrícula foi feita uma fotografia perpendicular ao solo. Com esta metodologia pretendeu-se obter um levantamento cartográfico de toda a população em estudo, o que permitirá conhecer a quantidade de indivíduos de cada classe e a sua posição relativa. (figura 82)

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Figura 82. Posicionamento da quadrícula 10 x 10 sobre o núcleo da população da Ajuda

O mesmo estudo foi efectuado com N. serotinus na população da Ajuda para uma melhor compreensão dos resultados (Rosselló et al., 2001). Para avaliar o efeito da barragem, da herbivoria e da pressão humana foram delimitadas quatro parcelas, cada uma com dimensões de 75 cm x 75 cm, duas com vedação e duas sem vedação (duas réplicas de cada). Devido à densidade de indivíduos ser menor, em comparação com N. cavanillesii, optou-se por uma metodologia diferente. Próximo de cada indivíduo foi enterrado um rebite (figura 83), com uma etiqueta metálica numerada e foi registada a sua posição e o seu estado fenológico. Á semelhança de N. cavanillesii, foram considerados os mesmos estados de desenvolvimento. Figura 83. Detalhe do rebite com etiqueta metálica numerada, antes de ser enterrado.

5.2.2 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Tal como foi referido os dados são insuficientes para permitir uma correcta interpretação. Não existem registos temporais suficientes para determinar a dinâmica populacional de N. cavanillesii. Neste sentido, é muita importante este seguimento temporal de forma a obter- se os dados necessários para esta interpretação. A título de exemplo descrevem-se alguns dos resultados obtidos, os quais como já foi referido devem de ser interpretados com cautela pois tratam-se de séries temporais estáticas não reflectindo a dinâmica inerente às populações.

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5.2.2.1 Tamanho populacional

Em 2001, 2002 e 2003 respectivamente, a taxa finita de crescimento anual de N. cavanillesii correspondeu a 0.93 para a transição 2001-2002 e 0.99 para a transição 2002- 2003 revelando um ligeiro declínio populacional embora com valores muito próximos a uma situação de equilíbrio (taxa finita de crescimento igual a 1). Valores semelhantes foram registados na população de N. cavanillesii da Ajuda e também em N. serotinus.

O facto da espécie ser um geófito significa que pode apresentar uma estratégia vital distinta em anos consecutivos, emergindo em forma de folha ou escapo floral ou ficando dormente no solo. Da estratégia adoptada por cada indivíduo dependerá o tamanho da população e em consequência a taxa de crescimento anual, tendo também repercussões na dinâmica da população.

5.2.2.2 Estrutura populacional

O registo demográfico em Montes Juntos revelou uma estrutura em forma de “J” invertido, nas quais as classes mais frequentes correspondem às primeiras fases do ciclo vital da espécie (figura 84). O mesmo se verificou na população de Ajuda.

De acordo com os dados obtidos, a maioria dos indivíduos encontram-se no estado vegetativo (97.06%), sendo a classe predominante o estado vegetativo com uma só folha (56.14%). Os indivíduos com mais do que uma folha (até 7) são muito menos abundantes, sendo mais raros os que possuem mais folhas. As plantas em estado reprodutor representaram 2.94% da totalidade e não apresentaram folhas.

100

80 s 56.14 60

40 25.60 % de indivíduo de % 20 10.97 3.15 0.73 0.31 0.16 2.94 0 1234567R Classes demográficas

Figura 84. Estrutura populacional de N. cavanillesii na Ajuda no Outono de 2001. De 1 a 7 encontram-se representados os indivíduos em estado vegetativo, correspondendo cada número à quantidade de folhas existentes (e.g, 1: vegetativo com uma folha); R representa os indivíduos em estado reprodutor; n=1906 indivíduos. Resultados semelhantes foram obtidos até ao final deste projecto.

À semelhança do que foi verificado para N. cavanillesii, a classe demográfica predominante nas parcelas de N. serotinus foi o estado vegetativo com uma folha.

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Contudo, N. cavanillesii apresenta mais classes vegetativas que N. serotinus, pois esta segunda espécie apresentou unicamente 1 ou 2 folhas (figura 85).

100 86.39 82.50 80 74.57 74.75

60

40 25.00 25.25 % de indivíduos 20 9.58 10.43 7.92 3.17 0.43 0.00 0 AAVBBV Classes demográficas

1 2 R

Figura 85. Estrutura populacional de N. serotinus na Ajuda no Outono de 2001. 1 e 2 representam os indivíduos em estado vegetativo, correspondendo cada número à quantidade de folhas existentes (e.g, 1: vegetativo com uma folha); R representa os indivíduos em estado reprodutor; A e B correspondem às parcelas; V indica que a parcela tem vedação. A: n= 240; AV: n= 232; B: n= 99; BV: n= 441.

A análise da estrutura populacional segundo as fenofases (figura 86) revelou uma maior proporção de indivíduos com uma única folha em todos os anos monitorizados representando 56.13%, 47.31% e 47.08% em 2001, 2002 e 2003 respectivamente. Os exemplares vegetativos com duas folhas foram muito menos abundantes verificando-se valores de 25.60%, 38.15% e 35.86% para 2001, 2002 e 2003 respectivamente. A proporção de exemplares reprodutores, foi a fenofase menos abundante embora tenha ocorrido um aumento de ano para ano atingindo valores de 2.93%, 4.29% e 4.91% para 2001, 2002 e 2003 respectivamente.

O estudo demográfico efectuado evidenciou uma distribuição das fenofases, ao longo do tempo, em J-invertido (J-shaped distribution), com a maioria dos indivíduos nas classes inferiores e uma menor frequência dos reprodutores. Esta distribuição está associada a populações bem estruturadas ou estabilizadas (García, 2002b). No entanto, o escasso registo temporal não é suficiente para garantir a fiabilidade dos resultados.

O ratio indivíduos vegetativos/reprodutores (V/R) foi de 33.04 em 2001, 22.28 em 2002 e 19.33 em 2003 reflectindo a predominância da estratégia vegetativa, embora com um leve decréscimo de ano para ano. Este resultado poderia corresponder a uma população em crescimento onde predominam os indivíduos nas classes demográficas mais jovens. Contudo e como já foi referido, os indivíduos de N. cavanillesii podem optar por diferentes estratégias vitais em anos consecutivos, facto que faz com que os dados obtidos sejam interpretados com certa prudência.

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100% 90% 80% 70% 60% 50% 40%

% de indivíduos 30% 20% 10% 0% 2001 2002 2003

Vegetativo, 1 folha Vegetativo, 2 folhas Vegetativo, > 2 folhas Reprodutor

Figura 86. Estrutura populacional de N. cavanillesii na Ajuda em 2001 (n= 1096) 2002 (n= 1769) e 2003 (n= 1748) segundo as fenofases consideradas.

5.2.2.3 Modelos matriciais lineares

A monitorização demográfica efectuada apenas permitiu a obtenção de dados de crescimento populacional e de resposta reprodutiva durante o período de 2001-2003. A título de exemplo descrevem-se os resultados obtidos para a população de Ajuda de N. cavanillesii. Valores semelhantes foram obtidos para Montes Juntos embora tal não seja suficiente para avaliar positivamente o desenvolvimento da espécie. A tabela 36 detalha a matriz de transição elaborada a partir dos valores médios obtidos durante este período.

Tabela 36. Matriz de transição da população de N. cavanillesii da Ajuda estruturada em quatro classes demográficas: (I) vegetativo 1 folha; (II) vegetativo 2 folhas; (III) vegetativo > 2 folhas; (IV) reprodutor e (V) dormente. Valores médios correspondentes ao período 2001-2003. de: I II III IV V I 0.55 0.27 0.26 0.70 0.32 a: II 0.31 0.46 0.27 0.20 0.13 III 0.05 0.16 0.27 0.01 0.04 IV 0.02 0.05 0.15 0.05 0.02 V 0.03 0.01 0.03 0.04 0

Analizando a matriz de transição verifica-se como a probabilidade de que os exemplares com uma folha optem pela mesma estratégia vital no próximo ano é de 0.55, sendo inferior a probabilidade de passar a formar duas folhas ou mais de duas folhas (0.31 e 0.05 respectivamente). Os indivíduos com três folhas num ano são os que têm uma probabilidade mais elevada (0.15) no ano a seguir de serem reprodutores o que é concordante com a acumulação de reservas no bolbo, ao longo do tempo.

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Os exemplares reprodutores têm uma probabilidade de 0.70 de se comportarem como vegetativos com uma folha, no ano seguinte. Uma vez gastas as reservas na reprodução, o indivíduo necessita novamente de acumular energia e recursos para poder reproduzir-se. Esta hipótese é concordante com o facto dos reprodutores serem a classe demográfica com maior probabilidade (0.04) de ficarem dormentes no seguinte ciclo vital, com unicamente 0.05 de probabilidade de serem novamente reprodutores. Após a floração e no sentido de acumularem de novo reservas, estes exemplares optaram por uma estratégia vegetativa, formando unicamente folhas.

5.3 SUCESSO REPRODUTIVO: TAXA DE FORMAÇÃO DE SEMENTES

Os estudos demográficos incluem, além do registo dos dados relativos aos indivíduos, a recolha de frutos de exemplares próximos às plantas estudadas para proceder à quantificação das sementes viáveis e abortadas obtendo assim, a taxa de formação de sementes. Neste caso, pelos poucos resultados demográficos considerou-se a taxa de formação de sementes como um carácter “semi-independente”, capaz de avaliar o sucesso das acções efectuadas e do êxito da espécie. Consideramos uma semente viável aquela que apresenta um bom desenvolvimento em comparação com as sementes abortadas. Contudo, a percentagem de viabilidade destas sementes foi quantificada com a realização de testes de germinação. Os frutos foram colhidos em cada ano, não se utilizando indivíduos que formam parte das parcelas em estudo de forma a não interferir na dispersão das sementes, facto que alteraria a dinâmica da população. Futuramente, após a obtenção de mais matrizes de transição, o valor obtido na contagem destas sementes (viáveis e abortadas) será incluído nessas matrizes para o estudo da dinâmica populacional. Neste sentido, desde 2001 e até 2003 foram colhidos frutos de N. cavanillesii e Montes Juntos na Ajuda, uma vez completado o processo de formação das sementes mas quando as cápsulas ainda não estavam abertas, garantindo assim que os frutos continham todas as sementes. Posteriormente, mediante abertura directa das cápsulas à lupa (LEICA WILD M3B, ampliação: 16X e 40X), foi quantificado o número de sementes viáveis e o número de sementes abortadas em cada uma das cápsulas (Schemske, 1977) (tabela 1). Utilizou-se o teste de Mann-Whitney para comparar o número de sementes produzidas por fruto entre ambas as espécies.

Analisando as sementes colhidas verificou-se que não se distinguem morfologicamente, a olho nu ou em microscopia óptica, as sementes de N. cavanillesii das de N. serotinus. As sementes viáveis apresentaram, nas duas espécies estudadas, uma elevada variabilidade morfológica possuindo uma forma redonda, oval ou com extremidades agudas. O exosperma é em geral negro e brilhante, apresentando por vezes pequenos orifícios como ornamentação. A forma da semente depende principalmente dos recursos disponíveis e da posição da semente dentro da cápsula (limitação espacial). Contrariamente às sementes viáveis, as sementes abortadas possuem em geral dimensões mais reduzidas, com um exosperma rugoso e com menos brilho.

Comparando N. cavanillesii e N. serotinus verifica-se que o número de sementes viáveis é significativamente diferente entre estes dois Narcissus (U=1877, p<0.001, teste de Mann- pág. 156 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Whitney). N. serotinus produziu mais sementes que N. cavanillesii em todos os anos monitorizados (figura 87). Adicionalmente, pode-se referir que as duas populações de N. cavanillesii não apresentam diferenças relativas à formação de sementes, pois verificou-se a mesma produção nas duas populações.

N. cavanillesii N. serotinus

12

10

8

6

4

2 nº de sementes viáveis 0 2001 2002 2003

Figura 87. Formação de sementes viáveis na população da Ajuda, ao longo do tempo, em N. cavanillesii e N. serotinus. Estes resultados permitem contribuir para uma avaliação positiva da translocação realizada dado que os indivíduos translocados têm um comportamento semelhante ao da população da Ajuda, não se verificando diferenças em termos de sucesso reprodutivo.

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6 PROTOCOLOS DE EMERGÊNCIA

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Devido à situação crítica em que se encontra N. cavanillesii nas suas populações naturais torna-se necessário complementar as medidas de conservação in situ com acções de conservação ex situ. Assim, o objectivo deste apartado é o desenvolvimento de protocolos para a multiplicação e a conservação ex situ de N. cavanillesii, por meio de diversas técnicas, para assegurar a conservação da espécie.

A conservação ex situ complementa as acções efectuadas nos hábitats naturais. Este tipo de conservação é ainda mais necessário quando a conservação in situ apresenta problemas de aplicação, que podem ser originados pela necessidade de estabelecer marcos legais de protecção das áreas e hábitats, por conflitos de interesses com outras actividades humanas e pela falta dum compromisso, contínuo e de longo prazo de recursos económicos, às instituições responsáveis da conservação (Reid & Miller, 1989).

Um dos métodos mais efectivos para a conservação ex situ é o armazenamento de sementes em bancos de germoplasma. Embora o armazenamento de sementes seja tão antigo como a própria agricultura, só na metade do século XX é efectuada a colheita sistemática para fins científicos ou de conservação. Na actualidade, o armazenamento de material a conservar sob a forma de sementes é um dos procedimentos de conservação ex situ mais válidos e generalizados. Encontra-se comprovado que o armazenamento de sementes a longo prazo constitui uma operação relativamente simples e económica em termos de tecnologia, infra- estrutura, gestão humana e gastos de manutenção (Maxted et al., 1997).

Se a conservação ex situ em bancos de sementes constitui a alternativa mais utilizada, em determinadas espécies surgem problemas de propagação ou de conservação que impedem ou dificultam o uso desta solução. Este é o caso de espécies com uma população natural extremadamente reduzida onde a simples colheita de sementes pode afectar a sobrevivência da população (Clemente, 1999). Nestes casos, as técnicas de armazenamento ou conservação in vitro constituem uma alternativa válida para a conservação de sementes de espécies raras o ameaçadas (Iriondo, 2001).

Neste cenario consideraram-se dois mecanismos, de diversificação do risco de extinção da população de N. cavanillesii afectada pela albufeira, no caso das acções in situ não serem satisfactórias. Os dois mecanismos activados foram: • Estabelecimento duma acessão significativa de sementes de N. cavanillesii garantindo a sua viabilidade a longo prazo no Banco de Germoplasma “António Luís Belo Correia” • Determinação das condições optimas na multiplicação desta espécie por técnicas de cultura de tecidos

6.1 ACÇÕES DE CONSERVAÇÃO EX SITU

6.1.1 BANCO DE GERMOPLASMA

As sementes constituem o material preferencial de propagação quando pretendemos conservar a maior diversidade genética possível duma população. Embora esta colheita de material possa ser realizada com facilidade deve-se ter sempre em consideração o impacto na dinâmica das populações. No caso particular de especies estenócoras e com um baixo pág. 160 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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número de individuos reprodutores, a colheita de germoplasma deve respeitar os factores autoecológicos da população.

As colheitas realizadas desde que a presente equipa esteve a trabalhar no conjunto de projectos que decorreram desde 1999 até a actualidade (2004) são muito diferentes de ano para ano. Estas diferenças podem ser explicadas pelas incertezas referentes ao futuro das populações afectadas pela albufeira e pelos adiamentos na data de fecho das comportas. Em 1999, o início do projecto “PMo 1.1. Monitorização de Plantas Prioritárias” concidiu com a descoberta dos núcleos de Montes Juntos e para se poder definir as possíveis estratégias de monitorização desta espécie foi colhido um volume considerável de germoplasma.

Nessa altura ninguém era consciente do elevado factor de raridade da espécie em Portugal e não se pensou na possibilidade de surgir a necesidade particular de conservar esses núcleos, mesmo com a influência da albufeira. Só após ter sido notificada esta descoberta às pessoas responsáveis pelo património natural de EDIA, començou-se a equacionar a definição dum projecto específico para a salvaguarda da espécie (2000). Contudo, este projecto só começou em 2001 e durante este impasse foram relizadas colheitas testemunhais nas duas localidades: Ajuda e Montes Juntos. Uma vez que decorria, de forma paralela, o estabelecimento dum Banco de Germoplasma (BG) dirigido à flora da zona afectada mas cujos protocolos de conservação e as técnicas de gestão do BG não estavam ainda bem apuradas, não seria sensato colher material raro que ainda não sabiamos ou não podiamos conservar. Após o BG ter definido as técnicas e experiência necessárias (Draper et al., 2002) para garantir a conservação deste material realizaram-se colheitas maiores (Tabela 3)

Tabela 3. Listagem das acessões de N. cavanillesii conservadas actualmente no Banco de Germoplasma “António Luís Belo Correia”. Localidade Código Data Vol. Sem cm3 Montes Juntos Alq 1435 10.11.99 3.8 Montes Juntos Alq 262 30.11.00 0.7 Ajuda Alq 237 09.12.00 1. 6 Montes Juntos Alq 262-2 01.11.01 0.5 Ajuda Alq 1403 01.10.02 1.3 Ajuda Alq 1403-2 20.11.03 11.5

A evolução anual das colheitas encontra-se representada na figura 88.

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14 12 10 8 6 4 2

Volume de amostra (cm3) Volume de amostra 0 1999 2000 2001 2002 2003 Anos

Figura 88. Evolução anual do volume de sementes (cm3) de N. cavanillesii colhidas para conservação.

No fim deste projecto dispoem-se de um total de 13.3 cm3 de sementes dos quais, 62% provêm da população de Ajuda e o restante (38%) de Montes Juntos.

Quando as taxas de germinação das sementes são baixas ou quando são utilizados métodos convencionais, as técnicas de cultura in vitro podem contribuir para melhorar as percentagens de germinação (Fay et al., 1999). Adicionalmente, quando a disponibilidade de sementes é baixa, após a germinação in vitro segue uma fase de proliferação com a finalidade de produzir um elevado número de plantas (Iriondo, 2001).

6.1.2 CULTURA IN VITRO

A cultura in vitro pode ser definida como a cultura sobre um meio nutritivo em condições estéreis de plantas, sementes, embriões, órgãos, explantes, tecidos, células e protoplastos de plantas. As culturas podem iniciar-se com qualquer parte da planta; a selecção dum ou de outro tipo de explanto dependerá dos objectivos e da disponibilidade e capacidade de resposta do material vegetal.

Com o fim de conhecer a resposta de N. cavanillesii à sua propagação in vitro foi realizado um protocolo de colaboração com o Departamento de Biología Vegetal da Universidad Politécnica de Madrid aproveitando a demonstrada experiência desta equipe em conservação ex situ. A duração do protocolo foi de 1 ano e contemplava a seguinte equipa de investigadores: N. Alanoka, L. De Hond e C. Ruiz sob a coordenação cientifica de J. M. Iriondo. O texto que segue é uma síntese do documento elaborado por esta equipe. A integridade do documento apresenta-se no Anexo VIII.

O objectivo primordial deste sub-projecto foi desenvolver um protocolo que permitisse a propagação e conservação in vitro da espécie.

Para atingir este objectivo consideraram-se as seguintes acções:

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• Estabelecimento da cultura in vitro de N. cavanillesii a partir da germinação in vitro de sementes. • Estabelecimento da cultura in vitro de N. cavanillesii a partir de bolbos. • Proliferação de caules por indução de gemas adventícias e/ou desenvolvimento de gemas laterais. • Formação de bolbos e enraizamento dos talos. • Aclimatação das vitroplantas regeneradas para a sua passagem a condições ex vitro. • Desenvolvimento de métodos que permitam a conservação in vitro da espécie a médio e longo prazo.

Do trabalho realizado podem ser definidas as seguintes conclusões:

Germinação in vitro • A percentagem de germinação in vitro de sementes de N. cavanillesii foi superior a 80% nas seguintes condições: tratamento asséptico de etanol 70% durante 10 segundos e hipoclorito sódico 0.5% durante 15 minutos, incubação em câmara a 15ºC.

• O meio nutritivo de Seabrook foi considerado o meio óptimo para a germinação in vitro de N. cavanillesii.

Assépsia de bolbos • O tamanho do bolbo é um factor importante ao considerar-se o protocolo de assépsia mais adequado.

• A assépsia dos bolbos é uma etapa crucial para o sucesso da micropropagação de N. cavanillesii. A utilização de antifúngico e antibacteriano PPM resultou fundamental para evitar a contaminação dos bolbos.

• Toda a fase de assépsia deve realizar-se com água destilada estéril. Tanto a lavagem como a desinfecção dos bolbos deve ser realizada dentro da câmara de fluxo.

Proliferação • A maior percentagem de obtenção de bolbos conseguiu-se em meio Seabrook + 10 mg/l BAP + 1mg/l NAA.

• A presença de carvão activo favoreceu a formação de raízes desde a etapa de proliferação e a ausência total de formação de calo.

Enraizamiento • Os meios utilizados no enraizamento permitiram regenerar a planta completa para aclimatação. Mesmo assim, sería conveniente realizar novas experiências para optimizar o alongamento das raízes.

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Aclimatação • Embora se tenha realizado uma única experiência, os resultados de sobrevivência em aclimatação foram excelentes obtendo-se uma taxa de 100% de sobrevivência.

• A aclimatação dentro duma mini-estufa favoreceu as condições ambientais para o desenvolvimento ex vitro de N. cavanillesii.

• A utilização de Cryptonol 0.1 %, na lavagem dos bolbos e a sua aplicação na sua base, uma vez colocados em terra, foi favorável para evitar o aparecimento de agentes contaminantes.

Conservação in vitro • As perspectivas de conservação in vitro de N. cavanillesii que permita a conservação de explantos a curto e médio prazo são muito favoráveis. Propõe-se a conservação dos explantes em meio de cultura Seabrook + 10 mg/l BAP + 0.1 mg/l NAA + 150 mg/l sulfato de adenosina a 5oC de temperatura e com um fotoperiodo de 16 h luz.

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6.1.3 PROTOCOLO PARA A MICROPROPAGAÇÃO DE N. CAVANILLESII

Preparação, desinfecção e dissecção para a cultura de bolbos de N. cavanillesii

1. Preparação do material:

• Tubos de ensaio • Placas estéreis • Bisturís e pinças finas esterilizadas (não à autoclave) • Frascos com água destilada

2. Lavagem dos bolbos com água estéril e sabão liquido com uma escova suave. Eliminar durante este proceso as escamas externas. Submergir durante uma hora em água destilada estéril.

3. Dissecção dos bolbos longitudinalmente antes da sua introdução no tratamento de assépsia. Para bolbos de 1cm de diâmetro recomenda-se:

• Dissolução de etanol 90% em água estéril durante 30 segundos. • Concentração de hipoclorito sódico 1% durante 25 minutos.

4. Una vez realizada a assépsia recomenda-se acrescentar ao meio nutritivo PPM 0.1%.

Germinação in vitro

1. Tratamento de assépsia: etanol 70% durante 10 segundos e hipoclorito sódico 0.5 % durante 15 minutos.

2. Incubação na câmara a 15ºC, com um fotoperiodo de 16 horas de luz e 8 de escuridão.

3. Incubação das sementes em meio Seabrook sem reguladores de crecimento e sem aditivos.

Proliferação

1. Cultura dos explantes em meio Seabrook + 10 mg/l BAP + 1mg/l NAA + 150 mg/l sulfato de adenosina.

2. Os explantos devem estar formados por um segmento de escama e um disco basal.

3. Recomenda-se individualizar o número de explantos por tubo para evitar possíveis contaminações.

4. As subculturas ou repicados devem ser realizadas cada 3- 4 semanas.

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Desenvolvimento do bolbo e enraizamento

1. Enraizamento dos explantes sobre meio Seabrook + 1 mg/l NAA + 150 sulfato de adenosína. Adição de carvão activo uma vez o bolbo tenha aumentado.

2. Duração do proceso de desenvolvimento e enraizamento: mínimo 90 días.

Aclimatação

1. Cultura de plantas sobre 20% turfa e 80% areia.

2. Lavagem das plantas com água destilada e Cryptonol 0.1% antes de passar para terra.

3. Condições climáticas: Fotoperiodo de 16 horas de luz e 8 horas de escuridão; rega pouco abundante em cada semana.

Conservação in vitro

1. Cultura de bolbos em meio Seabrook + 10 mg/l BAP + 1 mg/l NAA + 150 mg/l sulfato de adenosina a 5oC e com um fotoperiodo de 16 h.

pág. 166 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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7 NOVA AMEAÇA PARA N. CAVANILLESII EM PORTUGAL: OBRAS NA PONTE DA AJUDA

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Antes de finalizar este relatório e considerando a gravidade da situação gostaríamos de salientar as consequências da realização de obras na Ponte da Ajuda, para a sobrevivência de N. cavanillesii em Portugal, considerando algumas questões importantes para a sua conservação.

Se já foi salvaguardada a população de Montes Juntos porque é tão importante conservarem a população da Ajuda?

Em Portugal, a Ponte da Ajuda representa a localidade clássica de N. cavanillesii. Esta população é composta por cerca de 11000 indivíduos reprodutores, numa área de 300m2, estando a maioria deles (91%), em cima do tabuleiro da velha ponte da Ajuda. Os restantes indivíduos encontram-se repartidos nas proximidades da ponte. Assim, na Ajuda reside a população com maior densidade de indivíduos do mundo, o que a torna única mas extremamente vulnerável a qualquer intervenção que venha a ocorrer nesta zona. O impacto que o enchimento da albufeira terá na população da Ajuda é, por enquanto, imprevisível, o que tornou a sua monitorização absolutamente necessária. Desta forma, têm vindo a ser desenvolvidos diversos estudos sobre estes indivíduos, de forma a serem detectadas as alterações que possam surgir, para que seja possível intervir previamente a uma situação irreversível, que ameace o futuro desta população.

A relevância da população da Ajuda reside nos seguintes factos:

- É uma das duas únicas populações conhecidas em Portugal. - Permanece como sendo o único local de ocorrência natural de N. cavanillesii no país, já que a outra população (Montes Juntos) foi alvo de uma operação de translocação realizada no âmbito do presente projecto e cujo sucesso está ser avaliado. Precisamente esta avaliação é efectuada com base nas características da população da Ajuda. - 88% dos indivíduos desta espécie em Portugal fazem parte da população da Ajuda. - A existência e importância desta população já foram reconhecidas pelas autoridades portuguesas declarando, por este motivo o Sítio Guadiana-Juromenha na Lista Nacional de Sítios (Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97 de 28 de Agosto). - N. cavanillesii está incluído nos Anexos II e IV da Directiva Comunitária Habitat 92/43/CEE. Isto significa que é uma espécie vegetal de interesse comunitário para a qual se exige a sua rigorosa protecção e a criação de zonas especiais para a sua conservação.

No estudo de impacte ambiental do empreendimento de Alqueva (Lousã, 1995) já se alerta para os perigos que as obras na velha ponte da Ajuda terão para esta espécie. Recentemente, o próprio plano de Ordenamento das Albufeiras de Alqueva e Pedrógão assume a protecção da população de N. cavanillesii da Ajuda como uma tarefa prioritária (POAAP, 2002). Igualmente, consideramos imprescindível que o Plano de Pormenor para a zona da Ajuda, actualmente em elaboração, contemple com máxima prioridade a preservação desta população. Convém salientar que a execução de obras de restauro ou recuperação na velha ponte da Ajuda não se encontram contempladas nas acções de minimização e compensação do impacto da albufeira do Alqueva no património natural, pág. 168 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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promovidas pela EDIA e executadas pela equipa do Museu e Jardim Botânico da Universidade de Lisboa (Museu Nacional de História Natural).

Que medidas foram actuadas?

Pelo facto de N. cavanillesii ser uma espécie incluída nos anexos acima referidos e cuja existência na zona da Ajuda promoveu a criação do Sítio Guadiana-Juromenha, a realização de quaisquer acções ou projectos, susceptíveis de afectar significativamente a conservação destes Sítios devem ser sujeitos a uma acção de impacte ambiental ou a um processo prévio de análise de incidências ambientais, como formalidade essencial de autorização, de acordo com o artigo 9º do Decreto Lei nº 140/99 de 24 de Abril, o qual regula a normativa dos Sítios incluídos na Lista Nacional de Sítios.

Adicionalmente a existência destes Sítios, prevê que o planeamento e ordenamento, nomeadamente o licenciamento ou a autorização de actos ou actividades fica sujeito a parecer favorável do ICN de acordo com o exposto no artigo 7º do Decreto-Lei nº 140/99 de 24 de Abril. Igualmente, determinados actos e actividades, como por exemplo a realização de obras, ficam sujeitos a parecer do ICN ou da direcção regional de ambiente territorialmente competente de acordo com o exposto no artigo 8º do Decreto-Lei acima referido.

Quando através da realização da avaliação de impacte ambiental ou da análise de incidências ambientais se conclua que a acção ou o projecto previsto implica impactes negativos para o Sítio de importância comunitária, o mesmo só pode ser autorizado quando se verifique a ausência de solução alternativa e ocorram razões imperativas de interesse público, e como tal reconhecidas mediante despacho conjunto do Ministro do Ambiente e do ministro competente em razão da matéria, de acordo o artigo 10º do Decreto Lei nº 140/99 de 24 de Abril. Este artigo refere ainda que a autorização para a realização destas acções inclui as necessárias medidas mitigadoras e compensatórias que terão de ser adoptadas.

Por estes motivos, procurámos conhecer as alterações que iriam decorrer na Ajuda, de forma a garantir-se a sobrevivência de N. cavanillesii. Assim, foram pesquisadas perante estes organismos as autorizações/solicitações para o decorrer desta obra, assim como o referido estudo de impacto ambiental. No entanto, não foi comprovada a existência de autorizações e pareceres necessários nem o estudo de impacto ambiental.

A legislação acima referida só diz respeito à conservação da Natureza. Porém, existem outras formalidades que esta obra deve respeitar e das quais não temos conhecimento: o facto da Ponte da Ajuda ser considerada Património Nacional (tendo classificação e protecção legal) implica existir um parecer por parte do IPPAR; por outro lado pelas obras decorrem no leito do rio, zona de domínio público, a sua execução também dependerá de uma resolução proveniente do INAG. O único organismo que recebeu uma notificação de aviso do início das obras por parte da entidade responsável por esta intervenção foi a Câmara Municipal de Elvas.

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Em Fevereiro de 2003 no decorrer dos trabalhos de campo no âmbito do presente projecto, esta equipa deparou com uma vedação à volta da Ponte da Ajuda na margem de Elvas (figura 89), proibindo a passagem ao tabuleiro da ponte assim, como os seus arredores, alertando para a ocorrência de obras. Esta situação foi transmitida de imediato ao Núcleo de Património Natural e ao Conselho de Administração da EDIA. Neste sentido convém salientar que e a EDIA, através do Núcleo acima citado, já tinha anteriormente comunicado à Direcção Regional dos Edifícios e Monumentos Nacionais de Évora, a existência da população de N. cavanillesii no tabuleiro da Ponte da Ajuda. Esta acção tinha o objectivo de alertar para especiais precauções, no caso de se realizar alguma intervenção arquitectónica na ponte.

Figura 89. Vedação metálica limitando o acesso à Ponte da Ajuda. Fevereiro de 2003.

O Ministerio de Fomento espanhol responsável por este projecto de reconstrução e reabilitação da velha Ponte da Ajuda, através da Demarcación de Carreteras de Extremadura e a empresa executora das obras (Freyssinet) encontram-se actualmente informados da existência da população de N. cavanillesii na zona da Ajuda. Igualmente, encontram-se informados do estatuto de ameaça e de protecção desta espécie e do facto da margem portuguesa constituir um Sítio REDE NATURA 2000, protegido por leis comunitárias.

No seguimento deste processo, solicitou-se o empenhamento do ICN, no sentido de serem actuadas medidas necessárias à sobrevivência desta população. Outros organismos, como a Câmara Municipal de Elvas, a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Alentejo e a Direcção Regional do Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR) foram alertados para o risco patrimonial desta acção de reconstrução.

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Que implicações terá a execução de obras na velha Ponte da Ajuda ?

A realização das obras de reconstrução e reabilitação da velha Ponte da Ajuda, tal e como inicialmente estava planeado, implicarão a eliminação dos indivíduos de N. cavanillesii que crescem no tabuleiro. O projecto arquitectónico, que já está ser implementado na margem de Olivença, contempla a eliminação da totalidade do coberto vegetal da ponte, (tabuleiro, pilares e arcos), o nivelamento e repavimentação do tabuleiro e a consolidação dos pilares, utilizando grandes proporções de betão armado (figura 90). Até ao momento, a passagem de maquinaria pesada levou a uma perturbação dos locais adjacentes ao tabuleiro. Se começar a reconstrução do lado português, também dificilmente, os pequenos núcleos de N. cavanillesii adjacentes à ponte irão sobreviver.

Por estes motivos consideramos que as obras previstas para a Ponte da Ajuda levarão à EXTINÇÃO da única população natural de N. cavanillesii em Portugal, para além de ser a mais importante em número de indivíduos, com irreversíveis consequências para o património biológico do país.

Figura 90. Vista parcial do projecto de reconstrução da Ponte da Ajuda. Fonte Expresso.

E outra translocação? Porque não pode ser efectuada?

Tal como temos vindo a explicar as operações de translocação são muito complexas, representando sempre algum impacto para a espécie em questão. Para além do facto de não ficar nenhum local de ocorrência natural desta espécie em Portugal e das experiências a decorrer na Ajuda ficarem comprometidas, o maior impedimento para uma operação deste género é a questão técnica inerente a este processo. Existem várias dificuldades nomeadamente no que se refere aos materiais e aos métodos a serem utilizados, a morosidade e complexidade do processo e ainda os aspectos económicos. Igualmente, pelo risco do processo (no qual o efectuado em Montes Juntos seria comparado como de fácil actuação) e pelo impacto inerente, nenhuma garantia podia ser dada sobre o seu sucesso e a sobrevivência destes indivíduos.

Embora existam várias questões inerentes, todas se resumem numa conclusão: a população de N. cavanillesii existente no tabuleiro da Ponte da Ajuda não é passível de ser translocada.

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...que futuro?

Consideramos fundamentais medidas de acção urgentes que evitem a reconstrução da Velha Ponte da Ajuda ou uma restauração com materiais agressivos, semelhantes aos mencionados no projecto de obras anteriormente citado. A manutenção das características do tabuleiro da Ponte, onde se encontram os indivíduos de N. cavanillesii é essencial para a sobrevivência desta população, desaprovando totalmente a sua alteração. Adicionalmente, consideramos essencial a celeridade da resposta devido à fase adiantada dos trabalhos, que decorrem na Ponte da Ajuda, na margem de Olivença.

O ICN e o IPPAR, organismos que têm discutido de forma conjunta esta situação, têm mencionado a escolha duma estratégia comum que permita a sobrevivência da população de N. cavanillesii da Ajuda e a execução de eventuais trabalhos de consolidação do monumento.

Convém relembrar que a Ponte da Ajuda é um local de elevadas características turísticas e recreativas. A afluência de pessoas devido ao espelho de água criado pela albufeira promoverá uma maior deslocação humana, a este monumento. Neste sentido é de extrema necessidade o Plano de Pormenor previsto para a zona da Ajuda, contemplando com máxima prioridade as medidas oportunas para a preservação da população de N. cavanillesii desta localidade. Paralelamente e como já foi mencionado, os resultados obtidos no decorrer deste projecto permitirão detectar as alterações que possam surgir nesta população podendo assim actuar atempadamente, garantindo o futuro desta população.

Estas acções conjuntas são essenciais para evitar a extinção desta espécie em Portugal e garantir de forma adequada a sobrevivência e a conservação das populações portuguesas de N. cavanillesii.

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8 ACÇÕES DIRIGIDAS À DESCIDA DO ESTATUTO DE AMEAÇA DE N. CAVANILLESII

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8.1 INTRODUÇÃO EXPERIMENTAL DE NOVOS NÚCLEOS

As características das populações portuguesas de N. cavanillesii situam este taxon como uma espécie Em Perigo Critico de Extinção (CR) B2ab(ii, iv) (Rosselló-Graell, et al., submitted) segundo a IUCN (2001). Os critérios acima referidos correspondem aos seguintes aspectos: geográficos (B) pelo facto da espécie ter uma área da ocupação inferior a 10 km2 (2a), apresentar populações fragmentadas (2b,ii) e ainda o facto do enchimento da barragem de Alqueva ir submergir a população de Montes Juntos o que implicava uma diminuição prevista na área de ocupação e no número de populações (2b, iv).

Perante esta situação definiu-se como um dos objectivos deste projecto descer o estatuto de ameaça da espécie de CR até EN (Em Perigo). A via pela qual N. cavanillesii poderia diminuir o seu estatuto de ameaça (IUCN, 2001) seria atingindo uma extensão de ocorrência superior a 100 km2 (a extensão de ocorrência entende-se como a área do polígono convexo que inclui todas as localidades do taxon). Como unicamente se conhecem duas populações de N. cavanillesii em Portugal, será necessário aumentar o seu número de populações.

Para atingir o objectivo acima referido encontra-se prevista a implementação de núcleos de N. cavanillesii na área histórica de ocorrência da espécie, concretamente nas ilhas formadas pelo enchimento da albufeira de Alqueva. Esta acção será realizada em sinergismo com o projecto “ILHAS II. Monitorização da Biodiversidade nas Ilhas de Alqueva” executado pela Unidade de Macroecologia e Conservação da Universidade de Évora.

As introduções planificadas terão um carácter experimental devendo ser entendidas como um ponto partida para futuras acções definitivas no sentido de diminuir a categoria de ameaça de N. cavanillesii no país.

A selecção do local onde irão ser colocados os novos núcleos será efectuada com base no modelo de adequabilidade criado para N. cavanillesii em Portugal (ver capítulo 4.2). Neste sentido serão introduzidos 9 núcleos nas seguintes ilhas: Sargaço, Linda, Pipinhas, Pequena, Ophioglóssica, Mustrada, Gorda e Tubolz Daisy. Em todas elas será colocado um núcleo, com a excepção da última ilha onde devido à sua dimensão serão colocados dois núcleos (figura 91).

A introdução destes núcleos implicará o aumento do número de populações (passando de 2 a 11) assim como o aumento da extensão de ocorrência da espécie dos 0 até os 89.3 km2 (figura. 92). Contudo, parte desta área será constituída pela própria albufeira (lâmina de água) e por território espanhol, os quais em efeitos de conservação e em termos administrativos não contribuirão para o aumento da área de extensão da espécie (IUCN, 2003). Por outro lado, situando-se em ilhas, os novos núcleos poderão ser considerados como “reservatórios” de segurança de N. cavanillesii perante uma eventual catástrofe ou declínio dos indivíduos nas populações de Ajuda e Montes Juntos.

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••

10 Km ••

••• •• •• •••• ••• •

Figura 91. Proposta de localização dos futuros nucleos, em laranja. Em vermelho as localidades de N. cavanillesii.

••

10 Km •

••• •• •• ••• ••• ••

Figura 92. Representação gráfica da extensão de ocorrência utilizando o método do polígono convexo (amarelo). pág. 175 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Os dados disponíveis actualmente referentes à dinâmica populacional não permitem definir o número de indivíduos a ser introduzidos em cada núcleo para que a população seja viável. Assim, no sentido de descer o estatuto de ameaça da espécie em Portugal será necessário, além dos núcleos que serão introduzidos nas ilhas, estabelecer núcleos adicionais de forma a aumentar a extensão de ocorrência acima de 100 km2. Estes novos núcleos permitirão diminuir a fragmentação verificada entre as populações, facilitando a troca genética e minimizando o isolamento das populações. A selecção dos locais onde irão ser colocados estes novos núcleos será também efectuada com base no modelo de adequabilidade da espécie. Os indivíduos utilizados no estabelecimento destes núcleos procederão de técnicas de multiplicação in vitro e, em menor proporção, de sementes.

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9 CONCLUSÕES

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9.1 SITUAÇÃO DE N. CAVANILLESII NO FINAL DO PROJECTO (2004)

Após 4 anos de trabalho com o objectivo de promover a conservação das populações portuguesas de N. cavanillesii e considerando que não se sabia nada anteriormente sobre a biologia e o comportamento desta espécie, poderão se resumir as principais conclusões obtidas ao longo deste projecto:

Em Montes Juntos foram cartografados 10 núcleos, de dimensões variáveis entre 0.5-15 m2, com um total de 1176 indivíduos reprodutores. A elevada fragmentação, a proximidade a caminhos e a própria dinâmica fluvial do Rio Guadiana que muitas vezes impossibilitava a formação de frutos e sementes, pela inundação do núcleo eram factores característicos desta população influenciando a sua dinâmica.

Na população da Ajuda foram cartografados dois núcleos principais: 1) um com 6 m2 encontra-se situado a oeste das ruínas da antiga ponte da Ajuda e encontra-se formado por 56 indivíduos reprodutores; 2) outro núcleo, com a maior densidade de indivíduos, encontra-se situado em cima do tabuleiro da ponte apresentando cerca de 64 m2 e onde foram cartografados 3356 indivíduos reprodutores. O facto de se encontrar isolado e em cima de umas ruínas, nas quais a presença humana é frequente, pode representar uma ameaça para a sua sobrevivência.

As populações de N. cavanillesii apresentam as seguintes características ecológicas: existem desde quase o nível do mar até os 900m de altitude; a inclinação do terreno é preferencialmente plana, chegando excepcionalmente aos 30º com uma tendência da espécie para as zonas expostas a leste e a sudoeste. O número de indivíduos varia em função da população embora sejam comuns as populações de 100-250 indivíduos. A cobertura desta espécie pode atingir os 25% embora os indivíduos se disponham geralmente de forma isolada. A área dos núcleos pode atingir, em alguns casos, dimensões de 500-5000 m2.

As características das perturbações que afectam as populações globais da espécie variam desde actividades agrícolas, problemas de erosão, quedas de pedras, extracções de areias, fogo e nomeadamente problemas com flora alóctone.

Existe uma afinidade constante em toda a Península com as formações de Nerio- Tamaricetea e Securinegion ticntoriae (92D0) e as formações de Montados (6310) e pastagens húmidas de Molinio-Holoschoenion (6420). Pontualmente surgem Habitats associados a dunas e areias litorais (2260 e 2270) e as formações de pseudo-estepes de Thero-Brachypodietea (6220).

N. cavanillesii tolera uma oscilação média de temperatura de ca. 15ºC entre o mês de Janeiro e o mês de Agosto mantendo uma variação relativamente constante entre as populações. A precipitação média oscila entre os 120 mm em Dezembro e os 1.5 mm em Julho. pág. 178 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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O solo da localidade de Montes Juntos apresenta uma textura franco-argilosa, com um pH ácido (5.14-5.33). No núcleo K existe um elevado teor de chumbo e arsénico (74 e 23 ppm, respectivamente) revelando um certo grau de contaminação. Dos óxidos detectados salientam-se os valores elevados de Al2O3 (14.28%).

Geneticamente, identificaram-se entre as duas populações portuguesas um total de 61 bandas sendo todas elas polimórficas. A população de Montes Juntos contém 90.17% das bandas detectadas e as restantes 49.19% encontram-se na população de Ajuda. Contudo, Ajuda apresenta 6 bandas exclusivas da população, número bastante inferior às 31 bandas exclusivas de Montes Juntos. 24 bandas são comuns a ambas as populações.

O número de genótipos diferentes identificados para as populações portuguesas de N. cavanillesii foi de 91, contendo Montes Juntos 87.91% e Ajuda o restante 12.09% da riqueza alélica da espécie em Portugal.

Ajuda e Montes Juntos apresentaram um coeficiente de similitude de 0.60. O valor da similitude genética calculado a partir do índice de Dice é 0.738 para Montes Juntos e 0.851 para Ajuda indicando que os indivíduos de Ajuda são mais semelhantes entre si que os pertencentes a Montes Juntos.

A maior variabilidade genética foi detectada entre os núcleos de Montes Juntos e dentro das populações (56.06%). A diversidade genética encontrada em Ajuda (47.06) foi superada nos núcleos I e F de Montes Juntos (78.93 e 51.29 respectivamente).

Destaca-se o núcleo I como o mais diverso contendo 29.31% da diversidade genética da população, seguido pelos núcleos F e B com 19.05% e 12.43% respectivamente. Pelo contrário, os núcleos C, J e K são os que apresentam menor diversidade representando 3.52%, 3.08% e 1.78% respectivamente. Os núcleos A, E, G e H apresentam valores intermédios de diversidade genética correspondendo a 7.33%, 6.19%, 9.43% e 7.88%.

O valor de Phi (Ф), 0.76, (P<0.001) revelou que a diversidade genética das populações não se encontra distribuída ao acaso o que implica que os alelos não são transmitidos com a mesma probabilidade entre os diferentes indivíduos. Como consequência desta situação, os distintos núcleos possuem diferentes conteúdos de diversidade genética podendo acontecer processos microevolutivos dentro de uma mesma população

Os resultados da AMOVA indicam que ambas as populações têm uma composição genética própria salientando a importância da sua conservação para a preservação da diversidade genética de N. cavanillesii em Portugal.

pág. 179 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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No que se refere à fenologia, N. cavanillesii apresentou um ciclo anual activo de 6 meses, de 20-09-2001 até 15-02-2002. As primeiras fases deste ciclo (formação de gemas e floração) apresentam um período curto em comparação com as restantes (frutificação e deiscência do fruto): as gemas estão presentes em apenas 7 dias, de 20-09-2001 até 27-09-2001 e a floração apresenta uma duração de 32 dias, de 27- 09-2001 até 28-10-2001. A frutificação ocorreu de 29-10-2001 até 07-12-2001 apresentando uma duração de 40 dias e os frutos formados libertaram sementes de 15-11-2001 até 05-01-2002, ou seja, durante 51 dias. A fase vegetativa que ocorreu de 27-09-2001 até 20-01-2002 apresentando uma duração de 113 dias. A senescência ocorreu desde 19-11-2001 até 15-02-2002. Durante o resto do ano os bolbos encontram-se em dormência.

O pico da floração de N. cavanillesii ocorreu 15 dias após o início da floração atingindo o máximo de 1287 flores abertas em simultâneo. O pico da frutificação ocorreu em 28-11-2001 após 29 dias do início do período de frutificação com um total de 1751 frutos. Não existe sobreposição entre o período de floração e o da frutificação.

Apenas 45% das flores chega a formar fruto o que significa uma baixa taxa de sucesso natural, em termos de formação de frutos.

N. cavanillesii apresenta uma sobreposição floral com N. serotinus de ca. de 15 dias. No entanto, este reduzido período de tempo é suficiente para permitir a hibridação entre estas duas espécies e formar o híbrido N. x perezlarae que foi registado em ambas as localidades.

Não existe banco de sementes do solo e as sementes apresentam uma viabilidade muito reduzida (inferior a um ano). Estes resultados implicam que a perpetuação da espécie depende inteiramente da produção anual de sementes e da sua germinação.

As flores de N. cavanillesii apresentaram uma duração média de 5.00 ± 1.04 dias (n=12), resultado ligeiramente inferior ao obtido para N. serotinus (5.49 ± 1.22 dias).

Em N. cavanillesii, as tépalas abrem gradualmente durante o primeiro dia da floração, expondo todos os órgãos florais e permanecendo abertas até ao fim da floração. O estigma apresenta sempre o mesmo comprimento, estando à altura das anteras e dos estames superiores, desde o momento da ântese. Os estames superiores encontram-se na sua posição definitiva, desde o início da abertura da flor, mas não existe libertação de pólen até ao 2º-3º dia. Relativamente aos estames inferiores, verifica-se que no momento da abertura se encontram na parte inferior da flor atingindo a altura dos estames superiores, a partir do 2º-3º dia mas não se observando libertação de pólen até ao 3º dia. Não foram detectadas diferenças na receptividade estigmática ao longo da idade floral.

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N. cavanillesii apresenta protogínia, desenvolvimento dos órgãos sexuais femininos antes dos masculinos, o que em conjunto com a exposição total das anteras e do estigma, facilita os processos de polinização cruzada. Pelo contrário, em N. serotinus o estigma e o pólen são funcionais simultaneamente, sendo à partida favorecidos os cruzamentos autógamos. Nesta espécie a estrutura da flor e o tubo tepalino escondem os órgãos florais, dificultando as fecundações xenógamas.

N. cavanillesii é uma espécie parcialmente autoincompatível apresentando um valor de ISI de 0.32.

N. cavanillesii é capaz de formar frutos por autopolinização embora seja mais favorável a frutificação a partir de cruzamentos de indivíduos diferentes. As percentagens mais altas correspondem às polinizações xenogâmicas, salientando a importância da acção dos polinizadores no sucesso reprodutivo desta espécie.

Nas polinizações realizadas entre indivíduos de diferentes populações (xenogamia interpopulacional) obtiveram-se valores de frutificação semelhantes aos obtidos nos cruzamentos xenogâmicos intrapopulacionais (Mann-Whitney U=366.00, p=0.969) o que implica que a espécie não apresenta problemas de depressão exogâmica.

No caso de N. serotinus todos os tratamentos de polinização também levaram à formação de frutos salientando-se o facto que em condições naturais, N. serotinus produz mais frutos que N. cavanillesii.

N. cavanillesii germina numa rápida e elevada percentagem apenas a 10ºC e 15ºC (83.79% e 91% respectivamente). A germinação é muito reduzida a 20ºC e nula a 15/25ºC e 25ºC. Pelo contrário, o seu congénere não possui uma especificidade térmica de germinação.

Os valores mais elevados de sucesso reprodutivo de N. cavanillesii provêm dos cruzamentos de xenogamia intrapopulacional (0.87), ao contrário dos cruzamentos autogamos que produziram os menores valores de sucesso reprodutivo (0.20) salientando a importância da troca genética entre indivíduos distintos.

Como principais insectos visitantes de N. cavanillesii destacam-se indivíduos pertencentes à subfamília Megachilinae embora exemplares da subfamília Halictinae e das família Syrphidae e Calliphoridae fossem também responsáveis por um número elevado de visitas.

Na localidade da Ponte da Ajuda foi registada uma taxa de visita de 1.30 visitas por flor por hora. Os mesmos visitantes também foram observados em Montes Juntos embora com percentagens relativas de visitas distintas.

Os insectos visitantes de N. cavanillesii caracterizam-se por serem generalistas quanto ao tipo de habitat e de flores visitadas.

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Os visitantes do grupo Megachilinae, foram aqueles que se destacaram pelo maior número visitas/min. e por uma elevada probabilidade de contacto do corpo com estigma. Porém, apresentaram uma percentagem de visitas relativamente baixa no ano 2001 em Montes Juntos, pelo que podemos considerar o seu contributo efectivo para a polinização de N. cavanillesii como equivalente ao de outros grupos com maior percentagem de visitas tais como Halictinae e Xilocopinae.

Constatou-se que as flores de N. serotinus existentes nas imediações dos núcleos terão contribuído para atrair um maior número de visitas a N. cavanillesii. Apesar das diferenças ao nível da morfologia floral entre as duas espécies congéneres, verificou-se que grande parte dos insectos visitantes identificados e respectivo comportamento em cada uma delas é coincidente.

Uma vez que em Montes Juntos, a população de N. cavanillesii se encontra limitada a um pequeno número de indivíduos e dispersa em núcleos isolados, as manchas de N. serotinus localizadas nas imediações destes, poderão revelar-se importantes, não só em termos de disponibilidade de recursos para a comunidade local de polinizadores, mas também, desempenhar um papel importante na atracção destes aos pequenos núcleos de N. cavanillesii.

A monitorização dos vectores de polinização durante as duas fases de translocação, permitiu constatar que a translocação temporária dos núcleos não terá influenciado negativamente a diversidade de insectos visitantes e a taxa de visita.

As espécies observadas nos formigueiros existentes nas imediações dos núcleos de Montes Juntos pertencem à subfamilia Myrmicinae, com excepção de Cataglyphis hispanicus e Cataglyphis ibericus que se incluem na subfamilia Formicinae.

Das 1500 sementes colocadas nas 15 placas de petri, as mais removidas foram as de Diplotaxis catholica (27%) seguidas de N. cavanillesii (26%) e Leucojum autumnale (26%). Estes valores são muito semelhantes e não permitem distinguir uma preferência entre estas espécies, ao contrário de Scilla autumnalis cujas sementes foram as menos removidas (21%).

A entomofauna capturada inclui-se na sua maioria na Ordem Coleoptera com exemplares pertencentes a 10 famílias. Apenas a família Curculionidae foi considerada como sendo potencialmente herbívora. A monitorização da entomofauna revelou os núcleos C e K como os mais afectados pelos coleópteros.

O estudo realizado permitiu concluir que em termos de abundância os Curculionídeos eram mais relevantes no local original do que no local onde os núcleos foram translocados sendo de esperar uma diminuição dos processos de herbívoria.

Indivíduos desta família (Brachycerus sp.) foram responsáveis pela maioria dos processos de herbivoria detectados em N. cavanillesii. Destaca-se o núcleo K com uma maior percentagem de exemplares predados (45%), seguido pelos núcleos H, pág. 182 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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A e E com 15%, 11% e 10% de predação, respectivamente. O núcleo J foi o único onde não foi detectada herbivoria.

Os cruzamentos artificiais entre N. cavanillesii e N. serotinus revelaram a assimetria do processo de hibridação, sendo mais prejudicial para N. cavanillesii. Pela menor taxa de formação de frutos, N. serotinus apresenta uma maior resistência a estes processos, indicando que esta espécie possui barreiras reprodutivas mais fortes e melhor estabelecidas. Pelo contrário, para a frutificação de N. cavanillesii é indiferente que receba pólen da sua própria espécie ou do seu congénere, N. serotinus.

Em todos os frutos híbridos ocorreu a formação de sementes viáveis. A percentagem de germinação das sementes formadas é muito elevada e rápida e o seu estabelecimento é semelhante ao dos parentais.

Relativamente à translocação, com a limitação da calendarização prevista pelo fecho das comportas da barragem de Alqueva (início de 2002) foi necessário efectuar uma primeira translocação dos núcleos afectados pelo enchimento, até à cota superior mais próxima do local original, de forma a que não ficassem nem submersos, nem inacessíveis na altura emergente, do seu ciclo biológico anual, de forma a poder garantir o registo dos dados, ao longo de todo este ciclo (Outono de 2001).

No início do Verão de 2002 foram translocados os 10 núcleos de N. cavanillesii, para o seu local final, o Outeiro do Pombo, onde ficaram situados a uma cota média de 157m. Os núcleos foram translocados mantendo a sua posição, distância e a sua orientação original.

Para a selecção do local de acolhimento de N. cavanillesii foi criado um modelo de adequabilidade com base nas suas características ecológicas utilizando um SIG. O modelo criado foi o seguinte: Adequabilidade=40.5702-3.1367*[TMIN]- 0.08046*[ASPECT]-1.0212*[PJUL]+1*[PAGO]-0.01624 *[PSET]+2*[TMAR]- 1.6954*[TAGO]-1.4623*[TSET]+3*[TDEC]-16.8505*[ANGOT].

O modelo foi validado estatística e biologicamente através da germinação in situ de N. cavanillesii. As percentagens de germinação obtidas foram coerentes com a probabilidade de ocorrência atribuída pelo modelo, a cada ponto. Os pontos de maior probabilidade apresentaram uma percentagem de germinação média de 70.80 ± 13.51, os médios de 43.89 ± 24.64 e os de baixa o valor de 26.89 ± 16.45. Os resultados das germinações in situ, independentemente do intervalo de adequabilidade atribuído a cada ponto de germinação foram cruzados com os valores de germinação por meio de uma regressão linear simples.

Numa análise dirigida a determinar a sub-bacia onde N. cavanillesii apresenta maior afinidade ecológica e maior ajuste ao modelo proposto foram realizadas pág. 183 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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regressões por cada sub-bacia. Os resultados das germinações in situ, independentemente do intervalo de adequabilidade atribuído a cada ponto de germinação foram cruzados com os valores de germinação por meio de uma regressão linear simples. A regressão lineal entre a germinação e a adequabilidade do modelo é um indicador real da precisão do modelo à biologia da espécie, ao menos referente ao período de germinação. O valor máximo de regressão foi obtido na sub-bacia Alto Guadiana (r2= 0.8) o que permite considerar o ajuste do modelo nesta zona. Desta maneira pode-se concluir que o local actual de acolhida dos núcleos é um dos locais onde ecologicamente N. cavanillesii tem as condições mas favoráveis.

Com base nestes resultados podemos concluir que o modelo ecológico gerado, na selecção do local, para acolher a população de Monte Juntos é um modelo válido estatisticamente e biologicamente.

Foi translocada uma percentagem superior a 95% da população original embora 100% dos reprodutores em 2001 tivessem sido translocados.

Não foram apenas translocados os indivíduos de N. cavanillesii, mas também toda a vegetação existente originalmente, em cada núcleo o que implica que a translocação foi realizada de forma eficiente no sentido de permitir manter em cada núcleo a estrutura e proporções da vegetação original.

A adaptação no local definitivo dos núcleos translocados foi avaliada através da quantificação dos indivíduos reprodutores, da análise demográfica e do êxito reprodutivo (taxa de formação de sementes).

Pelo processo de translocação houve uma desregulação do ciclo interno de N. cavanillesii o que implicou a passagem dos indivíduos para um estado vegetativo. No entanto, a comparação dos dados obtidos indica uma floração progressiva em 2001, 2002 e 2003 registando-se valores de 24.57%, 38.01% e 41.66%, respectivamente à floração inicial de 2000.

Em 2001, 2002 e 2003 respectivamente, a taxa finita de crescimento anual de N. cavanillesii correspondeu a 0.93 para a transição 2001-2002 e 0.99 para a transição 2002-2003 revelando um ligeiro declínio populacional embora com valores muito próximos a uma situação de equilíbrio.

A análise populacional de N. cavanillesii revelou uma estrutura em forma de “J” invertido, nas quais as classes mais frequentes correspondem às primeiras fases do ciclo vital da espécie indicando populações jovens e bem estruturadas ou estabilizadas. A maioria dos indivíduos encontra-se no estado vegetativo (97.06%), sendo a classe predominante o estado vegetativo com uma só folha (56.14%)

O ratio indivíduos vegetativos/reprodutores (V/R) foi de 33.04 em 2001, 22.28 em 2002 e 19.33 em 2003 reflectindo a predominância da estratégia vegetativa. pág. 184 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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As matrizes de transição indicam que a probabilidade de que os exemplares com uma folha optem pela mesma estratégia vital no próximo ano é de 0.55, sendo inferior a probabilidade de passar a formar duas folhas ou mais de duas folhas (0.31 e 0.05 respectivamente). Os indivíduos com três folhas num ano são os que têm uma probabilidade mais elevada (0.15) no ano a seguir de serem reprodutores o que é concordante com a acumulação de reservas no bolbo, ao longo do tempo. Os exemplares reprodutores têm uma probabilidade de 0.70 de se comportarem como vegetativos com uma folha, no ano seguinte.

A taxa de formação de sementes de N. cavanillesii é semelhante na Ajuda e em Montes Juntos não sendo por isso verificadas diferenças, em termos de êxito reprodutivo, entre a população translocada e a existente na Ajuda.

Os resultados obtidos permitem avaliar positivamente a translocação efectuada. Todos os indivíduos foram translocados e nenhum reprodutor morreu durante o processo embora tenham adoptado maioritariamente por uma estratégia vegetativa. No entanto, o escasso registo temporal de dados não permite análises de dinâmica populacional de forma a prever a sua tendência evolutiva. Sem estes dados não é possível a aplicação de modelos matemáticos que simulam as mudanças nas populações ao longo do tempo prevendo o futuro destes indivíduos.

Devido à situação crítica em que se encontrava N. cavanillesii foram necessários métodos de conservação ex situ complementares às acções de conservação in situ efectuadas desenvolvendo-se protocolos de emergência. Foram recolhidas e conservadas, a longo prazo, sementes no Banco de germoplasma “António Luís Belo Correia”. Foram determinadas as condições óptimas para a multiplicação desta espécie, por técnicas de cultura de tecidos.

Apesar dos esforços efectuados durante este projecto para salvaguardar N. cavanillesii, uma nova ameaça surge para a sua conservação: as obras nas ruínas da antiga Ponte de Ajuda. A forma e as técnicas utilizadas durante este restauro poderão por em perigo a sobrevivência desta população, que revelou ser o núcleo de maior densidade populacional de N. cavanillesii na Península Ibérica. A conservação deste núcleo passará por um consenso adequado entre as autoridades competentes permitindo salvaguardar o património biológico, histórico- arquitectónico e social desta área. A experiência e o conhecimento sobre a espécie, ao longo do projecto, mantêm-se à disposição destas autoridades.

Para descer o nível de ameaça da espécie propôs-se o alargamento da sua extensão de ocorrência. De forma experimental vão ser implementados núcleos populacionais de N. cavanillesii em 8 ilhas da albufeira da barragem de Alqueva. Estas experiências deverão constituir a base de futuras experiências de estabelecimento de novos núcleos. pág. 185 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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10 RECURSOS HUMANOS E DIVULGAÇÃO

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O presente projecto foi iniciado em 2001, com uma escassez de informação referente ao geófito N. cavanillesii; pouco se sabia sobre esta espécie mas conheciam-se as principais ameaças da única população, até ao momento conhecida. O descobrimento da segunda população, agravou ainda mais o estado de conservação da espécie e neste sentido foi necessário proceder ao seu resgate. Perante esta situação e para atingir o objectivo principal de salvaguarda das populações portuguesas de N. cavanillesii, tornou-se importante a formação dos elementos da equipa na área da biologia da conservação. Neste sentido, o Dr. D. Draper frequentou o curso de especialização intitulado “Especialización en Recursos Fitogenéticos” pela Universidad Politécnica de Madrid, realizado na Escola Técnica Superior de Ingenieros Agrónomos desta universidade. O curso, dirigido pela Doutora. I. Aguinagalde, incluiu um total de 26 créditos e decorreu de 15 de Janeiro a 30 de Junho de 2001. O mesmo curso foi frequentado pela Dra. A. Rosselló-Graell em 2002.

Numa primeira fase, tendo em vista a resolução de dúvidas, a discussão de técnicas/metodologias e a compreensão dos problemas inerentes a operações de resgate foram contactadas diversas equipas dentro destas áreas: Particular importância teve o contacto com o Doutor J. Moret (na altura Director do MNHN de Paris), que participou numa operação de translocação semelhante, durante a construção da EuroDisney (Paris); conhecer a sua experiência e os métodos utilizados permitiu definir melhor a abordagem da translocação. Aceder ao fundo bibliográfico da English Nature permitiu o contacto com Dr. C. R. Birkinshaw e a um documento do mesmo autor (Birkinshaw, 1999) onde se discutiam e analisavam diversas translocações realizadas no Reino Unido.

As discussões e problemáticas inerentes à conservação de espécies ameaçadas, nomeadamente a execução de acções de translocação foram muito debatidas através do contacto com o Doutor. E. Laguna (Consellería de Territori i Habitatge da Comunidade Valenciana). A sua experiência em conservação e mais recentemente, a sua participação na figura legal de microreservas revelam a sua mais valia, em acções de conservação. Neste sentido, os contactos efectuados com o Doutor E. Laguna, assim como, com a sua equipa de microreservas revelaram-se extremamente importantes no decorrer deste projecto. Particular destaque merece igualmente, o Doutor L. Serra, que pela sua experiência em translocações da flora valenciana muito contribuiu para a delimitação de metodologias e resolução de problemas.

A longa experiência em conservação por parte do Dep. Biología Vegetal. E.T.S.I. Agrícola da Universidad Politécnica de Madrid, nomeadamente pelo Doutor Engº J.M. Iriondo reverteu na adopção de metodologias, limitação de experiências e discussão de resultados. Este departamento encontra-se especializado na conservação de flora ameaçada, abrangendo a maior parte das necessidades deste projecto de conservação. Destaca-se a sua experiência em conservação ex situ de flora endémica do Mediterrâneo, a caracterização molecular de populações de pequeno tamanho, a micropropagação de espécies raras e a análise da dinâmica populacional de espécies ameaçadas. A principal vantagem de ter colaborado com este departamento foi que a problemática de N. cavanillesii foi analisada desde diversos pontos de vista com o mesmo conjunto de pessoas. Os conhecimentos do Doutor Engº J.M. Iriondo na conservação de espécies vegetais ameaçadas (Erodium pág. 188 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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paularense, Antirrhinum microphyllum, Vicia bifoliolata, Marsilea strigosa, Lavatera triloba,...) foi essencial para este projecto. A conservação nem sempre é fácil de atingir nomeadamente em populações com fortes oscilações demográficas e/ou fragmentadas e sobretudo com prazos empresariais bem delimitados. Neste sentido, os contactos com este grupo da UPM, nomeadamente a experiência em biologia reprodutiva da Doutora. Mª J. Albert facilitaram consideravelmente os trabalhos e garantiram os resultados obtidos neste projecto. Igualmente a equipa de cultura in vitro, nomeadamente os Drs. N. Alanoka, L. De Hond e C. Ruiz que com o seu conhecimento rapidamente conseguiram resultados satisfatórios em N. cavanillesii, embora fosse difícil de obter resultados neste tipo de geófitos. Igualmente, o contacto estabelecido com a equipa de molecular, nomeadamente a Doutora E. Torres e o Engº M. Parra aportaram sua vasta experiência e conhecimento em marcadores moleculares e a sua aplicação à conservação de espécies vegetais ameaçadas permitiu a aquisição de informação, essencial para N. cavanillesii. A sua pronta amabilidade rapidamente se transmitiu no acolhimento da Dra. A. Rosselló-Graell, a quem foi ensinado todas as técnicas e metodologias necessárias. O seu conhecimento revelou-se igualmente essencial para a discussão dos resultados obtidos.

Para a operação de translocação foi necessária a colaboração imprescindível duma equipa de geólogos especializados. A experiência, a dedicação e o conhecimento da equipa do Dep. de Geociências da Universidade. de Évora sob a direcção de Engº. R. Varela Martins e Dr. P. Madureira revelaram-se essenciais desde o primeiro momento. Com eles foram discutidos, ensaiados e delimitados diversos ensaios, prévios à translocação. A experiência no tipo de recursos geológicos e na zona a trabalhar contribuiu consideravelmente para os bons resultados da translocação. Convém salientar que o tipo de material trabalhado, nomeadamente o xisto, é dos materiais mais difíceis de trabalhar e de manter agregado pelas suas lâminas. No entanto, os núcleos foram retirados mantendo a sua integridade e foram colocados mantendo o desenho das lâminas xistosas permitindo assim, os processos de escorrência característicos de cada núcleo.

Outra grande oportunidade foi o decorrer da conferência electrónica: “The Microhabitats Forum” organizado pela Generalitat Valenciana (Comunidade Valenciana) e co-financiado pela Comunidade Europeia que decorreu em duas fases (do 15 de Outubro até o 31 de Dezembro de 2001 e do 1 de Dezembro até 31 de Dezembro de 2002). Este fórum permitiu discutir problemas e ferramentas de conservação a aplicar no nosso caso, com os principais especialistas europeus.

Para atingir uma maior compreensão dos dados tornou-se importante uma comparação com o seu congénere, N. serotinus. Esta espécie, amplamente distribuída na bacia mediterrânea, partilha o mesmo habitat e a mesma ecologia de N. cavanillesii e por isso poderia fornecer informações sobre a causa de raridade e o tipo de ameaças específico deste género. Neste sentido, este projecto serviu de apoio à execução do estágio profissionalizante da licenciatura em Biologia Vegetal Aplicada realizado pr Isabel Marques. (Marques, 2001/2002) com o principal objectivo de adquirir informação base sobre N. serotinus. No âmbito deste projecto, estes resultados permitiram uma melhor integração dos dados obtidos em N. cavanillesii, avaliando correctamente o comportamento deste geófito.

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A ecologia da polinização revelou-se um trabalho fundamental dentro da aquisição de informação base. A experiência de entomólogos com o conhecimento taxonómico da entomofauna portuguesa era essencial para os objectivos do projecto. Neste sentido, o trabalho efectuado pela Dra. S. Albano e Dra. E. Salvado revelou-se determinante para o conhecimento das interacções planta-animal. Foi com esta equipa que foi discutida e delineada a maioria das experiências que decorreram em campo. Convém salientar que a ecologia da polinização vinculada a acções de conservação é ainda uma área muito recente em Portugal. Neste sentido, a adopção e os critérios escolhidos na delimitação de metodologias e nas experiências efectuadas contribuíram muito favoravelmente para o decorrer deste projecto.

Oportunamente, estabeleceu-se contacto com a Dra. R. Batarda (†) e o Doutor J. Paiva que amavelmente se prontificaram para o esclarecimento de dúvidas partilhando connosco o seu vasto conhecimento sobre o género Narcissus.

Na fase final do projecto e devido à sua relevância assim como, os resultados satisfatórios, vários elementos da equipa foram convidados para dar palestras e aulas em cursos de pós- graduação e especialização no âmbito da biologia da conservação (anexo IX) revelando o nível de conhecimentos aquiridos assim como o interesse existente para com o projecto, na comunidade científica.

Convém salientar o convite efectuado à Dra. A. Rosselló-Graell para apresentar este projecto num workshop dedicado a projectos LIFE-NATUREZA decorrido em Valencia, de 3 a 5 de Outubro de 2001. Embora esta reunião fosse apenas destinada a projectos LIFE que visavam a conservação da Flora, a organização deste workshop considerou que os objectivos do presente projecto e as suas características (embora promovido pela EDIA, S. A. e co-financiado pela EDIA, S. A. e pelo FEDER) mereciam a sua difusão a nível europeu.

Recentemente (2004), pelos resultados obtidos na biologia reprodutiva das espécies, Isabel Marques foi convidada para o congresso IX OPTIMA a decorrer em Belgrado, de 5-11 de Setembro de 2004. Os Profs. A. Dafni e E. Pacini, especialistas reconhecidos no âmbito da biologia reprodutiva e ecologia da polinização consideraram os dados obtidos essenciais para serem discutidos num simpósio específico sobre este tema.

Particular honra para este projecto foi a atribuição do Prémio Ford Motor Company para a Conservação da Natureza. Este prémio foi galardoado em 2002 pelos resultados obtidos, nomeadamente a acção de translocação, pioneira em Portugal.

Um dos trunfos obtidos de forma indirecta mas que consideramos de elevada importãncia para todas as pessoas e instituições que têm participado nestre projecto é a referência deste projecto em documentos do mais alto nível na conservação da biodiversidade. Um caso evidente é a menção das acções de recuperação no documento UNEP/CBD/COP/6/INF/21/Add.3, fruto da Sexta Reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica.

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Alem da divulgação do projecto na comunidade científica, deu-se sempre grande relevância à sua divulgação nos meios de comunicação social. O caso da conservação de N. cavanillesii foi uma excelente oportunidade para fazer chegar a opinião pública, a necessidade da conservação activa de espécies de flora, uma vez que é difícil encontrar exemplos deste grupo biológico em Portugal (Queiroz, 2001). Foram duas a situações que foram levadas à comunicação social: a acção de translocação e a ameaça das obras na ponte de Ajuda. A seguir mostram-se alguns destes exemplos:

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Figura 93. Journal “24 Horas”, 12-9-01.

pág. 192 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)

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Figura 94. Journal “O Público”, 16-9-01.

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Figura 95. Journal “O Público”, 18-3-03.

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Figura 96. Journal “O Público”, 25-4-03.

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11 ACÇÕES FUTURAS

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O objectivo futuro dos trabalhos será conseguir que as populações de Narcissus cavanillesii sejam, no seu conjunto, capazes de manter-se e perpetuar-se sem ajudas específicas. Narcissus cavanillesii foi catalogada pela nossa equipa como "Criticamente Ameaçada" (CR) de acordo com os critérios actuais da IUCN (2001). Desde uma perspectiva prática, o objectivo final será a elaboração de uma estratégia de gestão e conservação que permita descer a categoria de ameaça desta espécie e nomeadamente, o impacto da albufeira de Alqueva.

São propostas as seguintes acções:

Descida da categoria de ameaça da espécie. Aumento da extensão de ocorrência. Introdução definitiva de novos núcleos populacionais com base no modelo gerado de adequabilidade ecológica.

Reforço populacional dos núcleos existentes. Aumento do número de indivíduos nos núcleos. Reforço específico dos núcleos, nos quais as taxas de floração foram mais afectadas pelo processo de translocação.

Diminuição do grau de depressão endogâmica. Aumento do número de frutos e sementes provenientes de cruzamentos xenogâmicos. Incremento da troca polínica entre distintos indivíduos de N. cavanillesii.

Diminuição das causas de aborto dos frutos de N. cavanillesii. Controlo das taxas de formação de fruto e sementes. Determinação das barreiras reprodutivas.

Fomentar a germinação in situ. Recolha de germoplasma. Criação de sementeiras manuais. Germoplasma proveniente do cruzamento entre distintos indivíduos.

Manutenção da comunidade de insectos polinizadores. Salvaguarda das espécies vegetais acompanhantes de N. cavanillesii. Criação de reservatórios naturais, através da utilização da flora autóctone, para a atracção dos visitantes florais de N. cavanillesii. Estabelecimento de novos núcleos populacionais de N. serotinus na localidade de N. cavanillesii translocada tendo em atenção as taxas de fluxo interspecífico.

Minimização da acção das formigas e micromamíferos. Controlo da actividade das formigas. Implementação de vedações adequadas evitando o acesso dos roedores e outros micromamíferos.

Diminuição da actividade herbívora por parte de Brachycerus sp. Controlo biológico do ciclo vital deste insecto, nomeadamente no núcleo K.

Avaliação do grau de contaminação genética de N. serotinus em N. cavanillesii. Taxas naturais de fluxo interespecífico. Detecção molecular do genoma híbrido. Avaliação do impacto no sucesso de N. cavanillesii. Monitorização do híbrido N. x perezlarae.

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Monitorização da população translocada. Recolha de dados demográficos. Construção de modelos matriciais. Análise da viabilidade populacional a longo prazo.

Verificação das taxas de variação somaclonal do germoplasma multiplicado antes da sua introdução em condições naturais. Comparação do material multiplicado com o material original. Verificação da semelhança das condições de perpetuação da espécie.

Criação de protocolos de conservação ex situ para os bolbos de N. cavanillesii. Reserva genética da espécie. Conservação de indivíduos potencialmente reprodutores.

Redução do impacto das obras de restauro das ruínas da Ponte da Ajuda. Limitação de zonas de segurança ao redor dos principais núcleos de N. cavanillesii. Utilização de materiais não abrasivos. Manutenção das zonas de crescimento de N. cavanillesii e implementação de zonas de segurança, à sua volta, permitindo o seu crescimento.

Acções de divulgação e educação do património natural de Alqueva. Implementação de um pequeno núcleo de N. cavanillesii na Herdade da Coitadinha. Criação de roteiros e actividades que incluam este núcleo.

Microreservas. Continuação das acções focadas para a implementação legal desta figura de protecção. Criação de microreservas para N. cavanillesii, considerando as populações originais e os futuros núcleos implementados, com vista à conservação a longo prazo de N. cavanillesii.

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12 AGRADECIMENTOS

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Este projecto não poderia ter-se concretizado sem o empenho de diversas pessoas e instituições que para ele contribuiram.

Queremos agradecer ao Jardim Botânico - Museu Nacional de História Natural (Univ. de Lisboa) pelo acolhimento que deu ao projecto assim como aos colegas que deram a sua colaboração para este projecto: Joana Magos Brehm, Cristina Tauleigne Gomes, Sérgio Ballester-Hernández, Maria João Martins, Henrique Loff Silva, Paulo Cardoso, Luis Giménez e ainda a todas aquelas pessoas que nalgum momento prestaram as sua ajuda nos trabalhos a decorrer em campo.

Agradecemos o acompanhamento prestado pelos biólogos da EDIA, S. A.: João Almeida, Alexandra Freitas e Catarina Azinheira e pelo o seu interesse ao longo deste projecto. Um agradecimento especial deve ser prestado à EDIA, S.A. pelas oportunidades criadas ao longo do projecto.

Também gostaríamos de expressar o nosso sincero agradecimento ao Eng. Ruben Varela Martins e ao Dr. Pedro Madureira, do Dep. de Geociências da Univ. de Évora, assim como a toda a equipa que colaborou nas duas fases da tranlocação e sem o trabalho dos quais não tinha sido possível a sua execução. O seu profissionalismo e dedicação revelaram-se na eficiência e nos resultados positivos do processo de translocação.

Neste sentido estamos também gratos aos propietários e responsáveis da herdade da Defesa pelas facilidades prestadas durantes os trabalhos de campo efectuados na sua propriedade.

Um especial agradecimento deve-se ao Sr. Dias Coutinho, que amavelmente acolheu nos seus terrenos a população translocada e permitiu a continuação dos trabalhos de campo efectuados.

Agradecemos igualemente a Nelly Alanoka, Carlos Ruiz e Lori de Hond do Dep. Biología Vegetal (Univ. Politécnica de Madrid) que desenvolveram o protocolo para a cultura in vitro de N. cavanillesii assim como, a Elena Torres e Mauricio Parra, da mesma instituição, pelo o seu assesoramento na caracterização molecular efectuada.

A equipa agradece também a colaboração prestada pela Unidade de Macroecologia e Conservação (Univ. de Évora) assim como a amabilidade das pessoas que a ele pertencem.

Devemos igualmente a nossa gratidão ao Sr. Alfredo Barra pela disponibilização de informação relativa à corologia de N. cavanillesii e N. serotinus.

Não queremos deixar de mencionar o Regimento de Infantaria Nº 8 de Elvas, pela sua sensibilidade perante o núcleo populacional da Ajuda e as precauções tomadas durante as manobras de campo efectuadas neste local.

Finalmente queremos agradecer a disponibilidade e colaboração de todos os responsáveis dos Herbários consultados, no decorrer deste projecto.

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13 BIBLIOGRAFIA

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