SALVAGUARDA DE NARCISSUS CAVANILLESII A. BARRA & G. LÓPEZ COMO MEDIDA DE MINIMIZAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM DE ALQUEVA
Relatório Final (Volume I)
Junho 2004
Equipa responsável: Isabel Marques David Draper Eva Salvado Sílvia Albano María José Albert José María Iriondo
Coordenação: Antònia Rosselló Graell
Co-financiado pelo
FEDER Projecto promovido pela EDIA, S.A. e co- financiado pela EDIA, S. A. e pelo FEDER
Jardim Botânico - Museu Nacional de História Natural Universidade de Lisboa (JB-MNHN/UL)
Sugere-se a seguinte citação: Marques, I., Draper, D., Salvado, E., Albano, S., Albert, M. J., Iriondo, J. M. & Rosselló- Graell, A. (2004). Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem de Alqueva. Relatório Final. Jardim Botânico – Museu Nacional de História Natural. Universidade de Lisboa. 214 p. Lisboa.
Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 ÍNDICE
1 PRÓLOGO 5
2 INTRODUÇÃO 7
2.1 O GÉNERO NARCISSUS L. 10 2.1.1 Origem fitogeográfica 10 2.1.2 Importância económica do género 11 2.2 DESCRIÇÃO DE NARCISSUS CAVANILLESII A. BARRA & G. LÓPEZ 11 2.2.1 Introdução nomenclatural 11 2.2.2 Morfologia 12 2.2.3 Habitat e ecologia 12 2.2.4 Distribuição e fitogeografia 13 2.3 SITUAÇÃO EM PORTUGAL E ESTATUTO DE AMEAÇA ANTES DO PROJECTO (2001) 14 2.4 ENQUADRAMENTO E OBJECTIVOS DO PROJECTO 16
3 INFORMAÇÃO BASE 17
3.1 CARACTERIZAÇÃO ECOLÓGICA 18 3.1.1 Caracterização das populações 18 3.1.1.1 Metodologia 21 3.1.1.2 Resultados e discussão 23 3.1.2 Caracterização climática 28 3.1.2.1 Metodologia 28 3.1.2.2 Resultados e discussão 28 3.1.3 Aspectos pormenorizados das populações portuguesas 30 3.1.3.1 População da Ajuda 30 3.1.3.2 População de Montes Juntos 35 3.2 CENSO E CARTOGRAFIA 40 3.2.1 Metodologia 40 3.2.2 Resultados e discussão 43 3.3 CARACTERIZAÇÃO GENÉTICA DE N. CAVANILLESII 49 3.3.1 Metodologia 50 3.3.1.1 Random Amplified Polymorphic DNA (RAPD) 50 3.3.1.2 Inter-Simple Sequence Repeat (ISSR) 51 3.3.1.3 Análise da diversidade genética 52 3.3.2 Resultados e Discussão 53 3.4 FENOLOGIA 62 3.4.1 Metodologia 62 3.4.2 Resultados 65 3.4.2.1 Fenologia da floração e da frutificação 67 3.4.3 Discussão 70 3.5 BANCO DE SEMENTES DO SOLO 72 3.5.1 Metodologia 72 3.5.2 Resultados e discussão 73 3.6 BIOLOGIA REPRODUTIVA 75
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Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 3.6.1 Biologia Floral 76 3.6.1.1 Metodologia 76 3.6.1.2 Resultados 77 3.6.1.3 Discussão 78 3.6.2 Sistema de cruzamento 79 3.6.2.1 Metodologia 80 3.6.2.2 Resultados 83 3.6.2.3 Discussão 85 3.6.3 Ensaios de Germinação 86 3.6.3.1 Metodologia 86 3.6.3.2 Resultados 87 3.6.3.3 Discussão 89 3.6.4 Sucesso reprodutivo de N. cavanillesii 89 3.6.4.1 Metodologia 89 3.6.4.2 Resultados 90 3.6.4.3 Discussão 91 3.7 INTERACÇÕES PLANTA-INSECTO 92 3.7.1 Vectores de Polinização 92 3.7.1.1 Metodologia 94 3.7.1.2 Resultados 95 3.7.1.3 Discussão 102 3.7.2 Agentes de predação/dispersão de sementes: formigas 104 3.7.2.1 Metodologia 104 3.7.2.2 Resultados 105 3.7.2.3 Discussão 107 3.7.3 Insectos com acção herbívora 109 3.7.3.1 Metodologia 109 3.7.3.2 Resultados 110 3.7.3.3 Discussão 113 3.8 O HÍBRIDO N. X PEREZLARAE FONT QUER 114 3.8.1 Experiências de hibridação artificial 115 3.8.2 Dados autoecológicos 117 3.8.3 Monitorização dos híbridos 120 3.8.4 Consequências ecológicas e evolutivas 121
4 TRANSLOCAÇÃO 123
4.1 TRANSLOCAÇÃO PROVISÓRIA 124 4.1.1 Metodologia 125 4.2 TRANSLOCAÇÃO DEFINITIVA 127 4.2.1 Selecção do local definitivo 127 4.2.1.1 Modelização da adequabilidade ecológica de N. cavanillesii 128 4.2.2 O processo de translocação 133 4.3 AVALIAÇÃO BIOLÓGICA DO MODELO 136 4.3.1 Germinação in situ 136
5 MONITORIZAÇÃO E AVALIAÇÃO DAS ACÇÕES 143
5.1 QUANTIFICAÇÃO DOS INDIVÍDUOS REPRODUTORES 144 5.2 DEMOGRAFIA 148 pág. 2 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 5.2.1 Metodologia 148 5.2.1.1 Tamanho populacional 148 5.2.1.2 Estrutura populacional 149 5.2.1.3 Modelos matriciais lineares 150 5.2.1.4 Obtenção de dados 150 5.2.2 Resultados e Discussão 152 5.2.2.1 Tamanho populacional 153 5.2.2.2 Estrutura populacional 153 5.2.2.3 Modelos matriciais lineares 155 5.3 SUCESSO REPRODUTIVO: TAXA DE FORMAÇÃO DE SEMENTES 156
6 PROTOCOLOS DE EMERGÊNCIA 159
6.1 ACÇÕES DE CONSERVAÇÃO EX SITU 160 6.1.1 Banco de Germoplasma 160 6.1.2 Cultura in vitro 162 6.1.3 Protocolo para a Micropropagação de N. cavanillesii 165
7 NOVA AMEAÇA PARA N. CAVANILLESII EM PORTUGAL: OBRAS NA PONTE DA AJUDA 167
8 ACÇÕES DIRIGIDAS À DESCIDA DO ESTATUTO DE AMEAÇA DE N. CAVANILLESII 173
8.1 INTRODUÇÃO EXPERIMENTAL DE NOVOS NÚCLEOS 174
9 CONCLUSÕES 177
9.1 SITUAÇÃO DE N. CAVANILLESII NO FINAL DO PROJECTO (2004) 178
10 RECURSOS HUMANOS E DIVULGAÇÃO 187
11 ACÇÕES FUTURAS 197
12 AGRADECIMENTOS 201
13 BIBLIOGRAFIA 203
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Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 1 PRÓLOGO
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Nas últimas décadas, tanto a comunidade científica como a sociedade em geral tem tomado consciência da importância patrimonial da biodiversidade. O acréscimo alarmante do risco de extinção de plantas e animais devido, nomeadamente, ao desaparecimento, fragmentação e degradação dos ecossistemas tem promovido o desenvolvimento de acções com o objectivo de conservar o património natural. No entanto, o conhecimento preciso da biologia das espécies vegetais é muitas vezes escasso. Embora haja países com uma longa experiência em conservação e restauração, na área Mediterrânea é ainda escassa a informação sobre a resposta das espécies a este género de acções.
Por outro lado, a conservação em termos práticos não é vista muitas vezes como uma ciência moderna. É importante proteger… mas à distância! Medidas de conservação mais activas facilmente são alvo de críticas e consequentemente não existem documentos que avaliem os aspectos negativos e positivos das acções promovidas. Obviamente, que não se trata de proteger por si mesmo, pois qualquer destas acções deveria ter como base vários estudos prévios. Mas possivelmente, ao falarmos tantas vezes da perda de biodiversidade, devemos ter consciência que chegou a altura de agir se queremos proteger este património natural.
Neste âmbito, o projecto de “Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem de Alqueva” surge da necessidade de conservação desta espécie perante a construção da referida obra. Durante a definição do desenho experimental tornou-se primordial encontrar uma solução que permitisse a salvaguarda da população de Montes Juntos. A translocação desta população tornou-se numa operação de resgate (sem precedentes na Península Ibérica), essencial para a conservação desta espécie em Portugal. No entanto, tornou-se claro que para maximizar o sucesso desta acção seriam necessários diversos estudos base. Estes estudos permitiriam conhecer o comportamento da espécie, não só o que se referia directamente ao seu desenvolvimento, mas também serviriam para compreender as interacções existentes entre esta espécie e o meio envolvente. Paralelamente, os resultados provenientes destes estudos funcionariam como um meio de avaliação das acções efectuadas permitindo estimar o seu êxito.
Assim, descrevem-se os estudos efectuados e os resultados obtidos no âmbito da salvaguarda de N. cavanillesii em Portugal. Embora os principais objectivos deste projecto fossem referentes à minimização dos impactes provocados pela barragem de Alqueva torna-se importante salientar o escasso conhecimento que existia há 4 anos atrás sobre a biologia desta espécie. Neste sentido, é actualmente possível definir o comportamento de N. cavanillesii sabendo como se reproduz, como reage com outras espécies vegetais ou mesmo como interage com outros grupos biológicos sejam polinizadores, dispersores, predadores ou herbívoros. Desta forma, foi possível definir as etapas mais críticas do ciclo vital desta espécie contribuindo para uma gestão efectiva de Narcissus cavanillesii e para a sobrevivência desta espécie em Portugal.
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Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 2 INTRODUÇÃO
“Creative solutions to future mitigation negotiations are needed to overcome the social, legal, and political biases that perpetuate the treatment of endangered plants as second-class citizens.” K. S. Berg
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A conservação é um tema actual, frequentemente utilizado em meios de comunicação e geralmente utilizado de forma incorrecta como sinónimo de Biodiversidade ou de Ecologia. Trata-se dum conceito formado maioritariamente pelas sociedades modernas em consequência do seu desenvolvimento. Assim, o objectivo principal da biologia da conservação é o de evitar ou limitar a prematura extinção de espécies (Primack, 1996). É importante salientar que a extinção pode ser um fenómeno natural já que se estima que 99.9% das espécies que habitaram a Terra já foram extintas (Garcia, 2002). De facto, qualquer espécie actual existe graças a uma evolução biológica, durante a qual houve a formação de novas espécies e o desaparecimento das menos aptas. Contudo, a perda de espécies no último século ocorreu a uma velocidade superior aos séculos anteriores (Pimm et al., 1995), de forma que se estima que 25% das espécies de plantas vasculares que existem actualmente podem desaparecer nos próximos 20 anos (Given, 1994).
A crescente preocupação pela conservação da biodiversidade tem-se reflectido na grande quantidade de linhas de acção conduzidas em muitos países. Embora o Mediterrâneo seja uma das zonas com maior biodiversidade (figura 1) apresenta escassos resultados sobre a dinâmica populacional e a resposta das próprias espécies a determinado tipo de alterações. Devido à contínua perda, fragmentação e degradação dos ecossistemas e populações, as acções de reintrodução e de restauração têm-se convertido em importantes ferramentas para a conservação das espécies endémicas, raras e ameaçadas. No entanto, é necessário planear cuidadosamente estas acções para garantir a sua máxima eficiência e minimizar a interferência com outros valores existentes nos locais onde se actua.
Figura 1. Centros de biodiversidade “hotspot” (% vegetação remanescente; % área protegida; nº espécies de plantas com valor regional).
1. Tropical Andes (25; 25; 20000) 2. Mesoamerica (20; 60; 5000) 3. Caribbean (11; 100; 7000) 4. Brazil's Atlantic Forest (7.5; 36; 8000) 5. Choc/ Darien/ Western Ecuador (24; 26; 2250) 6. Brazil's Cerrado (20; 6; 4400) 7. Central Chile (30; 10; 1605) 8. California Floristic Province (25; 39; 2125) 9. Madagascar (10; 20; 9704) 10. Eastern Arc & Coastal Forests of Tanzania/Kenya (7; 100; 1500)
11. West African Forests (10; 16; 2250) 19. Indo-Burma (5; 100; 7000) 12. Cape Floristic Province (24; 78; 5682) 20. South-Central China (8; 26; 3500) 13. Succulent Karoo (27; 8; 1940) 21. Western Ghats/ Sri Lanka (7; 100; 2180) 14. Mediterranean Basin (5; 38; 13000) 22. SW Australia (11; 100; 4331) 15. Caucasus (10; 28; 1600) 23. New Caledonia (28; 10; 2551) 16. Sundaland (8; 72; 15000) 24. New Zealand (22; 88; 1865) 17. Wallacea (15; 39; 1500) 25. Polynesia/ Micronesia (22; 49; 3334) 18. Philippines (3; 43; 5832) Totais: (12; 38; 133149)
Diversas são as acções que se englobam na biologia da conservação assim como os conceitos que lhe estão associados. pág. 8 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Assim, o termo Mitigação (“Mitigation”) abrange uma grande variedade de acções destinadas a evitar, reduzir ou compensar os impactos negativos do desenvolvimento (Berg, 1996). Reforço (“Re-inforcement”) refere-se à adição de indivíduos a uma população já existente da mesma espécie (IUCN, 1995), com a finalidade de aumentar a estabilidade essa população. Resgate (“Rescue”) consiste em salvar os indivíduos de uma população da destruição, deslocando-a para outro lugar. O resgate é considerado um caso particular de Translocação (“Translocation”), acção que define a deslocação de plantas de uma localidade para outra (Fiedler & Laven, 1996). Uma Reintrodução (“Re-introduction”) é uma tentativa de estabelecer uma espécie numa área que já fez parte da sua distribuição histórica, mas onde se extinguiu ou dela foi extirpada (IUCN, 1995). Em muitos casos, não é possível devolver os indivíduos ao seu local de origem por exemplo, porque este desapareceu ou foi profundamente alterado, já não sendo apropriado para a existência da espécie. Nestas situações, selecciona-se um ou vários sítios de características adequadas, geralmente o mais semelhante possível ao sítio original, para a reintrodução. A Reintrodução de uma espécie é um caso específico de Restauração (“Restoration”). A recuperação completa de uma combinação de espécies de plantas e animais poucas vezes tem sido tentada. No entanto, a restauração de uma única espécie de planta ou animal é realizada cada vez mais com maior frequência em todo o mundo (IUCN, 1995).
Um conhecimento básico da biologia da espécie (“Baseline information”) é fundamental na realização de qualquer acção relativa à biologia da conservação. Para este fim são precisos estudos prévios sobre biologia reprodutiva, interacções planta-animal e planta- planta, dinâmica populacional (demografia) e caracterização genética da espécie. Uma das críticas mais frequentes de que são objecto os planos de recuperação é a de que estes são executados sem se ter uma informação básica sobre a espécie (Howald, 1996).
A ciência pode e deve contribuir para a conservação da biodiversidade, sem decidir o que existe para proteger e como fazê-lo, mas sim proporcionando informação rigorosa que sirva de base para dirigir as acções de gestão. O número de problemas e metodologias que ocorrem quando se trata de conservar uma espécie, deve ser provavelmente tão elevado quanto o número de espécies que estão a ser protegidas. Embora existam problemas gerais, resultado de acções comuns que provêm da deterioração ou transformação do meio ambiente, também é certo que cada espécie tende a reagir de forma particular. Assim, não existe um compêndio de métodos ou materiais específicos para cada estudo. Cada caso é único e provavelmente requer uma metodologia única que vai sendo desenvolvida dia após dia. Por isso, apenas um estudo particular, específico a cada espécie, com abundante informação de campo e uma criatividade capaz de ultrapassar os problemas que surgem quando se trabalha em condições naturais é capaz de assegurar o maior êxito possível para a conservação de uma espécie.
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2.1 O GÉNERO NARCISSUS L.
Os Narcissus L. são geófitos estacionais pertencentes à família das Amaryllidaceae, Classe Liliopsida (Cronquist, 1981). O bolbo apresenta várias túnicas sendo as externas escuras, raramente esbranquiçadas com dimensões e formatos variáveis, consoante a espécie. Na parte inferior do bolbo inserem-se várias raízes finas, não ramificadas. Superiormente emergem as folhas que podem ser estreitas ou largas, cilíndricas ou planas, rígidas ou flexíveis e com a margem lisa ou serrilhada de acordo com a espécie. Na altura da floração, emerge da parte média do bolbo, um caule (haste floral, pedúnculo floral ou escapo) oco ou maciço, cilíndrico ou plano, com duas linhas longitudinais salientes e opostas. Este pedúnculo possui superiormente uma única folha membrano-escariosa (espata ou bráctea) formando um invólucro que encerra as flores durante o seu desenvolvimento. Nos últimos estados da sua formação, as flores saiem desse invólucro e abrem. A flor possui um ovário ínfero, globoso-trigonal, trilocular, com vários óvulos em cada lóculo. Sobre o ovário insere-se uma peça tubulosa (tubo do perianto), em geral bem desenvolvida, raras vezes curta ou sub-nula, cilíndrica ou trigonal. Na extremidade desta peça inserem-se seis tépalas brancas, amarelas ou verdes, de forma variada, colocadas horizontalmente (tépalas patentes), reviradas sobre o tubo (tépalas reflexas) ou formando um ângulo sobre a coroa (tépalas ascendentes). A coroa pode ter a forma de um tubo comprido, de um cálice ou de um anel pouco saliente e a margem pode ser inteira, lobada, denticulada ou fimbriada. O androceu é constituído por seis estames inseridos na base do tubo, na sua parte média ou próximo da abertura. Os filetes podem ser direitos ou curvos e as anteras são oblongas ou lineares, bilobadas, inserindo-se na extremidade do filete, pela parte média do dorso (anteras dorsifixas) ou quase pela base (anteras sub-basifixas). O estilete é cilíndrico, de comprimento variável terminando num estigma trilobado. A cápsula é ovóide ou globoso- trigonal e abre por três valvas. As sementes são subglobosas ou angulosas e com exoscarpo negro (Fernandes, 1936; 1951; 1967).
2.1.1 ORIGEM FITOGEOGRÁFICA
O género Narcissus é considerado originário da região mediterrânea. O centro de origem e dispersão deste género terá sido a região constituída pelo sudeste de Espanha e a região ocidental do Mediterrâneo, que corresponde actualmente ao estreito de Gibraltar (Fernandes, 1943). Os estudos paleogeográficos demonstram que no Pleistocénico, o Mediterrâneo estaria provavelmente dividido em dois mares interiores, pela existência de dois estreitos entre a Europa e o Norte de África. Um desses estreitos (Gibraltar) teria sido o centro de dispersão deste género, enquanto o outro daria origem à Itália, Sicília, Malta e Norte da Tunísia, assim como a outros territórios actualmente submersos. Com base na sua distribuição, considera-se que a espécie ancestral do género deverá ter surgido no começo do Quartenário (Fernandes, 1951).
Do ponto de vista morfológico, esta forma ancestral seria uma pequena planta bulbosa existente nas fissuras rochosas, com folhas estreitas e flores pequenas, amarelas, não odoríferas, com o tubo do perianto relativamente largo, uma coroa rudimentar e estames livres, à mesma altura (Fernandes & Fernandes, 1946; Fernandes, 1951). Após ter povoado as montanhas das regiões espanhola e marroquina, esta forma ancestral terá colonizado outro tipo de habitats, desaparecendo e originando as espécies actualmente consideradas pág. 10 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 (Fernandes, 1969). Embora não haja um verdadeiro consenso no que se refere ao número de espécies pertencentes a este género, a maioria dos autores refere 35 a 70 espécies de Narcissus, distribuídas por dois subgéneros e 10 secções (Fernandes, 1951, 1967, 1975; Blanchard, 1990; Barrett et al., 1996; Dobson et al., 1997).
2.1.2 IMPORTÂNCIA ECONÓMICA DO GÉNERO
O género Narcissus regista a maior diversidade no sudoeste da Península Ibérica e noroeste de Marrocos (Fernandes, 1951; Dobson et al., 1997; Arroyo & Barrett, 2000). Pelas suas características ornamentais e elevado valor económico, este é um dos géneros mais comercializados mundialmente (Oldfield, 1990; Barrett et al., 1996). O recurso às populações no seu habitat natural e a procura por coleccionadores que tentam possuir as espécies mais raras ou endémicas de determinada região tem originado uma crescente preocupação por parte das entidades ligadas à conservação da Natureza.
Embora haja um comércio de bolbos de origem silvestre é difícil quantificar os volumes comercializados mundialmente. Num relatório promovido pelo WCMC (World Conservation Monitoring Center) e pelo WWF-US (World Wildlife Fund-United States), publicado em 1989 e referente ao comércio internacional de bolbos, estima-se que são colhidos cerca de 40 milhões de bolbos, por ano (Oldfield, 1990). Neste documento, Portugal surge como a maior fonte de bolbos de Narcissus, seguido de Marrocos e Turquia (Oldfield, 1990).
Apesar do comércio de bolbos de origem silvestre ser actualmente reduzido em relação ao mercado global, em determinadas espécies esta colheita permanece muito significativa. Até que medidas efectivas de controlo e gestão sejam asseguradas o comércio de bolbos silvestres deve ser visto com alguma preocupação.
2.2 DESCRIÇÃO DE NARCISSUS CAVANILLESII A. BARRA & G. LÓPEZ
2.2.1 INTRODUÇÃO NOMENCLATURAL
N. cavanillesii é um bom exemplo da complexidade taxonómica e nomenclatural que existe no género Narcissus. Cavanilles (1794) foi o primeiro a descrever esta espécie com base em material proveniente de Sevilha classificando-o como um Pancratium. A diagnose efectuada e o seu ícone permitiram a sua posterior reclassificação nomenclatural. A presença dum pequeno tubo floral e o facto de apresentar uma coroa pouco aparente motivou várias discussões e as suas diversas reclassificações. Assim, a espécie actualmente designada por N. cavanillesii A. Barra & G. López já foi conhecida por mais nove designações e incluída em sete géneros diferentes: Pancratium humile Cav., Icon. Descr. 3: 4, tab. 207, fig.2. 1794. Amaryllis exigua Schousboe, Vextr. Marok.: 160, 1800. Tapeinanthus humile (Cav.) Herb., Amaryll.: 190, 414.1837. Braxireon humile (Cav.) Rafin., Fl. Tellur. 4: 23. 1838. Carregnoa lutea Boiss., Voyage Esp. 2: 605. 1842.
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Carregnoa humilis (Cav.) J. Gay, Bull. Soc. Bot. France 6: 88. 1859. Gymnoterpe humile Salisb., Gen. Pl. Fragm.: 108.1866. Lapiedra gracilis Baker in Ball, Spicil. Maroc.: 678. 1878. Narcissus humilis (Cav.) Traub, Plant Life 25: 46. 1969
O facto da mais recente flora portuguesa (Franco & Rocha Afonso, 1994) não incluir esta espécie deve-se provavelmente a um esquecimento, dado que anteriormente Malato-Beliz (1977) já tinha citado esta espécie para Portugal (Ajuda).
2.2.2 MORFOLOGIA
Geófito bolboso. Bolbos de 8-16 (-20) mm por 7-12 (-15) mm (Valdés et al., 1987) com a túnica prolongando-se sobre o escapo. Escapo delgado com 4-18 cm. Folhas de 20 cm de comprimento por 1 mm de largura, cilíndricas (Valdés et al., 1987). Espata com 12-22 mm (Valdés et al., 1987), escariosa e com as margens soldadas. Pedicelos com 6-25 mm, mais curtos que a espata. Flores actinomórficas, amarelas, erguidas e geralmente solitárias (Valdés et al., 1987). Tubo do perianto estreito, com 0.9-3 (-3.8) mm de comprimento (Valdés et al., 1987). Tépalas com (10-) 12-14 por (1.5-) 2.5-4 (-5) mm oblongas ou oblongas-elípticas, obtusas (Valdés et al., 1987). Coroa concolor, inconspícua com 0.5-1 (- 1.6) mm (Valdés & Müller-Doblies, 1984; Valdés et al., 1987) formando uma lâmina continua ou mais raramente 12-lobada (Valdés et al., 1987). Seis estames mais curtos que as tépalas e dispostos quase à mesma altura. Anteras com 2.5-3.5 mm (Valdés et al., 1987). Deiscência longitudinal. Conectivo amarelo, da mesma cor da exina. Nectários situados na base dos estames inferiores. Ovário ínfero tricarpelar soldado com um único estilete. Cápsulas com (4-) 6-9 mm, oblongas (Valdés et al., 1987) dispersando as sementes por deiscência longitudinal. 2n= 28. Floresce e frutifica de Setembro a Novembro (Valdés et al., 1987).
2.2.3 HABITAT E ECOLOGIA
N. cavanillesii é uma espécie de floração outonal que apresenta síndromes de entomófila (Vogel, 1983; Harbone, 1993), sendo frequente em prados de terófitos, em solos arenosos ou argilosos, e em clareiras de matos constituídas essencialmente por Ulex spp. e Cistus spp. (Perez Lara, 1882; Devesa, 1995). Encontra-se presente em altitudes variáveis, desde a Serra de Grazalema até às areias de Algeciras. Em Portugal, as duas localidades encontram-se em solos ácidos, do tipo aluvial correspondente ao leito de cheia do Guadiana (Malato-Beliz, 1977).
Durante a época de floração é comum a presença de outros geófitos como por exemplo, Scilla autumnalis L., Leucojum autumnale L., Urginea marítima (L.) Baker, Crocus serotinus Salisb., Merendera autumnalis (L.) Lange, Arisarum vulgare Targ. Toz e N. serotinus L. A poliploidia pode originar condições fisiológicas susceptíveis de alterar o ciclo de floração das plantas, permitindo a conversão de uma planta de floração primaveril em outra de floração outonal. O facto de todas as espécies de floração outonal pertencentes a este género serem poliploides (N. viridiflorus Schousboe -tetraplóide-, N. elegans Spach - hipertriplóide-, N. cavanillesii -tetraplóide-, N. serotinus -hipertetraplóide-) confirma esta hipótese (Fernandes & Fernandes, 1946). pág. 12 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
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Durante o resto do ano são comuns outras plantas como Hypochoeris glabra L., Diplotaxis catholica (L.) DC., Rumex bucephalophorus L., Stachys arvensis (L.) L. Poa bulbosa L., Avena barbata Pott ex Link, Calendula arvensis L., Echium plantagineum L., Verbascum sinuatum L., Erodium moschatum (L.) L’Hérit, Senecio vulgaris L. ou Eyngium campestre L. Este tipo de vegetação é típica dos bosques de Quercus faginea Lam., em solos ácidos e representam geralmente zonas típicas de pastagem. A presença de plantas nitrófilas como Verbascum sinuatum L. ou Erodium moschatum (L.) L’Hérit indicam a presença elevada de pisoteio e pastagem nesta área (Malato-Beliz, 1977).
2.2.4 DISTRIBUIÇÃO E FITOGEOGRAFIA
N. cavanillesii é um geófito endémico do Sul da Península Ibérica e Norte de África, Argélia e Marrocos (Fernandes & Fernandes, 1945; Malato-Beliz, 1977; Valdés et al., 1987). Apresenta uma distribuição muito pontual na Península Ibérica com escassas populações e apresentando núcleos muito fragmentados (figura 2).
Figura 2. Distribuição de Narcissus cavanillesii na Península Ibérica. Base corológica obtida a partir de diversas fontes. O seu centro de origem terá sido o Estreito de Gibraltar a partir do qual a espécie ancestral com 14 cromossomas somáticos terá colonizado a zona litoral do Sul de Espanha. Nesta região, a espécie ancestral terá dado origem a N. gaditanus que colonizou as áreas a oeste e por duplicação cromossómica originou N. cavanillesii que colonizou as áreas a oeste da Península e o Norte de África. Durante a colonização do Sul de Espanha, N. cavanillesii atingiu o Vale do Guadiana onde deu origem às actuais populações (Fernandes & Fernandes, 1946). Embora N. cavanillesii possua uma morfologia possivelmente semelhante à espécie ancestral não deve ser considerado como uma espécie primitiva já que se trata dum tetraploide com um número básico de cromossomas de sete (Fernandes & Fernandes, 1946).
pág. 13 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
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2.3 SITUAÇÃO EM PORTUGAL E ESTATUTO DE AMEAÇA ANTES DO PROJECTO (2001)
Em Portugal, a localidade clássica de N. cavanillesii encontra-se situada na Ponte da Ajuda (Elvas) estando referida nos herbários COI (s.n.), LISI (s.n.) e MA (216611) e tendo sido citada por Malato-Beliz (1977). Como resultado do trabalho de campo efectuado para o Segundo Relatório Parcial de Progresso do Projecto PMo 1.1. Monitorização de Plantas Prioritárias realizado pela equipe do MNHN-Jardim Botânico da Universidade de Lisboa foi descoberta a segunda localidade desta espécie em Portugal situada, cerca de 30 km mais a Sul, perto da aldeia de Montes Juntos (Alandroal). Nesta nova localidade a população foi inicialmente considerada como mais numerosa, estimando-se ca. 400 indivíduos, em relação à localidade clássica onde eram estimados ca. 200 indivíduos pois apenas se conheciam os núcleos situados ao redor das ruínas da Ponte (figura 3).
Distribuição de Narcissus cavanillesii na Península Ibérica e no Norte de África (modificado de Fernandes & Fernandes, 1945, segundo fontes diversas)
Figura 3. Localidades de Narcissus cavanillesii em Portugal. À esquerda a localidade clássica da Ponte da Ajuda e à direita a nova localidade situada cerca de Montes Juntos.
N. cavanillesii encontra-se incluído nos Anexos II e IV da Directiva Habitat 92/43/CEE. Esta Directiva Comunitária estipula que a conservação das espécies do Anexo II e requer a designação de zonas especiais para a sua conservação, enquanto o Anexo IV considera que as espécies exigem uma protecção rigorosa. De acordo com os critérios IUCN (2001), N. cavanillesii foi considerado, em Portugal, uma espécie Criticamente Ameaçada:
CR, B2ab(ii, iv) devido à sua extensão de ocorrência ser inferior a 100 km2, apresentar elevada fragmentação e ser esperado um declínio na sua área de ocupância e no número de populações (Rosselló-Graell, 2004).
De facto, a vulnerabilidade desta espécie em Portugal já era conhecida anteriormente, pois já existia um documento prévio do ICN no qual esta espécie era citada como em perigo de extinção em Portugal (ICN, 1990).
pág. 14 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 A única medida de conservação desta espécie foi a sua inclusão na Lista Nacional de Sítios Rede Natura 2000: Sítio Guadiana/Juromenha (Resolução do Conselho de Ministros nº142/97 de 28 de Agosto). Porém, continuavam presentes os impactes provenientes da construção da barragem de Alqueva. As duas localidades portuguesas de N. cavanillesii encontravam-se afectadas pelo futuro enchimento da albufeira da barragem de Alqueva, embora de maneira distinta.
A localidade mais afectada, e que ficaria totalmente submersa, seria a de Montes Juntos, pelo facto de estar situada a uma cota aproximada de 125 m, muito inferior à cota média esperada para a albufeira (147 m). A fragmentação em núcleos de dimensões variáveis e a sua proximidade a caminhos bastante fragmentados eram ameaças que já existiam nesta população (figura 4).
Figura 4. Detalhes dos núcleos de N. cavanillesii, donde se destaca a pequena dimensão de alguns núcleos, a presença de alguns indivíduos em fendas de xistos e a proximidade a caminhos.
A localidade da Ajuda representava um caso totalmente distinto pelo facto de estar a uma cota aproximada de 153-155 m. Esta população irá sofrer alterações no caso da água atingir a cota máxima prevista (152 m). Se esta situação se verificar, embora a população não fique submersa, existiria uma alteração do nível freático pela excessiva proximidade à albufeira o que poderia conduzir a uma maior pressão antrópica sob os indivíduos de N. cavanillesii.
O impacto que o enchimento da albufeira teria na população de Ajuda era (em 2000) imprevisível, o que tornava a sua monitorização absolutamente necessária. O facto de nada se saber sobre a biologia desta espécie tornava a probabilidade de qualquer previsão realista, ainda mais reduzida. Deste modo, pretendia-se obter informação de forma a conseguir detectar-se as alterações e intervir-se atempadamente e antes de se atingir a uma situação irreversível em N. cavanillesii.
pág. 15 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
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2.4 ENQUADRAMENTO E OBJECTIVOS DO PROJECTO
O projecto apresentado considera, a priori, acções relativas ao Reforço, Resgate, e Reintrodução da espécie. Deste modo, para a salvaguarda de N. cavanillesii em Portugal, será realizado o Resgate da população de Montes Juntos, estando prevista a sua translocação provisória num local de refúgio. No entanto, a finalidade do projecto apresentado é a de “devolver” esta espécie à sua área de distribuição histórica e este objectivo será concretizado através da sua Reintrodução. A população da Ponte da Ajuda funcionará como um controlo biológico que permitirá avaliar o êxito das acções efectuadas e o comportamento da espécie. De acordo com os resultados obtidos ao longo do projecto estão previstas acções de Reforço populacional sempre que se verificar necessário.
Assim, considerando as ameaças presentes, o objectivo deste projecto é
EVITAR A EXTINÇÃO DE NARCISSUS CAVANILLESII EM PORTUGAL E GARANTIR A SOBREVIVÊNCIA DAS SUAS POPULAÇÕES. Para atingir este objectivo global foram definidos os seguintes estudos experimentais:
1. Caracterização ecológica 2. Censo e cartografia detalhada INFORMAÇÃO 3. Caracterização genética BASE 4. Estudos fenológicos 5. Biologia reprodutiva 6. Interacções planta-insecto 7. Avaliação do impacte da hibridação
8. Translocação da população de Montes Juntos para um local TRANSLOCAÇÃO provisório 9. Reintrodução da população removida na sua área de distribuição histórica
MONITORIZAÇÃO 10. Monitorização e avaliação das acções realizadas E AVALIAÇÃO
11. Colheita de germoplasma e reforçamento dos efectivos da
população da Ajuda e de Montes Juntos. PLANOS DE EMERGÊNCIA 12. Desenvolvimento de métodos com vista à conservação, multiplicação e cultivo da espécie
Como objectivo final e considerando as acções acima previstas, espera-se no final deste projecto diminuir o estatuto de ameaça desta espécie em Portugal, ou seja, N. cavanillesii deixará de ser considerada uma espécie Criticamente Ameaçada (CR) e passará para o estatuto de espécie Ameaçada (E), segundo os critérios da IUCN (2001). pág. 16 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
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3.1 CARACTERIZAÇÃO ECOLÓGICA
De forma a perceber a amplitude ecológica (a capacidade de ocupar nichos diferentes) da espécie em estudo, considerou-se imprescindível conhecer outras populações deste taxon. É de relembrar que no território português só dispomos de dois locais, extremadamente localizados, e torna-se arriscado tirar conclusões relativas à ecologia da espécie só considerando esses locais. O objectivo secundário foi a obtenção de material vegetal da espécie em estudo, procedente de localidades diferentes, para posteriores estudos comparativos.
3.1.1 CARACTERIZAÇÃO DAS POPULAÇÕES
Em primeiro lugar foi necessário conhecer o número máximo de localidades conhecidas para esta espécie. Nesta fase foram consultados os herbários do Real Jardín Botánico de Madrid (MA) e o da Universidad de Estremadura (UNEX); como complemento a estas consultas foram procurados e estudados diversos trabalhos florísticos da zona. Adicionalmente, foi consultado pessoalmente o Sr. Alfredo Barra (Real Jardín Botánico de Madrid), um dos autores da combinação nomenclatural do taxon e que colocou à nossa disposição, toda a sua informação referente a N. cavanillesii e N. serotinus. Com a informação recolhida destas fontes foi elaborado um mapa de distribuição de N. cavanillesii (figura 2).
Com este mapa e pretendendo recolher sempre a maior diversidade ecológica da espécie, foi considerado o critério geográfico de efectuar colheitas, no mínimo, em todas as bacias hidrográficas em que a espécie estivesse presente. Considerando este critério foram sobrepostas as bacias hidrográficas (figura 5) utilizadas por Sánchez-Palomares et al., (1999) com as localidades conhecidas. Outro critério geográfico utilizado na selecção dos locais a visitar foi a utilização dos extremos da sua área de distribuição, para que esta fosse representada correctamente; igualmente, foram ponderadas as localidades mais setentrionais, meridionais, ocidentais e orientais.
Com base em toda esta informação nos dias 19 a 26 de Outubro do 2000 foram visitadas diversas localidades de N. cavanillesii em Espanha. Das localidades visitadas, oito delas tiveram resultados positivos, ou seja, foi encontrado N. cavallinesii (figura 6).
É relevante salientar que todos os locais prospectados representam a totalidade das bacias hidrográficas em que a planta está presente, com a excepção da sub-bacia do Sector Ocidental. (Sub-bacia S2) formada pelos rios:
Vélez, Arroyo de Benagalbón, Arroyo de Granadillos, Arroyo de Totalán, Guadalmedina, Guadalhorce, Fuengirola, Verde, Arroyo de Benavolá, Guadaiza, Guadalmina, Arroyo del Taraje, Guadalmansa, Velerín, Castor, Padrón, Manilva, Guadiaro, Guadarranque, Palmones, De la Miel, Pícaro e Guadalmesí.
pág. 18 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Figura 5. Sobreposição da corologia de N. cavanillessi com as bacias hidrográficas (Sanchez-Palomares et al. 1999). Os registos são apresentados em áreas de 10x10 km ou 1x1 km segundo a sua precisão cartográfica.
Figura 6. Localidades em que foi encontrado N. cavanillesii no Outono de 2000. pág. 19 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
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Paralelamente, foram prospectadas as localidades próximas a Badajoz (mais setentrional) mas o resultado não foi satisfatório. Foi também procurada no seu extremo ocidental, onde igualmente não foi encontrada. Pelo contrário, ficou bem representada a localidade mais meridional e a mais ocidental.
De forma a comparar os locais onde foi encontrada (tabela 1), com a área total da sua distribuição apresenta-se a figura 7. Tabela 1. Localidades visitadas de N. cavanillesii no Outono 2000. Concelho Código da UTM_1X1 localidade Valencia de las Torres Hs1 30STH4158 Arahal Hs2 30STG6623 Morón de la Frontera Hs3 30STG7908 Algodonales Hs4 30STG8984 Villaluenga del Rosario Hs5 30STF8863 Tarifa (Facinas) Hs6 30STF5602 Medina-Sidonia Hs7 29SQA6636 Aznalcazar Hs8 29SQB4823 Alandroal Montes Juntos 29SPC4663 Alandroal Montes Juntos 29SPC4664 Elvas Ponte Ajuda 29SPC5893
Adicionalmente, em cada um destes locais foi recolhido material vivo desta espécie, para ser utilizado posteriormente em diversos estudos necessários ao maior conhecimento da
Figura 7. Comparação dos locais onde foi encontrada a espécie (em azul) com a sua área de distribuição (em vermelho). pág. 20 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 espécie. O número de indivíduos colhidos por localidade nunca foi superior a 30, de forma a minimizar o impacto negativo que sempre supõe a colheita. Este material foi conservado directamente em vasos para evitar posteriores transplantes que poderiam vir a danificar as plantas.
3.1.1.1 Metodologia
Em cada local em que a planta foi encontrada, foi registada a informação seguindo o formulário utilizado no projecto “Programa de Monitorização do Património Natural (Área de regolfo de Alqueva + Pedrogão) PM1 Projectos e Acções de Monitorização da Vegetação/Flora PMo 1.1 Monitorização de Plantas Prioritárias” (Ballester-Hernández et al., 2000).
A informação considerada na caracterização dos pontos de amostragem foi a seguinte:
Dados de localização: Coordenadas (UTM de 1 x 1 km.). A partir de um Sistema de Informação Geográfica (SIG) foram obtidas as variáveis de exposição, inclinação e altitude.
Dados de geomorfologia: Disposição da pendente do terreno, avaliada nas seguintes classes: convexa, ausência de pendente, patamares, irregular, regular e côncava.
Dados sobre a perturbação: Caracterização das perturbações que possam afectar, positiva ou negativamente, as comunidades vegetais onde se encontram núcleos das espécies em estudo. Salienta-se que o fenómeno “perturbação” pode ter uma influência positiva ou negativa sobre o estado das populações. Pelo facto de diversas espécies-alvo serem características de linhas de água, muitas das perturbações referem-se a este tipo de ambiente. Consideraram-se vários tipos de perturbação: • Perturbações de origem natural biótica: insectos, outra fauna e flora alóctona. • Perturbações de origem natural abiótica: geada, seca (linha de água que apresenta um período de estiagem), queda de pedras, erosão das margens da linha de água ou abatimento do substrato, localização no leito de cheia de linhas de água. • Perturbações de origem antrópica: actividade agrícola intensa, actividade agrícola moderada, pastoreio (detectado pela presença do gado, vestígios da sua passagem ou predação sobre a vegetação), extracção de areias das margens da linha de água, acção de máquinas, fogo, presença humana (local de passagem de pessoas, presença de trilhos, depósito de lixo), corte de vegetação, águas poluídas ou com presença de resíduos industriais, presença de açude ou represa de origem artificial. • Considerou-se também a opção de “ausência de perturbação” quando nenhuma das perturbações anteriormente enumeradas foi detectada durante as visitas aos pontos de amostragem.
pág. 21 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
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Dados sobre a vegetação envolvente: Tipo de Habitat. Recorreu-se à caracterização da vegetação com base na presença/ausencia dos Habitats da Directiva 92/43/CEE.
Estratificação da vegetação. Pretendeu-se efectuar a avaliação tridimensional da densidade do coberto vegetal. As classes de alturas consideradas foram as seguintes: • inferior a 5 cm • entre 5 e 10 cm • entre 10 e 25 cm • entre 25 e 50 cm • entre 50 e 75 cm • entre 75 e 100 cm • entre 100 e 150 cm • entre 150 e 200 cm • superior a 200 cm
Dados sobre as espécies em estudo: A caracterização dos núcleos de cada espécie considerada no âmbito deste estudo foi feita com base nos seguintes parâmetros:
Área de distribuição. Considerando a área abrangida pelo ponto de amostragem (em geral 10.000 m2), estimou-se a superfície na qual os indivíduos ocorriam. Consideraram-se as seguintes classes: • reduzida: < 500 m2 • intermédia: 500 - 5000 m2 • extensa: > 5000 m2
Agregação. Este parâmetro pretende avaliar de que modo os indivíduos estão distribuídos na área que ocupam no ponto de amostragem. É um parâmetro intimamente relacionado com o tipo de habitat. Consideraram-se três categorias: • isolados • em mosaico • em contínuo
Dimensão da população. O número de indivíduos foi quantificado em seis classes: • < 30 indivíduos • 30 - 50 • 50 - 100 • 100 - 250 • 250 - 1000 • > 1000 indivíduos
Cobertura. Pretende-se avaliar a área coberta pelos indivíduos das espécies-alvo, relativamente ao total do coberto vegetal: • raros, cobertura pouco significativa • < 10 % • 10 - 25 % pág. 22 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 • 25 - 50 % • 50 - 75 % • > 75 %
Associatividade. Este parâmetro pretende descrever o modo como os indivíduos se dispõem no terreno: • isolados • em tufos • em moitas grandes • em mosaico • em tapetes.
3.1.1.2 Resultados e discussão
São apresentados os dados de campo provenientes dos locais visitados. A informação está estruturada numa ficha sinóptica que segue a apresentação já utilizada em Draper et al. (2003). As características dos diagramas encontram-se explicadas numa primeira ficha, com formato padrão Distinguem-se dois blocos principais de informação: Na frente encontra-se a explicação dos diagramas. No verso, apresenta-se a caracterização ecológica baseada nos levantamentos efectuados.
O recurso a diagramas e critérios normalizados, como método comparativo da ecologia das espécies vegetais, foi inicialmente desenvolvido por Grime (1979) e posteriormente generalizado para o conjunto da Flora das Ilhas Britânicas (Grime et al., 1988). No âmbito desta metodologia, referem-se os trabalhos sobre a caracterização de espécies raras dos Açores (Barcelos et al., 1998), nomeadamente a sua aplicação para à espécie endémica Azorina vidalii (Wats.) Feer por Dias et al. (in press). Neste caso, pretendeu-se avaliar os factores que actuam sobre esta espécie de forma a poder actuar sobre eles, em caso de necessidade. O interesse do estudo deve-se ao facto de se tratar de uma espécie incluída na categoria “Criticamente Ameaçada” (CR), segundo os critérios da IUCN (2001) sendo o mesmo caso que N. cavanillesii (Rosselló et al, 2001).
Comparando o conhecimento da espécie referente à sua ecologia no início do projecto (2001) com a visão actual, fica evidente a homogeneidade das populações portuguesas em relação ao conjunto de populações da espécie. O facto de em Portugal só termos duas populações de N. cavanilllesii pode distorcer a nossa ideia do conjunto de necessidades ou preferências da espécie. Nalgum caso, até podemos constatar que a situação dos núcleos portugueses constitui um extremo e não a norma da situação.
Referente à altitude passamos de um limite altitudinal relativamente estreito em Portugal (entre 150-200 m) face a um limite que, abrange desde quase o nível do mar até os 900 m quando consideramos toda a Península Ibérica. A inclinação do terreno deixou de ser preferencialmente inclinada (até 30º de inclinação) para ser nomeadamente plana, chegando excepcionalmente aos 30º (9% dos casos) quando consideramos toda a Península. A tendência da espécie a zonas expostas a leste e a sudoeste confirma-se ao
pág. 23 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
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considerarmos as novas localidades. O comportamento da espécie referente ao tipo de pendente manteve-se inalterado.
As características das perturbações que afectam as populações da espécie mudam substancialmente, não em intensidade mas sim em diversidade. Actividades agrícolas, problemas de erosão, quedas de pedras, extracções de areias, fogo e nomeadamente problemas com flora alóctone são novos factores que não aparecem nas populações portuguesas. No caso dos tipos de Habitat, aparecem novos tipos associados a dunas e areias litorais (2260 e 2270), típicos da zona de Doñana. Um dos tipos de habitat que em Portugal era predominante (3280, cursos de água mediterrânicos permanentes com Paspalo-Agrostideum) revela-se pouco frequente no conjunto da distribuição Ibérica. Surge como uma das tipologias preferenciais as formações de pseudo-estepes de Thero- Brachypodietea (6220). As formações de Montados (6310) e pastagens húmidas de Molinio-Holoschoenion (6420) são habitats não compartidos com as populações portuguesas. Existe uma afinidade constante em toda a Península com as formações de Nerio-Tamaricetea e Securinegion ticntoriae (92D0). A estratificação da vegetação passou a ser muito mais heterogénea do que ao início do estudo.
O tipo de populações mudou consideravelmente quando comparamos as duas populações conhecidas no início do projecto, com o conjunto de populações ibéricas. Inicialmente considerávamos as populações sempre formadas com poucos indivíduos, nunca superiores a 50. Ao incluir o resto de populações observa-se que o normal são populações de 100-250 indivíduos, podendo até ultrapassar os mil indivíduos. O caso de populações superiores aos 1000 indivíduos manifesta-se, sobretudo em Portugal, sobre o tabuleiro da ponte de Ajuda. Este núcleo foi encontrado posteriormente à elaboração da ficha que caracterizava as populações portuguesas. A cobertura da espécie passou de rara (em 100% dos casos em 2001) para atingir coberturas até 25% (Ponte de Ajuda). A agregação dos indivíduos passou de 100% de casos de indivíduos isolados, a 10% de disposição em mosaico. Mantém-se a característica de associatividade em indivíduos isolados. A área dos núcleos pode atingir, nalguns casos, dimensões de 500-5000 m2.
pág. 24 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López
Altitude: Inclinação: Exposição: Pendente:
360º 450 m + Freq. Consideraram-se 9 classes de altitude, 100 400 Foram consideradas 6 classes, cada uma correspondendo a um 350 315º 45º correspondendo às diferentes intervalo de 50 m. Os valores indicam - Freq. Os dados estão10 classificados 300 categorias de pendente já a frequência relativa das ocorrências e em 8 classes correspondentes 250 aos pontos cardeais1 e estão anteriormente referidas. Os estão apresentados sob a forma de um 200 90 º representados por valores de valores indicam a frequência diagrama de barras horizontais. 45 º 270º ângulos. 0.1A escala de 90º relativa das ocorrências. Os 150 100 representação dos dados é dados estão representados sob a 30 º forma de um hexágono, em que 50 logarítmica. Os valores o eixo correspondente a cada 60 º 75 º 15 º indicam a frequência relativa 0255075100 225ºdas ocorrências. 135º classe coincide com um dos 0 º vértices do hexágono. A escala 180º de representação dos dados é logarítmica.
Perturbações: Habitat (Directiva 92/43/CEE): Foram consideradas50 16 categorias, que correspondem 15 Habitats e à categoria “sem Habitat”. Note-se que pode ocorrer mais do que um Habitat por ponto de amostragem. Os valores indicam a frequência relativa das ocorrências e estão apresentados sob a forma de um diagrama de barras horizontais. Foram consideradas 19 categorias, já 0 anteriormente referidas. Os valores indicam a
frequência relativa da ocorrência das 92D sem 9320 9340 3140 3160 3170 3260 3270 3280 3290 4030 6310 6420 8220 perturbações, podendo ocorrer mais de um tipo 91B0 de perturbação por ponto de amostragem. Os Estratificação: dados estão representados sob a forma de um histograma de barras polares, em que cada um sup. 200 Foram consideradas 9 categorias, já dos raios corresponde a uma das categorias. A 150-200 anteriormente referidas. Os valores indicam a escala de representação é linear; o valor mínimo 100-150 frequência relativa da ocorrência da vegetação, da escala é negativo, de modo a permitir uma 75-100 para cada classe de altura, podendo ocorrer mais melhor visualização das classes de frequência de uma classe de altura de vegetação por ponto 50-75 mais baixa. Pelo mesmo motivo, o valor máximo de amostragem. Os dados estão apresentados sob da escala de representação do gráfico é relativo 25-50 a forma de um diagrama de barras horizontais. ao valor máximo da frequência relativa 10-25 observada. 5-10
inf. 5
0255075100
Dimensão da população (D): Agregação: continuo Consideraram-se as 3 classes já anteriormente referidas. Os valores indicam frequências relativas e os sup. 1000 mosaico dados estão representados sob a forma 250 - 1000 Consideraram-se as 6 classes já anteriormente de um diagrama de barras horizontais referidas. Os valores indicam frequências de escala constante. 100 - 250 relativas e os dados estão representados sob a isolados 50 - 100 forma de um diagrama de barras horizontais de escala constante. 30 - 50 0255075100
in f. 30 Ordenação triangular Associatividade: 0 25 50 75 100 D (100%) tapetes Consideraram-se as 5 classes já anteriormente referidas. Os valores mosaicos indicam frequências relativas e os moitas grandes dados estão representados sob a forma Pretende-se sintetizar a informação de um diagrama de barras horizontais tufos correspondente às variáveis dimensão da de escala constante. população, agregação e cobertura. isolados Cada um dos lados do triângulo corresponde ao eixo de uma das variáveis e cada vértice, ao 0255075100 valor máximo (100%) da escala de uma delas e simultaneamente, ao valor mínimo (0%) das Recobrimento (R): duas outras. A intercepção dos valores de cada Área (A): uma das variáveis permite delimitar uma área que define a relação entre as variáveis. A
sup. 75 % amplitude da área e o vértice para o qual Consideraram-se as 3 classes já Consideraram-se as 6 classes já tende, permitem a interpretação ecológica da anteriormente referidas. Os 50 - 75 % anteriormente referidas. Os valores extensa espécie. alta valores indicam frequências indicam frequências relativas e os 25 - 50 % relativas e os dados estão dados estão representados sob a forma representados sob a forma de um 10 - 25 % de um diagrama de barras horizontais de intermédiamédia R (100%) A (100%) diagrama de barras horizontais escala constante. inf. 10% de escala constante.
reduzida raro baixa
0255075100 0255075100
pág. 25 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
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Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López
2004 Altitude: Inclinação: Exposição: Pendente:
convexa 100 360º Freq. 55% 100 850 m 10 Freq. 36% 750 315º 10 45º concava ausência Freq. 9% 1 650 1 550 Freq. 0 % 0,1 450 270º 0,1 90º 350 250 regular patamares 150 225º 135º 50 180º 0255075100 irregular
Perturbações: Habitat (Directiva 92/43/CEE):
seca 30 queda pedras geada 20 erosão flora alóctona 10 leito cheia outra fauna 0 sem 2260 2270 3140 3160 3170 3260 3270 3280 3290 4030 6220 6310 6420 8220 9320 9340 91B0 92D0 act.agricola int. insectos Estratificação:
sup. 200 act.agricola mod. 0,1 10,1 150 pastoreio ausência pertubação 75
extração de areias açude/represa 25 acção de máquinas águas poluídas 5 fogo corte veget. freq.humana 0 255075100
Dimensão da população (D): Agregação: continuo
sup. 1000 mosaico 250 - 1000 100 - 250 isolados 50 - 100 0 25 50 75 100 30 - 50 Ordenação triangular Associatividade: inf. 30 D (100%) tapetes 0255075100 mosaicos moitas grandes tufos isolados
0255075100
Recobrimento (R): Área (A):
sup. 75 % extensaalta 50 - 75 % 25 - 50 % média 10 - 25 % R (100%) A (100%) intermédia inf. 10% reduzidabaixa raro
0 25 50 75 100 0 25 50 75 100
pág. 26 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López 2001 Altitude: Inclinação: Exposição: Pendente: convexa 450 m 360º 100 100 400 Freq. 66.6% 350 10 Freq. 33.3% 315º 10 45º 300 concava ausência 250 Freq. 0 % 1 1 200 0.1 150 270º 0.1 90º 100 50 regular patamares 0 25 50 75 100 225º 135º
180º irregular
Perturbações: Habitat (Directiva 92/43/CEE): seca queda pedras geada 40
erosão flora alóctona 20
leito cheia outra fauna 0 sem 3140 3160 3170 3260 3270 3280 3290 4030 6310 6420 8220 9320 9340 91B0 92D0 act.agricola int. insectos Estratificação:
sup. 200 act.agricola mod. 0.1 10.1 100-150 pastoreio ausência pertubação 50-75
extração de areias açude/represa 10-25 acção de máquinas águas poluídas inf. 5 fogo corte veget. freq.humana 0 255075100
Dimensão da população (D): Agregação: continuo
sup. 1000 mosaico 250 - 1000 100 - 250 isolados 50 - 100 30 - 50 0 25 50 75 100 in f. 30 Ordenação triangular Associatividade: D (100%) 0255075100 tapetes mosaicos moitas grandes tufos isolados
0 25 50 75 100
Recobrimento (R): Área (A):
sup. 75 % extensaltaa 50 - 75 % 25 - 50 % intermédimédiaa 10 - 25 % R (100%) A (100%) inf. 10% baixa raro 0 25 50 75 100 0 25 50 75 100 pág. 27 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004
3.1.2 CARACTERIZAÇÃO CLIMÁTICA
Até ao momento temos considerado os factores intrínsecos às populações e ao seu entorno imediato mas não podemos esquecer que os organismos vivos são dependentes de factores ambientais (Font Quer, 1954). O nível de dependência entre a espécie em concreto e o ambiente determinará a sua área de distribuição e o sucesso da espécie em cada local.
3.1.2.1 Metodologia
A partir dos modelos climáticos propostos por Sánchez-Palomares et al., (1999) e das localidades registadas a partir de herbário ou de bibliografia (figura 2), calculou-se a tolerância em relação à temperatura e à precipitação de N. cavanillesii. Para cada mês do ano foi calculada a média da temperatura e a média da precipitação de todas as localidades. A figura 8 ilustra a evolução mensal destes parâmetros assim como, a sua oscilação (SD) entre as diversas localidades
100 200 90 180 80 160 70 140
60 120
50 100 40 80 Temperatura (ºC)
30 60 Precipitação (mm) 20 40 10 20
0 0
o o ir io h o o ro rço ul st br b reiro a Abril Ma J tu M Junho go em u embro Jane eve A v F et O S No Dezembro
Figura 8. Limites da temperatura média e precipitação ao longo do ano, nas localidades de N. cavanillesii. As linhas verticais representam o desvio padrão entre as localidades.
3.1.2.2 Resultados e discussão
N. cavanillesii tolera uma oscilação média de temperatura de ca. 15º entre o mês de Janeiro e o mês de Agosto. Pode-se constatar um enorme paralelismo entre as populações ao longo do ano pois o desvio padrão mantém-se muito constante; a única excepção ocorre em Julho, onde apresenta maior amplitude. pág. 28 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
Museu Nacional História Natural. Jardim Botânico Junho 2004 A pouca variabilidade em temos de temperatura contrasta com a enorme variação de precipitação e dos seus desvios ao longo do ano. A precipitação média oscila entre os 120 mm em Dezembro e os 1.5 mm em Julho. A dispersão dos valores de precipitação é maior em Dezembro sendo considerável durante o Outono e o Inverno. Baseando-nos nos valores obtidos para esta caracterização podemos calcular a zona da Península Ibérica que cumpre estas condições. Podemos determinar a área geográfica onde ocorre em cada mês o limite de temperatura e o limite de precipitação. Os intervalos dos valores considerados são os seguintes: Precipit. media - SD Precipit. media + SD Temp. media - SD Temp. media + SD Janeiro 68.8 162.4 AND 9.37 11.12 Fevereiro 61.0 151.6 AND 10.33 11.90 Março 63.2 144.8 AND 12.18 13.86 Abril 36.3 92.5 AND 14.42 16.16 Maio 26.6 69.7 AND 14.42 16.16 Junho 12.5 25.5 AND 14.42 16.16 Julho 0.62 2.8 AND 23.95 26.82 Agosto 2.9 6.3 AND 24.29 26.60 Setembro 15.6 36.9 AND 21.85 23.90 Outubro 55.8 100.6 AND 17.58 19.40 Novembro 62.8 133.6 AND 12.81 14.48 Dezembro 70.0 177.6 AND 9.41 11.54
Figura 9. Em amarelo apresenta-se a área geográfica que cumpre os condicionantes de temperatura e precipitação. As localidades de N. cavanillesii apresentam-se em vermelho. Da sobreposição excludente (AND) de estas 12 camadas resulta a figura 9. A partir desta caracterização elementar das condições necessárias para N. cavanillesii podia-se esperar
pág. 29 Salvaguarda de Narcissus cavanillesii A. Barra & G. López como medida de minimização da construção da barragem do Alqueva. Relatório Final (Marques et al., 2004)
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que a sua presença em Portugal fosse maior ao longo do vale do Guadiana. Por outro lado, o litoral Mediterrâneo parece reunir também as condições para esta espécie embora não se encontre referida para esta zona do levante peninsular.
3.1.3 ASPECTOS PORMENORIZADOS DAS POPULAÇÕES PORTUGUESAS
Até ao momento foram realizadas caracterizações gerais das populações, baseadas nas suas localidades. O facto de se poder realizar estudos mais aprofundados nas populações nacionais permite uma maior compreensão destas populações. Mesmo assim, os estudos realizados em ambas populações portuguesas não foram os mesmos, pois cada uma delas apresenta particularidades diferentes e problemas diferentes.
A população de Ajuda, nomeadamente o núcleo situado sobre o tabuleiro, encontra-se submetida a uma pressão humana considerável, pela contínua afluência sobre o tabuleiro compactando o solo e aumentando o pisoteio dos indivíduos. Por outro lado, o facto de estar sobre o tabuleiro impede o acesso do gado a esta população evitando a sua predação. Por estes ou por outros motivos este núcleo apresenta a maior densidade de indivíduos reprodutores (157 indivíduos rep./m2) de todas as populações visitadas ao longo do projecto. Todas estas particularidades e a possível recuperação da ponte levou a considerarmos o tabuleiro como um núcleo de particular valor para N. cavanillesii, mas altamente ameaçado por umas obras indeterminadas que poderiam supor a perca de grande parte da população. Neste sentido foi realizado um levantamento visando obter as características que poderiam explicar a elevada densidade de indivíduos sobre o tabuleiro. As características registadas foram: