Universidade Estadual de Campinas

Recursos musicais idiomáticos de Toninho Pinheiro- transcrições e análises de obras gravadas entre 1963 e 1972

Relatório final de Projeto de Iniciação Cientifica PIBIC/CNPq Submetido à Pró-Reitoria de Pesquisa

Aluno: Paulo Henrique Vicente da Silva RA:204423 Orientador: Prof. Dr. Leandro Barsalini

vigência: agosto de 2018 a julho 2019

Campinas, 2019 Introdução Antônio Pinheiro Filho (São Paulo, 1938-2004), popularmente conhecido como Toninho Pinheiro, foi um baterista que integrou grupos com grande expressividade na cena musical brasileira. Junto a esses grupos, e acompanhando renomados cantores, principalmente das décadas de 1960 e 1970, realizou importantes trabalhos e gravações, a exemplo do cantor e pianista Dick Farney, com quem trabalhou durante dezessete anos. Também foi membro do trio do pianista Manfredo Fest, do Jongo Trio (junto a Cido Bianchi ao piano e Sabá no contrabaixo-acústico), do Som Três (com César Camargo Mariano no piano e Sabá), do Grupo Xamã (com Walter Aride no piano e Karlãum no contrabaixo- elétrico), e acompanhou os cantores, músicos e intérpretes , Wilson Simonal, Jair Rodrigues, Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro, Márcia, Eduardo Gudin, João Bosco, Lúcio Alves, Lito Robledo, Arismar do Espírito Santo, Alexandre Mihanovich, Helton Medeiros, Pedrinho Mattar, Pery Ribeiro, Jane Duboc, Vânia Bastos, Hector Costita, Aloísio Pontes, , entre outros. Toninho Pinheiro foi figura importante na história da música e no desenvolvimento da bateria brasileira. Esteve presente e ativo em um período de transição muito importante marcado pela divisão, multiplicação e transformação da linhagem original da bossa nova que, influenciada direta ou indiretamente por aspectos e características do jazz e do be-bop, sofreu sensível mudança em sua concepção. Um dos fatores importantes como fruto de tal influência, foi o surgimento de muitos trios instrumentais, como bem descreveu Alexandre (2009, p. 56):

Entre 1962 e 1965 eles se espalharam que nem gripe, praticando uma espécie de radicalização do lado mais virtuoso e jazzístico do movimento. O estopim foram os chocantes shows do Tamba Trio no Beco das Garrafas, no final de 1961, que despertou todos aqueles músicos que por lá gravitavam para algo que até́ então não lhes havia ocorrido. O Tamba, formado originalmente por Luiz Eça (piano), Bebeto Castilho (contrabaixo e flauta) e Hélcio Milito (bateria), subverteu o papel dos grupos instrumentais da época, que até́ então se limitavam a acompanhar os cantores, e os trouxe para o centro das atenções, como na escola do bebop. Aliás, o jornalista Robert Celerier, do Correio da Manhã̃, definiu aquela nova escola como “hard bossa-nova", muito mais agressiva do que o som de João Gilberto, intrincada, técnica, urbanoide, nervosa e definitivamente exibicionista. Depois do Tamba vieram o Bossa Três (Luis Carlos Vinhas no piano, Tião Neto no baixo e na bateria), os trios de Sergio Mendes, Tenório Jr. e Dom Salvador e em São Paulo, o Zimbo Trio, o Sambalanço Trio e os trios de Manfredo Fest, Pedrinho Mattar e vários outros. Aliás, São Paulo foi a terra prometida para os trios instrumentais, com festivais, casas de shows e gravadoras empenhadas no estilo, e também o torrão do mais efêmero e bem-sucedido de todos os grupos: o Jongo Trio, que teria ligações formais com Simonal, como veremos adiante. O baterista, através de sua vasta experiência tocando nas noites paulistanas, desenvolveu uma maneira nova e diferente de tocar música instrumental brasileira, carregando consigo peculiar linguagem no instrumento. O fato de ter tocado por muitos anos com o pianista e cantor Dick Farney, que segundo Júlio Medaglia no livro Balanço da Bossa do autor Augusto de Campos, por ser ele um dos bons executantes de jazz no Brasil, aponta para uma definição de que Toninho incorporou em seu vocabulário musical elementos da música norte-americana e era tido como um jazzista tocando música brasileira. Com seu conjunto Jongo Trio, alcançou rapidamente muito prestígio, sendo que com menos de um ano de formação já haviam realizado temporadas acompanhando o compositor e violonista Baden Powell, e estado ao lado de Elis Regina e Jair Rodrigues no Teatro Paramount nos célebres shows ocorridos nas noites de 9,10,11 de abril de 1965, shows que resultaram na gravação do disco 2 na bossa, que vendeu mais de 200 mil cópias, tornando- se o disco de música brasileira mais vendido da história, até então. O conjunto conseguiu com sucesso emplacar em rádios cariocas, faixas de um álbum próprio, de título Jongo Trio gravado em 1965, um feito inédito para conjuntos paulistas, fazendo do trio o principal conjunto da época como descrito no livro Chega de Saudade de Ruy Castro (1991, p. 372).

O Jongo Trio era um milagre...Ninguém poderia imaginar que ainda pudesse surgir algo espetacular sob os céus da Bossa Nova no departamento trios. (…) Eles, os trios, tiveram o seu momento de glória e contribuíram para que se ouvisse música instrumental como nunca no Brasil, um país tradicionalmente surdo a qualquer coisa que não seja cantada.

Os recursos idiomáticos desenvolvidos por Toninho Pinheiro podem ser observados na performance de muitos bateristas da atualidade, e este trabalho tem como principal objetivo apontar tais elementos presentes nas execuções do baterista. O adequado entendimento, o estudo e aprendizado da linguagem que Toninho desenvolveu usando a bateria não somente como um instrumento acompanhador e coadjuvante, mas com intensa interação e protagonismo na música, contribui grandemente para o desenvolvimento dos estudantes e interessados da área. Na primeira etapa do projeto, nos primeiros seis meses, realizamos intensa leitura de bibliografia que nos permitisse acumular referencial histórico sobre o período que abordado nesta pesquisa, bem como a transcrição de três músicas, “Na Baixa do Sapateiro”, "O Bolo", "Seu Chopin, Desculpe", além da transcrição e análise da canção "Tereza da Praia". Na segunda etapa da pesquisa empreendemos transcrições e análises de “O Morro não Tem Vez”, "Ah, se eu Pudesse", e "Outra Vez". Durante a realização desta etapa do processo, músicas previstas para serem trabalhadas no projeto inicial, como "Menino das Laranjas", "Ta Engrossando" e "Balanço nº1" foram descartadas, e substituídas por "O Bolo" e "Na Baixa do Sapateiro". Tais mudanças ocorreram por terem discordante essência musical com as demais obras transcritas até o presente momento, não contribuindo efetivamente para o objetivo específico deste projeto de pesquisa. É importante, porém, ressaltar a importância destas obras na produção artística do músico.

Análises O modo aparentemente simples que o baterista toca apresenta diametralmente dificuldade em traduzir a essência da performance do músico, principalmente se utilizadas as ferramentas usuais de análise, que se baseiam na tradição escrita. Pretende-se à partir de excertos fundamentar ainda mais elementos que possam contribuir no esclarecimento das medidas tomadas pelo músico, de modo que este trabalho tenha real significância no processo de entendimento e aprendizado da bateria inserida na música popular brasileira.

 Tereza da Praia

Em análise direta e ampla sobre a performance musical de Toninho na canção "Tereza da Praia” observa-se, via a manutenção de padrões rítmicos, sonoridade, dinâmica e clara linearidade, que o baterista desempenha a função de músico acompanhador. Nota-se que sua performance é livre de interferências mais marcantes e, executando-a em extrema interação com o contrabaixo acústico, torna-se base sólida e consistente para a expressividade pretendida pelo intérprete. Durante toda a execução da música o baterista opta por uma sutil variação nas figuras tocadas nos pratos (ride e chimbal), um adorno que utiliza sempre da mesma maneira, reforçando o seu comportamento linear. São somente duas as combinações usadas, (fig.1,2). A manutenção de um mesmo padrão rítmico, estabelecido através da orquestração entre chimbal e bumbo, está presente em quase todas as sessões da música, com exceção da ponte, compassos 39 ao 54, onde o baterista conduz no ride ao invés do chimbal. É neste momento que acontece um especial instrumental, não vocal. O aro da caixa, tocado com baqueta convencional de madeira, é desenvolvido livremente dentro de diferentes combinações do teleco-teco (fig.3), exceto em algumas sessões da música, como na saída da parte B para refrão, na passagem do refrão para a ponte com metais e da ponte dos metais para a sessão com cordas, onde o baterista opta em utilizar sempre a mesma célula rítmica. Tais trechos geralmente são percebidos como espaços que podem ser preenchidos com algum tipo de frase mais elaborada, como por exemplo um fill. Porém, a utilização de uma mesma figura em partes distintas e desempenhando função semelhante – a de mudança de sessão – reforça a forma clara e consistente de como o baterista conduz. A escolha do baterista em utilizar na mão direita uma vassourinha, torna claramente perceptível a manutenção de intensidade no toque do chimbal e no ride. A constância apresentada projeta na música sensação de estabilidade e fluidez, que soa eficiente e adequado na canção “Tereza da Praia”, de andamento lento (colcheia = 104). É possível também notar linearidade na condução ao identificar que durante toda a música não se é tocada nenhuma nota em outras peças que compõe o instrumento, além do bumbo, aro de caixa, chimbal/ride. Isso se reflete também na escassez de acentuações nas notas tocadas no chimbal. Nota-se que apenas as faz de forma padronizada e repetida nos compassos de passagem da seção B para o refrão, nos dois seguintes (compassos 30 e 31) e no final do refrão (compasso 38). No compasso 63 onde ocorre nova, porém discreta, variação. Verifica-se a acentuação do chimbal reforçando a exata rítmica executada pela voz.

Figs.1,2: Transcrição dos compassos 3 e 10 da bateria em Tereza da Praia. Variação de condução característica de Toninho Pinheiro.

Fig.03: Transcrição do padrão de teleco-teco.

• O Bolo Na música "O Bolo" o baterista utiliza em sua mão direita uma vassourinha e na mão esquerda uma baqueta, tipo de combinação geralmente para se tocar com a baqueta no aro e com a vassoura na pele caixa, produzindo um som semelhante a de um chocalho. No entanto, num primeiro momento, no decorrer da introdução, o músico utiliza a vassoura tocando apenas o chimbal e em sua cúpula, o que traz certa delicadeza. No segundo momento, dado início a melodia, Toninho passa a tocar o chimbal com a vassoura e o aro da caixa com a baqueta. Esta ordenação possibilita-o executar os acentos juntamente com os desenhos rítmicos que faz no aro da caixa sem causar a sensação de quebra do ritmo e em volume adequado. Durante toda primeira parte da canção, compasso 9 a 22, não ocorre nenhuma aplicação em outas peças do instrumento além do chimbal, aro de caixa e bumbo, que mantém a mesma célula rítmica, legitimando o comportamento regular do baterista. Nos compassos 23 e 24 (fig.4) o conjunto executa uma convenção, que se repete na reexposição do tema, compassos 87 e 88 (fig.5) e Toninho realiza com muito espaço e clareza o crucial. Os desenhos rítmicos que acontecem no aro da caixa, como em "Tereza da Praia", são variações do padrão teleco-teco (fig.3). Interessante ponto vê-se nas preparações que o baterista faz, nos compassos 8, 40 e 80 (fig.6), simples, todavia eficazes. Ao longo do improviso do piano a instrumentação utilizada é mais convencional, baqueta no aro e vassourinha na pele da caixa. Neste momento, com a mão direita na caixa ao invés do chimbal, o pé esquerdo passa a compor com o bumbo a célula padrão do samba (fig.7). Ao final do solo a mesma ideia da introdução é executada. Terminada a sessão do improviso a bateria torna a conduzir no mesmo sentido da primeira parte da música gerando um novo ponto a ser tratado. No compasso 93 ele reproduz única variação de condução que é exatamente a mesma variação que o músico apresenta em "Tereza da Praia" (fig.1), revelando elemento característico do músico. Os oito compassos que encerram a obra têm o mesmo motivo rítmico e de orquestração apresentado durante a introdução, outra vez evidenciando o comportamento modesto de Toninho.

Figs.4 e 5. Transcrição dos compassos 23, 24, 87 e 88 da música O Bolo. Exemplo de comportamento do baterista ao realizar uma convenção.

Fig.6. Transcrição dos compassos 8, 40 e 80 da canção O Bolo. Exemplo de preparações aplicadas por Toninho Pinheiro.

Fig.7. Padrão de samba executado entre bumbo e chimbal.

• Ah se eu pudesse e Outra Vez As canções " Ah, Se eu Pudesse" e "Outra Vez" são parte do mesmo disco, Manfredo Fest- Bossa Nova-Nova Bossa, gravado em 1963, possivelmente a razão de terem o mesmo clima musical, ainda que dispondo de formações distintas. Na primeira, ouvimos piano, orgão, contrabaixo acústico bateria e percussão; já na segunda, orgão, contrabaixo acústico, saxofone, flauta e bateria. Toninho Pinheiro toca as duas músicas utilizando-se de um par de vassouras e, diferente de todas as outras peças analisadas, o baterista não conduz empregando uso do grupo de quatro semicolcheias no chimbal ou ride, mas desta vez propõe uma condução "picotada". A escolha por vassouras ao invés de baquetas leva a crer que o baterista, com isso, pudesse ter condição de tocar com controle da dinâmica, empregando quando necessário maior volume, sem prejudicar a fluidez do samba. A presença de um instrumento de percussão faz com que Tonhinho realize menos variações no aro da caixa e novamente conseguimos notar a capacidade do músico possibilitar um ritmo consistente - mesmo não fazendo as quatro semicholcheias - ao constatarmos que, de maneira sistemática, toca compasso sim outro não as cabeças dos tempos (fig.8), ou quando executa de maneira clara uma transição, como exemplo compassos 36 e 37.

Fig.8. Transcrição de excerto, compassos 6 ao 17, da música Ah, Se eu Pudesse. Emprego de notas tocadas nas cabeças dos compassos possibilitando a manutenção consistente do ritmo. Ocorre nesta canção mesma variação de chimbal, no compasso 19 (fig.09) presentes em "Tereza da Praia" e em "O Bolo".

Fig 09. Transcrição do compasso 09 da canção. Variação de condução característica de Toninho Pinheiro.

Na música "Outra Vez" com a ausência de outro instrumento rítmico é notório que o baterista reage diferente, executando mais variações, não significando que em sua performance não tenha consistência e padrões recorrentes como, por exemplo, ao inserir um grupo de quatro semicolcheias, em diferentes momentos deixando claro as pulsações. A grande liberdade com que Toninho toca com as mãos torna-se possível e alicerçada pelo padrão adotado nos pés quase sem nenhuma alteração.

 Na Baixa do Sapateiro Nesta música Toninho Pinheiro novamente utiliza uma vassoura na mão direita e baqueta na mão esquerda. A condução realizada no ride é muito consistente e ele toca o grupo de quatro semicolcheias com sonoridade e dinâmica constantes, ocorrendo diferente acentuação em apenas dois momentos da canção, nos compassos 47 e 68. Este modo de condução contribui para que a música que tem andamento lento, colcheia = 90, não soe “arrastada”, além de causar no ouvinte sensação de solidez. O baterista não recorre nenhuma só vez a outras peças do instrumento a não ser o prato (ride), aro de caixa, bumbo e chimbal tocado com o pé esquerdo, apontando novamente para uma performance estável. Os desenhos rítmicos utilizado pelo músico no aro da caixa são mais espaçados, porém igualmente aos das demais músicas tratam-se de combinações do teleco-teco (fig.3). As variações de condução realizadas pelo performer concentram-se entre o bumbo e chimbal. Na primeira parte da música, introdução e a exposição do tema são feitas de maneira linear adotando o padrão de samba (fig.7), com apenas discretas aberturas de chimbal. Já na segunda parte que se inicia no compasso 33 e encerra-se no compasso 36, Toninho faz com o pé esquerdo duas colcheias por tempo deixando o groove ainda mais firme (fig.10). Nos compassos 41 ao 44 e no final, compassos 64,65,66, apresenta nova figura de chimbal tocando apenas a segunda semicolcheia (fig.11). Interessante é observar que o comportamento do contrabaixista Sabá durante toda a música é conduzindo de maneira a tocar as cabeças dos tempos deixando evidente qualquer variação rítmica realizada pelo baterista e ou pianista. Tal atitude não permite nestes momentos que a manutenção do ritmo e a estabilidade do groove sofra prejuízos.

Fig.10. Transcrição dos compassos 33 ao 36 da música Na Baixa do Sapateiro. Maneira como o baterista utiliza o chimbal tocado com o pé para conferir firmeza ao groove de samba.

Fig.11. Transcrição dos compassos 41 ao 47 da bateria em Na Baixa do Sapateiro. Variação de chimbal característica de Toninho Pinheiro.

 O Morro não Tem Vez Toninho faz nesta música a condução das quatro semicolcheias na caixa incorporando no segundo tempo de cada compasso o surdo, lembrando o samba cruzado. A célula rítmica que o baterista executa é frequente, com discretas alterações, mesmo assim recorrentes, como por exemplo quando o tom é executado na segunda semicolcheia (ex: compassos 11,35,42..). Na transição da primeira parte para a seguinte, compasso 22, o músico efetua uma preparação bastante clara e coerente com a proposta de condução de toda a música, utilizando-se de um grupo de quatro semicolcheias distribuídas nos tambores, o que acontece de maneira diferente, porém com mesma intenção nos compassos 31,81 (fig.12). Diferenciando a primeira da segunda parte, a condução passa a ser feita no chimbal. A forma com que ele busca manter os acentos não faz com que a ideia de samba cruzado, com forte apoio no tempo dois, desapareça. Após o solo de piano no transcorrer de cinco compassos (74 a 78) a levada é feita no ride, caixa e ton recurso muito utilizado no samba aberto no prato (fig.13).

Fig.12. Transcrição dos compassos 22 de O Morro não Tem Vez. Exemplo de comportamento do baterista ao realizar uma preparação.

Fig.13. Transcrição dos compassos 74 ao 78 de O Morro não Tem Vez. Exemplo de aplicação de samba aberto.

 Seu Chopin, Desculpe A música de Jonhy Alf foi interpretada pelo conjunto Jongo Trio, que conta com a performance de Toninho na bateria e voz. Aparentemente a canção vale-se de pontos pré- definidos como: forma, pontes, tamanho do solo etc. Mesmo nestas circunstâncias é perfeitamente possível perceber elementos característicos do baterista por exemplo as preparações contidas nos compassos 24,58,62, todas descomplicadas e funcionais (fig.14). Ponto inconfundível se apresenta na maneira que o músico conduz no chimbal, aro de caixa e bumbo com sonoridade, equilíbrio e constância. O estilo despretensioso do artista revela-se ao constatarmos, nos compassos 31 ao 38, como Toninho varia muito pouco nas figuras rítmicas e nos preenchimentos da passagem, de modo a tornar estável e apropriada a execução do trecho pelo conjunto. Figura semelhante pode ser ratificada em momentos de complementação no transcorrer da peça como exemplo nos compassos 52,71 e 73. Igualmente ocorrido na música anterior, O Morro não Tem vez, o baterista executa em pequeno excerto de oito compassos uma levada de samba aberto utilizando-se do ride, caixa aberta e tom (fig.15).

Fig.14. Transcrição dos compassos 24, 58 e 63 de Seu Chopin, Desculpe. Exemplo de preparações aplicadas por Toninho Pinheiro.

Fig.15. Transcrição dos compassos 47 ao 54 da música Seu Chopin, Desculpe. Exemplo de aplicação de samba aberto. Conclusão Ao realizar as transcrições, foi possível notar na performance de Toninho Pinheiro uma grande discrição, ao executar pouca ou quase nenhuma variação rítmica, ausência de solos, bem como de qualquer traço de virtuosismo, o que de certo modo parece ser uma contradição, pelo fato do período beneficiar e valorizar tais elementos. Tal postura adotada pelo músico, aponta que as tomadas de decisão do baterista atendiam ao único propósito de servir e tocar exatamente em função de contribuir para o “todo", o grupo. Além de apresentar um quadro de contraste: por um lado, o ambiente musical propício e sedento por inovações na busca pela livre expressão por parte de músicos instrumentistas, e por outro o comportamento musical de Toninho Pinheiro ao submeter sua liberdade de criação e interação ao emprego de uma performance combinada a qualquer contexto no qual fosse solicitado para trabalhar, o que aparentemente imprimia certo ar de simplicidade ao toque do baterista. Durante o período da pesquisa, aconteceram conversas com alguns músicos que conviveram e trabalharam com Toninho durante sua carreira, e foi tônica a resposta sobre qual era, na opinião de cada um, o ponto forte do músico. Para César Camargo Mariano, pianista de um dos conjuntos de Toninho, o Som/3, “... sua grande preocupação sempre foi o “som" do grupo em que estava tocando. Sua consciência de combo era muito grande. Ele odiava aparecer mais que os outros. Sempre discreto, modesto e generoso, se entregava e contribuía muito para com a música que pretendia fazer, independente do gênero ou estilo - do jazz ao samba cruzado”. Já o pianista do renomado grupo Zimbo Trio, Amilton Godoy, descreve as qualidades musicais de Toninho Pinheiro, como quem tinha controle absoluto do volume e maestria com que conseguia se "encaixar" em qualquer grupo. Outro importante ponto de vista sobre a maneira de tocar do baterista vem do contrabaixista Lito Robledo, com quem Toninho trabalhou e conviveu intensamente: "Toninho não é um baterista pra se ver tocar e sim pra se ouvir". A música popular brasileira continua em transformação, divisão e multiplicação. Para os músicos, protagonistas nesta cena, sempre será desafiador procurar, encontrar e fazer progresso em seu lugar de atuação. Toninho Pinheiro encontrou e foi muito bem-sucedido no que se propôs a fazer. Conduzia, servia e conseguia fazer com que qualquer música em que ele tocasse soasse extremamente agradável, adequado e com peculiar sabor. Ouvir, analisar e realizar este trabalho reforçou em mim o cuidado que o músico deve ter com a música, colocando todo seu interesse em contribuir para que a música atinja seu principal objetivo que é de comunicar e emocionar quem conhece ou não seus significados. Bibliografia ALEXANDRE, Ricardo. Não vem que não tem: A vida e o veneno de Wilson Simonal. São Paulo: Ed. Globo, 2009. BARSALINI, Leandro. As Sínteses de Edison Machado: um estudo sobre odesenvolvimento de padrões de samba na bateria. Dissertação de Mestrado - Universidade Estadual de Campinas, SP, 2009. BERGAMINI, Fábio. Márcio Bahia e a “Escola do Jabour". Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Campinas, SP, 2012. CASACIO, Lucas Baptista. Helcio Milito: Levantamento histórico e estudo interpretativo. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Campinas, SP, 2012. CASTRO, Ruy. Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa Nova. São Paulo: Companhia da Letras, 2008. CIRINO, Giovanni. Narrativas Musicais: performance e experiência na música instrumental brasileira. Dissertação (Mestrado Antropologia Social) São Paulo: USP, 2005 COOK, Nicholas. Entre o processo e o produto (trad. Fausto Borém). Per Musi – Revista Acadêmica de Música. Belo Horizonte, n. 14, 05-22, 2006. DAMASCENO, Alexandre. A batucada fantástica de Luciano Perrone: sua performance musical no contexto dos arranjos de Radamés Gnattali. Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Campinas, SP, 2012. FAVERY, Giba. “Análise de Estilo – Toninho Pinheiro”. Modern Drummer. São Paulo: Melody Editora, no. 79, junho 2009. MARQUES, Guilherme. Airto Moreira: do sambajazz à música dos anos 70 (1964-1975). Dissertação de Mestrado – Universidade Estadual de Campinas, SP, 2012. MACHADO, Cristina Gomes. Zimbo Trio e o Fino da Bossa: uma perspectiva histórica e sua repercussão na moderna música popular brasileira. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2008. MELLO, Zuza Homem de. A Era dos festivais: uma parábola. São Paulo: Editora 34, 2003. PELLON, Oscar Luiz Werneck (Oscar Bolão). Batuque é um privilégio. Rio de Janeiro: Editora Lumiar, 2003.RILEY, John. The Art of Bop Drumming. Manhattan Music, INC. 1994. ______. The Jazz Drummers Workshop. Modern Drummer Publications, INC. 2004. Irmãos Vitale, 2008. GOMES, Sérgio. Novos Caminhos da Bateria Brasileira. SARAIVA, Joana Martins, A invenção do Sambajazz: discursos sobre a cena musical de Copacabana no final dos anos de 1950 e início dos anos 1960. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, 2007.

Sites http://www.musicosdobrasil.com.br http://www.discosdobrasil.com.br http://www.dicionariompb.com.br

Agradecimento Agradeço ao CNPq/PIBIC pela bolsa concedida para a realização desta pesquisa, cujos resultados serão expostos via pôster no XXVII Congresso de Iniciação Científica da Unicamp. Anexos  Ah, Se eu Pudesse- Manfredo Fest- Bossa Nova- Nova Bossa (1963)

 Na Baixa do Sapateiro- SOM/3-1966

 Outra Vez- Manfredo Fest- Bossa Nova- Nova Bossa (1963)

 O Bolo- SOM/3-1966

 O Morro não Tem Vez- SOM/3-1966

 Seu Chopin, Desculpe- Jongo Trio- 1965

 Tereza da Praia- Dick Farney-Penumbra Romance-1972