Educação 15(2):115-123, maio/agosto 2011 © 2011 by Unisinos - doi: 10.4013/edu.2011.152.03 Um pensador do Brasil na Primeira República: uma análise das interfaces entre Estado, raça e educação em Oliveira Vianna

A thinker in the First Republic of Brazil: An analysis of the interfaces between the state, race and education according to Oliveira Vianna

Jean Carlo de Carvalho Costa [email protected]

Resumo: O objetivo deste ensaio é argumentar em torno da importância que, nos dias de hoje, é atribuída à “redescoberta” do nacional no pensamento social contemporâneo. Esse processo de atribuição de importância ao nacional tem ocorrido em esfera mundial e tem afetado a produção local. Na esteira desse processo de busca de “autoentendimento” é possível identificar como “alvo” autores relevantes em sua época, marginalizados a posteriori e hoje centrais para entender o processo de construção do nacional e do papel da educação nessa configuração. Na esfera local, um dos principais intelectuais é Oliveira Vianna. A orientação central do artigo é compreender a natureza de alguns dos elementos constituintes da compreensão do nacional e da educação nesse autor, que, por vezes, é associado ao pensamento autoritário brasileiro. A partir de categorias analíticas por ele introduzidas, “clã” e “insolidarismo”, argumenta-se em torno da contemporaneidade de sua crítica ao Estado e o papel derivado daí relativo à educação.

Palavras-chave: itinerários intelectuais, primeira república, formação nacional, educação.

Abstract: The article discusses the importance that is currently ascribed to the “rediscovery” of national identity in contemporary social thought. This process of attributing importance to the national identity has taken place throughout the world and has affected the local production. In the wake of its search for “self-understanding”, this process focuses on authors who were central in their time and were later marginalized, but today are key to understanding the process of construction of the national identity and the role played by education in it. At the local level, one of such leading intellectuals is Oliveira Vianna. This paper tries to understand the nature of some of the elements of the understanding of the national identity and education by this author, who is sometimes associated with Brazilian authoritarian thought, due to analytical categories introduced by him, such as “clan” and “lack of solidarity”. It deals with the contemporariness of his critique of the state and the role of education derived from it.

Key words: intellectual careers, first republic, national formation, education. Jean Carlo de Carvalho Costa

E pois que, Senhor, é certo que Barboza Filho, 2000; Alonso, 2002; ralista” proporcionada pela obra de tanto neste cargo que levo como Chacon, 2005; Reis, 2006; Weffort, Gilberto Freyre (1900-1987), em em outra qualquer coisa que de 2006) e, por outro, trabalhos volta- especial, o seu livro Casa-Grande vosso serviço for, Vossa Alteza há dos à compreensão do pensamento & Senzala, a “Paideia” de nosso de ser de mim muito bem servida, e da contribuição de intelectuais Werner Jäger dos trópicos (Chacon, a Ela peço que, por me fazer sin- “menores”, indigitados em seus 2001). No intervalo que compreende gular mercê, mande vir da ilha de contextos de origem que, por razões as últimas décadas do século XIX São Tomé a Jorge de Osório, meu variadas, foram conduzidos a certo e meados da década de 1910, as genro – o que d’Ela receberei em ostracismo histórico (Aguiar, 2000; tentativas de interpretar o nacional muita mercê. Botelho, 2002, 2007; Schneider, são conduzidas a partir da possibi- Beijo as mãos de Vossa Alteza. 2005; Brandão, 2007; Bresciani, lidade percebida de articulação dos Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha 2007; Ricupero, 2007). conceitos de raça e meio, com o de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, Essa autorreflexão tem sido objetivo de encontrar uma espécie de primeiro dia de maio de 1500. elaborada por inúmeros grupos via alternativa cujo eixo preservaria Pero Vaz de Caminha constituintes da sociedade que for- a “singularidade sociorracial brasi- jam o que se entende por “nação”, leira”. Entretanto, essas tentativas sendo um desses grupos aquele são guiadas por certa tensão que Em obra hoje clássica, o escritor formado pelos intelectuais. O ar- identificaria uma determinada parte italiano Ítalo Calvino nos convidou gumento desse artigo, guiado pela de nossa intelectualidade, cujo eixo a “ler os clássicos” e nos indagar da contribuição de Oliveira Vianna, bifurca-se entre assimilar a ciência importância deles. Em seu “Por que procura problematizar algumas das da época, realista, naturalista e ler os clássicos” (Calvino, 1993), teses forjadas por esses sujeitos, em pretensamente universalista, a ele- ele argumenta que nenhum livro que particular Vianna, nos contextos mentos idiossincráticos subjacentes fala de outro livro diz mais sobre o específicos em que estiveram pre- à cultura local, não necessariamen- livro em questão. Por um lado, ele sentes e o modo por meio do qual te traduzíveis no logos de então, nos chama a atenção para o fato elas foram por nós apreendidas ao desmembrando-se em uma perspec- de que a crítica subsequente não longo da história; bem como o fato tiva relativamente determinista e de substitui a leitura da obra em um de que elas traduzem uma forma cunho racial, e a busca por soluções instante temporal futuro; por outro, de autoentendimento possível na híbridas que possibilitassem diálogo no entanto, a leitura a partir do olhar contemporaneidade e na gestação com a tradição ibérica e a urgência do presente, inevitavelmente, nos de uma agenda de transformações da modernidade. conduz a esclarecimentos, a deta- de nossas práticas institucionais. No Brasil, o fenômeno nacional lhes, ao desvelamento de elementos Isso porque, se é correto supor que adquire enorme importância, sob a empoeirados ou mesmo nublados a relação das ideias com o mundo égide das preocupações por inserir pelo olhar da historiografia, ou seja, material não é de exterioridade, o país na modernidade ocidental, nos conduz a reconfigurar hipóteses mas, ao contrário, que elas ajudam através do pensamento de intelectu- interpretativas sobre a obra e, qui- a constituir a própria realidade ma- ais brasileiros como José de Alencar çá, identificar os ‘lampejos’ sobre terial, na medida em que mostram (1829-1877), (1839- os quais nos fala Walter Benjamin alguns aspectos estruturadores e 1889), Sílvio Romero (1851-1914), (1892-1940), em clássico ensaio possibilidades de ação, a despeito de (1849-1910), sobre o conceito de história. Alguns encobrir outros tantos, então a crítica Alberto Torres (1865-1917), entre desses “lampejos” têm sido perse- das ideias é uma tarefa conspícua de tantos outros, sendo, no entanto, guidos pelos assim denominados uma ciência social com interesses necessário realçar o maior relevo “intérpretes do Brasil”. Por um lado, críticos (Souza, 2000). a ele atribuído pelos “românticos” pesquisas e “releituras” de impor- Ora, as discussões em relação (Weffort, 2006), ainda que envol- tantes ensaístas brasileiros e suas ao nacional permeiam todo o pen- tos na perspectiva de revestir o teses, muitas vezes, secundarizadas samento brasileiro, destacando-se elemento indígena em “elemento ou seletivamente apreendidas, mais o período que compreende desde o civilizado” e secundarizando o negro uma vez são abordadas e associadas, predomínio da “bricolage de uma na constituição da nacionalidade 116 além disso, ao papel do iberismo na identidade nacional” elaborada pelo brasileira, o qual apenas torna-se formação nacional (Araújo, 1994; romantismo brasileiro (Ortiz, 1994 parte da reflexão sobre a dinâmica Vianna, 1997; Souza, 2000, 2003; [1985], p. 19) até a “virada cultu- social com o advento da abolição e

Educação Unisinos Um pensador do Brasil na Primeira República: uma análise das interfaces entre Estado, raça e educação em Oliveira Vianna com as preocupações em torno de Outra vertente, contrária a certo culo (Bresciani, 2007). Para o leitor reformas sociais mais estruturais “otimismo milenarista” (de Souza, contemporâneo, há “estranheza” no (Alonso, 2007). 2005) que perpassava o pensamento deparar-se com esses itinerários, Ora, verificando o contexto des- de certos autores em relação ao papel atribuindo, muitas vezes, à maioria crito, é possível dizer que duas pers- da raça, era constituída por outros dessas interpretações a sua aparente pectivas relativamente hegemônicas, intelectuais que, mais críticos em “implausibilidade”, guiada através uma delas, à época, “marginal”, relação ao “valor social do mesti- da visão nublada de que a busca e no tocante ao entendimento do ço”, consideravam o cruzamento o seu respaldo eram conquistados nacional, destacaram-se no início racial um verdadeiro perigo para sob a égide do status da ciência do século, tendo o constructo raça a boa saúde do Brasil e da etnici- moderna, cuja função principal foi, predominância no caráter definidor dade branca. Entre eles, talvez o indubitavelmente, tornar o discurso da nacionalidade, cuja consequ- de maior destaque seja Raimundo de então paradigmático e principal ência, haja vista o tipo de teoria Nina Rodrigues (1862-1906), cujas antecessor das ciências sociais no social produzido no período, é uma pesquisas sobre a influência africana Brasil (Ortiz, 1994 [1985]). A des- espécie de ruptura do campo inte- e o sincretismo religioso no Brasil, peito desses intérpretes, creio que a lectual, talvez um dos elementos inovadores estudos etnográficos essa “implausibilidade” é possível explicativos da “marginalização” na época, tenderam a fortalecer as associar uma leitura mais coerente de determinadas interpretações. suas concepções racistas e a crença que preserve a derivação do encontro No pensamento social brasileiro, a na tese da degeneração racial como da tradição com a modernidade, pro- temática em questão foi abordada consequência da mestiçagem. curando compreender, nesse sentido, por alguns dos principais ensaístas No intermédio entre esses dois o impacto que muitas dessas leituras cuja obra, de um modo ou de outro, “Projetos para o Brasil tem-se a “implausíveis” exerceram sobre a inevitavelmente, percorreu as rela- “interpretação dissidente”, seguin- produção de sentido no pensamento ções entre nacionalidade e raça na do expressão utilizada por Ortiz brasileiro, ou seja: busca pela explicação do fenômeno (1994 [1985]), do sergipano Manoel nacional. De fato, por um lado, te- Bomfim (1868-1932). Bomfim, o Os mesmos autores que nos ensinam mos a referência primordial ensaísta “rebelde esquecido” (Aguiar, 2000), a situar os nossos antepassados inte- de influentes intelectuais como o já tem sido, de modo gradativo, espe- lectuais são também os criadores de citado Sílvio Romero (1851-1914), cialmente nos últimos 15 anos, reco- nossos preconceitos na compreensão (1866-1909) e locado entre os “principais intérpre- de sua obra e, se parece inevitável que cada geração faça sua própria Oliveira Vianna (1883-1951) e, de tes do Brasil”, inclusive em posição leitura das obras dos intelectuais modo mais indireto, o famoso en- de enorme inovação, isso porque, em que a precederam, seria desejável saio de Paulo Prado (1869-1943), grande medida, a sua interpretação que ampliasse também as condições “Retrato do Brasil” (1997 [1928]), do nacional e do povo brasileiro é do entendimento tanto da produção especialmente o seu Post-Scriptum, fortemente contrária às perspectivas intelectual criticada como dos marcos que, seguindo princípios e ideias teóricas dominantes no pensamento de que partem seus críticos (Corrêa, evolucionistas e deterministas rela- social da época, isso devido a sua 1998, p. 26). tivas à “degeneração”, “barbárie”, inovadora interpretação do processo “miscigenação” e “enfermidade so- de colonização no Brasil, elegendo Seguindo nessa esteira interpre- cial”, debruçaram-se sobre a proble- o “parasitismo ibérico” como causa tativa, é possível perceber que são mática racial, levando-os, de modo de nosso “atraso”, bem como por sua os efeitos de suas obras no diálogo geral, à crença no princípio de que o crítica precoce à República (Costa, entre as mudanças na teoria social único modo de resolver o problema 2005, 2008) contemporânea e o processo de glo- seria através do cruzamento racial, Essa busca leva os intelectuais a balização, posterior a essa erupção o que desemboca na conhecida um esforço de acercar-se impessoal- ensaísta, que confirmarão ainda “teoria do branqueamento”, uma mente dos objetos e dos indivíduos. mais a sua importância, por um lado, das peculiaridades tipicamente na- Há, do ponto de vista de Maria devido ao fato de que “os contem- cionais, e na ênfase nas políticas de Stella Martins Bresciani, uma “sede porâneos muitas vezes são os piores imigração e de educação, ou seja, em de objetividade” que corresponde intérpretes de uma obra” (Schnaider- direção ao triunfo e à regeneração da aos métodos científicos cada vez man, 2000, p. 9) e, por outro, porque 117 raça branca no país (Ventura, 1991; mais legitimados por sua suposta muitos de seus desmembramentos Schwarcz, 1993). exatidão nas últimas décadas do sé- transformaram-se em programas

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de organização sociopolítica (Bosi, so” brasileiro, como, por exemplo, associados à vertente racista de 1994), como se verá, por exemplo, as ideias de “clã”, “insolidarismo”, teorias e de intelectuais que argu- em Oliveira Vianna, a partir de sua “autoritarismo instrumental” e “de- mentaram sobre a “questão nacional inserção como consultor jurídico no mocracia autoritária”, as quais con- brasileira”, especialmente devido ao Ministério do Trabalho, Indústria e fluíram para uma espécie de “terapia papel exercido no discurso da elite Comércio (MTIC) no governo Var- democrático-autoritária” que, do brasileira, na época, pelo seu posi- gas. O contexto levou, a partir das ponto de vista dele, parecia impres- cionamento acerca da já mencionada tentativas de diagnosticar o “atraso”, cindível à República (Reis, 2006). “teoria do branqueamento”, o “seu a posições à direita e à esquerda, Esse debruçar-se sobre ele foi pé-de-chumbo”, na expressão de muitas vezes, não excludentes; impulsionado pelo fato dos temas do Brandão (2002), isso porque a sua hoje, entendidas como “sintoma do autoritarismo e da democracia se pre- obra, especialmente o tratamento período”. Como nos diz o professor sentificarem na “ordem do dia” àquele da “questão étnica”, organizada e Alfredo Bosi: momento, levando à necessidade de sistematizada na década de 1920, se compreender o porquê da distância pareceu a alguns um “retrocesso” Há uma conexão mais ou menos es- percebida entre o “país político” e (Skidmore, 1976) e a outros, “re- treita entre os seus modos de abordar o “país real” (Weffort, 2006), tanto tardatária” (Leite, 1992 [1954]), ou o Brasil e o nacionalismo sistemático no âmbito de nossas instituições, a mesmo “ridícula” (Candido, 2000 [...], do próprio Estado Novo. É arris- cado, porém, incluí-los genericamente educação sendo uma delas, como [1965]), por ter ele sistematizado e entre os ideólogos da Direita, em razão também em nossas relações interpes- enfatizado um complexo de ideias do colorido opressor, classista e racista soais, onde a ideia de “clã” parece racistas que teriam sido superadas que o termo foi assumindo por força ainda fortemente presente na política pelo progresso alcançado na antro- das vicissitudes políticas do século XX. nacional, tanto nos grandes centros pologia de sua época (Munanga, Representam, em conjunto, um sinto- econômicos como também no inte- 1999). Mais recentemente, Vianna ma da crise do liberalismo jurídico abs- rior do Brasil. Na verdade, a despeito teve o auxílio de José Murilo de trato, da sua incapacidade de planificar das diferenças culturais e políticas Carvalho para sair do “inferno” a o progresso de um povo; e, apesar das que fora enviado (Carvalho, 1991). suas diferenças e mesmo das contradi- existentes entre a sociedade brasileira ções internas de que todos padecem, e outras sociedades ocidentais, creio Hoje, nesse sentido, deriva-se daí significam [...] um passo adiante na que é possível afirmar a existência, ponto de vista cuja análise é rela- construção de uma sociologia do povo nessas sociedades, de períodos em tivamente menos consequente da brasileiro (Bosi, 1994, p. 313). que elas são instadas a pensar sobre força de posições ideológicas que, si próprias, em um processo espira- em certos contextos, nublam uma Ou seja, pode-se dizer que o desdo- lado de apropriação de interpretações interpretação mais adequada. bramento, do ponto de vista estético e sobre si e a consequente gestação de Muitas vezes, o pensamento de ideológico, do modernismo nos anos novas ideias e explicações relativas Vianna foi tratado como se estivesse de 1920, “veio criar condições para às raízes e às possibilidades de sua “fora de lugar”, seguindo intuição aproveitar e desenvolver as intuições emancipação. O “eterno retorno” a clássica de Schwarz (2000). Posi- de um Sílvio Romero, ou um Euclides alguns de nossos intérpretes parece ções “absurdas” encontradas nele da Cunha, bem como as pesquisas de traduzir essa inquietação, ou seja, mais tornaram-se referência no pensa- um Nina Rodrigues” (Candido, 2000 uma vez eis aqui uma intervenção que mento europeu nos anos 40 devido, [1965], p. 123). Além disso, não é à nos leva à inevitável questão de saber em particular, aos seus argumen- toa que é característico do período “por que estamos sempre discutindo tos sobre o processo gradativo de o fato de ele tender ao ensaio, não quem somos, como somos e por que branqueamento prognosticado. No apenas às breves crônicas, como ao somos o que somos” (Oliven, 2002), entanto, algumas de suas noções longo ensaio histórico e sociológico, mais uma vez, “em busca de nosso sobre o Estado moderno, em época que, de certo modo, incorporou o tempo perdido”. de apologia a um Estado mínimo, movimento ao pensamento nacional. parecem ser fundamentalmente Em certa medida, Oliveira Vianna Estado, raça, nação e contemporâneas (Costa, 2002). Ora, aqui se insere, isso porque apenas a educação em Oliveira embora nas críticas elaboradas em partir dos anos 1970 e 1980 é possível Vianna relação aos seus argumentos possa 118 perceber apropriações e exercícios ser percebida certa coerência ao de entendimento de seus textos e de Oliveira Vianna (1883-1951) refletirem as transformações iden- suas categorias-diagnóstico do “atra- talvez seja um dos ensaístas mais tificadas no pensamento social da

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época, especialmente com mais um da sociologia de Oliveira, o fato de des da Cunha (1866-1909), quando “bando de ideias novas” desembar- ele ter deslocado a ênfase atribuída também objetivaram aplicar esses cando no Brasil, acredito, na esteira no Império à escravidão, questão critérios ao entendimento de nossa de alguns de seus intérpretes (Ski- essencialmente política, em certa formação nacional: dmore, 1976), que Oliveira Vianna medida, em direção à propriedade (1883-1951) deve ser tratado como da terra, ao isolado latifúndio, essa Há hoje um grupo de ciências novas, uma espécie de “figura de transi- tendo sobre a formação da sociedade que são de um valor inestimável para ção” entre as teorias sociais que não apenas consequências políticas a compreensão científica do fenôme- no histórico. É a antropogeografia, forneceram a base de sustentação e econômicas, mas, fundamental- cujos fundamentos lançou-os o gran- do “racismo científico” que predo- mente, psicológicas e institucionais, de Ratzel. É a antropo-sociografia, minou antes de 1914 e a filosofia forjando, assim, a sua ideia de uma recente e formosa ciência, em cujas social de cunho “ambientalista” que sociedade “insolidária”, fundada em substruções trabalham Gobineau, se tornou hegemônica após a década um “espírito de clã”, engessada em Lapouge e Ammon, gênios possantes; de 1930, especialmente através da seus particularismos e partidarismos, fecundos e originais. É a psicologia influência da obra de Gilberto Freyre categoria-chave que tem a pretensão coletiva dos Les Bons, dos Sigheles e principalmente dos Tardes. É essa (1900-1987). Além disso, creio que, de ser um diagnóstico do “atraso admirável ciência social, fundada devido à sua ênfase sobre a questão brasileiro” (Gomes, 2009). pelo gênio de Le Play, remodelada étnica, contribuiu para a atribuição Em diversas obras, Oliveira Vian- por Henri de Tourville, auxiliado por de importância à raça e para a sua na (1883-1951) procurou elaborar a uma escola de investigadores brilhan- transformação em elemento de certa sua argumentação acerca do “atraso tes, Demolins, Poinsard, Deschamps, permanência no entendimento da brasileiro”. No entanto, em duas Rousiers, Préville, cujas análises mi- ideia de nação que, nos dias de hoje, delas encontra-se o elemento fulcral nuciosas da fisiologia e da estrutura das sociedades humanas, de um tão ainda permeia as discussões sobre o de seu pensamento, “Populações perfeito rigor, dão aos mais obscuros nacional no Brasil. meridionais do Brasil” (Vianna, textos históricos uma claridade meri- No entanto, creio que o problema 1982 [1920], o seu principal texto, diana (Vianna, 1982 [1920], p. 40). se encontra nos excessos de seus e “Evolução do povo brasileiro” intérpretes em torno dessa questão (Vianna, 1956 [1923]), onde ele De fato, como é possível depre- e na secundarização de outros ele- afirma, na esteira dos intérpretes ender do trecho acima, percebe-se mentos que tornaram um intelectual da época, que buscava “a caracte- a ressonância existente na obra de protagonista no diagnóstico sobre o rização social do nosso povo tão Vianna das teorias raciais da época, “atraso brasileiro”, os quais se en- aproximada da realidade quanto de tal modo que alguns de seus contram atrelados em sua tese sobre possível, de modo a ressaltar quanto intérpretes inclusive atribuem à sua o papel central do “latifúndio” na somos distintos dos outros povos, “ingênua e despropositada confiança constituição do que se entende por principalmente dos grandes povos numa pseudociência racial” (Odalia, sociedade brasileira. Isso é algo que europeus” (Vianna, 1982 [1920], 1997, p. 167) a sua defesa do que já se percebe em Joaquim Nabuco p. 40, grifo nosso). Esse intuito, já ele denominou de “arianismo” e a (1849-1910), décadas atrás, em sua anunciado em seu prefácio, é ainda sua atribuição de importância fun- crítica à “obra da escravidão”, in- bastante influenciado pelas teorias damental aos valores originários tuição que parece alimentar Vianna e métodos das teorias sociais euro- das sociedades pré-capitalistas, daí e que reverbera no pensamento peias da segunda metade do século o papel determinante, como ver-se- de Gilberto Freyre, herdeiro de XIX, lembrando em demasia esse á adiante, dos latifúndios e da zona ambos1. De acordo com Weffort mesmo efeito sobre as obras de rural na constituição do nacional em (2006), essa é a grande novidade Sílvio Romero (1851-1914) e Eucli- sua obra. Por outro, devido a certas

1 De fato, alguns intelectuais criaram esquemas explicativos se utilizando da instituição escravagista como ponto central para propor reformas “para além da abolição”, que justifi cassem a libertação do negro, como, por exemplo, “implementação do trabalho livre”, “universalização da instrução” e a “democratização do solo”, leia-se reforma agrária, que, atreladas aquela, impulsionariam o desenvolvimento e o progresso da civilização. Análises clássicas sobre a abolição e sobre alguns de seus intelectuais protagonistas aludem a nomes como Luiz Gama (1830-1882) e André Rebouças (1838- 1898), e, entre esses, aquele que mais associou notoriedade ela, sem dúvida, é Joaquim Nabuco (1849-1910). Nabuco, além de publicar, em 1883, O abolicionista, livro aquele que, em defi nitivo, trouxe a abolição à agenda política nacional e o tornou peça-chave na libertação dos escravos no país 119 (Alonso, 2007), concedendo-lhe reconhecimento histórico. Nabuco, entre tantos outros que constituíam a intelligentsia nacional, era descendente de uma importante oligarquia pernambucana, que por infl uência o levou ao parlamento como deputado de Pernambuco em 1878 e, conduzido por várias oscilações e contradições, iniciou a gestação de sua trajetória intelectual e, especialmente, política (Alonso, 2007).

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consequências disso, como, por sil e instituindo, do ponto de vista “racionalismo educacional” para exemplo, para ele, o fato de que no sociológico – e daí talvez uma de além da simples alfabetização. Brasil não havia “opinião organiza- suas maiores contribuições – uma Inevitável é perceber que as lei- da”, devido àquele “espírito de clã”, análise do Brasil a partir de sua turas que proliferaram acerca de sua onde no latifúndio “a solidariedade “diversidade” constitutiva, regional: obra atribuíram papel fundamental à vicinal se estiola e morre”, o povo preocupação em articular e conciliar não está suficientemente organizado Devido a essa diversidade na dis- “unidade racial” e “unidade polí- para ter consciência de seus interes- tribuição geográfica das três raças tica”, de tal modo que o elemento ses, daí formadoras, os tipos étnicos regionais racial parece elevar-se a um primeiro não apresentam a mesma unidade plano, e eis aqui a crítica contempo- de caracteres morfológicos, nem a essa educação histórica, esse espírito mesma identidade de temperamento rânea procurando “ir além” dessa de clã, que domina por inteiro a men- e mentalidade: daí a impossibilidade secundarização da própria tradição, talidade das nossas classes inferiores. de enfeixá-los, no ponto de vista da extraindo dele as derivações de sua O camponês, por força do seu instinto antropologia e da etnologia, num concepção de Estado e as implica- de conservação, acerca-se do homem tipo único e nacional (Vianna, 1956 forte local, faz-se o seu cliente, torna- ções que o papel do latifúndio e da [1923], p. 140, grifo do autor). se o seu protegido, o seu camarada, ideia de “clã” têm, por exemplo, nas o seu companheiro, o seu amigo práticas sociais que envolvem as incondicional na boa e na má fortuna Dessa impossibilidade de enfei- relações entre o público e o privado (Vianna, 2005 [1920], p. 227). xá-los, no ponto de vista da antro- (Botelho, 2007); daí imprescindível pologia e da etnologia, num tipo é compreender a sua ideia de nação. Logo, o Estado deve resolver único e nacional, parecem derivar A nação, em Oliveira Vianna, é e remediar tal situação, educando duas posições nas leituras efetuadas constituída de duas dimensões rela- o povo, para que esse venha a ser, por alguns de seus intérpretes acerca cionadas: por um lado, a dimensão nas palavras dele próprio, “a carne, de sua preocupação em elaborar uma “psico-antropológica”, essa que im- o sangue e o músculo da Nação a teoria que leve à unidade racial como punha à impossibilidade de se fixar ser criada”. Mas, afinal, seguindo necessariamente vinculada à unidade um tipo racial nacional e, por outro, a a indagação de Skidmore (1994) se política. A princípio, em Vianna, dimensão “socioeconômica”, essa já semelhanças eram possíveis de ser conforme um dos seus intérpretes, constituída e que privilegia o Brasil identificadas entre ele e aqueles in- Nilo Odalia (1997), a unidade racial no âmbito mundial e, além disso, do telectuais, qual o acréscimo efetuado não é fundamental para assegurar ponto de vista dele, poderia facilitar por Oliveira Vianna, “a novidade”, e a unidade política e territorial do a “arianização” do brasileiro: por que, nos dias atuais, a sua obra país. Para Odalia, Vianna não parece pode nos auxiliar no entendimento “manifestar preocupação alguma Em nenhum país do mundo coe- de problemas cotidianos da vida so- em definir um projeto rígido e con- xistem uma tamanha harmonia e cial brasileira? Contrariamente a au- creto, objetivando a constituição tão profundo espírito de igualdade, entre os representantes de raças tão tores como Manoel Bomfim (1868- de um homem (branco) brasileiro, distintas. [...] Homens de raça branca, pela fusão das três etnias básicas 1932) e Alberto Torres (1865-1917), homens de raça vermelha, homens de ainda que a esse último próximo, existentes no país” (Odalia, 1997, raça negra, homens mestiços dessas críticos do “paradigma republicano” p. 165), afirmando não constituir o três raças, todos têm aqui as mesmas e de elementos centrais da geração problema étnico brasileiro o cerne oportunidades econômicas, as mes- que o produziu, Vianna (1883-1951) nem a parte mais importante de seu mas oportunidades sociais, as mes- retoma um elemento-chave da teoria pensamento2. Na verdade, o Estado mas oportunidades políticas. Está, social da época, que é a atribuição de é o centro e o seu, bem como o seu por exemplo, ao alcance de todos a propriedade da terra. Franqueados a importância que essa mesma geração papel enquanto gestor, guiado por todos os vários campos de trabalho, deu ao elemento “raça” na formação uma espécie de autoritarismo pro- desde a lavra da terra às mais altas nacional de um povo, reconhecendo visório (Reis, 2006), pois derivado profissões (Vianna, 1956 [1923], p. efetivamente a ausência de unidade da impossibilidade interna ao povo 277, 290). antropológica e psicológica no Bra- de autogestão – daí a ideia de um 120 2 Odalia (1997) menciona manifestação do próprio Vianna em relação ao problema: “Daí uma viva reação – e a atordoada foi grande. O único, no entanto, que não deu quase nenhuma signifi cação à crítica feita fui eu mesmo; porque considerei este tema como um ponto secundário, que não valia aos meus adversários perderem tanto tempo em combatê-lo, nem a mim em defendê-lo” (Vianna, 1942, p. 38).

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Nesse sentido, conforme esse mentais da vida social brasileira, segundo tipo de interpretação, com feliz de um tipo superior de negro ou muitas vezes, inclusive, fazendo que o trabalho ora elaborado encon- de índio com um branco bem dotado uso da estatística, “a consciência tra-se mais estreitamente relacio- de eugenismo pode produzir um das sociedades”, para afirmar que mulato ou um mameluco superior, a anteriormente negada diversidade nado, Vianna concebe a dimensão se porventura, pelo jôgo das influên- racial como um problema em busca cias hereditárias, preponderar nesse estava a ser transformada gradati- de solução. Ele, na esteira da con- cruzado o eugenismo do tipo branco vamente através do “refinamento cepção de Nina Rodrigues relativa (Vianna, 1956 [1923], p. 158). da raça” (Vianna, 1956 [1923], ao “atavismo” e à ideia de “degene- p. 186), que era, por sua vez, produ- ração racial”, argumenta em torno Essa distinção classificatória e to de uma “lenta elaboração históri- de uma lei antropológica que faz consequente ascensão do “mestiço ca” (Vianna, 1956 [1923], p. 169), com que os indivíduos resultantes superior”, seguindo a sua crença elaboração essa auxiliada pelo pa- da miscigenação tendam a retomar no ‘atavismo” e no consequente pel do movimento imigratório euro- as características físicas, morais branqueamento da população peu no aumento do “coeficiente da e intelectuais das raças originais: brasileira, deram-se a partir da raça branca” (Vianna, 1956 [1923], “não há raça sem eugenismo” e “o independência, com as possibili- p. 170). Veja esse trecho de Vianna que principalmente as distingue é a dades proporcionadas pela insti- relativo à estatística: sua maior ou menor fecundidade em tucionalização do ensino superior eugênicos” (Vianna, 1956 [1923], e pela sua gradual aproximação As estatísticas são a consciência p. 153). Com base nesses princí- com a aristocracia rural, “centro de das sociedades: por elas é que estas tomam conhecimento das transfor- pios, Vianna desenvolve uma teoria polarização dos elementos arianos mações obscuras, que se operam na da nacionalidade” (Leite, 1992 relativamente original relativa à intimidade da sua economia, ou, questão étnica. Vianna acredita na [1954], p. 226) e também pela pró- por assim dizer, dos fenômenos existência de dois tipos de mestiços: pria abolição, haja vista que antes da sua vida subconsciente. Essas por um lado, um mestiço inferior, dela o “apuramento sucessivo” do misteriosas operações, que as vá- resultado do cruzamento do branco povo não se podia desenvolver rias modalidades de seleção étnica com o negro do tipo inferior3, trata- devido ao afluxo incessante dos estão realizando na intimidade da se de um mestiço incapaz de ascen- sangues negro e índio que neutra- nossa massa nacional, no sentido de clarificá-la e arianizá-la, se são, degradado nas camadas mais lizavam o processo, elevando o são, a bem dizer, imperceptíveis índice de “nigrescência” do Brasil baixas da sociedade colonial; por a olho nu, mostram-se, entretanto, outro lado, há o mestiço superior, (Munanga, 1999). claríssimas, de uma visibilidade produto do cruzamento entre branco Em Oliveira Vianna, assim, meridiana, quando reveladas à luz e negro do tipo superior, “suscetível percebe-se um processo similar a dos dados estatísticos (Vianna, de arianização”, capaz de contribuir outros intelectuais do período. A 1956 [1923], p. 188). na organização e civilização do país princípio, um pessimismo inicial (Munanga, 1999). Para Vianna, em relação à aplicação da ideia Entretanto, aparentemente se- de nacionalidade no Brasil para, guindo concomitante à construção a partir daí, transitar entre “osci- do “Projeto para o Brasil” de Vianna, os nossos mestiços nem são todos lações’ e “contradições” relativas é, curiosamente a partir de meados absolutamente inferiores, nem todos à possibilidade de se afirmar a da década de 1910, que as discussões absolutamente superiores. Há, entre existência futura de uma “nação sobre o conceito “raça”, a legitimi- nós, mestiços superiores e mestiços inferiores. O conhecimento que brasileira” portadora de unidade dade das teorias raciais e o racismo temos da diversidade do tipo mental racial. Entre tantos intérpretes, científico consequente perdem um das várias tribos negras e índias Vianna talvez produziu obras di- pouco o fôlego, especialmente, com que entram em caldeamento com o retamente relacionadas à questão o início da I Guerra Mundial e com branco, nos leva, aliás, lógicamente, étnica, procurando, de acordo com o uso feito dessas concepções por a essa conclusão. Um cruzamento o seu contexto histórico, articular alguns estados nacionais através da dimensões políticas e comporta- busca por legitimação de ideologias 121 3 Oliveira Vianna parte do princípio que entre as numerosas nações negras que desembarcaram no Brasil existiam enormes diversidades tanto somáticas como psicológicas, comparativamente aos brancos; consequentemente, o cruzamento dessas nações com os portugueses também proporcionou uma variedade de tipos (Munanga, 1999).

volume 15, número 2, maio • agosto 2011 Jean Carlo de Carvalho Costa

nacionalistas.4 Ortiz (1994 [1985]) e e consolidação de uma perspectiva ALONSO, Â. 2002. Ideias em movimento: a o brasilianista Skidmore (1976) su- contrária à sua. Talvez devido a essa geração 1870 na crise do Brasil-Império. gerem esse período, especialmente o polarização presente na suposta São Paulo, Paz e Terra, 392 p. ALONSO, Â. 2007. Joaquim Nabuco. São ano de 1914, como símbolo da emer- homogeneidade que se à ideia de Paulo, Companhia das Letras, 379 p. gência de um novo “espírito nacio- “arianização”, a heterogeneidade (Coleção Perfi s Brasileiros). nalista” que tem como consequência tenha sido tornada mais evidente. ARAUJO, R.B. de. 1994. Guerra e Paz: Casa o desvencilhamento das teorias ra- Por isso é que Vianna deve ser visto Grande & Senzala e a obra de Gilberto ciais e ambientais características do como um propulsor para o futuro, Freire nos 30. São Paulo, Ed. 34, 223 p. início da República Velha. Embora ou seja, menos como um “racista de BARBOZA FILHO, R. 2002. Tradição e essa mudança seja evidenciada por carteirinha” e mais como um autor artifício: iberismo e barroco na forma- ção americana. Belo Horizonte/Rio de diversos fatores, não é demais lem- que alimentou o ambiente de tran- Janeiro, UFMG/Editora IUPERJ, 502 p. sição que caracteriza as décadas de brar que a existência de similaridade BOSI, A. 1994. História concisa da literatura em certas esferas da elite intelectual 1910 e 1920 e, contemporaneamen- brasileira. São Paulo, Cultrix, 528 p. no Brasil é algo que apenas traduz a te, tem a sua obra gradativamente BOTELHO, A. 2002. Aprendizado do Brasil. ambiguidade constitutiva do campo. revisitada, menos as questões relati- A Nação em busca dos seus portadores Um exemplo dessa ambiguidade é vas ao seu arianismo, e muito mais a sociais. Campinas, Unicamp, 176 p. pequeno, mas importante, livro do sua contribuição à compreensão da BOTELHO, A. 2007. Sequência de uma sociologia política brasileira. Dados, escritor Paulo Prado (1869-1943) noção de Estado no Brasil (Bran- dão, 2007). Além disso, também 50(1):49-82. “Retrato do Brasil – Ensaio sobre a BRANDÃO, G.M. 2007. Linhagens do 5 abordando a relação do Estado com tristeza brasileira” (1997 [1928]) , pensamento político brasileiro. São Paulo, publicado em um período em que a configuração de uma educação Hucitec, 220 p. distintas concepções sobre povo para além da alfabetização ou de um BRANDÃO, G.M. 2002. Oliveira Vianna: conviviam. Na verdade, com isso simples encaminhar o jovem a uma Populações meridionais do Brasil. In: não estou desejando aqui justificar a profissão. Finalmente, é preciso res- L.D. MOTA (org.), Introdução ao Brasil posição de Vianna, mas sim entender saltar o seu auxílio na compreensão 2: Um banquete no trópico. São Paulo, SENAC, p. 299-325. o porquê de seu posterior ostracismo da forma em que se constituem as relações entre o público e o pri- BRESCIANI, M.S.M. 2007. O charme da e a sua aproximação a vertentes ciência e a sedução da objetividade: vado no contexto local (Botelho, conservadores no pensamento social Oliveira Vianna entre intérpretes do brasileiro, opondo-se, por exemplo, 2007), isso porque, a despeito do Brasil. São Paulo, UNESP, 501 p. a Manoel Bomfim, situado à esquer- fato de o seu diagnóstico sobre o CALVINO, I. 1993. Por que ler os clássicos. da na intelligentsia nacional (Costa, atraso nacional, basilado pela ideia São Paulo, Companhia das Letras, 279 p. 2005, 2008). de uma “sociedade clânica”, daí a CANDIDO, A. 2000 [1965]. Literatura e pouco completar um século, a sua sociedade: estudos de teoria e história Nesse sentido, a contribuição de literária. São Paulo, T.A. Queiroz, 195 p. Oliveira Vianna recai, sobretudo, atualidade é fundamental, haja vista a condução da vida política e social CARVALHO, J.M. 1991. A utopia de Oliveira na ênfase atribuída por ele à inter- Vianna. Revista Estudos Históricos, brasileira ainda ser persistentemen- relação existente entre os elementos 4(7):82-99. nação e raça no entendimento e te atrelada à perversa dimensão da CORRÊA, M. 1998. As ilusões da liber- pessoalidade e do “favor”. na definição do que constitui o dade: a escola Nina Rodrigues e a Brasil, continuando preocupações antropologia no Brasil. Bragança Pau- Referências lista, EDUSF, 487 p. sobre a questão da nacionalidade e COSTA, J.C. de C. 2005. O problema nacio- forjando, com a sua radicalização AGUIAR, R.C. 2000. O rebelde esquecido: nal, globalização e o pensamento social em direção ao branqueamento, o tempo, vida e obra de Manoel Bomfi m. no Brasil: notas sobre as implicações do ambiente necessário à emergência Rio de Janeiro, Topbooks, 561 p. nacional em Manoel Bomfi m. Política e

4 Manoel Bomfi m (1868-1932), inclusive, em 1914, escreve um texto denominado “Darwin e os conquistadores”, com o objetivo de criticar um livro escrito por um general alemão de nome Von Bernhardl, onde esse enaltece as “virtudes do morticínio e da conquista, incitando”, dessa forma, a “Alemanha a lutar contra o mundo inteiro se tanto for preciso para conquistá-lo e dominá-lo”, seguindo uma reinterpretação própria de Darwin que o levou a compreender “a guerra como uma necessidade biológica, de alta e primordial importância, elemento regulador da vida da espécie humana, sem o qual esta não pode seguir seu desenvolvimento natural e avançar em civilização e saúde” (Bomfi m in Aguiar, 2000, p. 326). 122 5 Em “Retrato do Brasil”, por exemplo, pode-se ler: “O que se chama a arianização do habitante do Brasil é um fato de observação diária. Já com 1/8 de sangue negro, a aparência africana se apaga por completo; é o fenômeno do passing (passagem) dos Estados Unidos. E assim, na cruza contínua de nossa vida, desde a época colonial, o negro desaparece aos poucos, dissolvendo-se até a falsa aparência de ariano puro” (Prado, 1997 [1928], p. 191-192).

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Jean Carlo de Carvalho Costa Universidade Federal da Paraíba Campus Universitário I 123 Jardim Cidade Universitária 58059-900, João Pessoa, PB, Brasil

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