BENTO TEIXEIRA E a “ESCOLA DE SATANÁS” O Poeta Que Teve a “Prisão Por Recreação, a Solidão Por Companhia E a Tristeza Por Prazer”
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA SOCIAL DOUTORADO EM HISTÓRIA BENTO TEIXEIRA E A “ESCOLA DE SATANÁS” O Poeta que teve a “prisão por recreação, a solidão por companhia e a tristeza por prazer”. Professor Orientador: Anita Waingort Novinsky Aluna: Eneida Beraldi Ribeiro Dezembro de 2006. Resumo A perseguição Inquisitorial no Brasil no final do século XVI foi responsável por desvendar uma das personalidades mais representativas da população colonial: Bento Teixeira. Cristão novo, professor e letrado, foi preso pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição no ano de 1595 por crimes de Judaísmo. Durante seu processo redigiu inúmeros textos através dos quais buscava a vida. Nesses textos trouxe à tona o cotidiano dos cárceres, a corrupção dos funcionários da Inquisição e a compra de “perdões gerais”. A vida e os costumes nas principais capitanias do Brasil são vislumbrados e deles emergem uma população cripto judia em luta contra a exclusão e o preconceito. Abstract The Inquisition persecution in the end of the 15 century was responsible to show one of the most representative personalities of the colonial population: Bento Teixeira. New Christian, teacher and scholar, he was prisoner by the Hole Inquisition, in 1595 for Judaism crimes. During the process he wrote numerous tests in which he tried to save his life. Trough these tests he showed the prison’s daily routine and the corruption of the Inquisitors. The Brazilian colonial life was described and appears a criptojewih community fighting against exclusion and prejudice. Índice Agradecimentos Introdução Capítulo Primeiro: O Brasil nos tempos de Bento Teixeira 1. Como se vivia 2. O que se aprendia 3. O Cotidiano e a Fé 4. O Clero Católico: suas limitações e seus vícios. 5. Os homens de “ida e vinda” Capítulo Segundo: O Marranismo 1. Conceito Teórico e a nova categoria: Os Cristãos Novos 2. A Inquisição e a Primeira “Vassourada” na Colônia1 3. O “Melhor da Terra”2 Capítulo Terceiro: O Primeiro poeta das Américas: Bento Teixeira. 1. Visto pela Historiografia 2. Sua formação, suas paixões e seus pesares. 3. Denúncias contra o herege. 4. O Crime: Judaísmo 1 Termo utilizado por Capistrano de Abreu em Introdução ao livro da Primeira Visitação do santo ofício às partes do Brasil. Confissões e Denunciações da Bahia. 2 Termo utilizado por Anita Novinsky em Cristãos Novos na Bahia: A Inquisição. 1 Capítulo Quarto: O Inferno 1. Os “Interrogatórios” 2. Estratégias de salvação: o Jogo, a dissimulação e a camuflagem 3. A “Escola de Satanás” A Corrupção do Santo Ofício 4. Os depoimentos sobre o Poeta 5. Representações contra o Catolicismo. Capítulo Quinto: O “Ladrão de Casas” 1. Sua visão de Mundo 2. A Negação dos Dogmas 3. A Simbologia do “Ladrão de Casas” Capítulo Sexto: O que era e o que parecia ser 1. O Mundo contraditório e o Dualismo de Bento Teixeira 2. Sua dissimulação 3. Representações do Judaísmo. Conclusão 2 Agradecimentos Não foi com pouca insistência que Anita Novinsky me aceitou para trabalhar com seu grupo. A ela agradeço a oportunidade de realizar um desejo antigo, dedicar-me à pesquisa histórica. Seus profundos conhecimentos são generosamente compartilhados e suas atitudes nos revelam que somente com disciplina e dedicação alcançamos as metas desejadas. Sua amizade calorosa tem mansamente compensado a rigidez da orientadora. O prazer pela leitura nasceu de meus pais. O exemplo de perseverança, que demonstraram durante toda a vida, me trouxe até aqui. A eles, todos os agradecimentos são insuficientes. Meus filhos, que suportaram as longas ausências da mãe, foram meu porto seguro nessa caminhada. Ao Pedro, agradeço a compreensão e o apoio que, juntos, aprendemos a construir. Às minhas irmãs, Eloisa e Estela e à tia Bela pelo companheirismo. Aos amigos pelo incessante apoio. Aos colegas de trabalho na Escola Germano Negrini por todos os momentos de cumplicidade. Às Professoras Zilda Márcia Iokoy Grícoli e Rifka Berezin, agradeço pelas sugestões ao trabalho feitas durante o Exame de Qualificação. Agradeço especialmente alguns amigos, sem os quais o trabalho de pesquisa teria sido muito mais árduo: Lina Gorenstein, Benair Ribeiro, Marcelo Amaral, Paulo Valadares, Renata Sancovsky e Robson Luiz Lima. Ao CEDIC/PUC pelo empréstimo da máquina leitora de microfilme, que em muito facilitou o trabalho de transcrição do Processo Inquisitorial. À Secretaria de Estado da Educação de São Paulo agradeço o auxílio efetivado pela Bolsa Mestrado e, em especial a todas as pessoas da Diretoria de Ensino da cidade de São Roque, que não mediram esforços em minimizar o peso da burocracia. A todos meus sinceros agradecimentos. O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. Fernando Pessoa Introdução O presente trabalho tem por objetivo reconstruir a vida, o pensamento e o destino do primeiro poeta da América, Bento Teixeira. Os rextos escritos por Bento Teixeira na prisão do Santo Ofício serão transcritos de seu processo e analisados na base dos estudos teóricos de Anita Novinsky. Bento Teixeira, cristão novo, mestre de moços natural da cidade do Porto, mas morador no Brasil desde tenra idade, foi preso pelo Tribunal da Inquisição no ano de 1595. Sua prisão se deu como consequência de denúncias que o implicavam com o judaismo. O processo inquisitorial que foi movido contra Bento Teixeira apresenta uma especificidade. Ao réu foi concedido o direito de defesa por texto próprio. Os Inquisidores deram a Bento Teixeira a oportunidade de expressar o seu suposto arrependimento em folhas de papel que constantemente pedia e que lhe eram cedidas com o aval do Inquisidor e a assinatura do notário. Bento Teixeira ficou nos cárceres da Inquisiçãodurante três anos. Durante os dois ultimos anos principalmente, redigiu um discurso inspirado na sua tristeza e solidão. Nesse discurso, a erudição do poeta se revela abordando Filosofia, Literatura e Teologia. Bento Teixeira dominava o espanhol e o latim fluentemente. A postura de Bento Teixeira enquanto réu seguiu uma dinâmica comum a quase todos. Num primeiro momento, a negação a qualquer tipo de heresia é o que mais se encontra nos processos inquisitoriais. Com o passar do tempo, a solidão, o desespero e o abandono nos quais os presos eram mantidos, os levavam a confessar, muitas vezes o que nunca haviam praticado . A confissão para os Inquisidores representava a aceitação do erro. A esta devia se seguir o arrependimento. Somente dessa maneira o réu poderia ter chances de sair dos cárceres, reconciliado com a Igreja, uma vez que para a Inquisição não havia absolvição. A confissão tinha de remontar a tempos passados, posto que ao réu não era dado o conhecimento das denúncias que o haviam levado à prisão. Precisava revolver a memóra e denunciar também. 9 Os cristãos novos, descendentes dos judeus convertidos ao ristianismo, tinham que relembrar os hábitos familiares, práticas diárias, nomes de amigos para tentar acertar com os dados que os Inquisidores possuíam. O objetivo expresso pela Inquisição era igual a da igreja; defender a fé católica. A obediência aos dogmas cristãos e a reverência às autoridades religiosas eram essenciais para uma vida espiritual adequada. Mas não garantiam estarem livres das perseguições inquisitoriais. No ano de 1492, na Espanha, milhares de judeus se converteram ao Cristianismo, outros abandonaram o país. O projeto dos reis católicos, Fernando e Isabel, era unificação da Espanha; uma só religião. A Igreja e o estadotrataram questões políticas, religiosas, comportamentais e ideológicas, usando a Inquisição, instituída em 1478, como forma de pressão. A sociedade espanhola perdeu suas tradicionais características de tolerância e respeito étnico que a caracterizaram no tempo do domínio árabe. Os judeus que não dispunham de condições para saírem da Espanha, ou que preferiram nela permanecer, converteram-se. Com a conversão passaram a ser denominados de “conversos”, e como eram todos batizados, ficavam subordinados à Inquisição. Muitos partiram para outas terras; que lhes permitia manter a religião judaica. Esse processo causou a desestruturação das famílias e, do ponto de vista financeiro, causou a ruína de muitos. ‘Obrigados a venderem rapidamente seus bens, judeus perderam imóveis, investimentos e não puderam recolher suas dívidas , mas eram obrigados a quitarem o que deviam aos cristãos velhos. Parte dos judeus, que se recusou a converter, obteve permissão para entrar no reino de Portugal, mediante pagamento e com a condição de lá ficarem pelo período de oito meses. Aos poucos, foram se integrando e desenvolvendo suas atividades profissionais. A decisão do monarca português D. Manuel de excluir do reino todos os judeus desferiu um golpe mortal na população judaica. No ano de 1497, o rei determinou todos os judeus deveriam se converter ou abandonar Portugal. A 10 expulsão fazia parte das exigências do contrato de casamento que unia D. Manuel à Isabel, filha dos reis católicos Fernando e Isabel. O que diferiu entre os fenômenos ibéricos foi o fato de na Espanha, mesmo com toda a brutalidade que implicava sua expulsão, os judeus ainda tiveram a possibilidade de partir. Em Portugal, o monarca proibiu a saída das famílias judias e forçou-as a se converterem. A atitude portuguesa foi muito mais violenta que a espanhola. Entretanto, é importante salientar, que a partir do decreto de expulsão determinava-se que durante vinte anos os judeus não poderiam ter investigada e julgada sua vida pregressa, no que tocava às práticas que se desenvolviam no interior dos lares. O prazo que foi prorrogado por D. Manuel por mais vinte deveria impedir as perseguições. No ano de 1536 o rei de Portugal, D. João III, obtém do Papa a permissão para a instalação do Tribunal da Inquisição no reino. De Portugal, a instituição expandiu seu poder pelos domínios conquistados. No Brasil não houve a instalação de um Tribunal do Santo Ofício, porém a fiscalização se fez constante, através dos familiares e das Visitações.