UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Luciana Silva Wolf

DIÁLOGO CONCRETO design gráfico e construtivismo no Brasil na década de 1950

São Paulo, 2009

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Luciana Silva Wolf

DIÁLOGO CONCRETO: design gráfico e construtivismo no Brasil na década de 1950

Dissertação apresentada ao Programa Interunidades de Pós-Graduação em Estética e História da Arte dentro da linha de pesquisa História e Historiografia da Arte para a obtenção do título de mestre

Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre

São Paulo, 2009 FOLHA DE APROVAÇÃO

Luciana Silva Wolf

DIÁLOGO CONCRETO: design gráfico e construtivismo no Brasil na década de 1950

Dissertação apresentada ao Programa Interunidades de Pós-Graduação em Es- tética e História da Arte da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre.

Linha de Pesquisa: História e Historiografia da Arte

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre Instituição: FAU-USP Assinatura: ______

Prof.(a) Dr(a): Instituição: Assinatura:______

Prof.(a) Dr(a). Instituição: Assinatura:______DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Adroaldo Wolf e Helenice Silva Wolf, pelo apoio que sempre me proporcionaram, e que foi fundamental para a realização deste projeto. AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. José Eduardo de Assis Lefèvre, pelo reconhecimento ao meu trabalho.

Ao MAC-USP por tornar possível a realização deste projeto e aos profes- sores, do Programa Interunidades de Pós-Graduação em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo, pela dignidade de ensinar. RESUMO

A pesquisa aborda um grupo de artistas/designers gráficos na década de 1950 no Brasil, mais precisamente no eixo Rio–São Paulo, que trabalhou os pressupostos da arte concreta, importando modelos europeus construtivistas e funcionalistas e adaptando-os e inserindo-os à realidade brasileira da época. O trabalho investiga as principais correntes estéticas que dialogaram com a arte concreta brasileira e percorre os eventos culturais que estiveram diretamente ligados ao movimento de arte concreta no Brasil. A partir de análises de obras e projetos gráficos de cinco artistas – Antônio Maluf, Alexandre Wollner, Geraldo de Barros, Amilcar de Castro e Willys de Castro – que estiveram direta ou indire- tamente ligados ao movimento de arte concreta, o trabalho apresenta o diálogo entre arte, design gráfico e o construtivismo brasileiro, o que possibitou maior acesso à arte por meio de veículos de comunicação de massa.

PALAVRAS CHAVES: construtivismo; arte concreta; design gráfico; proje- to industrial; funcionalismo; Brasil; Antônio Maluf; Alexandre Wollner; Geraldo de Barros; Amilcar de Castro; Willys de Castro. ABSTRACT

This project presents a group of Brazilian’s artists/ graphic designers, in the 1950 decade, more precisely in São Paulo and , where they worked out the purposes of the , importing constructives and func- tionals European models and adjusting them to Brazilian reality at that time. The project investigates the main esthetic ideas in connection to the Brazilian concre- te art and analyses the cultural events directly linked to such movement. Based on the analysis of works of art and graphic projects from five artists – Antônio Maluf, Alexandre Wollner, Geraldo de Barros, Amilcar de Castro and Willys de Castro – that were directly or indirectly connected to the Brazilian concrete art movement, the project shows the dialogue between art, graphic design and the Brazilian constructivism, which made art more popular by using art on the mass printed medias.

KEY WORDS: constructivism; concrete art; graphic design; industrial pro- ject; functionalism; Brazil; Antônio Maluf; Alexandre Wollner; Geraldo de Barros; Amilcar de Castro; Willys de Castro. SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1

1. ANTECEDENTES IMEDIATOS 5 1.1. DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE 6 CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS 1.2. A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL 25 BRASILEIRO ATÉ 1950

2. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES PARA O 40 DESENVOLVIMENTO DO DESIGN VISUAL BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1950 2.1. CONTEXTO HISTÓRICO: A DÉCADA DE 1950 NO BRASIL 41 2.2. RUPTURA E ARTE CONCRETA 44 2.3. IAC, BIENAIS E HfG 50

3. DIÁLOGO CONCRETO: DESIGN GRÁFICO E 60 CONSTRUTIVISMO NO BRASIL 3.1. ARTISTAS CONCRETOS PIONEIROS DO 61 DESIGN VISUAL BRASILEIRO 3.1.1. ANTÔNIO MALUF (1926-2005) 64 3.1.2. O DIÁLOGO DE ANTÔNIO MALUF 67 3.2.1. ALEXANDRE WOLLNER (1928- ) 76 3.2.2. O DIÁLOGO DE WOLLNER 81 3.3.1. GERALDO DE BARROS (1923-1998) 88 3.3.2. O DIÁLOGO DE GERALDO 93 3.4.1. AMILCAR DE CASTRO (1920-2002) 99 3.4.2. O DIÁLOGO DE AMILCAR 103 3.5.1. WILLYS DE CASTRO (1926-1988) 112 3.5.2. O DIÁLOGO DE WILLYS 117

CONSIDERAÇÕES FINAIS 127 INTRODUÇÃO • 1

INTRODUÇÃO

No início da década de 1950, no Brasil – mais precisamente no eixo Rio–São Paulo –, artistas/designers trabalharam os pressupostos da arte concreta impor- tando modelos europeus construtivistas e funcionalistas. O presente trabalho per- corre esse momento da história e apresenta as principais correntes estéticas que dialogaram com a arte concreta brasileira e com os artistas e designers gráficos concretistas brasileiros.

Serão abordados, então, os movimentos vanguardistas de caráter cons- trutivo que surgiram no início do século XX na Europa. Apesar do termo “cons- trutivismo” remeter diretamente ao construtivismo russo, outros movimentos de vanguarda também trabalharam de formas diferentes os conceitos de cons- trução concreta, a partir da geometria e da precisão da funcionalidade. Dentre esses movimentos, será destacado o De Stijl, e dentre as escolas de design, a Bauhaus, na Alemanha.

Com a expansão industrial, conceitos de padronização, serialização e racio- nalização começaram a ser aplicados em objetos utilitários1. Porém, os ideais fun- cionalistas que estiveram em evidência na arte européia durante as décadas de 1920 e 1930 só chegaram ao Brasil e foram sistematicamente discutidos a partir de 1950, por intermédio do suíço .

Entretanto, antes de 1950 já havia no Brasil uma indústria gráfica consoli- dada, com artistas/designers atuantes no mercado de livros, periódicos e outros impressos. Optou-se, aqui, por atribuir o mérito de pioneirismo àqueles que esti- veram ligados ao movimento concreto, não somente pela riqueza de sua produção e pela importância para o repertório gráfico do nosso país, mas pela consciência com que aplicaram as artes às necessidades da indústria e da realidade do país à época.

1 HESKETT, John. Desenho industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998. INTRODUÇÃO • 2

A década de 1950, em destaque neste trabalho, foi de renovação de valores artísticos, morais, políticos e econômicos. Na admirável busca por expressar os sentimentos desse novo mundo, alguns artistas ligados direta ou indiretamente ao movimento concreto optaram por uma busca estética que aliou elementos construtivos à cultura popular brasileira.

Com um cenário político favorável e com os acontecimentos culturais da dé- cada de 1950, os artistas concretos atuantes no Brasil encontraram um terreno fértil para aplicar os postulados concretos recém-chegados da Europa ao país e uniram a arte à indústria por meio do design gráfico.

Naquele momento, o Brasil passava por um período de transição no qual se desejava criar condições para que a indústria nacional firmasse uma posi- ção de suma importância na economia. O projeto governamental para o desen- volvimento da indústria envolvia a importação de tecnologias e a entrada de investimentos estrangeiros. Para atender à demanda por profissionais, o go- verno incentivou o sistema educacional com o intuito de proporcionar um aper- feiçoamento tecnológico2. No governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), foi elaborado o Plano de Metas, que buscava alcançar o desenvolvimento global do Brasil. Sua política intensificou o processo de importação de tecnologia e teve ampla participação do Estado.

No âmbito do design gráfico, destacaram-se algumas iniciativas para o seu ensino, embora este fosse ainda muito incipiente. Iniciaram-se no Museu de Arte de São Paulo (Masp) as primeiras atividades envolvendo o design, sendo inau- gurado em 1951 o Instituto de Arte Contemporânea (IAC). A escola foi a primeira experiência do ensino do design, de nível profissionalizante, no Brasil.

Após apresentar os movimentos europeus que refletiram e dialogaram com o meio artístico brasileiro na década de 1950, serão apresentadas a entra- da dos ideais concretistas no Brasil e sua repercussão no meio artístico, com

2 NIEMEYER, Lucy. Design no Brasil: origens e instalação. Rio de Janeiro: 2AB, 1997. INTRODUÇÃO • 3

relevância aos eventos culturais que impactaram diretamente na arte concreta e na emergência do design gráfico construtivo no Brasil. Esses ideais funcio- nalistas passaram pela Bauhaus e explodiram na Hochschüle für Gestaltung, (HfG – Escola da Forma de Ulm), ambas na Alemanha. Focavam a arte apli- cada ao cotidiano e chegaram ao Brasil no início da década de 1950. Max Bill, artista e arquiteto suíço – e primeiro diretor da HfG – divulgou e trabalhou os postulados da arte concreta no Brasil. A Escola Superior da Forma de Ulm, se- gundo Rogério Câmara, buscava o caráter específico próprio da linguagem do design, tendo como ponto de partida a racionalização da produção3. Por meio da escola de Ulm, Bill “delinearia o conceito de design como ponto de conver- gência ente arte e técnica, pelo qual seria possível concretizar a construção de uma sociedade igualitária”4.

Em 1951, a I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, que exibiu trabalhos dos mais importantes movimentos artísticos que ocorriam na Europa e no mundo – em sua maioria obras abstratas e concretas –, permitiu um maior contato dos artistas e do público brasileiro com o que vinha sendo produzido no exterior e instigou os artistas brasileiros que se identificavam com a arte concre- ta. Esse momento de efervescente cultura favoreceu a eclosão da arte concreta no país, por meio do Grupo Ruptura e do Grupo Frente, principais núcleos do concretismo no Brasil.

Em 1952, formou-se em São Paulo o Grupo Ruptura, cujos integrantes rea- lizaram a I Exposição de Arte Concreta no Museu de Arte Moderna – e onde, já na abertura, distribuíram o chamado Manifesto Ruptura. Esse manifesto não apenas defendia um novo estilo de pintura, mas propunha um novo estatuto para o fazer pictórico. Do plano pictórico do quadro à aplicação gráfica, os ar- tistas concretos brasileiros experimentaram uma renovação da visualidade, de cunho racionalista, que objetivou expandir a arte para a transformação utópica da sociedade.

3 CÂMARA, Rogério. Grafo-sintaxe concreta: o projeto Noigandres. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2000.

4 Id. Ibid., p. 20. INTRODUÇÃO • 4

O rigor geométrico e a normatização dos procedimentos pictóricos retira- vam da pintura qualquer devaneio subjetivista e buscavam a pureza da forma. A tela era tomada como produção visual e não mais como metáfora figurativa ou fantasia simbólica. Os artistas concretos aliaram, ao rigor matemático de suas telas, alta dosagem experimental com o uso de formas geométricas e materiais industriais. A pintura era um laboratório de possibilidades formais a serem disse- minadas no mundo por meio da colaboração com as artes aplicadas.

Esses artistas buscaram um desdobramento utilitário, sem perder o rigor formal e racional, e atualizaram a forma ao objeto de uso cotidiano. Eles vincula- ram-se à produção e transformaram-se em projetistas, designers, inventores de formas e de possibilidades utilitárias. Os artistas concretos não queriam apenas embelezar os objetos existentes ao trabalhar sistemática e racionalmente as for- mas; eles desejavam reinventar os objetos, seus usos e funções.

O resultado dessa pretensão concretista de democratizar e disseminar sua racionalidade no mundo por meio da arte aplicada à indústria foi a Exposição de Arte Concreta de 1956, que juntou artistas paulistas e cariocas. Dela surgiu um novo parâmetro experimental para a produção de arte no Brasil.

É por meio do movimento concreto da nova objetividade brasileira, aliado ao desenvolvimento industrial, que foi trabalhado no Brasil o papel social do de- signer. Este trabalho foca o design gráfico e o diálogo da arte concreta com as obras desses designers gráficos e artistas concretistas brasileiros.

Com a intenção de demonstrar a aplicação desse diálogo entre a arte con- creta e a emergência do design visual no Brasil, foram selecionados cinco artistas – Antônio Maluf, Alexandre Wollner, Geraldo de Barros, Amilcar de Castro e Willys de Castro – que se identificaram com o desenvolvimento industrial e manifestaram interesse em unir arte e indústria. Por meio da análise de suas produções artísti- cas e de suas produções gráficas, este trabalho detecta a aplicação das teorias concretas que foram experimentadas e estudadas no plano pictórico e que dialo- garam com as obras gráficas desses mesmos artistas. ANTECEDENTES IMEDIATOS • 5

1. ANTECEDENTES IMEDIATOS ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 6

1.1. DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS

O design – no dicionário, “concepção de um projeto ou modelo; planejamento”1 e, em inglês, “projeto” e/ou “esboço”2 – deve ser pensado no interior das artes aplicadas, isto é, das diversas modalidades da produção artística que se orientam para o mundo cotidiano, pela criação de objetos de uso corrente, e que englobam parte da arquitetura, das artes decorativas, das artes gráficas etc. O design integra diversas artes, dialogando com elas na criação de modelos e protótipos que estão na origem de uma ampla gama de realizações artísticas voltadas para a vida comum: pôsteres, embalagens, capas de livros e revistas, moda, mobiliário, objetos utilitários, desenho industrial etc. O design se insere, desse modo, no âmbito da sociedade industrial, resultado da articulação estabelecida entre arte, indústria e mercado. Ao relacionarmos arte e tecnologia, devemos considerar os meios de produção como fatores condicionantes que interferem diretamente na forma, no estilo e na própria maneira de pensar e conceber uma obra. As idéias estéticas estão intrinsecamente ligadas aos meios que possibilitam a sua expressão.

A arte é um dos elementos do design; o design é a aplicação da arte em produto; e o produto é objeto e envolve tecnologia e ciência. Hoje o design, mais acessível e inteligível do que a arte, entrou para a cultura da sociedade. Ele não é meramente decorativo, mas está associado a uma funcionalidade, e funcionalidade pode ser abordada cientificamente. O design está relacionado à necessidade do ser humano de criar representações, buscar identidades por meio das formas e dos objetos. O design trouxe com ele o prazer da forma, mas a forma, por sua vez, subordina-se às limitações técnicas; é a criatividade, a tecnologia e o conhecimento científico que ditam até onde o objeto e sua forma podem chegar.

1 MICHAELIS MODERNO DICIONÁRIO da Língua Portuguesa. Melhoramentos, 2000-2007. Disponível em:

2 MICHAELIS MODERNO DICIONÁRIO Português-Inglês. Melhoramentos, 2000-2007. Disponível em: ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 7

O interesse pelos objetos é um dos componentes da estética. Os objetos mudam e se reciclam de tempos em tempos. A mudança e a reciclagem estão ligadas à sobrevivência e à necessidade de renovação. A criação de algo novo corresponde à quebra de algo já estabelecido, portanto à ruptura com parâmetros consagrados. Mas a criação vem no bojo de uma resposta a indagações com fortes conotações estéticas: para quê, para quem e com que intenções algo é criado? Porém, o novo muitas vezes não está apenas no objeto em si, mas na forma como ele é visto, interpretado, consumido e entendido. É estética a relação entre o que está sendo produzido e quem está consumindo e vivendo aquele objeto, num determinado momento, num determinado lugar. Em cada objeto, ciência e arte se relacionam, integrando ciência e arte, arte e objeto, e o objeto adquire dimensão de representação do homem.

A trajetória da arte passa por um processo acumulativo, uma vez que os resultados de um movimento têm influência de seus antecessores e orientam os rumos de outros que se seguem. A maneira como se desenvolve o processo acumulativo é semelhante na arte e na ciência, não somente na questão do desenvolvimento das técnicas e dos instrumentos, mas principalmente no suporte intelectual e conceitual que ditam os rumos e a seqüência do conjunto de idéias formadoras dos paradigmas3.

Os meios de produção desencadeiam mutações sensoriais e intelectuais que foram, muitas vezes, o motor de grandes transformações estéticas. Por essa razão, é impensável uma época de florescimento cultural sem um correspondente progresso das suas condições técnicas de expressão, como também é inimaginável uma época de avanços tecnológicos sem conseqüências no plano cultural4. Portanto, existe entre os processos de criação e produção uma relação mútua de interdependência e influência. Assim, é possível afirmar que o estudo estético de um objeto está sempre ligado ao seu contexto histórico, econômico e social.

3 ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. São Paulo: Autores Associados, 2006, p. 46.

4 MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 1996. INTRODUÇÃO • 8

No modelo de produção artesanal, que vigorou durante o período medieval, destacava-se a figura do artesão como responsável pela criação da forma do produto e também como possuidor dos conhecimentos técnicos para materializá- lo5. Estavam reunidas na mesma pessoa as ações de projetar e confeccionar o produto. A separação entre projeto e manufatura fez parte do contexto de crescimento do comércio no final da Idade Média, quando iniciou-se a transição para uma organização capitalista, mas ainda baseada em métodos artesanais de produção. Nesse período surgiram na Europa grandes oficinas com o objetivo de atender às demandas das cortes, das igrejas e dos comerciantes mais abastados. Essas oficinas ainda usavam métodos artesanais de manufatura, mas possuíam um trabalho bastante especializado, produzindo vários objetos do mesmo tipo6.

A expansão constante do comércio criou atitudes competitivas entre as oficinas, obrigando-as a diferenciar seus produtos para atrair o interesse dos consumidores. Dentro desse contexto, o design passou a ser visto como uma novidade capaz de impulsionar vendas, adquirindo grande importância para o mundo capitalista. Ele servia como veículo de comunicação estética e social, e sua interferência resumia-se então às questões formais, proporcionando ao produto um “toque artístico”. Como elo entre o processo produtivo e os usuários, o design se configurou numa ferramenta estratégica, na medida em que conseguiu interpretar os desejos das pessoas de modo a materializá-los em produtos. O uso do design sempre esteve diretamente ligado à diferenciação dos produtos e à otimização da produção. Embora tenha sido utilizado como diferencial competitivo, ainda no século XIV, pelas manufaturas francesas, foi a partir do surgimento das empresas particulares, no século XVIII, que o design caracterizou-se como sinônimo de qualidade, por trabalhar nos produtos aspectos de uso estético e funcional7.

No século XIX, junto com o processo de industrialização, a criação de

5 GAMA, Rui. A tecnologia e o trabalho na história. São Paulo: Nobel, 1986.

6 HESKETT, John. Desenho Industrial. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.

7 Id. Ibid. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 9

novos produtos destinados à produção seriada passou a ser responsabilidade de um novo profissional – o designer –, mas foi somente após o início do século XX que essa atividade passou a ser valorizada como uma técnica de estímulos ao consumo, estabelecendo-se uma ligação definitiva entre o profissional do design, a sociedade, a tecnologia e o processo de produção industrial.

O progresso científico e tecnológico advindo com a Revolução Industrial acabou impulsionando um desejo de mudança. A demanda crescente de mercadorias estimulou a busca por novos métodos de manufatura e uma nova organização do trabalho para viabilizar custos produtivos. Essas mudanças levaram a inovações na produção, visando cada vez mais a mecanização, a economia das matérias-primas empregadas e a redução do tempo de serviço8. Essas inovações, por sua vez, tiveram efeito imediato no processo do design, que teve de se adaptar, contribuindo com essas questões. Começou, então, o conflito entre a concepção e a produção da forma: artistas contratados pelas firmas para a criação da forma dos artefatos o faziam sem levar em conta os processos produtivos.

O processo de industrialização acarretou mudanças muito mais amplas que a simples mecanização dos métodos produtivos. Ocorreu no século XIX um crescimento urbano nunca visto antes na história da humanidade. Esse século marcou uma transformação profunda nas relações sociais, em que as mercadorias e os hábitos de consumo passaram a ser vistos como indicadores de status individual9. A preocupação com a aparência serviu de estímulo para a difusão do gosto pela ostentação e pelo luxo.

A associação da estética artesanal com o valor econômico, tradicional nesse período de transição para a manufatura industrializada, levou a uma identificação da classe burguesa com produtos excessivamente ornamentados e rebuscados. Esses produtos eram vistos como um meio de ostentação de

8 Id. Ibid.

9 CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo: Edgard Blücher, 2004, p. 54-5. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 10

riqueza. Uma das conseqüências da aplicação indiscriminada de ornamentos nos produtos industriais com o propósito de satisfazer o gosto da burguesia foi o distanciamento entre a forma do objeto e as características da tecnologia disponível para produzi-lo.

Em fins do século XIX e início do XX, surgiu uma reação contrária à ornamentação e ao vínculo formal dos produtos industriais aos estilos artísticos. Na busca de um fundamento lógico que correspondesse de modo mais adequado e expressivo à natureza tecnológica do mundo moderno, muitos designers voltaram-se para máquinas, instrumentos e produtos da indústria como exemplos de suas teorias. Por volta dos anos 1920, uma “estética da máquina” havia surgido, enfatizando formas geométricas abstratas vinculadas a um pensamento funcionalista10.

Dentro desse contexto, em que a beleza da forma de um produto dependia de sua utilidade e eficiência – ou seja, deveria ter relação direta com a função que ele desempenharia –, surgiu a preocupação com a progressiva industrialização dos objetos relativos à vida cotidiana. O design começava a firmar-se como uma atividade projetual, relacionando a forma aos métodos de produção, desvinculando-se dos padrões de qualidade e gosto herdados da época artesanal11. Com o funcionalismo, o design passou a se preocupar com a viabilidade técnica dos produtos de um ponto de vista racional, pois tornou-se primordial a otimização de materiais e processos produtivos.

O design gráfico é também chamado de design visual ou comunicação visual. A comunicação visual é uma das vertentes do design; é o processo de dar ordem estrutural e forma à informação visual, trabalhando freqüentemente a relação de imagem e texto – podendo ser aplicado a vários meios de comu- nicação, sejam eles impressos, digitais, audiovisuais, entre outros. O design gráfico é uma atividade que tem as suas origens na pré-história, com as pri-

10 HESKETT, John. Op. cit., p. 28.

11 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Cia. das Letras, 1992. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 11

meiras representações visuais. Mas é só no final do século XIX (quando há uma separação mais definida entre designer, artista e artesão) que o designer gráfico começa a ganhar autoconsciência. Essa separação nunca foi absoluta, e até hoje há debates sobre definições de design gráfico.

A comunicação visual é feita por meio de representações gráficas, que podem ser sinais como letras do alfabeto, ou fazer parte de outro sistema de signos, como, por exemplo, as sinalizações em estradas. Quando reunidas, as marcas gráficas – como linhas de um desenho ou pontos de uma fotografia – formam imagens. O design gráfico (ou visual) é a arte de criar ou escolher tais elementos, combinando-os em uma determinada superfície para transmitir uma idéia. As imagens gráficas não são apenas ilustrações descritivas de coisas vistas ou imaginadas. São signos cujo contexto lhes dá um sentido especial e cuja disposição pode transmitir um novo significado12.

A mensagem de uma arte gráfica atende à necessidade de um projeto. Embora sua forma possa ser determinada ou modificada pelas preferências estéticas do designer, a mensagem inserida nessa arte precisa ser transmitida numa linguagem que o público-alvo identifique e compreenda. Este é o primei- ro aspecto significativo que diferencia um design gráfico de uma obra de arte – ainda que muitos dos pioneiros do design gráfico fossem artistas plásticos. Outro aspecto importante é que o designer, diferentemente do artista, projeta seu trabalho tendo em vista a produção mecânica.

As principais funções do design gráfico podem ser resumidas em três prin- cípios gerais: 1. Identificar: dizer o que é determinada coisa, ou de onde ela veio. É o caso de letreiros comerciais, logotipos, rótulos, embalagens etc; 2. Informar e instruir: indicar a relação de uma coisa com outra quanto à posição, direção e escala. Neste ponto se enquadram mapas, diagramas, si- nais de direção etc;

12 HOLLIS, Richard. Design Gráfico: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.1. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 12

3. Apresentar e promover: chamar a atenção do público-alvo e fazer com que este grave a mensagem transmitida. São os cartazes, capas de livros e discos e anúncios publicitários13.

O design gráfico faz parte da cultura de uma sociedade. A estética, a arte e o design são caminhos de reflexão que podem colocar em relação o indiví- duo, a cultura e a tecnologia, demonstrando elos entre a experiência e o pen- samento de uma época.

A partir das primeiras décadas do século XX, os principais movimentos vanguardistas que tiveram impacto sobre o design visual possuíam valores estéticos similares: as máquinas e os objetos industrializados, a abstração for- mal e a geometria euclidiana, a ordem matemática e a racionalidade, a dispo- sição linear e/ou modular de elementos construtivos, a síntese das formas e a economia na configuração, a otimização e a racionalização dos materiais e do trabalho. Essa visão artística – ao contrário do ideal romântico do século XIX, que situava a natureza como fonte dos mais elevados padrões estéticos – con- dizia perfeitamente com os interesses da sociedade que buscava impor tipos e padrões industriais baseados num racionalismo científico. Para uma sociedade que entendia a tecnologia e a indústria como forças com potencial de criar uma organização social mais perfeita, nada mais adequado que a busca por formas e construções que se identificassem com o progresso industrial. Assim, a in- dustrialização representava o fundamento de uma nova estética.

Partindo principalmente da confluência de idéias, e em torno do constru- tivismo, do movimento De Stijl e da Bauhaus, emergiu, a partir do século XX, uma série de nomes pioneiros do design gráfico moderno, entre os quais não se pode deixar de citar Alexander Rodchenko, El Lissitzky, Herbert Bayer, Jan Tschichold, László Moholy-Nagy e Theo van Doesburg. A seguir, alguns traba- lhos desses artistas:

13 Id. Ibid., p. 4. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 13

Da esquerda para a direita: capa do livro Miss Mend, 1924 (Alexander Rodchenko); pôster Derrote os brancos com a cunha vermelha, 1920 (El Lissitzki); família de tipos Universal, 1926 (Herbert Bayer); pôster para a exposição O Fotógrafo Profissional, 1938 (Jan Tschichold); página dupla do livro da Bauhaus Pintura Fotografia Filme, 1925 (Laszlo Moholy-Na- gy); e capa da revista Mécano nº 3, 1923 (Theo van Doesburg). ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 14

O impacto desses designers se deu principalmente pela produção de carta- zes e outros impressos que privilegiavam a construção da informação visual em sistemas ortogonais14, utilizando formas simples e claras como figuras geométri- cas, uma gama reduzida de cores (geralmente azul, vermelho e amarelo) e fontes tipográficas com uma variação mínima entre caixa alta e caixa baixa. Pretendia-se que os significados visuais resultassem principalmente do contraste e do equilí- brio entre os elementos formais, uma proposta intimamente relacionada a teorias da Gestalt15, muito divulgadas na época.

Em função da proximidade entre o meio de artes plásticas e o de artes grá- ficas, tais propostas foram rapidamente assimiladas a partir da década de 1930, dando origem a todo um padrão de design gráfico divulgado mundialmente por meio do livro de Jan Tschichold intitulado Die Neue Typographie (A Nova Tipogra- fia), de 192816. Curiosamente, considerando a rapidez com que foram assimiladas

14 Que formam ângulos retos.

15 A teoria da Gestalt surgiu na Alemanha e se desenvolveu a partir dos anos 1920 no contexto das grandes reviravoltas nas ciências e na filosofia. Gestalt é a palavra alemã para designar configuração, organização ou, na tradução mais livre, forma, padrão, referindo-se sempre a um todo. Max Wertheimer é considerado seu idealizador, ao lado de Kurt Koffka e Kurt Lewin. As teorias da Gestalt, introduzidas no Brasil principalmente por Max Bill e Mário Pedrosa, foram adotadas pelos artistas concretos como “condição essencial das criações de arte, que devem formar um sistema vivo, no qual todas as partes são mutuamente dependentes e relacionadas”. A pintura concreta propunha uma nova visualidade, que, orientada em princípios geométricos organizados segundo critérios da Gestalt (Teoria Geral da Forma), proporcionasse ao espectador uma fruição objetiva – a composição observada no quadro deveria corresponder, exatamente, àquilo que o artista concebeu no projeto original da obra. A Gestalt atua principalmente no campo da teoria da forma, com contribuição relevante aos estudos da percepção. Por meio de estudos e pesquisas experimentais, foram formuladas teorias acerca dos campos mencionados, procurando explicar a relação entre sujeito-objeto no campo da percepção. A teoria da Gestalt afirma que não se pode ter conhecimento do todo pelas partes, e sim das partes pelo todo. Em suas análises estruturais, ela descobriu certas leis que regem a percepção humana das formas, facilitando a compreensão das imagens e idéias. São estas, resumidamente, as leis da Gestalt: SEMELHANÇA: ou “similaridade”, define que os objetos similares tendem a se agrupar. A similaridade pode acontecer na cor dos objetos, na textura e na sensação de massa dos elementos. PROXIMIDADE: os elementos são agrupados de acordo com a distância a que se encontram uns dos outros. Os elementos que estão mais perto de outros tendem a ser percebidos como um grupo. BOA CONTINUIDADE: está relacionada à coincidência de direções, ou alinhamento, das formas dispostas. Se vários elementos apontam para o mesmo canto, por exemplo, o resultado final “fluirá” mais naturalmente. PREGNÂNCIA: é o princípio da simplificação natural da percepção. Quanto mais simples, mais facilmente é assimilada. CLAUSURA: ou “fechamento”, o princípio de que a boa forma se completa. Relaciona-se ao fechamento visual, como se completássemos visualmente um objeto incompleto. EXPERIÊNCIA PASSADA: relaciona- se com o pensamento via associações. A experiência passada favorece a compreensão. Os mesmos elementos da figura artística se aplicam à comunicação visual. Uma imagem é capaz de ter a mesma eficácia que um discurso falado ou mesmo um livro. Tudo depende da ordem e da intensidade com que são organizados.

16 CARDOSO, Rafael. Op.cit., p. 115. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 15 as tendências vanguardistas européias em outras áreas, essa visão do design gráfico teve uma influência muito pequena no Brasil antes do final da Segunda Guerra Mundial e só foi trabalhada sistematicamente a partir de 1950 nas obras dos artistas e designers ligados aos movimentos concretos e neoconcretos.

Não por acaso, alguns dos nomes acima mencionados reaparecem no contex- to do ensino do design ligados principalmente à Bauhaus. Segundo Rafael Cardoso (2004, p. 116), “pode-se argumentar que o ponto de maior influência dos movimen- tos vanguardistas em matéria de design tenha sido justamente na área de ensino”.

Construtivismo

Para o construtivismo, a pintura e a escultura são pensadas como constru- ções – e não como representações –, guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos. Além das especificidades do construtivismo russo, outros movimentos de caráter construtivo na arte ocorreram no início do século XX – por exemplo, o grupo de artistas expressionistas reuni- dos em torno de Wasilly Kandinsky no Der Blaue Reiter, em 1911, na Alemanha; o De Stijl, criado em 1917, que agrupa Piet Mondrian, Theo van Doesburg e outros artistas holandeses ao redor das pesquisas abstratas; e o suprematismo, fun- dado em 1915 por Kazimir Malevich, também na Rússia. Vale citar também que há pressupostos construtivos que se fazem presentes, de diferentes modos, no cubismo e no futurismo italiano.

A ideologia revolucionária e libertária que impregnava as vanguardas em geral adquiriu feições concretas na Rússia, diante da revolução de 1917. A nova sociedade projetada no contexto revolucionário mobilizou os artistas em torno de uma arte nova, que se colocava a serviço da revolução e de produções concre- tas para a vida do povo. O construtivismo soviético deslocou a questão central das tendências construtivas ocidentais: esta passa da estética para a política, da organização estética do ambiente para a construção política e ideológica de uma ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 16

nova sociedade.17 Afinal, a produção artística deveria ser funcional e informativa.

Em 1922, quando o regime soviético começou a manifestar seu desagra- do com a arte construtivista, Nikolau Pevsner e Naum Gabo deixaram a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O exílio dos artistas contribuiu para a disseminação dos ideais estéticos da vanguarda russa que impactariam a Bauhaus na Alemanha e o De Stijl nos Países Baixos.

O diálogo com o construtivismo na América Latina, em geral, e no Brasil, em par- ticular, no período após a Segunda Guerra Mundial pode ser observado no movimento concreto de São Paulo, Grupo Ruptura, e no do Rio de Janeiro, Grupo Frente.

Após anos de manifestos, acréscimos e modificações no desenvolvimento pessoal dos artistas e de simplificações por parte dos críticos e historiadores, a imagem no construtivismo conservou algumas características:

• O tema da obra de arte é a imagem em si mesma. Segundo Naum Gabo, “os elementos das artes visuais tais como as linhas, as cores, as formas possuem sua própria força de expressão, independentemente da associação aos aspectos exteriores do mundo” 18;

• Não há motivos românticos nem interferências românticas na imagem;

• Não há símbolos. As formas se tornam figuras no sentido figura-fundo, livres das representações simbólicas;

• A imagem é premeditada, resolvida e ajustada com precisão;

17 BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo: Cosac Naify. 1999.

18 GABO, Naum. Studio International. Londres, abr. 1966, p. 129. Apud RICKEY, George. Construtivismo: origens e evolução. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 58. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 17

• A obra construtivista aparece sempre limpa e pura. As qualidades de limpeza e silêncio não constituem um propósito, mas um subproduto. Os materiais indus- triais são utilizados livremente, sem tentativas de realce, de maneira a revelar suas qualidades próprias de aço, latão, plástico, cimento – a preocupação com os mate- riais em si mesmos seria digressiva;

• A imagem não depende de experiências rememoradas, de acontecimentos, de objetos observados, de associações ou sugestões;

• Não há intenção de ilusionismo tal como a perspectiva ou a modelagem; a cor é plana, e quando apresenta tonalidades não cria ilusão de volume, espaço, ou sugestão de atmosfera;

Os aspectos do construtivismo não são definitivos, mas nos dão uma visão do que foi esse componente contínuo da arte no século XX;

• A ordem clássica: a geometria foi herdada do mundo clássico. Trata-se de uma ordenação lógica e precisa de reflexões que resultam da experiência humana com o espaço. Portanto, os artistas do século XX, ao buscar a ordem, voltaram-se para a geometria. Submeter uma idéia a uma forma fixa, seja ela livre ou regrada, consiste no classicismo, e tal rigor é característico do construtivismo;

• Novas idéias sobre o espaço: o construtivismo discutiu e refletiu sobre o espaço mais que sobre a linha, a cor, a luz, o tratamento da superfície ou o sen- tido. A pintura e o espaço encontram-se mutuamente envolvidos; a pintura não é uma representação gráfica de não-espaço visto contra o espaço. A figura é tanto o espaço quanto o fundo; ambos são intercambiáveis, nenhum deles se detém na margem da tela;

• Relevos: a escultura de relevo não-figurativa é uma espécie de arquitetura presa à parede, que não requer uma vista aérea para ser plenamente visualizada. O relevo não é mais híbrido, e sim uma nova forma; ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 18

• Tangentes e pressões: há uma variedade de recursos para gerar tensão e pressão que estimula a atenção do espectador. Entre eles destacam-se: a) recorte de uma forma, sugerindo que a moldura comprima a pintura ou que esta pareça fazer parte de uma obra maior; b) peso localizado no topo, ou outro desequilíbrio que pareça contradizer a lógica de nossa experiência normal com a gravidade, as referências vertical-horizontais, a linha do horizonte, o espaço e a perspectiva; c) situações tangenciais, em que as formas apenas tocam os limites da moldura, ou umas às outras; d) situações em que as formas parecem pressionar contra o limite da moldura, ou umas contra as outras; e) situações em que as massas perdem o en- caixe, deixando colunas estreitas – e portanto muito carregadas – entre si; f) linhas e contornos que se aproximam uns dos outros ou do limite da moldura, sem fazer contato; g) destaque dos ângulos agudos; h) tensões internas em que as formas parecem ter sido puxadas ou esticadas; i) interrupção de objetos lineares ou modifi- cação de outros elementos, quando são atravessados por linhas;

• A imagem centralizada: as formas simples como imagem – por exemplo, o quadrado e o círculo – não são somente imagens “puras”, mas também regulares, e independem de referências externas para sua orientação – não possuem topo, base ou lados. O quadrado e o círculo têm muito em comum: a uniformidade, a simetria em quatro eixos, a possibilidade de repetição em faixas concêntricas mais largas; ambos são imagens perfeitas, mecanicamente fabricáveis (com régua e compasso). Há muito usadas na decoração, essas formas foram introduzidas nas “belas-artes” por Malevitch e Rodchenko e propagadas pela Bauhaus;

• Matemática e arte concreta. Segundo Vantongerloo, “vemos então que podemos construir uma obra-de-arte com o dado da geometria... não há necessidade de expres- sar a arte em termos de natureza. A arte pode perfeitamente ser expressa em termos da geometria e das ciências exatas”19. No lugar da intuição na arte, propõe-se a ordem matemática, e procura-se nela a fonte do conteúdo do trabalho artístico. Trata-se do uso de processos de pensamento lógico para a expressão plástica de ritmos e relações.

19 VANTONGERLOO, Georges. Reflections (Reflexões). New York: Wittenborn, 1948, p. 9. Apud RICKEY, George. Op. cit., p. 149-50. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 19

De Stijl

O De Stijl preocupava-se tanto com a arquitetura e o design como com a pintura e a escultura. Foi um dos movimentos da arte moderna que tive- ram maior influência; foi o paralelo que, na arte, acompanhou a Revolução Russa20. O grupo De Stijl foi fundado em 1917 por Piet Mondrian e Theo van Doesburg, com a publicação de uma revista de mesmo nome. Na De Stijl eles expunham suas idéias sobre uma arte relacional21, liberta de toda referência figurativa ou de detalhes individuais de objetos naturais. Arrancando a pintura do campo da representação, abraçando o abstracionismo total e objetivando a síntese das formas de arte, o grupo caracterizou-se pelo entusiasmo de seus partidários, que acreditavam existir leis que regem a expressão artística e viam na sua arte um modelo de relações harmoniosas dos indivíduos na sociedade. Buscavam uma expressão plástica clara e ordenada, liberta de sugestões representativas e composta a partir de elementos mínimos: a linha reta, o retângulo e as cores primárias.

O De Stijl correspondeu a uma nova visão estética nas artes plásticas, que era objetiva e construtiva. Seu ponto central foi a busca de uma linguagem uni- versal, não-individual, que fosse capaz de exprimir o espírito de coletivismo do mundo moderno e integrar a arte aos meios de construção e de produção indus- trial. Essa estética dirigia-se a um mundo ideal, onde o artista desempenharia um importante papel para a construção do futuro22.

O auge do De Stijl ocorreu entre 1921 e 1925, quando Theo van Doesburg convidou artistas de toda parte para participar do grupo e, paralelamente, fez diversas conferências pela Europa para divulgar suas teorias. Em suas viagens, Van Doesburg disseminou suas idéias geométricas, encontrando na Bauhaus de

20 NASH, J.M. O cubismo, o futurismo e o construtivismo. Rio de Janeiro: Labor do Brasil, 1975, p. 46.

21 RICKEY, George. Construtivismo: origens e evolução. São Paulo: Cosac Naify, 2002.

22 GULLAR, Ferreira. Etapas da arte contemporânea: do cubismo à arte neoconcreta. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 155. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 20

Weimar um local propício para difundi-las. Em 1920, Van Doesburg encontrou -se com Walter Gropius em Berlim e aceitou seu convite para visitar a Bauhaus23. Com isso intensificou sua tendência idealista entre os mestres da famosa escola alemã de desenho industrial, onde chegou a lecionar e onde suas idéias logo foram acolhidas.

Em 1924, Mondrian rompeu suas ligações com o grupo e, em 1928, a re- vista De Stijl parou de circular. Apesar disso, o De Stijl e seu intercâmbio com a Bauhaus popularizaram o ideal neoplástico por meio da produção para consumo em escala industrial de peças diretamente inspiradas pelas propostas do grupo, que adquiriram um caráter moderno, voltado para o futuro, e dialogaram com a arquitetura e o desenho industrial.

Bauhaus

A abertura da escola, em 1919, combinava uma academia artística com uma escola de artes e ofícios24. Suas idéias, muito importantes para a formação do design moderno do século XX, preencheram a lacuna entre os artista e o sistema industrial, rompendo com a hierarquia que separava as “belas-artes” das “artes aplicadas”, estabelecendo o que pode ser ensinado (técnica) e o que não pode (invenção criativa). A Bauhaus encontrou uma forma de beleza nova e moderna no De Stijl e no construtivismo, cujos artistas visitavam a escola com freqüência, mantendo contato próximo com o corpo docente. As teorias do De Stijl foram in- troduzidas na escola com as visitas de Van Doesburg; e as idéias construtivistas vieram em grande parte via László Moholy-Nagy, exercendo considerável influên- cia sobre os estudantes.

A Bauhaus iniciou suas atividades em 1919, em Weimar, na Alemanha, sob a direção do arquiteto Walter Gropius, com o ideal de unir engenheiros, arqui-

23 HOLLIS, Richard. Op. cit., p. 69.

24 Pevsner, Nikolaus. Os Pioneiros do desenho moderno: de William Morris a Walter Gropius. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 26. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 21

tetos, pintores, artesãos, designers e artistas industriais para pesquisar e cons- truir protótipos a serem produzidos em escala industrial, procurando, ao mesmo tempo, atender às necessidades da sociedade e levar a arte moderna a todos os níveis sociais. Gropius nomeou de imediato Kandinsky, Paul Klee e Lyonel Feininger para aulas de pintura; Gerhard Marcks para as de escultura; Herbert Bayer para as de desenho gráfico; Oskar Schlemmer para as de teatro; Marcel Breuer para as de arquitetura; e para o curso básico nomeou Johannes Itten, logo substituído por Josef Albers e László Moholy-Nagy. Ali estiveram alunos que desempenharam importante papel na estética do século XX, como Willi Baumeis- ter, Fritz Winter e Max Bill, que na década de 1950, em Ulm, na Alemanha, funda a Hochschule für Gestaltung (Escola Superior da Forma).25

A escola muda-se de Weimar, em 1925, para Dessau, sendo instalada em um edifício projetado por Gropius, de arquitetura industrial moderna e arrojada, lá permanecendo até o início da década de 1930. Apenas 14 anos se passaram entre a abertura da escola e seu fechamento forçado, em 1933, quando foi con- denada como fonte perigosa de pensamento independente de arte degenerada. Os soldados de Hitler forçaram o fechamento da escola e a maior parte de seus professores partiu. Estes, em conjunto com artistas próximos e alunos, emigra- ram para os Estados Unidos e outros países da Europa e da América, difun- dindo as idéias originais e as assimiladas. Assim, o pensamento e as imagens construtivistas da Bauhaus e a estética da máquina foram difundidos em todos os níveis da cultura visual européia, na América e nas áreas industrializadas do Oriente – da arquitetura aos produtos domésticos de produção em massa, dos projetos gráficos de livros ao layout da imprensa popular. Porém, é inte- ressante mencionar que a Alemanha só passou a utilizar a expressão “design” após 1945; para aqueles que tentavam se adaptar à modernidade da máquina, a expressão “Bauhaus” representava tudo o que era oposto à atividade artesa- nal e decorativa26.

25 DROSTE, Magdalena. Bauhaus. São Paulo: Taschen do Brasil, 2006.

26 Id. Ibid., p. 60. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 22

Arte concreta

O termo “arte concreta” é usado por Theo van Doesburg em 1930, em Paris, ao publicar em uma edição única do que teria sido um periódico de nome A.C. (para “arte concreta”), pontuando o que seria a base da pintura concreta:

a arte é universal; a obra de arte deve ser inteiramente concebida e for- mada pelo espírito antes de sua execução; o quadro deve ser inteiramente construído com elementos puramente plásticos, isto é, planos e cores. Um elemento pictórico só significa a ‘si próprio’ e, conseqüentemente, o qua- dro não tem outra significação que ‘ele mesmo’; a construção do quadro, assim como seus elementos, deve ser simples e controlável visualmente; a técnica deve ser mecânica, isto é, exata, anti-impressionista; esforço pela clareza absoluta.27

A expressão “arte concreta” foi definida por Van Doesburg não com o intuito de iniciar um novo movimento estético, mas com o propósito de dar o nome exato a uma arte que havia se desprendido totalmente da imitação da natureza28. Assim, para ele, a arte concreta buscava abandonar qualquer aspecto nacional ou regional e se afastava inteiramente da representação da natureza. A arte concreta negava as correntes artísticas subjetivas e líricas, recusava a arte como expressão de sen- timentos. A arte concreta, sem implicar numa arte figurativa, nasceu também como oposição à arte abstrata, que pode trazer vestígios simbólicos devido à sua origem na abstração da representação do mundo. Segundo Van Doesburg, um nu femini- no, uma árvore ou uma natureza-morta pintados não são elementos concretos, mas abstrações. O que há de concreto numa pintura são os seus elementos formais. Ele chamava de pintura concreta, e não abstrata, porque “nada mais concreto do que uma linha, uma cor, uma superfície” (apud RICKEY, 2002, p. 60). Assim, o termo arte concreta surge como uma tentativa de redefinição da pintura não-figurativa. Hans Arp e Wassily Kandinsky também adotaram em certo momento a denomina- ção de arte concreta para suas obras.

27 VAN DOESBURG, Theo. Arte Concreta. In: AMARAL, Aracy (org). Projeto construtivo brasileiro na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro: MAM, 1977, p. 42.

28 GULLAR, Ferreira. Op. cit., p. 212. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 23

A arte concreta é herdeira das pesquisas do grupo De Stijl, de Piet Mondrian e Van Doesburg, que buscavam a pureza e o rigor formal na ordem harmônica do universo. Além disso, a arte concreta partiu de ideais da Bauhaus nos quais a racio- nalidade deve estar presente em todos os âmbitos sociais e as conquistas da arte devem ser democratizadas pela indústria.

Para Max Bill, que foi um dos maiores responsáveis pela divulgação da arte concreta na América Latina, a diferença entre ela e a arte abstrata começa real- mente a se estabelecer em 1936. Foi nesse ano que Bill empregou a expressão “arte concreta” para designar uma arte construída objetivamente e em estreita liga- ção com a matemática29. Mas tratava-se ainda de uma manifestação isolada, que só iria tomar corpo de movimento artístico com a criação da Escola Superior da Forma, de Ulm, depois de 1951. Essa transformação se deve sobretudo à contri- buição criadora do grupo de artistas concretos suíços formado por Max Bill, Camile Graeser, Richard P. Lhose e Verena Loewnsberg, que abriu novas perspectivas a uma definição de arte concreta sobre novas bases.

De acordo com Max Bill, a arte abstrata é transitória, uma continuação da abstração iniciada no cubismo. Já a arte concreta propriamente dá importância a funções como a criação de ritmos matematicamente precisos e a produção de cam- pos de energia com a ajuda da cor. Outra característica marcante da arte concreta está na recolocação do problema da bidimensionalidade do espaço pictórico, que havia sido também um dos pontos fundamentais da estética neoplástica de Mon- drian. Outro ponto fundamental da arte concreta foi definido por Max Bill como “a concreção de uma idéia” e determinado por Tomás Maldonado como um processo que “inicia-se na imagem-idéia (Bild-Idee) e culmina na imagem-objeto”. O concreto é o que existe na realidade, o que não é apenas conceito – segundo Max Bill, “uma realidade que possa ser controlada e observada” 30.

A estética concreta, segundo a formulação de Max Bill, propunha a criação de

29 Id. Ibid., p. 213.

30 Id. Ibid., p. 214. ANTECEDENTES IMEDIATOS // DESIGN VISUAL: CONFLUÊNCIA DE IDÉIAS ENTRE CONSTRUTIVISMO, DE STIJL E BAUHAUS • 24

uma arte baseada numa concepção matemática. A concepção matemática da arte não é a matemática no sentido estrito, é uma configuração de ritmos e relações, de leis que têm seus elementos originários no pensamento matemático. A seu ver, esse pensamento matemático poderia levar adiante as experiências de um Kan- dinsky, de um Mondrian, de um Klee, pois, para ele, a arte ocidental moderna havia entrado numa fase de paralisação após esses grandes mestres31. Essa escolha, por parte do artista, de usar a matemática como fonte de inspiração e método abriu novos caminhos para a linguagem e a estética da arte, e ao mesmo tempo tornou- a interesse cultural de sua época. Max Bill afirmou ainda que a arte concreta se diferencia por uma característica: a estrutura; “a estrutura da construção na idéia, a estrutura do visual na realidade, a realidade como estrutura da idéia, a idéia como estrutura da realidade”32.

Após a Segunda Guerra Mundial, a arte abstrata expandiu-se internacio- nalmente e, com isso, o movimento concreto irradiou-se de Ulm, na Alemanha, para a América Latina, primeiro para a Argentina e depois para o Brasil. Nesse momento, a região passava por um forte surto desenvolvimentista e industrial. No Brasil, eram fundados os Museus de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro e de São Paulo e o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand(Masp). A I Bienal de Arte de São Paulo, realizada pelo MAM-SP em 1951– e na qual Max Bill recebeu o prêmio de escultura com sua Unidade tripartida –, despertou o in- teresse da arte concreta no Brasil, o que muito influenciou os caminhos da arte feita por aqui. A partir de então, no Rio de Janeiro e em São Paulo os artistas jovens dedicaram-se de maneira mais corajosa às experiências no campo da linguagem matemática e geométrica.

31 RICKEY, George. Op. cit.

32 BILL, Max. “Afirmação sobre arte concreta”. Correio Paulistano, jul.1960. Invenção. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 25

1.2. A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950

O design visual brasileiro anterior a 1950 revelava uma conjunção entre técni- ca e tecnologia na inserção da economia brasileira no sistema industrial capitalista que havia estimulado a criação de novas modalidades de projeto – em especial, marcas registradas e rótulos comerciais. Já no Brasil oitocentista, notam-se a im- portância da tecnologia como fator condicionante do design visual e o papel do de- sign como forma de traduzir os avanços tecnológicos em uma linguagem inteligível para um público que ainda estava pouco acostumado com a velocidade das trans- formações em curso. Porém, foi na década de 1920 que o design visual marcou no Brasil um primeiro ponto de amadurecimento, com um uso mais sistemático do projeto gráfico como fator de apelo comercial, unindo linguagens, redirecionando informações e criando identificação com o público.

O design gráfico, como não poderia deixar de ser, acompanhou a evolução industrial. Vários setores da indústria, no contexto da Primeira Guerra Mundial passaram a exportar mais ou realizar uma efetiva substituição nas importações. É o caso, entre outros, do setor livreiro no Brasil. Assim, a trajetória do design visual brasileiro revela uma série de informações sobre a sociedade, a tecno- logia, a arte e a criação individual, que podem ser compreendidas por meio de uma investigação histórica.

Foi no Brasil oitocentista que se iniciaram o registro de marcas e a pro- dução de rótulos para alimentos e bens de consumo simples, acompanhados do crescimento urbano e do progresso técnico do setor de transportes, que havia facilitado a comercialização de mercadorias para exportação e consumo interno. Nessa época, a litografia havia sido difundida no Brasil, promovendo uma vantagem em relação às técnicas de reprodução de texto e imagem an- teriores, possibilitando a criação do desenho – incluindo o desenho de letras e textos – diretamente sobre a matriz a ser impressa. Na tipografia, utilizada anteriormente, o texto era composto por tipos de chumbo preexistentes. Já na litografia, a liberdade de composição era bem maior. Essa técnica não foi a mais adequada para impressão de jornais e livros, mas sua importância nos ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 26

impressos comerciais e publicitários no século XIX teve um impacto revolucio- nário no design visual brasileiro33.

Se os rótulos e outros impressos podem nos dizer sobre a técnica de produ- ção e o desenvolvimento da atividade gráfica da época, também espelham o que ocorria na sociedade que os produziu. Nesses impressos do Brasil oitocentista, nota-se uma sociedade em busca da modernidade, que associava por meio de imagens um conceito de progresso e civilização; encontram-se em rótulos da épo- ca fábricas a vapor e suas chaminés, e até mesmo homenagens ao Visconde de Figueiredo pela sua dedicação ao progresso do país, revelando uma busca por um Brasil desenvolvido, já que a concretização da industrialização e a alfabetização ainda não estavam estabelecidas34.

À esquerda: rótulo para fábrica de cachimbos e cigarros mostrando uma índia fumando e uma fábrica a vapor ao fundo. À direita: rótulo da Fábrica Globo em que havia espaço até mesmo para homenagear o Visconde de Figueiredo.

A presença da fotografia nos impressos surgiu na segunda metade do século XIX, quando a introdução da reprodução fotomecânica trouxe grandes mudanças para o design gráfico brasileiro. Porém a falta de mão-de-obra qualificada para transpor as imagens fotográficas para matrizes xilográficas retardou o progresso de publicações em que imagem e texto pudessem dividir a mesma página, com uma impressão simultânea35.

33 REZENDE, Lívia Lazzaro. “Litografia, técnica e linguagem”. In: CARDOSO, Rafael (org.).O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

34 Id. Ibid.

35 ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. “Do gráfico ao foto-gráfico: a presença da fotografia nos impressos”. In: CARDOSO, Rafael (org.). Op. cit., p. 64. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 27

A partir de 1860, a fotografia foi difundida e consumida no Brasil pela elite, concentrada em sua maior parte nas grandes capitais. E foi nessa mesma década que surgiu e se destacou o periódico Semana Illustrada, de Henrique Fleiuss, ale- mão natural de Colônia, desenhista, gravador e litógrafo que chegou ao Brasil em 1858. Fleiuss tinha como propósito fazer da Semana Illustrada uma publicação nos moldes das melhores revistas ilustradas européias, visando a integração de texto e imagem. Mais tarde, o periódico passou a se chamar Revista da Semana36.

A década de 1870 marcou a imprensa ilustrada do Rio de Janeiro com a con- solidação de periódicos com imagens litografadas. Rafael Bordallo Pinheiro, portu- guês, pintor, ceramista, caricaturista, editor, artista gráfico, figurinista e decorador, mudou-se para o Rio Janeiro em 1875, onde deu continuidade às suas atividades de artista gráfico e caricaturista colaborando na indústria gráfica local, trabalhando no jornal ilustrado O Mosquito e lançando em seguida o Psit!!!. Mais tarde, lançou também O Besouro, periódico ilustrado e humorístico pioneiro na utilização de tex- to e fotografia na imprensa carioca. Segundo Joaquim M. F. de Andrade, embora Bordallo Pinheiro não tenha sido o primeiro a estampar numa litografia a cópia fiel de uma fotografia na imprensa carioca, foi o primeiro a usá-la como meio de comu- nicação pelo qual pretendia relatar a notícia por inteiro, a verdade nua e crua37.

Nesse momento a xilogravura foi sendo rapidamente substituída pela repro- dução fotográfica na imprensa brasileira. Ao longo da década de 1880, chegaram ao Brasil novos sistemas de reprodução fotomecânica e de impressão. Mas foi somente a partir da primeira fase da Revista da Semana, iniciada em 1900, que começou uma verdadeira transição para um formato em que imagem e texto eram realmente integrados e a fotografia constituía notícia38.

36 Id. Ibid., p. 65.

37 Id. Ibid., p. 80.

38 Id. História da fotorreportagem no Brasil: a fotografia na imprensa do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Campus, 2003. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 28

Logo após a Revista da Semana, foram surgindo pelo país diversos outros periódicos inteiramente impressos em tipografia em que eram constantes a re- produção de fotografias e desenhos. O Cruzeiro, revista ilustrada fundada por Assis Chateaubriand em 1928 – década em que diversas publicações do gênero foram lançadas pelo mundo –, consagrou a fotorreportagem no Brasil, alcançan- do uma tiragem recorde de 720 mil exemplares, por ocasião da morte de Getúlio Vargas, em 195439.

À esquerda: capa da Revista da Semana, de junho de 1900, integração de texto e imagem no processo de impressão. À direita: página dupla da revista O Cruzeiro, de setembro de 1930.

Mas foi por meio de cartões-postais que a sociedade brasileira se acostumou com a reprodução de fotografias por processos fotomecânicos. Diferentemente do que ocorreu na Europa, não chegamos a ter, no século XIX, uma produção consis- tente de livros ou publicações periódicas com fotografias. A inexistência de mão- de-obra especializada na confecção de matrizes xilográficas, e posteriormente as dificuldades econômicas para a instalação de um parque gráfico local capaz de realizar a reprodução fotográfica em autotipia, ocasionaram um atraso, no Brasil, de aproximadamente 20 anos em relação à Europa e aos Estados Unidos. Foi a partir do início de século XX que a fotografia começou a ser mais presente nos impressos brasileiros.

39 PEREGRINO, Nadja. O Cruzeiro: a revolução da fotorreportagem. Rio de Janeiro: Dazibao, 1991, p. 24. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 29

A revista ilustrada A Maçã marcou a renovação do design editorial na década de 1920. Lançada no Rio de Janeiro em 1922, rapidamente tornou-se um sucesso de vendas; dirigida ao público masculino, a publicação possuía um espírito satírico e era editado por Conselheiro XX, pseudônimo do escritor Humberto de Campos, então membro da Academia Brasileira de Letras40. A Maçã apresentou um projeto gráfico diferenciado desde o seu lançamento até o desligamento de Humberto de Campos da sua direção, em 1928. Já nos primeiros números, a revista apresentou recursos de diagramação incomuns para a época, utilizando uma grande variedade de ilustrações, acabamentos tipográficos (fios, pontos etc.), vinhetas e tipos.

Vários profissionais ligados às artes visuais passaram pela redação da revista. O primeiro deles foi Ivan, pseudônimo de Manlius Mello, que foi responsável pelo projeto gráfico. Manlius era decorador de interiores; seus desenhos ornamentavam salões, escritórios, gabinetes e estabelecimentos comerciais. Outro grande colaborador de A Maçã foi Calixto Cordeiro, que dominava todas as técnicas gráfico-editoriais, inclusive a litografia, e sua obra estimada é de aproximadamente 150 mil desenhos41.

Diversos recursos gráficos utilizados ainda hoje já eram empregados em A Maçã. A experiência em gravura e impressão por parte dos principais colabora- dores dava à revista um conteúdo visual com estreita relação com o texto – carac- terística rara nas revistas da época. A Maçã revelava não somente as tendências artísticas da época, mas também as mudanças de comportamento e pensamento da sociedade do Rio de Janeiro na década de 1920, uma vez que o design espelha as condições da sociedade na qual está inserido. Com um projeto gráfico e editorial de valor histórico e estético relevante, apresentou uma linguagem gráfica que es- tava de acordo com a linguagem artística da época, influenciada pela art nouveau, e revelou que nos anos 1920 havia profissionais exercendo sistematicamente a atividade de designer gráfico no Brasil42.

40 HALUCH, Aline. “A Maçã e a renovação do design editorial na década de 1920”. In: CARDOSO, Rafael (org.). Op. cit., p. 96.

41 Id. Ibid., p. 101.

42 Id. Ibid., p. 121. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 30

Revista A Maçã Acima: capas de 1922, 1924 e 1925. Abaixo: páginas editoriais.

Na década de 1920, toda uma geração de artistas cariocas participou da plu- ralidade de experiências propostas pela modernidade da época. Envolvidos pelas transformações sociais e pelos avanços tecnológicos no meio editorial, Julião Ma- chado, Raul Pederneiras, Calixto Cordeiro, J. Carlos, Di Cavalcanti, entre outros, trabalharam na área gráfica dos principais periódicos ilustrados de grande circula- ção, diagramando as revistas, produzindo anúncios comerciais e desenhando as charges políticas43. Segundo Ana Luiza Martins, muitas vezes os ilustradores ti- nham uma atuação mais importante que o redator, pois, como profissionais do mo-

43 SOBRAL, Julieta Costa. “J. Carlos, designer”. In: CARDOSO, Rafael (org.). Op. cit., p. 124. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 31

mento a serviço da imagem, garantiam a colocação dos periódicos no mercado44. Esses artistas souberam unir arte e tecnologia numa atuação fundamental para a modernização da indústria gráfica brasileira. Criaram uma linguagem gráfica mo- derna e popular, dialogaram com a cidade. Os impressos em geral, e as revistas ilustradas em particular, tornaram-se os principais veículos culturais.

J. Carlos, entre os artistas que ingressaram na modernização gráfica da épo- ca, pode ser considerado um exemplo de designer moderno, tendo demonstrado capacidade de síntese e elegância notáveis mesmo para os parâmetros de hoje. Trabalhou com as novas tecnologias gráficas e fotográficas da época projetando re- vistas, livros e cartazes, além de caricaturas, charges, letras capitulares, adornos, logotipos, desenhos infantis e publicidade.

Entre 1922 e 1931, J. Carlos foi diretor de arte de todas as revistas do grupo Pimenta de Mello e Cia, um dos maiores parques gráficos da época, responsá- vel pela publicação dos semanários ilustrados O Malho, Para Todos..., Illustração Brasileira, Leitura Para Todos..., Tico-Tico e seus respectivos almanaques. O Pi- menta Mello e Cia imprimia, além de revistas, livros, mapas, bilhetes para a loteria federal, e produziu também, em 1926, a primeira revista brasileira em offset, a Cinearte. Foi nesse momento, já com um conhecimento técnico adquirido, que J. Carlos atuou mais marcadamente como designer gráfico. Direcionando cuidadosa- mente cada projeto ao seu público-alvo, destacou-se como designer nas revistas O Malho e Para Todos..., utilizando uma linguagem gráfica moderna e ao mesmo tempo brasileira, incorporando um novo discurso visual que refletia os indícios de modernidade no design gráfico, como a busca da síntese no uso de formas e de cores, além de um equilíbrio estético entre uma racionalização geométrica e a ornamentação, revelando uma associação ao estilo art déco, tendência também associada à arquitetura da época45.

44 MARTINS, Ana Luiza. Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República (1890- 1922). São Paulo: Edusp, 2001, p. 184.

45 SOBRAL, Julieta Costa. Op. cit., p. 157. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 32

Acima: revista O Malho, capa de 1927, com projeto gráfico e ilustração de J. Carlos e página dupla com amplo uso da fotografia. Abaixo: revista Para Todos..., capas de 1927 e 1930 e página editorial.

No que diz respeito à produção de livros com capas ilustradas, o caso brasi- leiro é surpreendente tanto pelo pioneirismo quanto pela originalidade. Foi princi- palmente na década de 1920 que surgiu no Brasil uma cultura forte de ilustração de capas. Monteiro Lobato teria sido o primeiro editor a romper com o padrão de capas puramente tipográficas, introduzindo capas ilustradas em sua editora, a Monteiro Lobato & Cia. (ativa entre 1919 e 1925). Segundo Laurence Hallewell, o livro Uru- pês, do próprio Monteiro Lobato, marcou o início do design de capas no Brasil, bem como um ponto de partida para uma reconfiguração dos projetos gráficos de livros de modo geral, dando mais atenção à qualidade tipográfica e à diagramação do ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 33

miolo, melhorando com isso a inserção mercadológica de suas edições46.

Entre 1900 e 1930, fatores tecnológicos e comerciais como a importação de máquinas e a implantação de novas fábricas de papel (Melhoramentos e Klabin), além de fatores socioculturais como o crescimento dos centros urbanos com a ampliação do mercado literário e o impacto sobre os leitores, levaram ao estabe- lecimento de novas editoras, à fusão de antigas e a avanços significativos no mer- cado industrial gráfico brasileiro47. A ilustração de capas de livro foi inserida em um esforço de popularizar o produto, tornando atraente as novas edições mais baratas em brochuras, distanciando o livro do status de objeto de luxo.48

Fernando Correia Dias, nascido em Portugal, chegou ao Brasil em 1914 e foi logo introduzido no mercado artístico do Rio de Janeiro, tendo encontrado aceita- ção imediata como caricaturista e ilustrador. Foi pioneiro na ilustração de capas; as mais antigas de sua autoria datam de 1917, incluindo a capa da primeira edição do livro de poemas Nós, de Guilherme de Almeida, e a do livro de crônicas Da Seara de Booz, de Humberto de Campos, publicado em 1918 pela editora Leite Ribeiro49. Seguindo o caminho de Correia Dias, vários artistas e ilustradores passaram a se dedicar ao projeto gráfico de capas de livro. Entre os caricaturistas e ilustradores estão Álvaro Cotrim, Anísio Oscar Mota, Nemésio Dutra, Antônio Paim Vieira e Raul Paranhos Pederneiras. Dedicaram-se também a essa atividade artistas plásticos mais lembrados por sua atuação nas chamadas belas-artes, como Anita Malfatti, Augusto Rodrigues, Di Cavalcanti, Oswaldo Teixeira, Rodolpho Amoedo, Tarsila do Amaral e Victor Brecheret, entre outros.

O mercado editorial brasileiro chegou a meados da década de 1930 com um novo patamar de expectativas para a aplicação do design gráfico em projetos de

46 HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. São Paulo: Edusp, 2005, p. 251.

47 CAMARGO, Mário de (org.). Gráfica: arte e indústria no Brasil, 180 anos de história. São Paulo: Bandeirantes/ Edusc, p. 39-56.

48 CARDOSO, Rafael. “O início do design de livros no Brasil”. In: CARDOSO, Rafael (org.). Op. cit., p.177.

49 Id. Ibid., p. 180-81. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 34

Algumas edições que marcaram o início das capas de livro ilustradas no Brasil. Da esquerda para a direita: capa da segunda edição do livro Urupês, de 1919, com ilustração de Wasth Rodrigues; capa do livro Da Seara de Booz, de 1918, com ilustração de Fernando Correia Dias para a ed. Leite Ribeiro; e capa do livro Nós, de 1917, também com ilustração de Correia Dias, para a Cia. Editorial Nacional. livros. A ilustração de capas já era nessa época um poderoso recurso de comunica- ção, visando a melhor comercialização do produto. Nesse período, consolidou-se o uso de capas ilustradas difundido no setor livreiro brasileiro, além das primeiras iniciativas de refinamento nos projetos gráficos dos miolos dos livros e também a aplicação de uma identidade visual em livros de uma mesma coleção ou editora. O que demonstra sobretudo uma tentativa sistemática de diferenciar o livro como pro- duto industrial, agregando valor por meio de uma programação visual, fazendo com que as capas passassem a ser também um objeto de comunicação não visual.

Entre 1930 e 1937, o setor livreiro no Brasil viveu um surto de industrializa- ção que interferiu diretamente no mercado editorial. Nesse período, Getúlio Vargas havia subido ao poder e promovido uma série de mudanças estruturais no ensino público nacional. Tais mudanças socioeconômicas fizeram com que o número de editoras brasileiras dobrasse entre 1936 e 194450. Nessa época de prosperidade, novos talentos da literatura brasileira passaram a ter suas obras lidas pela classe média e mesmo pela operária, cada vez mais participante da vida política e cultural brasileira. A cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, firmou-se como

50 CAMARGO, Mário de (org.). Op.cit., p. 68. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 35

ponto de encontro de artistas e intelectuais de todo o Brasil.

Nesse contexto de mudanças e prosperidade do setor livreiro, destacou-se também o paraibano Tomás Santa Rosa como capista de grandes romances nacio- nais da época. Santa, como era conhecido, fez trabalhos para as editoras Ariel e Schmidt, que publicavam os principais títulos dos modernistas da época. Em 1935, foi contratado pela editora José Olympio para trabalhar como produtor gráfico, res- ponsável pelo design dos livros, projetando as fontes, as manchas de texto e as capas51. Um trabalho que hoje definiríamos como designer e produtor gráfico, que vi- sava também um planejamento editorial, levando em conta custos e padronização.

Santa Rosa elaborou para a editora um sistema de identidades visuais no qual cada título de uma determinada coleção era projetado com as mesmas características dos demais, acompanhando ainda um projeto maior adotado por todos os livros da editora. A solução gráfica projetada por Santa Rosa para a José Olympio conseguiu ao mesmo tempo expressar modernidade e brasilidade, obtendo um resultado estético surpreendente para a época. A principal inovação foi ampliar a ilustração e o chapado de cor, que passou então a ocupar toda a capa. Durante a década de 1940, fez tam- bém projetos gráficos para as editoras Pongetti, A Noite, Manchete e Casa Estudante, entre outras, e colaborou com vários jornais e boletins literários, ilustrando-os52.

Capas de Santa Rosa para a editora José Olympio feitas entre 1935 e 1939.

51 LIMA, Edna Cunha e FERREIRA, Márcia Christina. “Santa Rosa: um designer a serviço da literatura”. In: CARDOSO, Rafael (org.). Op. cit., p. 217-21.

52 Id. Ibid. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 36

Em 1946, Santa Rosa coordenou o curso de Desenho e Artes Gráficas da Fundação Getulio Vargas e, em 1953, lecionou na Escola Nacional de Belas Artes. Esse interesse pelo ensino coincidiu com uma mudança estilística de seu trabalho. A literatura havia mudado, e os temas nordestinos cederam espaço a uma prosa urbana e lírica como a de Clarice Lispector, cuja obra de estréia, Perto do Coração Selvagem, foi publicada pela editora A Noite com sua participação. Santa Rosa também fez projetos gráficos para grandes poetas, como Carlos Drummond de Andrade. O trabalho desenvolvido pelo capista ao longo de sua carreira foi de fun- damental importância para a renovação estética do livro nacional53.

Também é relevante citar aqui neste breve histórico a importância da editora Livraria do Globo, uma vez que esta constituiu um grande valor cultural na história das indústrias gráfica e editorial brasileiras. Fundada em 1883, em Porto Alegre, a empresa chegou a uma produtividade que revelou, além de bons resultados finan- ceiros, significativas contribuições à cultura e à comunicação no Rio Grande do Sul e no país. Sua produção editorial apostava em escritores estreantes e em autores contemporâneos de língua estrangeira. Investia também em periódicos como a Re- vista do Globo, o Almanaque Globo e a revista Província São Pedro, que dissemina- ram no sul do país as tendências modernistas da Semana de 22, em São Paulo.

Em 1909, a empresa instalou a primeira linotipo no estado e, em 1937, a pri- meira rotativa offset, incrementando seu projeto editorial ao adquirir um aparato tecnológico impressionante para a época, com a importação de maquinaria moder- na no segmento de fotomecânica, impressão e acabamento. Com colaboradores e profissionais competentes, chegou aos anos 1940 e 1950 com uma qualidade notável nos serviços e na produção de suas publicações54.

Revelada a Livraria do Globo como um pólo irradiador de cultura, na equipe da sua Seção de Desenho destacou-se o artista gráfico Ernst Zeuner, alemão nascido

53 Id. Ibid., p. 224-32.

54 GOMES, Leonardo Menna Barreto. “Ernst Zeuner e a Livraria do Globo”. In: CARDOSO, Rafael (org.). Op. cit., p. 233-6. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 37

em 1895 que chegou a Porto Alegre em 1922 e foi imediatamente contratado pela editora, pela qual se aposentou em 1966, após 40 anos de trabalho na empresa. Na época, porém, poucos artistas reuniam experiência profissional tão abrangente55.

No sistema industrial vigente desde o século XIX, os artesãos separavam-se por especialidade. Os tipógrafos eram responsáveis pela composição dos textos, os impressores cuidavam da qualidade gráfica da mancha obtida do prelo, os ilus- tradores cuidavam sobretudo das imagens a serem impressas, enquanto os gra- vadores respondiam pela preparação das matrizes de impressão. Coube a Zeuner ensinar aos artistas candidatos à Seção de Desenho os fundamentos da arte de impressão e de produção, buscando integrar as habilidades da criação artística aos conhecimentos técnicos exigidos pela reprodução mecânica56.

Sob forte concorrência de publicações semanais como as revistas Realidade, Manchete e Veja, a Globo suspendeu após quase 40 anos de sucesso a Revista do Globo. Tal situação, associada a dívidas com a construção de um novo prédio, fez com que a Globo transferisse sua editora para o Rio de Janeiro no início dos anos 198057.

Um outro nicho da indústria gráfica brasileira que merece destaque na histó- ria do design visual no Brasil são as capas de disco. Os primeiros indícios de ca- pas personalizadas no Brasil apontam para o final dos anos 1940. Curiosamente, tratavam-se de capas de discos para o público infantil lançados pela gravadora Continental. Em 1950, foi lançado o disco Cantigas de Roda com desenho de Di Cavalcanti, também para a Continental; nesse mesmo ano o artista ilustrou o álbum Noel Rosa, cantado por Aracy de Almeida58. O ano de 1950 pode ser definido como aquele em que a produção de capas de disco no Brasil começou a tomar forma. A Sociedade Internacional de Representações (Sinter), fundada em 1945, montou a primeira fábrica de LPs no país, marcando o início do design de capas no Brasil. O

55 Id. Ibid., p. 240-57.

56 Id. Ibid.

57 Id. Ibid.

58 LAUS, Egeu. “Capas de discos: os primeiros anos”. In: CARDOSO, Rafael (org.). Op. cit., p. 312. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 38

À esquerda: capa do disco com músicas de Noel Rosa cantadas por Aracy de Almeida, relançado em 1950 com ilustração de Di Cavalcanti. À direita: capa de disco de Dorival Caymmi, de 1954, com ilustração do próprio Caymmi; ao fundo do desenho nota-se uma tendência construtiva.

primeiro LP lançado pela Sinter, e primeiro lançado no Brasil, em janeiro de 1951, trazia uma ilustração criada por Paulo Brèves para uma compilação de sucessos de carnaval com o título Capitol – Carnaval em Long Playing. Brèves foi ilustrador e capista e trabalhou para a Sinter por mais de dez anos desenvolvendo capas de disco. Nos primeiros tempos, o design dessas capas eram uma simples ilustração e um título desenhado a mão. De forma geral, os primeiros LPs possuíam ilustrações em vez de fotografias ou, em alguns casos, ambas combinadas59.

As contracapas dos discos nem sempre traziam informações específicas sobre o produto. Na metade da década de 1950, elas passaram a ser mais bem-cuidadas, trazendo texto de apresentação do disco e foto do artista. Nessa década, as capas de disco brasileiras contaram com colaboração de artistas plásticos e ilustradores como Darcy Penteado, Di Cavalcanti, , Aldary Toledo, Fernando Lemos, Poty Lazzoroto, Ary Fagundes e Athos Bulcão. Nesses primeiros anos da década, a principal fonte de formação acadêmica para os ilustradores parece ter sido a Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, onde estudaram, por exemplo, Nássara e Alceu Penna. Os profissionais da época transitavam pelo mercado editorial (revis-

59 Id. Ibid. ANTECEDENTES IMEDIATOS // A INDÚSTRIA GRÁFICA E O DESIGN VISUAL BRASILEIRO ATÉ 1950 • 39

tas e anúncios), pelo teatro e pela televisão (cenografia e figurinos), muitos deles sem deixar de lado a produção autoral60.

Os designers gráficos – um misto de ilustrador e paginador – eram autodidatas formados no mercado editorial de revistas e nas grandes agências de publicidade que já haviam se instalado no Brasil desde a década de 1930, tais como McCann- Erickson, JW Thompson, Interamericana e Standard. Na década de 1950, o diálogo com o construtivismo e o cartaz de Antônio Maluf para a I Bienal de Arte Moderna, em 1951, já se faziam sentir em algumas capas desenhadas do período.

60 Id. Ibid., p. 317. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES • 40

2. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES PARA O DESENVOLVIMENTO DO DESIGN VISUAL BRASILEIRO NA DÉCADA DE 1950

ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // CONTEXTO HISTÓRICO: A DÉCADA DE 1950 NO BRASIL • 41

2.1. CONTEXTO HISTÓRICO: A DÉCADA DE 1950 NO BRASIL

Na década de 1950, não apenas a sociedade brasileira, mas todo o sis- tema internacional experimentou mudanças grandiosas. Uma nova arrancada tecnológica ocorreu no interior de um processo de remanejamento das relações internacionais que permitia a certos países tipicamente “subdesenvolvidos”, como o Brasil, alcançarem, dentro de certos limites e em determinados setores, um razoável padrão de modernização industrial.

Era nesse período que a sociedade brasileira adquiria definitivamente sua feição urbana, movida pela ideologia do desenvolvimento e pela associação com capitais externos, com a instalação de um novo e sofisticado parque industrial. Pela primeira vez em sua história, as massas urbanas despontavam no cenário político e a cidade se transformava no centro decisório da vida nacional.

Essa configuração de um setor urbano-industrial moderno estreitou os la- ços entre o processo social interno e a dinâmica do sistema internacional. Uma área considerável da população passava a desfrutar de uma experiência social cada vez mais próxima à dos habitantes dos maiores centros urbanos interna- cionais. Diminuíam as distâncias e aumentavam as conquistas tecnológicas que repercutiam rapidamente na configuração urbana e na própria formação do cotidiano das grandes cidades.

O design visual, como qualquer outro fenômeno cultural, é parte do com- portamento de um país e deve ser compreendido dentro desse contexto. O desenvolvimento do design visual no Brasil é, portanto, conseqüência direta da evolução cultural em relação ao seu crescimento social, econômico e tecnoló- gico, que ocorreu principalmente a partir da década de 1950.

Alguns artistas transformaram-se em designers visuais e auxiliaram na introdução de uma consciência da interação do artista com atividades de alta qualidade técnica por meio de uma criatividade funcional, o que poderia ser ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // CONTEXTO HISTÓRICO: A DÉCADA DE 1950 NO BRASIL • 42

chamado de uma nova forma pública de arte. Um fator relevante para o desen- volvimento do design no Brasil foi político. Em 1954, o presidente eleito Jusce- lino Kubitschek, com a intenção de avançar o Brasil “50 anos em 5”, promoveu um surto industrial com a implantação da indústria automobilística em São Pau- lo. Brasília, como capital do país, foi concretizada. Os mercados cultural, insti- tucional, comercial e industrial solicitaram novos profissionais, especialmente na área do design1.

Outros acontecimentos relevantes para o processo evolutivo do design vi- sual brasileiro estavam no âmbito cultural. O primeiro deles foi o Museu de Arte de São Paulo (Masp), fundado em 1947 pelo jornalista e empresário Assis Cha- teaubriand, que contratou o professor italiano Pietro Maria Bardi para dirigi-lo. Paralelamente às atividades do museu, é implementado em 1951 o Instituto de Arte Contemporânea (IAC), o primeiro curso de desenho industrial da América Latina. Outro importante acontecimento foi a organização da I Bienal de São Paulo, pelo Museu de Arte Moderna (MAM-SP), em 1951, por Ciccillo Matara- zzo. O empresário ítalo-brasileiro também foi convidado a dirigir os eventos culturais do IV Centenário da Cidade de São Paulo, em 1954.

Com esses eventos, o Brasil passou a ter acesso a todos os movimentos culturais que haviam acontecido ou estavam acontecendo na Europa – arts & crafts, Jungendstil, De Stjil, Bauhaus, dadá, arte construtiva, futurismo, entre outros. Sobre esse momento, também é importante mencionar a emergente cultura norte-americana do pós-guerra, que chegava ao Brasil por meio da pu- blicidade, do cinema, da indústria editorial e de instituições culturais como o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), pelo qual Nelson Rockefeller, um de seus fundadores, esteve diretamente ligado a projetos de cooperação cultural com Ciccillo Matarazzo. Somando-se todos esses fatores, o país pas- sou por uma significativa transformação cultural.

1 WOLLNER, Alexandre. “A emergência do Design Visual”. In: AMARAL, Aracy (ed.). Arte construtiva no Brasil. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 1998. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // CONTEXTO HISTÓRICO: A DÉCADA DE 1950 NO BRASIL • 43

A década de 1950 foi marcada, nos âmbitos social, político e econômico, por uma série complexa de transformações que insinuavam o perfil do momen- to de uma “nova modernidade” que forneceria um ambiente estimulante para o desenvolvimento de sugestões renovadoras nas artes. No Brasil, essa década trouxe consigo um diálogo intensificado entre arte, técnica e indústria, levado a cabo sobretudo pela vanguarda concreta. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // RUPTURA E ARTE CONCRETA • 44

2.2. RUPTURA E ARTE CONCRETA

No Brasil, a arte concreta surgiu em meio ao debate figuração versus abs- tração e, na capital paulista, emergiu entre a implantação do Museu de Arte de São Paulo e do Museu de Arte Moderna e sua Bienal2. A abstração chegou a ser tendência dominante na arte brasileira na década de 1950. Dentro de um contex- to sócio-político, a modernização do Brasil esteve muito ligada à característica construtiva pela hegemonia da ideologia desenvolvimentista3.

O concretismo rejeitava modos tradicionais de ver e representar o Brasil, apontava para uma arte que cultivasse a racionalidade, apontasse o país para relações sociais mais modernas. O concretismo buscou uma arte partidária de um modo de vida industrial, urbano, impessoal, em suma, moderno. Associado a visões de mundo e valores orientados pela racionalidade e pelo universalis- mo, o concretismo brasileiro, tal como cultivado pelo Grupo Ruptura, esteve estreitamente ligado a um projeto de nação desenvolvida. Essa busca, da arte concreta brasileira, por uma nação desenvolvida foi reconhecida pelo crítico Mário Pedrosa:

Será que no futuro iremos ver manifestações dessa mesma autodisciplina [a

mesma do concretismo], desse espírito menos complacente consigo mes-

mo, em outros campos, imediatamente mais importantes e ponderáveis,

como os da administração pública, da política, da educação? A história da

arte já nos tem dado exemplos de antecipações semelhantes de movimen-

tos artísticos em relação a outros campos de atividade mais pragmática4.

Durante os anos 1950, em São Paulo, a emergência da arte concreta pelo Grupo Ruptura distinguia os novos princípios construtivos que orientavam a pin- tura não-figurativa daqueles de propósito expressivo e individual. O Grupo Rup-

2 BANDEIRA, João (org). Arte concreta paulista: documentos. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 8.

3 ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Forma e percepção estética: textos escolhidos II. São Paulo: Edusp, 1996, p.97.

4 PEDROSA, Mário. Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva. 1986, p. 26. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // RUPTURA E ARTE CONCRETA • 45

Frente do Manifesto Ruptura, 1952. tura apresentou no MAM-SP, em 1952, um conjunto de obras coerentes com uma ação sistemática firmada em manifesto por , Geraldo de Barros, Lothar Charoux, Anatol Wlasdyslaw, Kazmer Féjer, Leopold Haar e Luís Sacilotto. A atuação do grupo mudou o debate artístico predominante em São Paulo, que opunha figuração e abstração, para novos termos de contradição entre um abstracionismo expressivo e outro construtivo. A grande importância ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // RUPTURA E ARTE CONCRETA • 46

do Grupo Ruptura está no fato de ele ter sido, no Brasil, o primeiro a reunir um grupo de artistas em torno da arte concreta5. Além da crítica à arte naturalista, aos valores expressivos e simbólicos, o seu Manifesto combatia toda e qualquer norma individualista, seja na concepção, seja na realização da obra. Atribuía novo lugar às artes como meio de conhecimento, considerando-as dedutíveis de conceitos e não de opiniões.

Waldemar Cordeiro, crítico e artista que já havia apresentado obras cons- trutivas em coletiva no Teatro Municipal e na exposição Art Club de São Paulo, em 1949, dava consistência teórica ao grupo, atuando como seu porta-voz, ampliando o âmbito de sua difusão por meio de periódicos locais. O abstra- cionismo estava no centro do discurso de Cordeiro; ele afirmou que “o movi- mento Ruptura deu um salto qualitativo que reivindica a linguagem real das artes plásticas, que se exprime com linhas e cores, que são linhas e cores e não desejam ser pêras, nem homens” 6. A obra de arte não é representação da realidade; é ela mesma realidade. Waldemar Cordeiro disse ainda que “a arte não é expressão do pensamento intelectual, ideológico ou religioso, a arte não é, igualmente, expressão de conteúdos hedonísticos, a arte, enfim, não é expressão mas produto”7.

Os novos museus e a Bienal de São Paulo, criados no final dos anos 1940 e início dos 1950, passaram a atuar como modernizadores da arte. O Masp não só proporcionou o contato direto com as obras de artistas procedentes dos no- vos centros culturais internacionais, mas também assumiu o papel pioneiro das novas práticas de design com o seu Instituto de Arte Contemporânea (IAC). A mostra do Grupo Ruptura ocorreu poucos anos após a primeira exposição de arte abstrata realizada na cidade de São Paulo, por ocasião da inauguração do Museu de Arte Moderna, em 1949.

5 CINTRÃO, Rejane; NASCIMENTO, Ana Paula. Grupo Ruptura: revisitando a exposição inaugural. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 14.

6 CORDEIRO, Waldemar. “Abstracionismo”. Artes Plásticas. São Paulo, ano 1, no 3, p. 3, jan./fev. 1949. Apud BELLUZZO, Ana Maria. “Ruptura e arte concreta”. In: AMARAL, Aracy (ed.). Op. cit., p. 97.

7 CORDEIRO, Waldemar. “O objeto”. Revista AD, no 20, 1956. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // RUPTURA E ARTE CONCRETA • 47

O debate brasileiro do início dos anos 1950 buscava origem no discurso eu- ropeu dos anos 1930, quando determinados protagonistas da vertente abstrata substituíram o termo “abstracionismo” por “concretismo”, considerando a nova realidade da pintura estabelecida por projeção. Denominador comum às diferen- tes interpretações da arte concreta era a compreensão de que não se tratava de um estilo, mas do conteúdo objetivo da arte.

Da ação do Grupo Ruptura à Exposição de Arte Concreta, realizada em São Paulo (MAM-SP, dezembro de 1956) e no Rio de Janeiro (Ministério da Educação e Saúde, janeiro e fevereiro de 1957) com artistas das duas cidades, impunha-se uma estética normativa que privilegiava a construção espacial bi- dimensional. Pela consciência teórica (discursiva) e pela consciência intuitiva (elaboração), os artistas encontraram as leis morfológicas das artes visuais no movimento linear, dado por fatores de proximidade e semelhança, e no atona- lismo das cores primárias e complementares, acusando no tonalismo o prin- cípio fundamental do figurativismo. Os “valores essenciais das artes visuais”, expressos por escrito no Manifesto Ruptura, eram espaço-tempo, movimento e matéria. As revelações práticas argumentavam sobre descobertas teóricas, mas a concepção projetual do quadro concreto implica sobretudo sua anteci- pação pela idéia.

A eliminação de todo sinal da mão em favor da instrumentação do dese- nho a régua, ou seja, a renúncia ao gesto humano dominava as artes visuais na concepção dos artistas concretistas. O caráter impessoal do objeto artístico correspondia ao desejo de chegar a uma linguagem de comunicação universal, destinada a todos, mas significava também o planejamento racional da obra, capaz de torná-la compatível e sujeita a ser introduzida na ordem produtiva – ordem esta que implica o momento de idéia e o de execução do trabalho. Os concretistas dirigiam-se às aspirações industrialistas, o que explica, em certo ponto, a afinidade com a Bauhaus, que preparava o artista para oferecer con- tribuições práticas para a sociedade. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // RUPTURA E ARTE CONCRETA • 48

Obras apresentadas na Exposição do Grupo Ruptura em 1952. Acima, à esquerda: obra de Waldemar Cordeiro, Idéia visível, 1952, têmpera sobre aglomerado, 61 X 61 cm (Col. Família Cordeiro, SP). Acima, à direita: obra de Luiz Sacilotto, Vibrações verticais,1952, esmalte sobre madeira, 50 X 70 cm (Col. Ladi Biezus, SP). Embaixo, à esquerda: obra de Lothar Charoux, Composição branca sobre fundo preto, 1952, guache sobre cartão, 43 X 60 cm (Col. Peter Cohn, SP). Embaixo, à direita: obra de Geraldo de Barros, Função diagonal, 1952, esmalte sobre kelmite, 60 X 60 cm (Col. Banco Emblema, MG).

A disciplina concreta pretendia estabelecer uma estética plástica que con- cretizasse idéias visíveis e desse forma ao pensamento, ao conceito. Eliminava a dimensão física do espaço para exibir o espaço mental, por meio de construções gráficas que expressassem essas operações mentais. A prática da arte concreta explorava processos perceptivos de criação e recriação da forma, especulando sobre a qualidade e a quantidade de unidades visíveis e exercendo o controle dos valores cromáticos em interação.

Os artistas concretos definiam o quadro por um modelo próximo ao da lógi- ca matemática. Pensavam não só em estabelecer um sistema formal adequado ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // RUPTURA E ARTE CONCRETA • 49

ao suporte, mas desejavam que ele fosse comunicável e perceptível. Abandona- vam emoções e outras variáveis que poderiam atenuar o processo criativo, em favor de invariantes estéticas, para que com isso as formas fossem percebidas de maneira unívoca. As formas utilizadas para a comunicação colocavam o artis- ta e o destinatário em relação de igualdade. Evitavam a particularidade da emo- ção e do sentimento, elegendo a racionalidade como forma de funcionamento da estrutura da obra.

As grandes transformações dos anos 1950 demandaram muita disciplina. Os artistas concretos abraçavam o coletivismo da arte dirigida para o homem universal. Procediam com extrema racionalidade e viam o homem como parte do todo. Buscavam a ordem por meio de um compromisso racional, moral, estético e ético. Queriam a aspiração científica de descobrir uma verdade e demonstrá-la à consciência de todos. Os anos pós-guerra alimentaram a esperança no desen- volvimento industrial do Brasil e a crença no seu progresso técnico8.

Os artistas atuantes em São Paulo identificavam-se com o desenvolvimento industrial urbano, que teve um papel decisivo nas suas escolhas. A aliança entre o artista e a indústria se manifestava, entre outros aspectos, por meio de uma valorização positiva da produção pela máquina, em oposição aos procedimentos identificados com a tradição artística artesanal. Essa valorização se dava pela preferência por materiais e processos industriais, tais como tintas industriais, esmalte em cores prontas e suportes industriais – por exemplo, duratex, com- pensado, alumínio e pintura a revólver.

Foi Geraldo de Barros quem especulou como levar a arte à sua possibilida- de industrial. Ativo desde o Grupo Ruptura, ele mostrou em 1953 “a necessidade de especificação de um projeto, no sentido de obter um projeto/objeto-pintura a ser produzido em grande escala”9, confirmando a existência de grande identifi-

8 ZANINI, Walter. História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983, v.II, p. 653.

9 BARROS, Geraldo de. Da Retomada de alguns objetos-forma da arte concreta. In: XV BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO (catálogo), 1979. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // RUPTURA E ARTE CONCRETA • 50

cação entre a estética adotada pelos concretos e as manifestações da indústria. Para Geraldo de Barros, o bom produto é aquele estabelecido por normas e “a estética é normativa nos termos da Arte Concreta”.10

Como resultado dessas experimentações estéticas no meio artístico brasi- leiro, foi realizada em 1956 a I Exposição Nacional de Arte Concreta, que reuniu artistas procedentes de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os concretistas do Rio, estimulados por Mário Pedrosa desde 1953, eram mais intuitivos e empíricos, sendo os paulistas mais teóricos. As diferenças entre os dois grupos eram claras desde o início e provocaram divergências de caminhos entre concretos e neo- concretos, a partir da I Exposição de Arte Neoconcreta, de 1959.

10 Id. Ibid. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // IAC, BIENAIS E HfG • 51

2.3. IAC, BIENAIS E HfG

IAC – Instituto de Arte Contemporânea

Os museus voltados à formação de um público para a arte moderna promo- veram um ambiente propício para o desenvolvimento da arte concreta e do design não apenas com exposições, mas também com uma série de atividades didáticas. Principalmente no caso do Masp, que criou uma escola de desenho industrial, o Instituto de Arte Contemporânea (IAC), e promoveu mostras de trabalhos publicitá- rios, como o 1º Salão de Propaganda, incentivando a chamada arte aplicada11.

Criado em 1950, liderado por Pietro Maria Bardi e coordenado pela arquiteta Lina Bo Bardi com a ajuda do arquiteto suíço Jacob Ruchti, o Instituto de Arte Con- temporânea do Museu de Arte de São Paulo (IAC/Masp) foi uma iniciativa pioneira no Brasil. O IAC dava acesso a informações, metodologia e treinamento do proces- so criativo do design, com o objetivo de colocar à disposição dos jovens uma escola e um centro de atividades onde fossem divulgados os princípios das artes plásticas em favor da coletividade e em absoluta coerência com a época12. O instituto foi fun- damental no esclarecimento e na difusão do papel do design no processo cultural e industrial brasileiro, revelando uma profissão que possibilitava uma nova visão da participação do artista na sociedade, promovendo o desenvolvimento de uma formação educacional adequada.

Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi focaram seus esforços no elevado nível de formação de seus alunos. Trouxeram a história e a influência da moderna arquite- tura e do design internacional para auxiliar no desenvolvimento de uma consciência formal e de uma capacidade intuitiva no processo de criação de seus estudantes. Negavam a influência do modelo francês que predominava nas escolas oficiais brasileiras de belas-artes e arquitetura13. O objetivo da escola, baseada numa dis-

11 BANDEIRA, João (org). Op. cit.

12 Revista Habitat, no 3, 1951.

13 WOLLNER, Alexandre. Op. cit., p. 232. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // IAC, BIENAIS E HfG • 52

ciplina rigorosa e numa base didática, visava:

• Formar jovens que se dedicassem à arte industrial e se mostrassem ca- pazes de desenhar objetos nos quais o gosto e a racionalidade das formas cor- respondessem ao progresso e à mentalidade da época, enquanto o mercado industrial crescia vertiginosamente;

• Conscientizar sobre a importância da função social do desenho industrial, re- cusando a fácil reprodução dos estilos superados e a superficialidade decorativa;

• Ressaltar o sentido da função social que o designer, no campo da arte apli- cada, deve ter em relação à vida prática14.

O IAC organizou um curso destinado a preparar profissionais capazes de formar uma linguagem original, com signos próprios mas com uma leitura univer- sal15. Já com a finalidade de mostrar o conceito da escola, foi instalada no salão da pinacoteca, ao lado de obras de Degas, Cézanne, Botticelli e Mondrian, uma vitrine de formas onde eram expostas desde a raiz de uma árvore até o último tipo de máquina de escrever da marca Olivetti, apresentando possibilidades es- téticas16. O Masp, juntamente com o IAC, complementava as atividades enfati- zando a importância de novas manifestações culturais que na época não eram conhecidas pela maioria dos brasileiros. Lina Bo Bardi trouxe personalidades internacionais da cultura contemporânea, como Walter Gropius, Le Corbusier, Alexander Calder, Saul Steinberg, Gio Ponti, entre outros, para palestras com o público em geral, além de participações especiais para os alunos da escola. Entre esses convites a estrangeiros, um foi para Max Bill, arquiteto, designer, pintor, ex-aluno da Bauhaus e teórico da arte concreta – o Masp organizou, em 1951, uma exposição retrospectiva de suas obras17. Na época, nenhuma nota,

14 Revista Habitat, no 3, 1951.

15 ZANINI, Walter. Op. cit., p. 958.

16 WOLLNER, Alexandre. Alexandre Wollner: design visual 50 anos. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 49.

17 Id. Ibid., p. 51. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // IAC, BIENAIS E HfG • 53

análise ou comentário foi publicado nos jornais sobre a exposição desse ex- aluno da Bauhaus, um dos artistas mais influentes da nova geração.

À esquerda: Pietro Maria Bardi, em aula no IAC. À direita: a vitrine de formas (arquivos da biblio- teca do Masp).

Jacob Ruchti foi um professor de grande importância para o IAC, pois introdu- ziu toda a metodologia do curso fundamentado nas teorias de Wassily Kandinsky (ponto, linha sobre o plano) implantado na Bauhaus. O corpo docente inicial era formado por Pietro Maria Bardi para aula de história da arte, Lina Bo Bardi para de- sign industrial, Jacob Ruchti para o curso fundamental, Roberto Sambonet – pintor italiano, mais tarde designer renomado na Itália – para desenho livre, Leopold Haar para design gráfico, Roger Bastide para sociologia e antropologia, Roberto Tibau para geometria e desenho técnico, Gastoni Novelli para pintura, Poty Lazzaroto para gravura, Clara Hartok – ex-aluna de Josef Albers na Bauhaus – para tecela- gem, entre outros.

Desenhos abstratos como material de aula do professor Jacob Ruchti, 1951. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // IAC, BIENAIS E HfG • 54

Todas as atividades do Masp e do IAC tinham características práticas e teóri- cas básicas, com poucas informações sobre atuações profissionais, até por não ha- ver, na época, uma formação sólida de designers ou atividades industriais afins. Os professores ensinavam exercícios de execução prática e o esboçar dos projetos, porém sem entrar no processo técnico de execução e produção. A escola não pos- suía instalações adequadas de oficinas onde fosse possível executar protótipos ou imprimir projetos. Mesmo assim, os exercícios técnicos ministrados no curso foram muito importantes para o progresso dos alunos e trouxeram influências positivas para o desenvolvimento do design no Brasil, dando aos estudantes a possibilidade de perceber a participação social e cultural do artista por meio do design. Entre seus alunos estiveram alguns dos primeiros designers com atuação efetiva no mer- cado brasileiro, entre eles Emelie Chamie, Alexandre Wollner, Mauricio Nogueira Lima, Estella Aronis e Ludovico Martino.

O IAC visava incrementar a circulação de novas idéias e novos empreendi- mentos no campo estético com uma postura inovadora; retratou uma nova maneira de pensar a arte, centrada principalmente nas informações passadas por Lina Bo Bardi e Jacob Ruchti. As aulas do instituto, de acordo Alexandre Wollner, até mes- mo “precederam as intenções do movimento concreto, mais tarde exposto pelo Ma- nifesto Ruptura”18. O IAC teve uma vida breve: acabou desativado em 1953, pois o mercado industrial brasileiro ainda não conseguia absorver seus alunos.

I e II Bienais

A Bienal Internacional de São Paulo, criada em 1951 pelo empresário Francis- co Matarazzo Sobrinho – conhecido por Ciccillo Matarazzo –, foi a primeira exposi- ção de arte moderna de grande porte realizada fora dos centros culturais europeus e norte-americanos. Sua origem articulou-se a uma série de outras realizações culturais em São Paulo – o Masp (1947), o TBC – Teatro Brasileiro de Comédia (1948), o MAM-SP (1949) e a Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949) – que apontavam o forte impulso institucional que as artes receberam na época. Conce-

18 Id. Textos recentes e escritos históricos. São Paulo: Edições Rosari, 2003, p. 71. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // IAC, BIENAIS E HfG • 55

bida no âmbito do MAM-SP, a I Bienal foi realizada em 20 de outubro de 1951 na esplanada do Trianon, local hoje ocupado pelo Masp. O espaço, projetado pelos arquitetos Luís Saia e Eduardo Kneese de Mello, deu lugar a 1.800 obras de 23 países, além da representação nacional, com a intenção de colocar a arte moderna brasileira em contato com o resto do mundo.

A I Bienal trouxe ao Brasil, pela primeira vez, obras de Pablo Picasso, Alberto Giacometti, René Magritte, George Grosz etc., além de ter apresentado a produ- ção brasileira de Lasar Segall, Victor Brecheret, Oswaldo Goeldi, entre outros. Os prêmios concedidos à escultura Unidade tripartida, de Max Bill, e à tela Formas, de Ivan Serpa, foram sintomas da atenção despertada pelas novas tendências constru- tivas na arte. Fundador da Hochschule für Gestaltung (Escola Superior da Forma), em Ulm, na Alemanha, Max Bill foi o principal responsável pela entrada do ideário concreto na América Latina, sobretudo na Argentina e no Brasil, no período após a Segunda Guerra Mundial. A exposição do artista, em 1951, no Masp, e a presença da delegação suíça na I Bienal, no mesmo ano, abriram as portas do país para as novas linguagens plásticas, que passaram a ser amplamente exploradas.

Escultura de Max Bill Unidade tripartida, aço inoxidá- vel,1948/49. Premiada na I Bienal de São Paulo, 1951. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // IAC, BIENAIS E HfG • 56

A segunda edição da Bienal, em dezembro de 1953, ocorreu no Parque do Ibirapuera, então recém-inaugurado por ocasião das comemorações do IV Cen- tenário da Cidade de São Paulo e cujo projeto é assinado por Oscar Niemeyer e Burle Marx. Conhecida como a “Bienal de Guernica” devido ao célebre quadro de Picasso de 1937, a mostra contou também com obras de Constantin Brancusi, Giorgio Morandi e futuristas italianos, além de trabalhos de outros grandes nomes da arte moderna internacional, como Vantongerloo, Mondrian, Kandinsky, Klee, Van Doesburg, Albers e Morandi, entre outros19.

A importância das primeiras Bienais dos anos 1950 deve-se ao fato de ambas terem trazido obras originais da maioria dos movimentos culturais no mundo mo- derno20, mostrando a então crescente tendência abstracionista no plano internacio- nal das artes plásticas.

O cartaz vencedor da I Bienal, criado por Antônio Maluf, aluno do IAC, é consi- derado um marco inicial, no Brasil, da criação do artista moderno atuante nos meios de comunicação de massa. Foi a primeira produção de um designer treinado por uma escola brasileira de design21.

Hochschule für Gestaltung – HfG

“Uma escola onde você é educado em um assunto especial, a HfG é mais como uma comunidade cujos membros compartilham das mesmas intenções: con- ceder estrutura e estabilidade para o mundo em torno de nós.”22

A Escola da Forma de Ulm era um centro internacional de ensino, desen- volvimento e pesquisa no campo de design de produtos industriais. Os designers

19 ZANINI, Walter. Op. cit., p. 959.

20 WOLLNER, Alexandre. “A emergência do Design Visual”. In: AMARAL, Aracy (ed.). Op. cit., p. 232.

21 Id. Ibid., p. 234.

22 MALDONADO, Tomás. “Eröffnungsrede des Rektors der HfG” (Discurso inaugural do diretor da HfG), em 5 de outubro de 1964. Disponível em: . ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // IAC, BIENAIS E HfG • 57

eram treinados em cinco áreas: design industrial, comunicação visual, construção, informação e filme. O programa durava quatro anos e os estudantes graduavam-se com um diploma. As aulas eram divididas por departamento de projeto, que focava a prática do design e assuntos teóricos relevantes. Os materiais e as metodologias de ensino foram desenvolvidos na escola para uma profissão inteiramente nova, a de designer. Os métodos de ensino desenvolvidos pela escola de Ulm chegaram a um modelo inteiramente novo, que ainda é relevante no ensino do design hoje.

As primeiras aulas começaram em 1953 em salas provisórias de Ulm, na Ale- manha. Josef Albers, Walter Peterhans, Johannes Itten e Helene Nonné Schmidt ensinaram aos primeiros 21 estudantes. Enquanto isso, a construção da escola começava seguindo os planos de Max Bill. A inauguração oficial ocorreu em 1955. Estudantes e professores de todo o mundo viviam e trabalhavam em seu campus. O projeto de Max Bill refletia a filosofia ensinada na instituição por meio do trabalho prático de design. O conteúdo teórico das disciplinas era ensinado como um com- plemento ao elemento prático. A integração da vida e do trabalho era uma caracte- rística do estilo de vida da HfG. Isso fez com que o debate sobre design e questões sociais se tornassem cruciais para a atmosfera da escola23.

Da esquerda para a direita: os professores Max Bill, Otl Aicher e Josef Albers, durante as aulas ministradas na HfG.

O objetivo de Bill era treinar designers para uma nova cultura de massa. O programa compreendia um curso básico de um ano seguido por três anos de es- pecialização num dos cinco departamentos. Além do treinamento técnico, os estu-

23 WOLLNER, Alexandre. Alexandre Wollner: design visual 50 anos. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 79. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // IAC, BIENAIS E HfG • 58

dantes aprendiam as responsabilidades culturais e sociais futuras que carregariam. O programa de ensino focava a prática; o conhecimento teórico e a metodologia eram ensinados como complemento ao processo de um projeto, que ia do primeiro esboço ao produto final. No departamento de desenho industrial, objetos em série eram planejados e projetados para a produção industrial. No de construção, eram desenvolvidos sistemas modulares para a construção industrializada. E, no depar- tamento de comunicação visual, a tipografia, os elementos gráficos e a fotografia eram usados para ilustrar e desenvolver edições complexas ou produzir identida- des corporativas completas.

Os primeiros anos da escola foram fortemente influenciados por Max Bill, seu primeiro diretor. Ele via a HfG como uma continuação da Bauhaus, com foco na arte-função como elemento fundamental para o desenvolvimento do design24. En- tretanto, alguns anos mais tarde, em 1956, a instituição viu seus primeiros debates controversos sobre os métodos de ensino e o currículo escolar. Os professores mais novos exigiam um modelo de ensino independente, baseado na ciência e na teoria, que se opunha aos conceitos propagados pelos seguidores da Bauhaus. O designer, mais do que ser um artista, deveria ter um poder de decisão igual no processo de produção industrial. Tomás Maldonado enfatizou esse ponto durante seu discurso na Expo 58, em Bruxelas. Insatisfeito com o modelo de Ulm, Max Bill renunciou ao cargo de diretor, deixando a HfG em 1957.

A saída de Max Bill da escola marcou uma fase nova: sob direção de um conselho encabeçado por Maldonado, grupos de desenvolvimento foram ajustados especificamente para criar as ligações diretas com a indústria; trabalhavam como agências independentes de design dentro da HfG. Muitos dos projetos resultantes desses grupos entraram em produção imediatamente; entre eles, os mais bem- sucedidos foram o equipamento de áudio para a fabricante de produtos eletrônicos Braun, a identidade corporativa para a companhia aérea Lufthansa e os trens para a estrada de ferro de Hamburgo. Esses projetos para a indústria trouxeram a rique- za da experiência prática ao ensino e influenciaram decisivamente a escola e sua

24 Id. Ibid., p. 83 ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // IAC, BIENAIS E HfG • 59

reputação. No outono de 1958, uma grande exposição foi feita na HfG. Cinco anos depois de sua abertura, a escola apresentou-se ao público geral pela primeira vez, expondo tanto os resultados da sala de aula quanto os projetos finais. Em 1958, foi lançada a revista HfG, publicada em alemão e inglês até o fechamento da escola, dez anos depois25. O resultado dessa nova fase foi uma grande exposição, mostra- da inicialmente em Ulm e em Stuttgart em 1963, e mais tarde no Neue Sammlung, em Munique, e no museu de Stedelijk, em Amsterdã. A mostra apresentou trabalhos da HfG que haviam sido criados em aula.

No entanto, os antigos conflitos internos – foco na arte-função versus ligação direta com a indústria – promoveram um novo movimento para a instituição. O par- lamento regional da Suábia debateu repetidamente se a escola merecia subsídios adicionais ou não. Como conseqüência, as aulas ficaram redundantes e o número de classes foi reduzido. O parlamento regional votou, em novembro 1968, para re- tirar todo o financiamento; conseqüentemente, a escola foi fechada, sob protestos, ao fim do mesmo ano26.

A escola no contexto do Brasil

A escola, por influência de Max Bill, exerceu grande entusiasmo sobre os pintores concretos brasileiros, enfatizando a função do artista como designer e par- ticipante da comunidade. Max Bill também teceu a iniciativa de levar artistas bra- sileiros como o pintor Almir Mavignier, a escultora Mary Vieira e Alexandre Wollner para estudar na HfG, quando era então diretor da escola. Lá, os artistas brasileiros, junto com suíços, americanos, italianos, japoneses, franceses, holandeses e argen- tinos, tiveram treinamento teórico, prático e profissional com Max Bill, Josef Albers, Johannes Itten, Otl Aicher, Tomás Maldonado e outros27.

25 HOCHSCHULE FÜR GESTALTUNG. Geschichte (História). Disponível em:

26 Id. Ibid.

27 WOLLNER, Alexandre. Alexandre Wollner: design visual 50 anos. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 79. ACONTECIMENTOS CULTURAIS RELEVANTES // IAC, BIENAIS E HfG • 60

O projeto da Escola Técnica de Criação no MAM-RJ, embora não tenha sido concretizado, originou-se na HfG, com Tomás Maldonado e Otl Aicher, con- vidados por Niomar Moniz Sodré Bittencourt, constituindo-se o passo inicial para a criação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI),no Rio de Janeiro, primeira instituição sul-americana de formação superior na área28. A fundação da ESDI, voltada unicamente para o ensino do design no Brasil, foi o grande lega- do da HfG. O programa curricular da ESDI foi desenvolvido em Ulm por Tomás Maldonado e Otl Aicher, então professores da HfG, e implantado no Rio por Ale- xandre Wollner e Karl Heinz Bergmiller, alunos que freqüentaram a escola alemã. Todo o processo seqüencial da implantação da ESDI foi assumido pelo Ministério da Educação. O currículo original da HfG de Ulm foi implantado oficialmente na escola brasileira, com as naturais adaptações atendendo à realidade do país29. A Escola Superior de Desenho Industrial foi uma instituição essencial “na divulga- ção e implantação do design gráfico e no apoio aos profissionais da área”, nas palavras de Alexandre Wollner30.

As propostas da escola de Ulm, de agregar arte-função com tecnologia e ciência, ajudaram a desenvolver o processo criativo de comunicação visual me- diante a busca e o relacionamento de novos signos que, reproduzidos pela indús- tria, se fazem presentes na mídia – impressa ou eletrônica – e atingem milhares de pessoas31. A experiência intuitiva, manifestada por meio das possibilidades científi- cas e técnicas, adquire também outro significado; envolve responsabilidade social, cultural e econômica, participa da evolução e da transformação do comportamento humano, fazendo uma analogia entre artista e designer – entre ser atuante e ser útil. No Brasil, com uma indústria emergente em processo de modernização, era a época certa para assimilar todo esse conhecimento aos produtos aqui industriali- zados, dialogando com o crescimento econômico e as transformações culturais.

28 Id. Textos recentes e escritos históricos. São Paulo: Edições Rosari, 2003, p. 82.

29 Id. Ibid., p. 72.

30 Id. “Pioneiros da comunicação visual”. Revista Design de Interiores. São Paulo, no 30, p. 91, mai./jun. 1992.

31 WOLLNER, Alexandre. Alexandre Wollner: design visual 50 anos. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 85. DIÁLOGO CONCRETO: DESIGN E CONSTRUTIVISMO NO BRASIL • 61

3. DIÁLOGO CONCRETO: DESIGN GRÁFICO E CONSTRUTIVISMO NO BRASIL DIÁLOGO CONCRETO // ARTISTAS CONCRETOS PIONEIROS DO DESIGN VISUAL BRASILEIRO • 62

3.1. ARTISTAS CONCRETOS PIONEIROS DO DESIGN VISUAL BRASILEIRO

Somente a partir de 1950 é que se desenvolveu a figura do designer grá- fico como um especialista em resolver problemas técnicos da criação de ele- mentos estruturais de comportamento visual1. Os artistas de arte concreta da cidade de São Paulo, por meio do Manifesto Ruptura e da exposição de 1952, romperam com o domínio cultural predominante até então. Fato relevante nesse movimento foram as iniciativas, constatadas em alguns artistas, de manifestar uma atividade dirigida a um público maior e de serem participantes na coletivi- dade com cartazes para eventos culturais – teatro, festivais, exposições etc.–, fazendo parte da produção gráfica moderna e se adaptando para trabalhar na proposta de evolução sugerida pelo governo de Juscelino Kubitschek.

Os pintores concretos, ligados a poetas e músicos, tornaram realidade o desejo de alguns artistas de ir além da exposição de seus trabalhos em galerias de arte; eles buscavam participar da área de comunicação, atingindo não somente o público restrito de galerias de arte, mas toda a comunida- de. Alexandre Wollner afirmou: “Se deixei a pintura foi porque desejava um diálogo não com 10, mas com mil, ou um milhão de pessoas, entre outras razões”2. Com um foco funcional e metodológico, criou-se, a partir do movi- mento de arte concreta, uma consciente abertura dos parâmetros culturais e mercadológicos.A participação desse movimento em atividades públicas le- vou os artistas concretos a participar dos meios de comunicação visual de- senvolvendo identidades corporativas, revistas, jornais, embalagens, livros, folhetos, sinalização etc.

Os participantes do grupo de arte concreta, ao manifestar interesse pelo design como profissão, buscaram conhecimentos técnicos para complementar sua função específica no mercado de trabalho. Waldemar Cordeiro afirmou

1 ZANINI, Walter. História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983,v.II, p. 955.

2 WOLLNER, Alexandre. “Pintar para quê?”. São Paulo, Revista Mirante das Artes no 1, p. 37, jan./fev.1967. DIÁLOGO CONCRETO // ARTISTAS CONCRETOS PIONEIROS DO DESIGN VISUAL BRASILEIRO • 63

em 1958 “a importância decisiva da indústria na compreensão do conteúdo da arte contemporânea, cuja finalidade última e destino histórico acreditamos ser a arte industrial”3. Os anos de experimentação entre a abertura do Instituto de Arte Contemporânea do Masp, em 1951, e a inauguração da Escola Superior de Desenho Industrial, em 1963, marcaram uma mudança fundamental no de- sign visual brasileiro, surgindo nessa época uma consciência do design como conceito, profissão e formação de idéias4. A partir daí, uma nova realidade in- dustrial e tecnológica se apresentou no âmbito de design visual e continua se desenvolvendo até os dias de hoje.

A partir da confluência dos propósitos da Bauhaus, do De Stijl, das idéias construtivistas, da teoria da Gestalt e do novo posicionamento da arte frente ao desenvolvimento industrial foram estruturando-se as atividades específicas do profissional de artes gráficas5. Ele passou a solucionar problemas de legi- bilidade e percepção dos elementos visuais por meio de uma estruturação ra- cional e eficiente não somente da comunicação em si, mas também do uso de materiais, elementos técnicos e econômicos da comunicação visual, ou seja, era o profissional que atualmente denominamos designer gráfico.

Baseados numa estética geométrico-construtiva, artistas atuantes em São Paulo se identificaram com o desenvolvimento da indústria e manifes- taram interesse em uni-la à arte. Antônio Maluf, Alexandre Wollner, Geraldo de Barros, Amilcar de Castro e Willys de Castro são alguns dos brasileiros que participaram da vanguarda construtiva na década de 1950, apresentando em seus trabalhos como designers gráficos um diálogo direto com as obras que realizavam como artistas plásticos. Aplicaram em seus projetos gráficos os princípios visuais, estéticos e conceituais do construtivismo. Participan- tes diretos ou indiretos dos movimentos concreto e neoconcreto, esses artis-

3 CORDEIRO, Waldemar. “Arte Industrial”. Revista AD, no 27, fev./mar., 1958.

4 CARDOSO, Rafael, O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 7.

5 ZANINI, Walter. Op. cit., p. 955. DIÁLOGO CONCRETO // ARTISTAS CONCRETOS PIONEIROS DO DESIGN VISUAL BRASILEIRO • 64

tas defendiam a integração das artes plásticas e do design. Buscavam uma sincronia com a modernidade nacional, com a intenção de formar uma nova visualidade brasileira que dialogava com a nova realidade econômica e indus- trial do país. DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 65

3.1.1. ANTÔNIO MALUF (1926-2005)

Antônio Maluf nasceu em 17 de dezembro de 1926, em São Paulo. No final dos anos 1940, num cenário em que a efervescência da arte estava na discussão sobre o abstracionismo, este paulistano passou a se interessar pelas artes plásti- cas e abandonou a faculdade de Engenharia Civil. Começou a estudar na Escola Livre de Artes Plásticas com os professores Nelson Nóbrega, Flávio Motta e Potty Lazarotto e passou a freqüentar os ateliês de pintura de Waldemar da Costa e Sam­ son Flexor. Ainda nesse período, estudou gravura em metal e pedra com Aldemir Martins e Darel Valença Lins no Museu de Arte de São Paulo6.

Nesses primeiros anos de formação, Maluf produziu gravuras, desenhos e pinturas a óleo com motivos figurativos, em que a abstração era apenas anuncia- da no fundo do trabalho. No início de 1951, candidatou-se a uma das 30 vagas do IAC, inaugurado pelo Masp. Aceito, freqüentou as aulas do curso, e a experiência, embora curta, foi decisiva para sua obra. Os acontecimentos ocorridos em São Paulo entre 1950 e 1951 provocaram uma mudança significativa na produção de Antônio Maluf. Em março de 1951, ele elaborou seus primeiros trabalhos concretos e, menos de seis meses depois, participou do concurso de cartazes da I Bienal do Museu de Arte de São Paulo. Maluf venceu o concurso e o cartaz foi veiculado em três versões diferentes: com fundo vermelho, preto e branco. Esse trabalho tornou- se, para muitos, o marco zero do design gráfico moderno no Brasil.

Apesar de adotar uma linguagem construtiva compartilhada por vários artistas a partir de 1950, Maluf não se vinculou a nenhum grupo. Embora convivesse com alguns membros e houvesse pontos teóricos em comum, também não fez parte do Grupo Ruptura. Em fevereiro de 1953, a convite de Mário Pedrosa, ele enviou obras para a I Exposição Nacional de Arte Abstrata, em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Com exceção dessa exposição, na qual apareceu ao lado de artistas de tendência construtiva residentes no Rio de Janeiro, Maluf manteve-se afastado dos grupos que se formaram em torno da abstração geométrica. Ele acreditava que o rigor ado-

6 BARROS, Regiane Teixeira de. Antônio Maluf. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 8. DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 66

tado pelos concretistas paulistas, ainda que acusados pelos cariocas de inflexíveis, era, na verdade, bastante permissivo7.

Maluf orientou toda a sua produção gráfica, pictórica e nas artes aplicadas baseado na “equação dos desenvolvimentos”. Todos os seus trabalhos são desdo- bramentos dessa premissa, que ele via como parte da arte concreta.

Entende-se por equação uma relação de igualdade que ocorre entre os

elementos de linguagem e suporte sobre o qual esses elementos são apli-

cados. Essa relação adquire status de informação artística quando a lin-

guagem não tem outro ponto a não ser o próprio suporte, e vice-versa.

Isto é, os elementos de linguagem e o suporte deixam de significar iso-

ladamente para criar uma relação de cumplicidade absoluta. Essa iden-

tificação entre as duas categorias distintas se transforma em informação

artística concreta.8

Maluf sempre manteve um vínculo com a indústria têxtil, pois sua família era proprietária da Estamparia e Beneficiadora de Tecido Victoria, para a qual criou di- versos padrões de estampa. Além do trabalho realizado para esse setor específico, o artista foi responsável pela criação de inúmeros cartazes, logomarcas, murais de- corativos, projetos de outdoor e anúncios. Os trabalhos de Antônio Maluf dirigidos para outros fins que não a arte propriamente dita tiveram como ponto de partida as pesquisas de linguagem concreta desenvolvida nos anos 1950.

No início da década de 1960, Maluf trabalhou no projeto da cobertura da sede da Sociedade Harmonia de Tênis, em colaboração com o arquiteto Fábio Pente- ado. Projetou ainda um grande mural na Vila Normanda, finalizado em 1962, em colaboração com o arquiteto Lauro Costa Lima, e outro para o Sindicato dos Mo- toristas, em 1973. Participou da IX e da X Bienais de São Paulo (1967 e 1969), da Bienal de Desenho Industrial (1968) e da I Bienal de Arte Aplicada, em Punta del

7 Id. Ibid., p. 12.

8 Id. Ibid., p. 13. DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 67

Este, no Uruguai (1965). Em 1968 expôs pinturas sobre tecidos de lã na Galeria Cosme Velho, em São Paulo. Participou das mostras Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (PE-SP / MAM-RJ, 1977), Tradição e Ruptura (FBSP, 1984) e Bienal Brasil Século XX (FBSP, 1994)9.

Antônio Maluf desenvolveu grande atividade como designer, com a aplicação prática dos exercícios concretistas, unindo desenho industrial e pintura concreta e dialogando com a indústria10.

9 PICCOLI, Valéria. “Biografias de artistas da coleção Aldolpho Leiner”. In: AMARAL, Aracy (ed.). Arte construtiva no Brasil. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 1998, p. 319-20.

10 AMARAL, Aracy (org.). Projeto construtivo brasileiro na arte: 1950-1962. Rio de Janeiro: MAM, 1977, p. 190. DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 68

3.1.2. O DIÁLOGO DE ANTÔNIO MALUF

Antônio Maluf entendia o conceito de arte concreta como uma estrutura que se transforma sem a perda de sua base original, e afirmou que “a arte concreta consti- tui a abordagem de possibilidades não finitas em um espaço limitado, o que ocorre justamente por se ter estabelecido o suporte como elemento de linguagem”11. Des- sa forma, a arte concreta seria a realização de uma soma de qualidades que se tem em cada uma das partes obtidas a partir de uma estrutura inicial.

Os objetos plásticos, para terem um significado, têm de produzir um

significado novo: ou neles se revela a estrutura infinita do suporte em

que se está trabalhando, caso da Arte Concreta, ou não se está dizen-

do coisa alguma.12

À esquerda: Equação dos desenvolvimentos em progressões crescentes e decrescentes, 1951. Guache sobre papel, 29 X 20 cm. (Col. do artista). À direita: cartaz da I Bienal de São Paulo (versão com fundo preto), 1951.

11 MALUF, Antônio. “Depoimento a Mayra Laudanna, jun. 2002”. In: BANDEIRA, João (org.), Arte concreta paulista: depoimentos. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 44.

12 Id. Ibid., p. 44. DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 69

Em março de 1951, Maluf elaborou um de seus primeiros trabalhos concretos, Equação dos desenvolvimentos em progressões crescentes e decrescentes, que, menos de seis meses depois, adaptou para participar do concurso de cartazes da I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Os elementos estruturais desse desenho e sua versão posterior para o cartaz repetem e enfatizam o formato retan- gular do suporte. À medida que são reduzidos, os retângulos se tornam mais espes-

Acima, à direita: Progressões com verde e vermelho, déc. 1950. Guache sobre papel, 34.5 X 34.5 cm (Col. do artista). Acima, à esquerda: Progressões crescentes e decrescentes com curvas, 1951. Guache sobre papel, 48 X 48 cm (Col. do artista). Embaixo: Progressões crescentes e decrescentes com retas e curvas, 1953. Guache sobre papel sobre madeira, 41 X 70 cm (Col. Adolpho Leirner). DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 70

sos em direção ao centro do papel, criando uma perspectiva tanto espacial quanto temporal. A característica determinante que guiou toda a produção de Antônio Maluf, desde o desenho que deu origem ao cartaz da I Bienal até o fim de sua produção, foi o conceito de equação dos desenvolvimentos. Este conceito esteve presente em todo o seu trabalho, tanto na pintura e nos murais como na sua produção gráfica. Todas as suas composições são desdobramentos desse raciocínio, que, para ele, constituía a base da arte concreta. Suas obras, especialmente as realizadas na dé- cada de 1950, partem sempre da figura geométrica sobre o plano.

Na série denominada Progressões crescentes e decrescentes, o artista criou um ritmo que parece se ampliar ao infinito, a partir da repetição de uma mesma estrutura geométrica, ou até mesmo de formas geométricas combinadas. Essa matemática, foi mais tarde usada para produzir o mural do Banco do Noro- este, em Guarulhos (SP), em 1962. No caso deste mural, o artista utilizou como forma geométrica base triângulos que, combinados entre si, formam losângulos de diferentes tamanhos, numa composição de ritmos e contrastes que parecem quase infinitos.

Mural do Banco do Nordeste, em Guarulhos, (SP), 1962. DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 71

No início da década de 1950, na série Crônica da formação de um quadra- do, o artista estudou as possíveis formações de novas formas a partir de um quadrado, ao dividi-lo por quatro linhas: duas diagonais e duas ortogonais, que cortam a figura ao meio nos eixos vertical e horizontal. E, utilizando cores nos triângulos que se formam, o artista facilitou a visualização dos desdobramentos que as articulações da forma permitem.

Crônica da formação de um quadrado, déc. 1950. Guache sobre papel, 10 X 10 cm cada (Col. do artista). DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 72

Subdivisões em torno dos eixos ortogonais e diagonais, 1958. Guache sobre papel, dimensões variadas (Col. do artista).

Em 1958, o artista fez um estudo chamado Subdivisões de um retângulo em torno dos eixos ortogonais e diagonais. Essa somatória de obras e estudos deram origem ao mural da Vila Normanda, no centro de São Paulo em 1964.

A disposição dos azulejos que serviam como suporte era proporcional à uti- lizada nos retângulos que constituíam o mural. Nesse projeto, Maluf usou azule- jos retangulares e os dividiu ao meio com duas diagonais, resultando em quatro figuras distintas que, combinadas entre si, chegavam a 12 variações possíveis. Ao planejar rigorosamente o agrupamento dessas variações de acordo com princípios de equilíbrio e contrastes de cor, o artista criou uma estrutura sem começo ou fim, obtendo assim o não-finito num espaço finito. Esse mural não existe mais. DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 73

Subdivisões em torno dos eixos ortogonais e diagonais, 1958. Guache sobre papel, dimensões variadas (Col. do artista). DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 74

Ao lado: esquemas de assentamento do mural da Vila Normanda, 1964. Caneta esferográfica e grafite sobre papel. Dimensões variadas (Col. do artista). Abaixo: fotos do mural da Vila Normanda, 1964. DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 75

Acima: Equação dos desenvolvimentos: roleta, 1957. Guache sobre papel, 45 X 45 cm cada (Col. do artista).

Na obra Equação dos desenvolvimentos: roleta, de 1957, o artista empregou o círculo e o quadrado em combinações e desdobramentos múltiplos. Maluf utilizou como base o mesmo estudo dessa obra para fazer um outro projeto no campo do produto industrial, no caso para a indústria têxtil, para uma estamparia de roupas, que ele chamou de Introdução à linguagem alfabética, empregando a estrutura não-finita realizada para o mural e trabalhando, ainda, com o alfabeto. Essa es- tampa foi aplicada em 1968 na coleção Rhodia ­– empresa mundial de química de especialidades, com presença no Brasil desde 1919. DIÁLOGO CONCRETO // ANTÔNIO MALUF • 76

Acima à esquerda: estudo para estamparia Introdução à linguagem alfabética, déc. 1960. Serigrafia sobre papel, 30.5 X 23 cm (Col. Adolpho Leirner, São Paulo). À direita: vestido para a coleção Rhodia, 1968 (Col. Masp).

Como designer, ele elaborou cartazes, logomarcas, padronagens de tecido, projetos para outdoor, e integrou sua obra gráfica a projetos de arquitetura. Ao relacionar suas obras com os seus trabalhos dirigidos para outros fins que não a arte propriamente dita, Maluf teve como ponto de partida as pesquisas de lin- guagem concreta produzidas na década de 1950. A tendência construtiva carac- terizou sua trajetória como artista e suas atividades de designer e programador visual. Com seus trabalhos, Antônio Maluf colaborou para a transformação da identidade visual da cidade de São Paulo, integrando arte e indústria e buscando soluções para a vida cotidiana. DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 77

3.2.1. ALEXANDRE WOLLNER (1928- )

Alexandre Wollner Alexandre Wollner nasceu em São Paulo, em 16 de setembro de 1928, filho de imigrantes iugoslavos. Em 1948, foi trabalhar como aprendiz de desenhista para o Laboratório Fontoura (Fontoura Química). Em julho de 1950, viu um anúncio do Masp no Diário de São Paulo que abria inscrições para um curso de iniciação ar- tesanal e artística no Instituto de Arte Contemporânea (IAC), para o qual foi aceito. Começou, assim, aos 22 anos de idade, sua verdadeira carreira profissional. Du- rante o curso, o suíço Max Bill foi convidado a fazer uma exposição retrospectiva de seu trabalho no Masp; Lina Bo Bardi, uma das fundadoras do IAC, convidou Wollner para auxiliá-lo na montagem. Essa exposição, bem como outra organizada pelo Masp em 1952 – O Cartaz Suíço: Coleção das melhores peças dos anos 50 –, produziu grande impacto sobre Wollner13.

Assim, o IAC foi decisivo na formação profissional do artista/designer, que pôde, com as aulas e palestras, perceber a possibilidade da participação social do artista por meio do design. Lina Bo Bardi incentivou-o a fazer alguns estágios em agências de publicidade, e Wollner chegou a trabalhar com o americano Raymond Loewy (que fazia publicidade para grandes marcas da época, como Lucky Strike,

13 WOLLNER, Alexandre. Alexandre Wollner: design visual 50 anos. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 49-53. DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 78

Coca-Cola e Studbaker). Em seguida, fez também um estágio na agência de pro- paganda McCann Erickson como assistente de desenhista14.

Nessa época foi criado o Museu de Arte Moderna de São Paulo, que in- cluía entre sua programação exposições de arte, palestras e projeções de filmes; Wollner foi então convidado a organizar a comunicação visual das sessões de cinema do museu, realizadas às terças e sextas-feiras. Esse trabalho consistia em duas placas de madeira pintadas, uma colocada diante dos elevadores do saguão do prédio e outra em frente à sala de projeção. Eram cartazes que, ape- sar de rudes, chamavam de alguma maneira a atenção não só do público em geral, mas também dos artistas que freqüentavam o famoso bar do museu, pela solução gráfica construtiva15.

Em 1953 Geraldo de Barros, então responsável pelo visual dos projetos cultu- rais do Masp, convidou Wollner a auxiliá-lo na elaboração dos cartazes. Em troca, Geraldo orientava-o e lhe ensinava pintura; assim, Wollner acabou se envolvendo no movimento de arte concreta e fazendo parte do Grupo Ruptura. Com o incentivo de Geraldo de Barros, Alexandre Wollner começou a pintar quadros baseados nos conceitos da arte concreta, relacionando os elementos visuais dentro de um pen- samento matemático. Juntos, eles executaram e assinaram cartazes e folhetos do Festival Internacional de Cinema e da Revoada Internacional16.

Em 1953, Max Bill veio ao Brasil a convite do governo brasileiro para realizar palestras em São Paulo e no Rio de Janeiro. Além de receber o prêmio de melhor escultura da I Bienal, comunicou a formação da Hochschule für Gestaltung (HfG), em Ulm, na Alemanha, baseada nos conceitos da Bauhaus. Nessa ocasião, o suíço pediu ao IAC que lhe indicasse um de seus alunos para estudar na escola de Ulm. Pietro Maria Bardi sugeriu o nome de Alexandre Wollner, mas Bill escolhera Geral- do de Barros. Este, porém, além de estar casado e recém-chegado de uma viagem

14 Id. Ibid., p. 55.

15 Id. Ibid., p. 57.

16 Id. Ibid., p. 59. DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 79

de estudos a Paris como bolsista, era funcionário do Banco do Brasil; assim, viu-se obrigado a declinar o convite e recomendou Alexandre Wollner. Ele foi avaliado por Max Bill e aceito17.

Ainda em 1953, foi realizada a II Bienal de Arte Moderna de São Paulo e Wollner, junto com Geraldo de Barros, Aldemir Martins, Franz Krajcberg e Mar- celo Grassmann, participou da montagem da exposição. Durante o processo, eles passavam horas admirando as obras e discutindo a importância dos artistas que expunham naquela Bienal, além de tentar entender a época e os movimen- tos artísticos como De Stijl, dadá, Bauhaus, suprematismo, arte abstrata e arte concreta18. Nessa mesma Bienal, Wollner participou com três quadros de pintura concreta e recebeu o Prêmio de Pintura Jovem Revelação Flávio de Carvalho – o quadro premiado, Composição com triângulo proporcional, pertence hoje ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC- USP). Nessa época, também realizou a montagem e os folhetos da exposição sobre o cineasta austríaco-americano Erich von Stroheim, e o cartaz premiado da III Bienal de São Paulo, em 1954.

Wollner chegou a Ulm em setembro de 1954, porém as instalações da HfG estavam em fase de acabamento e ele foi estagiar no escritório do designer gráfico Otl Aicher, um dos fundadores da escola. À noite, às quintas-feiras, o brasileiro freqüentava palestras na Ulmer Volkshochschule, uma universidade popular livre onde sempre havia cursos sobre assuntos literários, filosóficos, ar- tísticos e científicos. Nesse período, Aicher designou-lhe vários trabalhos, entre eles uma brochura para a comemoração dos 1.100 anos que a cidade de Ulm comemorava na ocasião. Wollner foi responsável pelo layout, pela arte-final e pela produção gráfica19.

17 STOLARSKI, André. Alexandre Wollner e a formação do design moderno no Brasil: depoimentos sobre o design visual brasileiro. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 38.

18 WOLLNER, Alexandre. Op. cit., p. 71.

19 Id. Ibid., p. 77. DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 80

A primeira parte do curso da HfG começou provisoriamente em salas aluga- das no centro da cidade. Depois, já instalado no prédio definitivo, teve início em 10 de janeiro de 1955. As aulas terminaram em 1958, mas no meio-tempo Wollner fez trabalhos para o Brasil, como o cartaz vencedor do concurso da IV Bienal de São Paulo (1957) e, a pedido do consulado, o cartaz da exposição de arte brasileira na Haus der Kunst (1958), em Munique. Em 1957, veio ao Brasil visitar sua família e, num encontro com Geraldo de Barros, aproveitou para estruturar um escritório de design para sua volta definitiva, em agosto do ano seguinte.

Assim, ao retornar a São Paulo, abriu um pequeno escritório de design, chamado Forminform, com Geraldo de Barros, o desenhista e pintor Ruben Frei- tas Martins e o administrador e publicitário Walter Macedo. Além dos sócios ha- via alguns profissionais que se associavam ao escritório em projetos específicos. Entre eles estiveram Ludovico Martino (também aluno do IAC), Décio Pignatari nos textos e German Lorca na fotografia. Porém, devido a fatores políticos, eco- nômicos e pessoais, Wollner e Barros decidiram se desligar do escritório ao fim de 195920.

Após sua saída do Forminform, Alexandre Wollner foi contratado para traba- lhar na agência de publicidade Panam Casa de Amigos, sendo responsável pela implantação do setor de design. Logo saiu da Panam e abriu seu próprio escritório: Alexandre Wollner Programação Visual (nesse momento, começavam a surgir em São Paulo outros escritórios de design). A partir de 1962, e até hoje, exerce em escritório próprio sua atividade de designer visual.

Em 1960, Wollner participou da exposição Konkrete Kunst, em Zurique, na Suíça. Em 1962, desenvolveu um curso de composição tipográfica organizado pelo MAM do Rio e participou da estruturação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), a primeira faculdade de design do Brasil, inaugurada em 1963 na cidade do Rio de Janeiro. Foi presidente da Associação Brasileira de Desenho Industrial (ABDI) entre 1970 e 1974. Em 1973, a convite do governo canadense, freqüentou o

20 Id. Ibid., p. 123. DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 81

curso de Design Management na Universidade de Toronto. Participou como exposi- tor de diversos eventos internacionais de design, entre eles a Bienal Internacional de Artes Gráficas de Cali, na Colômbia (1971), a Design Proposition, em Tóquio (1978), a Bildwert Brasilien, em Zurique (1992), e a Internationalle Buchmesse, em Frankfurt (1994). Realizou exposição individual no Masp e no MAM-RJ, em 1980. Participou das mostras coletivas Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (PE- SP/ MAM-RJ, 1977) e Bienal Brasil Século XX (FBSP, 1994). No início da década de 1960, a atividade de design industrial e visual começou a se consolidar, princi- palmente em São Paulo e, mais tarde, no Rio de Janeiro. Alexandre Wollner atual- mente vive e trabalha em São Paulo21.

21 PICCOLI, Valéria. Op. cit., p. 331. DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 82

3.2.2. O DIÁLOGO DE WOLLNER

Na década de 1950, uma época em que os meios de produção urbano cres- ciam vertiginosamente em São Paulo, Alexandre Wollner percebeu que poderia unir a arte à vida cotidiana trabalhando como designer gráfico na produção de cartazes, logomarcas, sistemas de sinalização, design editorial e linhas de embalagem. Seus trabalhos até hoje permeiam a racionalização da arte concreta.

Composição com triângulo proporcional, 1953. Esmalte sobre duratex. Obra premiada na II Bienal Internacional de São Paulo (Col. MAC-USP). DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 83

Como artista plástico, Wollner realizou entre 1951 e 1954 pinturas geomé- tricas em que utilizou a linguagem visual da Gestalt. Foi pioneiro também no uso de materiais industriais para o campo das artes plásticas, como o eucatex. Expôs a obra Composição com triângulo proporcional (1953) na II Bienal Internacional de São Paulo, pela qual ganhou o prêmio de Jovem Pintor Revelação, com ape- nas 25 anos de idade. Na obra, Wollner utilizou uma forma geométrica elementar, o triângulo, que, composto com outros triângulos, origina formas semelhantes a essa forma elementar, o que cria uma ilusão de movimento. As cores usadas são sóbrias – cinza, branco e preto –, facilitando a leitura da obra e atingindo rapi- damente o espectador. Os materiais industriais usado nesse trabalho – esmalte sintético e aglomerado de madeira – eram também inovadores e já apontavam o interesse do artista pela produção industrial.

Ainda em 1953, Wollner fez uma obra intitulada Constelação de seis pin- turas; mais tarde, em 1960, esta obra foi exposta na mostra Konkrete Kunst: 50 jahre entwicklung (Arte Concreta: 50 anos de desenvolvimento), na Helmhaus, em Zurique, na Suíça. Continuando seus estudos com o triângulo, utilizou mais uma vez a forma como elemento primário da obra. Usando apenas não-cores – preto, branco e cinza –, o artista criou uma composição rigorosamente disposta de maneira a dialogar com o formato do suporte, que é quadrado, e trabalhou com a mesma composição alternando as cores da figura e do fundo, fazendo com que a leitura da forma fosse simplificada. O estudo dessa obra inspirou a criação do cartaz da III Bienal Internacional de São Paulo, em 1955. Nesse pro- jeto gráfico de Wollner, notam-se elementos gráficos simples e precisos, dentro das práticas construtivas: composição de caráter geométrico, uso de letras dese- nhadas com base nas formas elementares e texto predominantemente composto em caixa baixa. Ele elegeu como tema a progressão geométrica e o triângulo, rebatendo a figura em diferentes direções para, com sua repetição, dar ritmo ao cartaz. As cores complementares usadas por Wollner, laranja e azul, contrastam e fazem sobressair a composição. As letras brancas, de simplicidade construtiva, ganham destaque recortadas contra o fundo azul-escuro, que as ressalta aos olhos do espectador, como se estivessem iluminadas. DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 84

Acima: Constelação de seis pinturas, 1953. Esmalte sobre duratex. Obra exposta na Konkrete Kunst, 50 anos de desenvolvimento, 1960, Zurique, curadoria de Max Bill (Col. Helmhaus, Zurique). Ao lado: cartaz da III Bienal de São Paulo, 1954. DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 85

No mesmo ano de 1953, Wollner pintou uma obra sem título feita com esmalte sobre duratex. Nesse trabalho, o artista criou uma progressão geométrica apenas com linhas pretas verticais e horizontais sobre fundo branco; essas linhas acompa- nham a forma do suporte, que é quadrada. Com a racionalidade e simplicidade que lhe são características, também nos projetos gráficos o artista deu ritmo aos traços, fazendo com que as linhas caminhassem de fora para dentro do suporte. No ano seguinte, criou em parceria com Geraldo de Barros o cartaz para a Revoada In- ternacional. Esse trabalho gráfico tem a mesma simplicidade de ritmo e linhas que Wollner havia usado como raciocínio para a obra de 1953 – neste caso, as linhas formam um triângulo composto por três cores, e cada cor representa um avião.

À esquerda: obra sem titulo, 1953. Esmalte sobre duratex (Col. Adolpho Leirner). À direita: cartaz criado em parceria com Geraldo de Barros, 1954.

Em 1954, o artista foi para Ulm estudar com Max Bill na Hochschule für Ges- taltung e abandonou a pintura para dedicar-se exclusivamente às artes gráficas. Em 1957, de Ulm, soube que seu projeto gráfico para o cartaz de divulgação da IV Bienal Internacional de São Paulo havia sido premiado e escolhido em concurso internacional. Nesse cartaz, a forma geométrica escolhida por Wollner foi o quadra- DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 86

do, que, repetido seguidamente e em vários tamanhos, dá a sensação de uma re- tícula fotográfica ampliada. Pelo uso de cores complementares, vermelho e verde, ele obteve contraste, e o branco e o preto também são utilizados. O texto alinhado na margem esquerda e a tipografia simplificada visam uma boa legibilidade, carac- terística do design gráfico moderno. Um ano antes, em 1956, Wollner havia produ- zido um cartaz para as aulas de Otl Aicher, em Ulm, em que apresentou o mesmo raciocínio, porém utilizando círculos além de quadrados.

À esquerda: Cartaz premiado para IV Bienal de São Paulo, 1957. À direita: Cartaz produzido em Ulm na classe de Otl Aicher, 1956.

Durante a década de 1950, Alexandre Wollner criou, entre outros projetos grá- ficos, diversas logomarcas com recursos geométricos e matemáticos diretamente ligados a uma linguagem concreta e às teorias da Gestalt, de que adquiriu conhe- cimento durante sua trajetória até Ulm. Entre elas estão logomarcas muito conhe- cidas nacionalmente, como a do MAM-RJ (1957), desenvolvido em parceria com DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 87

Otl Aicher, a das sardinhas Coqueiro (1958) e a da Argos Industrial (1958), entre muitas outras. O interessante dessas três logomarcas citadas está na possibilidade de demonstrar o raciocínio lógico e matemático aplicado em suas execuções, racio- cínio este característico da arte concreta.

Logotipo desenvolvido para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, a partir de um original de Tomás Maldonado.

O desenvolvimento do projeto gráfico para a logomarca da Argos Industrial foi apresentado em 1959.

O design da logomarca e das embalagens das sardinhas Coqueiro foi criado em 1958 e praticamente não recebeu modificações até fins de 2000. DIÁLOGO CONCRETO // ALEXANDRE WOLLNER • 88

Seus projetos gráficos trazem um procedimento técnico e significativo que implantam uma combinação entre os códigos visuais, sempre com uma relação de proporção na construção modulada. Essa modulação é um padrão de ligação entre o sinal e outros componentes, como a tipografia corporativa, e a inserção desses elementos nos papéis administrativos obedece à padronização de normas técnicas. Assim como na arte concreta, no trabalho de Wollner tudo se relaciona, nada é aleatório. DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 89

3.3.1. GERALDO DE BARROS (1923-1998)

Geraldo de Barros e sua esposa em frente a suas obras na exposição Ruptura, 1952.

Geraldo de Barros nasceu em 1923, em Xavantes, no interior do estado de São Paulo. Em 1930, a família mudou-se para a capital paulista após a crise do café. Em 1943, ele decidiu estudar desenho e pintura; procurou o artista Clóvis Graciano, freqüentou seu ateliê e inscreveu-se na Associação Paulista de Belas Artes. Durante os cursos, Geraldo entrou em contato com outros artistas, entre eles o japonês Takaoka, com quem realmente aprendeu as primeiras noções de pintura. O ateliê de Takaoka era freqüentado por diversos artistas jovens, como Athaíde de Barros, com quem Geraldo realizou sua primeira exposição, em 1947, no hall do Teatro Municipal de São Paulo22.

Por volta de 1946, Athaíde de Barros, com a pretensão de se tornar fotó- grafo profissional, convidou Geraldo a acompanhá-lo e ganhar algum dinheiro fotografando times de futebol amador que costumavam jogar aos domingos nos terrenos baldios da periferia da cidade. Com a ajuda de uma máquina construída por ele conforme instruções de manual de ofícios, Geraldo descobriu então as técnicas da fotografia.

Em 1948, Takaoka, Geraldo, Athaíde e outros jovens artistas como Antonio Carelli formaram o Grupo XV em um ateliê no centro da cidade. Eram 15 artistas

22 FAVRE, Michel. “Cronologia”. In: FERNANDES JUNIOR, Rubens (org.). Sobras: Geraldo de Barros. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 162. DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 90

que dividiam o espaço e as despesas com o local e os modelos. O estilo de pintura dominante no grupo era de traços expressionistas. Os temas escolhidos para as pinturas iam do modelo vivo de observação às paisagens simples encontradas na periferia de São Paulo. Com Athaíde de Barros, Geraldo construiu um pequeno laboratório de fotografia no ateliê do Grupo XV. Comprou uma máquina fotográfi- ca, uma Rolleiflex 1939, e começou a percorrer lugares aonde costumava ir com seu cavalete de pintura. Assim, descobriu as possibilidades da fotografia, fazendo superposições de imagens, captando um detalhe de parede ou uma sombra inte- ressante encontrada na rua.

Como não pretendia se tornar fotógrafo comercial, separou-se de Athaíde para freqüentar, em 1949, o Foto Clube Bandeirantes, que reunia, em São Paulo, amadores de fotografia. Por sua total liberdade de pesquisa e por não respeitar as regras tradicionais da arte fotográfica, era visto como um artista original entre os colegas do grupo. Geraldo foi pioneiro da fotografia abstrata no Brasil e não foi reconhecido pelos membros do Foto Cine Clube; suas fotos eram constantemente recusadas nas exposições organizadas pelo clube23.

Paralelamente à fotografia, Geraldo participou cada vez mais dos movimen- tos artísticos de São Paulo. Ele acompanhou a fundação do Museu de Arte de São Paulo e, em 1949, a convite de Pietro Maria Bardi, organizou o laboratório de fotografia do museu introduzindo esta arte, pela primeira vez no Brasil, no âmbito das belas-artes. Nessa época, Geraldo conheceu Mário Pedrosa, que viria a ter um papel importante na sua formação intelectual e política. No Rio de Janeiro, por intermédio de Pedrosa, Geraldo de Barros descobriu a teoria da forma (Gestalt) e encontrou artistas cariocas como Almir Mavignier e Ivan Serpa.

Em 1950, Geraldo expôs no Masp a série Fotoforma, que reuniu o conjun- to de seu trabalho de fotografia. A exposição foi um sucesso e Geraldo recebeu uma bolsa para estudar fotografia no exterior. Porém, ele preferiu estudar pintura e gravura em Paris. Pouco antes de partir, conheceu a obra de Max Bill ao ajudar

23 Id. Ibid., p. 163. DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 91

na montagem da exposição do artista suíço no Masp. Em sua estadia na Europa durante o ano de 1951, freqüentava cursos de manhã e visitava museus no período da tarde. Viajou por boa parte da Europa; foi a Zurique para encontrar Max Bill e a Ulm para conhecer Otl Aicher, que lhe ensinou alguns princípios do grafismo. Em Paris, Geraldo conheceu também Paulo Emílio Sales Gomes, professor de cinema na Sorbonne e futuro fundador da Cinemateca Brasileira.

Em 1952, de volta ao Brasil, Geraldo de Barros participou da criação do Grupo Ruptura e se interessou também pela industrialização do gesto artístico, pela repro- dutibilidade da obra de arte e, naturalmente, pelo desenho industrial e pelas artes gráficas. Ainda no mesmo ano, recebeu um prêmio pelo cartaz comemorativo do IV Centenário da Cidade de São Paulo24.

A partir de 1954, o artista centrou suas idéias na questão multiplicadora e na utilização de meios de comunicação de massa, como o cartaz, a fotografia e o outdoor. Em 1954, Geraldo fundou a cooperativa Unilabor25, fábrica de móveis com regras coletivistas de gestão. Ao aplicar os princípios racionais desenvolvidos em seu trabalho de arte concreta, desenvolveu linhas de móveis com formas básicas. O mercado consumidor da Unilabor era a classe média alta, assim como os intelec- tuais ligados às idéias socializantes do processo de fabricação26. Geraldo percebeu que era possível passar, sem problemas, da tela e do pincel para a madeira e o metal; que os móveis que ele construía e, portanto, os princípios da arte concreta podiam ser difundidos em grande escala.

Em 1956, participou da Primeira Exposição de Arte Concreta e, em 1960, da exposição Konkrete Kunst – 50 jahre entwicklung, organizada por Max Bill, em Zurique. Em 1957, com Alexandre Wollner e Rubens Martins, Geraldo criou o Forminform, o primeiro escritório de design gráfico do Brasil27. Durante alguns

24 AMARAL, Aracy (org). Op. cit., p. 206.

25 PICCOLI, Valéria. Op. cit., p. 305-6.

26 FAVRE, Michel.Op. cit., p. 170.

27 WOLLNER, Alexandre. Op. cit., p. 123. DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 92

anos, o Forminform trabalhou propondo soluções de comunicação visual inovado- ras para empresas, jornais e eventos culturais.

Em 1964, Geraldo saiu da Unilabor; a fábrica de móveis enfrentava grandes dificuldades de gestão interna ligadas ao modelo coletivista e ao agravamento da crise econômica e política do país após o golpe militar. Nessa época, ele se uniu a Aluísio de Bioni, marceneiro com quem trabalhara na Unilabor, e juntos criaram a fábrica de móveis Hobjeto, que logo seria umas das mais importante do país. No mesmo ano, abandonou o construtivismo geométrico, expôs uma série de pinturas figurativas com Nelson Leirner e passou a se interessar pela arte pop como objeto de crítica social. Trabalhou com cartazes publicitários que repintou, retirando as características de imediatismo para propor uma leitura subjetiva e crítica28.

Em 1966, Geraldo de Barros associou-se a Nelson Leirner e Wesley Duke Lee para fundar a galeria Rex Gallery and Sons, precursora do movimento de pop art brasileiro e dos primeiros happenings de São Paulo. Com a Hobjeto, Geraldo ganhou numerosos prêmios pelos desenhos de móveis, e a empresa logo cresceu. Em 1972 a fábrica chegou a ter mais de 700 empregados29.

Em 1979, Geraldo sofreu uma isquemia cerebral e foi obrigado a abandonar a Hobjeto. Ao mesmo tempo, abandonou também a pintura figurativa e retomou o uso da geometria e da seriação30. Com a ajuda de um assistente, José Soares, para executar suas obras, voltou à arte concreta na XV Bienal de São Paulo. No mesmo ano, fez uma série de colagens com antigas fotografias suas, parte dela mostrada na Bienal de Veneza, na exposição Venezia’79/ La Fotografia.

Entre 1983 e 1990, Geraldo mandou executar uma série de mais de 200 quadros de plástico laminado colocado sobre madeira compensada. Esses qua- dros seguiam a composição geométrica dos princípios da arte concreta e foram

28 FAVRE, Michel. Op. cit., p. 170.

29 Id. Ibid., p. 171.

30 PICCOLI, Valéria. Op. cit., p. 306 DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 93

executados com um processo semi-industrial por José Soares. Com esse trabalho, Geraldo de Barros representou o Brasil na Bienal de Veneza de 1986.

Em 1993, apresentou pela primeira vez na Europa a série completa de suas Fotoformas no Museé de l’Elysée, em Lausanne, na Suíça. Sua obra tomou uma dimensão internacional e o estimulou, apesar da deficiência, a continuar a criar. Assim, em 1988, sempre com a ajuda de um assistente, ele realizou mais 250 recortes de pequenos negativos de fotografia de família e de viagens. Essa nova série, intitulada Sobras, mostrou sua vida e sua carreira com a liberdade artística que lhe foi característica, e o manteve estimulado até sua morte. Geraldo de Bar- ros faleceu em abril de 1998. DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 94

3.3.2. O DIÁLOGO DE GERALDO

Artista plástico inovador, Geraldo de Barros atuou também como fotógrafo e designer gráfico e de objetos. O movimento concreto e seus conceitos, como a abstração, a Gestalt e os preceitos da Bauhaus, serviram-lhe como base e estiveram ligados à sua produção ao longo de quase toda a sua vida. O artista sempre se interessou em como levar a arte para sua possibilidade industrial. Sua proposta de arte concreta foi a tentativa de “especificação de um projeto”, no sentido de obter um projeto/objeto-pintura a ser produzido em grande escala. Buscava um quadro que fosse seu próprio objeto de ser pintura; objetos-forma. O autor permitia a reprodução desses objetos-forma, segundo os protótipos apre- sentados e obedecendo às normas específicas do projeto31. Sua preocupação com o papel social do artista e com as possibilidades de uma arte feita para atingir um público mais amplo ganhou força em 1954, quando fundou com o frei João Batista a Unilabor. A partir daí, a preocupação com a união entre arte e indústria permeou toda sua produção. Além do trabalho com móveis para a Uni- labor, Geraldo desenvolveu diferentes peças gráficas, muitas delas em parceria com Alexandre Wollner, na época em que estudaram no IAC e também quando trabalharam juntos na FormInform.

A obra Vermelho e verde em formas contrárias, de 1952, revela os concei- tos da Gestalt que exploram a leitura das formas pelo conceito de semelhança. Composta de cores e formas complementares – verde e vermelho, quadrado e círculo –, ela faz o olhar do espectador percorrer infinitas vezes o quadro. Dessa maneira, o artista alcançou uma dinâmica de relações, tanto entre as formas e cores quanto entre as formas, as cores e o fundo. Sempre buscando ligar a arte à indústria, Geraldo assinou esse trabalho com seu logotipo. O logotipo desen- volvido pelo artista, usado como assinatura, também foi construído a partir dos preceitos do concretismo. Com dois círculos unidos por uma linha, é possível observar as letras iniciais do nome do artista, “G” e “B”, em caixa baixa.

31 BARROS, Geraldo de. Da retomada de alguns objetos-forma da arte concreta. In: XV BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO (catálogo), 1979. DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 95

Acima: Vermelho e verde em formas contrárias, 1952. Esmalte sintético sobre kelmite, 39.5 X 56 cm (Col. MAC-USP). Ao lado: a assinatura com a logotipo do artista.

Em 1954, Geraldo de Barros venceu o concurso para o cartaz do IV Cen- tenário de São Paulo. Nele, o artista utilizou as cores da cidade – preto, branco e vermelho –, além de linhas e formas geométricas que formam um aglomerado de prédios e construções, levando o espectador a perceber a grandiosidade da cidade. É interessante notar que dois anos antes, em 1952, Geraldo, em visita a Ulm, viu um cartaz de Otl Aicher (designer gráfico alemão) para as conferências da Volkshochschule que lhe serviu de referência para esse seu trabalho32.

32 WOLLNER, Alexandre. Op.cit., p. 59. DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 96

À esquerda: cartaz premiado de Geraldo de Barros para o IV Centenário de São Paulo, 1954. Abaixo: cartaz de Otl Aicher, 1952. DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 97

O quadro Concreto, de 1958, de esmalte sobre eucatex, foi concebido de acordo com um desenho passível de reprodução e execução – conforme seria mostrado mais tarde em esquema apresentado na XV Bienal Internacional de São Paulo, em 1979. As figuras são resultantes de relações entre quadrados, que podem ser derivadas, sem erro, por construção geométrica. Esse quadro-objeto é realizado em preto-e- branco, com mais uma cor e sua complementar. O projeto desse quadro consiste em

Acima: Concreto, 1958. Esmalte sobre eucatex, 49 X 71 cm (Col. Adolpho Leirner). Ao lado: esquema apresentado na XV Bienal. DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 98

um retângulo cuja dimensão é um quadrado mais a metade do mesmo quadrado, na qual se inscreve um outro quadrado. Prolongando-se as linhas de intersecção, obtém- se um outro quadrado igual ao quadrado inscrito. Essa obra demonstra tanto o pensa- mento geométrico-construtivo usado pelos artistas concretos em São Paulo quanto o interesse do artista pela reprodutibilidade característica da industrialização.

Acima: Função diagonal, 1952. Laca industrial sobre madeira, 60 X 60 cm (Col. Cisneros, Venezuela). À direita: esquema apresentado na XV Bienal. DIÁLOGO CONCRETO // GERALDO DE BARROS • 99

O quadro Função diagonal, de 1952, também é baseado num projeto, cujo esquema também foi exposto na XV Bienal Internacional de São Paulo, em 1979. Esse projeto consiste em inscrições sucessivas de quadrados sobre quadrados, e a obra é apresentada em preto-e-branco.

Ao propor os esquemas dos projetos, Geraldo de Barros eliminou o objeto- único (meio de subsistência de marchands e galerias) e propôs uma coletivi- zação da pintura e das demais artes, transformando-as em produto industrial. Aspecto este que reflete uma das mais importantes vias de desenvolvimento da arte concreta. DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 100

3.4.1. AMILCAR DE CASTRO (1920-2002)

Amilcar de Castro, 1959.

Amilcar de Castro nasceu em 8 de junho de 1920, em Paraisópolis, na região sul de Minas Gerais, próximo à fronteira com São Paulo, a alguns quilômetros de Campos do Jordão. Em 1935, seu pai, juiz de Direito, transferiu-se para a capital, Belo Horizonte, e levou consigo os filhos. Em pouco tempo, seu pai passou a le- cionar na Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais (atual UFMG), tornando-se depois desembargador e destacando-se como um conceituado jurista. Em 1940, com o objetivo de seguir a carreira do pai, Amilcar ingressou na Facul- dade de Direito e se formou em 1945. Durante o curso, freqüentou círculos de ami- zade com colegas que se tornaram célebres, tais como Otto Lara Resende, Marco Aurélio Mattos e Lucy Teixeira. Também foi contemporâneo e amigo do então estu- dante de Medicina Hélio Pellegrino33.

A partir de 1944, estudou desenho e pintura na Escola de Arquitetura de Be- las-Artes de Belo Horizonte com Alberto da Veiga Guignard34. Como aluno regular do instituto, Amilcar de Castro foi muito participativo e, junto com outros estudantes,

33 ALVES, José Francisco. Amilcar de Castro: uma retrospectiva. Porto Alegre: Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 2005, p. 141.

34 PICCOLI, Valéria. Op.cit., p. 308. DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 101

ajudou a organizar a Exposição de Pintura, em benefício da Santa Casa, considera- da a segunda exposição de arte moderna de Belo Horizonte, em outubro de 1945. No mesmo ano, o artista esteve entre os alunos de Guignard que foram classifica- dos no 6˚ Salão de Belas Artes da Prefeitura. Amilcar estudou sob sua orientação durante seis anos, até 1950.

Amilcar de Castro seguiu sua profissão de advogado e, paralelamente, conti- nuou participando de várias exposições e salões de arte. Em 1948, ocupou a che- fia de gabinete do secretário estadual de Segurança Pública. Posteriormente, foi tesoureiro do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, até 1952. Nesse período, ao se tornar funcionário do Departamento do Café de Minas Gerais, foi transferido para o escritório do setor no Rio de Janeiro, então capital federal.

Em 1951, o artista conheceu a obra vencedora da I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, a Unidade tripartida do suíço Max Bill, e no mesmo ano assistiu a uma palestra dele, no Rio de Janeiro, que despertou seu interesse pela arte concreta. Desde então, Amilcar conviveu com artistas e intelectuais concre- tistas, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Sua primeira obra criada efetivamente sobre os princípios do concretismo foi selecionada para a II Bienal de São Paulo: uma peça executada com cobre (1952) inspirada na Unidade tri- partida. Essa escultura de Amilcar de Castro tornou-se sua mais célebre obra, uma vez que nela já constavam os princípios dos procedimentos que ele aplica- ria em grande parte do conjunto de sua produção – e que ele chamaria de Corte e dobra. Trata-se de algo incomum um artista produzir uma obra que norteará os princípios de uma significativa carreira, por meio século.

Amilcar mudou-se para o Rio de Janeiro em 1952 e foi trabalhar como dia- gramador na revista Manchete. Aos poucos, a atividade que iniciou como al- ternativa de sobrevivência tornou-se uma paixão, ocupando-o tanto quanto sua produção como escultor e tornando-o igualmente reconhecido nas artes gráficas. Em 1957, o artista foi convidado por Odylo Costa, filho e Ferreira Gullar para paginar o Jornal do Brasil, e assim tinha início a mais comentada reforma visual DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 102

de um diário nacional: a reforma gráfica do JB, concluída em 1959, que teve uma participação fundamental de Amilcar.

Participou da I Exposição Nacional de Arte Concreta (MAM-SP, 1956 / MAM-RJ, 1957). Em 1959, assinou o Manifesto Neoconcreto e integrou a mostra Konkrete Kunst, em Zurique, em 1960. Deixou o Jornal do Brasil em 1962, mas deu continuidade à sua carreira de diagramador durante a década de 1960 nos jornais Diário Carioca, Última Hora, Estado de Minas e Diário de Minas35.

Iniciando uma série de participações ao longo de sua vida em setores que iam além da produção artística (experimentou joalheria, moda, projetos de ar- quitetura, cenários de programas de televisão etc.), Amilcar de Castro executou com Hélio Oiticica e Jackson Ribeiro, em 1964, parte das alegorias da escola de samba Mangueira para o carnaval carioca. Em 1961 e 1965, voltou a participar da Bienal de São Paulo. Ganhou a bolsa da Fundação Guggenheim, de Nova York, para o período de 1968-69. Na mesma época, recebeu o Prêmio Viagem ao Estrangeiro, no 16o Salão Nacional de Arte Moderna, no Rio de Janeiro. Assim, partiu para os EUA em 1968, fixando-se com a família em Nova Jersey, onde executou trabalhos com chapas de aço inoxidável, expostos na sua primeira mostra individual, ocorrida em 1969 na Kornblee Gallery, em Nova York36.

Retornou ao Brasil em 1971, fixando-se em Belo Horizonte. A partir de 1973 lecionou escultura na Fundação de Arte de Ouro Preto e retomou a prática do desenho. Durante as décadas de 1970 e 1980, deu aulas de composição, es- cultura, desenho e teoria da forma na Faculdade de Belas Artes da UFMG e lecionou composição e escultura na Escola Guignard, da qual mais tarde seria diretor. Participou das mostras Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (PE-SP / MAM-RJ, 1977), Tradição e Ruptura (FBSP, 1984), Modernidade: Art Brésilien du 20e Siècle (MAM-Paris, 1987 / MAM-SP, 1988) e Bienal Brasil Século XX (FBSP, 1994). Sua primeira exposição individual no Brasil, uma mostra de desenhos,

35 Id. Ibid., p. 309.

36 ALVES, José Francisco. Op. cit., p. 144. DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 103

ocorreu somente em 1978, no Gabinete de Arte Raquel Arnaud, em São Paulo. Participou ainda das VI, VIII, XV, XIX e XX Bienais de São Paulo. O Paço Imperial do Rio de Janeiro realizou uma retrospectiva de seu trabalho em 1989.

A atividade gráfica de Amilcar de Castro não se resumiu somente à pro- gramação visual de periódicos. Ele realizou projetos gráficos de livros para a Editora Vozes, em 1966, e também ilustrações de capas. A capa de livro mais antiga ilustrada por Amilcar foi para O Vulcão e a Fonte, de José Lins do Rego, publicado em setembro de 1958 pelas Edições Cruzeiro, do Rio de Janeiro. No final da década de 1990, realizou as ilustrações de uma série de nove livros de Franz Kafka para a Cia. das Letras. Ilustrou e elaborou a programação gráfica de muitos impressos de exposições e eventos de arte (como o cartaz do Festival de Inverno da UFMG, de 1984), inclusive o cartaz de sua primeira exposição indivi- dual de esculturas no Brasil, em 1980, na Gesto Gráfico Galeria de Arte, de Belo Horizonte, sendo também autor do logotipo da galeria. Amilcar de Castro faleceu em novembro de 2002, em Belo Horizonte. DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 104

3.4.2. O DIÁLOGO DE AMILCAR

O contexto do qual emergiu e no qual consolidou-se a produção de Amilcar de Castro está ligado à arte concreta pela ordem, pelo racionalismo e pelo rigor na construção. Seu trabalho como artista gráfico, ainda que constituísse apenas em parte do contexto maior de sua produção artística, envolveu muita dedicação e esteve muito próximo dos princípios aplicados na escultura, pintura e gravura. Por isso, não se pode separar totalmente o artista gráfico do artista plástico. Amilcar de Castro, como designer gráfico, tem sua marca associada a um acontecimento muito importante para o jornalismo brasileiro, a reforma gráfica e editorial do Jor- nal do Brasil, o JB, na década de 1950.

Sem iítulo, 1952. Cobre, 43 x 43 x 43 cm (Col. Ana Maria Caldeira de Castro). DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 105

A obra concreta Unidade tripartida, de Max Bill, influenciou Amilcar diretamen- te, a ponto de inspirá-lo a realizar sua primeira obra efetivamente construtiva em 1952. Nessa escultura de cobre, um retângulo de base é divido em três segmen- tos, cada um deles dobrando-se para formar um triângulo; essa obra deu origem a toda a produção do artista, pelo desdobramento dos planos e pela obstinação no trabalho de corte e dobra. Essa obra, sem título, foi selecionada para a II Bienal de São Paulo, realizada em 1953.

A tendência concreta do artista não o impediu de realizar experimentações ao longo da década de 1950, usando arame, vidro e madeira. Entre as obras feitas com madeira observa-se a característica de articulação entre as partes. Na peça feita de madeira em 1950, a articulação de quatro blocos irregulares propicia diversas posições. Em outra obra, também de madeira, de 1952, feita com blocos retos e curvos soltos entre si, cria-se a possibilidade de configura- ções bem mais numerosas.

Escultura Sem título, 1952. Madeira, com montagem variável, 48 X 40 X 31 cm (Col. Rodrigo de Castro). DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 106

Escultura Sem título, 1950. Madeira, 42 X 44 X 35 cm (Col. Nadir Farah).

A obra de cobre, de 1952, foi experimentada até o ponto de ser complemen- tada com o surgimento do corte. Duas peças dessa mesma década enfatizam a evolução da dobra até o corte. A escultura de aço de 1956 partiu de uma chapa com forma inicial circular. Essa forma foi decomposta em três partes diferentes posteriormente justapostas e soldadas entre si. A escultura de aço de 1950 foi feita com os mesmos procedimentos, decomposição de uma chapa em três partes que foram soldadas entre si formando diferentes ângulos, dessa vez quadrangular e bem espessa. A continuidade desse trabalho foi a descoberta do artista de fazer a dobra sem o uso da solda, surgindo assim o procedimento que consagrou a obra de Amilcar de Castro: o corte e a dobra. As obras de aço ilustram a primeira série de peças dessa linha, duas delas feitas a partir de uma chapa quadrada e outra a partir de uma chapa circular. Esse procedimento de corte e dobra do plano com formas geométricas elementares é que faz surgir a tridimensionalidade. Foi nessa linha de trabalho, que jamais abandonou, que Amilcar de Castro apresentou-se nas I e II Exposições Neoconcretas. DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 107

Ao lado: escultura Sem título, 1950. Aço, 50 X 46 X 39 cm (Col. Nadir Farah). Abaixo: escultura Sem título, 1956. Aço, 100 X 130 X 135 cm (Col. MAM-RJ). DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 108

Essa experimentação do artista de trabalhar com uma forma geométrica plana e básica e transformá-la para o tridimensional foi descrita por Hélio Oiticica como uma relação de espaço e tempo:

a relação fundamental entre espaço e tempo na escultura, na sua fase em

que de um plano desdobra a estrutura da obra em cortes e torções sobre

esse mesmo plano, isto é, não destrói o plano como substrato estrutural,

mas metamorfoseia numa pura representação espaço-temporal, nascendo

daí toda coerência e sentido da obra37.

A participação de Amilcar de Castro como designer gráfico na reforma do Jornal do Brasil foi significativa. Seu projeto visava tomar parte da modernização em curso no país na década de 1950. O artista começou a reforma gráfica do JB em 1957, e aplicou a concepção que também guiou sua escultura – a de que cada parte do plano (da chapa de ferro ou da paina em branco), de cima ou de baixo, à direita ou à esquerda, deve ter o mesmo peso38. A estrutura gráfica criada era severa, clara e leve, sem adornos ou áreas sombreadas e era direta: “preto no branco”. Ele adequou também a forma ao conteúdo, de maneira que a forma reforçasse a informação a ser passada. Entre as inovações dessa reforma gráfi- ca, destacava-se a valorização dos claros, dos espaços em branco, em relação às manchas negras da tipografia. Baseadas nas teorias da Gestalt, as áreas não impressas, ou o branco do papel, foram consideradas elementos da composição, tanto quanto as áreas impressas, constituídas de letras e imagens. Para Amilcar, os espaços em branco permitiam um respiro; o texto cerrado, sem espaço vazio, sufocava o leitor. Também foi adotada uma família única de tipo para todo o jornal, usada com diferentes tamanhos e em negrito, itálico ou claro, trazendo ao periódi- co uma unidade que permitia uma enorme variação.

37 ALVES, José Francisco. Op. cit., p. 18.

38 FABBRINI, Ricardo. “Pulsões do construtivismo”. In: AGUILERA, Yanet (org.). Preto no branco: a obra gráfica de Amilcar de Castro. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p. 23. DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 109

Ao lado: capas do Jornal do Brasil antes da reforma gráfica, 12/11/1956 e 11/03/1957, respectivamente. Abaixo, da esquerda para a direita: capas do novo layout do JB, 04/06/1960, 01/11/1960 e 12/07/1960

A força e a consistência da nova caracterização visual do jornal evidencia- vam o papel estruturador do raciocínio gráfico aplicado pelo artista. Um “L” de classificados na primeira página marcava graficamente a opção de acentuar a verticalidade do campo gráfico ou suporte. Baseava-se no conceito de que o jornal é lido da esquerda para a direita e de cima para baixo, primeiro a linha horizontal (títulos) e depois as linhas organizadas em coluna (texto corrido). Amilcar utilizou, assim, o “L” na capa do jornal para marcar graficamente o sentido da leitura. Usou espaços diferentes entre colunas por meio do recurso de dois diagramas simul- tâneos, um para matérias e outro para classificados. A partir de então, o “L” foi adotado na primeira página por diversos anos. Além dele, o artista propôs uma distribuição balanceada das massas de foto e texto, potencializando a fotografia DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 110

como foco de interesse gráfico, e dinamizou a composição modular pela contrapo- sição de blocos de chamada e de texto, que eram diferenciados por peso, corpo e entrelinha, e que juntos criavam um contraste gráfico. O novo layout se deu a partir da constituição de uma linguagem articulada em torno de elementos geomé- tricos mínimos como o ponto, a linha e o plano, unificando o espaço com o uso de possibilidades de diagramação que sincronizavam a forma e a função, de acordo com a busca do concretismo brasileiro de unir a arte à indústria e ao cotidiano.

Amilcar de Castro criou uma capa de inspiração concreta para o livro O Vulcão e a Fonte, de José Lins do Rêgo, publicado em setembro de 1958 pelas Edições Cruzeiro, do Rio de Janeiro. Ela traz um enorme “L” vermelho sangrando nos lados esquerdo e inferior, remetendo ao famoso “L” de classificados que o artista desenvolveu nas capas do JB (Col. Luís Edegar Costa).

Em 1959, o artista diagramou o “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil em que foi lançado o Manifesto Neoconcreto. Esse caderno tornou-se um exem- plo de paginação moderna e inovadora. Segundo Ferreira Gullar, Amilcar pagi- nou esse suplemento “como se estivesse organizando um quadro, uma tela”39, levando em consideração o espaço geral daquele conjunto de duas páginas. Amilcar estampou a arte concreta no jornal; o aspecto formal e conceitual desse caderno demonstrava a busca de uma estrutura funcional com uma diagramação modulada e legibilidade do texto.

39 GULLAR, Ferreira. “Entrevista Ferreira Gullar” (a Yanet Aguilera). In: AGUILERA, Yanet (org.). Preto no branco: a obra gráfica de Amilcar de Castro. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p. 55. DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 111

Ao lado: capa do Manifesto Neoconcreto, lançado em março de 1959 no “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil. Abaixo: a íntegra do Manifesto, em que o artista utilizou a página dupla como se fosse a tela de um quadro concreto. DIÁLOGO CONCRETO // AMILCAR DE CASTRO • 112

Nas páginas do “Suplemento Dominical”, Amilcar trabalhou com ritmo de ocu- pação das colunas. Na sua diagramação, o branco ia além da separação entre le- tras e palavras; ele criou um ritmo visual cuja leveza tornava ainda mais agradável a leitura. A combinação de equilíbrio simétrico e assimétrico, a distribuição de forças e o contraste entre peso e leveza são princípios que o artista e designer usou na escultura e aplicou para modelar as páginas do jornal, provocando impacto visual e valorizando o periódico. Aos poucos, o suplemento, que era um jornal de donas de casa, se transformou no mais importante veículo de cultura do país.

Páginas internas do “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil. À esquerda, de 09/01/1960. À direita, de 26/03/1960.

A ênfase no lado utilitário da diagramação, fazendo com que esta esteja a ser- viço do leitor, e a elaboração de um projeto formal simples que recusa o ornamento são princípios da arte gráfica construtiva. Amilcar de Castro realizou um trabalho que teve sua origem na estética concretista, que ele aprofundou e aplicou tanto na arte escultórica quanto na arte gráfica. DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 113

3.5.1. WILLYS DE CASTRO (1926-1988)

Willys de Castro diante de cartazes do VI Salão Paulista de Arte Moderna, em 1957.

Pintor, gravador, desenhista, cenógrafo, figurinista e artista gráfico. Willys de Souza Castro nasceu em Uberlândia, Minas Gerais, em 1926. Quando sua família se transferiu para São Paulo, o destino foi a cidade de Campinas. Em 1941, estudou pintura e desenho e pintou suas primeiras telas, nas quais já é possível perceber uma tendência para a abstração. No mesmo ano, mudou-se para a capital do estado, onde fixou residência definitiva e passou a ser identifi- cado no meio artístico como paulista. Formou-se em 1949 no curso de Química Industrial da Escola Técnica Eduardo Prado e trabalhou na área de química da Companhia Esso Brasileira de Petróleo, mas logo abandonou o emprego para investir na carreira de artista40.

Willys de Castro definia-se como pintor, escultor e projetista gráfico. Embo- ra tivesse optado sobretudo pelas artes plásticas e gráficas, foi um erudito com- positor musical, sério e promissor aluno de Hans-Joachim Kroellreuter, de quem obteve elogios públicos. Ao longo dos anos 1950, Willys dedicou-se à música, às artes gráficas e à pintura, usando o nome artístico de Souza Castro.

40 BOTTALLO, Marilúcia. “Willys de Castro: uma vida pluri e ativa”. In: CONDURU, Roberto. Willys de Castro. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 166. DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 114

Ainda na década de 1950, conheceu Hércules Barsotti, um amigo com o qual conviveria e dividiria interesses pessoais, artísticos e profissionais. Eles fundaram juntos, em 1954, o Estúdio de Projetos Gráficos, que mantiveram durante dez anos. Paralelamente, Willys transitou em diferentes áreas das artes; envolveu-se intelec- tualmente na criação de grupos de trabalho, associações, conselhos e editoras, criou padronagens para a indústria têxtil, participou de grupos musicais e escreveu poesia concreta.

Apesar de seu desenhos apresentarem composições de tendência abstrata desde 1948, eles ainda traziam figuras e paisagens, mas já era possível notar a busca pela geometrização da forma. Os desenhos de tendências geométricas começaram a surgir a partir de 1950, quando o artista desenvolveu estudos com planos e formas côncavas e convexas, contraposições de formas, círculos concên- tricos e composições com vibrações ópticas, marcando sua vocação artística de alinhamento junto às vanguardas internacionais.

Em 1958, viajou a Itália, Suíça, França, Portugal e Espanha. Na Europa, Willys teve a oportunidade de se encontrar e trocar experiência com artistas, críticos de arte e designers gráficos e industriais. Embora, nessa época, já fosse reconhecido publicamente por seu trabalho, considerava essa viagem como par- te de sua formação profissional.

O ano de 1953 marcou o início da produção de obras concretas de Willys de Castro41, que expôs na Casa do Povo durante o I Salão de Agosto, no Instituto Cultural Israelita Brasileiro. No ano seguinte, teve obras aceitas no III Salão Pau- lista de Arte Moderna e, em seguida, ficou sem participar de salões ou exposições durante dois anos.

Somente em 1957 voltou a inscrever obras no VI Salão Paulista de Arte Moderna, também na seção de pintura, no qual ganhou o segundo lugar, tendo recebido o Prêmio Governo do Estado pela obra Pintura 174. No mesmo ano, foi

41 AMARAL, Aracy (org.). Op.cit., p. 224. DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 115

selecionado para expor na IV Bienal de Artes Plásticas de São Paulo, na catego- ria pintura. A partir de 1959, passou a receber vários convites para compor júris de seleção e premiação. Willys seguiu participando do VII e VIII Salões Paulistas de Arte Moderna (1958 e 1959). No VIII Salão, além de jurado, foi membro da comissão organizadora da mostra, o que lhe permitiu expor três obras isentas de seleção, todas com o título Pintura.

Em julho de 1959, foi realizada uma exposição do acervo do MAM-SP em Assunção, no Paraguai. Willys de Castro integrou essa mostra, realizada no Salón Carlos Antonio Lopez. Em outubro, fez o projeto gráfico do catálogo da Exposição Coletiva da Galeria de Arte das Folhas, da qual participou junto com Giselda Leir- ner, Maria Leontina, Tomie Ohtake e Hércules Barsotti. Todos concorriam ao Prêmio Leirner, oferecido pela galeria. A partir daí, até 1962, todos os fôlderes e convites das exposições da galeria foram feitos por ele.

Embora não tenha participado formalmente da I Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, sua produção entre 1953 e 1959 era indiscutivelmente concreta. Um ano após a sua viagem de estu- dos à Europa, Willys aproximou-se dos neoconcretos do Rio expondo na mostra Livro Poema, do Jornal do Brasil, e em outras exposições do grupo carioca. Fez parte também da mostra Konkrete Kunst, em Zurique, em 1960; organizada por Max Bill, essa mostra pretendia mapear a então recente história do concretismo no mundo, convidando representantes europeus, argentinos e brasileiros, incluindo concretos e neoconcretos, apesar de suas diferenças.

Paralelamente, o trabalho de Willys como artista gráfico ganhou força com o Estúdio de Projetos Gráficos, criado em 1954 em sociedade com Hércules Barsotti. Ali, criou diversos slogans e logotipos para diferentes projetos, entre os quais o logotipo da Editora Enciclopédia do Rio de Janeiro; os logotipos e slo- gans das Tintas CIL, pertencentes à Cia. Química Industrial CIL de São Paulo, em 1959, além do projeto do calendário CIL em 1960; a série de design e porcelanas para a Ambiente, em 1960; logotipos para o X Salão Paulista de Arte Moderna; DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 116

além de design de jóias. Desenhou também as marcas registradas da Galeria de Arte das Folhas, em 1961; da Galeria Seta, em 1963; da M.S. Arquitetura Promo- cional, em 1963; da Associação de Artes Visuais – Novas Tendências, em 1963; da Mobília Contemporânea S.A., em 1964; do Centro de Colecionadores de Arte, em 1968; da Sobre Ondas – loja de motocicletas e peças –, em 1969. Em março de 1974, Willys recebeu um certificado de excelência da Deco Press por seu alto padrão de design. Desenvolveu também projetos gráficos para livros de poesia: Cinco Poemas, de Theon Spanudis; Cinco Contos Curtos, de Nelson Coelho; dois Livro-Poema, de Ferreira Gullar; e Três Poemas, de Franco Terranova42.

Em 1955, Willys realizou a curadoria da exposição retrospectiva de Aldo Bo- nadei no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Entre 1955 e 1956, cuidou da produção gráfica da revista Teatro Brasileiro, que teve nove números publicados. Em 1956, desenhou a capa do livro Panorama do Teatro Brasileiro, de Décio de Almeida Prado, publicado pela Editora Martins.

A partir de 1959, Willys de Castro iniciou sua pesquisa dos Objetos ativos, considerados pelos críticos como uma das maiores contribuições do artista à arte construtiva brasileira. Em 1962, expôs, com Hércules Barsotti, na Petite Galerie (Rio de Janeiro e São Paulo). Prosseguindo suas pesquisas a partir do Objeto ativo, partiu para a construção dos Pluriobjetos, finas peças verticais de aço inox escovado – ou executados em cobre – presas à parede ou se elevando do piso. Em 1983, expôs os Pluriobjetos em uma mostra individual no Gabinete de Arte Rachel Arnaud, em São Paulo. Participou da coletiva Em Busca da Essência, por ocasião da XIX Bienal de São Paulo, e, com Hércules Barsotti, da mostra Aven- turas da Ordem, em 1988, no Rachel Arnaud. Foi co-fundador da Associação Brasileira de Desenho Industrial e também da Galeria Novas Tendências (NT). Integrou diversas exposições no Brasil e no exterior, como II Bienal de Paris (1961), Brazilian Art Today (Londres, 1965), Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (PE-SP / MAM-RJ, 1977), Tradição e Ruptura (FBSP, 1984) e Modernidade:

42 BOTTALLO, Marilúcia. Op. cit., p. 172. DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 117

Art Brésilien du 20e Siècle (MAM – Paris, 1987 / MAM-SP, 1988)43. Em 1994, foi feita uma retrospectiva póstuma de seu trabalho, focando seu período concreto, na Galeria Sylvio Nery da Fonseca, em exposição intitulada Willys de Castro: Obras de 1954-1961 – Willys havia falecido em 1988.

43 PICCOLI, Valéria. Op. cit., p. 309. DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 118

3.5.2. O DIÁLOGO DE WILLYS

Convencido da autonomia da arte perante a cultura, bem como da força trans- formadora da estética na sociedade contemporânea, Willys de Castro ultrapassou o campo das artes plásticas. Em parte devido à necessidade de garantir sua sobrevi- vência num meio social em que a arte era uma mercadoria sem valor, não lhe sendo permitido tê-la como meio de vida; mas, principalmente, por acreditar na capacida- de da arte de participar da construção de uma nova sociedade, trabalhando com a produção industrial. Acreditando na possibilidade comunicativa e transformadora de uma linguagem plástica universal, o artista buscou, com o construtivismo, parti- cipar do esforço coletivo de constituir uma cultura, e não apenas figurá-la. A opção concreta foi a decisão de seguir um desdobramento contemporâneo da vertente da arte moderna que pretendia racionalizar a produção do ambiente do homem, dando continuidade às propostas de transformação do mundo com a plástica.

O artista dedicou-se disciplinadamente a explorar a autonomia dos meios plásticos e a exemplificar as possibilidades de uso da linguagem concreto-visual. Os primeiros trabalhos concretos de Willys de Castro eram similares às obras dos membros do Ruptura, valendo-se de elementos plásticos com fórmulas ma- temáticas em busca de uma imagem sem denominação. Entretanto, o uso da cor distinguia seu trabalho daquele do restante do grupo, entendendo forma e cor de modo indissociável – forma-cor. Para Willys, a lógica aleatória da cor alterava o ritmo estabelecido matematicamente e desestruturava a ordenação prévia, tra- zendo o inusitado e dinamizando a construção.

As experiências do artista com o concretismo visavam a renovação do pla- no pictórico e a geometria euclidiana, buscando uma estrutura plástica autônoma e uma linguagem visual livre. Na obra Composição VI: distribuição rítmica sobre um sistema modulado, de 1953, feita como exercício de aprendizagem da espa- cialidade, há equilíbrio na organização simétrica das cores e na tensão entre as direções vertical e horizontal – nenhum dos planos de cor prevalece sobre os de- mais, para serem percebidos interativamente, sem que um se constitua em figura DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 119

convertendo os demais em fundo. Usando cores frias e próximas – verde e azul – e não-cores – branco, cinza e preto – , Willys conseguiu interagir as formas de modo que cada uma só se configurasse na relação com as demais, fazendo com que as não-cores funcionassem como cores e dinamizem o conjunto. O uso de esmalte sintético sobre placa de madeira revela seu interesse pela industrializa- ção e coerência com a proposta concreta.

Composição VI: distribuição rítmica sobre um sistema modulado, 1953. Esmalte sintético sobre madeira revestida de gesso. 46 X 38 cm (Col. Mac-Usp). DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 120

Após conquistar o plano como estrutura plástica, Willys de Castro passou a se dedicar à exploração da linguagem visual geométrica; primeiro focou no aprendiza- do da lógica planar, depois passou a agir sobre o plano. Investigou as possibilidades da geometria relacionando as formas entre si; seccionou, justapôs, interpenetrou e sobrepôs quadrados, triângulos, retângulos e círculos – alterou e reuniu as formas geométricas, produzindo novos signos que podiam ser rearranjados infinitamen- te. Essas articulações formais questionam as estruturas da percepção e forçam o confronto entre as referências originais e as novas formas. As interações formais também agem sobre a espacialização, quando, articuladas, as formas através do negativo e do positivo avançam uma sobre a outra e impulsionam a superfície onde se localizam. Obras como Pintura 162, de 1956, e Pintura, de 1957, mostram bem essas articulações, em que a intersecção de formas com plano pictórico indica o fato de a percepção da forma estar associada a seu campo de aparecimento – ou seja, a informação visual está vinculada à sua localização no espaço. Contudo, nes- sas obras, a espacialização fica restrita aos núcleos de articulação formal dispostos sobre o plano da tela, voltando ao tradicional esquema da figura sobre fundo.

Pintura 162, 1956. Óleo sobre interflex. 57 X 67 cm. DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 121

Pintura, 1957. Óleo sobre tela. 58 X 78 cm.

Essas intersecções de formas com plano como estímulos geométricos no vazio da tela mostram um prenúncio da vontade do artista de intervir com o espa- ço literal do plano pictórico, o que foi observado a partir da década de 1960 nas suas investigações plásticas com a série de obras denominada Objetos ativos, em que Willys passou a trabalhar com o plano e o volume.

O desenvolvimento da proposta concreta de tornar os meios plásticos ca- pazes de intervir na sociedade tem como melhor exemplo a atuação de Willys de Castro como designer gráfico no Estúdio de Projetos Gráficos, em parceria com Hércules Barsotti. Sua atuação como projetista gráfico era indissociável da atividade de pintor. Ele garantia sua sobrevivência com a programação visual e tratava essa atividade como meio de investigação do seu domínio plástico, encontrando nela a oportunidade de unificar os conhecimentos técnicos e artís- ticos. Criou, como projetista gráfico, diferentes peças – marcas institucionais, DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 122

impressos como rótulos de embalagem, propagandas, estampas para tecido, catálogos, convites, cartazes e capas de livro para diferentes tipos de cliente, desde grupos de artistas, museus e galerias de arte até indústrias siderúrgicas e têxteis, fábricas de tintas e de móveis. Mais que tornar clara a informação, buscava enriquecê-la, multiplicando sinais inteligentes e belos no cotidiano do homem: nas roupas, nos móveis, nas embalagens, nos papéis de trabalho e nos letreiros luminosos. Sempre buscando atender às necessidades de caráter esté- tico funcional.

As marcas criadas por Willys de Castro no Estúdio de Projetos Gráficos estão diretamente relacionadas à sua experiência concretista de articulação de formas geométricas. O artista usou a geometria e evitou a letra cursiva e o gesto livre, distanciando-se da prática caligráfica comprometida com o sistema artesa- nal. Usou letras e formas com linhas simples e diretas, orientadas pelos princí- pios euclidianos e que estabeleceram um método impessoal próprio da produção industrial. Seus logotipos resultavam da articulação de formas geométricas que, ao serem reunidas, criavam um novo significado vinculado à instituição que re- presentavam. A logomarca feita para a Galeria Seta resulta da justaposição de formas geométricas; a soma de quatro triângulos pretos possibilita a leitura de um ou dois triângulos brancos e um quadrado preto. A logomarca desenvolvida para a Galeria Novas Tendências foi feita com a justaposição das letras “N” e “T” sobrepostas parcialmente. Na da Galeria de Arte das Folhas, o artista organizou as letras em uma forma geométrica; o “G” se forma da periferia de um quadrado na diagonal e a letra “F”, dentro do “G”. Para a marca do Centro de Coleciona- dores de Arte, as letras são traços concêntricos eqüidistantes, seccionados por uma reta em que a distribuição das letras, concentricamente, fazem alusão ao círculo de colecionadores. Na proposta para as Tintas CIL, o artista sobrepôs as letras a formas configuradas por retas e círculos; uma lata aberta é quase figu- rada na marca. A articulação de círculo e dois quadrados na marca da Mobília Contemporânea figura o sistema de encaixe das peças pré-fabricadas. DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 123

Da esquerda para a direita, de cima para baixo: marcas desenvolvidas para Galeria Seta (1963), Galeria Novas Tendências (1963), Galeria Arte das Folhas (1961), Centro de Colecionadores de Arte (1968), Tintas CIL (déc. 1950) e Mobília Contemporânea (1964). DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 124

O trabalho de Willys em programação visual não ficou restrito a marcas ins- titucionais. Estendeu-se também à diagramação de peças gráficas como folhetos e catálogos da Galeria de Arte das Folhas, do Movimento Ars Nova, das expo- sições neoconcretas e da Galeria Novas Tendências, o que revela uma relação próxima do artista com esses movimentos e essas instituições. Seu trabalho em projetos gráficos confirma a crença na obra de arte como elemento pelo qual o ser humano se define e especifica sua cultura.

Outra aplicação da estética plástica de Willys na produção gráfica pode ser percebida na obra Soma entre planos I (2a versão), de 1959, e em um anúncio feito para as Tintas CIL de um produto chamado Rutilack – uma laca para aplicação em automóveis, vagões de aço, aviões, móveis de aço, obras metálicas etc. Na obra, o artista apresentou um equilíbrio dinâmico que pode ser interpretado de diferentes maneiras. A primeira, como um equilíbrio mútuo dos deslocamentos e da organização cromática da tela, mas que acaba geran- do um equilíbrio tenso – os deslocamentos não são idênticos e as cores não vibram por igual. A segunda maneira seria a do equilíbrio dos planos, uma vez que o espectador pode ver quatro planos – dois quadrados vermelhos e dois violetas – ou três planos em três níveis: um pequeno quadrado violeta sobre outro quadrado vermelho irregular que se sobrepõe ao fundo violeta – ou, ain- da, apenas dois planos em dois níveis: o vermelho irregular e vazado sobre o violeta. Os quadrados rompem com a continuidade do plano pictórico. Essa plástica do positivo e negativo também foi usada no anúncio da laca industrial para as Tintas CIL. Ao usar um círculo sobre um fundo quadrado e interagir os planos de cor, o artista rompeu com a homogeneidade do espaço pictórico e fez a leitura da forma recuar ou avançar, impedindo a figuração sobre o fundo; não se sabe se o círculo está sobre o quadrado ou vice-versa – o trabalho mexe com a percepção espacial do espectador. DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 125

Ao lado: Soma entre planos I (2a versão), 1959. Óleo sobre madeira. 40 X 20 cm. Abaixo: anúncio para a laca industrial Rutilack (Tintas CIL), déc. 1950. DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 126

Em Pintura 167, de 1956, o artista trabalhou com duas formas geométricas básicas: o quadrado e o círculo. Ele as sobrepôs, justapôs e interseccionou sem- pre, fazendo-as avançar umas sobre as outras. Essas articulações estimulam a percepção formal que se confronta com as referências originais e as novas formas. Nessa obra, a espacialização fica restrita aos pontos de articulação for- mal, mantendo-se o esquema figura-fundo. Contudo, essas interações articula- das por meio do positivo-negativo fazem sobressair a superfície sobre a qual se

Ao lado: Pintura 167, 1956. Óleo sobre interflex. 69 X 69 cm. Abaixo: projeto gráfico para fôlder desenvolvido para as Tintas CIL, déc. 1950. DIÁLOGO CONCRETO // WILLYS DE CASTRO • 127

localizam – no caso, o suporte quadrado – e vinculam a informação visual à sua localização no espaço. Willys trabalhou com articulações geométricas parecidas, de positivo-negativo, e também com o retângulo, além do quadrado e do círculo, para desenvolver o projeto gráfico de um fôlder para as Tintas CIL.

Willys de Castro representa o artista construtivo brasileiro; suas realizações foram uma resposta à cultura expansiva mundial e brasileira do pós-guerra. Ao adotar o ideal construtivo de vincular a arte à produção industrial, ele conquistou, com seu trabalho como artista gráfico, produtos que atendiam à fruição estética e às necessidades práticas, unindo o coeficiente artístico a um conhecimento técnico que permitisse a produção industrial. CONSIDERAÇÕES FINAIS • 128

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos através da história que o design gráfico surgiu principalmente da confluência de idéias entre construtivismo, De Stijl e Bauhaus. Idéias que se entrecruzaram baseadas na busca de uma estética que traduzisse uma socie- dade voltada para o futuro, uma sociedade que via na tecnologia e na indústria emergentes um caminho para solucionar problemas cotidianos, aplicando a arte abstrato-geométrica e o raciocínio matemático na produção industrial.

O design gráfico atua a partir da relação com a arte como processo de cria- ção e referência, e também a partir de interferências, influências e inter-relações entre esses dois campos. A princípio, o que separa a arte do design gráfico é a sua funcionalidade: a arte tem autonomia como linguagem; o design está ligado à atuação prática. Há elos comunicantes entre uma coisa e outra, mas o que os une é o potencial de linguagem específica. Com este estudo ficou claro que hou- ve muita troca entre um setor e outro. Ao longo da história da arte, o artista pas- sou a ser solicitado para a elaboração de produtos tais como cartazes, jornais e revistas, integrando conhecimentos que se estabelecem além do universo das artes. É a integração da tecnologia e da arte que dá sustentação aos aspectos culturais, estéticos, funcionais e de linguagem do projeto que se mostram refleti- dos nos produtos desenvolvidos.

As palavras design, máquina, tecnologia e arte estão relacionadas umas às outras; um termo é impensável sem os outros, e todos eles derivam da mesma visão existencial do mundo, visão essa que foi abraçada e divulgada pelos artis- tas concretos na década de 1950.

Podemos dizer que o próprio design como prática profissional nasceu in- terdisciplinar, a partir dos experimentos e reflexões dos mesmos movimentos artísticos que deram origem à arte concreta. Esses movimentos discutiram a inserção da arte na indústria e trabalharam, assim, questões muito próximas ao que entendemos hoje como design. CONSIDERAÇÕES FINAIS • 129

O concretismo brasileiro foi responsável por instaurar no país uma revo- lução estética, com novas maneiras de pensar e fazer as artes plásticas e o design gráfico. Além disso, configurou-se como um movimento de vanguarda e, como tal, construiu o novo sobre o que foi considerado velho e ultrapassado. Ou seja, os valores estéticos das décadas anteriores foram considerados insu- ficientes para expressar os sentimentos da sociedade que emergia dos novos centros urbanos.

Grandes transformações artísticas marcaram o eixo Rio–SP no início da dé- cada de 1950, proporcionadas em grande parte pela repercussão das Bienais de São Paulo. A primeira delas, em 1951, premiou a escultura Unidade tripartida, do suíço Max Bill. Podemos colocar esse acontecimento como um marco do desen- volvimento da arte concreta no Brasil, pois os artistas e designers que já foca- vam suas experiências na construção racional e no abstracionismo instigaram-se ainda mais. Importaram modelos europeus construtivistas e funcionalistas e atu- aram entre a expressão e a comunicação de novos valores da nova sociedade e do homem moderno.

No Brasil, essa estética voltada para o racionalismo industrial ganhou força e se estabeleceu na década de 1950 por meio da arte concreta, que trouxe con- sigo um diálogo intensificado entre arte, técnica e indústria. Publicados respecti- vamente em 1951 e 1959, os manifestos dos grupos concretista e neoconcretista são marcos fundadores de movimentos artísticos que emergiram no horizonte da produção cultural e industrial brasileira e se colocaram como propostas de inovação no campo das artes plásticas. Premiados nas Bienais de São Paulo, discutidos pela crítica nacional e observados em exposições coletivas, os artis- tas do concretismo passaram a ocupar um lugar de destaque na cena artística nacional. Por um lado, reivindicaram o direito à verdadeira ruptura, impondo-se como fundadores da nova arte brasileira: uma arte geométrica que, rejeitando a tradição, pretendia se afastar das tendências abstracionistas européias para criar no Brasil um lugar que lhe fosse próprio, com critérios racionais de objeti- vação. Por outro, buscaram o diálogo com o homem cotidiano, aliando a arte à CONSIDERAÇÕES FINAIS • 130

industria e se inserindo no novo cenário cultural e industrial brasileiro.

No Brasil, essas tendências construtivas parecem ter fornecido o mesmo entendimento estético para a realização de uma arte que, em termos ideológicos, fosse compatível com as transformações socioeconômicas necessárias. A com- posição plástica de formas geométricas correspondia à “época da máquina”, a uma modernidade mais moderna. Era, portanto, missão da arte moderna revolu- cionar sensibilidades e abrir o homem contemporâneo às possibilidades do novo. Criavam-se, pela arte, portadores de um outro futuro. Não se tratava mais da expressão figurativa dos aspectos definidores de uma essência nacional, mas de uma sociedade que se fazia no aqui e agora, com valores e princípios novos.

A emergência do design visual brasileiro, na década de 1950, esteve direta- mente ligada ao movimento de arte concreta, por meio da estética racional e da vontade de inserir a arte no cotidiano da sociedade. Ao analisar obras e projetos gráficos de cinco artistas que estiveram diretamente relacionados ao cenário cul- tural brasileiro pela arte concreta, vimos que as suas produções artística e gráfi- ca foram desenvolvidas paralelamente e baseadas numa estética construtivista. Esses artistas aplicaram ao design gráfico suas pesquisas de novas linguagens e formas de expressão.

Obviamente, houve projetos vinculados em maior ou menor grau à produ- ção concreta, mas o conjunto é muito regular e mostra que os artistas concretos foram responsáveis por um novo modo de pensar o design visual no Brasil, pro- duzindo, no período analisado, peças gráficas em conformidade com a raciona- lidade, a sistematização e a ordem. Esse diálogo concreto entre arte e design visual se manifestou de diferentes formas, com a da produção de cartazes, peri- ódicos, murais, estamparias, logomarcas etc.

Este trabalho não teve o propósito de apresentar conclusões definitivas, mas sim constatar o entrecruzamento da arte concreta brasileira na emergência do design visual no país na década de 1950. Isso foi feito por meio da obser- CONSIDERAÇÕES FINAIS • 131

vação e da análise de temáticas presentes no universo do design gráfico, e de questões que correlacionam design, arte e tecnologia, estabelecendo um diálogo que possibilitou um maior acesso da sociedade ao meio cultural.

No design gráfico concretista brasileiro, ou seja, na existência de desig- ners ou de artistas/designers que trabalharam seguindo uma linha de construção concreta, verificamos um diálogo concreto com o construtivismo brasileiro, que popularizou a arte em veículos de comunicação de massa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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