Tóri Di Babel: Humor E Língua Na Literatura Em Crioulo De Macau
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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS Tóri di Babel : Humor e Língua na Literatura em Crioulo de Macau João Pedro Marques Morgado Ferreira de Oliveira Tese orientada pelo Doutor Hugo Cardoso, especialmente elaborada para a obtenção do grau de Mestre em Linguística 2016/2017 Resumo: Apesar de ir deixando de ser usado como língua de comunicação ao longo dos tempos, o crioulo de Macau preservou a sua função de instrumento humorístico para a criação de obras literárias, dramatúrgicas ou musicais que hoje em dia são consideradas um importante património da comunidade macaense. Esta dissertação faz uma análise linguística destas obras à luz das teorias humorísticas mais correntes (Incongruência, Superioridade, Alívio, Teoria do Humor Semântico Baseado no Script e Teoria Geral do Humor Verbal), mostrando o modo como a narrativa macaense faz uso de técnicas como personagens-tipo com características linguísticas típicas do universo macaense, figuras de estilo, repetições e uso de léxico de línguas de substrato para marcar um contraste com o português, criando assim um universo narrativo e linguístico muito próprio da comunidade. Além disso, uma análise sociolinguística revela diferentes atitudes face a línguas e culturas circundantes e ao próprio crioulo. O português é retratado como uma herança histórico-cultural respeitada, algo que se vê na sua representação hiperformal. O inglês é visto como uma língua de oportunidades económicas para os jovens. O cantonês e os seus falantes, embora com forte presença demográfica em Macau, são retratados com algum desprezo, havendo uma tentativa de afastamento. Por fim, o próprio crioulo e os seus falantes são retratados como pouco sofisticados e antiquados, mas detentores de uma identidade única e a preservar em Macau. De um ponto de vista global, estas ideias permitem-nos pensar na relação entre linguística de contacto e humor, que, no caso de minorias ou comunidades pós-coloniais, costumam ser estudados em separado, embora o caso macaense evidencie uma estreita relação entre as duas áreas. Palavras-chave: crioulo, Macau, humor, linguística de contacto Abstract: Although it ceased to be used as a mean of communication over time, the Macanese creole kept its function as a humorous device for the creation of literary works, plays and songs which nowadays constitute an important legacy of the Macanese community. This dissertation analyses these works according to the current theories of humor (Incongruence, Superiority, Relief, Script-based Semantic Theory of Humor and General Theory of Verbal Humor), depicting how the Macanese narrative uses techniques, such as characters of the Macanese world who have specific linguistic features, figures of speech, repetition and words from substrate languages, in order to establish a contrast with the Portuguese language, thus creating a unique linguistic and narrative universe. Furthermore, a sociolinguistic analysis reveals different attitudes towards surrounding languages and cultures and the Creole itself. Portuguese is portrayed as a respected historical and cultural legacy due to its hyperformal representation. English is considered to be the language of economic opportunities for the youngsters. Cantonese and its speakers, despite their strong demographic presence, are portrayed with a certain contempt and disengagement from the Macanese community. Finally, the Creole itself and its speakers are portrayed as unsophisticated and old-fashioned, while still possessing a unique and identity worth preserving. In global terms, these ideas will allow us to consider the relationship between contact linguistics and humor which, when it comes to minorities or post-colonial societies, are usually studied individually, even though the Macanese case proves that there is a close relationship between them. Keywords : creole, Macau, humor, contact linguistics Índice: Agradecimentos 1 Lista de abreviaturas 3 1. Introdução 5 2. Macau: história, sociedade e língua 7 2.1. Introdução histórica 7 2.2. Etnias 8 2.3. Línguas 14 2.4. O corpus 20 3. Humor 25 3.1. Introdução 25 3.2. Teoria da incongruência 26 3.3. Teoria da superioridade 30 3.4 Teoria do alívio 34 3.5. Registo 35 3.6. Teoria do Humor Semântico baseado no Script 36 3.7. Teoria Geral do Humor Verbal 40 3.8. Estrutura Linguística da Anedota 41 3.9. Repetição 43 3.10. Criatividade e cultura 44 3.11. Humor e Linguística de contacto 46 4. Análise do Corpus 49 4.1. Introdução 49 4.2. Personagens 49 4.3. Caricaturas linguísticas 57 4.4. Atitudes linguísticas 67 4.5. Figuras de estilo 72 4.5.1. Metáfora e comparação 72 4.5.2. Personificação 76 4.5.3. Hipérbole, hipóbole, gradação 77 4.5.4. Perífrase 79 4.5.5. Trocadilho 80 4.6. A Ignorância 82 4.7. Repetição 85 4.8. Contraste 89 4.9. Temas e léxico cultural 90 4.10. Léxico e expressões humorísticas 95 4.10.1. Insultos 96 4.10.2. Deformidades e maus cheiros 103 4.10.3. Partes íntimas e necessidades 106 4.10.4. Sexo 108 4.10.5. Violência e sofrimento 109 4.10.6. Religião 110 5. Conclusão 113 Bibliografia citada 117 Apêndice I: Sinopses do corpus 129 Agradecimentos O facto de não ter muitas pessoas a quem agradecer permite-me que, em vez de uma extensa lista de nomes abstractos, possa escrever de um modo sincero o porquê dos meus agradecimentos. Em primeiro lugar, agradeço ao meu professor e orientador Hugo Cardoso por me ter orientado e, acima de tudo, pela simpatia, disponibilidade, amizade e informalidade constantes, sem nunca deixar de ser profissional, fazendo-me ter assim uma experiência académica muito mais desinteressada, humana e empolgante do que, muitas vezes, outros professores, alunos e instituições o fazem parecer. Ao professor António Barrento por ser um exemplo humano e profissional e me ter mostrado que é possível ter-se muitos interesses na vida ao mesmo tempo e persegui- los com afinco. Aproveito também para lhe pedir desculpa por não o ter consultado mais durante a redacção desta tese, algo que aconteceu tão somente devido ao meu individualismo. Aos meus pais e família em geral, por sempre me terem apoiado e acreditado em mim, financiando os meus estudos e não me mandando trabalhar na construção civil. Eu, no lugar deles, teria agido de modo diferente. Agradeço também ao meu pai por ter revisto esta tese sobre um tema sobre o qual não tem qualquer conhecimento e pelo qual não sente qualquer interesse. À Shenglan, por ter estado comigo o tempo quase todo enquanto redigia esta tese e, principalmente, por ter estado comigo enquanto não redigia esta tese. Ao professor Mário Nunes por ter partilhado a sua tese comigo. A todos os que fomentaram e me ajudaram na minha paixão pelas línguas ao longo deste ano e da minha vida: ao professor Shiv Kumar Singh pelo hindi; à professora Jayanti Dutta pelo russo; à Tomoka Morita pelo japonês; ao Sabri Zekri pelo árabe e à Shenglan pelo mandarim, indonésio, hindi e o que mais há-de vir. Além disto, existem também pessoas a quem queria fazer exactamente o contrário, isto é, não lhes agradecer. No entanto, como é óbvio, não serei tão politicamente incorrecto assim. 1 Lista de Abreviaturas B – Antologia de Barreiros (1943-1944), Apêndice I CAN - Cantonês CM – Crioulo de Macau F – Colectâneas de Ferreira, Apêndice I FRA - Francês ING – Inglês LAT – Latim MAL – Malaio MAN - Mandarim POR – Português PIC – Pidgin Inglês da China RAEM – Região Administrativa Especial de Macau TA – Teoria do alívio TGHV – Teoria Geral do Humor Verbal THSS – Teoria do Humor Semântico baseado no Script TI – Teoria da Incongruência TS – Teoria da Superioridade Utilizaremos, de acordo com o dicionário de Fernandes e Baxter (2004), as seguintes abreviaturas para termos provenientes de outra origem que não a língua portuguesa: C. – Cantonês H. - Holandês I. – Inglês M. – Malaio Maq. - Maquista T. – Tâmul 3 1. Introdução Nas últimas décadas, com a independência das antigas colónias europeias e a emergência dos estudos culturais, tem-se observado um interesse crescente, incluindo o académico, face a esses mesmos territórios. Este interesse e gosto pela diversidade levou claramente à valorização de culturas e línguas até então discriminadas ou analisadas de uma perspectiva eurocêntrica, como no caso do Orientalismo do século XIX. No entanto, muitas vezes, também se verifica a apropriação destas culturas socialmente menos significativas para efeitos humorísticos. Este efeito humorístico não carrega necessariamente uma conotação negativa, podendo muitas vezes ser uma forma de valorização da própria cultura pelas diferenças que possui face às outras. Um exemplo idiossincrático relacionado com a história e cultura portuguesa é o da comunidade macaense e da sua língua, o crioulo de Macau (CM), que não é necessariamente uma variedade do português (POR) europeu, mas que surge largamente influenciada pelo mesmo. Embora, devido à dificuldade em se ensinar a norma do POR o CM tenha perdurado durante séculos, a verdade é que, com o desenvolvimento de tecnologias de informação e de comunicação, com a implantação de políticas de educação e com diferentes influências, o CM acabou por ser substituído, em diferentes momentos do tempo, por outras línguas como o POR, o CAN ou o ING. No entanto, a comunidade macaense ainda existe e parece ser culturalmente distinta, tanto da portuguesa como da chinesa. Sendo a língua uma das principais marcas de uma comunidade, assistimos, neste período de afirmação e diversificação de culturas, a um processo de revivalismo. No entanto, a nível artístico, este revivalismo passa essencialmente pela criação de obras humorísticas que evidenciam uma forte existência de auto-ridicularização dentro da comunidade. Existem diversos estudos acerca da história e cultura da comunidade macaense (Coates, 1978; Teixeira, 1982; Cremer, 1987; Pires, 1987; Zepp, 1987; Amaro, 1988; Estorninho, 1992; Pina-Cabral, 1993/1994; Pina-Cabral e Lourenço, 1994; Costa, 2004; Gaspar, 2005; Aresta e Oliveira, 2009; Rangel, 2010; Romana, 2014), o que inclui, nalguns casos, a sua vertente de auto-ridicularização.