Agatha Christie O Mistério De Sunningdale.Pdf
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O MISTÉRIO DE SUNNINGDALE “The Sunningdale Mystery” foi publicado pela primeira vez como “The Sunninghall Mystery” em The Sketch, em 19 de outubro de 1924, e seria reunido no volume Partners in Crime [Sócios no crime], de 1929, em cujas histórias Agatha Christie parodiou conhecidos detetives da literatura. O personagem do Velho Ali no Canto foi criado pela Baronesa Orczy (1865- 1947). I – Você sabe onde vamos almoçar hoje, Tuppence? A sra. Beresford considerou a pergunta. – No Ritz? – sugeriu, toda esperançosa. – Pense outra vez. – Naquele lugarzinho simpático no Soho? – Não. – Tommy assumiu um tom bem solene. – Numa lojinha ABC.1 Na verdade, esta aqui. Ele a conduziu com destreza para dentro do estabelecimento indicado e a levou até uma mesa de canto com tampo de mármore. – Perfeito – Tommy afirmou, satisfeito, enquanto se sentava. – Não podia ser melhor. – Por que é que essa obsessão pela vida singela tomou conta de você? – quis saber Tuppence. – Você vê as coisas, Watson, mas não as observa. Agora, o que eu gostaria mesmo de saber é se alguma dessas donzelas arrogantes faria a gentileza de nos ver. Esplêndido, ela flutua em nossa direção. É verdade que parece pensar noutra coisa, mas, com toda certeza, seu subconsciente segue trabalhando e se ocupando de temas tais como presunto com ovos e bules de chá. Uma costeleta com batatas fritas, por favor, senhorita, um café bem grande, um pãozinho com manteiga e um prato de língua para a senhora. A garçonete repetiu o pedido em tom de desprezo, mas Tuppence inclinou-se para frente e interrompeu a jovem. – Não, costeleta com batatas fritas, não. O cavalheiro vai querer um cheesecake e um copo de leite. – Um cheesecake e um leite – disse a garçonete em um tom de desprezo ainda maior, se é que era possível. Ainda concentrada em outras coisas, a garçonete se afastou. – Isso foi inoportuno – afirmou Tommy com frieza. – Mas estou certa, não estou? Você é o Velho Ali no Canto? Cadê seu pedaço de cordão?2 Tommy tirou um cordão longo e emaranhado do bolso e em seguida deu nele um ou dois nós. – Completo até os mínimos detalhes – murmurou ele. – Mas você cometeu um pequeno deslize ao fazer seu pedido. – As mulheres são sempre tão literais – queixou-se Tommy. – Se há uma coisa que detesto é tomar leite, e cheesecakes são sempre tão amarelas e parecem que estão cheias de bile. – Seja um artista – desafiou Tuppence. – Assista o modo como eu ataco meu prato de língua fria. Uma delícia, língua fria. E então, estou pronta para ser a srta. Polly Burton.3 Faça um nó grande e comece. – Antes de mais nada – disse Tommy –, falando em caráter estritamente extraoficial, deixe-me salientar uma coisa. Os negócios não vão muito bem nos últimos tempos. Se os clientes não vêm até nós, temos de ir até eles. Empregar nossas mentes em algum dos grandes mistérios públicos do momento. Isso me traz ao ponto principal: o Mistério de Sunningdale. – Ah! – exclamou Tuppence, demonstrando profundo interesse. – O Mistério de Sunningdale! Tommy tirou do bolso um recorte de jornal todo amassado e o abriu sobre a mesa. – Este é o retrato mais recente do capitão Sessle, conforme publicado no Daily Leader. – Pois é – disse Tuppence. – Não entendo como é que alguém não processa esses jornais, às vezes. Dá para ver que é um homem, e só isso. – Quando eu disse o Mistério de Sunningdale, deveria ter dito o assim chamado Mistério de Sunningdale – Tommy continuou rapidamente. – Um mistério para a polícia, talvez, mas não para uma mente inteligente. – Faça outro nó – pediu Tuppence. – Não sei o quanto você se recorda das circunstâncias do caso – continuou Tommy tranquilamente. – Lembro-me de tudo – afirmou Tuppence –, mas não deixe que eu estrague o seu estilo. – Foi há pouco mais de três semanas – contou Tommy – que se fez a horripilante descoberta nos famosos campos de golfe. Dois sócios do clube, os quais estavam aproveitando a manhã para uma rodada de golfe, ficaram horrorizados ao descobrir o corpo de um homem de bruços no sétimo tee.4 Antes mesmo de virarem o corpo, já desconfiaram de que se tratava do capitão Sessle, figura muito conhecida no campo de golfe e que sempre usava um casaco de golfe de cor azul particularmente brilhante. “O capitão Sessle era seguidamente visto, de manhã bem cedo, nos campos de golfe, treinando, daí ter-se inicialmente aventado que tivesse sido vítima repentina de algum tipo de distúrbio cardíaco. Mas um exame médico revelou o fato sinistro de que fora apunhalado no coração com um objeto bem significativo: um alfinete de chapéu feminino. Também ficou estabelecido que já estava morto há pelo menos doze horas. “Isso deu um caráter inteiramente novo à questão e, logo em seguida, alguns fatos interessantes vieram à tona. Tendo sido a última pessoa a ter visto o capitão Sessle vivo, o sr. Hollaby, da Companhia de Seguros Porco- Espinho, que era sócio e amigo da vítima, relatou o seguinte: “Sessle e ele tinham jogado uma rodada de golfe mais cedo. Após o chá, o capitão sugeriu que deveriam jogar mais alguns buracos antes que ficasse impossível de se enxergar no escuro. Hollaby concordou. Sessle parecia estar de bom humor e estava em ótima forma física. Há uma trilha aberta ao público que cruza o campo de golfe e, bem quando estavam jogando até completarem o sexto green, Hollaby percebeu que uma mulher se aproximava. Ela era muito alta e estava toda de marrom, mas Hollaby não chegou a observá-la em detalhes. Quanto a Sessle, a impressão de Hollaby é que ele nem se dera conta da presença da mulher. “A trilha referida corta o campo de golfe na altura do sétimo tee – Tommy continuou. – A mulher atravessara o campo e ficara de pé do lado oposto, como se estivesse esperando por alguém. O capitão Sessle foi o primeiro a chegar ao tee, enquanto Hollaby recolocava o marco com a bandeirinha junto ao buraco anterior. Quando se aproximou do sétimo tee, ficou muito surpreso de ver Sessle e a mulher juntos, conversando. Quando chegou mais perto deles, ambos se viraram de forma abrupta, e Sessle anunciou por sobre o ombro: ‘Não demoro’. “Os dois se afastaram dali lado a lado, ainda absortos pela conversa séria. A trilha segue daquele ponto para fora do campo de golfe e, espremida entre duas fileiras de cercas vivas dos jardins vizinhos, conduz até a estrada que leva ao povoado de Windlesham. “O capitão Sessle cumpriu a palavra. Reapareceu dali a um ou dois minutos, para a satisfação de Hollaby, uma vez que dois outros jogadores vinham logo atrás deles e a luz se despedia rapidamente. Eles seguiram adiante, e Hollaby notou de imediato que algo acontecera e deixara seu companheiro chateado. O capitão Sessle não apenas perdera a tacada, mas mantinha uma expressão preocupada e a testa franzida. Ele mal respondia ao que o outro dizia, e seu jogo de golfe claramente deteriorara. Era evidente que algo lhe tirara completamente o foco do jogo. “Jogaram aquele buraco e o oitavo, após o que o capitão Sessle anunciou de forma abrupta que a luz já era fraca demais e que estava indo para casa. Bem naquele ponto havia outro daqueles caminhos estreitos que levam à estrada de Windlesham, e o capitão Sessle saiu por ali, pois era um atalho até sua casa, um pequeno bangalô que ficava na mesma estrada. Os outros dois jogadores foram até ele, um tal major Barnard e um certo sr. Lecky, e Hollaby comentou com os dois a mudança súbita de disposição do capitão Sessle. Eles também o tinham visto conversando com a mulher de marrom, mas não tinham ficado suficientemente perto para lhe ver o rosto. Todos os três estavam intrigados: o que ela poderia ter dito para deixar o amigo deles desconcertado daquele jeito? “Eles voltaram à sede do clube juntos e, tanto quanto até então se sabia, foram as últimas pessoas a ver o capitão Sessle vivo. Era quarta-feira e, nas quartas-feiras, as passagens para Londres são vendidas com tarifas mais baixas. O casal que cuida do pequeno bangalô de Sessle estava em Londres, como de costume, e não retornou até o último trem. Eles entraram no bangalô como sempre e imaginaram que o patrão estivesse dormindo no quarto. A sra. Sessle, a esposa do capitão, estava fora, fazendo uma visita. “O assassinato do capitão foi uma sensação, mas não por muito tempo. Ninguém conseguia ao menos sugerir um motivo para o crime. A identidade da mulher alta vestida de marrom foi discutida intensamente, mas sem qualquer resultado. A polícia foi, como sempre, acusada de negligência – de forma injusta, como ficaria claro depois. Uma semana mais tarde, uma garota chamada Doris Evans foi presa e acusada do assassinato do capitão Anthony Sessle. “A polícia tinha disposto de pouquíssimas evidências com que trabalhar. Um fio de cabelo claro preso entre os dedos do falecido e uns poucos fios de lã vermelha brilhante que se enrolaram em um dos botões de seu casaco azul. Diligentes operações de tomadas de testemunhos na estação de trem e em outros lugares trouxeram à tona os seguintes fatos: “Uma jovem vestida de saia e num casaco de cor vermelha brilhante chegara de trem naquele final de tarde, mais ou menos às sete horas, e perguntara o caminho até a casa do capitão Sessle. A mesma garota reaparecera mais uma vez na estação, duas horas mais tarde. Seu chapéu estava torto e seu cabelo desgrenhado, e parecia que ela estava muitíssimo agitada. Ela pediu informações sobre trens de volta para Londres e volta e meia olhava por sobre o ombro, como se temesse alguma coisa.