“O Negro É a Soma De Todas As Cores”

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“O Negro É a Soma De Todas As Cores” Universidade de Brasília Instituto de Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em História Área de Concentração: História Cultural Linha de Pesquisa: Identidades, Tradições, Processos Tese de Doutorado Orientadora: Profª DrªEleonora Zicari Costa de Brito “O negro é a soma de todas as cores” A construção da africanidade na trajetória e obra de Gilberto Gil (1942-2008) Débora Dutra Fantini Brasília, 2016 Universidade de Brasília “O negro é a soma de todas as cores” A construção da africanidade na trajetória e obra de Gilberto Gil (1942-2008) Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, na área de Concentração de História Cultural, como requisito à obtenção do título de Doutora em História. Orientadora: Profª Drª Eleonora Zicari Costa de Brito Débora Dutra Fantini Brasília, 2016 Banca examinadora Profª. Dra. Eleonora Zicari Costa de Brito (UnB - Orientadora) Profª. Dra. Maria Thereza Ferraz Negrão de Mello (UnB) Prof. Dr. Anderson Ribeiro Oliva (UnB) Prof. Dr. Marcelo Gustavo Costa de Brito (UEG/Formosa) Prof. Dr. Leandro Santos Bulhões de Jesus (UniCEUB/UnB) À fé, que nunca costuma faiá... Agradecimentos Primeiramente gostaria de agradecer à minha musa inspiradora maior, minha mãe. Além de minha terapeuta personalizada, me apoia com um colo que só as mães sabem dar. Ao Kuka, por me possibilitar constantemente abrir as portas da percepção. Gostaria de agradecer especialmente à Elê, que não só acreditou nesse projeto como aceitou me orientar. Além de excelente professora, Eleonora é dessas pessoas que te ensinam várias coisas em todas as “horinhas de descuido”, numa companhia pra lá de divertida. E, acima de tudo, por suas preciosas sugestões. Agradeço enormemente aos apontamentos de Thereza Negrão e Selma Pantoja, realizados no momento da qualificação. As sugestões e a leitura acurada de ambas muito contribuíram para o desenvolvimento da tese. Aos amigos que ganhei em Brasília, que tornaram minha estadia mais feliz! Leidiane, Rafael, Leandro(s), Valeska, Kênia, Nancy, Silvio, Marcelo e Guilherme, valeu! Além dos anjos, como Renata e Pedro Ivo, que sempre costumam pitar por aí... Um agradecimento especial à família Pacheco, além de Carlos, é claro! Bia, Mayara e Douglas, a companhia de vocês acalma e alegra! E, dentre os Pachecos, está Mateus. A você, meu mais que obrigado, além das afinidades e da nossa profundidade pisciana, ahhh quantos ais... Obrigado por sempre doar palavras tão amáveis e sábias! Gostaria de agradecer a duas figuras das antigas e de muitos futuros ainda! Cynthia e Marcus, vocês são demais! Obrigado por nos receberem tão mineiramente nas terras do além-mar e nos proporcionar experimentar a melhor viagem das nossas vidas! Ao camarada Vladmir Cerqueira, amigo dessa vida e de outras!Agradeço não só pela análise musical da tese, mas por passar boas horas das nossas vidas conversando como se não houvesse amanhã. Obrigado também por nos trazer Mariana e Melinda! Agradeço ao Pedrito, o Belchior! Não só por ser aquele mega-amigo desde os tempos da faculdade, mas por ser também um leitor crítico desta tese. Obrigado pelos apontamentos de um super nerd historiador! À Capes, pelo maravilhoso apoio financeiro que me deu sustento nesses quatro anos de pesquisa. E por último, mas não menos importante, André! Agradeço por ser meu companheiro, meu malungo! Obrigado por sempre me questionar e ser parceiro de elucubrações constantes! Obrigado por seu meu sous chef e ao mesmo tempo experimentar e criticar meus pratos. Obrigado por se tornar meu parceiro no mundo dos vinhos! Obrigado por existir, meu amor! E que essa jornada siga vida a fora com muita Billie Holiday na vitrola... Resumo Este trabalho busca seguir as múltiplas veredas da construção de uma africanidade na trajetória do artista e político Gilberto Gil. Abordarei as mudanças ocorridas ao longo de sua caminhada e que tangenciam sua ligação com certa representação de africanidade, que vão do "embranquecimento" social à afirmação da negritude. Saliento a importância de se estudar o artista não como um indivíduo isolado, mas como sujeito envolvido nos múltiplos processos de construção de identidades e memórias sobre a presença do negro na formação da sociedade brasileira. O intuito é contribuir de maneira mais ampla para a compreensão da tradução que o Brasil fez da África, no bojo da cultura da diáspora. A trajetória de Gil é o fio da meada para a interpretação das múltiplas temporalidades presentes em sua carreira artística e política – sem, contudo, cair na armadilha da biografia linear, um tanto previsível e excessivamente coerente, própria das narrativas cujo olhar retrospectivo ajusta arestas, contradições e ambiguidades. O primeiro capítulo aborda a infância, a juventude e a participação de Gil no movimento tropicalista, até o exílio em Londres, em 1969. O segundo capítulo explora aspectos poético-musicais de Gil e sua trajetória entre o exílio e a década de 1980. Por fim, o marco cronológico do terceiro capítulo é a incursão do compositor na política, a partir de1987, e sua atuação no Ministério da Cultura, entre 2003 e 2008, em uma análise que contempla a articulação entre poética e política na trajetória do artista. Palavras-chave: Gilberto Gil, Africanidade, Negritude, Cultura, Política. Abstract This work seeks to follow multiple paths of building an Africanity in the trajectory of the artist and politician Gilberto Gil. I will discuss the changes throughout his walk and his connections with certain representation of Africanity, ranging from "graying" social to the affirmation of blackness. It is importance to study the artist not as an isolated individual, but as a subject involved in multiple identity construction processes and memories about the presence of the black people in the formation of Brazilian society. The aim is to contribute more broadly to understand the translation that Brazil has made on Africa in the Diaspora culture bulge. Gil's trajectory is the thread for the interpretation of multiple temporalities, which are present in his artistic career and politics - without, however, falling in the linear biography trap, somewhat predictable and overly consistent, own narratives whose retrospective look set edges, contradictions and ambiguities. The first chapter deals with childhood, youth and the participation of Gil in the Tropicalia movement, until his exile in London in 1969. The second chapter explores poetic-musical aspects of Gil and his career between exile and the 1980s. Finally, the chronological framework of the third chapter is the composer's foray into politics, from 1987, and its activities in the Ministry of Culture between 2003 and 2008 in an analysis that considers the relationship between poetics and politics in the artist's career. Keywords: Gilberto Gil, Africanity, Blackness, Culture, Policy. Índice Introdução 01 Capítulo 1 - “Régua e compasso”: Ituaçu, Salvador e São Paulo na trajetória de Gil 16 - Ituaçu, o sertão 17 - Salvador: “Na Bahia que é meu lugar” 34 - São Paulo 60 - O Fino da bossa e Arena conta Bahia 64 - LP Louvação e a viagem a Recife 67 1.3.3- A passeata contra as guitarras elétricas 74 1.3.4 - Os festivais 76 1.4 - O tropicalismo 82 Capítulo 2 - A construção de uma africanidade na trajetória e obra de Gilberto Gil 107 - O pré-exílio 108 - O exílio 114 - Back in Bahia: o retorno do exílio 139 - Filhos de Gandhy 146 - Gil Jorge Ogum Xangô 160 - A trilogia “Re” 171 - Refazenda 172 - Refavela 181 - Realce 195 - Os Doces Bárbaros 204 - A viagem de Gil à África 209 - As tensões entre Gil e o movimento negro brasileiro 214 - Ecos de África 225 Capítulo 3 - A POÉTICA NA POLÍTICA 255 - Fundação Gregório de Matos (1987-1988) 260 - Movimento Figa Brasil 265 - Caso Zelberto Zel 270 3. 4 - O livro O poético e o político 275 3. 5 - Gil vereador (1989-1992) 283 - Pierre Verger: mensageiro entre dois mundos 287 - O Ministério da Cultura 293 - Um ministro entre muitas culturas 301 3. 9 - A renascença africana 305 - Ministro tropicalista 310 - Ministro da diáspora 316 Considerações finais 318 Corpus documental 330 Bibliografia 339 Introdução Há tempos sou uma curiosa quando o assunto é cultura brasileira, e especialmente curiosa quando a África é chamada a fazer parte desse cenário.1 Nem sempre a resultante desse amálgama é exuberante, como aparentemente possa parecer, haja visto boa parte dos simbolismos conectados à África serem elaborados e vivenciados através de celebrações festivas, ditados quase sempre por música e dança; muitas vezes essas vozes também clamam por um maior reconhecimento de suas necessidades, fazendo eco tanto ao passado quanto ao futuro. Essas identidades culturais se transformam constantemente no “jogo” da história, da cultura e do poder. Vêm, daí, pistas para muitas indagações, algumas das quais se fazem desenrolar nesta tese. A intenção é investigar como a representação das africanidades foi elaborada por Gilberto Gil, cruzando dados de sua trajetória biográfica2, sua discografia e uma série de outras fontes.3 Entendo as africanidades como representações que ressignificam práticas culturais africanas, e a negritude, como um processo de identificação ideológica de valorização da cultura negra. Quando nos referimos à cultura negra, a complexidade se torna ainda maior, já que de 1520 a 1870 várias regiões da África forneceram pessoas para a América, e, em cada lugar onde desembarcaram, na condição de cativos, eles criaram significações próprias para seus antigos costumes. Vale salientar que, por se tratar de um imenso continente, não é tarefa das mais fáceis identificar traços culturais africanos. Além desse aspecto, as imagens referentes à África repetiram, ao longo dos séculos, quase sempre sem maiores inovações, representações herdadas de gerações quase sempre informadas por percepções preconceituosas, e constantemente reforçadas 1 Comecei a me interessar pelo universo da cultura afro-brasileira por volta dos meus 15 anos de idade, quando comecei a frequentar um curso de capoeira “regional” e já era encantada pelas músicas do Olodum, Daniela Mercury, João Gilberto e também pelas caribenhas.
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