6 ISSN – 2448-2196

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N O SUBMUNDO DA HISTORIOGRAFIA

Deus, Homem e Religião na Idade Média

A seleção brasileira em Caxambu Movimentos Espiritualistas – séculos XVIII e XIX Escravilizado Resenhas: História do negro brasileiro e Trotsky & México: Duas Revoluções do Século XX 39

A Revista de História Amnésia é Imagem da capa: Iluminura representando três uma publicação bimenstral. Os classes sociais da sociedade medieval: o clero artigos enviados poderão ser religioso, um cavaleiro da nobreza e os camponeses. publicados caso sejam aprovados Wikipedia pela Revista. As opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA ISSN – 2448-2196

Expediente

LUIZ ALBERTO FUNDADOR E EDITOR-CHEFE

ARTUR ESTEVES Editor e revisor

MARCELO CAMPOS Editor e revisor

RODRIGO MELO Diagramação

Acesse o nosso blog: revistaamnesia.wordpress.com

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Correio eletrônico: [email protected] 39 julho & agosto / 2016

05 - Editorial

06 - A seleção brasileira em Caxambu Paulo Paranhos

09 - Movimentos Espiritualistas – séculos XVIII e XIX Nicolas Theodoridis

12 - Deus, Homem e Religião na Idade Média Robson Luiz de Melo

15 - Escravilizado Carlos Brunno S. Barbosa

16 - Resenhas: História do negro brasileiro, de Clóvis Moura, e Trotsky & México: Duas Revoluções do Século XX, de Adolfo Garcia Videla Rodrigo Melo Editorial

As ocasiões que a seleção Carlos Brunno S. Barbosa brasileira de futebol se concentrou o b s e r v a e p o e t i z a a l g u n s na cidade mineira de Caxambu são d i s s a b o r e s c o t i d i a n o s e m relatadas por Paulo Paranhos. Escravilizado. Entre 1938 e 1966 foram três para o Mundial, uma para a Copa Roca A leitura de História do negro e uma para um Sul-americano. brasileiro, de Clóvis Moura, e a visualização de Trotsky & México: Quando se trata do século XVIII Duas Revoluções do Século XX, de europeu, via de regra vem à mente Adolfo Garcia Videla, é o que o racionalismo iluminista, o qual sugerem as resenhas de Rodrigo enxerga através da dualidade Melo. m a t é r i a / e s p í r i t o . N i c o l a s Theodoridis nos mostra que, fora d o e s c o p o d o s p r o s c ê n i o s acadêmicos, no referido século e n o s e g u i n t e , m o v i m e n t o s espiritualistas e vitalistas como o o c u l t i s m o , m e s m e r i s m o e homeopatia, por exemplo, ganharam muitos adeptos tanto nos meios científicos como populares. Robson Luiz de Melo pretende, de forma sucinta, esclarecer os conceitos sobre homem, religião e Deus dentro do contexto da Idade Média. Sobretudo as implicações culturais e sociais, com base na observação do indivíduo da medievalidade no seu entender sobre o tempo, a guerra, o trabalho e a sociedade. Também responder a questão derivada da estrutura da sociedade medieval, em que se estabelece sua forma central na ideia de Deus.

Editores

REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • P. 05 • JULHO/AGOSTO 2016 Paulo Paranhos [email protected] Textos

Paulo Paranhos é historiador e A seleção brasileira membro do Instituto Histórico e Geográfico em Caxambu de Minas Gerais IHGMG

Foto: selecionado de 1966 na frente do Hotel Glória. Arquivo do autor

Neste ano de 2016, são lembrados os 50 anos em que, pela última vez, esteve na cidade de Caxambu, Minas Gerais, o selecionado brasileiro para os treinos visando a uma Copa do Mundo. Na realidade, foram três vezes para Copa do Mundo, uma vez para a Copa Roca, de 1945, e uma vez para um Sul-Americano que aconteceu na Argentina no ano de 1946.

Começando pelo selecionado de 1938, a Copa seria disputada na França e o Brasil participaria pela terceira vez. Os jogadores convocados chegaram em Caxambu no início do mês de abril daquele ano, com uma recepção calorosa dos caxambuenses. Ficaram hospedados no Hotel Lopes, próximo, inclusive, do campo de treinamento, o da Associação Atlética Nacional (terreno no qual seria, posteriormente, construído o Hotel Glória novo). 6 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • PP. 06 - 08 • JULHO/AGOSTO 2016 Textos

O primeiro treino, pouco concorrido, por sinal, para a presidência da República e os jogadores não foi o que se esperava, mesmo porque no dia fizeram questão de votar em Caxambu, o que lhes 11 desabou um temporal como nunca visto na foi concedido pela Justiça Eleitoral da ocasião. cidade. A foto mostra os jogadores Romeu e Domingos com o técnico Em 1946 a seleção brasileira esteve hospedada no travando conhecimento com a bola que seria Hotel Marques, em preparativos para o Sul- usada na Copa, na varanda do Hotel Lopes. Americano na Argentina onde também não logramos êxito. Vejam o nosso selecionado na foto abaixo. Norival, Ary, , Ivan, Foto: Ruy e Jaime arquivo de Almeida do autor Lima, , Heleno de Freitas, e Ademir Menezes. Arquivo do autor

Depois, em 1954, a seleção aqui também se preparou para o Mundial que aconteceu na Suíça. Alguns meses antes foi intensa a expectativa sobre o local da concentração do selecionado brasileiro, mas depois que os representantes da CBD visitaram Caxambu, tão logo regressaram ao , determinaram de imediato que as malas dos craques fossem arrumadas e para cá despachadas. Adhemar Pimenta levou para a concentração Basearam-se nas instalações do nosso balneário e jogadores de alto nível para comporem o suas águas minerais. Um dado interessante: qual o selecionado brasileiro, mas mesmo assim foi motivo de Caxambu ser sempre lembrada para a preciso organizar a equipe reserva, nos treinos, concentração da seleção brasileira, principalmente com jogadores de nossa cidade. Inclusive o entre 1946 e 1966? O superintendente da então nosso Waldomiro Jamal, conhecido como CBD era Irineu Chaves, que possuía uma “Caxambu”, foi escalado para participar de um propriedade em Caxambu e que, posteriormente, treino e acabou marcando um golaço. O veria um de seus filhos contrair matrimônio com presidente da CBD (a então Confederação uma senhora da cidade, daí esse privilégio que foi Brasileira de Futebol) era o Dr. José Maria concedido à cidade para receber os craques da Castello Branco; o chefe da delegação foi o Sr. seleção brasileira de futebol. Alarico Maciel e, a convite dele, a Sra. Alzira Vargas, filha do então presidente da República, Independentemente desse aspecto afetivo, também foi a madrinha da seleção brasileira. os médicos e preparadores físicos achavam que os O nosso time base era composto por Valter, n o s s o s c r a q u e s d e i x a r i a m C a x a m b u Domingos e Machado, Zezé, Martim e completamente revigorados, isto é, em absoluta ; Lopes, Romeu, , Perácio e forma de saúde, mesmo porque, segundo eles, Patesko. Leônidas foi o artilheiro da competição qualquer atleta do mundo que se sentisse cercado de com 7 gols. todas as oportunidades esplendidamente salutares, como as do Parque de Caxambu, teria sobre o Em 1945 o selecionado brasileiro também adversário, na hora da peleja, uma vantagem esteve em Caxambu, para se preparar para a considerável. disputa da Copa Roca daquele ano. Um fato interessante é que estavam marcadas eleições

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Os jogadores ficaram hospedados desta feita no Na realidade não conseguimos levantar o Palace Hotel. Ali receberam, inclusive, a visita tricampeonato naquele ano, que foi ganho pela do então governador de Minas Gerais, Juscelino anfitriã Inglaterra e tivemos a pior participação de Kubistchek, que adiante viria a ser presidente da todos os tempos, com um time base formado por República. Na foto vemos o então governador Gilmar, Djalma Santos e Bellini; Altair, Denilson e Juscelino e ao seu lado o superintendente Irineu Paulo Henrique; Garrincha, Lima, Alcindo, Pelé e Chaves, no momento da refeição dos jogadores. Jairzinho. O técnico foi o e a supervisão da seleção estava a cargo de . O nosso médico crenólogo, Dr. Lysandro Carneiro, foi o responsável pela prescrição do tipo de água mineral que cada jogador poderia tomar e o Dr. Nagib Salomão foi Foto: requisitado para tratamento dentário em vários arquivo craques do nosso selecionado. do autor

Garrincha e Pelé no campo do CRAC. Arquivo do Infelizmente, nesse ano alcançamos o 6º lugar na autor competição, que teve como vencedora a Alemanha. Nossa equipe base contava com Castilho, Pinheiro e Brandãozinho; Djalma Santos, Bauer e Nilton Santos; Julinho, Didi, Baltazar, Pinga e Rodrigues. Um detalhe interessante: foi nessa Copa que usamos pela primeira vez a camisa amarela, pois até então jogávamos com a camisa branca.

Outro momento de concentração foi para os preparativos da Copa de 1966. A seleção ficou hospedada no Hotel Glória e fazia seus treinamentos no campo do CRAC, jogando entre si e contra equipes como o Tupi, de Juiz de Fora, o Esportivo, de Guaratinguetá e o jogo-treino mais concorrido, contra o Atlético Mineiro.

Os craques chegaram em Caxambu em 19 de abril, vindos de Lambari, e o assédio aos jogadores foi muito grande, principalmente por parte dos políticos, uma vez que éramos bicampeões e os preparativos para o tri seriam em Caxambu. Veio gente de tudo quanto era canto do sul de Minas e de outros lugares também! O repórter Carlos Schinner informou em seu livro que o sossego dos jogadores era Foram cinco vezes em que a seleção esteve aqui quase nenhum, pois bastava um deles botar o pé concentrada e, infelizmente, não demos muita para fora do hotel que era logo assediado por sorte. Mas, quem sabe poderemos hospedar nossos uma multidão de fãs, fato considerado normal, craques outra vez? pois todos queriam ver os seus ídolos, principalmente o Pelé e o Garrincha.

8 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • PP. 06 - 08 • JULHO/AGOSTO 2016 Nicolas Teodoridis Textos [email protected]

Nicolas Theodoridis, Licenciatura e Movimentos Espiritualistas – bacharelado em História na UGV, Pós- séculos XVIII e XIX graduado em história do Brasil pela UCAM, Pós- graduado em História Imagem: Social pela ‘‘Pode-se Unopar, Pós- ver a graduado em excitação Filosofia pela sentida pela FIJ e assistência Mestrado em Ciências da quando o Religião. Mesmerista Colunista do induz um Jornal Diário transe. Pelo de Teresópolis pintor e professor da sueco rede Richard municipal de Bergh, Teresópolis 1887.’’ Wikipedia

O primeiro expoente do ressurgimento do movimento espiritualista foi Emmanuel Swedenborg (1688 – 1772). Místico sueco, homem de notável conhecimento, teve seu despertar psíquico aos 25 anos. Suas ideias vieram a antecipar as proposições centrais do espiritismo, principalmente no tocante ao contato entre os mundos físico e espiritual. Ao afirmar que estava sempre comungando com o mundo espiritual, Swedenborg reacendeu a chama do oculto na mentalidade dos homens.

Neste aspecto, vale a pena ressaltar que a volta da popularidade de tudo que é ou está oculto sempre esteve presente na cultura europeia. Segundo Mircea Eliade, mediante os estudos mais recentes, verificou-se que este fenômeno é a reminiscência de um culto pré-cristão de fertilidade e que com isso, o significado real e a função cultural de um grande número de práticas e teorias ocultas registradas, tanto europeias como não europeias e em todos os níveis de cultura, desde os ritos populares – como magia e bruxaria – até as técnicas secretas e pesquisas esotéricas mais eruditas e sofisticadas: alquimia, ioga, tantrismo, gnosticismo, hermetismo renascentista e lojas maçônicas do período iluminista.

REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • PP. 09 - 11 • JULHO/AGOSTO 2016 9 Textos

Outro movimento que teve grande poder de Filosoficamente a homeopatia é um sistema penetração na Europa foi o mesmerismo. O vitalista, ou seja, um sistema que defende a ideia da médico alemão Franz Anton Mesmer (1733 – existência de um princípio vital, não comprovável 1815) introduziu no campo acadêmico no século empiricamente por ser imaterial, mas que é a causa XVIII a possibilidade de se comprovar explicativa da atividade que anima todo o cientificamente a sobrevivência da alma e a organismo. A força vital é o princípio intermediário comunicação com os mortos. Segundo ele, entre o corpo físico (princípio material) e o espírito existiria no ser humano, assim como em toda a (princípio espiritual). Com tal postulado, natureza, uma energia magnética passível de ser Hahnemann superou o dualismo matéria x espírito, manipulada pela vontade e pelo uso das mãos e herdado do racionalismo. A animação do da possibilidade desta energia ser posta a serviço organismo, isto é, a vida, não se devia à matéria nem da Medicina. ao espírito, mas sim a um terceiro princípio, A chegada de Mesmer a Paris ocorreu em imaterial e dinâmico, que ligava aqueles dois. fevereiro de 1778 e ele anunciou sua descoberta Espiritualistas e materialistas acataram o vitalismo sobre um fluido ultrafino que penetrava e explicativo de Hahnemann. cercava todos os corpos. O mesmerismo O entendimento de fluido foi apropriado e n c o n t r o u f o r ç a s n a s o c i e d a d e p r é - posteriormente por Kardec na explanação sobre revolucionária (1780) devido expressar sua fé no aquilo que permeia a tudo e a todos no Universo. Iluminismo e na razão levado ao extremo, um Mediante este quadro, num ambiente rico e das Iluminismo desenfreado que posteriormente iria promessas científicas que acalentavam o público provocar um movimento para o extremo oposto, com qualquer hipótese que tivesse ressonâncias de sob a forma do romantismo. O mesmerismo cunho científico e explicasse as maravilhas da também desempenhou um papel neste natureza, o mesmerismo e a homeopatia movimento: ele mostrou o ponto em que os dois encontraram espaço na mentalidade da população. extremos se tocavam. O fluido de Mesmer necessitava de caminho livre na circulação pelo corpo humano e quando de seu interrompimento, ocasionaria as doenças. Para o retorno da saúde, aplicavam-se imãs nas Imagem: partes afetadas e que posteriormente foi Um dos modificado pela imposição das mãos. experimentos do cientista Outro expoente na medicina que irá contra os inglês sir tratamentos convencionais será Christian William Friedrich Samuel Hahnemann (1755 – 1843) Crookes, criando um novo tipo de tratamento, a pelo qual ele homeopatia, cujo princípio de cura é a similitude atestou a dos sintomas (similia similibus curantur) cujas mediunidade orientações seguem o princípio que para de Daniel funcionamento harmônico do corpo é necessário Dunglas que a energia vital (fluido) percorra o organismo Home (c. sem interrupção ou de maneira desajustada. 1870). Caso isso não aconteça, a doença se estabelece, Wikipedia sendo necessário restabelecer o equilíbrio mediante a ingestão de substâncias que teriam similaridades de ação em um homem sadio.

Tanto o mesmerismo quanto a homeopatia não puderam ser comprovadas cientificamente pelos padrões vigentes da época por estarem fora de alcance do escopo acadêmico, estando ambas assim ligadas ao contexto em voga de contraponto ao pensamento materialista corrente nos proscênios europeus desde os setecentos.

10 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • PP. 09 - 11 • JULHO/AGOSTO 2016 Textos

Imagem: ‘‘Salão parisiense com as "mesas girantes" (revista "L'Illustrat ion", 1853).’’ wikipedia

Seguindo a mesma trilha, a moda do ocultismo não eram produzidos por demônios ou Deus e sim foi criada por um seminarista francês, pelo espírito de um homem. Charles Rosma se Alphonse Luois Constant, nascido em 1810 e comunicou, informando as indicações de sua conhecido por seu nom de plume, Eliphas passagem pela residência na qual foi morto pelo Lévi. Postulou que este reavivamento do anterior proprietário, sendo enterrado no subsolo. A ocultismo tinha a ver com os abusos cometidos comunicação só se fez possível devido à pela religião católica e posterior declínio com mediunidade das irmãs Fox. a perda de sua soberania, sendo mais criticado A moda das mesas girantes se produzia mediante a no século XVIII, mas, a seu ver, a alta magia formação de uma cadeia magnética produzida pelos escapa à incredulidade e à ignorância, porque participantes. A mesa, além de girar, redarguia a se apoia igualmente sobre a ciência e a fé. Lévi perguntas das pessoas mediante batidas. Segundo veio a falecer em 1875, mas deixou um grande Lévi, os fenômenos que ultimamente agitaram a número de seguidores de suas ideias. América e a Europa, a propósito das mesas falantes e das manifestações fluídicas, outra coisa não é Concomitante a isso, começa a se espalhar nos senão correntes magnéticas que começam a formar- salões europeus, advindo da América do se e, solicitações da natureza que nos convida, para Norte. Neste ponto vale a pena ressaltar que a salvação da humanidade, a reconstituir as grandes em 1848 no condado de Hydesville, um típico cadeias simpáticas e religiosas. vilarejo do Estado de Nova York, onde Na década de 1850, as mesas girantes tornaram-se aconteceram as primeiras manifestações com febre em Paris e levou muitos cientistas sérios a batidas. A casa era habitada por uma família tentar decifrar como se produziam tais fenômenos. metodista de nome Fox e após várias Entre estes pesquisadores, um deles foi Hippolyte incidências, conseguiu-se verificar que os sons Léon Denizard Rivail, mais tarde vindo a ser conhecido como Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita.

REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • PP. 09 - 11 • JULHO/AGOSTO 2016 11 Robson Luiz de Melo Textos [email protected] Robson Luiz de Deus, Homem e Religião na Idade Média Melo é graduado em História pela Universidade Norte do Paraná, UNOPAR, Teresópolis, RJ

Imagem: Iluminura representando três classes sociais da sociedade medieval: o clero religioso, um cavaleiro da nobreza e os camponeses. Wikipedia

O presente trabalho pretende esclarecer os conceitos sobre homem, religião e Deus dentro do contexto da Idade Média. Sobretudo as implicações culturais e sociais, com base da observação do indivíduo da medievalidade, no seu entender sobre o tempo, a guerra, o trabalho e a sociedade. Também responder a questão derivada da estrutura da sociedade medieval, em que se estabelece sua forma central na ideia de Deus. Buscar elementos da cultura medieval como religião, guerra, trabalho e vida cotidiana como fatores que contribuíram para a ideia que o Deus na idade média exercesse mais influência na vida dos homens do que qualquer outro período da história humana do ocidente.

Para dar sequência ao trabalho, deve-se conceituar e descrever como funciona a ideia de Deus, homem e religião na idade média. As dimensões do mundo e da cultura medieval giram em torno destes três fatores, onde Deus é a interseção entre o homem e a religião.

Deus na Idade Média, segundo Le Golf, segue a máxima em que sua imagem depende da natureza e do lugar de quem imagina Deus. Então, percebe-se a profundidade do conceito Deus, para as pessoas desta época, não pode-se confundir com a visão atual de Deus para conceituar esta idéia na idade média. E também sobre nova análise, Le Golf diz que as imagens de Deus mudam com o tempo, onde a sacralidade é levada em conta como elemento cultural cheia de historicidade, sempre inserida e passível de modificações no tempo, espaço e nas relações sociais.

12 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • PP. 12 - 14 • JULHO/AGOSTO 2016 Textos

Então, o Deus da medievalidade é o Deus dos E o homem da Idade Média emerge num mundo, Cristãos, acolhido e oficializado pelo império onde ainda persiste determinados conceitos de Romano, difundido através de forte imposição da crenças ditas pagãs num hibridismo entre estrutura oficial do estado e sociedade romana. Sua tradições oficiais da cristandade, liderada pela expansão deriva da aniquilação dos templos, igreja com liturgias do sagrado e profano, todas ocupação do espaço da rede de lugares sagrados, juntas numa confusão e associação que são ordens religiosas e de peregrinações. Houve é claro, permitidas e alimentadas para justamente criar resistência das antigas praticas religiosas que condições para os principais mecanismos de sobreviveram dentro do cristianismo, usando dominação religiosa e social da época, como as justamente a estratégia da distinção entre os entes práticas sacramentais e a teologia. sobrenaturais e divinos, pela multiplicação dos Após conceituar os três elementos que sustentam auxiliares de Deus, através de santos e anjos. Tendo a base da medievalidade, propõe-se nesse a própria imagem de Deus a flexibilidade entre momento juntar os três pilares e a partir disto, tensão/mediação, o uno e o múltiplo com a Trindade analisar a sociedade medieval do ponto de vista da (Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo) o sua cultura e os aspectos sociais desta sociedade monoteísmo cristão era visualizado e pensado nesse de como percebiam o tempo, as guerras, o trabalho ponto de singularidade dos entes que a formavam. e a vida cotidiana. Não existiam oposições entre elas que colocassem Segundo, Le Golf a Idade Média traria o tempo da em fragmentação a unidade de Deus, porém a igreja e o tempo do mercado. Demonstra que sociedade em cada momento de sua história, durante este período houve de um lado o tempo mantém certa relação com cada uma das pessoas sacramental, feito Por teólogos, filósofos cristãos que formam a trindade. Nisso se perpetuou até o e do outro o tempo pragmático manipulado pelos século XIII a imagem Deus Pai, rei e juiz e entre os mercadores. séculos XIII e XIV a imagem do Deus Filho Em síntese, o tempo da igreja é feito a partir da sofredor e glorioso. criação de Deus, então o tempo transcorria A religião funciona como instrumento para religar o irreversivelmente para o Apocalipse o fim dos homem à Deus e independente de qual religião se tempos. Para a igreja o tempo não possuía trata, todos seguem esse conceito. A criação ou importância em si mesmo, mas somente quando abordagem da religião de forma linear da transição encarnado como veículo da irrupção do sagrado judaica compõem a história da religião da Europa na história como porta voz da divina providência. Ocidental da idade média por Eusébio de Cesaréia, O tempo era orientado por e para Deus e desta a história Eclesiástica, que é justamente o momento forma o clérigo via o tempo com a mesma postura em que o cristianismo é aceito é imposto a todo paradoxal, que tudo deste mundo e proveniente do Império Romano. Deus criador, mas perturbado pelo pecado e o mal. Ao longo do tempo, desde o século IV até o século Para o tempo dos mercadores, a visão muda, XIX, há duas vertentes da história das religiões, vivenciava o tempo de maneira distinta, com uma para o cristianismo e outra aplicada às outras orientação voltada para os acontecimentos que o religiões, não há como separar a religião da evoluíam, como planejamento de viagens, cristandade da história das religiões. avaliação de ganhos, estimativa de produção. Houve uma ebulição da historiografia das religiões. Enfim, racionaliza e fatia o tempo para seus No século XIX essas tradições foram ajustadas à desígnios rotineiros como se fosse um objeto interesses ideológicos e sociais do imperialismo, manipulável, podia ser entendido como um tempo evolucionismo, cientificismo e nacionalismo, mas mecânico e controlável, diferente do tempo da nas primeiras décadas do século XX, com os igreja. Por fim um tempo marcadamente agrário estudos de Marc Bloch e Lucien Febvre, fundadores impreciso e ritmado pelas horas canônicas, da revista Annales, difundiu-se uma nova forma rivalizava com o tempo do mercador, urbano de historiográfica com base na ampliação da noção de maior precisão e orquestrado pelo relógio fontes históricas, com ênfase na longa duração e mecânico. aproximação com outros campos das ciências Do ponto de vista das guerras, do trabalho e da sociais. Na década de 1970, teve maior vida cotidiana, percebe-se claramente como à aprofundamento deste método, com novos objetos sociedade medieval recebia forte influência da problemas e abordagens, baseada na sociologia e religiosidade através do culto à Deus. Guerras são psicologia. Nos anos 1980, a história se apropriou declaradas em nome de Deus como foram as das noções, perspectivas e métodos da antropologia e da teoria literária. REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • PP. 12 - 14 • JULHO/AGOSTO 2016 13 Textos

cruzadas para “salvar” Jerusalém dos infiéis, onde No fim as questões que relativamente tendem o que estava em jogo foi justamente os aspectos na observância de regras morais e práticas que políticos e econômicos, Deus só foi um pretexto indubitavelmente estão ligadas a Deus e a para levantar a população para formar seus religião, são postas em segundo plano. exércitos à conquistar terras e mercados no Oriente . A religião foi usada como mecanismo de Referências bibliográficas: controle e submissão da população medieval. O exemplo disto há clara manipulação dos KLANOVICZ,Jô.Rodriguês, Icles.Andrade, teólogos da igreja em impor sua corte medieval Rodrigo Prates de.''Venha a nós o Vosso reino”: através da corte celestial, que pode ser a legitimação da Corte Medieval através da interpretada com a seguinte passagem no imagem da Corte Celestial.BUTIÑA Evangelho de Mateus 6, 10, sugerindo uma JIMENEZ,Júlia, e Costa, Ricardo da (coord.). hierarquia: [...] que seja feita a vossa vontade, Mirabilia 9. Aristocracia e nobreza no mundo assim na terra como no céu [...]. Desta forma há antigo e medieval. Dezembro de 2009. toda uma teologia, caracterizada pela subordinação do mundo terreno ao modelo de LE GOFF,Jacques. O Deus da Idade Média: organização celeste. Isso vai de encontro à conversas com Jean-Luc Pouthier. Tradução de necessidade de centralização do poder já no Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização século IX, de administradores supremos Brasileira, 2007. Resenha: Maurício Aquino. personificados em governantes e estes estarem Revista Brasileira de História das Religiões – sujeitos as leis canônicas da igreja. Justamente Ano I, no. 2. essa é visão que a igreja estimula na sociedade medieval de regentes divinizadores, escolhidos LE GOFF, Jacques. O deus da Idade Média: diretamente por Deus e assim mantém o controle conversas com Jean-Luc Pouthier. Tradução de de seus privilégios e poder neste período da Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização história. Brasileira, 2007. Resenha: Diogo Silva Roriz. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 19, n.5/6, p. A vida cotidiana na idade média é regrada por 503-508, maio/jun. 2009. submissão da população das leis canônicas da igreja. Basicamente o indivíduo trabalhava para RUST, Leandro Duarte. Jacques Le Goff e as seu senhor, num sistema onde parte de sua Representações do Tempo na Idade Média. plantação é destinada a igreja e ao seu senhor, Revista de História e Estudos Culturais. onde as melhores terras são destinadas à essa duas Abril/maio/junho de 2008. Vol. 5, Ano V, nº2. castas e o pior lugar para se plantar é destinado à sua subsistência. Sua vida no feudo segue o tempo Grande Junior, Dirceu Casa. Teoria da história: natural, se há belos dias de muito sol e boas história/ Dirceu Casa Grande Junior. -- São colheitas, tudo é graça ao grande Deus bom e Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009. quando surge grandes tempestades com chuvas e relâmpagos fortes, que destroem casas e colheitas Nishikawa, Reinaldo Benedito. Historiografia: é devido ao castigo imposto do Deus da cólera, por história II / Reinaldo Benedito Nishikawa. – estarem em falta com alguma questão relacionada São Paulo : Pearson Prentice Hall, 2009. à sua conduta perante Deus e a igreja. Vivem à espera do fim do mundo à todo momento, Nishikawa, Taise Ferreira da Conceição. orquestrada pelas teologias e presença da igreja História medieval: história II / Taise Ferreira da que mantém seu controle social através do medo Conceição Nishikawa. – São Paulo: Pearson do fim do mundo. Prentice Hall, 2009.

Considerações finais: Albiazzetti, Giane. Antropologia cultural: A sociedade medieval está claramente história / Giane Albiazzetti. – São Paulo: influenciada pelas ideias de Deus e das Pearson Prentice Hall, 2009. concepções da religião. O homem desta época vive cada aspecto da sua vida regrada pelas leis Battini, Okçana. Sociologia da Educação: o canônicas produzidas com um fim único, não de pensamento sociológico clássico sociologia ser salvo, ou seja, lá o que for isso, mas puramente crítica: Karl Marx e Friedrich Engels: para questões políticas e econômicas e de controle Sociologia Compreensiva: Max weber: social. história II / Okçana Battini. – São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009.

14 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • PP. 12 - 14 • JULHO/AGOSTO 2016 Carlos Brunno S. Barbosa [email protected] Carlos Brunno S. Barbosa, poeta e professor de português da rede municipal de ESCRAVILIZADO Teresópolis Poema que faz parte do livro ‘‘Note or Not Ser?’’, ed. Independente, Valença/Barr a do Piraí/ Santanésia, pág. 30, 2001.)

Seu bolso é um profundo vazio sem uma moeda sequer (a última gastou na condução). É um ex-selvagem, um aprendiz de cidadão escravo de seu país, de seu Estado.... É o pobre, o que rói ossos pra sobreviver É o assalariado, o que traz esmola e pão no fim do mês... É o cão da sociedade, o escravilizado de pedigree latino-brasileiro! Para conhecer mais poemas visite a página: www.diariosdesolidao.blogspot.com.br REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • P. 15 • JULHO/AGOSTO 2016 15 Rodrigo Melo [email protected] Rodrigo Melo, professor e RESENHAS historiador

Livro: A nossa civilização vem da costa História do Negro d´Àfrica”, citação de Bernardo de Brasileiro Vasconcelos que dá o tom ao livro Autor: escrito por Clovis Moura sobre a Clóvis Moura História do Negro Brasileiro. Com Ed. Ática - sete capítulos o autor destaca a Série Princípios. presença do negro africano trazido à Ano: 1992 – força como mão de obra escrava para 82 páginas trabalhar na lavoura brasileira. Além disso, resgata a importância do negro na consolidação da formação histórica e social brasileira. Confira!

T r o t s k y e M é x i c o : D u a s Revoluções do Século XX é uma produção dirigida pelo argentino Adolfo Garcia Videla sobre a vida de Leon Trotsky (Lev Davidoch Bronstein), um dos principais dirigentes da Revolução Russa de 1917. O documentário apresenta três capítulos que remontam a luta de Trotsky contra o Stalinismo até o seu assassinato em 20 de agosto de 1940. Confira!

Documentário: Trotsky & México: Duas Revoluções do Século XX Produtora: Museo Casa de Leon Trotsky Diretor: Adolfo Garcia Videla México, 2006. Duração: 80 min. Áudio: Espanhol Legendas: Português

16 REVISTA DE HISTÓRIA AMNÉSIA • TERESÓPOLIS • N. 39 • P. 16 • JULHO/AGOSTO 2016