Redalyc.Ditadura Militar: Mais Do Que Algozes E Vítimas. a Perspectiva De Carlos Fico

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Redalyc.Ditadura Militar: Mais Do Que Algozes E Vítimas. a Perspectiva De Carlos Fico Revista Tempo e Argumento E-ISSN: 2175-1803 [email protected] Universidade do Estado de Santa Catarina Brasil Fávero Arend, Silvia Maria; Hagemeyer, Rafael Rosa; Lohn, Reinaldo Lindolfo Ditadura Militar: mais do que algozes e vítimas. A perspectiva de Carlos Fico Revista Tempo e Argumento, vol. 5, núm. 10, julio-diciembre, 2013, pp. 464-483 Universidade do Estado de Santa Catarina Florianópolis, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=338130381020 Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto ISSN: 2175 - 1803 Ditadura Militar: mais do que algozes e vítimas. A perspectiva de Carlos Fico Carlos Fico é Professor do Departamento e do Programa de Pós- Silvia Maria Fávero Arend Graduação em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro Doutora em História pela (UFRJ) e Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Universidade Federal do Rio Grande Científico e Tecnológico (CNPq). Sua formação acadêmica ocorreu do Sul. Professora da Universidade na própria UFRJ, na Universidade Federal Fluminense (Mestrado) do Estado de Santa Catarina. e na Universidade de São Paulo (Doutorado em História Social e [email protected] Pós-Doutorado). Atuou ainda na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Seu trabalho docente é voltado para ao ensino de Teoria e Metodologia da História e de História do Brasil Rafael Rosa Hagemeyer Republicano. É um profícuo autor de artigos e livros que Doutor em História pela apresentam o resultado de suas investigações em temas como a Universidade Federal do Rio Grande ditadura militar no Brasil e na Argentina, historiografia brasileira, do Sul. Professor da Universidade rebeliões populares no Brasil republicano e história política dos do Estado de Santa Catarina. Estados Unidos durante a Guerra Fria. Criou o Centro Nacional de [email protected] Referência Historiográfica na UFOP, juntamente com Ronald Polito. Foi "Cientista do Nosso Estado" da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro entre 2003 e 2006. Recebeu Reinaldo Lindolfo Lohn o Prêmio Sergio Buarque de Holanda de Ensaio Social da Doutor em História pela Biblioteca Nacional em 2008. Durante o Simpósio Nacional de Universidade Federal do Rio Grande História, ocorrido em Natal, dispôs-se a conceder esta entrevista do Sul. Professor da Universidade para Tempo e Argumento, na qual expôs suas fundamentadas do Estado de Santa Catarina. interpretações sobre as complexas relações entre a ditadura [email protected] militar e a sociedade brasileira, bem como suas perspectivas sobre a História do Tempo Presente. Foi entrevistado por Silvia Maria Fávero Arend, Rafael Rosa Hagemeyer e Reinaldo Lindolfo Entrevista concedida em: Lohn, docentes do Programa de Pós-Graduação em História da 24/07/2013 UDESC. A entrevista foi transcrita pelo mestrando Hudson Campos Neves. Para citar esta entrevista: FICO, Carlos. Ditadura Militar: mais do que algozes e vítimas. A perspectiva de Carlos Fico. [Entrevista realizada em 24 de julho, 2013]. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n.10, jul./dez. 2013. p. 464 - 483. Entrevistadores: Silvia Maria Fávero Arend, Rafael Rosa Hagemeyer e Reinaldo Lindolfo Lohn. DOI: 10.5965/2175180305102013464 http://dx.doi.org/10.5965/2175180305102013464 Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 10, a. 2013. p. 464 - 483. p.464 Entrevista: Tempo Ditadura Militar: mais do que algozes e vítimas. A perspectiva de Carlos Fico Silvia Maria Fávero Arend - Rafael Rosa Hagemeyer - Reinaldo Lindolfo Lohn & Argumento Tempo e Argumento - Qual a sua compreensão sobre a História do Tempo Presente e a apropriação desta abordagem no Brasil? Carlos Fico - É um conceito um pouco confuso. Não sabemos se a História do Tempo Presente é uma especialidade como as demais: História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, ou se é mais do que uma especialidade: uma periodização. A maioria dos historiadores que utiliza este conceito o faz como sendo uma periodização, com vista a determinados objetos marcados pelos eventos violentos do século XX. Então, é um conceito fugidio e confuso. Na França, durante muito tempo, essa tradição — que considero teoricamente frágil — discutiu um problema bastante irrelevante: qual o período abarcado pela História do Tempo Presente e qual geração vive este período? Acho uma discussão metodológica sem sentido porque não é um conceito consolidado. No caso do Brasil, muitos fazem essa discussão sobre quando começaria a nossa História do Tempo Presente: 1930? 1945? Uma tendência mais contemporânea discute se os regimes militares comporiam o mesmo rol de eventos que são tradicionalmente abordados pela História do Tempo Presente em outros países, sobretudo quanto à questão dos eventos traumáticos, como o Holocausto, os genocídios de Ruanda, as guerras na Bósnia e no Kosovo, o regime do Apartheid na África do Sul, o Nazismo, entre outros. Este é um tipo de discussão um pouco mais conceitual. Mas há uma inconsistência e generalização em torno desse conceito, com uma multiplicidade de abordagens e de temáticas. Não há sequer um consenso sobre ser essa noção uma periodização ou a definição de uma abordagem precisa. Tempo e Argumento - A ditadura militar brasileira seria um marco definidor de nosso tempo presente, considerando os aspectos vinculados à violência política? Carlos Fico - Do ponto de vista de uma periodização haverá em qualquer lugar uma História do Tempo Presente. Afinal, todo mundo, todo lugar tem uma História recente. Mas se nós pensarmos do ponto de vista da História do Tempo Presente como uma Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 10, a. 2013. p. 464 - 483. p.465 Entrevista: Tempo Ditadura Militar: mais do que algozes e vítimas. A perspectiva de Carlos Fico Silvia Maria Fávero Arend - Rafael Rosa Hagemeyer - Reinaldo Lindolfo Lohn & Argumento abordagem da História dos eventos traumáticos, muitos autores consideram que as ditaduras militares em geral, inclusive a brasileira, fariam parte desse rol de eventos violentos. Considero essa noção confusa para o caso do Brasil, pois há diferenças em relação ao caso argentino, internacionalmente emblemático pelo alcance da violência política. A última ditadura militar Argentina foi extremamente violenta: antes mesmo da ditadura ser imposta, a esquerda revolucionária fora extremamente violenta. O golpe foi recebido com certo alívio. Havia realmente uma conflagração muito grave, inclusive, prática da repressão clandestina anterior ao golpe. Refiro-me ao contexto anterior ao golpe de 1976 e posterior ao Cordobazo,1 que foi em 1969. A esquerda revolucionária fez uma opção desesperada pelo confronto, num processo crescente que chegou ao governo da Isabel Perón,2 um governo constitucional, mas muito frágil e sem sustentação, durante o qual foi deflagrada uma onda de repressão à luta armada, sobretudo na cidade de Tucumán. Depois do golpe militar de 1976, aqueles grupos clandestinos do tipo “comando de caça aos comunistas”,3 que atuavam antes do movimento militar, continuaram agindo e, mais do que isso: os militares passaram a fazer uma repressão brutal, mas a luta armada também não cedeu e, durante muito tempo, continuou com ações extremamente violentas. Quero dizer o seguinte: quando a literatura internacional se refere às ditaduras militares, na maioria das vezes os autores têm em mente o caso da Argentina, reconhecido pela violência brutal. Defendo que a noção da violência não serve para compreender o caso brasileiro. Muitos pensam que eu estaria dizendo que não houve violência durante a ditadura militar brasileira. É claro que houve violência na 1 Rebelião popular ocorrida em 29 de Maio de 1969, na cidade de Córdoba, durante a ditadura imposta com um golpe militar em 1966, que derrubou o Presidente Arturo Illia, da Unión Cívica Radical. Nos desdobramentos do protesto, houve a tomada de edifícios públicos e instalações de grandes empresas industriais por parte dos manifestantes, em sua maioria jovens. A partir de então, houve o acirramento das lutas contra o regime, inclusive por meio de organizações clandestinas de luta armada. 2 Isabel Perón ou Maria Estela Martínez, conhecida como Isabelita, nasceu em 1931. Casou, em 1960, com Juán Domingo Perón (1895-1974), principal personagem político argentino do século XX, que exerceu a Presidência do país entre 1946 e 1955 e de 1973 até sua morte, em 1974, quando Isabelita assumiu o poder. Seu governo foi derrubado pelo golpe militar de 24 de Março de 1976, comandado pelo General Jorge Rafael Videla (1925-2013). 3 Organizações como o brasileiro Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que atuou desde antes do golpe de 1964 e contava com integrantes oriundos do meio estudantil ,e policial, também tiveram existência na Argentina. Exemplo disso foi a Alianza Anticomunista Argentina ou Triple A, notoriamente conhecida por suas ações paramilitares e terroristas na década de 1970. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 5, n. 10, a. 2013. p. 464 - 483. p.466 Entrevista: Tempo Ditadura Militar: mais do que algozes e vítimas. A perspectiva de Carlos Fico Silvia Maria Fávero Arend - Rafael Rosa Hagemeyer - Reinaldo Lindolfo Lohn & Argumento ditadura militar brasileira. Todavia, o grau, o alcance, a abrangência da violência na Argentina, tanto da repressão quanto da luta armada, atingiu uma escala tão grande que afetou toda a sociedade. No Brasil, além da luta armada não ter sido expressiva, consistiu na guerrilha do Araguaia,4 que foi bastante pequena e nas ações armadas urbanas que eram também pouco expressivas e sem visibilidade, a repressão militar foi ocultada. Na Argentina foi visível. Os militares argentinos parece que faziam questão de dizer: “olha, nós vamos matar todo mundo”. Diziam: “vamos matar todos os subversivos que forem necessários para a paz voltar à Argentina”. Então, era público e notório que havia uma conflagração violenta, havia campos de concentração. A esquerda também, quando patrocinava assassinatos de militares, publicava nos seus jornais exatamente como foi feita a execução daqueles homens.
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