Os desafios da justiça e as políticas para uma cultura da paz

Leia nesta edição

EEEditorialEditorial pg. 2 Tema de capa

Entrevistas Reyes Mate: “O campo de concentração está se convertendo no símbolo da política moderna” pg. 333 Marco Aurélio Nogueira: “A “despolitização” nasce o tempo todo da vida atual” pg. 777 Roberto Romano: “Impor ao Brasil um modelo ético é um erro político fatal” pg. 131313 Francisco Colom: A ausência de garantias democráticas gera corrupção e pobreza pg. 191919

Destaques da semana Análise de Conjuntura: Ricardo CarneiroCarneiro:::: Ruptura ou capitulação. pg. 42

Livro da Semana: Jacques Le GoffGoff. Em busca da Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2005 pg. 35

IHU ONLINE • WWW.UWWW..BRNISINOS.BR /IHU 111 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 Entrevistas da Semana: Ney LemkeLemke:::: Prêmio Nobel de Física. Uma avaliação pg. 333333

Enrico MoriconiMoriconi:::: Vaca louca e o vírus da gripe aviária é culpa das criações intensivas, afirma cientista pg. 334444

Otávio VelhoVelho:::: Uma antropologia apofática pg. 35

Ana Cristina BaúBaú:::: Hábitos alimentares pg. 337777

Deu nos jornais pg. 383838

Frases da semana pg. 404040

IHU em revista Eventos pg. 424242 IHU Repórter pg. 575757

Editorial Nesta semana, de 19 a 21 de outubro, professores e pesquisadores de diversas partes do mundo, inclusive da América Latina e do Brasil, estarão na Unisinos, realizando o IX Simpósio da Associação IberoIbero----AmericanaAmericana de FiFilosofialosofia Política e debatendo o tema Os desafios da justiça e as políticas para uma cultura da paz . O encontro refletirá os paradoxos contemporâneos. De um lado, faz-se presente uma opinião pública mundial que apela, com vigor, por valores humanistas, como a justiça e a cultura da paz. Do outro, observa-se a existência de novos cenários de guerra, em que a insegurança e o fanatismo transformam os modos de convivência que herdamos do século passado. O encontro inspirou o atual tema de capa. As entrevistas com Reyes Mate, Roberto Romano, Francisco Colom e Marco Aurélio Nogueira discutem os caminhos da política no cenário mundial. Para Reyes Mate, por exemplo, “a maior catástrofe intelectual do nosso tempo foi a morte do conceito de justiça nas mãos da liberdade. Reduzimos a justiça à liberdade”. Isso faz com que, como o atesta igualmente Giorgio Agamben, “o campo de concentração se converta no símbolo da política moderna”, completa Reyes Mate. A programação completa do evento está disponível na página www.unisinos.br/ihu Nesta edição confira, ainda, a instigante entrevista com o Prof. Dr. Nilton Mullet Pereira e o Prof. Dr. Alfredo Culetton. Ambos discutem o filme Em nome de Deus, de Clive Donner, que será exibido e debatido no CicloCiclo de Estudos Idade Média e CinemaCinema, nesta semana. Idade Média também é o tema da editoria Livro da Semana .

A todas e todos uma excelente semana e uma profícua leitura

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 222 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005

Entrevistas

“O campo de concentração está se convertendo no símbolo da política moderna” Entrevista com Reyes Mate

“O que eu proponho é uma globalização da justiça, não só em sentido espacial, senão também temporário (memória). Isso supõe uma mudança de civilização ou algo parecido”, salienta o filósofo espanhol Reyes Mate, na entrevista concedida por e-mail à revista IHU OnOnOn-On ---LineLine . Ele é professor e pesquisador do Instituto de Filosofia de Madrid. Estudou em Paris, Roma, Münster e Madrid e foi diretor do Instituto de Filosofia de Madri de 1990 a 1998. Pertence ao Conseil Scientifique du Collège International de Philosophie de Paris. Tem uma vasta obra publicada. Entre seus livros publicados citamos: Memoria de Auschwitz.Auschwitz. Actualidad moral y políticapolítica. Madrid: Trotta, 2003; Por los campos de exterminioexterminio. Barcelona: Anthropos, 2003; Tolerancia y religiónreligión, Barcelona: Anthropos, 2003 e a organização, realizada com Hugo Assmann, de Sobre la religión , escrito por Karl Marx e Frederic Engels, editada pela Sígueme, em 1974, Salamanca. De Reyes Mate publicamos um artigo na edição número 127 da IHU OnOnOn-On ---LineLineLine, de 13 de dezembro de 2004, intitulado O outro da religião, a entrevista As tradições religiosas e o melhor humanismo não devem permitir a “morte do homem”, realizada com ele na 128ª edição, de 20 de dezembro de 2004; e um artigo na edição número 156, de 19 de setembro de 2005. Reyes Mate estará na Unisinos nesta semana, durante o IX Simpósio Internacional da Associação Ibero- Americana de Filosofia Política e VIII Colóquio de Filosofia Unisinos, de 19 a 21 de outubro.

IHU On-Line – O senhor trabalha Reyes Mate – A justiça é um com o tema da justiça. Como se velho assunto da humanidade que deveria repensar hoje o conceito hoje, no entanto, tem mais peso do de justiça no contexto neoliberal e que nunca. Para os antigos, a na pós-modernidade?

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 333 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 justiça era uma virtude, isto é, isso nós não podemos permitir. Os tinha um âmbito reduzido à autores modernos, como Rawls 2 e realização dos indivíduos. Para nós, Habermas 3, dizem: o mundo está no entanto, é bem mais do que cheio de desigualdades causadas isso: é o fundamento moral da pelos homens; há que se remediar sociedade. Essa mudança supôs, no isso e evitar que continue assim. entanto, perdas importantes: se, Então, aparece a justiça como para Aristóteles, a justiça tinha resposta às desigualdades. Mas como centro o outro, e seu estas teorias não querem se conteúdo tinha que ser material, perguntar como nasceram as agora o centro somos nós, e o desigualdades, porque elas são o conteúdo é um mero resultado de injustiças passadas. A procedimento. Quero dizer que, justiça deveria consistir em para os modernos, a justiça se consertar os danos originados no reduziu a um procedimento de passado e herdados no presente. como decidir o que é justo ou Mas as teorias da justiça não injusto: nós decidimos, e o querem saber de nada do passado. importante são as regras

procedimentais do jogo. A 2 John Rawls (1921-2002): filósofo. Foi professor conclusão é a seguinte: reduzimos de Filosofia Política na Universidade de Harvard. a justiça a uma partilha eqüitativa É autor de Uma teoria da justiça . São Paulo: Martins Fontes, 1997; Liberalismo Político . São da liberdade (a igualdade na Paulo: Ática, 2000; e O Direito dos Povos . Rio de liberdade é o que explica que o Janeiro: Martins Fontes, 2001. O IHU OnOn----LineLine procedimento seja justo segundo número 45, de 2 de dezembro de 2002, dedicou sua matéria de capa a John Rawls, sob o título os modernos) e eu digo que a John Rawls: o filósofo da justiça . Confira, ainda, o justiça é uma partilha eqüitativa do 1º dos Cadernos IHU Idéias, intitulado A teoria pão. Como diz Bloch 1 “a fome é a da justiça de John RawlRawls,s, de autoria do Prof Dr José Nedel. (Nota da IHU OnOn----LineLine ) primeira lamparina na qual há que 3 Jürgen HabermasHabermas: crítico da doutrina positivista se jogar azeite”. O pão e a e da ideologia dela resultante, o tecnicismo, o liberdade são fundamentais, mas filósofo alemão Jürgen Habermas é um dos mais ilustres representantes da segunda geração da nessa ordem. Escola de Frankfurt. Foi colaborador de Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Em IHU On-Line – Quais os déficits do 1971, Habermas dirigiu o Instituto Max-Planck em conceito de justiça tradicional que Starnberg, Baviera. Em 1983, transferiu-se para a Universidade Johan Wolfgang Goethe, de temos? Frankfurt. Seus estudos voltam-se para o Reyes Mate – O que caracteriza as conhecimento e a ética. A edição nº 5 da IHU OnOnOn-On ---LineLine mencinou o pronunciamento Glauben teorias da justiça, tanto as antigas und Wissen (Fé e Conhecimento), feito por como as modernas, é a amnésia. E ocasião da Feira do Livro de Frankfurt, no dia 14 de outubro de 2001, quando o filósofo alemão recebeu o Prêmio da Paz. Habermas, a partir dos 1 Ernst BlochBloch: considerado um dos grandes acontecimentos do dia 11 de setembro e das filósofos alemães do século XX, foi um marxista perplexidades suscitadas pelas experiências heterodoxo que construiu vasta obra que ressalta biogenéticas, elabora o conceito de sociedade o papel da utopia na história do homem. Seu pós-secular, onde a separação da razão e da livro O Princípio Esperança . Rio de Janeiro: religião elaborada pela modernidade, explodiu. Contraponto, 2005 foi destacado na editoria Livro Publicamos dois artigos sobre o encontro entre da Semana da 151ª edição da revista IHU OnOn---- Habermas e Ratzinger, ocorrido em 19 de janeiro Line , de 15 de agosto de 2005, com a realização de 2004, na Academia Católica da Baviera, em de duas entrevistas sobre a obra: uma com o Munique, nas edições de número 128ª e 138ª da tradutor do livro, Nélio Schneider, e outra com o IHU OnOn----LineLine , de 20 de dezembro de 2004 e 25 professor da UFRGS, Edson Sousa. (Nota da IHU de abril de 2005, respectivamente. (Nota da IHU OOOnOnnn----LineLine ))) OnOnOn-On ---LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 444 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 Hoje, sabemos que a pior forma de Creio que a maior catástrofe injustiça é o esquecimento, isto é, o intelectual do nosso tempo foi a desprezo significativo ao que foi morte do conceito de justiça nas vencido na história. A memória é mãos da liberdade. Reduzimos a uma batalha hermenêutica pela justiça à liberdade. Esse é o triunfo significação de todo esse do liberalismo, não do sofrimento que ficou à beira do neoliberalismo. caminho. Não podemos permitir uma teoria que seja amnésica. IHU On-Line – O conceito de justiça apela fundamentalmente para uma IHU On-Line – Qual seria a mudança nas estruturas sociais que proposta para um novo modelo de afetam os modos de produção, os conceito de justiça que beneficie modelos políticos e as relações os que sofrem, os que são sociais. Há necessidade de se excluídos? Como seria a justiça repensar o modelo civilizatório? pensada por parte das vítimas? Reyes Mate – O mais positivo do Reyes Mate – Uma justiça não- nosso tempo é a afirmação de que amnésica, que reconheça que as a justiça é o fundamento da desigualdades atuais são injustiças sociedade. Graças a essa idéia, o ou produtos de injustiças. As conceito de justiça foi crescendo gerações atuais são herdeiras desse até o ponto de hoje falarmos de passado. O que ocorre, é que umas uma “justiça global”. Isso supõe herdam as fortunas e outras os uma mudança epocal, pois até infortúnios. Mas entre essas agora a justiça estava limitada às heranças há uma relação que deve fronteiras de cada Estado. O que eu se traduzir em responsabilidade. proponho é uma globalização da justiça, não só em sentido espacial, IHU On-Line – Como um novo senão também temporário conceito de justiça ajudaria a (memória). Isso supõe uma pensar novos modelos sociais de mudança de civilização ou algo democracia? parecido. Reyes Mate – Creio que, desde a queda do muro de Berlim, foram IHU On-Line – De que forma a criados 27 novos estados autonomia política, as tradições democráticos. Nos anos 1970, os religiosas e o humanismo podem Estados Unidos asfixiavam contribuir para uma sociedade em qualquer tentativa de Estado que os homens sejam mais solidários e responsáveis? democrático. O que aconteceu? Singelamente, os novos estados Reyes Mate – A política não cria democráticos foram esvaziados de valores, mas os tira do campo que conteúdo. Basta uma constituição poderíamos chamar pré-político, onde estão as tradições religiosas ou que assegure as liberdades. Antes, o humanitárias, os mitos etc. A conceito de democracia ia unido à Revolução Francesa não inventou os idéia de que cada Estado constituía valores de igualdade, fraternidade ou um patrimônio comum ao qual liberdade: eles já estavam aí, e ela os todos os cidadãos tinham direito. elevou a princípios políticos. O Desapareceu o componente conceito de valor absoluto – pelo qual material, de justiça, da democracia. alguém esteja disposto a morrer por

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 555 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 uma causa, colocando em risco sua voltado para si mesmo, finito, própria vida – é impensável sem a provisional, egoísta, não-solidário? religião. Eu creio que é preciso Reyes Mate – O problema da repensar a idéia ilustrada de que a democracia que conhecemos é que religião é assunto privado. Não é e não ela se pensa como universal, como pode ser, conseqüentemente, princípio legitimador da política, mas sim, uma se o fato de reconhecer fonte de valores e virtudes políticas: o formalmente seus súditos como perdão, a reconciliação, a compaixão, cidadãos supusesse constituí-los por exemplo. como tais. Eu não esqueço o que diz Walter Benjamin 4 sobre todas IHU On-Line – Quais os maiores estas democracias ou Estados de impasses na relação entre o Direito: que “para os oprimidos o cristianismo e a política na estado de exceção é permanente”. sociedade contemporânea? O estado de exceção é a suspensão Reyes Mate – Por parte da do direito, o considerar política, seria pensar que a determinados seres como não- laicidade ou a autonomia da sujeitos. E isso ocorre nas política pode subsistir sem sociedades do primeiro mundo: os referências às tradições de origem. pobres, os sem-papéis, os A laicidade é, por um lado, emigrantes, vivem como num emancipação da religião, mas, por estado de exceção. O campo de outro, cristianismo secularizado. É concentração está se convertendo preciso repensar o que isso no símbolo da política moderna. significa. E, por parte do Responder a essas questões supõe cristianismo, seria não aceitar as pensar a democracia exigências de um mundo planetariamente. secularizado, imaginar que a religião ainda é o princípio legitimador da política.

IHU On-Line – Quais os princípios de uma moral que poderia basear uma política autônoma? Ela estaria livre dos princípios da moral cristã? Reyes Mate – Os princípios morais são autônomos, como os imperativos categóricos kantianos. Essa autonomia, porém, não significa ruptura da relação com as tradições religiosas. Uma razão autônoma deve ir ao encontro do núcleo universalizável dessas 4 Walter Benjamin (1892-1940): crítico literário tradições. marxista e filósofo judeu alemão. Ficou conhecido principalmente por seus ensaios IHU On-Line – Que alternativa de filosóficos e como crítico. Como sociólogo e crítico cultural, combinou idéias místicas judias democracia pode ser pensada para com uma perspectiva proveniente do uma sociedade em que o homem é materialismo histórico para oferecer uma contribuição totalmente nova à filosofia marxista. (Nota da IHU OnOn----LineLine ).

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 666 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005

“A “despolitização” nasce o tempo todo da vida atual”

Entrevista com Marco Aurélio Nogueira

Para o cientista político e professor da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) Marco Aurélio Nogueira, “enquanto o dinheiro e a economia estiverem ditando as regras e prevalecendo sobre a política, as crises serão o cotidiano”. Marco Aurélio Nogueira é professor do departamento de Antropologia, Política e Filosofia, da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus de Araraquara. É graduado em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e docência doutor em Ciências Sociais (Política), pela USP. É pós-doutor pela Universitá degli Studi di Roma e é livre-docente pela Unesp. A entrevista que segue foi feita por e-mail.

IHU On-Line – Que teorias políticas dar conta dessa situação, que incentiva podem ser percebidas por trás do a constituição de uma mentalidade modelo brasileiro de democracia refratária à política e ao “bem comum” atual? e a prevalência unilateral dos Marco Aurélio Nogueira – Antes de “interesses” sobre quaisquer outras tudo, a primeira delas seria o considerações. É daí que vem o sucesso liberalismo, tanto em sua vertente obtido nos últimos tempos pelo conservadora – dominante no Brasil, ao neoliberalismo, que de liberal tem longo de toda a nossa história como muito pouco. Numa situação de sociedade nacional – quanto em sua despolitização, também o pensamento vertente mais propriamente socialista passa a ter terríveis democrática. Ainda somos prisioneiros dificuldades de afirmação. Contudo, ele de uma visão organicista tradicional, persiste como parâmetro teórico e como que vê o Estado e a sociedade como horizonte ético-político. Não encontra corpos coesos e harmoniosos, muita ressonância prática, mas não fica superiores aos indivíduos e aos grupos fora da cena pública e dos embates e de algum modo designados a tutelar políticos, mantendo uma certa os indivíduos. Mas essa visão vem influência. rapidamente perdendo força, graças ao processo mesmo de modernização da A participação fica mais forte que a sociedade (que a fragmenta e a representação e tende a se desgarrar diferencia muito), que traz consigo a dela generalização do individualismo como fato e como cultura e a fixação do IHU On-Line – Qual a origem das mercado como fator de estruturação da crises políticas no modelo de vida e do imaginário social. A democracia atual? “despolitização” nasce o tempo todo da Marco Aurélio Nogueira – A vida atual. O liberalismo não consegue democracia atual é uma “vítima” do

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 777 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 processo de modernização do construção do Estado que não capitalismo. A liberação frenética dos conseguiu jamais de definir claramente mercados, as rápidas mudanças nem se completar. Avançamos tecnológicas, a mudança do padrão da reiterando formas anacrônicas de acumulação, a financeirização do deliberação e de organização dos capital, as alterações na dimensão interesses (como o patrimonialismo, o tempo/espaço por conta das tecnologias clientelismo, a privatização do público, de informação e comunicação, tudo isso o corporativismo), que subsistem até se combina com uma forte hoje ainda que em posição subalterna. fragmentação social, com uma nova fase O Brasil se modernizou muito nas de individualização, com aquilo que se últimas décadas e passou a conviver costuma chamar de com formas “pós-tradicionais” de vida “desterritorialização”, com o que se compõem e se articulam com encolhimento do mundo, com a um tradicionalismo resiliente, com a diminuição da força e da soberania dos miséria e a exclusão de uma parte Estados nacionais. Em decorrência, a enorme da população e com uma vida parece ir se “desinsti- diminuição muito lenta da alienação e tucionalizando”, ou seja, ficando fora de da arrogância das elites. Não são controle. Nesse quadro, é inevitável que propriamente as regras procedimentais a política perca estabilidade, capacidade do jogo democrático que explicam a de sedução e operacionalidade. O “agir” crise (por isso não temos uma “crise e o “fazer” ganham prevalência sobre o institucional”), mas as relações entre “organizar”, o “decidir” e o “dirigir”. A Estado e sociedade, que se modificam participação fica mais forte que a muito com a radicalização da representação e tende a se desgarrar modernidade. O modelo atual falha dela. O voluntariado torna-se mais porque não consegue mais refletir a sedutor que a militância partidária ou o sociedade que está se projetando e engajamento em serviços estatais. O também porque paga um tributo alto próprio voto perde consistência. Se demais às más tradições nacionais. A somarmos a isso a crise dos paradigmas crise é ampla, de vastas proporções. Não e das utopias, a agressividade do é exclusivamente brasileira. Tem a ver marketing, a espetacularização de tudo, com o quadro mais geral de transição teremos um panorama assustador da para uma nova forma de vida, de Estado democracia atual. Não se trata, porém, e de organização social. No Brasil, ela é de morte ou de fracasso da democracia, agravada pela reprodução da pobreza, mas de um momento de transformação pelos buracos negros que se espalham e de ajuste. O que virá depois poderá pelo País, pela dificuldade que temos ser uma democracia muito melhor. tido, historicamente, de integrar a população aos benefícios do progresso IHU On-Line – Em que medida a e de domesticar os setores sociais mais crise brasileira é também uma crise retrógrados. É uma crise grave, mas não do modelo de democracia em que me parece que seja invencível, definitiva vivemos? Como a crise política atual ou catastrófica. Nela tanto há elementos está desvendando as fragilidades do deletérios e ameaçadores quanto modelo de democracia instaurado? elementos que se abrem para uma Como repensar a democracia a reconstrução positiva da humanidade partir da crise? (uma unificação dela em níveis Marco Aurélio Nogueira – Se a superiores). Uma nova democracia só questão é entender a crise do modelo poderá nascer de uma adequada brasileiro de democracia, deveríamos tradução política dos novos termos da retornar ao século XIX, quando modernidade. Teremos de “inventá-la”. mergulhamos num caminho de De certa maneira, ela terá de ser

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 888 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 participativa e representativa, coletiva, como luta para instituir um deliberativa e institucionalizada, e em poder democrático, viabilizar o melhor seu peito deverá pulsar um coração governo e distribuir justiça. Como mais “ético-político” que friamente escrevi no meu livro Em defesa da racional. política (São Paulo: Senac, 2001), essa seria a “política com muita política”, a IHU On-Line – Que tipo de reforma política dos cidadãos, ou seja, daqueles política poderia ser feita para que que prezam seus direitos e defendem os não ocorresse mais o tipo de direitos de todos, que têm noção clara escândalo político que temos hoje das obrigações comuns e se preocupam no Brasil? em participar da construção de uma Marco Aurélio Nogueira – Uma convivência superior. Trata-se de algo reforma política que promovesse um historicamente raro, difícil de mero arranjo nas instituições não teria prevalecer, ainda que, nos últimos potência suficiente para coibir a séculos, não tenha nunca deixado de se reiteração de escândalos políticos. Tudo manifestar. Por ser rara, e por expressar bem que o regime é permissivo e uma construção delicada, esta política facilita a reprodução de práticas pouco tem sido quase sempre deslocada ou democráticas e pouco republicanas. Mas pela política que se volta para o poder, o defeito maior, se é que se pode falar a autoridade, a coerção, a conquista de assim, está na cultura política, no modo votos e de posições de força, ou pela como nos vemos e agimos no mundo política que usa e abusa da técnica, dos da cidadania. O defeito é sistêmico e saberes especializados. Chamo estas geral, tem a ver com a atual fase de outras políticas de “política com pouca reorganização global da vida e com a política” (a dos políticos profissionais, sua tradução em termos brasileiros. por exemplo) ou “política sem política” Nenhuma reforma política poderá dar (a dos técnicos). Ambas têm a sua conta disso se não vier acompanhada dignidade e são indispensáveis. O ideal de uma recuperação abrangente das seria que estas três formas de política relações entre Estado e sociedade, na convergissem e se complementassem qual também sejam redefinidas as reciprocamente. Não é, porém, o que relações entre Estado e mercado. ocorre. Elas nem sempre vivem em Enquanto o dinheiro e a economia harmonia ou em equilíbrio perfeito, e estiverem ditando as regras e em alguns momentos o atrito entre elas prevalecendo sobre a política, as crises chega a ser forte demais. Sem uma serão o cotidiano. integração virtuosa delas, a tendência é que a “política dos cidadãos” não se Uma política com muita política. Uma imponha às outras duas. A “política dos política com pouca política. Uma políticos”, e também a dos técnicos, fica então solta e desconectada do núcleo política sem política fundamental da vida coletiva, acabando

por se voltar contra os cidadãos. Os IHU On-Line – E como poderia ser políticos existem para ser fiscalizados e feita uma reforma dos políticos? criticados radicalmente. Afinal, eles são Que características fundamentais peças-chave da vida social, e seus erros um bom político deveria ter? Como não podem passar despercebidos, nem se relacionam aí os conceitos de devem ser tolerados, pois repercutem e ética e justiça? interferem demais na vida de todos. Marco Aurélio Nogueira – Sempre Hoje, no Brasil, precisamos ser houve e sempre haverá um modo implacáveis com os políticos, até generoso de pensar a política como mesmo para encorajá-los a que se auto- atividade dedicada a possibilitar a vida reformem. Mas me parece um equívoco

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 999 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 agir como se os políticos concentrassem referido. É por isso que falo em lutar toda a maldade, e a sociedade fosse o por Um Estado para a sociedade civil , depósito imaculado da bondade. expressão que dá título ao meu livro Precisamos tentar sempre vincular uma mais recente (São Paulo: Cortez, 2004). coisa à outra, sob pena de não vermos a Não se trata de ter mais "Poder essência das coisas. Se pensarmos em Executivo", que é uma das faces do termos maniqueístas, não teremos Estado, mas de se ter mais "comunidade sequer a chance de impor outra política", que é o coração do fenômeno qualidade à política. Ficaremos sem estatal. Sem este Estado-comunidade política alguma, sem diálogo ou política, nenhuma sociedade civil pode mediação alguma, entregues, portanto, à cumprir função positiva. A sociedade tirania dos grupos mais fortes, do civil é, aliás, parte central da face ético- mercado, dos argumentos de política do Estado. autoridade, e assim por diante. IHU On-Line – Como vencer o O risco é que a sociedade civil descrédito do povo na política? fragmentada “fuja” do País Como superar a idéia de que todos os escândalos sempre terminarão IHU On-Line – E como a sociedade “em pizza”? civil pode contribuir para que tenha Marco Aurélio Nogueira – Os uma reforma política mais políticos não operam fora de um democrática? contexto sociocultural e institucional, e Marco Aurélio Nogueira – A não podemos avaliar a atividade deles sociedade civil deveria estar o tempo sem analisar esse contexto. Hoje, o todo em busca de formas sempre mais campo da política está complicado por avançadas de unificação e politização. dois blocos de problemas: por um lado, Ela é "organizada" apenas em termos: o a globalização da comunicação, a que existe de fato é uma miríade de velocidade, a quantidade e a variedade movimentos e associações lutando por das informações, as alterações seus interesses e por suas convicções. A estruturais na organização social, o sociedade civil é sempre um espaço de surgimento de uma nova cultura (mais explicitação da diversidade social. Mas é individualista, mais voluntarista) razoável esperar que os diferentes desgastam a democracia representativa movimentos possam evoluir em direção e tendem a problematizar a relação das a uma "zona de consenso", da qual pessoas com a política. Por outro lado, possam partir parâmetros para a particularmente no Brasil, temos organização de uma vida coletiva evoluído, nos últimos tempos, sem um melhor, mais interessante e mais digna. correspondente esforço coletivo para Sem esforços de unificação e valorizar a política e dignificar a politização, não há como caminhar atividade política. Há governantes que nesta direção. Temos hoje, no Brasil, se dedicam a diminuir ou menosprezar uma relação imperfeita entre Estado e a importância dos políticos e da luta sociedade civil. O Estado está afastado política, e são muitos os que pensam, de uma interação forte com a sociedade arrogantemente, que a oposição e a civil. A sociedade civil, por sua vez, está crítica são armas destrutivas, que cortada por interesses e iniciativas que atrapalham. não conseguem se compor de modo minimamente unificado. No contexto O estado de espírito geral é moralista e atual, o risco maior é que esta sociedade meio niilista civil fragmentada e despolitizada "fuja" do País, de seus problemas reais, e Parte da sociedade se entrega à apatia e passe a funcionar de modo auto- à indiferença, ao mesmo tempo que

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 101010 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 outra parte se mexe freneticamente e fato no Brasil. E muitas das opções de critica sem parar. O estado de espírito gestão que foram sendo tomadas na geral é moralista e meio niilista. Há última década e meia (por exemplo, a pouco debate consistente, pouco descentralização, o orçamento envolvimento com os assuntos que participativo etc.) ajudaram a que isso dizem respeito à vida coletiva. As se consolidasse. Mas falta uma pessoas, e mesmo a maioria das "amarração" final neste processo, que é associações, movimentam-se justamente a politização. Há basicamente para defender os próprios democratização, mas ela ainda não se interesses. Tudo parece sancionar um completou nem explicitou toda sua distanciamento entre a sociedade e o potência emancipadora. Estado. Com isso, os políticos tendem a reforçar seu isolamento e são Holloway e Negri capturados pelo lado mais perverso da política (o da força, da fraude, da IHU On-Line – Como o senhor vê as dissimulação, da corrupção). Em suma, idéias de uma democracia direta, não conseguem se atualizar nem se com base no pensamento de John reformar como representantes ou como Holloway, no livro Mudar o mundo “classe política”. Perdem crédito com a sem tomar o poder, e de Hardt e população e ficam sem incentivos para Negri com o conceito de multidão ? melhorar. No fundo, os políticos Marco Aurélio Nogueira – As idéias precisam de um “choque” de política: de Holloway são uma interessante precisam de mais política, não de provocação, mas não oferecem menos. Sem isso, o risco de “tudo qualquer plataforma consistente de terminar em pizza” existirá sempre. ação. Permanecem num terreno voluntarista, de ação emancipadora IHU On-Line – O senhor afirma que genérica, sem pensar a questão do não pode haver Estado democrático Estado e do governo. No que têm de sem cidadania ativa e sem melhor, dizem-nos que não basta participação. Como chegar a isso? conquistar o poder de Estado (o Como estimular e dar abertura real governo) para que as transformações para a sociedade civil na política? ocorram, que o mais importante é Marco Aurélio Nogueira – Se os organizar as bases da sociedade. governos não interagem bem com a Traduzindo assim suas idéias, temos sociedade civil, e se a sociedade civil uma proposição razoável, que integra as está muito fragmentada e não consegue melhores tradições do pensamento 5 politizar sua diversidade (isto é, unificá- crítico de esquerda. Antonio Gramsci la em nível superior), por que deveria falou isso antes e de modo muito haver estabilidade no relacionamento melhor do que Holloway. Deveríamos entre estes dois planos? O ler com maior interesse as brilhantes posicionamento oscilante da sociedade considerações que Gramsci fez nos civil diante do governo é um reflexo do caráter errático e imperfeito da relação entre Estado e sociedade civil. A presença da sociedade civil nos 5 Antonio Gramsci (1891-1937): escritor e político processos políticos e na gestão pública italiano. Com Togliatti, criou o jornal L'Ordine Nuovo , em 1919. Secretário do Partido Comunista do País tem aumentado e se Italiano (1924), foi preso em 1926 e só foi democratizado nos últimos anos, libertado em 1937, dias antes de falecer. Nos seus sobretudo se entendermos Cadernos do cárcere , substituiu o conceito da democratização no sentido de avanço ditadura do proletariado pela "hegemonia" do proletariado, dando ênfase à direção intelectual e da ocupação de espaços e de moral em detrimento do domínio do Estado. (Nota participação. Há muita participação de da IHU OnOn----LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 111111 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 Cadernos do Cárcere 666 a respeito da amplo processo de recuperação das questão da hegemonia: não basta ter condições de vida e de educação força de coerção, o mais importante é política. dirigir intelectual e moralmente a sociedade, e o ator que chega ao poder IHU On-Line – O referendo pode ser sem ter pavimentado o caminho da uma forma de estimular a cultura da hegemonia (da direção cultural) não democracia participativa? tem como agir de forma reformadora. Marco Aurélio Nogueira – O Creio que estamos assistindo a uma referendo é um dispositivo de consulta, falha desse tipo na atual conjuntura de dedicado a incorporar a vontade do crise nacional. Quanto a Hardt e Negri, cidadão ao processo de tomada de há neles um empenho dedicado para decisões públicas e de elaboração das explicar o mundo que está nascendo da leis. Foi concebido para melhorar as leis modernidade que se radicaliza. A e para dar maior legitimidade a elas. fragmentação, a individualização e a Não está direcionado para estimular desterritorialização estão de fato uma cultura participativa. Essa virá problematizando os sujeitos, os atores muito mais de outras fontes: bons políticos e as classes sociais. A idéia de governos, bons partidos, cidadãos bem multidão tem alta força descritiva. Mas educados politicamente, interesses não traz consigo um “programa sociais capazes de se medir uns pelos político” plausível, sequer em relação à outros, vida republicana ativa. proposição de uma forma confiável de “democracia direta”.

IHU On-Line – Qual sua postura sobre o tema do desarmamento, da violência e da construção de uma cultura de paz? Marco Aurélio Nogueira – Violência e insegurança são situações inerentes ao atual modo de vida, sobretudo em condições de modernidade radicalizada que se combina com reprodução da pobreza e da miséria social. O desarmamento é um recurso fundamental para desmontar o arranjo perverso que fomenta a violência. Nada há o que justifique a posse de uma arma para se preservar o direito à autodefesa. A grande “arma” do cidadão democrático é a política, a organização e a capacidade discursiva. É com isso que ele garante o direito de se defender. Uma cultura da paz não pode nascer numa sociedade que banaliza a autodefesa e que facilita o acesso às armas. Mas ela também não se afirmará, como cultura, com base em disposições legais. Precisa estar sustentada por um

6 GRAMSCI, Antonio. Cadernos dododo cárcere . Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999; 2002. (Nota da IHU OnOn----LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 121212 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005

“Impor ao Brasil um modelo ético é um erro político fatal” Entrevista com Roberto Romano

Para Roberto Romano da Silva, professor na Universidade Estadual de Campinas, a ética não entra como programa. Ela é um processo e também um conjunto não homogêneo (na verdade, contraditório) de propostas doutrinárias e novas formas de comportamento e valores que permanecem, vindos de antigas formas sociais, portanto seria um grave erro e um genocídio impor uma ética a um Brasil multicultural. Romano, que concedeu entrevista a seguir à IHU OnOn----LineLine por e-mail, cursou o doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), França. É pós-doutor e livre docente pela Unicamp. Escreveu,entre outros, os seguintes livros Igreja contracontra Estado. Crítica ao populismo católicocatólico. São Paulo: Kairós, 1979; Conservadorismo RomânticoRomântico. 2ª ed. São Paulo: Ed. UNESP, 1997. Moral e Ciência. A monstruosidade no século XVIIIXVIII. São Paulo: Senac Ed., 2002; e O DesafioDesafio do IslãIslã. São Paulo: Perspectiva, 2004. De Roberto Romano já publicamos três entrevistas, uma na 39ª edição de IHU OnOn----LineLine , de 21 de outubro de 2002, intitulada O Brasil e a democracia, outra na 130ª edição, de 28 de fevereiro de 2005, intitulada “O projeto é um prpriiiimormor de formalismo, de um lado, e de populismo, de ooutro”,utro”, e outra que realizamos com ele na 149ª edição, de 1º de agosto de 2005, chamada A má consciconsciênciaência trantranssssformadaformada em má fé .

IHU On-Line - Em que medida a afirmava em 1943 que no século XX crise brasileira é também uma crise raros Estados seriam democráticos se o do modelo de democracia que modelo rousseoísta fosse usado como o vivemos? Como a crise política atual padrão analítico. É preciso apurar, hoje, desvenda as fragilidades do modelo as noções de democracia, federalismo, de democracia instaurado? sociedade civil etc., se quisermos Roberto Romano – Dificilmente o pensar o mundo brasileiro, por Estado e a sociedade brasileiros exemplo, o federalismo. O nosso modo entrariam na qualificação de formas de unir os estados tem pouco de democráticas. M. Halbwachs 7, atilado “federalismo” e muito de Império. comentador de Rousseau, na sua Tomemos a indicação da jurista Anna edição crítica do Contrato Social Gamper que analisa as formas federativas para apontar as fraturas no projeto da União Européia: “Por 7 Maurice Halbwachs (1877-1945):::: sociólogo francês. Autor de trabalhos sobre as relações unanimidade, as definições de entre a psicologia e a sociologia. Escreveu federalismo reconhecem o fundamento Morfologia social . (Nota da IHU OnOn----LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 131313 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 da palavra latina foedus , que significa dos que dirigem o todo nacional. pacto . Todas as teorias concordam que Resulta que a nossa “Federação” federalismo é um princípio que se concede pouquíssima autonomia aos aplica ao sistema que consiste em, pelo estados e municípios, em todos os menos, duas partes constituintes, não planos da vida política, econômica, etc. totalmente independentes que, juntas, De Brasília, leis uniformes formam todo o sistema. O federalismo, regulamentam até os detalhes da pois, combina o princípio da unidade e ordem nacional, desconhecendo da diversidade ( concordantia discors ). deliberadamente as diferenças As partes constituintes devem ter regionais, culturais, geográficas etc. Do poderes próprios e devem ser Oiapoque ao Chuí, há uma admitidas com base no âmbito uniformização gigantesca que obriga federal” 8. Da definição escolhida pela cada uma das regiões a se pautar pelo autora, tomemos a parte onde ela tempo longo da enorme burocracia afirma a exigência sine qua non , a que federal, perdendo-se tempo precioso declara o seguinte: “as unidades para o experimento e modificações das constituintes devem ter poderes políticas públicas em plano próprios”. Desde a Independência, o particularizado. Enquanto em outras Poder Central brasileiro monopoliza federações, como a norte-americana (e todas as prerrogativas do Estado e não apesar do grande centralismo daquele as partilha com os demais entes, país) vigoram diversas leis, penais, supostamente unidos hoje por laços de educacionais, tecnológicos etc., no federação. Se realmente em nosso caso Brasil, a mão de ferro do Estado foedus significasse pacto , teríamos Federal (nos três poderes, Executivo, graus crescentes de autonomia, dos Legislativo, Judiciário) controla, dirige, municípios ao Poder Central. Como o pune e premia os Estados, segundo Império herdou as terras coloniais sustentem os interesses dos ocupantes portuguesas — imensas terras — para temporários de Brasília. Para realizar ele o mais urgente era garantir as semelhante controle, as oligarquias fronteiras do enorme país e impedir a regionais surgem como operadores de secessão das províncias. Para tal fito, a face dupla: servem para trazer os repressão militar foi a tônica, o que se planos do Poder Central aos estados e tornou dramático durante a Regência, para levar ao mesmo poder as quando várias unidades levantaram-se aspirações de estados e municípios. O em busca não de autonomia, mas de lugar onde as negociações entre os dois plena soberania. níveis (Central e Estadual) ocorrem, normalmente é o Congresso. Ali, Pouca autonomia e uniformização Presidência e Ministérios buscam apoio A história do Brasil, desde aquela época aos seus planos, inclusive e, sobretudo, até 1932 (com a Revolução de leis. É impossível conseguir recursos Constitucionalista de São Paulo), tem orçamentários, por exemplo, sem as sido a crônica de um controle férreo “negociações” e nelas o modus das províncias, depois estados, pelo operandi identifica-se ao conhecido “é Poder Central. É como se cada Estado, dando que se recebe”. Assim, os planos sobretudo os que se levantaram em federais de inclusão social e armas (Rio Grande do Sul, democratização societária patinam na Pernambuco, Pará, Bahia, São Paulo, enorme generalidade do “grande para recordar apenas alguns deles) Brasil”, enquanto as unidades fosse submetido à invasão permanente aguardam as “providências” de uma burocracia pesada, incapaz de entender 8 A Global Theory of Federalism: The Nature and os vários ritmos e formas de vida e Challenges of a Federal State. German Law pensamento regionais. JouJouJourJou rrrnal,nal, n. 10, 1 out. 2005. (Nota do entrevistado)

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 141414 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 federal e não tanto um estado federal A quase mendicância ao Poder que pressupõe teoricamente graus de Central autonomia financeira das partes Nos impostos, essa concentração constituintes, isto é, o poder de irracional de poderes deixa estados e arrecadar taxas e gastar orçamentos municípios sempre à mingua de próprios”. recursos. Verbas provenientes de impostos ou a eles ligadas, como no Democratização é impossível sem caso das exportações, não são efetiva federalização repassadas às unidades ou não são No meu entender, é impossível chegar repassadas em tempo certo, à democratização da sociedade sem a permanecendo nas mãos dos efetiva federalização do Brasil. Um dia Ministérios Econômicos. Governadores antes da escolha de Aldo Rebelo para a e prefeitos são reduzidos à quase Presidência da Câmara dos Deputados, mendicância do Poder Central. Não assistimos à enésima caminhada de ignoro as dificuldades gigantescas, se prefeitos do País inteiro rumo ao quisermos modificar esta forma de Congresso para reclamar recursos, relacionamento federativo em nosso autonomia, modificações em leis país. Valho-me novamente da jurista eleitorais e de estruturas municipais. Anna Gamper: “A economia política do Naquele dia, como em muitas outras federalismo e o federalismo fiscal ocasiões, os prefeitos foram tratados tornaram-se um dos mais extensos e como estranhos no Parlamento Federal, difíceis campos interdisciplinares da o que gerou um conflito só resolvido pesquisa sobre o federalismo, em que com o emprego da força física pela os conceitos de assimetria, competição segurança da Casa das Leis. Enquanto e cooperação desempenham papel tal situação permanecer assim, a fábrica importante. Também é o campo em das manobras corruptas (nas duas que os níveis inferiores que não pontas, nos municípios e na capital da participam do sistema, como os República) estará em pleno municípios, são admitidos funcionamento. A Controladoria Geral excepcionalmente a entrar na arena da União (CGU) tem feito um bom como “partes terceiras”. As relações trabalho de investigação nos financeiras entre a unidade central e as municípios, levantando a situação das partes mais baixas e as terceiras partes suas finanças, punindo os são de suma importância para o administradores de má fé e ensinando sistema. A estabilidade financeira e a os prefeitos e vereadores que não igualização, bem como a cooperação possuem conhecimentos jurídicos a entre as partes da base são obrigatórias bem empregar recursos para o bem para um efetivo sistema federal. A coletivo. Mas um trabalho assim distribuição das competências não é excelente, exigiria a real federalização completa se não existem regras que das unidades e de todo o político dividem os poderes financeiros entre o brasileiro, que alocaria maiores poder central e as unidades recursos aos municípios, sem a venda constituintes. Se as partes constituintes do apoio ao governo federal na bacia que precisam de recursos para das almas. Coisa da qual estamos ainda financiar suas responsabilidades as muito distantes. recebem sobretudo de subsídios que são a elas alocados pela unidade IHU On-Line - Quais os caminhos central (e devem ser acompanhados para a realização de uma por certas condições que restringem verdadeira democracia social? seu poder de gasto) o arranjo fiscal Roberto Romano – Entre outras parecerá um sistema de estado não- coisas, diminuir a concentração da

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 151515 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 renda, abolir a prática do favor ladrões do erário possuem, naquele (obscena nas eleições), enfraquecer a ordenamento legal, mas ilegítimo, o burocracia cartorial (das escolas à salvo-conduto para delinqüir em paz. Justiça), assegurar amplo ensino Se existem privilégios assim, a técnico, abrir hospitais, delegacias com república desmorona porque some a fé funcionários treinados e bem pagos. pública, a famosa accountability . Esta, Incentivar ao máximo a melhoria do ao contrário do que imaginam os ensino dos primeiros níveis, tarefa mais colunistas econômicos e jovens do que gigantesca. Essas políticas, funcionários dos bancos ou do porém, são caras e lentas, exigem governo, não significa “assegurar a compromisso efetivo com a ordem confiança dos investidores”, mas democrática, princípio ignorado pelos “garantir a confiança dos cidadãos nas que fazem leis por encomenda de autoridades”. Isso, claro, se falarmos em governos renitentes à administração democracia. Contudo, quem, nas bolsas impessoal, apartidária, não-ideológica. e na “economia globalizada”, se preocupa com a democracia? Impor ao Brasil um modelo ético, além de genocídio inclemente, é IHU On-Line - O senhor afirma que a um erro fatal política eticamente correta opera tendo em vista a luta pelo sentido, IHU On-Line - Qual o lugar da ética para bem utilizar o tempo que nos em uma nova proposta de resta como humanidade, povo, democracia na política? indivíduo. Que características compõem essa política? Roberto Romano – A ética não entra como programa. Ela é um processo e Roberto Romano – Os estados e os também um conjunto não homogêneo particulares devem operar seguindo (na verdade, contraditório) de padrões realistas na avaliação do propostas doutrinárias e novas formas potencial que a natureza ainda oferece de comportamento e valores que e prever o tempo restante para o uso permanecem, vindos de antigas formas dos recursos são finitos (petróleo, água sociais. Desejar impor ao Brasil (com etc.). Cabe aos governos e às sociedades muitas culturas e origens nacionais e fazer o cálculo (tremendo) do tempo históricas diversas) um modelo ético, que resta à humanidade, antes da além de genocídio inclemente, é um morte de nosso planeta (caso dos ateus erro político fatal. ou sem fé) ou do nosso retorno ao divino. A política a ser assumida nesse IHU On-Line - Quais as cálculo, se não for democrática, será conseqüências mais nocivas da uma paródia sacrílega do Juízo Final. lógica da indistinção entre o Um grupo de potentados e ricos dinheiro público e privado no decidiria, como deuses, quem deve cair sistema político vigente? primeiro nas vascas da agonia coletiva, quais povos serão tragados pela morte Roberto Romano – A permanente e quais outros sobreviverão, como corrosão da república. Dela advém, por vampiros coletivos, do sangue e das exemplo, a instituição despótica que riquezas roubadas dos coletivos pobres. define a existência de cidadãos Somos caminhantes do Eterno e separados em dois tipos: os que têm recebemos esta casa, a Terra, por foro privilegiado e os que são tempo definido (não sabemos os seus desprovidos daquele privilégio. É limites). Um dia haverá o Apocalipse, desaforo, quando se trata de uma mas a situação da humanidade naquela república. A hipocrisia que acompanha hora tremenda ( Quantus tremor est a sua justificativa não esconde que futurus,/quando judex est

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 161616 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 venturus,/cuncta stricte discussurus! ) a própria polícia) como elemento de será a obra de todos e de cada um dos transmissão de armas para os que se humanos. A política que transforma a levantam contra a lei. O mesmo riqueza natural em dinheiro, governo que arranca verbas da saúde, certamente, será um dos maiores pesos da educação e da segurança, as coloca na balança que oferece apenas o em superávits primários fantásticos e Inferno para os que dela usufruíram. “E assume a diretiva de desarmar a sobre ela choram e lamentam os população sem lhe devolver em mercadores da terra, porque ninguém serviços. Last but not least , não aceito o mais compra as suas mercadorias (…) monopólio absoluto da força física nas de cavalos, e de carros, e de corpos e mãos do Estado, mas apenas o relativo. almas de homens. (…) Os mercadores Os cidadãos, num Estado democrático, destas coisas, que com elas se têm o direito de se armar, inclusive e enriqueceram, estarão de longe, pelo não raro, sobretudo, contra tendências temor do seu tormento, chorando, e e organismos tirânicos dos governos, lamentando, e dizendo: Ai! ai daquela também não raro ligados a interesses grande cidade…” (Apocalipse, 18, 11- de poderosos econômicos, políticos etc. 15). E lançaram pó sobre as suas cabeças, e clamaram, chorando, e O atual referendo não é legítimo lamentando, e dizendo: Ai, ai daquela grande cidade, na qual todos os que Considero que o atual referendo não é tinham naus no mar se enriqueceram legítimo. Uma longa discussão com o em razão da sua opulência, porque em povo soberano (com o desarmamento, uma hora foi assolada. ele perde ainda mais dessa prerrogativa) e o plebiscito seriam o O mesmo governo que arranca veverrrrbasbas da modo justo de encaminhar essa decisão segurança assume a diretiva de desarmar a política e jurídica. A propaganda do população governo, que chega à calúnia ao insinuar má fé dos que defendem o IHU On-Line - Qual sua postura direito natural e constitucional do sobre o tema do desarmamento, da porte de armas pelos cidadãos, é um violência e de uma cultura de paz? ato de força e de açambarcamento de Roberto Romano – Fui dominicano poderes. Sofismas são empregados para por um bom tempo e tenho Tomás de eludir questões de princípio (por Aquino como guia ético. A resposta à exemplo, dizer que os particulares não pergunta, apresento-a com a noção de possuem o mesmo adestramento dos autodefesa encontrável na Suma que optam por agir contra a lei). Teológica (IIa IIae, q.64, a.7). Entendo Questões técnicas não podem substituir aquela doutrina, com outros analistas, princípios. O Estado que proíbe a como o direito da pessoa defender a si defesa dos cidadãos contra atos mesma (e aos seus) mesmo com o risco ilegítimos das autoridades e contra os de morte própria e do agressor. É que zombam da lei, é tirânico. Esta possível debater esses pontos minha posição vai contra o doutrinários e de hermenêutica, mas pensamento imperante. Julgo antiético, não julgo ético, nem democrático, nem porém, calar a divergência para ser justo, definir como inquestionável, bem acolhido entre os que aceitam as como um dogma, o desarmamento dos teses mais em voga. Em se tratando de particulares. Numa sociedade não- paz, sigo Vegécio 9: Si vis pacem, para democrática, os ricos e remediados bellum (“Se queres a paz prepara-te continuarão armados, com os “serviços de segurança”, verdadeiros exércitos 9 Vegécio (fim do séc. IV - m. início do séc. V): privados que servem (como ocorre com escritor latino, autor de um Tratado de arte militar . (Nota da IHU OnOn----LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 171717 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 para a guerra”). O Estado tem o direito entrevista 10 concedida à nossa de controlar, vigiar, administrar a revista, durante uma visita à distribuição de armas aos particulares. Unisinos, que caso Lula fosse Ele tem o direito de punir os erros ou eleito, havia a possibilidade de um crimes cometidos com o porte de golpe de Estado por parte das armas, mas desarmar o cidadão é elites. Como o senhor reavalia essa tirania. Lembrem-se os que aceitam os postura com base na trajetória do argumentos e as propagandas governo até então? governamentais o levante dos judeus Roberto Romano – Os mais que em Varsóvia, símbolo de resistência à possíveis golpistas não precisaram tirania até 16/05/1943. Existem Estados tomar medidas extremas porque o bandidos, como o nazista, e não ter governo Lula, numa traição costumeira armas contra ele é suicídio. E nenhum entre demagogos, assumiu a política Estado está isento de se transformar em adequada ao capital financeiro. Assim, bandido ou de abrigar entre seus ele mesmo deu o golpe que, aplicado funcionários bandidos que usam a pelas famosas elites, seria um desgaste força física e a força oficial para matar para elas. O governo Lula assumiu a diretamente (ou por via interposta) tarefa de realizar o que os franceses cidadãos pacíficos. Aos que se chamam sale boulot. Quem desejar, entregam totalmente ao Estado para traduza a expressão, saborosa como só “conseguir a paz” recomenda-se a os franceses conseguem fazer, do modo Cidade de Deus: "Os reinos não seriam que julgue mais delicado. apenas grandes quadrilhas de bandidos? E o que é uma quadrilha senão um pequeno reino? Pois ela é uma reunião de homens onde um chefe comanda, onde um pacto é reconhecido, onde certas convenções regulam a divisão do botim etc., etc. …”.

IHU On-Line - Que relações podem ser estabelecidas entre exclusão e violência? O referendo pode ser uma forma de estimular a cultura da democracia participativa? Roberto Romano – O próximo referendo, no Brasil, não estimula nenhuma democracia participativa, visto que reduz o cidadão a dizer sim ou não a uma lei já aprovada, sem debates pacientes e sérios. O mutismo e propaganda — quando os dirigentes não ouvem ninguém e não seguem a regra de escutar argumentos in utramque partem , antes de decretar leis — só conduzem às tiranias.

IHU On-Line - Antes da eleição de Lula, o senhor afirmou em uma 10 Refere-se à entrevista concedida por Romano à IHU OnOn----LineLine nº 39, de 21 de outubro de 2002. (Nota da IHU OnOn----LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 181818 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 A ausência de garantias democráticas gera corrupção e pobreza Entrevista com Francisco Colom

Francisco Colom González é doutor em Filosofia pela Universidad Complutense e diplomado em Ciência Política pelo Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, de Madri. Foi professor titular de Sociologia na Universidad Pública de Navarra e presidente da Asociación Iberoamericana de Filosofía Política e da Asociación Española de Estudios Canadienses. Seus primeiros trabalhos abordaram a teoria política da Escola de Frankfurt. Desenvolveu diversas linhas de pesquisa sobre os significados políticos da modernidade: as gêneses culturais de identidades coletivas, a gestão política da etnicidade, as dimensões simbólicas e normativas do nacionalismo etc. Atualmente, é pesquisador titular do Consejo Superior de Investigaciones Científicas, de Madri. Coordena um projeto de pesquisa sobre as relações entre nacionalismo e catolicismo político e prepara um livro sobre os recursos culturais da imaginação nacional. É autor, entre outros, de Las caras del Leviatán. Una lectura política de la Teoría Crítica. Barcelona, Anthropos, 1992; Razones de identidad: pluralismo cultural e integración política . Barcelona, Anthropos, 1998; e El fuste torcido de la Hispanidad. Ensayos sobre la imaginación política iberoamericanaiberoamericana. Medellín (Colômbia): Universidad Pontificia Bolivariana- Concejo de Medellín, 2003. É também organizador de várias obras, entre as quais citamos : El espejo, el mosaico y el crisol. ModeloModeloss políticos para el multiculturalismo . Barcelona, Anthropos, 2001. Francisco Colom estará no IX Simpósio Internacional da Associação Ibero-Americana de Filosofia Política e no VIII Colóquio de Filosofia Unisinos, que começará na próxima quarta-feira e se estenderá até dia 21 de outubro. Ele será o coordenador do painel de mesas temáticas do dia 20 de outubro. A entrevista a seguir foi concedida por e-mail.

IHU On-Line – Como o senhor vê o chegando aos imigrantes. Mas, além da déficit de democracia na medida em participação no processo político, é que a representatividade exclui a também muito importante o conjunto de participação da sociedade? direitos que protege e garante Francisco Colom – Um dos critérios juridicamente a qualidade da vida para medir a eficiência dos sistemas democrática. A dimensão social é democráticos é o nível de exclusão que fundamental: não haverá uma eles mantêm. A democracia democracia estável, se ela não se contemporânea é fruto de um processo sustentar sobre um contrato social justo. histórico de inclusão que começou com A desigualdade social foi utilizada com os homens assalariados e brancos, freqüência para deslegitimar a continuou com as mulheres e as democracia, qualificando-a de minorias étnicas e atualmente está meramente “formal”, mas a verdade é que, sem os mecanismos de controle

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 191919 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 democrático, a produção e a distribuição reivindicação do populismo, nem a da riqueza não respondem às democracia plebicitária (algo que sempre necessidades das pessoas e podem gerar encantou aos tiranos), mas a abertura de inclusive maior pobreza. Regimes espaços de comunicação política, para totalitários, como o da Coréia do Norte, que as pessoas intervenham e assessorem autoritários, como o de Zimbabwe ou na formulação de decisões, com outro “cleptocracias”, como as que ocorreram tipo de iniciativas e organizações sociais. em alguns países latino-americanos e De fato, isso já ocorre em muitos países, africanos, são exemplos de que a com movimentos sociais, iniciativas ausência de garantias democráticas gera cidadãs, referendos, organizações não- corrupção e pobreza. governamentais etc. O Brasil, com suas experiências de orçamento participativo, IHU On-Line – O que caracteriza a oferece um exemplo interessante. crise dos modelos partidários? Qual deveria ser o papel dos partidos em IHU On-Line – O Estado está uma verdadeira democracia política? desaparecendo no modelo neoliberal Quais os modelos alternativos de de desenvolvimento? participação e ação da sociedade civil democrática poderiam ser citados? Francisco Colom – O chamado neoliberalismo, tal como ele se deu a Francisco Colom – A democracia conhecer internacionalmente, propõe as representativa parece o único sistema mesmas receitas para sociedades muito operativo em nossas sociedades de diferentes. Por isso, no meu ponto de massas. O problema, no entanto, não é só vista, ele constitui mais uma ideologia do técnico e de tamanho (alguns autores que uma doutrina econômica. Na Europa falam em “ciberdemocracia”), mas tem a ocidental, as receitas neoliberais se ver com as estruturas de formação da dirigiram, sobretudo, a “emagrecer” o vontade coletiva em nossas sociedades. estado de bem-estar construído no pós- Os partidos políticos são uma invenção guerra e a diminuir os ônus fiscais sobre relativamente nova: não existiam na o capital e suas transações internacionais. Grécia clássica, nem na França O resultado de tudo isso foi limitar as revolucionária, nem nos primeiros prestações públicas que até então o regimes constitucionais. Depois da Estado realizava como parte integrante última guerra mundial, consolidaram-se dos direitos dos cidadãos. Contudo, é como o instrumento político por verdade que o Estado de bem-estar excelência nos regimes representativos, europeu é cada vez mais difícil de ser mas desde os anos 1960, foram perdendo mantido, sobretudo no contexto de uma legitimidade como mediadores: são economia globalizada, e também porque acusados de desenvolver dinâmicas há uma resistência social considerável próprias e interesses específicos em por parte do eleitorado de renunciar a detrimento dos interesses da cidadania. ele. A Alemanha constitui o exemplo Há a tentação de atirar para fora todo mais palpável disso. O Estado de bem- este sistema de intermediação política, estar constitui uma parte essencial do apelando abstratamente à “participação”, European way of life e não é fácil que ele mas temos que levar em conta que a desapareça por completo, considerando democracia moderna é um processo os ataques políticos e ideológicos contra social complexo, no qual intervêm ele. A previdência, o sistema de pensões múltiplos atores e variáveis. Às vezes, o e a educação pública constituem o problema é que a participação se torna núcleo duro desse sistema e, ainda que tediosa e não queremos participar, se reduza ou o complemente com porque consideramos que há coisas mais iniciativas privadas, não é previsível que interessantes do que a política. Na minha se transforme completamente para o opinião, a alternativa não é a modelo norte-americano. Na América

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 202020 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 Latina, a situação é muito diferente. A não se produziu um isolamento total aplicação de experiências neoliberais em entre a reflexão acadêmica e a ação massa nos anos 1980 sucede ao fracasso política. Não se trata, evidentemente, de das políticas protecionistas de pensar que as discussões acadêmicas de substituição de exportações aplicadas nas alguns professores universitários vão décadas anteriores. A ineficiência mudar o mundo, como se atreveu a econômica destas últimas se viu, assim, imaginar a geração anterior à minha, substituída pelo modelo chamado mas sim, que, na esfera pública em “neoliberal”, que nem sempre deu os nossos países, ainda ecoam as idéias e resultados esperados e cujos custos discussões que nascem do mundo sociais foram tremendos. Por isso, num acadêmico. O modelo de “intelectual” continente que tem os índices de como Sartre 11 ou Zola 12 não existe mais, desigualdade mais elevados do mundo, a mas muitos acadêmicos ocuparam renúncia ao papel distribuidor do Estado posições políticas, e muitos políticos é chamada a incrementar a instabilidade procuraram assessoramento ou social e política. Mas o Estado não pode legitimação entre os intelectuais. Essas desaparecer, nem na Europa nem na duas questões contrastam, por exemplo, América, já que é obrigado a com o que acontece nos Estados Unidos, desempenhar uma tarefa insubstituível, onde a política está absolutamente como já diziam os teóricos do contrato desvinculada do âmbito intelectual e social no século XVII: a da segurança acadêmico. Nos campi norte-americanos, coletiva. A privatização da segurança pelo contrário, encontramos uma intensa num mundo como o nosso, configurado politização cultural (pense-se, por pelo fim da Guerra Fria, se manifestou exemplo, no fenômeno da correção como um rotundo fracasso. Por tudo “política”), mas se é incapaz de dar o isso, não assistimos a um progressivo salto e vincular-se com a esfera pública. desaparecimento do Estado, mas a uma Assim, o debate político desenvolvido no redefinição de suas funções e prioridades âmbito acadêmico se converte em para âmbitos que não necessariamente Ersatzpolitik (política de reposição), respondem às necessidades de bem-estar numa transferência do debate político e desenvolvimento de seus cidadãos. para a sociedade. Talvez eu seja um tanto Trata-se de uma tendência muito otimista, mas creio que a situação não é preocupante. igual nos países ibero-americanos.

IHU On-Line – O senhor já foi presidente da Asociação Ibero- 11 JeanJean----PPPPaulaul Sartre (1905-1980): filósofo existencialista francês. Escreveu obras teóricas, romances, peças Americana de Filosofía Política. Como teatrais e contos. Seu primeiro romance foi A essa instituição tem contribuído para Náusea (1938) e seu principal trabalho filosófico é pensar as questões da política O Ser e o Nada (1943). Sartre define o mundial desde sua fundação? existencialismo, em seu ensaio O existencialismo é um humanismo , como a doutrina na qual, para o Francisco Colom – A Associação Ibero- homem, "a existência precede a essência". Na Americana de Filosofia Política (AIFP) é Crítica da razão dialética (1964), Sartre apresenta apenas uma modesta contribuição à suas teorias políticas e sociológicas. Aplicou suas teorias psicanalíticas nas biografias Baudelaire criação de um âmbito ibero-americano (1947) e São Genet (1953). As palavras (1963) é a de reflexão e debate político. Não é, nem primeira parte de sua autobiografia.. Em 1964, foi pretende ser, a única iniciativa. Ademais, escolhido para o prêmio Nobel de literatura, que a AIFP se desenvolveu funda- recusou. 12 mentalmente na academia. Contudo, há Émile Zola (1840-1902): escritor francês. Criou o movimento literário chamado Naturalismo, segundo duas circunstâncias que eu valorizo oqual se aplicava à descrição dos fatos humanos e especialmente na hora de avaliar as sociais o rigor científico. Além de romancista foi funções de uma associação como a também jornalista. Escreveu O ventre de Paris nossa. Por um lado, em nossos países, (1873); A taberna (1877); Naná (1880); Germinal (1885) é provavelmente o melhor romance de Zola.

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destaques da semana

análise de conjuntura pg. 232323 livro da semana pg. 313131 entrevistaentrevistassss da semana pg. 333333 deu nos jornais pg. 383838 frases da semana pg. 440000

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Análise de Conjuntura

Ruptura ou capitulação Por Ricardo Carneiro

O economista Ricardo Carneiro, da Unicamp, abre o debate com o cientista político Juarez Guimarães, para quem “o governo Lula está imprimindo dinâmicas globalmente diferentes do período neoliberal”. Guimarães fez esta afirmação no artigo intitulado O realismo da crítica e a invenção do futuro , publicado pela Agência Carta Maior , no dia 5 de outubro de 2005. Segundo Carneiro, a atual gestão "situa-se no plano da capitulação". Ricardo Carneiro é professor do Instituto de Economia e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp e participou do grupo de economistas do PT. O artigo a seguir foi publicado no site da Agência Carta Maior , de 12 de outubro de 2005. Os subtítulos são nossos.

Um dos aspectos dramáticos da história integral com o sistema vigente. Dessa da esquerda brasileira tem sido a sua perspectiva cabe discutir o artigo oscilação entre dois pólos da ação recente de Juarez Guimarães, intitulado política: a ruptura ou a capitulação. Isso O realismo da crítica e a invenção do tem ocorrido sobretudo na economia, futuro, publicado pela Carta Maior em um campo da ação política de inegável 5/10/2005. Sua tese central é centralidade nas sociedades inequívoca: o governo Lula foi capaz de contemporâneas, pois, no seu entorno, superar essa polaridade ao construir no se cristalizam interesses cruciais exercício do poder, um novo caminho, expressos na natureza das políticas com falhas e equívocos, porém, uma econômicas. Nesse assunto, aqui como superação. Nas palavras do autor: alhures, a esquerda tem ignorado ‘’Enfim, um balanço da atual gestão do reiteradamente o desafio da esfinge: governo Lula na economia evidenciaria “Decifra-me ou te devoro”, e tem sido, que ela, em sua resultante, está invariavelmente, devorada. Dessa imprimindo dinâmicas globalmente perspectiva é fundamental realizar uma diferentes do período neoliberal...” avaliação crítica da trajetória do O texto inicia com uma tese ambígua governo Lula. Em que medida vem se ao afirmar: “O debate econômico constituindo numa experiência nova recente no Brasil tem se polarizado capaz de superar, na prática, os termos entre, de um lado, a apologia dessa polaridade? conservadora do que é e, de outro, É preciso louvar qualquer iniciativa que frágeis construções analítico-normativas venha alimentar o debate sobre essa das alternativas ao que existe”. A verdadeira síndrome bipolar da primeira pergunta a fazer é a quem o esquerda brasileira, sobretudo aquelas autor está se referindo? Ou, por que faz, contribuições que recusem o na prática, coro com os que diagnóstico fácil de que a política desqualificam as alternativas? Pode-se econômica que aí está é única possível, admitir que não há hoje, nem no Brasil, ou as pregações revolucionaristas para nem em outros países, uma alternativa as quais o único caminho é a ruptura integral, nos moldes do socialismo, ao

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 232323 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 regime econômico vigente, a disfarçar a opção pelas políticas globalização. Mas é possível encontrar, conservadoras. Afinal, se as políticas além de políticas práticas, testadas e em alternativas eram débeis, por que o execução em outros países, críticas governo Lula, em tese comprometido sistemáticas e sugestões de políticas com os seus princípios, não promoveu alternativas ao que aí está. Convém no aparelho de Estado pelo menos uma enfatizar que a disputa não ocorre discussão sobre as mesmas? Ou ainda apenas no campo ideológico, pois as por que, por meio do grupo dirigente formas de inserção dos países do PT, interditou o debate sobre a periféricos na economia globalizada, política econômica no âmbito fundadas em políticas alternativas, partidário? O que se viu foi a foram bastante distintas, como se desqualificação sistemática das idéias e constata mediante a comparação entre políticas alternativas por parte de a América Latina e a Ásia em próceres do governo mediante recurso desenvolvimento. Essas experiências ao discurso conservador e o reforço, nas alternativas são hoje objeto de intenso esferas do Estado, dos quadros técnicos debate, inclusive na imprensa mais identificados com o pensamento conservadora, pelo confronto: Consenso liberal. de Washington versus Consenso de Pequim. O autor, contudo, prefere atribuir o reforço das políticas conservadoras aos Melhoria da economia brasileira equívocos teóricos da esquerda nos veio do excepcional cenário seus vários matizes. Estas, ao recusarem internacional. Outros países as políticas de corte liberal, foram cresceram mais incapazes de perceber que essas políticas poderiam, ao contrário do que Se no caso brasileiro, as críticas e apregoavam, produzir o sucesso, e não alternativas, mesmo as moderadas e o fracasso. Ao invés das crises, reformistas não viraram políticas observou-se uma redução da concretas, não parece correto buscar as vulnerabilidade externa, o afastamento razões na debilidade do pensamento da crise cambial e por aí vai. No afã de crítico no plano das idéias, mas na criticar os críticos das políticas, esfera do poder, em particular, nas esquece-se de perguntar sobre a práticas do governo Lula e na sua profundidade dessa melhoria, sua opção por determinado caminho. sustentabilidade e, o mais importante, Deixando de lado as alternativas suas relações com as ações postas em revolucionaristas, caberia perguntar prática. como o governo Lula tratou a tradição do pensamento desenvolvimentista É possível demonstrar que a melhoria brasileiro, aliás, boa parte dela da economia brasileira veio sobretudo incorporada a documentos políticos do excepcional cenário internacional. importantes do PT, como Outro Brasil é Países que praticaram políticas distintas Possível e o Programa de Governo e até mesmo contrárias à do Brasil 2002 ? como a Argentina tiveram desempenho superior ao nosso. Aliás, não se pode Custa crer que essas idéias sintetizadas deixar de anotar que a nossa numa proposta de um desenvolvimento performance foi sofrível quando mais autônomo e distributivo possam comparada com os demais países ser tratadas como radicais. Afirmar que periféricos. Numa lista dos quinze eram insuficientes ou apenas idéias maiores, ocupamos a 13ª posição gerais não resolvem o problema. quanto ao crescimento econômico entre Constitui apenas uma desculpa para 2003 e 2005. Todos receberam o

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 242424 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 mesmo impulso, mas o crescimento foi com o passar do tempo, a China bem distinto. Ora, a que atribuir isso constitui um fator liquidamente senão à política econômica local? positivo para nossas exportações? Outro aspecto a ser questionado é sobre Vários estudos atestam que ela está se a perenidade da mudança. O autor tornando uma importante concorrente aponta fatores estruturais a ela nas commodities industriais exportadas subjacente; no plano externo, o peso da por nós para os mercados centrais; o China e da “nova divisão do trabalho”, aço é um bom exemplo. Por sua vez, até puxando para cima os preços das que ponto o quadro internacional commodities e, no plano interno, “o favorável não está inflado por um amadurecimento das cadeias produtivas ambiente especulativo que deve exportadoras”. Ora, a ser isso verdade, reverter-se, tirando parte dos estímulos como se trata de fatores estruturais, ao comércio e aos fluxos de capitais cujo tempo de maturação é longo, não para a periferia? deveria haver nenhuma relação com as O azar e a sorte fazem parte da vida, e o políticas econômicas postas em práticas governo Lula teve muita sorte. Desde o no governo Lula. Nesse último aspecto, seu início, e durante seu desenrolar, o o autor propõe uma tese equivocada ao cenário internacional foi excepcional. elogiar a política cambial: “A Tão bom como não se via desde os desvalorização do real em 2003 deu sua trinta anos do pós-Segunda Guerra. Da contribuição e a manutenção de um perspectiva da avaliação crítica do patamar cambial muito diverso do desempenho das políticas do governo primeiro mandato de FHC, apesar do Lula, a pergunta a fazer não se artificial e preocupante surto recente de confunde com aquela do calendário valorização do real, cria um cenário eleitoral e que tem a reeleição como ainda positivo para o surto exportador.” horizonte. O sentido da questão é mais profundo: e se o ciclo internacional O governo Lula teve muita sorte durar o suficiente para que o presidente tenha o seu segundo mandato, o que se

pode esperar do futuro? O governo Lula O ponto central é que o real se de fato aproveitou a conjuntura apreciou desde o início do governo internacional favorável para Lula, a bem da verdade desde o último impulsionar mudanças estruturais na trimestre de 2002, e se dependesse da economia brasileira? taxa de câmbio, e não do cenário

externo, o desempenho das exportações teria sido acanhado. Voltemos, porém, à A valorização do real é um erro questão da sustentabilidade. Podemos estratégico. Padrão liberal que contar de fato com a sustentação dos favorece os detentores de riqueza preços das commodities ou estamos financeira mais uma vez diante de ciclos de preços, identificados por Prebisch 13 , no Olhada da ótica da inserção externa e seu clássico sobre a economia da da política cambial lato senso, a América Latina, e que, na sua reversão, resposta é não. A valorização do real ao terminarão por levar à deterioração de longo de todo o governo Lula se nossos termos de troca como já comprovará como um erro estratégico observado no passado? Até que ponto, que cobrará seu preço em termos de competitividade das exportações 13 Raul Prebisch (1901-1986): considerado um dos industriais e da capacidade de atração maiores intelectuais latino-americanos da segunda de investimentos estrangeiros em metade do século XX. Foi um dos fundadores, ao setores intensivos em tecnologia. A lado de , da escola estruturalista da Comissão Econômica para a América Latina e o maior abertura financeira aprovada no Caribe (CEPAL). (Nota da IHU OnOn----LineLine ) Conselho Monetário Nacional também

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 252525 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 constituirá um elemento de fragilização Da ótica do longo prazo, há dados na frente externa ante a provável positivos, como a redução da dívida reversão dos fluxos de capitais. O ponto externa e o novo patamar das essencial a assinalar aqui é que a exportações, mas em razão da ausência política de crescente liberalização dos de políticas domésticas a continuidade fluxos de capitais – iniciada no governo dessa melhoria dependerá sobretudo do Collor, intensificada nos governos FHC cenário internacional. Uma reversão e ampliada no governo Lula – e de desse cenário pode implicar, para além flutuação exacerbada da taxa de de um ataque especulativo, a câmbio, acompanhada de sua forte deterioração dos indicadores de longo valorização recente, não contribui para prazo, em particular uma queda do uma inserção de melhor qualidade na crescimento das exportações. Em economia globalizada. A afirmação resumo, os avanços foram associados a anterior não se baseia em teorias, mas variáveis sobre as quais não possuímos nas experiências exitosas de controle algum. E se elas mudarem? desenvolvimento que indicam uma presença decisiva do gerenciamento Governo Lula: coexistência de uma dos fluxos de capitais e da taxa de política macroeconômica câmbio. O governo Lula todavia optou, conservadora com uma política nesse campo, por um padrão progressista. A última sai perdendo excessivamente liberal que interessa

prioritariamente aos detentores de Na seqüência do texto, o autor riqueza financeira e aos investidores de aprofunda a sua crítica aos críticos da curto prazo. política econômica e enuncia tese

principal: “Há uma segunda explicação Afinal, descontada a contribuição da para os erros de prognóstico dos conjuntura internacional, esse perfil de críticos da política econômica. política econômica liberal, adotado pelo Refletindo a ancoragem teórica destas governo Lula na área cambial, não seria críticas, centradas nas teorias exatamente o mais correto, não só por keynesianas, neokeynesianas e pós- ter produzido a melhoria dos keynesianas, que incidem de modo indicadores apontada por Juarez central sobre o comportamento da Guimarães, como, sobretudo, por ser autoridade monetária, subestimaram-se um antídoto eficaz contra novas crises? as mudanças estruturais importantes A resposta é novamente não, mas introduzidas pelo governo Lula em uma merece qualificações. No que tange ao série de agentes estatais de peso”. A tese curto prazo, as possibilidades de uma é, portanto, inequívoca: o governo Lula crise cambial motivada por um ataque não quis ou não pôde realizar especulativo contra o real são iguais ou mudanças substantivas na política maiores do que no passado. A macroeconômica, mas o fez exatamente combinação da ampliação da liquidez onde se faziam necessárias e eram internacional com um ambiente cruciais, no plano estrutural. Subjacente doméstico mais liberalizado e altas à tese está também a idéia de taxas de juros implicou a entrada de hierarquia das políticas econômicas, volumes significativos de capital vale dizer a gestão macroeconômica especulativo no país sob variadas seria inferior aquelas atinentes à formas, algumas das quais virtuais, reorientação dos agentes estatais. como é o caso dos derivativos, estes

últimos uma verdadeira bomba de A primeira objeção às opiniões de nêutrons para as contas cambiais. Juarez Guimarães pode ser formulada

no campo da política. Se é verdade que as políticas econômicas são

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 262626 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 hierarquizadas, as estruturais possuindo mitigado, excluindo a política maior importância do que as monetária, a cambial, a fiscal. Essas macroeconômicas, pode-se concluir políticas deveriam funcionar por regras que o governo Lula optou por um ou operadas por instituições com total maior enfrentamento com os interesses independência dos governos, dominantes, vale dizer, buscou uma constituindo um verdadeiro “Estado de mudança nas políticas que envolvem exceção”, na definição do filósofo uma maior disputa de interesses, político Giorgio Agamben 14 . deixando de lado aquelas como menor nível de conflito. Outra idéia discutível Obviamente não se pode ser ingênuo e é a da hierarquia e preeminência do acreditar que há razões técnicas a que o autor chama de políticas embasar essas propostas conservadoras. estruturais. Sua rationale repousa na capacidade dos preços macroeconômicos, em Seria mais correto classificar a particular da taxa de juros, em definir a orientação das políticas por sua trajetória da economia e alterar a combinação particular. Assim, por distribuição da renda e da riqueza. O exemplo, a articulação de políticas ponto essencial nesse caso é que tanto macroeconômicas e estruturais Marx quanto Keynes estariam de conservadoras, como no caso da era acordo sobre a essencialidade da taxa FHC, produzem uma política de juros e, mais do que isso, sobre o econômica de corte conservador. No caráter político da determinação do seu pólo oposto teríamos as políticas valor, ao sabor da correlação de forças progressistas em ambas as dimensões. entre os detentores de riqueza No caso do governo Lula, verifica-se a financeira e os demais agentes coexistência de uma política econômicos, mediadas pelo poder macroeconômica conservadora com estatal. O essencial a reter é que uma política estrutural com elementos patamares distintos de taxa de juros progressistas, embora de intensidade e definem ritmos também distintos de alcance limitados. Ora, nessa crescimento da produção e direitos combinação o que termina por diferenciados de apropriação sobre a acontecer é que o caráter progressista riqueza criada. dessa última perde densidade, terminando por transformá-la em Não há indicações que a política compensatória, cujo papel é distribuição de renda tenha atenuar os efeitos negativos da primeira. melhorado. Pelo contrário.

A ninguém é dado desconhecer a centralidade da política 14 Giorgio Agamben nasceu em Roma, em 1942. É professor da Facoltà di Design e arti della IUAV macroeconômica, sobretudo a da (Veneza), onde ensina Estética, e do Collège fixação dos juros numa economia International de Philosophie, de Paris. Formado capitalista. Aliás, os donos do poder em Direito, foi professor da Università di sabem bem da sua importância. Tanto é Macerata, Università di Verona e da New York University, cargo ao qual renunciou em protesto à assim que têm feito um esforço política do governo norte-americano. Sua excepcional para excluir a gestão da produção centra-se nas relações entre filosofia, política monetária do campo da política literatura, poesia e fundamentalmente, política. republicana. A tese do banco central Entre suas principais obras estão Homo Sacer independente nada mais objetiva do (Einaudi, 1993/ Homo sacersacer---- O poder soberano e a vida nua -UFMG ), Que lê resta di AuschwitzAuschwitz, que excluir a gestão da moeda das (Bollati Boringhieri, 1998) e Stato di Eccezione injunções do poder político. Assim, (Bollati Boringhieri, 2003). A matéria de capa do desse ponto de vista, o ideal seria que IHU OnOn----LineLine 81ª edição, de 27 de outubro de no voto popular se disputasse o poder 2003, é dedicada à Giorgio Agamben. (Nota do IHU OnOn----LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 272727 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 150 bilhões, valor superior à soma de Um exemplo pode elucidar a vários orçamentos sociais, inclusive ao proposição acima. No Brasil, a maior deles, o da Previdência. Esses manutenção de taxas de juros reais dados por si sós constituiriam uma sistematicamente superiores a 11% ao desqualificação adicional da tese da ano, no último decênio, diminuiu o superação parcial do rentismo. Aliás, potencial de crescimento do país ao diante da contínua ampliação do favorecer a aplicação financeira em superávit primário no governo Lula, a desfavor da produção. O resultado tem proposição soa uma tanto esquisita. sido um menor crescimento da renda e sua repartição crescentemente desigual Superávit primário é o “cobertor em favor dos rentistas e em detrimento curto” do setor público brasileiro de lucros e salários. Esse é o verdadeiro Uma outra afirmação do autor a ser núcleo duro do problema distributivo, considerada é a de que a política denominado pelos economistas de econômica do governo Lula marca uma distribuição funcional da renda. Não há mudança na operação de agentes indicações de que essa distribuição estatais de peso. Um primeiro ponto a tenha melhorado no governo Lula. Ao destacar é a percepção de que de fato a contrário, a prática de taxas de juros gestão de certas entidades públicas extravagantes por um Banco Central mudou. Mas é preciso não a ultraconservador sugere a sua superestimar, nem perder de vista que deterioração. À luz desses dados, a as mudanças ocorreram na forma de afirmação de Juarez Guimarães, para operação de instituições já existentes, quem a financeirização da economia muitas delas oriundas do período foi, no governo Lula, parcialmente desenvolvimentista. Isso quer dizer que, superada, mostra-se infundada. se houve nesse campo mudanças operacionais, elas não configuram um Na manutenção do rentismo na padrão essencialmente distinto economia brasileira, um dado definitivo fundado, por exemplo, na criação de é o do orçamento público. Ao longo do novos agentes, ou numa forma diferente governo Lula, a conta de serviço da de articulação entre Estado e mercado. dívida tem se mantido em torno de 9% do PIB, valor equivalente àquele A política financeira, por exemplo, tem observado no segundo mandato de aspectos positivos e negativos. A FHC. Os superávits primários preservação do crédito dirigido, uma canalizados diretamente para herança do período desenvolvimentista, pagamento dos juros têm se ampliado constitui um aspecto positivo da continuadamente, devendo alcançar política econômica. A reorientação da esse ano valor próximo a 5% do PIB, gestão das instituições públicas como algo como 15% dos gastos públicos BNDES, CEF, BB, Basa e BNB, no totais. Esta é uma das vias pela qual se sentido de seu maior comprometimento processa a concentração funcional da com as operações de crédito, ante as renda, aludida acima, impedindo na operações de tesouraria, é fato inegável. prática que se obtenha com o gasto Mesmo, porém, nesse campo é possível público uma desconcentração da renda apontar limitações, como a preservação pessoal. Como assegurar uma política das restrições a empréstimos a entes de inclusão social por meio da públicos – empresas, prefeituras, e ampliação da oferta de bens públicos – governos estaduais – oriundas de saúde, educação, moradia, saneamento, determinações do Conselho Monetário transporte coletivo – intensivas em Nacional originárias do período FHC, e recursos fiscais, quando se transfere que excedem, pelo seu rigor, as anualmente aos rentistas algo como R$ determinações da regulação prudencial

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 282828 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 emanadas do acordo de Basiléia. Outro fator limitante é a redução do potencial Um aspecto adicional na reorientação de empréstimo dos bancos públicos, dos entes estatais, ressaltada por Juarez pelo confisco de parcela de seus lucros Guimarães, refere-se à ampliação da para compor o superávit primário. infra-estrutura econômica. Novamente aqui os dados são contraditórios. É Nas relações com o sistema financeiro visível a ampliação dos investimentos privado, percebe-se o pouco avanço e, das empresas estatais na área de energia por que não dizer, a capitulação do (petróleo e energia elétrica), mas que governo Lula. Um indicador importante não é acompanhado nos demais dessas relações é o comportamento da segmentos. A nota negativa nesse caso margem de lucro dos bancos, o spread refere-se ao desempenho medíocre dos bancário. A preservação de spreads investimentos públicos com origem no elevados constitui uma das vias pelas orçamento fiscal. Seus valores em 2003 quais a distribuição funcional da renda e 2004, de R$ 8 bilhões e R$ 11 bilhões, aludida acima se deteriora, pois implica correspondentes a respectivamente transferência da renda dos assalariados 0,4% e 0,6% do PIB, são os mais baixos e do lucro empresarial para os bancos. da história recente do país, menores A manutenção da margem média de inclusive do que aqueles do segundo lucro dos bancos ( spread ) se deu apesar mandato FHC, durante o qual já foram de todas as concessões do governo ao bem reduzidos. A execução setor bancário, incluindo uma nova Lei orçamentária do ano em curso não de Falências. A despeito da proteção autoriza pensar em retomada ante a ampliada, os bancos relutaram em meta ampliada de superávit primário. reduzir suas margens, exceto em algumas linhas como a do crédito Pensar em crescimento sustentado consignado na qual a legislação posta diante de patamar tão baixo de em prática pelo governo criou uma investimentos públicos soa como espécie de capitalismo sem risco. miragem. Contrariando as opiniões de Guimarães, as determinações A pergunta quanto ao crédito macroeconômicas aparecem aqui como consignado é se terá valido a pena cruciais. No plano dos gastos públicos, tantas concessões aos bancos para, pelos elevados e crescentes superávits afinal, beneficiar os cidadãos primários. E convém não subestimar a necessitados de crédito. Olhada pelo inteligência conservadora, pois o custo dessas linhas, em média 40% ao sistema de contabilização dos gastos ano, taxas de fazer corar agiota de país públicos adota o princípio de vasos civilizado, a resposta é não. Mas alguns comunicantes, logo excesso de gastos argüirão que as demais linhas custam o numa área há de ser compensado por dobro, ou mais do que o dobro… Trata- cortes em outras. Assim, o superávit se portanto de escolher entre o ruim e o primário, filho dileto da política de péssimo. Ao questionamento anterior juros altos, constitui o cobertor curto do pode se agregar outro, relativo à setor público brasileiro. dimensão do crédito consignado. Embora tenha crescido rapidamente a A irrelevância do Bolsa-Família partir da sua implantação pelos bancos, esse tipo de crédito representa cerca de No exame das políticas sociais do 10% do estoque de financiamentos governo Lula, o entusiasmo do autor concedidos às pessoas físicas. O leva-o a afirmar: “Nunca houve, na crescimento, por sua vez, tende a história brasileira, um tal leque arrefecer consoante as estratégias de convergente de políticas de inclusão diversificação de carteira dos bancos.

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 292929 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 social, tendo como carro chefe o Bolsa- política social. Essa mesma concepção Família, mas permanece o desafio questiona políticas como a educação histórico de promover a padrões de superior gratuita, o seguro-desemprego cidadania estável uma população de etc. Ora, se de fato há um elemento cinqüenta milhões de brasileiros”. Uma humanitário a sustentar a defesa desse primeira distinção a ser estabelecida diz programa, não se pode confundi-lo com respeito à diferença entre políticas de os programas necessários para ampliar Estado e políticas de governo. A a oferta de bens públicos gratuitos, distinção não é irrelevante pois a como educação, saúde, habitação, parcela mais expressiva da política saneamento e transporte coletivo, pois social constitui política de Estado e está esses são capazes de reduzir, em bases inscrita na Constituição. Desse ponto de permanentes, a desigualdade social. vista, não pode ser atribuída ao governo Lula. Logo, a política social cuja Em resumo, o Bolsa-Família é um ampliação de fato se deve ao governo programa eminentemente Lula é o Bolsa-Família. compensatório, necessário para uma sociedade como a brasileira, com níveis Uma comparação dos recursos alocados elevados de pobreza absoluta, mas no Bolsa-Família com alguns programas claramente insuficiente como elemento consagrados na Constituição cidadã de de transformação social. Esta última 1988 é elucidativa. Em 2005, a envolve ações muito mais complexas estimativa de gastos com o Bolsa- para além da ampliação da oferta de Família é de R$ 5,8 bilhões, ou 0,33% bens públicos, como, por exemplo, a do PIB. Os programas de assistência elevação significativa e continuada do continuada e da renda mensal vitalícia salário mínimo e a reforma agrária. somam quase R$ 10 bilhões, cerca de 0,65% do PIB ou duas vezes mais do A queda e a estagnação do que o Bolsa-Família. O seguro- rendimento médio dos assalariados desemprego também deve gastar no

ano corrente algo como R$ 10 bilhões, Ainda no campo social, o autor faz novamente o dobro do Bolsa-Família. referência ao crescimento do emprego e As vinculações constitucionais de a seu novo padrão: “O governo Lula receitas e obrigatoriedade de despesas parece estar invertendo a curva em saúde e educação representam prevalecente nos anos 1990 de valores várias vezes superiores ao do informalização do mercado de trabalho, Bolsa-Família. Tudo isso não mostra a mas o estoque acumulado de irrelevância do programa, mas lhe desemprego e a precarização do confere a verdadeira dimensão e mercado de trabalho permanecem certamente lhe retira o caráter de carro- elevados.” A afirmação não é de toda chefe da política social. incorreta, porém deixa de esclarecer o

enigma do crescimento do emprego, Bolsa-Família é fruto das pelo menos quando se consideram os concepções do Banco Mundial. números brandidos sistematicamente Redução dos custos da política pelo governo. O enigma pode ser posto social da seguinte forma: a se confirmarem os prognósticos de crescimento do PIB em É necessário ademais tratar o Bolsa- 3,5% para o ano corrente, a economia Família com o necessário senso crítico. terá crescido nos três anos do governo O programa é fruto das concepções do Lula, em média, 2,6% ao ano. Ora, com Banco Mundial, cujo objetivo é focalizar base nesse dado, como entender um os gastos sociais e direcioná-los para os crescimento do emprego da magnitude “superpobres”, reduzindo os custos da apregoada pelo governo, que supera em

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 303030 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 muito aquele do segundo mandato FHC, no qual a economia cresceu em Governo Lula: Políticas média 2,2% ao ano? eminentemente compensatórias

A resposta é relativamente simples. Os Finalmente, a que conclusões levam as dados utilizados pelo governo não considerações tecidas ao longo desse dizem respeito exclusivamente a texto? Certamente bastante distintas criação de novos postos de trabalho e, daquelas do artigo de Juarez portanto, a novos empregos. Refere–se a Guimarães. Mesmo admitindo que há, dois aspectos distintos do mercado de no governo Lula, algumas políticas com trabalho: a criação de novos postos de orientação menos liberal quando trabalho e a formalização de postos de comparadas com às do período FHC, trabalho que já existiam. A dimensão da pode-se também concluir que sequer formalização não é irrelevante, mas arranham o núcleo duro das políticas tampouco traduz um dinamismo conservadores, nem tampouco elevado na criação de empregos como promovem mudanças de profundidade. quer o governo, pois não cria novos Ou seja, constituem políticas postos. É provável até que tenha eminentemente compensatórias. Por resultado da melhor fiscalização do conseguinte, é lícito dizer que, olhado Ministério do Trabalho, combinada do ponto de vista da polaridade com a ampliação do emprego nos sugerida por este artigo, o governo Lula setores exportadores, onde situa-se no plano da capitulação. Esse predominam empresas maiores. O julgamento construído à luz dos fatos ponto negativo é que esse ritmo de não significa negar as possibilidades de crescimento do emprego não é mudanças na trajetória desse governo. suficiente para retirar o mercado de Afinal, se possibilidades de mudanças trabalho do seu estado de letargia e existem, elas partem, em maior medida, conferir maior poder de barganha aos do campo democrático e popular no trabalhadores. Uma prova inconteste qual as forças de esquerda que disso é a continuidade da queda, no participam do governo se situam. Para primeiro ano do governo Lula, e a tanto, o pensamento crítico deve dar a posterior estagnação, do rendimento sua contribuição. médio dos assalariados.

Livro da semana

Jacques Le Goff. Em busca da Idade MédiaMédia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2005.

A descoberta de uma Idade Média plural. Le Goff dá aula sobre uma civilização contraditória

Reproduzimos, a seguir, a entrevista com Carlos Roberto F. Nogueira, professor titular de História Medieval da Universidade de São Paulo, publicada no jornal Estado de S. Paulo, de 16-10-05

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 313131 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005

Este delicioso livro é um memorial. mesmo tempo coletivos desta Poucos historiadores tiveram a chance civilização: mercadores, banqueiros e (ou o desejo) de explicar a sua trajetória, intelectuais, com mendicantes, hereges e porque suas vidas os levaram a estudar judeus, envolvidos em um diálogo este ou aquele tema. Mas Le Goff o faz. E riquíssimo e construtores de uma nova isso no melhor sentido do seu realidade: a Cristandade. consagrado Fazer História 151515 . Apenas um triste senão: o tradutor. Mas este brilhante e prolífico historiador Trata-se evidentemente de uma sempre foi um divulgador. personalidade singular que necessita Transcendendo avareza de informações aparecer, transformando o espaço das comum à academia, sempre esteve na notas em um "outro livro", como já mídia para informar o cidadão comum havia feito na tradução do livro São de sua própria história. Luís 16 , também de Le Goff. Desse modo, Aqui nestas entrevistas, o historiador vai o incauto leitor é presenteado, nas 218 além, abrindo a sua vida, suas dúvidas e páginas do livro com 74 notas do idéias que o levaram a embrenhar-se nas tradutor! "trevas medievais" e iluminá-las, fazendo Neste afã, inflaciona a obra de notas surgir, de um mundo caluniado pelo extensas e fundamentalmente não Racionalismo Iluminista e idealizado solicitadas, que em sua maioria pouco pelo Romantismo, uma civilização de esclarecem o texto e eivadas de uma riqueza enorme. pedantismo, como uma absurda nota Os cinco capítulos do livro Em Busca da sobre um acento, ou se assanha sobre Idade Média são recheados de temas um evidente erro de revisão de uma apaixonantes, que o olhar do citação bíblica. Senão vejamos, a medievalista percorre com muita clareza propósito de esclarecer a questão da e sentido crítico, crítico em especial de existência ou não, do ano 0 em nosso si mesmo, dialogando com os seus calendário, escreve uma nota de 19 trabalhos e apontando novas linhas para uma página de 16! perspectivas de investigação. Esquecendo-se da tradução e sobretudo Apesar de acreditar que não existe uma evitando a leitura das notas, este verdade histórica, Le Goff afirma que o pequeno livro é uma soberba aula de historiador deve se esforçar por história, mas também uma aula de construir uma história verdadeira e de método, pois além de desvendar de um uma maneira absolutamente honesta, faz modo cristalino as razões e as questão de dizer que: "A Idade Média motivações do autor, nos remete ao aqui apresentada é a minha Idade lugar do historiador, à descoberta de Média!" uma Idade Média plural, que de um A paixão pelo mundo medieval se revela modo maravilhosamente contraditório aqui em toda a sua totalidade. Mediante ao resistir ferozmente à novidade, criou a pluralidade de temas da civilização a possibilidade de um mundo moderno medieval, que vão de Ivanhoé ao e, mais que tudo, do legado de Purgatório, somos presenteados com as esperança de uma nova Europa, instigantes descobertas deste publicitário consciente de sua matriz e nutriz: a da História: "Minha Idade Média se civilização medieval. formou por uma reflexão comum sobre o passado, o presente e o futuro", nos diz Le Goff, nessa sua Idade Média em que desfilam personagens singulares e ao

15 Fazer História . 3 vol. Lisboa: Bertrand, 1977. (Nota 16 SãoSãoSão LuísLuís. Biografia. Rio de Janeiro: Editora Record, da IHU OnOn----LineLine ) 1999. (Nota da IHU OnOn----LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 323232 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 Entrevistas da Semana

Prêmio Nobel de Física. Uma avaliação do físico Ney Lemke

Três cientistas, os americanos Roy J. Glauber, 80 anos, John L. Hall, 71 anos, e o alemão Theodor W. Haensch, 63 anos, dividiram o Prêmio Nobel de Física 2005, anunciado na terça-feira passada, por conta de suas contribuições teóricas e práticas à óptica moderna, ao desenvolvimento da espectroscopia do laser e sua aplicação nas telecomunicações. Repercutimos a premiação com o doutor em Física e professor do Programa Interdisciplinar de Computação Aplicada da Unisinos, Ney Lemke:

“O prêmio, este ano, foi, na verdade, um impacto tecnológico e científico deste empate. Metade dele foi concedido para trabalho será marcante. Roy J. Glauber, um quarto para John Só para se ter uma idéia, a maneira L.Hall e um quarto para Theodor W. mais precisa de se medir distâncias é Haensch. utilizando técnicas experimentais baseadas em espectroscopia. Espera-se O trabalho de Glauber se refere à conseguir realizar medidas com 18 descrição da natureza quântica da Luz e casas de precisão, algo como medir o de suas conseqüências no fenômeno de diâmetro da Terra com um erro menor interferência luminosa. Apesar de ser que o tamanho de um átomo. Com isso, um trabalho eminentemente teórico, não apenas conseguiremos testar várias espera-se que este desenvolvimento teorias da Física, mas também produzir conduza a novas tecnologias de instrumentos como o GPS, operando encriptação de mensagens na área de com um nível muito superior de tecnologia da comunicação. precisão. Já Hall e Haensch dividiram a outra metade por suas contribuições na área Um fato interessante é que o trabalho de espectroscopia que é a capacidade de Glauber foi publicado em 1963 e o de determinar a freqüência da luz. trabalho de Hall só foi publicado em Como a espectroscopia é uma técnica 2000. Isso mostra que os resultados utilizada de forma disseminada em teóricos demoram em geral muito mais muitas áreas de instrumentação, o tempo para serem valorizados do que avanços experimentais".

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 333333 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 Vaca louca e o vírus da gripe aviária é culpa das criações intensivas, afirma cientista Entrevista com Enrico Moriconi

“Da doença da vaca louca à gripe aviária. Sinceramente é um desafio que preocupa: o nexo entre a agressividade dos vírus e das bactérias e a multiplicação das criações intensivas de animais e aves sugerem uma séria reflexão". Enrico Moriconi, presidente da Associação de Veterinários da Saúde Pública (Asvep), da Itália, analisa o alarme atual com a gripe aviária enquandrando-o no contexto dos últimos dez anos, em entrevista publicada, ontem, 9-10-05, no jornal italiano La Repubblica .

O senhor vê uma progressão do grande número de animais encerrados risco? num espaço muito pequeno: a Sim. O alarme sobre as conseqüências concentração dos vírus e das bactérias é dos erros nos sistemas de produção já, estatisticamente, significativa. E, além intensiva de animais e aves surge em disso, há o uso maciço de antibióticos 1996, com a denúncia do primeiro caso que são aplicados para compensar os de passagem do vírus da vaca louca danos derivados das condições não para o ser humano. Agora, felizmente, naturais da vida. A soma destes fatores aquele caso parece estar superado mas facilita a mutação dos vírus e das o custo pago foi muito alto. E neste bactérias. último verão soou o segundo alarme" Muitos médicos apontam como uma A gripe aviária? causa importante da difusão das Não. O estreptococo suis que, de 24 de novas doenças a multiplicação das junho a 3 de agosto, provocou 38 locomoções das pessoas e das mortes em Sichuan, uma província mercadorias? chinesa. Parece-me um episódio Isso não basta para explicar o salto da particularmente inquietante, ainda que barreira das espécies. tenha sido pouco noticiado. Mas estamos na presença de uma bactéria Os desenvolvimentos da gripe largamente difundida entre os porcos aviária serão devastadores? que nunca tinha agredido o ser Se ficarmos no que sucedeu até agora, humano. devemos dizer que o risco é sobrevalorizado: no momento, na Ásia, Por que relaciona o maior foram registradas 69 mortes em três dinamismo dos vírus e bactérias anos. Contudo, se não se intervir com as criações intensivas? imediatamente mudando as condições Movemo-nos no campo das hipóteses, de criação intensivas é muito provável mas são hipóteses que estão se que um número crescente de vírus e tornando cada vez mais concretas. bactérias passarão dos animais para o Substancialmente, os fatores que ser humano. E no longo prazo, tornam as criações intensivas um certamente, as conseqüências serão laboratório de evolução para os agentes devastadoras. infectantes são dois. O primeiro é o

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 343434 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005

EUA alarmada. O temor de uma hecatombe. A gripe aviária Quase dois milhões de mortos, oito milhões e meio de hospitalizados e um custo de 450 bilhões de dólares: é o cenário descrito pelo Pandemic Influenza Strategic Plan , o plano estratégico preparado pelo governo norte-americano para combater o assim chamado vírus dos frangos, a gripe aviária que poderia golpear os EUA "daqui a poucos meses ou até em poucas semanas". A notícia é do jornal La Repubblica , 9-10-5.

O jornal O Estado de S. Paulo , 9-10-05, igualmente publica ampla reportagem sobre o tema, entre outras coisas, mostrando como as classes média e alta estão estocando remédios caríssimos para se proteger em caso da disseminação da gripe aviária.

Uma antropologia apofática. Uma entrevista exclusiva com o antropólogo Otávio Velho

O professor emérito do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e antropólogo Otávio Velho falou à IHU OnOn----LineLine sobre o IV Seminário de Mística Comparada realizado entre 1º e 3 de outubro, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Otávio Velho é autor de diversos livros, entre os quais citamos Capitalismo autoritário e camcampesinatopesinato . São Paulo: Difel, 1976; Sociedade e agricultura . Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982; BestaBesta----fera:fera: recriação do mundo --- ensaios críticos de antropologia . Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995. É também organizador de Circuitos infinitos: de comparacomparaçõesções e religiões no Brasil, Portugal, França e GrãGrã----BretanhaBretanha . São Paulo: Attar , 2003. Além de Velho, o evento teve como conferencistas especialistas como Faustino Teixeira e Luiz Felipe Pondé. . Faustino Teixeira é doutor em teologia e professor da UFJF e Pondé é professor na PUCSP. A revista IHU OnOn----LineLine n. 131, 21 de março de 2005, sob o título As delicadezas do mistério. A místicamística hojehoje, dedicou uma edição ao tema da mística. Confira, a seguir, a entrevista concedida pelo estudioso.

IHU On-Line - Quais foram as entre profissionais dedicados ao principais contribuições do IV assunto em vários pontos do País. Os Seminário de Mística Comparada 171717 trabalhos apresentados foram de de Juiz de Fora? excelente nível e serviram para um Otávio Velho - Creio que foi uma intercâmbio de informações sobre oportunidade excelente de encontro personagens e movimentos místicos de diferentes períodos da história e pertencentes a diferentes tradições. 17 Sobre Mística Comparada foi dedicada a edição de número 133, da Revista IHU OnOn----LineLine , de 21 de março de 2005.

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 353535 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 IHU On-Line - Qual a importância de sociocultural, podemos examinar se discutir a Mística Comparada em juntos. um evento como este? Otávio Velho - Há um interesse muito IHU On-Line - O senhor poderia grande nas coincidências que aparecem explicar o que é a "antropologia nas manifestações místicas atravessando apofática"? No que consiste essa as diversas tradições. É muito idéia? Qual é a sua relação com a importante buscar compreender isso. Mística Comparada? Inclusive porque abre uma Otávio Velho - Tem a ver justamente possibilidade de diálogo entre as várias com a segunda parte do diálogo a que tradições que coloca entre parênteses as me referia anteriormente: no que a divergências teológicas, concentrando- mística e a religião podem contribuir se na busca de outras linguagens menos para a Antropologia. A teologia discursivas e na troca de experiências apofática (sobretudo na tradição cristã concretas. Isso pode ter muita ortodoxa) acentua muito a importância importância no mundo de hoje, da experiência direta com o repercutindo sobre a própria teologia e, transcendente sem a intermediação dos mesmo, ultrapassando o domínio conceitos. Estou buscando fazer um propriamente das religiões, permitindo paralelo entre isso e a importância e a reaproximação entre povos e grupos centralidade para o antropólogo do divididos. Tenho tido oportunidade de trabalho de campo e o contato direto participar de diversos encontros com o real sem que isso seja internacionais como consultor do sobrecarregado por um excesso de Conselho Mundial de Igrejas em que teorias pré-existentes. É a isso que estou isso tem sido reconhecido, sobretudo denominando de antropologia quando a mística não é pensada como apofática. Fiquei feliz no seminário ao assunto apenas para um pequeno grupo constatar que o filósofo Luiz Felipe 18 privilegiado, mas associada à Pondé , da PUC de São Paulo, está experiência religiosa de muitos trabalhando numa linha que me parece seguidores das diversas tradições. permitir uma interessante aproximação. Essa constatação da coincidência entre IHU On-Line - No evento, o senhor os nossos interesses e o contato com o fez uma abordagem antropológica seu trabalho foi, para mim, um dos da Mística Comparada. O que isso maiores ganhos pessoais do seminário. significa? Além da retomada do contato com Faustino Teixeira, organizador do Otávio Velho - Trata-se também de seminário, um dos mais férteis uma experiência de diálogo. Creio que pensadores em teologia das religiões da se a Antropologia pode trazer alguma atualidade. contribuição para a Mística Comparada, esta, por sua vez, tem muito a dar aos antropólogos. No que diz respeito à abordagem antropológica a que a pergunta se refere, creio que os antropólogos podem trazer suas próprias experiências e compara-las, já que o projeto antropológico maior é justamente o de uma grande disciplina sociocultural das comparações. Isso 18 De Luiz Felipe Pondé, publicamos uma entrevista implica em muitos problemas de na 133ª edição, de 21 de março de 2005, ordem epistemológica, metodológica e especialmente concedida para a IHU OnOn----LineLine , um artigo publicado na 135ª edição, de 4 de abril de prática que, sem querer reduzir a 2005, e outro artigo publicado na 150ª edição, de 8 de agosto de 2005. (Nota da IHU OnOn----LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 363636 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005

Hábitos alimentares Uma entrevista exclusiva com Ana Cristina Baú

Conversamos com a nutricionista, mestre em Ciência e Tecnologia Agroindustrial e professora da graduação em Nutrição da Unisinos Ana Cristina Baú sobre o Guia Oficial Brasileiro sobre Alimentação Saudável, elaborado pelo Ministério da Saúde, cujo lançamento está marcado para o dia 16. No dia 20, a professora da Unisinos Márcia Vítolo, que participou da elaboração do projeto, ministrará, à noite, no auditório Erico Verissimo, na Unidade Acadêmica das Ciências da Comunicação, palestra sobre o tema.

IHU On-Line - Qual a importância de Ana Baú - Nós temos no consumo de um guia como este? feijão alta quantidade de fibras, que são Ana Baú - Esse guia alimentar é de fundamentais para o organismo. O extrema importância para a população feijão e o arroz, em combinação, são porque considera os hábitos proteínas de alto valor biológico. alimentares de cada região.Também Correspondem ou se assemelham às chama a atenção para as doenças proteínas de origem animal. Ali temos relacionadas aos hábitos alimentares ácidos como o fólico, que é que estão em evidência e que devem fundamental para o metabolismo de ser evitadas para diminuir os gastos algumas vitaminas. Não podemos com saúde. No Rio Grande do Sul, esquecer que a diminuição do consumo temos um grande agravo neste de cereais afeta economicamente a problema que é o alto consumo de sal e produção desses alimentos. Em vez de de gordura em função do churrasco, comer feijão e arroz, as pessoas optam comida típica da nossa região, e dos por lanches, por uma pizza. São lanches. Apresentamos um baixo alimentos que não alcançam a consumo de frutas e hortaliças, que quantidade necessária de nutrientes deve ser aumentado conforme diários e ultrapassam o valor calórico indicação da Organização Mundial de diário recomendado. Saúde. Nós consumimos em média 15 gramas de sal por dia. Precisamos IHU On-Line - Optar por comer um reduzir para 5 gramas diários. É lanche tem relação com status? importante lembrar que nossas células Ana Baú - Uma questão é o sabor. levam até três meses para se habituar Alimentos com mais gordura têm mais ao baixo consumo de sal. Durante esse sabor. Isso acaba influenciando a tempo, sofremos para nos acostumar ao escolha das pessoas. Quanto ao status , novo sabor. E as pessoas não querem lanches são mais práticos, além de sofrer. serem algo diferente do feijão e arroz que as pessoas têm em casa. Acho IHU On-Line - O brasileiro está importante salientar que o guia aborda comendo mais sal e menos feijão. a questão de que as famílias devem Em 30 anos, diminuiu em 30% o encontrar tempo para fazerem as consumo, segundo dados do refeições juntas. Isso influencia os Ministério da Saúde. Quais são as hábitos alimentares e favorece hábitos conseqüências disso? mais saudáveis. Também salienta a necessidade de as pessoas consumirem

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 373737 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 mais água. Hoje, toma-se muito IHU On-Line - Quais são os refrigerante. E não é um hábito alimentos que devem fazer parte da saudável, mesmo o refrigerante light. E rotina das pessoas e quais devem aborda a necessidade de atividade física ser evitados? de, no mínimo, 30 minutos diários. Não Ana Baú - As pessoas devem comer à adianta se alimentar bem e ficar em vontade basicamente frutas e hortaliças frente à tevê. Aí aparecem as doenças e carne em pequenas porções, como diabetes, hipercolesterolemia (o preferindo sempre as mais magras. excesso de colesterol que aumenta a Quando quiserem comer um pastel de tendência à aterosclerose), hipertensão frango, por exemplo, devem preferir os e doenças cardiovasculares, que são assados e integrais. Esse tipo de doenças crônicas não transmissíveis, alimento tem a digestão mais rápida e mas adquiridas. faz com que parte da gordura não seja absorvida e o intestino funcione IHU On-Line - Especialistas do melhor, o que é fundamental Ministério da Saúde afirmam que também.As pessoas devem tomar muita 260 mil mortes poderiam ser água: os adultos mais ou menos dois evitadas por ano no Brasil desde litros por dia, e as crianças, 500ml. que as pessoas se alimentassem de Devem evitar frituras, refrigerantes, forma saudável. A extensão do biscoitos recheados e balas sempre que problema é tão grande assim? possível. Ana Baú - Cerca de 69% do gasto da saúde pública no Brasil é feito em IHU On-Line - Olhando aqui para pacientes que sofrem de doenças perto, como as pessoas comem no relativas a problemas na alimentação. câmpus da Unisinos? Essas doenças acabam levando os Ana Baú - É complicado... Basicamente pacientes à morte por sua má nutrição. apela-se para os lanches. Estamos Nossa população está aumentando de enfrentando resistência em função da peso. E é tão fácil se alimentar bem.... modificação do RU e do RA. No No Rio Grande do Sul, temos o momento, a procura está menor. Muita churrasco, é claro, mas temos também gente apela para os lanches também o puchero (ensopado de vários legumes porque chega em cima da hora. – batata, aipim, milho verde, couve, Teríamos que trabalhar o nosso repolho – e carne) que é muito público. Conscientizar as pessoas. saudável.

Deu nos jornais

Deu nos jornais é uma síntese semanal das notícias veiculadas diariamente no sitio www.unisinos.br/ihu, compiladas pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Calçados: crise demitirá 60 mil trabalhadores no RS Já chegam a 20 mil o total de trabalhadores desempregados na cadeia coureiro- calçadista gaúcha, mas o número irá frouxo a 60 mil. A crise de 2005 já é maior do que a crise de 1995. A informação é do site de Políbio Braga, 8 e 9-10-05. A crise de 1995 foi tão devastadora que somente agora, 10 anos depois, o valor total exportado voltou aos

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 383838 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 níveis daquele ano: US$ 1,8 bilhão. Se nada for feito, a crise produzirá um retrocesso tão grande quanto o de 1995, que derrubou as exportações de calçados para US$ 1,2 bilhão em apenas dois anos. Por trás da crise está a concorrência chinesa nos mercados que costumam comprar do RS, no caso Europa e Estados Unidos. "Eles querem comprar da gente, preferem o nosso produto, mas a diferença de preços já chega a 40% (US$ 8,50 pelo par chinês e US$ 13 pelo par brasileiro) e com isto não dá para fazer negócio", Jorge Faccioni, dono da Pummer, de Lajeado.

Paquistão perdeu uma geração de crianças O porta-voz do Exército do Paquistão disse que toda uma geração de jovens foi varrida nas áreas mais atingidas pelo terremoto. Citado pela agência France Presse e pela BBC News, o general Shaukat Sultan disse que as maiores vítimas foram as crianças. Muitas morreram quando as escolas ruíram. A notícia é dos jornais O Estado de S. Paulo e Repubblica , 11-10-05.As crianças eram maioria na população das áreas afetadas , segundo a Unicef, agência da ONU responsável pela infância" Os voluntários estão tirando as crianças mortas em Muzaffarabad (capital da região da Caxemira controlada pelo Paquistão - onde se supõe que 11 mil pessoas morreram), mas ninguém aparece para reclamar os corpos, o que mostra que os pais também estão mortos", disse o general Sultan. Com algumas cidades e vilarejos completamente destruídos, o presidente Pervez Musharraf disse à BBC que o Paquistão precisa de "apoio maciço de helicópteros cargueiros" e fornecimento de ajuda da comunidade internacional. Musharraf disse que o Exército foi mobilizado, mas como as estradas em regiões montanhosas remotas foram bloqueadas ou desapareceram em deslizamentos de terra, há graves pressões sobre os recursos de helicópteros e o sistema de transporte limitado do Paquistão. "Além disso, claro que precisamos de tendas, cobertores e remédios", disse ele.

Imigração ilegal para os EUA cresce em 784% O índice de imigrantes do Brasil que têm entrado ilegalmente nos Estados Unidos é o mais alto entre os 25 países à exceção do México que mais tiveram pessoas tentando entrar clandestinamente no país nos últimos três anos. Enquanto a entrada ilegal em geral triplicou nesse período, com aumento de 220%, a de brasileiros aumentou nove vezes, chegando este ano a 784% em relação a 2002. A notícia é do jornal O Globo , 11- 10-05. Os números constam de estudo que acaba de ser feito pelo Serviço de Pesquisas do Congresso, a pedido dos parlamentares americanos. Eles estão mais preocupados com a possibilidade de a Al-Qaeda infiltrar terroristas nos EUA pela fronteira com o México usando os mesmos caminhos utilizados por imigrantes ilegais. Só nos primeiros seis meses deste ano, 27.396 brasileiros foram detidos pela Patrulha de Fronteira. Isso dá uma média de 4.566 pessoas por mês, ou 152 por dia. Quando se comparam esses números aos registrados em 2002, tem-se uma dimensão mais precisa do fenômeno: ao longo de todo aquele ano a média de brasileiros entrando ilegalmente nos EUA era de apenas oito por dia. Ou seja: atualmente o volume é 19 vezes maior. No ano passado, foram detidos 1,16 milhão de estrangeiros, tentando entrar ilegalmente nos EUA, sendo 93% deles mexicanas. Depois do Brasil, que teve um aumento de 784% no índice de imigrantes ilegais em relação a 2002, aparecem no ranking dos 25 países com mais cidadãos detidos na fronteira dos EUA a Nicarágua, com 330%, seguida de Honduras e El Salvador ambos com 288%.

"Se Lula não buscar o povo, está morto", afirma "Sempre disse que ia continuar com ele. Mas é tanta decadência agora... O Lula deveria se aproximar das esquerdas e fazer um pouco do que prometeu. Ele ainda tem base". A afirmação é de Oscar Niemeyer, arquiteto, em entrevista publicada na revista Época , 10- 10-05. E continua: "Quando vi o Lula candidato, não pensei que ele iria querer melhorar o capitalismo. E o capitalismo acabou". Segundo ele, "se Lula não buscar o povo, aí acabou". Dizendo que não é contra a religião, afirma: "Gosto de conversar com os padres. Pena que eu não acredite em nada".

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 393939 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005

Frases da semana

"Se houver uma interpretação diferente daquilo que foi firmado em acordo, poderemos dizer que o governo mentiu. Poderemos ter a ousadia de dizer que houve um blefe." - D. Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra - Folha de S. Paulo, 10-10-05.

"O governo agiu como um rolo compressor e dentro de um projeto político autoritário que de forma alguma podemos aceitar." - D. Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra - O Estado de S. Paulo, 10-10-05.

"Eu sou a favor de desarmar todo mundo" - Mano Brown, rapper - Folha de S. Paulo, 11- 10-05.

"Os anos estão passando, um governo de esquerda já assumiu e era esperança. As coisas estão muito lentas e a periferia é urgente, precisa das coisas para ontem e as coisas não estão acontecendo, está muito nebuloso." - Mano Brown, rapper - Folha de S. Paulo, 11- 10-05.

"Vem aí Viagra de graça para levantar Lula" - manchete principal do jornal Agora São Paulo - 12-10-05.

"Um pouco de ar para Lula" - manchete do jornal argentino Página/12, 12-10-05, noticiando a vitória de Ricardo Berzoini nas eleições do PT.

"É excepcional a ocorrência de morte em casos de seqüestro-relâmpago. Com relação ao seqüestro convencional, nunca examinei um caso em que houvesse um ritual de tortura, com a crueldade e a desproporcionalidade que verifiquei no corpo de Celso Daniel." - Carlos Delmonte Printes, médico-legista - Jornal do Brasil, 13-10-05.

"Tenta-se desqualificar a esquerda com os erros do governo Lula e do PT, mas os erros do governo Lula e do PT devem-se à manutenção de políticas e métodos da direita. Já os méritos do governo Lula e do PT vêm da esquerda." - Emir Sader, sociólogo - Folha de S. Paulo, 13-10-05.

"Tenta-se desqualificar o arcabouço histórico da esquerda, responsável pelos melhores momentos da história da humanidade, em nome de comportamentos que significaram o abandono desses valores e a adoção de métodos e políticas de direita." - Emir Sader, sociólogo - Folha de S. Paulo, 13-10-05.

"Há no ar um clima de composição para isentar de culpa aqueles que se deixaram flagrar no exercício de faltas graves que atentam contra o decoro, a honestidade e a exação no cumprimento de mandatos recebidos do povo, apesar de todos os crimes cometidos estarem tipificados." - nota conjunta dos presidentes dos Clubes Militar, Naval e da Aeronáutica - O Estado de S. Paulo, 13-10-05.

"Por que faltou dinheiro para a prevenção sanitária dos animais se estavam no Orçamento R$ 160 milhões? Porque o "seu" Palocci prioriza o pagamento de juros." João Pedro Stedile coordenador nacional do MST - Folha de S. Paulo, 14-10-05.

"O PSDB agora fala em pizza, mas a CPI do Proer, que investigou o socorro aos bancos no governo Fernando Henrique, foi a mais chapa branca da história da República. O relator era o deputado Alberto Goldman (atual líder do PSDB na Câmara) e o Gustavo Fruet (deputado do PSDB que hoje é sub-relator de Movimentação Financeira da CPI dos Correios) era o presidente. Veja que coisa: Gustavo Fruet, que tanto nos acusa, foi o

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 404040 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 pizzaiolo-mor da CPI do Proer." Ricardo Berzoini, presidente-eleito do PT - O Estado de S. Paulo, 13-10-05.

"Do ponto de vista político e social, o Brasil parou. A economia parece que está a funcionar. Pelo menos o FMI parece que está contente, e quando o FMI está contente, é mau sinal. " – José Saramago, prêmio Nobel de Literatura - Folha de S. Paulo , 15-10-05.

"Acho que o governo não vai mexer na economia, não vai mexer em nada. Apesar de ser contra, se eu estivesse no governo faria o mesmo, pois está dando certo. Só nos resta agüentar até o ano que vem e rezar para a política econômica mudar. Ou fechar a fábrica para salvar o resto.” - Jacks Rabinovich, empresário, conselheiro e um dos fundadores do IEDI - O Estado de S. Paulo , 15-10-05.

“Se o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, se esforçasse tanto para combater a aftosa quanto o faz para vender transgênicos o Brasil não estaria agora nessa situação. ”- Roberto Requião, governador do Paraná - Folha de S. Paulo , 15-10-05.

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IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 414141 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 Eventos A preparação de Einstein para o seu Ano Miraculoso

Desconstruir os mitos sobre a figura do físico alemão Albert Einstein. Esse é o principal objetivo do Prof Dr Carlos Alberto dos Santos na palestra A preparação de Einstein para o seu Ano Miraculoso,, que se realizará no dia 19 de outubro, como uma das atividades do Ciclo de Estudos Desafios da Física para o século XXXI:XI: uma aventura de Copérnico a Einstein. O evento acontecerá às 19h45min, no Miniauditório da Biblioteca. Carlos Alberto é graduado em Física pela PUC-Rio, mestre e doutor em Física pela UFRGS, com a tese Composição superficial e propriedades mecânicas e tribológicas de aços carbono implantados com nitrogênio. Cursou pós-doutorado no Centre d’Études Nucleaires de Grenoble, na França. Leciona no Departamento de Física da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). É autor de, entre outros, O plágio de Einstein. Porto Alegre: WS Editor, 2003 e Nitretação iônica. Natal: Cooperativa Cultural da UFRN, 1989. Em 17 de maio de 2005, ofereceu a oficina A vida de Einstein: episódios marcantes no Simpósio Internacional Terra Habitável: um desafio para a humanidade , promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Confira a entrevista que o professor concedeu por e-mail à IHIHIHUIH U OnOn----Line.Line.

“As ‘digitais’ de Einstein encontram-se em todas as áreas da Física moderna” Entrevista com Carlos Alberto dos Santos

IHU On-Line - Quais os principais persiste no imaginário popular graças à aspectos que irá abordar ao discutir veiculação de equívocos por meio de a preparação de Einstein para o seu importantes meios de comunicação de Ano Miraculoso? massa. Um deles é que Einstein teve Carlos Alberto dos Santos - Existem uma tempestade de criatividade em diversos mitos sobre a biografia de 1905. Tudo que ele fez naquele Ano 20 Albert Einstein 19 , a maioria dos quais Miraculoso é fruto de um rasgo de genialidade. Outro mito bastante difundido é que ele era mau aluno. Este 19 Sobre Einstein, confira a edição n° 135 da revista mito é confirmatório ou paradoxal, IHU OnOn----LineLine , sob o título Einstein. 100 anos depois conforme o enfoque dado à produção do Annus Mirabilis. A publicação está disponível no sítio do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), científica de Einstein. Se ele fosse endereço www.unisinos.br/ihu. A TV Unisinos verdadeiro, o rasgo de genialidade produziu, a pedido do IHU, um vídeo de 15 minutos em função do Simpósio Terra Habitável , ocorrido de 16 a 19 de maio de 2005, em 20 Ano MiraculosoMiraculoso, ou ainda Annus Mirabilis – homenagem ao cientista alemão, do qual o denominação dada ao ano de 1905, quando professor Carlos Alberto dos Santos participou, Einstein publicou seus trabalhos sobre o efeito concedendo uma entrevista. (Nota da IHU OnOn---- fotoelétrico, a relatividade especial e o Line ) movimento browniano. (Nota da IHU OnOn----LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 424242 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 poderia ter uma justificativa. Se o rasgo luz, ao lado de uma onda de genialidade não for verdadeiro, o eletromagnética. Sua intuição sugere segundo mito não se sustenta. Na que ele veria o campo eletromagnético palestra, eu tento desconstituir esses estacionário. No entanto, isso é uma mitos, mostrando que, ao contrário, contradição, pois que a onda está se Einstein era bom aluno naquilo que lhe propagando! Este problema foi interessava, e desde sua mais tenra resolvido ao longo de dez anos, e idade dirigiu seu esforço intelectual constitui o cerne da teoria da para aquilo que passou a publicar a relatividade restrita. partir de 1900. IHU On-Line - Como caracteriza a IHU On-Line - Tomando como base a trajetória estudantil e a carreira infância de Einstein, quais os fatos acadêmica de Einstein? que poderiam prenunciar o Carlos Alberto dos Santos - Einstein aparecimento de sua genialidade? detestava tudo que exigia memorização, Carlos Alberto dos Santos - Existem e não tinha qualquer respeito pela quatro momentos na infância e na autoridade. Então, quando o assunto adolescência de Einstein não lhe interessava (biologia, línguas prenunciadores da sua genialidade, estrangeiras, história), ele não fazia a todos eles relatados pelo ele mesmo, em menor questão de esconder seu suas Notas Autobiográficas 212121 . Entre os desapontamento, e provavelmente quatro e cinco anos, seu pai lhe deu de deixava transparecer uma atitude presente uma pequena bússola. Einstein arrogante, atraindo a ira dos ficou muito intrigado com o fato de que professores. Foi desse tipo de contexto a agulha sempre apontava na mesma que se gerou o mito do aluno relapso. direção, qualquer que fosse a posição No exame final do Ensino Médio, da bússola. O que o incomodava era Einstein teve quase todas as notas entre que não havia nada "segurando" a 9 e 10. No exame intermediário na agulha. Essa ação a distância (que Escola Politécnica (ETH), ao final dos depois ele veio a saber ser devida ao dois primeiros anos, ele teve a melhor campo magnético terrestre) passou a média da turma. No exame final, ele incomodá-lo durante seus estudos teve a pior nota entre os aprovados. universitários e foi uma das motivações Mileva, sua primeira mulher, foi para a idéia da curvatura do espaço- reprovada. Sabe-se hoje, contudo, que, tempo, conceito fundamental na sua nos dois últimos anos do curso, ele teoria da relatividade geral. O segundo estava interessado em assuntos que não momento revelador ocorreu quando ele eram tratados na ETH. Na verdade, ele tinha dez anos de idade. Desafiado por estava se preparando, sozinho, para o seu tio, ele demonstrou o teorema de que viria a ser, o criador de universos. Pitágoras, apenas observando figuras Antes dos magníficos trabalhos de 1905, geométricas (retas paralelas, Einstein publicou, de 1901 a 1904, convergentes e triângulos diversos). O cinco trabalhos no Annalen der Physik . terceiro momento ocorreu entre os Embora os trabalhos não contivessem doze e os quatorze anos, quando ele grandes novidades, pois que já haviam aprendeu, sozinho, noções de cálculo sido abordados por Boltzmann 22 e diferencial e integral. Finalmente, no quarto momento, aos dezesseis anos, na 22 Escola Cantonal de Aarau, ele se Ludwig Edward Boltzmann (1844-1906): matemático e físico austríaco. Sistematizou o imagina correndo com a velocidade da conceito de entropia, segundo o qual há uma tendência natural de a energia se dispersar e de a 21 EINSTEIN, Albert. Notas autobiográficas . Rio de ordem evoluir invariavelmente para a desordem. Janeiro: Nova Fronteira, 1990. (Nota da IHU OnOn---- Explica o desequilíbrio natural entre trabalho e Line ) calor. (Nota da IHU OnOn----LineLineLine)

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 434343 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 principalmente por Gibbs 23 , a forma que este só veio a ser inventado nos autônoma como Einstein tratou a anos 1960. Isso tudo para não falar na mecânica estatística foi suficiente para idéia do fóton 25 , o quantum de luz. que os editores do Annalen o convidassem para fazer resenhas de IHU On-Line - Realmente Einstein artigos e livros publicados em outros plagiou o cientista italiano Olinto jornais. Ele chegou a resenhar um de Pretto? Como se explica esse artigo e um livro publicados por Max fato? 24 Planck . Trata-se de um privilégio Carlos Alberto dos Santos - Por volta normalmente concedido a grandes de 1985, o historiador da Universidade cientistas, e não a um jovem de 25 anos, de Peruggia, Umberto Bartocci 26 , sem o título de doutor, nem vínculo descobriu que, um ano antes de com o meio acadêmico. Einstein, Olinto de Pretto 27 , um cientista amador italiano, também publicara um IHU On-Line - Além da Teoria da trabalho com uma equação do tipo Relatividade, quais são as outras E=mc2. Na sua pesquisa, o Prof. contribuições importantes de Bartocci descobriu que um irmão de Einstein para a Física moderna? Olinto trabalhava com o tio de Michele Carlos Alberto dos Santos - Sem Besso, grande amigo de Einstein. Com exagero, podemos dizer que as base nessa coincidência, ele levantou a "digitais" de Einstein encontram-se em hipótese de que Einstein teria tido todas as áreas da Física moderna e, por conhecimento do trabalho e que conseqüência, em praticamente toda provavelmente teria se motivado a tecnologia contemporânea. A mecânica escrever o seu. O jornal inglês The estatística base essencial para o Guardian deu grande publicidade ao desenvolvimento da Física da matéria caso, e várias suspeitas de plágio foram condensada, teve seu grande impulso levantadas em outros veículos de depois dos trabalhos de Einstein. Em comunicação. Bartocci tentou, mas não 1917, ele publicou um artigo com os conseguiu publicar sua pesquisa em fundamentos teóricos do laser. Observe pelo menos duas revistas de história. Os editores consideraram inverossímil sua 23 Josiah Gibbs (1839-1903): professor de Física e hipótese. De fato, o trabalho de Olinto Matemática na Universidade de Yale, nos Estados de Pretto, baseado na existência do éter Unidos. Propôs uma fórmula mais abrangente, e pleno de equívocos conceituais não que inclui certos tipos de interações entre as poderia ter motivado Einstein a deduzir moléculas. A fórmula de Boltzmann-Gibbs tem sido usada pelos físicos por cerca de 120 anos. sua famosa equação. (Nota da IHU OnOnOn-On ---LineLineLine) Tendo por base esses fatos, escrevi a 24 Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947): físico novela O plágio ddee Einstein , na qual alemão, considerado o pai da Teoria Quântica. Em vemos o desespero de um hipotético 1899, descobriu uma nova constante fundamental, chamada em sua homenagem staff (inspirado no staff que está Constante de Planck , que é usada, por exemplo, editando todos os documentos de para calcular a energia do fóton. Um ano depois, Einstein) diante da possibilidade do descobriu a lei da radiação térmica, chamada Lei plágio. A novela desenvolve-se sobre a de Planck da Radiação. Esta foi a base da Teoria Quântica, que surgiu dez anos depois com a colaboração de Albert Einstein e Niels Bohr. De 1905 a 1909, Planck atuou como diretor-chefe da 25 Fóton: partícula mediadora da força Deutsche Physikalische Gesellschaft ( Sociedade eletromagnética. O fóton também é o quantum Alemã de Física ). Como conseqüência do da radiação eletromagnética, incluindo a luz. nascimento da física quântica, foi premiado, em (Nota da IHU OnOn----LineLine ) 1918, com o Prêmio Nobel de Física. Após sua 26 Umberto Bartocci: professor de Geometria e morte, o instituto KWG passou a chamar-se Max- História da Matemática da Universidade de Planck-Gesellschaft zur Förderung der Peruggia, na Itália. (Nota da IHU OnOn----LineLine ) Wissenschaften (MPG, Sociedade Max Planck para 27 Olinto de Pretto: cientista italiano de Vicenza, o Progresso da Ciência). (Nota da IHU OnOn----LineLine ) Bolonha, falecido em 1921. (Nota da IHU OnOn----LineLine ).

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 444444 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 investigação da autenticidade de história tem a ver com as aplicações documentos comprometedores para a que hoje podemos fazer dos honra de Einstein. Descobre-se conhecimentos adquiridos com a Física. finalmente que se trata de uma fraude. Um dos grandes desafios é o desenvolvimento da Nanociência a IHU On-Line - Qual é a atualidade serviço das ciências médicas. das descobertas de Einstein? Carlos Alberto dos Santos - Parte da IHU On-Line - Qual é a importância resposta a esta questão está na resposta de estudar esse assunto numa à questão 4, mas ela não pára ali. A universidade, sobretudo para um busca por uma teoria do campo público composto por estudiosos de unificado, empreendida por Einstein, outros ramos do conhecimento e continua até, hoje envolvendo uma também pessoas de fora do meio enorme comunidade de cientistas em acadêmico? todas as partes do mundo. O Carlos Alberto dos Santos - Existem condensado Bose-Einstein, previsto nos vários ângulos para se abordar essa anos 1920, só recentemente foi questão. Em primeiro lugar, a realizado, e valeu o Prêmio Nobel de caminhada intelectual de Albert Física de 2001 para três cientistas norte- Einstein é um excelente objeto de americanos 28 . Esta realização estudo para a epistemologia da ciência. experimental deverá ter repercussões Depois, a sua própria história de vida interessantíssimas, na medida em que tem facetas importantes conectadas permitirá testes da Teoria Quântica em com o preconceito e a intolerância objetos macroscópicos. humana. Finalmente, o conhecimento estrito das suas pesquisas são IHU On-Line - Como a Física dialoga imprescindíveis para o entendimento com outras ciências hoje e quais da Física e de grande parte da são seus desafios para o futuro? tecnologia contemporânea. Carlos Alberto dos Santos - Os séculos XIX e XX são considerados os séculos da Física. Chegamos aonde chegamos, em termos científicos e tecnológicos, graças à Física. Hoje consideramos que o século XXI será o século da Biologia e áreas correlatas (Engenharia Genética, Nanotecnologia 29 ), e grande parte dessa

28 Trata-se dos cientistas Eric Cornell, Carl Wieman e Wolfgang Ketterle. (Nota da IHU OnOn----LineLine )

29 Nanotecnologia: ciência associada a diversas áreas (como a medicina e eletrônica) de pesquisa e produção na escala nano. O princípio básico da nanotecnologia é a construção de estruturas e novos materiais com base nos átomos (como se fossem tijolos). É uma área promissora, mas que dá apenas seus primeiros passos, mostrando, contudo, resultados surpreendentes, como na produção de semicondutores, por exemplo. Sobre o assunto, a IHU OnOn----LineLine publicou a edição 120, de 25 de outubro de 2004, intitulado O mundo desconhecido das nanotecnologias.... (Nota da IHU OnOnOn-On ---LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 454545 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005

Ciclo de Estudos Idade MMédiaédia e Cinema Esta semana a IHU OnOn----LineLine entrevista, por e-mail, os professores Nilton Mullet Pereira e Alfredo Culetton, que após a exibição do filme Em nome de Deus, irão fazer comentários no Ciclo de Estudos Idade Média e Cinema. O encontro acontecerá neste sábado, 22 de outubro, das 8h30min às 12h30min, na sala 1G119 do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).

Nilton Mullet Pereira é graduado em História e mestre e doutor em Educação pela UFRGS, com a tese História de amor na educação freiriana: pedagogia do oprimido. Cursou pós-doutorado na mesma instituição. Atua como professor e atualmente é o Coordenador do Curso de História na Unisinos.

Alfredo Culetton é graduado em Filosofia pela Unijuí, mestre em Filosofia pela UFRGS, e doutor em Filosofia pela PUCRS, com a tese Fundamentação Ockhamiana do Direito Natural. Atualmente leciona nos cursos de graduação e mestrado em Filosofia, na Unisinos. Confira alguns aspectos sobre o filme que estará em exibição e discussão neste sábado.

Ficha técnica

Título: Em Nome de Deus Titulo Original: Stealing Heaven Pais: EUA Ano: 1988 Gênero: Romance Tempo: 105 minutos Censura: 14 anos Direção: Clive Donner Elenco: Derek de Lint, Kim Thomson, Denholm Elliot

Em nome de Deus: um retrato de época

Entrevista com Nilton Mullet Pereira e Alfredo Culetton

IHU On-Line - De que modo os que assumem numa determinada personagens do filme retratam a época, por diferentes circunstâncias, Idade Média? estatuto de verdade. O filme Em nome Nilton Mullet Pereira - Um filme não de Deus procura mostrar personagens é um retrato de uma época. Nem reais, ou seja, que tiveram, segundo a mesmo um relato histórico, construído documentação, existência histórica. de um longo trabalho que implica Abelardo, Heloisa, Fulberto fazem parte método, teoria e fontes, é um retrato da de uma trama que nos informa sobre o realidade. Tanto um quanto outro são ambiente da cidade de Paris do século discursos produzidos sobre o passado e XII: época do surgimento de novos

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 464646 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 grupos sociais, de revitalização das O século XII foi pródigo quanto cidades e do comércio, da multiplicação à produção literária e constitui-se num das escolas e do ensino, da momento de significativa efervescência peregrinação dos mestres e seus cultural. É ai que encontramos, na discípulos, da intensidade dos conflitos literatura, a emergência da forma acadêmicos. Isso o filme mostra de amorosa romântica, o amor cortês. O modo bastante significativo. fin d’ amour , como é chamado, apresenta-se de modos diversos, nos IHU On-Line - A trama faz uma livre diferentes textos da literatura medieval. adaptação entre a história de amor Destaco, particularmente, a poesia de Abelardo e Heloísa. Quais são os trovadoresca do Sul da França, o pontos de convergência entre a romance de Tristão e Isolda e o ficção e a realidade? importante Tratado do Amor Cortês, de Alfredo Culetton - Ficção e realidade André, o Capelão. O amor cortês são categorias bem difíceis de caracteriza-se, de modo geral, por ser distinguir, sobretudo em se tratando do antimatrimonial e adúltero, e, em certos passado. De qualquer maneira, casos, pela negação do ato sexual. No podemos dizer que há referências amor cortês, os amantes amam o amor, históricas para esse amor, que essa não o ato carnal ou mesmo um sujeito relação foi muito instigante e empírico, assim, nem os obstáculos, intelectualmente fecunda, que se nem mesmo a morte são empecilhos ao expressam nas correspondências entre amor. Ao contrário, o maior dos Abelardo e Heloisa, texto que conta obstáculos, que é a morte, prolonga e com inúmeras edições e línguas. Na mantém o amor à eternidade. biblioteca da Unisinos, encontramos O filme mostra a relação amorosa entre esta belíssima versão Lettres complètes Abelardo e Heloisa e permite ao d'abelard et d'héloþise /Peter Abelard, espectador perceber que, mesmo depois Héloise . Paris: Garnier Frères, 1925. da castração de Abelardo, o amor se Também podemos visitar o túmulo que mantém e parece fortalecer-se, partilham ambos no Cemitério Pere- ultrapassando os limites e as barreiras Lachaise em Paris, que recebe flores que a sociedade feudal lhe impõe. Le 31 constantemente nos últimos 850 anos. Goff resume dizendo que “entre o mestre e a aluna é o amor à primeira Nilton Mullet Pereira - São muitos. vista: comércio intelectual, sem demora Nós sabemos da história de Abelardo e comércio carnal. Abelardo deixa de Heloisa pela autobiografia de Abelardo ensinar, abandonando seus trabalhos, e pelas cartas 30 trocadas entre os dois. O está com o diabo no corpo. A aventura filme narra os acontecimentos é duradoura, aprofunda-se. O amor principais que se relacionam à vida do nasceu, não vai acabar mais. Vai resistir 32 filósofo e do seu amor. O filme é aos infortúnios, depois ao drama ”. biográfico. Há convergência quanto às informações básicas sobre a vida do IHU On-Line - Quais os aspectos do filósofo: ele foi professor da Escola filme que destacariam a respeito de Episcopal de Notre Dame; casou-se produção, fotografia e enredo? secretamente com Heloisa e com ela Alfredo Culetton - Destacaria a teve um filho, Astrolábio e tornou-se adequação da música ao monge, apesar de com estes ter tido desenvolvimento do enredo. Eu o pesadas escaramuças, as quais o filme não chega a mostrar. 31 Confira o livro da semana nesta edição. 30 ABELARDO,, Pedro. Héloþisa. Lettres complètes 32 LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade d'abelard et d'héloþise . Paris: Garnier frères, 1925. Média. Tradução de Marcos de Castro. Rio de (Nota do autor) Janeiro: José Olympio, 2003.

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 474747 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 considero verdadeiramente demonstra um refluxo na hegemonia maravilhoso. cultural da Igreja e no papel que a instituição exercia, desde a época IHU On-Line - O castigo infligido a Carolíngia, junto ao poder secular. A Abelardo foi aplicado "em nome de Cruzada Albigense foi levada a efeito Deus". Como podemos situar a em nome de Deus, como também as posição da Igreja na sociedade Cruzadas para Jerusalém, pois, tratava- daquela época? se, de uma Guerra Justa contra os Alfredo Culetton - O castigo infligido a hereges e infiéis. O castigo aplicado a Abelardo foi uma estúpida vingança do Abelardo estava justificado tanto pelo tio da Heloisa por ter “roubado” a desrespeito à lei moral: a fornicação sobrinha que ele estava reservando para com Heloisa, quanto pelo desrespeito à um “bom” casamento, e honra da casa de Fulberto. coincidentemente é um clérigo. Em Por outro lado, é preciso lembrar que nenhum momento, são evocados há uma crítica preconceituosa contra a motivos de tipo teológicos ou doutrinais Igreja, produto do próprio preconceito para tal castigo. Naquele tempo, como que se construiu sobre a Idade Média. hoje, não há igreja e sociedade, mas Essa crítica aparece no filme, por igrejas e sociedades, modos de ser e exemplo, por meio de Fulberto. Trata-se atuar. Se entendermos Igreja como de uma crítica um tanto vulgar, pois, é “povo de Deus”, a Igreja é sociedade na justamente mediante a crítica à Igreja sociedade; um povo que produz sugers que os iluministas elaboraram a idéia e hierarquias, Franciscos de Assis, de uma época obscura, mergulhada no Aquinos, ordens mendicantes, misticismo e na religiosidade, fatores mosteiros, bibliotecas, Cruzadas, Luís que impediam o livre pensamento e a IX, traduções de Aristóteles, enfim, uma racionalidade. Atacar a Igreja tornou-se enormidade de posições e intervenções o mesmo que atacar a cultura medieval nas sociedades. e, ao mesmo tempo, enaltecer os valores da Antiguidade Clássica e da Europa Nilton Mullet Pereira ––– Não há dúvida Esclarecida. O modo como Fulberto de que, desde a decadência do mundo comercializava as relíquias mostra romano, a Igreja tem assumido um apenas os traços negativos da Igreja e papel hegemônico no plano cultural, no reduz tanto a atividade religiosa, quanto Ocidente Medieval, entretanto, deve-se a própria Igreja, como instituição, a um enfatizar que sempre existiram muitos plano maligno, conspiratório e negativo, pontos de fissura nessa hegemonia na época medieval. católica. É preciso considerar que, por exemplo, a própria conversão dos IHU On-Line - O modo como é germânicos se deu primeiro mediante a tratado gênero no filme heresia do arianismo, movimento corresponde à forma como era feita considerado herético na História da na Idade Média? Igreja, condenado pelo Concílio de Alfredo Culetton --- Entendo que Nicéia (325). correspondem, mas chama a atenção Os séculos XI e XIII são conhecidos que as ordens religiosas femininas como, quando se multiplicaram recebessem alfabetização e rudimentos heresias na Europa Ocidental. Nessa da língua grega. As mulheres eram mais época, a Igreja organiza Cruzadas que, discriminadas nas famílias que nas não apenas se dirigem à Jerusalém para ordens. lutar contra os infiéis, mas também se voltam ao sul da França para combater Nilton Mullet Pereira - Os a heresia cátara, na famosa Cruzada historiadores não estabelecem Albigense. A oficialização da Inquisição comparações entre o papel da mulher

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 484848 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 na sociedade medieval e o papel da e a própria Heloisa, sugerem um papel mulher na sociedade contemporânea. muito mais significativo para a mulher Realizar esse intento teria como naquela sociedade de homens: conseqüência escrever uma guerreiros ou padres. Ao mesmo tempo, história/julgamento e, ao mesmo tempo, é possível sugerir que um uma história evolutiva. Julgaríamos a acontecimento como o amor de Idade Média com base no estado das Abelardo e Heloisa, tenha sido a relações de gênero do presente e irrupção do intempestivo, um evento sugeriríamos que houve uma incrível herético em relação ao seu tempo, tal evolução no modo como as mulheres como foi, no meu entendimento, o eram tratadas naquela época, amor cortês. impingindo aos medievais a pecha de machistas – o que seria completamente IHU On-Line - Como estão inadequado. representadas, na obra, as A Idade Média era uma sociedade de universidades, surgidas naquele homens. E no interior dessa sociedade período? pouco espaço havia para a mulher e Alfredo Culetton - Fica difícil dizer para o amor pelas mulheres. O amor se com exatidão quando surgiram as constituía em uma amizade entre universidades; certamente a escola onde homens. O amor de Abelardo e Heloisa Abelardo lecionava foi o embrião do pode ser visto, então, num contexto de que posteriormente conheceremos por enfraquecimento, como já disse, do universidade. Encontramos, desde predomínio da Igreja, do surgimento de aquele tempo, as bandeiras da novos grupos sociais desvinculados do liberdade de ensino, a autonomia com sistema de relações feudais, do relação aos poderes instituídos, o renascimento da vida urbana e deboche, os ritos de iniciação, o teatro, comercial e, finalmente, numa época de o lugar da dúvida, do questionamento e enaltecimento da figura feminina, do debate. A universidade, desde aquela exemplificada pela poesia trovadoresca, época, é o lugar da busca crítica das pelo culto à Maria etc... Então, o amor à condições de possibilidade do real, das Dama contado pelos trovadores, o culto verdades dadas, ou reveladas, da crítica à virgem Maria e o destaque de da moral, e isso está muito bem 33 mulheres como Hildegarda de Bingen apresentado no filme.

33 Hildegarda de Bingen ou Hildegard von Bingen IHU On-Line - Como está retratada a (1098-1179): mística, filósofa, compositora e escritora alemã, abadessa de Rupertsberg em Filosofia no filme Em nome de Bingen. Hildegarda foi autora de várias obras Deus ? musicais de temática religiosa incluindo Ordo Virtutis , uma espécie de ópera que relata o Alfredo Culetton - Aparecem poucos diálogo de um grupo de freiras com o Diabo. É elementos estritamente filosóficos, mas autora dos dois dos únicos livros de medicina um que se destaca é a exigência de vida escritos na Europa no século XII, onde celibatária para Abelardo por ser mestre demonstrou um conhecimento notável de plantas em Filosofia. Esta exigência celibatária medicinais. Hildegarda alegava ter visões inspiradas por Deus. Segundo ela foi Ele que a não é uma exigência da parte da igreja, incentivou a contá-las em livros. A primeira que só exige isso dos clérigos e colectânea destas visões Scivias foi completada consagrados. Esta exigência é própria em 1151. A esta obra seguiram-se Liber vitae da tradição platônica atribuída ao fato meritorum e De operatione Dei ... Atualmente pensa-se que estas visões possam representar de o filósofo estar lidando com um sintomas de enxaqueca. A sua fama de mística e santidade ultrapassou as fronteiras do seu diversas entrevistas com Hildegarda, a abadessa convento e do seu país, chegando a Roma. O foi considerada sã. Após quatro tentativas de Papa Eugénio III estabeleceu uma comissão para canonização, Hildegarda permanece apenas investigar a sanidade de Hildegarda e a validez beatificada. (Nota da IHU OnOn----LineLine ) das suas obras. A comissão visitou Bingen e após

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 494949 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 saber sagrado e superior que seria modo de contar a história, tendo como profanado pelas urgências do mundo e ponto de referência uma certa do cotidiano. sociedade e uma certa cultura que servem de modelo á sociedade liberal. IHU On-Line – Chamar a Idade O interesse pela Idade Média pode Média de “Idade das Trevas” é um expressar duas situações distintas: por preconceito? A que o atribuem? um lado, pode ser fruto de um desgaste Alfredo Culetton - A história é contada dos modos de construir nossas noções pelo detentor do discurso hegemônico, de mundo herdadas do Iluminismo, no caso, o Iluminismo; quanto mais como se observa na crítica à moral obscura a Idade Média, mais claro o liberal e burguesia, elaborada por 34 Iluminismo; luz e trevas, maniqueísmo Nietzsche , que toma fôlego e puro. A Idade Média parece ser, no importância nas áreas da História e da imaginário popular, aquele espaço Filosofia, principalmente, pela pesquisa carente de razão e civilidade entre e pela obra de pensadores como 35 36 Atenas e o Renascimento. O ouvido Deleuze e Foucault . Isso tem humano gosta tanto de explicações permitido desconstruir a história moral como de antagonismos simplistas. A e evolutiva e, conseqüentemente, o crise do projeto moderno chama à preconceito em relação à Idade Média, revisão esses conceitos fato que tem enfatizado a importância da Idade Média no processo de Nilton Mullet Pereira - A noção de formação da Europa Moderna e, ao Idade das Trevas está ligada a um certo mesmo tempo, aberto um imenso modo de olhar para a história legado à espaço para a afirmação de nossa sociedade pelos filósofos iluministas e seus sucessores. Tal olhar 34 Friedrich Nietzsche (1844-1900): filósofo alemão, conhecido por seus polêmicos conceitos “além- é moral, pois supõe o julgamento de do-homem”, transvaloração dos valores, niilismo, diferentes momentos da história tendo vontade de poder e eterno retorno. Entre suas como referencia a Europa esclarecida, obras figuram como as mais importantes Assim ou seja, aquela época na qual o homem Falou ZaratustraZaratustra. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998 , O AnticristoAnticristo. Lisboa: Guimarães, criou como o fundamento de toda a 1916 e A Genealogia da Moral. 5. ed. São Paulo: história e de todo o conhecimento – o Centauro, 2004 . Escreveu até 1888, quando foi “homem medida”. A Idade Média é acometido por um colapso nervoso que nunca o considerada uma época de misticismo e abandonou, até o dia de sua morte. A Nietzsche obscuridade entre o classicismo greco- foi dedicado o tema de capa da edição número 127 da IHU OnOn----LineLine , de 13 de dezembro de 2004. romano e o classicismo renascentista. O (Nota da IHU OnOn----LineLineLine). ponto é que o ideal clássico grego, 35 Gilles Deleuze (1925-1995): filósofo francês. Com revivido no Renascimento moderno, Félix Guattari, demonstrou a importância do passa a ser considerado o máximo da desejo e seu aspecto revolucionário ante qualquer instituição, inclusive a psicanalítica . Sua principal realização humana e todas as obra, de 1972, escrita em parceria com Guattari, sociedades são avaliadas baseadas nesse intitula-se O AntiAnti----ÉdipoÉdipo e tornou-se um dos livros ideal: eis a fonte de todo o mais discutidos entre os anos 1970/80. (Nota da etnocentrismo que justificou os IHU OnOn----LineLine ) 36 Michel Foucault (1926-1984): filósofo francês, foi processos colonizatórios e a destruição professor no Collège de France. Sua obra tem um de diversas manifestações culturais e enorme impacto na academia, pois perpassa étnicas pelo mundo afora. Uma história principalmente pelas áreas humanas e das moral é justamente aquela que avalia a ciências sociais, mas também pelas demais áreas situação singular de uma época ou de de estudo. A matéria de capa da 119ª edição do IHU OnOn----LineLine , de 18 de outubro de 2004, foi uma cultura com os olhos e os dedicada a Michel Foucault. O Instituto Humanitas conceitos do presente. A noção de Idade Unisinos organizou, durante o ano de 2004, o das Trevas é, sim, preconceituosa, na evento Ciclo de Estudos sobre MicMichelhel FoucaultFoucault. medida em que ela é produto de um (Nota da IHU OnOn----LineLine )

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 505050 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 subjetividades ou de identidades étnicas e de gênero, que foram, por muito IHU On-Line - Gostaria de tempo, negligenciadas pelo estudo acrescentar algum aspecto que não acadêmico, pelas escolas e pelo Estado. foi perguntado? Por outro lado, o interesse pela Idade Alfredo Culetton - Como em qualquer Média pode estar vinculado ao fascínio outro tempo da humanidade, na Idade pelo místico, pelo fantástico, pelo Media encontramos trevas, mas também miraculoso, muito comuns na esforços de compreensão com a sociedade contemporânea. O recepção dos clássicos gregos sobretudo imaginário do homem esclarecido de Platão e Aristóteles, de diálogo europeu sempre necessitou da intercultural com árabes e judeus, de construção de espelhos que servissem dignificação e de construção dessa de modelo para formar a si mesmo realidade, conceitual e possível, qual como um homem racional, crítico, seja a de humanidade. Qualquer esforço representante pleno da fase adulta das nesse sentido nos enobrece. nações.

SINOPSE Em nome de Deus (Stealing Weaven, 1988, Inglaterra/Iugoslávia) Direção: Clive Donner O filme Em nome de Deus , dirigido por Clive Donner, tem como tema a história de amor vivida por Abelardo (1079-1142) e Heloísa (1101-1164), cujos corpos repousam hoje lado a lado no cemitério Père Lachaise, em Paris. Abelardo tinha 39 anos e Heloísa, sua aluna, 17, quando se apaixonaram perdidamente, tendo vivido uma trágica história de amor. Naquele tempo, as escolas ainda eram anexas às sacristias e era exigida a castidade dos docentes. Culto e inteligente, Abelardo conhecera Heloísa por intermédio do tio dela, o cônego Fulbert. Tendo a moça engravidado, Abelardo resolveu abandonar a ordem religiosa e desposá-la. Não havia impedimento nenhum, já que ele não recebera ainda as ordens maiores, mas a família da moça não aprovou a solução. Indignado, o cônego contratou bandidos para prender e castrar Abelardo. Depois de recluso num convento, Abelardo escreveu várias obras de teologia. Denunciado como herético, foi levado a um tribunal presidido por São Bernardo (1090-1153), conselheiro de reis e papas e pregador da segunda Cruzada. O resultado foi sua condenação. Abelardo recorreu a Roma e morreu durante o julgamento de sua apelação. Quanto a Heloísa, também entrou para um convento, do qual foi madre superiora, tendo vivido ainda 22 anos depois da morte do amado. Nunca mais teve outro amor. Abelardo narrou seus infortúnios no livro Histórias de minhas desgraças . François Villon e Eugene Scribe, entre outros, escreveram sobre o tema. Há também diversas biografias desses amantes que protagonizaram uma das mais célebres histórias de amor.

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 515151 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 Ciclo de Estudos sobre “O Método”, de Edgar Morin A próxima edição do Quarta com Cultura Unisinos, acontecerá neste dia 19 de outubro, na Livraria Cultura, em Porto Alegre, das 19h30min às 21h30min, com o tema O Direito no paradigma da Complexidade, dando continuidade ao Ciclo de Estudos sobre “O Método”, de Edgar Morin . O palestrante é o Prof Dr Leonel Severo Rocha, docente no PPG em Direito da Unisinos, do qual também é coordenador. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria, Leonel Rocha é mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. O professor Leonel doutorou-se em Direito pela École des Hautes Études en Sciences Sociales com a tese Lei e Liberdade: O pensamento de Rui Barbosa , e obteve o pós-doutorado pela Università degli Studi di Lecce, da Itália. É autor de vários livros, entre os quais citamos: A Democracia em Rui Barbosa: O Projeto Político LiberalLiberal----RacionalRacional . Rio de Janeiro: Liber Juris, 1995; e Epistemologia JurídicJurídicaa e Democracia . 2. ed. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003. A história de vida do professor está contada na editoria IHU Repórter da 73.ª edição da IHU OnOn----LineLine , de 1º de setembro de 2003. IHU OnOn----LineLine também o entrevistou na 115ª edição, de 13 de setembro de 2004, a respeito do tema por ele desenvolvido no evento Ciclo de Estudos sobre “O Método”, de Edgar MorinMorin, promovido pelo IHU no ano passado, na ocasião em que apresentou o seminário O direito no paradigma da complexidade , dia 16 de setembro de 2004. A apresentação do livro El derecho de la sociedad , de Niklas Luhmann, esteve sob sua condução em 15 de março de 2005, e sobre o assunto concedeu entrevista à IHU OnOn----LineLine nº 132, de 14 de março de 2005.

Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia Discutir A era industrial e a contribuição de Marshall, com um enfoque especial na obra Principles of Economics , escrita em 1890 pelo economista Alfred Marshall (1842-1934). Esse é o objetivo do encontro desta quinta-feira, 20 de outubro, no I Ciclo de EstudEstudosos Repensando os Clássicos da Economia.Economia. A palestrante é a Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Gonçalves da Silva, docente na Unicamp, em São Paulo. Anote o local e horário para participar: Sala 1G119, do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), das 14h às 17h. Ana Lúcia é doutora em Economia pela Unicamp com a tese Concorrências sob condições oligopolísticas: contribuição das análises centradas no grau de atomização/concentração dos mercados, publicada como livro pela Unicamp, em 2004.

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 525252 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 IHU Idéias

A influência do capital social na saúde coletiva

O Espaço Pensamento da 20ª Feira do Livro de São Leopoldo, na Praça 20 de Setembro, mais conhecida como Praça da Biblioteca, em 13 de outubro, sediou o IHU Idéias que discutiu A influência do capital social na saúde coletiva. Sob a coordenação do Prof Dr Marcos Pascoal Pattussi, a palestra iniciou às 17h30min e estendeu-se até as 19h. Sobre esse assunto, confira a entrevista concedida pelo palestrante à edição 159 da IHU OnOn----Line,Line, de 10 de outubro de 2005.

A cozinha temática: da tradicional à fusion A cozinha temática: da tradicional à fusion é o tema deste IHU Idéias, que se realizará quinta-feira, 20 de outubro, sob a responsabilidade da Prof.ª Dr.ª Maria Eunice Maciel, da UFRGS. O evento, gratuito e aberto a todos os interessados, acontecerá na Sala 1G119 do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), das 17h30min às 19h. Maria Eunice é cientista social pela UFRGS e especialista em História do Rio Grande do Sul pela mesma instituição. Cursou, ainda, uma especialização em Antropologia Social pela Université Paris V (René Descartes), França, e mestrado na mesma área pela UFRGS. Seu doutorado, também em Antropologia Social, foi realizado na Université Paris V (René Descartes), França, com a tese Le gaúcho brésilien – identité culturelle dans le Sud du Brésil. Atualmente, coordena um projeto de pesquisa na UFRGS, voltado à cultura e à alimentação. É co-autora do livro De escravo a liberto, um difícil caminho. Porto Alegre: IEL, 1988 e organizou Antropologia e ética. O debate atual no Brasil. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2004.

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 535353 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 Encontros de Ética

Programando resultados. Seus ou dos outros?

O Prof MS Francisco Duarte de Castro Ferreira Carmo, da Unisinos, foi o responsável pela condução dos Encontros de Ética da última segunda-feira, 10 de outubro. A atividade aconteceu das 17h30min às 19h, na Sala 1G119 do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), e teve entrada franca.

Ética e crise política no Brasil

Entrevista com Solon Viola A crise política brasileira a partir de um olhar ético é o assunto que o Prof MS Solon Eduardo Annes Viola discutirá na próxima segunda-feira, dia 24 de outubro, das 17h30min às 19h, na Sala 1G119 do IHU, em mais uma edição dos Encontros de ÉticaÉtica. Por e-mail, o professor Solon concedeu entrevista à IHU OnOn----Line,Line, adiantando alguns aspectos de sua apresentação. Solon é graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é mestre em História pela Unisinos e doutor em Ciências Sociais Aplicadas, também na Unisinos, com a tese Movimento de Direitos Humanos e a redemocratização: da ditadura sem disfarces à constituinte cidadã (1968-1988). Organizou algumas obras, sendo a mais recente Direitos Humanos --- Alternativas de Justiça Social na América Latina . São Leopoldo: Unisinos, 2002. Ivete Leocádia Manetzeder Keil e Paulo Peixoto de Albuquerque são co-organizadores deste livro. Ele apresentou a obra A nova política de classes , de Klaus Eder . Bauru: Edusc, 2002, em 19 de maio de 2004, no evento Abrindo o Livro,Livro, promovido pelo IHU, e sobre o tema concedeu entrevista à edição 101 da IHU OnOn----LineLine , de 17 de maio daquele ano. Na edição 110, de 9 de agosto de 2004, Solon falou sobre O ato educativo carrega em si o compartilhamento entre educadores, e em 1º de agosto de 2005, na edição 149, deu um depoimento analisando as raízes históricas da corrupção no Brasil. A apresentação do Caderno IHU em Formação n. 4, de 2005, intitulado Ditadura. 1964: A Memória do Regime Militar foi por ele escrita.

IHU On-Line- Qual é sua análise da sabedoria os limites da ética como crise política sob um olhar ético? orientadoras das ações do Príncipe. A Solon Viola- Sempre foi tênue a relação origem do primeiro mandato do da política institucional com os presidente George W. Bush é pressupostos filosóficos da ética. significativa do pragmatismo político Maquiavel ensinou com pedagógica contemporâneo. Em nosso país, a

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 545454 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 dimensão ética da crise não se resume à dos pontos de maior destaque do ação individual dos políticos. Ao partido, a ética? contrário, está solidamente enraizada Solon Viola- O Partido dos num sistema de poder que restringe a Trabalhadores foi organizado ao longo participação da sociedade, beneficiando da reforma política que marcou a crise a Casa Grande, o parque industrial ou o do autoritarismo e o restabelecimento sistema financeiro. Quando a ação da democracia política. Na institucional não serve à sociedade, compreensão dos estrategistas da então os pressupostos éticos que abertura política, seria indispensável deveriam reger o fazer político são dividir as oposições para conservar o substituídos pela pequena política do poder.. Nessa conjuntura, ao PT coube benefício pessoal ou de grupo. Na organizar os setores sociais críticos não aparência essa é a situação atual. O que só ao regime militar, mas, a aparência esconde é o conflito que principalmente, ao sistema econômico existe, e é legítimo, pela controle do que aquele regime servia. Entre os processo histórico. princípios que distinguia o Partido dos Trabalhadores dos demais partidos IHU On-Line- Política brasileira e nascidos na ocasião, um deles era a ética são conceitos incompatíveis? profunda relação com os movimentos Solon Viola- Se fossem incompatíveis sociais e com uma parte considerável como explicaríamos as ações dos dos pensadores críticos, encontrados movimentos sociais? O processo que em diversos setores da sociedade. Outra levou a redemocratização as milhares das características era o apurado senso de pessoas que continuam a participar de fazer política de uma nova forma dos inúmeros movimentos sociais que a distinta da tradicional, ou seja, mais sociedade vem construindo ao longo do comprometida com a sociedade civil e tempo? Mesmo no criticado Congresso o movimento social do que com o Nacional, encontramos parlamentares Estado e suas formas clássicas de ação. que permanecem eticamente Esse capital cultural e político tem sido comprometidos com seus eleitores e fundamental para o enraizamento e o com seus discursos. O que precisamos é crescimento. No entanto, ao privilegiar ampliar os espaços de participação, a conquista do poder por meio de uma passarmos da já conquistada, mas não política fisiológica de alianças, o partido suficientemente testada, democracia abriu mão desse patrimônio ético. representativa para uma democracia Olhar o futuro é sempre uma ousadia ativa que possibilite, que deveria ser evitada, porém a concomitantemente, acompanhar e história tem ensinado que não se pode influir sobre as ações do Parlamento, do voltar ao que passou. Não bastará ao PT Judiciário e do Executivo e manifestar reencontrar suas raízes históricas, será sua vontade pelas decisões diretas como preciso compreender as novas as possibilitadas por referendos e conjunturas, nacional e internacional, e plebiscitos. Precisamos, também, e com traçar projetos políticos, capazes de alguma urgência, rever as relações entre reaproximar seus militantes e suas a Nação e a mídia que, com seu lideranças com os movimentos sociais e monopólio, tem se revelado capaz de a sociedade civil. Se não o fizer, a manipular a realidade, selecionar sociedade irá refazer suas formas de informações, demonizar correntes de organização sem sua presença. pensamento, ridicularizar pessoas e instituições. IHU On-Line- Punir os culpados será suficiente para diminuir o IHU On-Line- Qual é o futuro do PT desencanto da população em após essa crise, já que ele feriu um relação à política?

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 555555 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 Solon Viola- O desencanto da primeiro modelo, a concentração de população é maior do que a possível poder é de tal ordem que os participação de seus representantes em governantes não necessitam prestar negócios fraudulentos. É um contas de seus atos e a ética que sentimento marcado pela perda da predomina é a da eficiência de seus utopia, da esperança, aquela feita de projetos (recorde-se o dístico aspirações possíveis de conquistar. publicitário do general Garrastazu Quantos são os culpados? Uma vez Médici “o povo vai mal, mas o País vai punidos, serão eliminados os bem”). No segundo modelo, os mecanismos que permitiram seus princípios e os objetivos a serem envolvimentos em práticas alcançados são tratados como produtos parlamentares corriqueiras que tratam a serem negociados (lembre-se a questões políticas como um negócio? A clássica expressão “é dando que se punição de acusados, sendo estes recebe”). Não raro as duas noções culpados ou inocentes, tem sido caminham juntas e se complementam. freqüente nas últimas décadas, desde a cassação indiscriminada de “corruptos e IHU On-Line- Poderia enumerar subversivos” do período militar, até os algumas razões sobre a corrupção inefáveis apoiadores da “aventura em nosso país? collorida” e dos anões do orçamento. Solon Viola- Destacaria, entre muitas as Praticamente não passamos nenhum seguintes: nossa herança colonial; a período legislativo sem a cassação de impunidade dos corruptores e a um número significativo de culpabilização das vítimas. A herança parlamentares ou daqueles que colonial nos condicionou a admirar as renunciam a seus mandatos para culturas dominantes e a imitá-las, não voltarem, de certa forma, “absolvidos” permitindo construirmos uma pelo voto. O desencanto em relação à dimensão social capaz de amparar os política está mais intensamente ligado à sentimentos nacionais como uma percepção de que a política não trata construção coletiva. Nossa das questões fundamentais para a vida subserviência fez com que as elites da população e tem sido incapaz de, nacionais olhem para a população com minimamente, demonstrar a existência desprezo e arrogância como se os de medidas capazes de alterar as direitos civis e políticos pertencessem a condições sociais de imensa uma pequena parcela da sociedade.. desigualdade e de enfrentar a já Sem tais direitos não conseguimos insuportável carga de injustiça social. construir uma cultura política capaz de De outro lado, torna-se presente para a conter os corruptores e de elaborarmos população a necessidade de investigar uma legislação capaz de, sendo também os corruptores e de rever os democrática, ser suficientemente mecanismos que possibilitam a rigorosa para punir os culpados e permanência dessa prática na vida absolver os inocentes. Carregamos, nacional. ainda, a herança colonial que atribui aos pobres as razões de suas pobreza. IHU On-Line- Do ponto de vista histórico, como a ética tem se IHU On-Line- Como a ética pode configurado na política brasileira? fundamentar o agir político nas Solon Viola- A história brasileira tem democracias modernas? convivido com duas noções Solon Viola- Ampliando os espaços de diferenciadas de poder, uma de forte participação da cidadania de tal forma conteúdo autoritário, outra de resolver que as democracias representativas, os conflitos políticos mais com conquistadas pelas lutas sociais na negociações do que de mediação. No década de 1980, sejam acompanhadas

IHU ONLINE • WWW.UWWW.UNISINOS.BRNISINOS.BR /IHU 565656 SÃO LEOPOLDO, 17 DE OUTUBRO DE 2005 de uma cidadania ativa por meio de municípios e das regiões, como se pode processos participativos que constituam observar com experiências como a do desde ações nacionais como plebiscitos orçamento participativo e do referendo e referendos até ações locais e sobre o desarmamento, no âmbito do específicas, tanto na dimensão do Estado, e dos movimentos de Estado nacional como da sociedade preservação do meio ambiente e de civil. Ações que, gradativamente, já têm lutas pela melhoria da qualidade de revelado um movimento de vida, na sociedade civil. transformação da cultura política dos

Sala de Leitura

“Lucía Etxebarria é uma autora crítica e revolucionária. Pode, ao mesmo tempo, ser adorada e odiada, principalmente, porque é capaz de dizer “na lata” o que a maioria dos escritores espanhóis (e quem sabe brasileiros) evitam dizer, escondendo-se atrás de uma linguagem rebuscada e distante. Ela não se distancia, pelo contrário, fala do público e do privado com muita naturalidade. Consegue tratar os temas do imaginário feminino do jeito que realmente são, e não como as pessoas querem que sejam. Em La Eva Futura (Etxebarria, Lucía. La Eva futura: cómo seremos las mujeres del siglo XXI y en qué mundo nos tocará vivir; La letra futura: el dedo en la llaga: cuestiones sobre arte, literatura, creación y crítica / Lucía Etxebarria. Barcelona: Destino, 2000. ). Escreve sobre a vida, sobre incertezas, medos e vaidades da mulher atual e faz uma prospecção sobre a mulher deste novo século. Refere-se a um mundo artificial, contaminado em que as estruturas familiares se desintegram, os alimentos são manipulados e a realidade translada-se ao virtual. Também fala do cotidiano da mulher com TPM, do prozac, de amores e desamores, das conquistas e perdas como uma proximidade tremenda do(a) leitor(a). As histórias são curtas e marcantes, capazes de provocar o leitor a tomar partido, pensar, refletir sobre o espelho. É interessante, e vale a pena ser lido (por mulheres e homens)”. Profa. Dra. Marcia Luconi Viana, psicoterapeuta, doutora em Psicologia da Saúde e da Família. Professora nos Cursos de Psicologia e Nutrição da Unisinos.

“Eu acabo de ler uma conferência do pesquisador Jesús Martín- Barbero, realizada em 2002, na Universidad de la República, no Uruguai. Barbero faz um balanço das tendências em Comunicação na América Latina, passando pela questão das culturas, sem esquecer o ideológico e os discursos que o permeiam, a questão das cidades, seus medos, refúgios e descentramentos (que, aliás, aparece muito bem na edição número 151, de 15 de agosto de 2005, da IHU On Line , ao tratar da sedução dos shopping centers ) e a questão das novas tecnologias, um tema que venho estudando desde 2004. Comecei a ler Tiempo Presente --- notas sobre el cambio de una cultura (Siglo Veitiuno Editores, 2003), da argentina , que já tem livros traduzidos para o português. É uma autora cujos livros devem fazer parte da biblioteca de quem se interessa pelas modificações sociais, culturais e tecnológicas que estamos passando. Ela fala da Argentina, mas, em vários momentos, poderia tratar-se de qualquer outro país latino-americano”. Profa. Dra. Cosette Castro, doutora em Comunicação, professora no Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Unisinos.

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Estou lendo o livro Caos e Complexidade (São Paulo: Campus) do Prof. Ilan Gleiser. O autor analisa a temática da complexidade, a qual foi um avanço importante para o reconhecimento de que o mundo da economia e da gestão é significativamente complexo, dinâmico e, muitas vezes, pode estar em total desordem. Nesse contexto, porém, também é possível encontrar padrões, ordem dentro da desordem, em que pequenas variações em condições iniciais têm grande impacto em trajetórias futuras (exemplo de efeito borboleta da denúncia de fraude dos correios lá em Brasília, ou talvez algo antes disso, com todas as suas conseqüências). Essa dinamicidade pode ser representada matematicamente por equações não-lineares, e então podemos projetar interessantes análises no processo decisório empresarial. A obra transcorre em motivadoras análises de imprevisibilidade do comportamento não-linear e de toda a incerteza que torna o ensino da ciência social tão difícil, mas também tão desafiador. Prof. Dr. Adolfo Vanti, doutor em Administração, professor no Centro de Ciências Econômicas da Unisinos.

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