Vozes Marginais Na Literatura 2

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Vozes Marginais Na Literatura 2 Vozes marginais na literatura 2 Vozes marginais na literatura Érica Peçanha do Nascimento Este livro foi selecionado pelo Programa Petrobras Cultural Apoio Copyright © 2008 Sérgio Vaz A ideia de falar sobre cultura de periferia quase sempre esteve COLEÇÃO TRAMAS URBANAS associada ao trabalho de avalizar, qualificar ou autorizar a pro- curadoria dução cultural dos artistas que se encontram na periferia por HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA consultoria critérios sociais, econômicos e culturais. Faz parte dessa per- ECIO SALLES cepção de que a cultura de periferia sempre existiu, mas não projeto gráfico tinha oportunidade de ter sua voz. CUBÍCULO FAVELA TOMA CONTA No entanto, nas últimas décadas, uma série de trabalhos vem produção editorial mostrar que não se tratam apenas de artistas procurando ROBSON CÂMARA inserção cultural, mas de fenômenos orgânicos, profunda- copidesque DIANA DE HOLLANDA mente conectados com experiências sociais específicas. Não revisão raro, boa parte dessas histórias assume contornos biográficos JULIANA WERNECK de um sujeito ou de um grupo mobilizados em torno da sua peri- revisão tipográfica ROBSON CÂMARA feria, suas condições socioeconômicas e a afirmação cultural de suas comunidades. B996f Essas mesmas periferias têm gerado soluções originais, criati- Buzo, Alessandro, 1972- vas, sustentáveis e autônomas, como são exemplos a Cooperifa, Favela toma conta / Alessandro Buzo. -Rio de Janeiro : Aeroplano, 2008.-(Tramas urbanas ; 10) o Tecnobrega,o Viva Favela e outros tantos casos que estão ISBN 978-85-7820-008-4 entre os títulos da primeira fase desta coleção. 1. Buzo, Alessandro, 1972-. 2. Homens - Brasil - Biografia. Viabilizado através do patrocínio da Petrobras, a continuidade I. Título. II. Série. do projeto Tramas Urbanas, trata de procurar não apenas dar voz 08-2851. CDD: 920.71 à periferia, mas investigar nessas experiências novas formas de CDU: 929-055.1 responder a questões culturais, sociais e políticas emergentes. Afinal,como diz a curadora do projeto, “mais do que a Internet, 10.07.08 14.07.08 007607 a periferia é a grande novidade do século XXI”. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AEROPLANO EDITORA E CONSULTORIA LTDA Av. Ataulfo de Paiva, 658 / sala 401 Leblon – Rio de Janeiro – RJ CEP: 22440 030 TEL: 21 2529 6974 Telefax: 21 2239 7399 [email protected] www.aeroplanoeditora.com.br Na virada do século XX para o XXI, a nova cultura da periferia se impõe como um dos movimentos culturais de ponta no país, com feição própria, uma indisfarçável dicção pró ativa e, claro, projeto de transformação social. Esses são apenas alguns dos traços de inovação nas práticas que atualmente se desdobram no panorama da cultura popular brasileira, uma das vertentes mais fortes de nossa tradição cultural. Ainda que a produção cultural das periferias comece hoje a ser reconhecida como uma das tendências criativas mais impor- tantes e, mesmo, politicamente inaugural, sua história ainda está para ser contada. É neste sentido que a coleção Tramas Urbanas tem como seu objetivo maior dar a vez e a voz aos protagonistas deste novo capítulo da memória cultural brasileira. Tramas Urbanas é uma resposta editorial, política e afetiva ao direito da periferia de contar sua própria história. Heloisa Buarque de Hollanda Para o Júlio, orientador de sonhos. E a todos os escritores que protagonizam a movimentação cultural aqui registrada. A minha tia Maria José e ao meu afilhado Cleiton, pelos afagos e sorrisos. Ao querido Clóvis Sá, por ter sido tão prestativo em diferentes momentos da escrita e pela pesquisa das imagens. A Eliete Reis Sereno, que fez uma revisão atenta do texto original. Agradecimentos Aos meus padrinhos Alceu Bruno e Maria Ercy do Nascimento, Agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São com quem sempre posso contar. Paulo, que financiou a pesquisa de mestrado que deu origem a Aos livreiros José Adão e Marciano Lourenço, pelos prazos gene- este livro e também apoiou esta publicação. rosos para pagamento dos livros, conversas e poesias. Ao professor Dr. Júlio Assis Simões, pela orientação intelectual A Ana Paula Corti, Bel Santos, Denise Botelho e Vera Lion, pelas e por tantos gestos de carinho, solidariedade e estímulo. oportunidades profissionais. As professoras Dra. Angela Alonso e Dra. Heloisa Pontes, pelas A todos os escritores aqui investigados, sobretudo aos que leituras críticas em diferentes etapas deste trabalho. me concederam entrevistas. Sou grata ao Ferréz, Sacolinha e Ao professor Dr. Heitor Frúgoli Jr., pelas contribuições que não Sérgio Vaz, que me emprestaram suas histórias de vida e seus se resumem ao texto que integra este livro. textos. Agradeço muito especialmente ao Sacolinha: sempre disponível, sempre generoso. E ao Ferréz, pelo interesse em ler, Aos colegas e amigos que incentivaram, torceram e ajudaram comentar e participar deste trabalho. em variados momentos: Adriano Ropero, Angelita Garcia, Bruno Camargo, Camila Silva, Clodoaldo Paiva, Daniela Amaral, Danillo Gostaria também de deixar registrada a minha gratidão às queri- Borges, Elaine Bulgarelli, Gebert Aleixo, Geraldo Santos, Íris das Elizandra Souza e Claudia Canto. Ao Allan da Rosa, Alessandro Araújo, Isabela Oliveira, José Júlio Leite, Juliana Santana, Kleber Buzo e Dugueto Shabazz, pela atenção que me deram; e ao casal Valadares, Liliane Oliveira, Lucélia Letta, Luciana Santos, Márcio Neide e Robson Canto, pela companhia nos eventos. Calixto, Marilene Valadares, Rafael Oliveira, Rodrigo Medeiros, Aos pesquisadores com os quais tenho dialogado sobre a produ- Rogerio Tozzi, Ronaldo de França e Shirley Mesquita. ção cultural periférica e construído laços afetivos: Anna Carolina A incrível Maria Carla Corrochano, por me ensinar e me ouvir, rir e Lementy, Antonia Gama, Jorge Américo, Mário Medeiros, Numa chorar comigo. Ciro e Silvia Ramos. A Isadora Lins França e Regina Facchini, que são ombros e colos, Aos fotógrafos que me cederam as imagens que compõem inteligência e generosidade a toda hora. este livro. Aos familiares que me apoiaram neste e em tantos outros proje- A Heloísa Buarque de Hollanda e Eleilson Leite, pelo carinho e tos: mamãe, minha irmã Leila, minhas primas Eliane e Elizangela, empenho para que esta publicação se tornasse possível. e ao casal Jandira Nascimento e Nilson Alves. Especialmente ao Ao polivalente Zé, pelo amor e por tudo que não cabe numa meu pai, fonte inesgotável de amor, inspiração e coragem. página de agradecimentos. A pequena menina sabia que era muito difícil seguir uma traje- tória diferente daquela que as pessoas traçam no imaginário, muitas vezes um destino igual, padrão como a grande massa, eles sempre traçam planos pra gente, menina, sejam da sua família ou não. Decidiu lutar, ficou os quatro anos da graduação devendo a faculdade, saiu de lá e ficou desempregada por três anos, não Prefácio tinha estrutura, escritório pronto, empresa lhe esperando, mas também nunca ficou reclamando. Fazia bicos como digitadora, Uma menina na capital da solidão chegou ao mestrado e conseguiu uma bolsa de estudos já no segundo semestre, e foi quando passou a ter uma renda fixa. O sinal da escola era seu despertador, embora não fizesse eco na casa de dois cômodos. A mãe começou a alisar seu cabelo O prato da pequena estava feito na geladeira, feijão, arroz, quando ela tinha dez anos. Tudo bem que ela queria ser bor- batata frita, e carne, sempre carne, é o que a espera quando os boletinha da Mara Maravilha (tipo paquita da Mara); mas pra livros acabarem de contar suas histórias. balancear, você conheceu algum adolescente que gostava do Pra quem nunca sentiu fome, não adianta tentar mostrar a mara- Milton Nascimento? Ela tem essa vantagem. vilha de se ter um prato desses em casa, o barraco vira castelo. O pai assinava o círculo do livro, e tem uma trajetória como Durante a leitura, a gastrite finge ficar quieta, mas quando vai liderança do bairro, coisa que influenciaria a pequena para a escrever sobre a marginália, ela ataca, café demais pra uma vida toda. menina, realidade demais pra uma mulher da periferia. A menina leu Negras raízes, Steve Biko, Malcom X, Nelson O sistema perdeu, não virou mão-de-obra barata, era algo mais Mandela e Florestan Fernandes, e com este último descobriu a menina, ousava viver do intelecto. sua profissão. Não é fácil ser só mais uma na platéia. A mãe da pequena tricotava, e a menina apoiava os livros nas blusas que usava. Já falou com tanta gente, já colheu tantas entrevistas, e no prin- cípio até falavam algo de verdade. Dizia que ia estudar, estudar muito pra ninguém machucar. Mas com o tempo, ficaram secos, didáticos, politicamente cor- Comprar pão, limpar a casa, cozinhar, cuidar do seu irmão mais retos, e as respostas veem com mais orgulho do que serenidade, novo, até curso de corte e costura já tinha feito, a pequena que ela sabe, veio do mesmo lugar, sente as mesmas coisas. hoje vive para o estudo também é uma exímia dona de casa. Os estudiosos costumam sumir, difícil alguém mandar a tese Cansou de ouvir “você é tão inteligente, por que não vai tra- pronta, esse argumento dificulta seu trabalho, os autores que balhar no banco?” ou “você fala tão bem, por que não procura ela estuda são tristes, sofridos, machucados. emprego no shopping?”. Mas a menina sempre voltava, sempre esta lá, sentada numa Se o escrito é o testemunho dos muleke que um dia manipula- das cadeiras e, pra piorar, sempre nas quebradas. ram os fuzil bic, e se tornaram narradores do próprio trajeto, ela se torna guardiã da bibliovida do gueto. Ela sabe do importante papel que as histórias registradas em livros e teses têm para a manutenção do poder da elite, dos racis- Vida grande a litera-rua! tas, dos meios de comunicação e é por isso que, quando escreve, Ferréz ouve música de fundo, periferia é cheia de chiados, ecos e restos Capão Redondo, de conversas que sobem e descem os telhados cinzas.
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