ANEXO A-1: Cronologia de Heron de Alencar

ANEXO A-2: Entrevistas (retirados da versão final)

ANEXO A-3: Notas diversas em periódicos sobre Heron de Alencar

ANEXO A-4: Seleção: Textos de HA em A Tarde utilizados nesta dissertação

1 1 - -

A A

Cronologia o o

x x e e n n

A A

Conheci Heron em Brasília, quando organizávamos a Universidade do Distrito Federal. Juntos colaborávamos nessa obra esplêndida que marcou um momento decisivo do ensino em nosso país, quebrando velhas rotinas, preconceitos e normas superadas; abrindo para a Universidade um campo novo, atualizado e flexível, capaz de atender a todas as solicitações da vida brasileira. Recordo seu entusiasmo e a convicção com que lutava pelas reformas indispensáveis, e a clareza com que defendia seus pontos-de-vista, baseados em muitos anos de estudo e saber. E o fazia dentro de uma linha política progressista, visando a grandeza de nossa pátria, sua independência econômica e política...

NIEMEYER, Oscar. O irmão Heron. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 jan. 1972. 1 CRONOLOGIA DE HERON DE ALENCAR

1921 - Nasce Francisco Heron de Alencar em Crato, Ceará, Brasil, a 8 de novembro. 1931 - Ingressa no curso primário do Colégio Nogueira - Grupo Escolar de Fortaleza. 1932 - Ingressa no curso secundário do Educandário Cearense. 1933 - Cursa o 1º semestre no Lyceu do Ceará e o 2º semestre estuda no Ginásio da Bahia. 1934 - Estudante do Ginásio do Recife.

1935 - Volta à Bahia para o Bacharelado em Ciências e Letras do Ginásio Carneiro Ribeiro. 1937 - Vai ao Rio de Janeiro para o Pré- Universitário do Colégio Freycinet. 1939 - Retorna novamente ao Colégio da Bahia para concluir o pré-universitário. 1941 - Aprovado no curso superior da Faculdade de

Medicina da Bahia. 1938 Heron e Humberto de Alencar 1944 - Participação no Sétimo Congresso Nacional dos Salvador, Casa da Rua Pedro Autran Fotografia cedida por Inácio Alencar Estudantes, realizado pela UNE, no Rio de Janeiro.

1946 - Diplomado em Medicina pela Universidade da Bahia.

1947 - Passa a assumir a função de Redator do Jornal A Tarde, de Salvador, Bahia. Após a morte de Carlos Chiacchio, neste ano, inaugura a coluna de crítica literária e divulgação do jornal, intitulada Caleidoscópio.

1948 - Diretor da secção de Bibliotecas e Museus Escolares, da Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Bahia, até o ano seguinte. Ano em que apresentou o Plano de organização e instalação de bibliotecas e museus escolares na Cidade de Salvador, ao Secretário de Educação Profº Anísio Teixeira. - Co-fundador e redator-chefe do periódico O Povo. Bahia, Brasil. 1948/49. - Co-fundador da revista de cultura brasileira Revista Brasiliense. São Paulo, Brasil. - Publica dois textos sobre Monteiro Lobato na revista Caderno da Bahia.

1 Principais fontes de consulta: curriculum vitae (em três versões datilografadas) e documentos diversos cedidos pela família; entrevistas realizadas com amigos e familiares e diversos textos (anexados) sobre Heron de Alencar. Gentilmente, Ana Maria Alencar e Wanda Amorim dispuseram-se, via e-mail, a ler esta cronologia e acrescentar informações.

- Co-fundador e secretário geral do Centro de

Estudos e de Defesa do Petróleo e da Economia

Nacional, secção da Bahia. (Movimento

antiimperialista pela nacionalização das riquezas

1948 minerais do Brasil). Bahia. discursando no salão nobre do IGHB Fotog. reproduzida em A Tarde, de 10 out. 1992 acompanhando o texto de Waldir de Freitas Oliveira

1949 - Participação no segundo Congresso Nacional de Jornalistas, realizado em São Paulo.

- Casa-se no Natal desse ano com a bibliotecária formada pela Universidade da Bahia, Wanda Amorim. Do casamento nascem três filhas e um filho: Ângela Maria, Ana Maria, Sílvia Maria e Heron de Alencar.

Wanda Amorim Alencar, 1959 Fotografia cedida pela própria

1950 - Secretário-Geral e relator do Terceiro Congresso Nacional de Escritores, realizado em Salvador. Sobre o Congresso publica “Grande vitória da verdadeira cultura”, na revista Paratodos, do Rio de Janeiro. - Redator de Debates, interino, da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia.

- Professor contratado de Técnica de Jornalismo e de

Literatura Contemporânea, na Faculdade de Filosofia da

Universidade da Bahia.

1951 - Assessor da Reitoria da Universidade da Bahia.

Foto homenagem do curso de jornalismo - Participação no quarto Congresso Nacional de Jornalistas, (1951/52) Fotografia cedida por Inácio Alencar realizado em Recife. Por sua atuação, foi eleito o primeiro Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia. Também foi escolhido o representante da Bahia na Federação Nacional de Jornalistas Profissionais.

1952 - Torna-se efetivo no cargo de Redator de Debates da Assembléia Legislativa do Estado da Bahia - Último ano em que assina a seção Caleidoscópio no A Tarde. 1953 - Faz o concurso para livre docência em Literatura Brasileira da Universidade da Bahia. Apresenta a tese: Literatura – um conceito em crise, em agosto. - Professor Assistente dos cursos de letras da Faculdade e Filosofia da Universidade da Bahia, e Professor de Literatura Contemporânea, na escola de Biblioteconomia da mesma instituição. - Título de Doutor em Letras Neo-Latinas pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade da Bahia. - Publicação da prova escrita do concurso para livre docência, O romance modernista e Contemporâneo, na Revista Arquivos da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade da Bahia. - Obtém uma bolsa de estudos do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) para cursos cursos de pós-graduação na França, na Universidade de Paris-Sorbonne.

- Participação na II Jornadas de Literatura Hispânica. La Coruña et Santiago de Compostela, Espanha, onde apresenta a

comunicação O romance do Nordeste.

- Participação no Congresso de Poesia Espanhola. Santiago

de Compostela, Espanha, com a comunicação A poesia de 1953 Wanda Amorim e Heron de Alencar Passaporte da sua primeira viagem à França Vinícius de Moraes. Faz cursos de literatura na Universidad Fotografia cedida por Wanda Amorim.

Internacional Menendes y Pelayo. Santander, Espanha.

- Recebe o convite para colaborar com o livro A Literatura no Brasil, organizado por Afrânio Coutinho. É seu o capítulo intitulado José de Alencar e a ficção romântica.

1955 - Títulos de “Congressista Honroso” e “Medalha de ouro” do Primeiro Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros, realizado em Salvador. - Dois meses de estágio na Universidade de Madri. - Leitor (orador/palestrante) Brasileiro no Instituto de Estudos Portugueses e Brasileiros, na Sorbonne, até 1960. - Publicação de Aspectos de um romancista, na Revista Arquivos da Faculdade de Filosofia da Universidade da Bahia.

1956 - Professor de Literatura Brasileira no instituto de Altos Estudos da América Latina, da Universidade de Paris. - Vem ao Brasil, em uma viagem de três meses, e rescinde seu contrato com o jornal A Tarde, por conta de sua viagem à França.

1957 - Diretor de pesquisas e estudos pós-graduados, secção 1957 Revista Manchete de Estudos Brasileiros do Instituto de Estudos Luso- Reportagem de Justino Martins Material cedido por Adalmir da Cunha Miranda Brasileiros da Sorbonne, até 1960. - Ocupa a função de Leitor brasileiro na Sorbonne, indicado pelo Itamarati. - Faz cursos de especialização na Escola Prática de Altos Estudos de Paris. - Apresentação da comunicação Esquema para o estudo do tema do índio na literatura brasileira, no III Colóquio Internacional de Estudos Brasileiros, realizado em Lisboa. Também foi o relator da secção de Literatura Brasileira.

1958 - Membro do I Congresso Brasileiro de Etnologia e Folclore. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Brasil. - Delegado do Brasil à X Conferência Geral da Unesco. Paris. - Participação no Simpósio de Filologia Românica, realizado no Rio de Janeiro. - Membro da Sociedade de Lingüística Românica. Paris.

- Relatório ao Embaixador Paulo Carneiro, sobre as Apresentando comunicação no III Colóquio, em Lisboa, 1957 atividades da Comissão de Assuntos Culturais da X Fotografia cedida por Wanda Amorim Conferência Geral da UNESCO. - Plano de organização e projeto de orçamento do IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, apresentado à Reitoria da Universidade da Bahia. - Relatório à Reitoria da Universidade da Bahia sobre a criação do Instituto de Faculdade e de Universidade da Universidade da Bahia. - Verbetes sobre Literatura Brasileira para o Dicionário da União Pan-Americana. - Verbetes sobre autores, obras, temas e movimentos literários brasileiros para o Dicionário das Literaturas Portuguesa, Brasileira e Galega. Porto: Livraria Figueirinhas, 1960.

1959 - Membro da Comissão Organizadora e Coordenador do IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros. Bahia, Brasil. Realização de trabalhos nesta função tanto na Europa como no Brasil. - Apresentação de duas comunicações no IV Colóquio Internacional de Estudos Brasileiros: Aspectos do mundo machadiano: nota prévia sobre MPBC, e Um documento para a história da Literatura Brasileira. - Visita de observação e estudo à Universidade de Nova Iorque, pela Universidade da Bahia. - Relatório à Reitoria da Universidade da Bahia sobre a organização e publicação dos Anais do IV Colóquio Internacional de Estudos Brasileiros.

1960 - Publicação de “Quelques écrivains brésiliens traduits em français.” In: Livres de France, Paris, Hachette, a convite do então diretor da revista Léonce Peillard.(texto não obtido) - Convite da Universidade de Recife para ser membro da comissão organizadora do I Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária.

1961 - Retorna ao Brasil e profere a aula inaugural de abertura do ano letivo da Universidade da Bahia: Universidade, região e alienação cultural, publicado posteriormente, onde discorre sobre sua experiência na Universidade de Paris, e expõe suas preocupações e propostas para a Universidade Brasileira. - Concede entrevista sobre a Reforma Curricular ao jornal O Filósofo – órgão oficial dos alunos da Faculdade de Filosofia da Universidade da

Bahia. - Professor titular e Catedrático Interino de Literatura Brasileira na

Universidade da Bahia. Professor de Estudos Brasileiros, na Escola de Belas Artes da Universidade da Bahia. Professor de Literatura

Brasileira, na Escola de Biblioteconomia

O Filósofo, 1961 - Professor de Estudos Brasileiros, no Curso de Turismo e Tradição da Prefeitura Municipal da Cidade de Salvador. - Diretor e editor do Jornal da Bahia. Bahia, Brasil. - Diretor e animador (apresentador) do programa Clube de Debates na rádio e televisão da Bahia, TV Itapoan. - Co-fundador do Centro de Cultura Popular da Bahia, Brasil.

- Encarregado da comissão de organização dos institutos universitários. Universidade da Bahia. - Membro da Comissão Organizadora e expositor do Fórum Internacional sobre “O Homem Contemporâneo e suas criações”, organizado pelos Seminários Internacionais e Música da Universidade da Bahia. Brasil. - Relatórios à Reitoria da Universidade da Bahia sobre: a organização e o funcionamento da uma Universidade Internacional de Estudos Brasileiros; sobre a organização e o funcionamento do Fórum Universitário dos seminários Internacionais de Música; apresentando um manifesto de professores sobre a necessidade de reforma na Faculdade de Filosofia; sobre a reorganização do Curso de Jornalismo da Faculdade de Filosofia; (em colaboração) e ao Governo do Estado sobre a organização de um Instituto de Ciências Sociais - Encarregado da comissão de organização dos institutos universitários da Universidade da Bahia.

1962 - Encarregado da comissão de organização da fundação da Universidade de Brasília, a convite de . Assume a função de coordenador das atividades de Pós- Graduação, e de professor de Literatura Brasileira e Cultura Brasileira daquela instituição. Também foi secretário-executivo do curso de Letras Brasileiras. - Relatório à Reitoria da Universidade da Bahia, apresentando um projeto de organização da Editora da Universidade da Bahia. - Membro da comissão de estudos para a reorganização da Universidade Brasileira e das Faculdades de Letras do Brasil, no Ministério da Educação. - Membro do Conselho Diretor da Fundação Cultural de Brasília, Brasil. - Participação na Conferência Nacional de Educadores. Ministério da Educação. Brasília,

Brasil. - Participação no Simpósio sobre Organização Universitária. Diretoria do Ensino Superior. MEC. - Participação no Simpósio sobre Estatuto do Professor Universitário. Diretoria do Ensino Superior, MEC. - Conferência Nacional de Educadores. Diretoria do

Monte Santo, jan.1964 Da esquerda p/ direita: Heron de Alencar, Zanini Ensino Superior, MEC. Caldas, Deuza Caldas, Alfredo M. Vila Flor Santos e Guilherme Simões. - Co-fundador e um dos animadores (apresentadores) do Fotografia cedida por Claude Santos Centro de Cultura Popular de Brasília. - Publica Aspectos de uma interpretação das Memórias Póstumas de Brás Cubas, Estudos Universitários. Universidade de Recife. - Publica de “Cruz e Souza e o Simbolismo Brasileiro”, Ensaios e Estudos. Universidade de Brasília, Letras Brasileiras. - Prepara o texto Estrutura da Universidade de Brasília, para a Comissão de Estudos sobre reorganização da Universidade do Brasil. Rio de Janeiro.

1963 - Participação no Simpósio sobre organização e estrutura das Faculdades de Filosofia. Diretoria do Ensino Superior, MEC. - Membro do Conselho Federal de Educação. Presidência da República, Brasil. - Assistente do Governador Miguel Arraes de Alencar para as relações com as organizações sindicais e populares no plano federal brasileiro, pelas relações com a imprensa nacional; foi o encarregado da tarefa de redação. - Publicação de “A Universidade de Brasília, projeto nacional da intelectualidade brasileira.” Conferência Nacional de Educadores. Brasília. Esse texto foi publicado como apêndice I no livro de Darcy Ribeiro, A Universidade necessária, 1969. - Escreve o texto Sobre José Veríssimo, uma introdução à História da Literatura Brasileira de José Veríssimo, Brasília.

1964 –Exilado na Embaixada do México (Rio de Janeiro) em abril, onde permaneceu até 1º de junho.

- Chegada ao México em 10 de junho de

1964 com outros exilados políticos. Com o

objetivo de ajudarem-se, os exilados

brasileiros fundam a OSBE - Organização

dos Sindicalistas Brasileiros Exilados. È um

dos redatores do Correio Brasiliense -

segunda fase do jornal fundado por Hipólito Primeiro grupo dos exilados brasileiros no México, 7 set. 1964. da Costa, durante seu exílio em Londres no Ao fundou: Bandeira do Brasil em coroa de flores Da esquerda p/ direita: Gildo Guerra, Laís, Ubaldino, Heron e Wanda, Félix século XVIII, órgão cultural dos brasileiros Atayde, Luiz Mário Xavier, (?) , Alberto Pires Barbosa, Vitelbino Ferreira de Souza, Rodolfo Konder no México mantido pela Organização. De

Fotografia cedida por Wanda Amorim. Fontes de identificação: Wanda Amorim e Inácio Loyola periodicidade semanal, trazia informações pertinentes às atividades da OSBE, divulgava as principais notícias do que se passava no Brasil e outras pertinentes à vida dos exilados. - Delegado convidado à Assembléia Mundial da Educação, realizada em setembro no México, onde apresenta o texto “A Universidade Brasileira e a Universidade de Brasília”.

- Co-fundador e responsável pela comissão de redação do boletim Correio Brasiliense, editado para a organização dos exilados brasileiros no México, OSBE. México, DF.

- Conferência à Universidade Autônoma do México, Ano: 1964 título: “Os intelectuais no processo de grandes massas Local: México (arcadas da Escola Normal do México)

Da esquerda para a direita: Marinheiro Romão, Felix do Brasil” México. Escreve o texto: Los estudiantes y Athayde, Fernando Leduc, Laís e Gildo Guerra, Wanda e Heron, e Inácio de Alencar. los intelectuales brasileños en el proceso de las Foto cedida por Inácio de Alencar grandes masas. - Inicia o livro inconcluso: Problemática Dialética

1965 - Exilado em Cuba. Na sua permanência de três meses, tem um encontro com Fidel Castro, escreve um artigo intitulado: Sobre el gorilazo em Brasil, publicado no jornal Hoy, e concede entrevistas àquele e a outros jornais, Revolucion e El Mundo, e a rádios cubanas. Além disso, colabora na realização do média-metragem La Fuga , dirigido por Iberê Cavalcanti e produzido pelo ICAIC.

- Estadia de um mês na Tchecoslováquia, onde participa de um programa radiofônico em Praga, sob a responsabilidade de Guido Araújo. - Exilado na França. Logo é contratado pelo IRAM - Instituto de Pesquisa e de aplicação dos métodos de desenvolvimento (França) na função de Conselheiro de Animação (responsável pelos debates) em missão na Argélia.

1967 - Diretor dos cursos do IRFED. Em serviço no IRAM – Instituto de Pesquisa e de aplicação dos métodos de desenvolvimento, da França, em missão na Argélia.

1969 - Responsável pela elaboração, com uma equipe

formada por ele, da qual fizeram parte: Luiz Hildebrando Revista Manchete, após 1964 Fotografia cedida por Adalmir da C. Miranda Pereira da Silva, Euvaldo Matos e Ubirajara Brito, do programa da Universidade de Constantine, na Argélia, a convite de Oscar Niemeyer que a projetara. Além dessa, projetaram a Universidade Científica de Argel e a Universidade de Ciências Humanas, esta com a participação de Darcy Ribeiro. - Convidado pelo então Ministro do ensino superior da Argélia, Benyahia, para atuar na reforma geral do ensino daquele país.

1970 - Permanece na África durante seis semanas em missão da Unesco. - Participa do Seminário sobre a universidade, organizado para o Ministro de Educação Nacional da República Algeriana. Para o evento escreve “L´Université, pour quoi faire?”, publicado como plaqueta pela Revista Développement et Civilisations, esse texto apresenta uma concepção de Universidade e os princípios gerais que a norteariam.

1971 - Concede entrevista sobre a Universidade Brasileira na revista Continent 2000, n.23/24, França. - Adoece vitimado por um câncer no cérebro. Retorna ao Brasil para ser internado na Casa de Saúde Dr. Eiras, sob os cuidados do neurologista Paulo Niemeyer

1971 Revista Continente 2000 Material cedido por Inácio Loyola de 1972 - Falece Heron de Alencar, em 1º jan., no Rio de Janeiro. Alencar

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NOTAS DIVERSAS EM PERIÓDICOS SOBRE HERON DE ALENCAR

MARON, Sadala. Heron de Alencar. A Tarde, Salvador, p.2, 31 dez 1972.

A

NIEMEYER, Oscar. O irmão Heron. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 jan. 1972.

OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Tarde, Salvador, 10 out. 1992. Caderno Cultural, p.5 e 6.

Heron nome de rua

Esta nota apresenta diversos erros, a começar pelo próprio nome de Heron de Alencar, que não consta o Felício.

6. Variações 3. Depoim 2. BiografiaeMiniatura A 1. A 5. Textosm 4. Textossobreodiscursodaresponsabilidade políticado L E literatura intelectual N LÉM 5.2 Produçãopoética 5.1 Produçãoem CAR NO DE e ntos: m a A T C iores decríticanosquaisdiscuteconcepção ALEIDOSCÓPIO ARDE

o saico deopiniões prosa

NESTE ANEXO (1947-1952)

: OUTR

OS TEXTOSDE H ERON DE AAnneexxoo AA -- 44 Seleção de textos 1. outros textos de Heron de Alencar JORNAL A TARDE (1947-1952): ALÉM DE CALEIDOSCÓPIO

ÍNDICE

n. TÍTULO DATA 1. Falam as relíquias do poeta 14/03/47; 2 2. Assistência à maternidade e infância 26/07/47; 3 3. Diálogo de rua 27/09/47; 5 4. Caminhos cruzados...e errados 21/02/48; 3 5. Nem as honras de uma falência honesta 29/04/48; 3 6. Bilhete às crianças baianas 13/07/48; 3 7. Um grave problema social 03/01/49; 3 8. A cidade e seu romancista 18/04/49; 3 9. Um mundo que não se entende... 15/02/50; 3 10. G. B. S. (George Bernard Shaw) 04/11/50; 5 11. O meu velho Artur de Salles 04/07/52; 5

Data: 14/03/47;2 FALAM AS RELÍQUIAS DO POETA Reportagem de Heron de Alencar

Sua cabeleira é uma das principais características de sua personalidade física. Longa, muito longa, a cabeleira do gênio fascinava a todas as mulheres que o acentuava. Era como que um, poder mágico, irresistível, que mais lhe acentuavam os traços de indomável e altivo, a atrair e subjugar as que dele se aproximavam. Tantas e quantas não sonharam acariciar os negros cabelos do Poeta, revoltos como a sua própria alma? Tantas e quantas não arderam por deitar ao colo aquela cabeça de gigante, grande como a própria arte que criava? Todas ternura e carinho, amansarem os revoltos cachos, com as mãos pequeninas e meigas, na esperança, talvez, de acalmarem os tormentos íntimos do Poeta dos Escravos?Que de inveja não sentiram, de Eugênia, a que lhe deu amor e a que lhe fez morrer?

“Senti as asas de um arcanjo errante Roçar-me brandamente pela fronte”

É o próprio Poeta quem revela, com a beleza dos seus versos, a delicada ternura com que acariciavam sua fronte e seus cabelos Possuíam eles um poder quase místico, terrível. Sempre em desalinho, soltos ao vento, os cabelo do gênio avassalavam as almas, seduziam os espíritos, quebravam o orgulho e a vaidade de quantas lhe acariciavam, perdidas de paixão. Nem mesmo a formosa e sedutora cabeleira de Liszt, emoldurando-lhe o perfil adorado por condessas e princesas, teria mais força e sedução que a do cantor de “Vozes d`África”. E se aquela andou o mundo inteiro, ao som da música do genial criador de “Revê d´amous” esta que outrora afogou os soluços suplicantes dos amores sem conta do Gênio, ainda hoje está aqui e ali, fragmentada, dividida, disputada pelos que ainda o amava – e o amarão sempre, 76 anos após sua morte. Dela, ficou esta madeixa, retirada por sua irmã Adelaide, no seu leito de morte. Dela, outras tantas, espalhadas aqui, em São Paulo, entre os que o adoravam como Poeta e como homem. É que seus versos não perderam a força:

“Que tenda mais sutil que meus cabelos Estrelados nos prantos de teus olhos?...”

Ainda hoje, ao olharmos os retratos do Gênio sentimos, como que viva, aquela expressão irresistível e sedutora, dos longos e negros cabelos que foram o sonho, o desejo, o martírio e o prazer de quantos o amaram.

A PEQUENA MESA PRETA

Rebelde, indomável, filho do povo e cantor dos escravos, a mesa do Gênio era a Praça. Nela, é que sua imaginação rebolava as asas, nos vôos de condor. E somente na Praça, à frente do povo, poderia o Poeta clamar, gigante:

“Deus, ó Deus! Onde estás que não respondes! Em que mundo, em qu´estrela tu t´escondes Embuçado nos céus?”

E era ele próprio quem dizia:

“A Praça é do Povo Como o céu é do Condor”

As galerias dos Teatros viram-no, também, inúmeras vezes, cantar os seus amores, suas paixões, sua rebeldia jamais agriolhoada.

E principalmente nessas circunstâncias , demonstrava o Gênio toda a força de sua arte. De improviso, brada:

“Nós nos erguemos com soberba fé! A Lei sustenta o popular direito Nós sustentamos o Direito em pé!”

Mas, nem sempre o Poeta cantava na Praça e nos teatros. Recolhido em seu quarto de estudante, solitário e com o mundo inteiro borbulhando em si, sentava-se diante de uma pequenina mesa de 3 pés, circular, simples e frágil. Sobre ela, o corpo ardendo em febre e a alma crepitando de paixão, escrevia:

“Mas, por que tardas, querida?... Já tinha esperado assaz. Vem depressa, que eu deliro Oh! Minha amante, onde estás?...”

Nessa pequena mesa, escreveu vários de seus poemas, sentindo toda a inquietude de espírito que lhe não abandonou um só instante. Sua vida, como a de todos os gênios, foi cheia de martírios, de dúvidas, de inquietação. E essa mesa foi seu abrigo muitas vezes. Pertence, hoje, ao Instituto Geográfico e Histórico, por oferta do prof. Prado Valadares.

Nela há uma inscrição histórica, gravada em prata, de autoria do saudoso professor que a ofertou, e que é a seguinte:

“Foram aqui escritas estrofes sublimes do maior poeta que jamais viram nascer terras americanas. A alma das coisas há de ser o conjunto quiçá eternamente vivedoiro das vibrações que lhe trafunda a energia superior e um pensamento forte. Quem puser os olhos neste móvel considere com emoção patriótica de justíssimo orgulho a espiritualidade altíssima que nele remanesce.”

Prado Valadares A JARRA DE FLORES

É uma jarra como qualquer outra. Faiança portuguesa. Mas, tem uma história sua, própria, e pertence, hoje, ao Museu do Estado. Mas já esteve, no entanto, durante vários anos, no modesto quarto de estudante, juntamente com aquela mesinha de 3 pés, simples e frágil. Pertenceu ao quarto do Gênio, o quanto basta pertencer à História. Olhando-a, reparando-a bem, o observador vai, pouco a pouco, descobrindo a sua história. Cada detalhe, cada pormenor, sugere uma cadeia de pensamentos, relacionada aos amores do Gênio. Nela, o cantor de “2 de julho” colocava as flores que lhe enviavam as apaixonadas, as que o queriam, as que o desejavam. E contemplando os ramalhetes, sentindo o perfume que deles emanava, corria a pena sobre o papel, escrevendo páginas que o consagrariam como um dos maiores poetas do mundo, em todos os tempos. Um Gênio. Igual a Goethe e a Hugo. Maior que muitos, menor que nenhum. É uma jarra histórica, essa que todos olham na exposição. É necessário, todavia, olha-la com o pensamento voltado para o passado, para que a sua história se apresente clara à alma de quem a observa.

AMOR SEM FRONTEIRAS

Há uma outra jarra, um pouco parecida com aquela que adornou o quarto do revoltado estudante de Direito, esse homem que, ousadamente, gritou ao mundo:

“Eu sinto em mim o borbulhar do gênio”

E é gênio, realmente. Tanto quanto quem mais o for. A história dessa outra jarra poderá povoar, a quem ainda ousa duvidar. Pertenceu ela ao antigo Teatro São João. E era onde o jovem Poeta, apaixonado, costumava depositar flores para Eugênia, a atriz que se tornou famosa por ter sido a amante. Eugênia e tantas outras amantes do cantor da Abolição passaram à História, e seus retratos figuram ao lado dos retratos da família do Poeta. Ao lado de d. Clélia ou d. Adelaide. E isso só é permitido aos gênios. Goethe, grande como foi, mereceu, em Weimar, um Museu que leva o seu nome. Lá está tudo o que se relaciona com a vida mefistofélica do autor de “Wilhelm Meister” e “Wherther´s Leiden”. Foi necessário, no entanto, para que lá figurassem os retratos de suas amantes ao lado do de sua esposa, que se esmorecesse o rigorismo alemão, posto que se tratava de um Gênio. E o Gênio não conhece fronteiras, nem mesmo no amor. E é por isso que a História aceita, e até glorifica, todos os amores dos grandes homens, já que eles se tornam legais pela influência que exerceram em suas vidas. Tal é o caso do Gênio, idêntico ao de Goethe e do qual não conhecemos outros exemplos. Essa é a pequena história da jarra do Teatro São João, onde tantas e quantas vezes o Poeta da Liberdade cantou seus versos geniais, ora inflamado de idéias revolucionárias, ora abrasado ao imenso fogaréu das paixões, que ele bem soube viver e sentir sofrendo-as.

O ARTISTA E A FORMA

Aspecto interessante e pouco conhecido da vida do Poeta, é o que diz respeito ao desenho. Isso prova a inquietude do Gênio, sempre a procurar estereotipar, em forma artística todas as suas dúvidas, todos os seus sonhos. Foi assim que recorreu, algumas vezes ao desenho, procurando dar forma aos seus pensamentos inquietos e revoltos. O seu perfil, por ele próprio desenhado, revela a fina sensibilidade do artista, sempre ansioso de novos motivos. O receio, talvez, do pedantismo de fazer poemas a si próprio – como os “gênios” atuais, fez com que traçasse, ele mesmo, seu retrato. É um perfil significativo, e vale mais que o poema que não fez, dado o motivo que, talvez, o ensejou: o escrúpulo. A figura popular do tabaréu não escapou ao lápis do Gênio que ensaiou na pintura. Lá está ele, desleixadamente montado, o chapéu à cabeça e o indefectível gibão de couro. Uma paisagem sertaneja, talvez da mesma época que o Tabaréu, evidencia o contato íntimo que teve com os nossos motivos regionais. Dentre todos, no entanto, é justo salientar o “Paolo e Francesca”, motivo retirado da “Divina Comédia”, de Dante. Deixou o Gênio, aí, no motivo e na forma, um eloqüente retrato de suas íntimas tormentas. E a quem quer que o examine será permitido observar, em cada traço, em cada linha aquela superior sensibilidade que sabe sentir e criar, característica do Gênio.

MENSAGEM A UM MUNDO NOVO

Sua letra é firme, de traços inconfundíveis. Varia de ano para ano, como acontece com todos os jovens. A característica inicial, no entanto, é conservada, de princípio a fim. A mesma firmeza no escrever, como que a traduzir a convicção das idéias que tomavam forma e ganhavam vida na pena inigualável do Gênio.

“O mundo perguntava erguendo um grito. Qual os gigantes morto, rolará?...”

É o manuscrito de “Ode ao 2 de julho”. Lançado sem pretensão, numa folha de papel simples, sem pauta. A letra é firme e clara. Dela dimana um como que ar de eterno, de imortal. Sem esforço, espontaneamente, sente-se que a mão que escreveu aquelas linhas era a de um gigante do pensamento.Era a de um gênio.

“Ó minha mãe! Ó martyr africana que morreste de dor no cativeiro!”

É do poema “A cascata de Paulo Afonso”, copiado pelo Poeta no álbum de um grande, também: Aloísio de Carvalho. Este era, talvez, o maior admirador do Gênio. Seus olhos brilhavam de lágrimas, ao falar no Poeta Libertador. Sensível, como ele, Lulu Parola guardava, como adorada relíquia, esse álbum que, hoje, pertence ao senador Aloísio de Carvalho Filho. Agora, ao escrever “Menina e Moça”, sua letra é mais clara, mais repousada. Está no álbum de uma mulher. E o Gênio, mais que qualquer outro, sabia corteja-las e seduzi-las. E cuidava até na letra que para elas escrevia. É ela mesmo, um fino e delicado galanteio, impossível de recusado. Era o Gênio amando e sendo amado. Era o triunfo da Arte, na perfeita harmonia da forma e do conteúdo. Era o Gênio que se inscrevia na lista dos mais célebres amantes. Os manuscritos do Poeta são um testemunho de sua força, do gigantesco de seu pensamento. Estamos comemorando o centenário de seu nascimento, e sua letra, firme, enérgica, ainda está bem viva. Parece escrita em nossos dias. É que o Gênio escreveu para os pósteros, o Tempo o respeita, admirando-o.

Data: 26/07/47;3 Resumo ASSISTÊNCIA À MATERNIDADE E INFÂNCIA

Heron de Alencar elogia a Assembléia Legislativa por ter aprovado, por unanimidade, uma emenda que determinou a criação de um órgão de amparo e assistência à maternidade. De autoria do Sr. Augusto Publio, o dispositivo constitucional, segundo HA: “Poderá sanar a deplorável situação em que nos encontramos, neste importante setor de assistência social”. Critica o fato de algumas medidas não serem implementadas pelo governo, receia que esta medida não seja colocada em prática e, que se torne mais uma “obra de fachada”. Comenta que o Hospital Santa Terezinha vinha funcionando precariamente, assim como o Hospital do Pronto Socorro por conta da precariedade de verbas e pela má remuneração de seu corpo técnico. Afirma que a Bahia ocupa um dos primeiros lugares em mortalidade infantil. Apresentando também um número elevado de mães que morriam devido às causas diretamente ligadas ao parto: em cem parturientes, duas perdiam a vida. Tal situação poeria ser revertida se houvesse um trabalho de esclarecimento sobre a importância da higiene pré-natal, que deve ser feita com o pessoal especializado e o auxílio constante e imprescindível do laboratório de raio X. Além disso, havia uma única maternidade no estado. Ainda há outros problemas. O problema da mãe solteira, já solucionado ou em vias de solução em outros países, como a Argentina que havia criado maternidades de refúgio, secretas e que protegia, com leis especiais, essas mães. Além disso, aquele país instituiu escolas profissionais que encaminhavam a mulher para o mercado de trabalho nas oficinas ou nas fábricas, fazendo, desse modo, a profilaxia da prostituição. O governo deveria refletir sobre esses problemas e “estudá-los com cuidado a fim de que medidas que venham a ser tomadas não se tornem, na prática, inúteis ou prejudiciais”.

Data: 27/09/47; 5 DIÁLOGO DE RUA

Não conheço quem haja tido a fortuna de viajar ao lado de duas distintas senhoras, como as minhas vizinhas de ontem num bonde de Nazaré, sem ser obrigado a ouvir uma irritante conversa entrecortada de gestos nervosos e risos sem cor. E o assunto predileto é sempre a vida alheia. A pretexto de discutirem uma simples receita de bolo ou um novo creme para disfarçar as rugas, certas mocinhas de quarenta anos desfiam um verdadeiro rosário de fatos e cenas que viram ou ouviram contar, a respeito da vizinha ou daquela que mora defronte e que é noiva há tantos anos... E por esse caminho enveredam durante toda a viagem, pouco importando quem esteja ao lado, obrigado a ouvir, com paciência e resignação, as intermináveis histórias que sempre têm para contar. E quando o comércio cerra as portas, então, é hora de voltar para casa e os bondes vêm cheios, juntam-se três ou quatro e descontam os atrasados. Falam de tudo e de todos, com uma naturalidade de espantar. Desconheço, até hoje, quem não haja sofrido um mau quarto de hora, ao lado dessas pouco agradáveis companheiras de bonde. Mas, devo confessar, eu tive essa ventura. As minhas companheiras de banco, quarentonas bem nutridas e bem pintadas, conversavam discretamente, com uma seriedade só comparável ao de certo deputado num discurso medíocre na Assembléia. Pareciam dois personagens de Huxley, debatendo complicados temas metafísicos no intervalo entre duas chávenas de chá. A mais gorda, e a mais desiludida das duas, afirmava que só havia um remédio para os que vivem neste mundo moderno e agitado por tantas crises. Na sua estranha opinião esse remédio era a morte. A outra, mais sonhadora, olhos perdidos num futuro que teimava em fugir, não queria por nada a pílula mortífera que lhe pretendia impingir a decepcionada companheira. Argumentava que ávida, por mais crítica que fosse a situação, sem leite, sem carne, sem verduras, sem pão e mesmo sem marido dava aos mortais magníficas compensações morais e materiais. Não! Não vale a pena morrer, é preciso lutar sem esmorecimentos – dizia, cerrando o sobreolho numa inapelável afirmativa. Procurei apurar o ouvido, a fim de conhecer qual o motivo de toda aquela conversa, que cheirava a círios ardendo e a uma mistura de flores já murchas. Julguei, a princípio, que debatessem um tema filosófico. Uma, a mais gorda, agarrando de unhas e dentes o amargo Schopenhauer a gritar, irritado, que se batêssemos na pedra dos túmulos para perguntar aos mortos se queriam ressuscitar, eles abanariam a cabeça num irrecorrível negativa. “A morte é o gênio inspirador”, berrava o grande pessimista nas garras da truculenta quarentona. A outra, mais calma e perdida num paraíso de sonhos, talvez de braços dados com um cínico e risonho filósofo chinês. Mas, qual não foi a minha surpresa, ao verificar que as duas respeitáveis senhoras, conversavam sobre... adivinhem sobre que? Discutiam a respeito de inflação e deflação. Por mais incrível que pareça, debatiam a nossa atual política econômica. Muito ao jeito de alguns trêfegos cidadãos, essas duas senhoras estavam seriamente preocupadas com a nossa situação, embora dela não tivessem um conhecimento mais sério e mais demorado. Discutiam, no entanto, como se pronunciassem a última palavra sobre o assunto, muito sérias e muito convictas do que estavam dizendo. Pelo menos, pensei, elas chegaram a alguma conclusão, encontraram a solução para toda essa lamentável situação que se criou no país. Uma, advogava a morte; a outra, pregava a espera sem desesperação. Há os que discutem, falam, gritam e jamais concluem coisa alguma. As duas quarentonas, ao contrário, encontraram a fórmula, e no curto espaço de uma viagem de bonde. Quando uma delas se virou para o lado em que eu estava, encolhi-me o mais que pude no meu canto, receoso de uma interpelação. E pretendia mesmo continuar a viagem, quando uma disse para a outra, a propósito da política deflacionista: - Não leu o que disse aquele deputado...Como é mesmo o nome dele? - Qual? – perguntou a sonhadora, deitando para a companheira um longo olhar de quem procura recordar. - Ora, esqueci o nome... aquele do Partido Trabalhista.

Saltei imediatamente era demais.

Data: 21/02/48;3 CAMINHOS CRUZADOS...E ERRADOS

O marechal que, ao ouvir falar em cultura, punha a mão na coronha do revólver, já não mais oferecia perigo aos homens de pensamento e a época de restrições à liberdade de pensar e dizer parecia ter ficado sepultada nos campos da segunda guerra mundial, de mistura de frangalhos das camisas negras, pardas e verdes. Pelo menos, era isso que apregoava aos quatro cantos do mundo, numa promessa de paz, que, desgraçadamente, logo se desfez. As restrições estão voltando, aqui e ali, por todo parte, perigosamente, numa ameaça mais terrível e mais imperdoável que as anteriores. Mais terrível e mais imperdoável, por isso que representa um embuste e uma traição aos povos que se empenharam na chamada guerra de libertação. A Associação do Livro Argentino já deu o exemplo, considerando imorais, e de cunho deliberadamente pornográfico, obras de literatura que merecem respeito e exigem dos homens meditação e estudo. Entre essas obras, estão o despretensioso Caminhos Cruzados, de Érico Veríssimo, e o confuso Ulysses, de James Joyce. Estranho e curioso conceito de imoralidade, esse, adotado pela infeliz Associação Argentina! Imoral e chocante, senhores juízes, é a própria vida. São os preconceitos hipócritas de uma sociedade enferma. São as contradições sociais, a opulência e a miséria vivendo uma defronte da outra, a fartura e a fome vizinhas da mesma rua, o saber e a ignorância viajando juntas no mesmo veículo. Imoral, respeitáveis julgadores, é a educação deseducadora e charlatanesca que damos às nossas crianças, mistificando e ocultando verdades, criando doenças e engendrando conflitos mentais. É a criminosa displicência com que tratamos os menores abandonados, como a indicar a esses inocentes pecadores o caminho da delinqüência. E imorais sobretudo, senhores donos da moral, são os homens que procuram ocultar essa realidade com escusos processos de condenação àqueles que buscam retrata-la em cores vivas, para que todos a enxerguem e condenem. As obras de arte – a literatura inclusive – aparecem como frutos de uma determinada época. Dessa forma, refletem a realidade social em que foram criadas, contendo os erros, efeitos, virtudes, imoralidade ou pornografia dessa realidade. Daí a sua função social, hoje não mais negada por qualquer pessoa de mediana inteligência. E os livros apontados como imorais, não fizeram mais do que espelhar a sociedade em que vivem ou viveram os seus autores, e têm, por isso mesmo, a sua função social, qual a de mostrar erros e sugerir soluções. Os tipos retratados em Ulysses e Caminhos cruzados, são homens do nosso tempo e que conosco convivem todos os dias. É possível que Bloom seja vizinho de Salú, e este poderá ser até um dos juízes da Associação condenadora. Daí, talvez a absurda atitude que foi tomada... Estou certo de que o público não levará a sério essa decisão. Verá que isso, ou é uma anedota, ou uma campanha pessoal contra determinados autores.. Do contrário, não se justificaria a condenação das obras indicadas, muito menos a do romance de Érico Veríssimo, onde não há nada de imoral ou de deliberadamente pornográfico. Aliás, Érico já tem sofrido outras campanhas. Aqui mesmo, no Brasil, sua literatura, no início, foi considerada “água de flor” sem que isso impedisse que o Sr. José Lins do Rego voltasse depois com um artigo de elogios, considerando Érico um dos maiores romancistas brasileiros. E note-se que, na época em que o consideraram “água com flor”, Caminhos cruzados já corria mundo de mão em mão. Que fazer, pois, diante de tão contraditórias opiniões? Eu aconselharia a que cada qual, principalmente os juízes da Associação Argentina, lesse cuidadosamente os livros de Érico, e visse o que há de humano e que admirável espírito de compreensão e tolerância ele é! Cada romance seu representa a solução de múltiplos problemas, e, e de todos eles a gente sai renovado, mais experiente e cheio de esperança. O resto... o resto é silêncio. E eu não duvido que muito romancista brasileiro deseje estar no lugar de Érico, isto é, considerado imoral ao lado de Joyce e Balzac. Aos juízes, aliás, eu aconselharia uma coisa mais: que seguissem o conselho do próprio Érico, e abrissem a Bíblia, no Cântico dos Cânticos. Talvez Salomão lhe convencesse do quanto andam trilhando caminhos cruzados, porém, errados, procurando classificar a alguns livros de imorais...

Data: 29/04/48;3

NEM AS HONRAS DE UMA FALÊNCIA HONESTA

Está na ordem do dia do debate nacional o cabuloso problema do petróleo. Não apenas o governo discute o assunto, mas o próprio público o debate também, interessado que está numa solução o quando possível urgente. A questão, agora , não se prende, simplesmente, à existência do petróleo, como há algum tempo passado, quando muitos dos mesmos senhores que hoje apregoam a entrega do minério aos monopólios estrangeiros negavam a sua existência em terras do Brasil. E como já é impossível negar essa existência ou dizer que o nosso combustível não é comerciável, vai sendo a questão colocada em outros termos, referente à exploração do ouro negro, com uma série mais ou menos longa de perguntas: quem deve explorar o nosso petróleo? O capital nacional ou estrangeiro? Ambos? O capital oficial ou misto? E nesse emaranhado de perguntas, feitas para atrapalhar e confundir, o debate vai assumindo um caráter pouco animador, como que a evidar os indisfarçáveis propósitos dos que, por maioria, se consideram os donos da decisão final, aliás, infeliz decisão final. Não se pode nem se deve por em dúvida a importância e a gravidade da questão. O petróleo nacional vem se arrastando há muitos anos, entre os protestos, a má vontade e a sabotagem de uns e a perseverança quase mística de uns pouquíssimos. Querendo, a todo custo, emergir de um solo incrivelmente rico e desgraçadamente abandonado, foi o petróleo de tantas vezes rechaçado para as profundezas da terra, com o criminoso entupimento de poços e o expediente tão em voga do retardamento burocrático. Sem se falar no desaparecimento de maquinário, em condições algo misteriosos, para as quais os interesses internacionais contribuíram de modo decisivo e definitivo... O aspecto mais sério do problema, não é o técnico nem o econômico, mas o moral. Este é o que deve assombrar e estarrecer aos que não estão habituados a contemplar o espetáculo, a um só tempo ridículo e triste, dos bastidores do palco político. E este aspecto é o referente à criação de novos obstáculos, que vão sendo inteligentemente arquitetados como o intuito de impedir, retardar ou tomar a exploração do cobiçado ouro negro. Isso significa que, mercê da graça de uns bons patrícios, estamos participando de uma batalha gigantesca, para a qual não estamos nem aparelhados, tendo como contendores hábeis veteranos, acostumados à luta sempre misteriosa em outros fronts. Nada disso, no entanto, teria maior importância, o problema praticamente não existiria, se os nossos homens públicos, em sua maioria, estivessem habituados a uma atmosfera de independência moral; se os nossos políticos não já se houvessem viciado ao cabresto e as esporas dos chefes e dos caudilhos, se eles fossem homens livres, capazes de sentir, pensar, agir, e dizer sem receios ou temores. Mas, a regra é a do rebanho dócil, que logo atende aos primeiros sons mágicos da flauta de prata. Parece incrível que homens afirmem a impossibilidade de nós próprios explorarmos o nosso petróleo. Não nos falta dinheiro para os palácios suntuosos, onde se instala a esterilizante burocracia. Não se medem despesas, quando se trata de ostentar nas recepções oficiais. Não se procura indagar da eficiência ou deficiência dos cofres públicos, quando se aumentam os subsídios dos ilustres deputados ou os vencimentos da magistratura e das forças armadas. Desaparecendo o escrúpulo, quando se trata de criar sinceras ou agraciar afilhados. Não há discussões nem processos, quando se desvia dinheiro oficial em misteriosas empreitadas. Mas, para explorar o petróleo, não temos dinheiro. Necessitamos apelar para quem nos namora por tudo, menos pelos nossos bons ou bonitos olhos... E logo corremos, ansiosos de um cabresto e saudosos de um chicote, em busca de um senhor onipotente e sádico que nos exige tudo e não nos dá coisa alguma. Nada mais humilhante e vergonhoso. Degrada e denigre que nos entreguemos tão facilmente, em prostituição mais lamentável do que a das mercenárias das beiras do cais. Não se concebe que os homens e o governo do Brasil não possam explorar suas próprias riquezas. E se somos um país pobre, esfarrapado e faminto, como se argumente, o de que necessitamos não será estender a mão, como esmoleiros incapazes e doentes que a outros entregam a decisão de seus próprios destinos. O problema se nos afigura, tão somente, como de honestidade e independência moral. Mas, a tal ponto chegou a sem-cerimônia e ganhou foros de rotina a desonestidade, que se não hesita em proclamar uma falsa incapacidade nacional, em troca de favores milionários. Já foi dito que esta é a pior época da nossa acidentada história. Homens da mais alta responsabilidade intelectual – raros hoje em dia – não se cansam de afirmar que estamos sufocados por tremenda crise de caráter. Afirmativa dolorosa e triste, que se comprova a cada hora e a todo instante, no ramerrão do cotidiano, com o servilismo dos homens que governam e dirigem, dispostos sempre a se curvarem beijando a mão de seus senhores poderosos. Apologistas da filosofia sedutora dos trinta dinheiros, esses homens fazem do caráter mercadoria barata e sem valor, que se vende em qualquer esquina, e o resultado é isso que aí está, uma crise maior e mais geral, que atinge a todos os setores da nossa vida. Em meio a ela, o petróleo o mesmo petróleo que fez a desgraça da Venezuela, escravizou povos, forjou e forjará guerras de rapina, para alimentar o polvo insaciável do monopólio. É possível que esse novo e mais vergonhoso capítulo da história do nosso petróleo ponha fim ao drama, com o epílogo que todos os homens honestos receiam: a intervenção do monopólio internacional na exploração do minério, o que significará, desgraçadamente, a nossa ruína econômica e o recibo melhor da nossa crise de caráter. Mas, se tal acontecer, será aconselhável que os vendilhões, uma vez feito o rendoso negócio, partam daqui para gastar o dinheiro nos cassinos que se inaugurarão em Wall Street. Antes, porém, fechem as portas do país, nas quais não poderemos colocar nem mesmo a animadora taboleta de “fechado para balanço”, de vez que estaremos falidos. E o que é muito pior, falidos sem as honras de uma falência honesta.

Data: 13/07/48;3 BILHETE ÀS CRIANÇAS BAIANAS

Dizem que vocês, como todas as crianças do Brasil, perderam um grande amigo. Isso seria mau. Numa época em que sentimento de amizade vai se tornando cada vez mais raro, e na qual as crianças merecem tanta atenção quanto o freguês da laranja ou o vendedor de batatas, a morte de um amigo como Monteiro Lobato seria qualquer coisa de desalentador... Daí a razão deste bilhete. Tenho o dever de ir até vocês, conversar um pouco, dizer que há um grande mal entendido em tudo isso. Sei que vocês estranharão que somente agora eu apareça, já decorridos alguns dias da anunciada morte de Lobato. É que não me foi possível aparecer antes. Andei temporariamente afastado de tudo; coisas da vida, motivos. Coisas que também tem relação com a morte, em si mesma. Nem mesmo domingo me foi possível ir à Hora da Criança, estar com vocês e com Adroaldo, como era de minha irrecusável obrigação. Não tem importância, vocês compreendem e sabem perdoar. O essencial é que esteja agora aqui, conversando. E são poucas as coisas que lhes quero dizer. Quero dizer, por exemplo, que Lobato não morreu. É. Não morreu não, como andaram dizendo os jornais. Eu explico: essa história do sujeito andar no meio da rua, comer, dormir, ir ao trabalho e voltar para casa, e um belo dia ser deitado, mudo, numa quadra qualquer de sete palmos, nada disso tem a menor relação com a vida. Quem faz simplesmente isso, nasceu morto e continua morto. O que acontece é que, lá às tantas, perde a fala, fica mudo, não anda mais, nem come, nem vê, nem sente, torna-se totalmente imprestável, e os outros, que lutam por espaço, enterram-lhe numa cova qualquer. Agora, quando ele consegue realizar alguma coisa, quando se sobressai dos demais indivíduos, quando constrói uma obra que o tempo não derruba e os homens, sempre tentando, não conseguem destruir, aí, então, ele é vivo, permanecerá vivo, por mais que isso contrarie a vontade dos mortos, que sempre andarão soltos no mundo. Tal é o caso do nosso Monteiro Lobato, que não morreu nem morrerá nunca. Esse gosto os mortos não terão, vocês bem sabem disso. Lobato está vivo e muito forte, nos seus livros, no exemplo da sua coragem de homem livre. O que desapareceu foi a carcaça, que é sempre fraca e não merece maior importância depois de um certo tempo, principalmente quando se tenha realizado o que ele, Lobato, realizou. Vocês, que conhecem alguns dos seus bons livros, sempre o terão muito proximamente. E se viram Narizinho, que o Adroaldo fez o milagre de levar ao palco, então, ainda será melhor: jamais deixarão de julgar Lobato um dos melhores amigos, sempre presente e pronto a contar coisas que somente ele sabe contar. Mas, dirão vocês, nos cresceremos, a barba e as espinhas encherão o rosto e, homens feitos, já não nos lembraremos dessas histórias, ou, se as lembrarmos, elas estarão tão longe, perdidas em tamanha distância, que nada mais significarão. E Lobato terá, então, morrido para nós. Puro engano. É mais um mal entendido, nessa complicada história de viver ou de estar morto. Primeiro, porque essas coisas que Lobato lhes conta hoje, jamais ficarão perdidas nessa distância toda. Emília, Narizinho, Rabicó, Godofredo, todo esse mundo mágico dos personagens lobateanos viverá sempre em vocês, como ainda hoje vive em todos nós. Segundo, porque, barbas crescidas, vocês encontrarão muitos outros livros de Lobato, nos quais o pensamento, a coragem e o exemplo de um homem vivo estarão presentes, como a melhor lição a ser dada aos que desejam crescer e ser um homem como Lobato foi. E lendo esses livros, é que vocês se capacitarão de que aquele amigo da infância não terá sido maior do que esse outro, que o estudo virá a descobrir. E nenhum de vocês negará a Lobato o direito à vida, a ele, que sempre falou muito e lutou demais, sem essa preocupação imediata de se sobrepor ao tempo. Bem, mas que me propus, apenas, a escrever um simples bilhete a vocês, crianças baianas, que, como todas as crianças do Brasil e do continente, têm em Lobato o melhor dos amigos. E já vou passando do limite. Reconheço que não podia ser de outra forma, porque vocês, as crianças da Bahia, têm uma responsabilidade maior do que as outras. Vocês assistiram "Narizinho", tiveram esse privilégio de sentir Lobato de mais perto, graças ao trabalho de um outro grande amigo das crianças. E nunca deverão esquecer que o Lobato está vivo, nos livros que vocês ainda estão lendo e naqueles que vocês terão de ler amanhã. Termino. Acredito que lhes tenha dito alguma coisa de útil, não muito diferente daquilo que direi a alguns adultos a respeito de Lobato, nosso amigo comum. Acredito, ainda, que vocês, mercê do exemplo de Lobato, venham a ser vivos. E isso é, afinal, o que ele mais deseja.

Data: 03/01/49;03 UM GRAVE PROBLEMA SOCIAL

Nestes atribulados tempos de fim de ano, em que a gente encontra, a cada passo, em cada canto, uma festinha de formatura quebrando a melancolia silenciosa das velhas ruas de quatrocentos anos; nestes tempos em que as noites de Salvador parecem mais misteriosas, mais cheias de doce encontro pela intensidade da vida que nelas fervilha, nestes tempos em que tantos moços, aos pares pelas ladeiras penumbrosas, derramam seus sonhos nos ouvidos nervosos das noivas e das namoradas; nestes tempos de tamanha esperança e tão boa ilusão, dá o que pensar a notícia que há poucos dias nos chegou do Rio, em meio à rotina do noticiário telegráfico; a condenação de um médico por crime de abortamento. Diz o despacho que o Dr. Vitor Hugo, acusado por esse crime numa jovem de quase vinte anos, e do qual resultou a morte da paciente, foi condenado, pelo Tribunal do Júri, a alguns anos de prisão celular e cassação do seu diploma de médico. Pouco sugestiva no laconismo de suas palavras, o telegrama oferece ao leitor mais curioso uma série de considerações oportunas. Quem quer que, como eu, tenha privado a intensidade do tremendo problema da maternidade e de suas variantes, principalmente da chamada maternidade ilegítima, não poderá receber com indiferença, sem certa reserva, a condenação do médico. A outros teóricos da moral não praticada, ortodoxos quanto ao julgamento da conduta alheia e os mais tolerantes sem preconceitos, quando se trata de sua própria conduta, a estes causará espanto e provocará arrepio a simples possibilidade de restrições à atitude do tribunal do Júri. Essa divergência de posições vem de duas posições mentais, absolutamente opostas; uma, que não enxerga os fatos senão através do primado falso dos dogmas e em função do que elas possam representar de perigoso para determinadas crenças ou filosofias; a outras, que procura analisar os fatos segundo a realidade que os criou e em função de soluções mais humanas e mais justas. Entre nós, infelizmente, predomina a primeira dessas atitudes mentais, sintoma patognomônico de atraso e incultura. Não procuraremos justificar nossas restrições à condenação de médicos por crime de abortamento, pelo fato de, para cada profissional condenado, ficaram impunes de cinqüenta a sessenta parteiras ou “curiosas”, as celebres “fazedoras de anjo” indústrias do abortamento criminoso. Este fato, embora não deixe dúvida quando à injustiça dessas condenações, de vez que é muito mais criminoso aquele que realiza a interrupção da gravidez sem conhecimento científico e sem recursos técnicos para fazê-lo, como é o caso das parteiras, esse fato repetimos, não constitui argumento convincente já que não desce às causa do problema. Tentamos um pouco mais longe. Estabelece o nosso Código Penal que o abortamento constitui crime, passível de pena, excluídos os casos especificados no art. 128e incisos. Art.128- Não se pune o aborto praticado por médico: I. Se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II. Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seus representante legal. Avançando um passo no sentido de contrariar o preceito “não matarás”, deixa o nosso Código sem nenhuma referência outros casos, desgraçadamente mais graves e mais freqüentes. E para estes é que os nossos legisladores deveriam voltar suas vistas atentas, esquecidos dos preconceitos e dos dogmas. Sempre me repugnou a idéia de, sem qualquer estudo prévio e sem levar em conta as condições de miséria moral e orgânica das gestantes, considerar o aborto um crime. Não vamos descer a detalhes, que este não é o lugar. Perguntamos apenas, o que fariam os nossos ilustres juristas se lhes aparecesse, carregada de filhos famintos, alguns tuberculosos de tanta fome, uma gestante a implorar a interrupção da gravidez? Alegando não ter recursos para sub- alimentar tantas crianças, sem ter mesmo onde dormir, de vez que um pequeno espaço cercado de quatro tábuas apodrecidas é a residência do casal e de nunca menos de 6 filhos, implora a gestante que lhe interrompam a gravidez. Entendem os juristas que seria crime contra a vida atender ao apelo. Bonito não há dúvida, e tanto mais bonito e heróico quando quem vai sofrer e vai morrer lentamente não é quem assim pensar. E assim nascido o filho desse heroísmo sem glória e absolutamente sentimental, graves e múltiplos problemas batem às portas daqueles juristas. Ou a mortalidade infantil, assustadora no seu crescendo terrível, ou a infância abandonada, na qual vão resultar os inúmeros “Mar recos” e “Amburás”, que a própria jurisprudência vai considerar criminosos e a opinião pública apelida de monstros. E mais: a prostituição e o alcoolismo, os desajustes sociais, os suicídios, crimes, etc... tudo isso é conseqüência daquela atitude rigidamente desumana de não se praticar o abortamento quando indiscutível é sua indicação social. Alguns poderão estranhar que o quadro seja assim tão negro, e hão de pensar que houve excesso nas tintas. Os que assim pensam ignoram que esta é que é a nossa realidade de todos os dias, e a outra, a que conhecem, não passa de um aspecto limitado do panorama geral. Os que dispõem de recursos, praticam o abortamento sob os mais diversos rótulos e aqui, sim, é que não há qualquer razão que o justifique, a não ser a vaidade de senhoras elegantes que não desejam a deselegância da gravidez e o martírio do parto. E as conseqüências não são menos desastrosas. Em primeiro lugar, a restrição da mortalidade, que não pesa no outro caso; depois, o drama dos filhos únicos, de casais ricos, problema gravíssimo a merecer estudo mais sério. E quantos outros cuja enumeração seria fastidiosa! Mas, vamos parar. Quisemos apenas registrar a contradição dos fatos: enquanto os jovens médicos partem cheios de esperança e de sonhos para o sacerdócio da profissão, outros mais velhos e gastos pelos atritos com a realidade, vão dar com os costados no chão, pouco amigos das cadeias públicas. Não sabemos o que levou o médico condenado a praticar o abortamento. É possível que razões econômicas, e provavelmente num caso sem indicação justa, nem terapêutica, nem social. Muitos serão os casos da mesma natureza. Inúmeros os abortamentos criminosos, praticados quer por médicos, quer por parteiras. Isso nos faz pensar na solução sempre lembrada pelos que analisam o problema do ponto de vista de que seja justa, humana, em função das nossas condições de vida: o abortamento controlado e realizado pelo próprio estado, em qualquer de suas indicações. Somente assim poderíamos alcançar uma situação menos aflitiva para os médicos e os pacientes. Aqueles ficariam livres dos colegas que desonram a profissão e estes teriam resolvido o mais grave de seus problemas, ponto de partida de muitos outros não menos graves. Como que seja, o fato desperta reflexões melancólicas daqueles que convivem intimamente com os problemas sociais desta época de guerras atômicas, criminosos abortamentos coletivos sem punição.

Data: 18/04/49;3 A CIDADE E SEU ROMANCISTA

O Rio tem muito mais necessidade de um romancista do que de um Prefeito. É, pelo menos, a minha opinião, ao rever, entre decepcionado e triste, a ex-Cidade Maravilhosa. E explico: se o Prefeito é o homem que governa, dirige, resolve, o romancista é o homem que observa, sente, traduz e interpreta, para que os outros possam resolver, dirigir e governar. Lima Barreto foi, em outra época, o romancista carioca. Atropelando-se em escadas de martírio, embrenhando-se nos cômodos sórdidos das pensões do Catete, seguindo como um detetive, os passos trôpegos dos joão-ninguém, Lima Barreto fez o romance carioca de determinada época. Depois dele, enquanto a cidade crescia, nenhum outro, autêntico apareceu. Muitos tentaram, sem êxito. E atualmente, quando o Rio não perde um só instante do Tempo, que passa veloz, e faz de cada desses instantes uma história que é sempre a mesma e é sempre diferente, um romancista é a sua necessidade vital. Um homem que sinta todos os instantes, viva todos os detalhes, sofra todas as angústias. Um homem eternamente presente, sem ser notado, atuado pelos desastres que ocorrem na “Getúlio Vargas”, pelo ciúme de Jacarepaguá, pela hemoptise nas mesas de “café com leite”, pelo duplo suicídio no apartamento romanticamente anti-higiênico do Catête, pelo salto desesperado do décimo terceiro andar de um edifício qualquer, pelo passar e repassar sem fim dessa multidão que não sabe de onde vem, nem para onde vai, desse povo que acorda, trabalha e dorme sem consciência de si mesmo. Um homem que observa de todos os ângulos, ao mesmo tempo fotógrafo e poeta, sociólogo e psiquiatra. Disso é que necessita o rio, muito mais que de um prefeito. E o pior é que a gente olha e não enxerga qual é esse romancista. Dos muitos que habitam o Rio, nenhum parece ter qualidade e fôlego para a empresa. O velho Graça, inexcedível, é o detalhista de profundidade, o homem que permite o mais íntimo das angústias, dissecando processos psicológicos com a simplicidade de quem descasca uma banana. Grande romancista, seria, talvez, o único capaz de apreender, vertical e horizontalmente, o drama contraditório e complexo da metrópole. Dificilmente o escreveria, porém, a julgar pelas características que dominavam a sua obra. O inquieto Lins do Rego fabricaria uma nova Eurídice. Estaria longe de conceber um Manhattan Tansfer carioca, ciclópico, vertiginoso e autêntico, como fez Dos Passos de outro tempo. Não citemos mais. Para qualquer lado que se olhe, a mesma, a mesma ausência de um romancista da vida carioca atual. Ainda não surgiu o escritor capaz de realizar uma síntese do que vai pelas tumultuosas ruas do que se passa no claro-escuro das habitações suicidas. Um romancista capaz de seguir mil rumos diferentes ao mesmo tempo, entrecruzando-os na justa oportunidade, acompanhado-os atentamente na grande marcha para o desembocadouro comum. Um homem identificado com a multidão, com os transportes, com a trepidação de cada minuto, personagem, ele próprio, do imenso drama. Os escritores cariocas, e os que habitam o Rio, ainda não quiseram tomar essa posição de autor e personagem. Não quiseram ou não puderam. Preocupados uns com problemas de alta transcendência e outros enxergando apenas o que lhes agride os olhos, sem falar em que se perdem no emaranhado sedutor dos elogios mútuos e da vaidade incensada, esses escritores esqueceram de que pertencem à multidão, à massa anônima que não cessa de lutar e de sofrer na busca de uma vida melhor. E esquecidos disso, não percebem que a cidade necessita de um romancista que lhe analise a vida, seja o seu interprete. Esse romancista ainda não apareceu. Mas aparecerá, por certo. E já que os escritores de renome não se aventuram à empresa, é bem provável que ele surja, espontaneamente, da própria multidão. Um desconhecido qualquer, um anônimo, que jamais tenha escrito outra coisa, porém, que sinta o drama seu e de três milhões, sofra a angústia de uma cidade que se debate entre os caprichos extravagantes de “nouveaux- riche” e a miséria que floresce nas ruas elegantes. Vivendo e sentindo a cidade, sofrendo suas dores e rindo suas alegrias, esse anônimo desesperado por não encontrar quem grite ao mundo por ele e pelos outros, escreverá o romance ciclópico do Rio tumultuário – grito que ficará revoando como autêntico testemunho de uma época.

Data: 15/02/50;3 UM MUNDO QUE NÃO SE ENTENDE...

Ontem, uma das emissoras da Capital Federal divulgou, em caráter sensacional, a noticia de que já se encontrava completamente curado o cidadão que há cinco anos passados na América do Norte, assassinou sua esposa e foi considerado louco. E como poderia parecer para alegria de uns tolos sentimentais como eu, que a justiça mandara curar o assassino para devolver ao convício social, apressou-se o repórter radiofônico a acrescentar: Uma vez curado, conforme atestaram os médicos e o juiz sentenciou, o homem será executado na cadeira elétrica, como castigo pelo crime cometido há cinco anos. Durante cinco anos os médicos trabalharam na reconquista de uma consciência perdida, gastando o governo norte-americano, nesse cura cruel, parte do dinheiro arrecadado ao público por intermédio dos impostos. Concluída a cura em lugar de devolver-se o cidadão à coletividade, já que ele praticara o crime sem ter consciência disso, manda a justiça que ale seja executado em pleno uso da consciência, para que realmente sofra o castigo do crime que, conscientemente, não praticou. Em outras palavras manda a justiça que se assassine, fria e cruelmente, um homem que matou a esposa em reconhecido estado de loucura. Há quem possa defender o argumento de que não há nisso nenhuma maldade, que o cidadão merece morrer porque matou e que somente um perfeito e acabado ignorante pode estranhar e arrepiar os cabelos diante de fato tão simples. Quanto a mim, confesso que poucas das últimas noticias me terão tocado tão profundamente e nenhuma como essa, me terá dado a exata medida do absurdo, do cinismo desumano a que nós civilizados, estamos chegando. Em todo caso, não há dúvida de que é uma providência de alta sabedoria, inclusive por que desopila o fígado de quantos andam aí amargurados com a tão falada destruição do mundo pelas bombas de hidrogênio ou com essa notícia de recuperação e assassínio posterior do matador de sua própria esposa, ou, ainda, com os sombrios destinos deste país que, afinal de contas, com a economia no cafezinho do Presidente, embora o do público continue sabendo cada dia mais, não vai tão mal assim...

Data: 04/11/50;5 GBS

No dia de Finados, como qualquer outro dia, em todas as partes do mundo, muitos homens terão morrido. Perto de Londres, porém, ainda era madrugada e o frio e a bruma não se tinham ido, morreu um homem que há algumas horas agonizava. Durante noventa e quatro anos viveu neste mundo, que nem sempre o compreendeu e nem sempre quis aceitá-lo. Contudo, ele era o mais autêntico representante de uma humanidade que não deseja nem merece perecer. E sua vida foi o mais surpreendente e um dos mais edificantes espetáculos dos nossos tempos. Foi, toda ela, um inteligente protesto. Uma original atitude de renovação. Um inigualável esforço de vencer o tempo e, com ele vencer os preconceitos, as convenções e as injustiças. Escrever era o seu ofício e era também o seu divertimento. Jamais, porém, escreveu sem estar seguro do que escrevia e sem estar certo de que, com o que escrevia, participava da vida e procurava engrandecê-la. Suas opiniões tinham o condão de perturbar e de comover. Irritavam tanto quanto sensibilizavam, porém, nunca foram nem poderiam ser recebidas com indiferença. Calavam fundo onde quer que chegassem. Sua ironia foi tornada lenda, e todos reconhecem que ela se alicerça sempre na piedade, no amor ao próximo, e nunca no desprezo ou no ódio. Suas críticas, carregadas de sarcasmo e desencanto, representam a mais otimista esperança num mundo melhor e mais justo, numa vida mais digna de ser vivida. Irreverente e perturbador, esse homem era um irlandês, segundo ele próprio, “vegetariano, mentiroso, tagarela e socialista”.O que ele deixa para a humanidade, porém, não pode ser avaliado com facilidade. Seus livros e peças, seus artigos e conferências, são um tesouro de cuja grandeza, em toda a história do mundo, haverá raríssimos exemplos. Depois de Shakespeare, o teatro teve nele o seu maior nome. E os homens não têm notícias, após Swift e Voltaire, de uma ironia tão fina e tão sutil. Seus noventa e quatro anos de vida são a mais irrecusável afirmação de juventude e lucidez. Dele se dia que era contraditório e sem crenças definitivas. Nenhum outro elogio lhe poderia ser mais alto do que essa acusação. Por ser jovem, já ancião de barbas brancas e acreditar no progresso e na evolução como resultado da luta entre forças contrárias, é que era contraditório e não tinha crenças nem dogmas; era um constante receptivo às últimas verdades e, no momento mesmo de aceitá-las, já estava procurando as outras que os novos tempos iriam revelar. Esse homem morreu na madrugada do Dia de Finados e, de agora em diante, nesse dia, o mundo inteiro chorava algo mais do que a morte dos homens que se foram, em todos tempos. Chorará a morte de um homem que se chamou, que se chama e sempre se chamará GEORGE BERNARD SHAW.

Data: 04/07/52;5 O MEU VELHO ARTUR DE SALLES

Já nem lembro bem como o conheci, tão permanente e contínua é a sua presença em minha memória. Lembro-me, porém, de sua bela cabeça de bronze de alvos cabelos longos, contemplando os velhos solares das ladeiras baianas. De seu magro e digno vulto parado no coração da cidade que tanto amava, o olhar perdido nas perspectivas surpreendentes dos campanários e telhados patinados de quatro séculos. De sua mansa voz anasalada, a repetir o solilóquio de Hamlet, os versos de seu irmão ou a dizer as estrofes candentes do “Liberté” de Eluard. De seus olhos negros e cansados, cheios de confiança e de vida, quando, nas longas conversas que mantínhamos, recordava episódios de sua tranqüila vila de São Francisco, ou me dizia da sua ardente esperança no estabelecimento da paz entre os povos do mundo. Setenta e três vezes o calendário dos homens viu passar um primeiro de janeiro, e em nenhuma dela o tempo – que nada perdoa e não pára – conseguiu vencer o espírito do meu velho Artur de Salles, desse poeta jovem de cabelos brancos, cuja modesta morte junto à casa dos Alienados parece um irônico símbolo cheio de sugestiva verdade. Vivemos, infelizmente vivemos num mundo em que a lucidez vai se tornando a cada dia maior pecado, e uma quase sempre consciente alienação é a virtude dominante. A escala dos valores inverteu as medidas, e o que mais vale é sempre o que não vale. Esquecido ou ignorado, quase desconhecido dos habitantes do Estado que tanto engrandeceu, foi assim que morreu Artur de Salles, imensa voz de poesia, que se contentava em escancarar as janelas para a noite e fazer das águas do Lago Sagrado a mensageira melhor de seus versos, mas, nunca trocou sua autêntica poesia por vantagens e interesses impuros. Sabia, porém – e sei que o sabia como uma certeza rejuvenescedora – que esse mundo que não o ouvia, que não o queria ouvir, tinha as horas contadas no relógio da História. E essa era a certeza que fazia do velho Artur de Salles um moço como nós, os desta geração que, através do Caderno da Bahia, de Seiva, da ABDE e de tantos outros movimentos, vem procurando manter para a Bahia o prestígio que lhe deram um Gregório de Matos, um Castro Alves, o fluminense , um , um Artur de Salles e um . O meu velho e bom Artur de Salles, debruçado na sua mesa da Biblioteca Pública, a repassar as páginas do mundo Shakespeariano ou ler o último poema do mais recente poeta da França. Meu bom amigo, permanentemente em mágoa com a vida – a morte do filho, a morte da esposa, a morte do outro filho – e a pensar e, mesmo, a contribuir para que o mundo dos vivos seja realmente dos vivos. Que belo e rico exemplo de poeta e de homem, esse que nos deu o cantor dos velhos casarões e grande companheiro do mar dos costeiros baianos!

O coração da gente é uma fogueira acesa Arde, brilha, incendeia. E todo o céu da vida Fica cheio de luz e de beleza. Depois o fogo morre. A lenha consumida Não brilha mais. Não canta.

Sim, meu velho Artur de Salles, a lenha consumida não brilha mais. Mas os teus versos continuarão cantando.

2. BIOGRAFIA E MINIATURA

Data: 29/11/47; 5 BIOGRAFIA

José Geraldo Vieira é, atualmente, um dos maiores romancistas brasileiros. Nasceu no Rio de Janeiro, a 16 de abril de 1897 e é filho de pais portugueses, de Açores. Formado em medicina pela Universidade do Rio de Janeiro, estudou, também, na França e na Alemanha, onde se demorou algum tempo. Escreve desde os tempos de ginasiano e, quando ainda estudante, publicou “O triste epigrama”, que merece elogios dos maiores críticos brasileiros da época. Depois, lançou um livro de contos A ronda dos deslumbramentos, em 1936 publicou o romance Território humano, consagrado pelas críticas brasileira e portuguesa. Apareceu, posteriormente, A mulher que fugiu de Sodoma, considerado uma das melhores realizações da nossa literatura e, talvez, a sua melhor obra. Vieram, em seguida A quadragésima porta e A Túnica e os Dados.

José Geraldo Vieira vive, hoje em dia, em Marília, no interior de São Paulo, onde exerce a medicina. Fala-se que dentre em pouco, publicará um novo romance, enriquecendo, assim, a nossa literatura para a qual tem contribuído de maneira decisiva.

Data: 13/12/47;5 BIOGRAFIA (com caricatura)

Dyonélio Machado nasceu em 1895, em Quarai, na fronteira do Rio Grande do Sul. Foi nessa região que passou os anos de infância e adolescência, testemunhando a agitação dos contrabandos, tropelias e revoluções, naquela época comuns ao Brasil e Uruguai. Veio para Porto Alegre aos 16 anos de idade, a fim de estudar medicina. A literatura, no entanto, o desvia de seu propósito inicial, só vindo a obter o diploma em 1929, especializando-se em psiquiatria. De 1922 a 1930 foi redator do Correio do povo, tradicional órgão de imprensa gaúcha, sendo, mais tarde, seu diretor interino. Em 1927 publicou um livro de contos Um homem pobre, que obteve algum sucesso. Daí em diante, sua atuação na literatura foi muito irregular, escrevendo com longos intervalos, em virtude de seus afazeres profissionais, o que justifica sua pouco volumosa bagagem literária. Em 1935, estreou no romance, com Os ratos, livro que alcançou extraordinário sucesso, obtendo prêmio em disputado concurso literário. È uma obra sombria e densa, que se desdobra no espaço de um dia e se movimenta em torno de um único acontecimento. Nesse livro, alguns críticos enxergaram “o momento culminante da literatura brasileira”. Depois de longo e lastimado silêncio, Dyonélio Machado voltou ao cartaz com O louco de Cati, em 1942. Esse novo livro foi bastante discutido, provocando debates literários, pois o próprio autor o considerava “aventura”. Como quer que seja, O louco de Cati, embora sendo um livro diferente e com um tema original, ficou aquém de Os ratos, seja em construção romanesca ou significação social ou psicológica. Dyonélio Machado é, indubitavelmente, uma figura de projeção do romance brasileiro. Fisicamente, é um homem grande, de rosto sem alegria, de temperamento seco, direto, positivo. Vive em porto alegre, onde exerce a profissão de médico num hospital de alienados.

Data: 03/01/48;5 BIOGRAFIA (c/ fotografia)

Érico Veríssimo aparece, hoje no panorama literário do país, ocupando um lugar à parte, como nosso maior romancista, posto que ele mesmo criou e que não lhe foi dado por atuações políticas oportunistas nem por grupos de amigos interessados. Veio do nada, e venceu à custa do próprio esforço. Nenhuma nota biográfica sobre Érico, das divulgadas até agora, apresenta o interesse e abundância de informações que nos dá a leitura inteligente de seus livros, os últimos principalmente. Nasceu no interior do Rio Grande, em Cruz Alta, no ano de 1905, e lá viveu a infância e boa parte da adolescência, quando ainda tinha esperanças de cursar uma escola de pintura na Escócia e fazer grandes quadros. Isso, no entanto, não se realizou. E, em lugar das paisagens escocesas, ficou a pintar letreiros nos sacos de feijões e batatas, no balcão de um armazém de secos e molhados. Com essa reviravolta brusca na existência, lançado repentinamente em contato com o claro-escuro da realidade cotidiana, vendo o desfilar de tipos vulgares e brutais e o drama dos simples e humildes, convivendo com “um sujeito de olhar frio que mascava alho” e que lhe chamava à vida sempre que procurava fugir e mergulhar nos livros, Érico começou a derivar. Ia descobrindo pinturas, autores, músicas, e isso o impedia de se deixar levar. Ele próprio confessa, nas palavras carregadas de angústia de Malazarte: “Não sei porque, eu julgava ver a sombra de Verlaine passeando por entre os plantanos da pracinha provinciana. Seguia-lhe os passos, sofrendo. E esse sofrimento me dava uma inexplicável felicidade. Eu era feliz por me sentir infeliz”. E mais adiante: “vendendo batatas e murmurando versos de Samain... O mundo era um mistério e uma promessa”. Foi nessa época que ele travou conhecimento com Swift e Shaw (“na coleção barata da Tanchnitz...”) Foi aí que encontrou Ibsen, que ficou “morando na sua admiração”, e com quem aprendeu o difícil manejo do diálogo simples e expressivo, no qual hoje é mestre com letras maiúsculas, E descobriu Oscar Wilde, “a mais inelutável de todas as influências literárias”, como disse mais tarde. Resolve, então, como que impelido por forças íntimas imperiosas, tentar a Capital. Trabalha durante o dia no comércio, e, à noite, prossegue lendo e escrevendo cumprindo seu inexorável destino de romancista. E o resultado desse esforço, foi uma enfermidade que quase o liquida. Volta, então, já noivo de sua atual esposa, para o interior; lê com sofreguidão os autores franceses e ingleses, em verso e prosa, e, curado, decide arriscar a sorte mais uma vez em Porto Alegre. Consegue uma máquina de escrever, cobra ânimo e parte. Passa a trabalhar na Livraria do Globo. Manoelito Ornelas descobre, na gaveta de Érico, e publica o Ladrão de gado, seu primeiro conto. Surge, depois, outro, assinado por um tal Denis Rent, que não era senão o autor de Olhai os lírios do campo. Começam a aparecer seus primeiros ensaios e contos. Vem A lâmpada mágica, surgem Fantoches e Clarissa, seus primeiros romances. Dizem que um outro livro seu teve toda a edição queimada num incêndio, e a indenização que lhe foi dada ensejou a publicação de novos. Apareceu, Música ao longe, que parece ser uma coleção de saudosas recordações dos dias do interior, com as cenas de sangue, marasmo e decadência que presenciou. Continua, no entanto, a ser quase um desconhecido para o público nacional, quando surge a tradução de Contraponto, de Huxley, o mais perfeito trabalho de tradução que conhecemos. Cresce o interesse em torno de seu nome. Seguem-se outras traduções e, pouco depois, novos romances. Caminhos cruzados, Um lugar ao sol, olhai os lírios do campo, Saga e O resto é silêncio. A glória lhe batia à porta. À maneira de Anatole, o que encontramos em seus livros é ele mesmo seus próprios pontos de vista, sua maneira de encarar as coisas e os homens. Seus romances são sinceros, pois ele não os escreve com o fim e ventilar idealismos políticos ou impingir preconceitos aos seus leitores. É um autor honesto. Pinta retratos à carvão das gentes simples, movimentando com maestria os elementos romanescos, dentro em uma técnica literária muito pessoal. Parece que é seu desejo quebrar os moldes convencionais do romance, dando-lhe processos mais convincentes. Não faz arte-torre-de-marfim, mas escreve pela mais justificável original das cousas: “por amor à vida”. Isso, objetivamente. Por dentro, como diz Tonio Santiago – esplêndido auto-retrato que traço em O resto é silêncio – é levado a escrever “por fatalismo biológico”. Erico trabalha ativamente. Ninguém o vê flanado nas ruas. Quando não está terminando a tradução de algum romance, entrega-se ao novo livro que está escrevendo, ou à sua esposa e aos filhos, para os quais conta histórias e pinta bonecos. Escreve preferencialmente à noite, algumas vezes a máquina nos joelhos, fazendo uso da caneta toda a vez em que um termo qualquer lhe foge à memória. Desenha também, mas afirma que deixou de nutrir esperanças nesse sentido, depois que viu as ilustrações de Zeuner para a livraria. Em matéria de música, tem uma religiosa admiração por Bach, fala com entusiasmo de Beethoven e da Nona Sinfonia, e acha a 4ª Sinfonia de Gustav Mahler a mais bela criação musical que já ouviu. Pouco se afasta de Porto Alegre, e já foi à América do Norte duas vezes. A primeira – quando da acusação que sofreu por parte de um fascista qualquer – em busca de um ambiente mais sadio, deixando o país num momento em que não se podia dizer ou escrever nada, sem incorrer perigo de ser chamado ao tribunal ou preso por vários meses, como aconteceu com Monteiro Lobato. A segunda, a fim de lecionar literatura brasileira numa Universidade Americana. Dessas viagens, surgiram três livros: os dois Gato preto e a reunião de conferências que lá realizou, este último editado em inglês. Erico tem um senso de humor invejável, e raramente conta qualquer coisa sem incluir uma anedota ou uma de suas observações cheias de espírito. Não é supersticioso; confessa que já tentou várias vezes, porque ser supersticioso dá sorte, mas tem fracassado sempre, infelizmente... É pouco afeito a divulgar detalhes sobre a vida íntima. Não tem preferências pelos tipos que criou, embora, sempre que interrogado a esse respeito, olhe para o retrato de Vasco pendurado à parede, pintado por Zeuner, confessando a grande analogia que existe entre as idéias do herói de Saga e as suas próprias. Ambos, aliás, o herói e o livro, são expoentes em nossas letras. Politicamente, não tem preconceitos ou inclinações por essa ou aquela ideologia. Entende, como Vasco, “que a vida é demasiado complexa variada para caber em qualquer programa de partido”. Atende a todos que o procuram, com tolerância e interesse, mas, quando um interlocutor pouco discreto começa a enfadar, ele ergue a sobrancelha direita, olhos perdidos num ponto vago e as idéias voando... É seu desejo reunir as qualidades de cada um de seus livros em um só romance, contado com as palavras de Saga, com a humanidade de Olhai os lírios do campo e com técnica de Caminhos cruzados. Talvez seja o próximo já anunciado, A jornada. É, atualmente, o autor mais lido do Brasil. Além dos romances e livros citados, possui vários outros, inclusive muitos de literatura infantil. Seus romances estão traduzidos em várias línguas e um deles já foi cinematografado, aliás de maneira não muito feliz. É diretor da Livraria do Globo e não exerce outra profissão além da de escritor. O conhecimento que tem da vida e dos homens, faz com que seus livros nos apresentem sempre soluções para problemas íntimos, pessoais. E é com esse objetivo, de resolve nossos “casos” ou reforçar nossas convicções e fé no elemento humano que nos atiramos aos seus romances, e dele saímos satisfeitos, com uma nova filosofia de vida, olhos abertos para situações e fatos que antes não enxergávamos. É um escritor honesto e realiza impiedosamente autocrítica de seus livros, a ponto de considerar Um lugar ao sol um livro frouxo.

Data: 17/01/48;5 BIOGRAFIA (com foto)

Guilherme de Almeida é, incontestavelmente, uma das grandes figuras da poesia brasileira. Filho primogênito do jurisconsuto e professor de Direito, Estevam de Araújo Almeida, o poeta nasceu em Campinas, São Paulo, a 24 de julho de 1890. Cursou a Faculdade de Direito de sua terra natal, obtendo diploma em 1912. Ainda estudante, estreou nas letras, colaborando em jornais e revistas da época. Seu primeiro livro, no entanto, Nós, data de 1917. Convidado por Júlio Mesquita, nesse ano, para trabalhar na redação de O Estado de São Paulo, começou a publicar ininterruptadamente obras em verso e prosa, sendo a maioria em versos. Sua obra completa compreende 37 volumes e nela se destacam Nós, A dança das horas, Messidor, Livro de horas de Sóror Dolorosa e Você. Além disso, é um dos melhores tradutores de poesia que possuímos, sendo célebre a versão do famoso poema de Kipling, If. È membro das Academias Brasileira e Paulista de Letras. Para a Academia Paulista, foi eleito em 1928, ocupando a vaga de seu pai. Em 1930, 6 de março, entrou para a Academia Brasileira, na vaga de Amadeu Amaral, poltrona nº 15, sob a invocação de Gonçalves Dias e fundada por .

Data: 31/01/48;5 BIOGRAFIA (com fotografia)

Com das maiores bagagens do romance contemporâneo brasileiro, José Lins do Rego é uma curiosa figura da nossa literatura. Nasceu a 3 de junho de 1901, em Engenho Corregedor, Paraíba. Filho de uma família pertencente à melhor aristocracia rural, Lins do Rego é um escritor que se tem conservado fiel às suas origens humanas e literárias, como real representante de sua classe social e do ambiente físico em que foi criado. Sua infância, decorrida no ambiente dos velhos engenhos das casas grandes e das senzalas após a abolição, marcou, quase que de modo definitivo, sua arte de ficcionista. Seu livro de estréia, Menino de Engenho, é um relato desse tempo, tendo obtido o Prêmio Graça Aranha, em 1932. Fez seus estudos primários em Itabaiana, no I. Nossa senhora do Carmo, daí passando para João Pessoa, onde tirou os preparatórios, no Diocesano Pio X. Seus primeiros trabalhos literários foram publicados na revista estudantil desse último Colégio, a Arcádia. Transferindo-se para Recife, diplomou-se em Direito, mantendo-se em constante ligação com escritores pernambucanos de mais evidência, como Gilberto Freyre, Olívio Montenegro, Osório Borba e muitos outros. Com este último, Osório Borba, fundou um semanário de crítica política e literária, em 1923. Nomeado promotor público em 1925, exerceu esse cargo em Minas Gerais, daí transferindo-se em 1926, para Alagoas, onde foi funcionar como fiscal de bancos. Conheceu então, Graciliano Ramos, Aurélio Buarque de Holanda e Valdemar de Oliveira. Seu segundo romance, publicado em 1933, Doidinho, é como o anterior, autobiográfico, pois relata a história de seu aprendizado no Diocesano Pio X. Esse traço de autobiografia poderá ser encontrado em quase todas as suas obras. Oscilando entre a memória e a imaginação, Lins do rego, como ficcionista, nos dá a imagem de um homem ligado à terra por raízes profundas e indestrutíveis. Fixando residência no Rio de Janeiro, em 1935, o romancista continuou a descrever o antigo panorama que tanto o deslumbrara na infância, só fugindo a isso em dois romances, um dos quais Eurídice, o mais recentemente publicado cuja primeira edição, de 16.000 mil exemplares, foi esgotado em dois meses. Esse sucesso, aliás, não corresponde ao êxito do livro como obra de arte de ficção. Escrito de modo fácil, com enormes concessões ao público, não tem profundidade social ou psicológica. É um livro que agrada pela excessiva leveza, capítulos curtos que despertam no leito comum a vontade de prosseguir na leitura, o enredo é atraente e so personagens se movimentam com facilidade, embora muitos sejam convencionais e falsos. Os problemas expostos, se chegam a ser problemas, são de uma superficialidade agradável e trazem um molho apimentado e sedutor, posto que mal preparado. De nível muito inferior a Bangüê (1934), Pureza (1937), Água Mãe (1941, Prêmio Sociedade Felipe de Oliveira) e Fogo Morto (1943), esse último romance passará, como têm passado tantas obras de sensação temporária, a exemplo da coqueluche, E o vento levou. Outros livros de Lins do Rego: Moleque Ricardo (1935), Usina (1936), Pedra Bonita (1938), Riacho doce (1939), Histórias da Velha Totonha (Literatura para criança) Gordos e magros (1943, ensaios), Pedro Américo (1944), Conferências no Prata (1946), Poesia e vida (ensaios, 1946). Lins do Rego vive na Capital Federal, onde exerce as funções de fiscal de imposto de consumo, além de cargos outros nas diversas entidades esportivas, como fan de futebol e apaixonado torcedor do flamengo. Escreve para vários jornais, inclusive para os Diários Associados, Jornal dos sports, do qual é colaborador diário, e o Globo. É casado e tem 3 filhas já moças. Sua obra tem grande importância para a literatura brasileira, principalmente a parte que compreende o chamado “Ciclo da cana-de-açúcar”.

Data: 13/03/48;5 BIOGRAFIA (c/fotografia)

O sr. Álvaro Lins escreveu que Jorge Amado seria um dos maiores criadores de ficção da nossa literatura, um dia em que apresentasse uma forma e um estilo correspondente à sua natureza espontânea de romancista. Mas, quando essa opinião foi escrita, em 1943, o sr. Álvaro Lins já havia dito que ao romance interessa mais a técnica do que o estilo, sendo este prescindível, e Jorge Amado já era, inegavelmente, um dos maiores criadores de ficção de nossa literatura. Andou acertado o crítico [-] todavia, quando falou de natureza espontânea de romancista em Jorge Amado. É, na realidade, uma grande vocação de contador de histórias. Nascido em Ilhéus, Bahia, no ano de 1912, Jorge Amado viveu toda a infância nas fazendas de cacau do sul do estado. Vem daí o traço característico de sua obra, essa incrível fidelidade à terra e ao drama de sua conquista, o sentido real da luta e dos problemas humanos. Após o curso secundário em Salvador, bacharelou-se em direito, no Rio de Janeiro. Com 19 anos publicava o primeiro romance, O país do carnaval, quando já havia sido publicada a novela Lenita, escrita em colaboração com Dias da Costa e Edson Carneiro. Nesse seu primeiro romance, Jorge Amado esboça o perfil de Pinheiro Viegas, seu antigo professor, que exerceu grande influência em sua vida. Foi uma estréia fraca, embora um livro promissor. Vem, a seguir, Cacau, de maior significação que o primeiro, cujo sucesso coloca Jorge Amado no caminho de melhores e mais sólidas realizações. Em 1934, aparece Suor, discutido, elogiado e condenado, onde o romancista jogou com a realidade nua e crua de todos os dias, sem que a subvertesse a um processo de transformação artística, necessário ao romance. Aparece, então, Jubiabá, obra de maior vulto, na qual o autor já se revela um grande romancista em pleno desenvolvimento. Segue-se Mar Morto, que lhe deu o Prêmio Graça Aranha em 1936, embora considerado por alguns críticos como um passo atrás, quer como técnica, quer como significação. É um poema em prosa, comovente, bonito, mas, está longe de ser um verdadeiro romance, pois nele predomina quase que exclusivamente a fantasia, a imaginação inquieta e sem rumo certo do autor, sem que a memória exerça influência, senão raríssimas vezes. Pouco depois, vem Capitães de Areia, o drama dos menores abandonados, aprendendo a vida do crime no cais e nas ruas de Salvador. Há, então, um grande silêncio, interrompido aqui e ali, por crônicas, artigos e conferências. O romancista vive no estrangeiro, perseguido pela ditadura estadonovista. É quando escreve a Biografia de Luis Carlos Prestes, editado em Castelhano. Com a guerra, volta ao Brasil e, na Bahia, trabalha na imprensa diária, no Imparcial. Lança O ABC de Castro Alves, recebido pela crítica com os melhores elogios. Sem ser, verdadeiramente, uma biografia o livro, em seus vinte e seis capítulos relata a vida e obra do gênio, um estilo agradável e atraente dentro do rigor histórico exigido a tais obras. Depois, surgiu os dois maiores romances de Jorge Amado, aqueles que lhe deram um lugar excepcional na nossa literatura: Terras do sem Fim e São Jorge dos Ilhéus. No primeiro desses o romancista se atém da realidade, estabelece convincente contato com a terra, e não fantasia desenfreiadamente, não solta a imaginação além do que é permitido soltar, como lhe acontecera em Mar Morto e alguns outros romances. Fiel aos fatos, aos homens, ao ambiente, Jorge Amado realizou, aqui, um romance mais denso, mais vasto, embora em certos aspectos, poucos, felizmente, fosse ainda o romancista de 19 anos. É o caso de análise de personagens mais complexos, mais requintados psicologicamente, na qual sempre falha. Ou, ainda, o traiçoeiro tema do amor, para o qual lhe faltou o certo senso psicológico e uma melhor e mais sugestiva linguagem descritiva. No entanto, não ofuscava o valor do livro, que tem trechos, como alguns do capítulo “A Mata”, que bem podem figurar em qualquer antologia. Em São Jorge de Ilhéus, o romancista reafirma suas qualidade de grande ficcionista num livro considerado por muitos como a sua melhor obra. Seu último romance, Seara Vermelho, não merece comentário. É um dos piores que já escreveu em toda sua vida. Além dessas obras, Jorge Amado escreveu A Descoberta do Mundo, juntamente com Matilde Garcia Rosa, um livro de poemas, A Estrada do Mar e uma peça teatral, O Amor de Castro Alves. Ingressado na política, Jorge Amado foi deputado comunista pelo estado de São Paulo, para onde transferira residência há algum tempo, atualmente, encontra-se na Europa, em Paris.

Data: 08/05/48;5 MINIATURA (c/fotografia)

Nenhum outro escritor disputa com Graciliano Ramos a preferência do público. A crítica é unânime em reconhecer nele o maior romancista nacional e as constantes reedições de seus livros traduzem a franca aceitação que a sua obra tem merecido. Nascido em Quebrangulo, Alagoas, a 27 de Outubro de 1892, Graciliano, antes de se transformar no grande escritor que hoje é, foi comerciante, poeta fracassado, revisor de jornal e até prefeito do interior!... vem daí, talvez, seu grande conhecimento da vida, sua experiência longa e amarga das coisas e dos homens, fatos que se revelam a toda hora e todo instante em seus livros densos e bem trabalhados. Sua existência tem sido acidentada desde a infância. Seu pai, Sebastião, casado com a filha de um fazendeiro de gado, foi obrigado a deixar Quebrangulo quando Graciliano estava apenas com dois anos de idade, indo morar em Brique, Pernambuco, onde comprou uma fazenda, nela passando a viver com sua mulher e os filhos. Mas, veio a seca, o mesmo e eterno drama do nordeste, e Sebastião, morre seu gado e arrasadas suas plantações, montou na vila uma pequena loja. Aí viveu durante algum tempo Graciliano Ramos, passando depois a Viscosa, Maceió e Palmeira dos Índios, em cujas cidades seus olhos de criança e de rapaz viram a vida passar, feia, horrível, cheia de incoerências e absurdos, um sucessivo espetáculo de dramas e angústias que marcou definitivamente o espírito do escritor. Em 1914 foi para o Rio de Janeiro, de onde voltou para o nordeste. Foi depois que esteve como Prefeito em Palmeira dos Índios, Alagoas, durante dois anos, onde era o homem mais culto da terra, bodequeiro, o célebre major Graça. Aí aconteceu um dos curiosos fatos de sua vida. Findo o seu período na prefeitura, escreveu Graciliano um curiosíssimo relatório, que, publicado na íntegra no “Diário Oficial”, logo foi transcrito em vários jornais de Alagoas e do outros estados do nordeste. Eis alguns trechos desse nada burocrático relatório de um curioso prefeito, transcritos no “correio da manhã”, de 7-15-47: “Encontrei obstáculos dentro da Prefeitura e fora dela - dentro uma resistência mole, suave, de algodão em rama, fora, uma campanha soma, oblíqua, carregada de leis. Pensavam uns que tudo ia bem nas mãos do nosso senhor, que administrava melhor do que todos nós; outros me davam três meses para levar um tiro. Dos funcionários que encontrei em janeiro e do ano passado restam poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contas” “No cemitério enterrei $189,00 – pagamento ao coveiro e conservação” “Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. Dos ordinários vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos, forçados pelos inspetores, que a Prefeitura do Interior não punha alarme, proclamando que a coisa foi feita por ela: comunicou-se as datas históricas ao governo do estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados, porque se derrubou uma pedra na rua – um telegrama; porque o deputado esticou a caneta num telegrama. Dispêndio inútil. Toda a gente sabe que isso por aqui vai bem, que o deputado, morreu, que não choramos e que em 1556 D. Pedro Sardinha foi admitido pelos Caetés. Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates, todos os meus erros, porém, foram erros de inteligência que é fraca. Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome. Não me fizeram falta. Há descontentamento. Se a minha estrada na Prefeitura por esses dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade. a) Graciliano Ramos.” Esse relatório foi publicado nos jornais do Rio, e o editor-poeta Schimidt imaginou, então, que Graciliano devia ser autor, também de algum romance. E foi assim que Caetés, escrito em 1926, veio a ser publicado em 1933 marcando uma vitoriosa estréia para o mestre do romance nacional. Vieram, depois, São Bernardo, em 1934, Angústia, em 1936 e Vidas Secas, em 1938, além desses romances, Graciliano publicou Histórias de Alexandre, folclore, em 1944, Infância, memórias, em 1945, Dois Dedos, contos, 1945, Histórias incompletas, 1946 e Insônia, contos. A obra de Graciliano é de considerável importância para a literatura nacional, e Raquel de Queiroz já escreveu que, “se por uma catástrofe natural ou política, sumisse num incêndio toda a literatura brasileira e só sobrasse do fogo os livros de Graciliano Ramos, - bastariam esses romances para justificá-la! Sozinhos eles afirmariam que nos seus três séculos de vida a nossa literatura não existira em vão”. Seus personagens vivem, e vivem intensamente. Embora homens simples, algumas vezes rústicos, esses personagens, que se movimentam em ambientes vulgares da vida ordinária, são arruinados por sensações pouco comuns e sentimentos complexos. Parece que a preocupação maior do romancista é a de , pesquisando, estudando, analisando, exibir o caráter humano em toda sua rudeza. Pô-lo em, sem subterfúgios nem rodeios, com todos os seus defeitos, vícios, erros, virtudes, temores e receios. E, embora se afigure paradoxal, o juízo que faz dos homens é o pior e o mais frio possível, chegando mesmo ao ódio, ao desprezo, ou à indiferença. Sua humanidade é sempre miserável, quando não mesquinha. Preocupa-se demasiado com a paisagem interior, enquanto que a exterior somente chega aos seus personagens através das sugestões que oferece, como pontos de referências para uma análise da vida. Pessoalmente, Graciliano é um homem meio esquisito, esquivo, pouco dado à publicidade, chegando mesmo a ser malcriado. Vive atualmente no Rio de Janeiro, onde exerce a profissão de jornalista, e as funções de inspetor de ensino. Foi preso durante o Estado-novo, sob a acusação de comunista. Recolhido ao presídio de Ilha Grande, aí esteve durante algum tempo, distribuindo os cigarros que recebia com outros detentos e sempre observando e analisando a vida. Temperamento retraído, meio introvertido, Graciliano, sobre ser considerado o maior romancista brasileiro, é um dos mais curiosos tipos de escritor. Não produz apressadamente, como alguns fabricantes de livros e dizem mesmo que leva vários dias atormentado quando lhe foge algum termo, na redação de uma obra, não prosseguindo senão quando o encontra. E de tal forma é o temperamento de Graciliano que, certa feita, escreveu um crítico que havia no autor de Angústia uma profunda influência de , ali denunciada não só pelo sentido de sua obra, como pelo estilo em que é escrita, correto, quase clássico. O major Graça responde categórica e fulminantemente, que jamais havia lido antes Machado de Assis...

Data: 05/06/48;5 MINIATURA (c/desenho)

A moderna poesia brasileira encontra em Manoel Bandeira um dos seus principais autores. É ele personagem central desse drama que se desenrola no país inteiro: a poesia à procura de seus verdadeiros e legítimos poetas, buscando ritmos naturais, forma, temas menos esotéricos, tentando angustiada, encontrar seu autêntico sentido. Manoel Bandeira é uma personagem desse drama, talvez a mais engalanada e a mais discutida. Nasceu o autor de Ritmo Dissoluto, na cidade do Recife, em 1886, bacharelando-se, no ano de 1902, em Ciências e Letras, pelo externato colégio D.Paulo II. Pretendeu, inicialmente ser engenheiro-arquiteto, matriculando- se, para isso, na E. Politécnica de São Paulo. Mal iniciava o curso, todavia, no segundo ano, foi obrigado a abandonar os estudos, em virtude de uma doença que exigiu que permanecesse durante mais de um ano na Suíça, entre 1913 e 1914. Regressa, depois, ao Brasil, onde vive até hoje. Exerceu as funções de inspetor do ensino secundário durante o período de 1935 – 1938. Foi professor de literatura no colégio D.Pedro II, de 1938-1943. Passa, em 1943, a ensinar literatura hispano-americana na F. de Filosofia da Universidade do Brasil, cadeira que ainda ocupa. Bandeira é imortal desde 1940, ano que ingressou na Academia Brasileira, considerado um dos melhores, senão o melhor, dos nossos poetas modernos, pertence, ainda à sociedade Felipe d’Oliveira, ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, tendo sido membro da extinta comissão de literatura infantil do M. da Educação. Sua posição na nossa literatura é, de certa forma, importante, embora haja quem negue isso, como quer que seja, sua obra é vasta e os críticos louvam os poemas e poetas. A. F.Schmidt, que acumulou funções de poeta e editor, chegou a dizer que “a luz da poesia de é única nas letras nacionais”. E ao poema fez o elogio José Lins do Rego, escrevendo: “Eu sinto neste poeta um mestre da vida, no grande sentido da expressão”. São opiniões pessoais, afetivas e exageradas, quando não frases de efeito, vazias sem maior expressão. Mas, não se pode negar a alguns de seus poemas o valor que eles realmente tem, particularmente os de Ritmo dissoluto, que muitos querem considerar como um marco divisório entre as fases boa e má de sua poesia. Sua bibliografia compreende: A cinza das horas, Carnaval, Ritmo dissoluto, Libertinagem, Estréia da manhã, Lira dos Cinqüenta anos (Poesias completas), e Poemas traduzidos, Crônicas da província do Brasil, Guia de Ouro Preto, Noções de história das literaturas, Antologia dos poetas brasileiros da fase romântica, Antologia dos poetas brasileiros da fase parnasiana, obras poéticas de Gonçalves Dias (edição crítica e comentada), Apresentação da poesia brasileira, Estudos Literários, Antologia dos Poetas bissextos contemporâneos.

Principais fontes de estudo: Homenagem a Manuel Bandeira e Autores & Livros.

Data: 24/07/48;9 MINIATURA

Lúcia Miguel Pereira, é uma das escritoras brasileiras em maior evidência. Escrevendo romances, ensaios, crítica, históricas infantis e crônicas diversas, a autora de Maria Luiza vem tendo uma vida literária mais ou menos ativa, desde 1931, quando apareceu nas letras como colaboradora do Boletim de Ariel, escrevendo nessa revista até o ano em que ela deixou de circular, 1938. Nasceu na cidade de Barbacena, Minas Gerais, a 12 de dezembro de 1903, mas, foi educada no Distrito Federal, onde até hoje reside. Sua primeira publicação em forma de livro foi, ao que parece, o romance Maria Luiza. Editado em 1933. No mesmo ano, lançou seu segundo romance, Em Surdina, não mais voltando a esse gênero, até o momento. Atuou como crítica literária durante um ano, 34-35, na Gazeta de Notícias. Colaborou, posteriormente, na Revista do Brasil, de1938 a 1943, com um artigo mensal. Atualmente escreve para o suplemento literário do Correio da manhã, onde publica crônicas, artigos e críticas semanais. Estudiosa de Machado de Assis, escreveu do mestre um estudo crítico e biográfico, em 1936, que lhe valeu o prêmio da Sociedade Felipe d’Oliveira. Dedicou-se depois, à Literatura infantil, iniciando em 1939 com A Fada Menina, premiada no concurso de literatura infantil do M. de Educação. Publicou, a seguir, no mesmo gênero, A filha do Rio verde, Na floresta mágica e Maria e seus bonecos, em 1942. Ainda de sua autoria é um estudo sobre a vida de Gonçalves Dias, publicado em 1943.

Data: 04/09/48;5 MINIATURA

Uma das grandes figuras da nossa literatura, graças à suas qualidades e a seu espírito de luta, Álvaro Moreyra, tem uma tradição de trabalhos que o coloca em lugar de destaque no nosso ambiente. Gaúcho de P.Alegre, nascido a 23 de novembro de 1888, apareceu com o grupo simbolista daquela cidade, ao lado de Felipe D’Oliveira, Eduardo Guimarães, Homero Prates e alguns outros fundadores do movimento no Rio Grande. Mudando-se, desde cedo, para o Rio de Janeiro, onde vive até hoje, ai iniciou suas atividades dirigindo a revista ParaTodos. Daí por diante, não mais abandonou os periódicos de literatura e mesmo a imprensa diária, revelando, principalmente uma acentuada vocação de cronista, e por isso mesmo considerado, no gênero, o melhor de todos. Ainda hoje, apesar de sua longa e exaustiva atividade e das campanhas que sempre sofreu Álvaro Moreyra mantém sua fama entre o povo, que encontra em suas produções a tradução daquilo que pensa e sente. Sua bagagem literária é grande. Publicou Legenda de luz e de vida (1911) Um sorriso para tudo (1915) Legenda de rosas (1916) O outro lado da vida (1919) Cocaína (1925) A cidade mulher (1926) A boneca vestida de Arlequim (1927) Circo (1929) Adão, Eva e outros membros da família e O Brasil continua (1932), além de outros volumes. Como tradutor, Álvaro Moreyra realizou alguma coisa salientando-se a tradução de Lês Faux Monnayeux, de Gide. Espírito de combate, revolucionário no pensar, escreveu e agiu, Álvaro Moreyra fundou, em 1937, uma companhia de teatro de vanguarda, com a qual percorreu as principais cidades do Brasil levando ao povo a grande arte. Hoje em dia está mais ou menos afastado, ressentido ainda do choque que sofreu ultimamente, com a morte de sua companheira, a poetiza Eugênia Álvaro Moreyra.

Data: 31/12/48;7 MINIATURA (c/ fotografia)

No movimento de renovação literária do Ceará, um dos mais fortes e sólidos dos que se processam atualmente no país, tendo como centro diretor a revista Clã, João Climaco Bezerra é uma figura de relevo, pelo trabalho que vem realizando. Nascido, a 30 de março de 1913, na pequena cidade de Lavras, no Ceará, aí aprendeu as primeiras letras do alfabeto. Órfão desde muito cedo, cedo também começou a trabalhar, pulando de emprego a emprego, a começar pelo de caixeiro de loja, para o qual não parece ter muita vocação. Menino curioso e interessado pela literatura, andou lendo tudo o que lhe parecia, não importando fosse novela policial ou folhetim de capa e espada. Lia tudo, com interesse crescente. Mais tarde, mudando-se para Fortaleza, diplomou-se, como guarda-livros pela Escola de Comércio Padre Champagnat. E em Fortaleza ficou até hoje, onde tem exercido algumas funções públicas, inclusive a de Diretor Técnico de Educação do Estado. Seu primeiro livro foi o romance Não há estrelas no céu, ao qual se segue um outro, também romance, Sol posto. De sua autoria, ainda, uma História do Ceará, para crianças. Sua obra, ainda em início, não apresenta características marcantes, que a diferenciem do grosso de novos autores nacionais. Isso não significa que lhe faltem qualidades para ser considerada uma das mais promissoras. Costuma responder aos que desejam saber muito de sua vida: - Sou casado, reservista de 3º categoria, vacinado e eleitor. Não tive heroísmos, nunca matei, nem roubei, mas sou desgraçadamente pobre..

Data: 15/01/49;5 MINIATURA

Ex-locutor da Rádio Mineira, Bueno de Mineira é hoje um nome de certa projeção literária, como poeta de nova geração. Nascido em Santo Antônio do Monte, Minas, a 3 de Abril de 1915, fez o curso primário em sua cidade natal e o de humanidades em Belo Horizonte. Trabalhando como repórter em O Diário de Minas, diplomou-se em Química, submetendo-se, pouco depois, a um concurso de laboratorista instituído pela Diretoria de Saúde Pública de Minas. Classificado em primeiro lugar, ainda hoje exerce aquela função na Saúde Pública de seu Estado. Estreou em 1944, com Mundo submerso, editado pela “José Olympio”. Ainda pela mesma editora publicou Luz ao pântano, em 1948 reunindo seus últimos poemas.

Data: 29/01/49;5 MINIATURA (c/ fotografia)

Paulo Ronai é hoje um nome fixado em nossa literatura. Nascido em Budapeste, Hungria, em 1907, filho de um livreiro, estudou na Faculdade de Filosofia da U. de Budapeste, na [Universidade] Sorbonne, em França e na U. de Perugia, na Itália. Em 1940, por ser judeu, foi recolhido a um campo de concentração. Daí fugindo, veio para o Brasil, em 1941, a convite da divisão de cooperação intelectual do Itamarati. Naturalizando-se brasileiro em 1945, com dispensa do prazo de residência, em virtude dos serviços prestados à cultura nacional, Paulo Ronai aqui fixou residência, passando a trabalhar ativamente. Doutor em Letras e Lingüística neo-latinas, foi professor de um dos colégios de Budapest. Exerceu as funções de redator da revista Nouvelle revue de Hongriê, editada em francês. Publicou, quando no estrangeiro, vários livros, inclusive a tese de doutoramento A margem dos romances de mocidade de Balzac. No Brasil, em 5 anos, publicou Mar de histórias, antologia do conto mundial, em colaboração com Aurélio B. de Holanda: Tendências e figuras da literatura hungara e As cartas de fay e Sua vida, além de várias obras didáticas. Traduziu para o português as Cartas de um jovem poeta, de Rilke e do português para o francês as Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida. Atualmente, está dirigindo a edição brasileira da Comédia humana, de Balzac, para a qual escreveu uma biografia do romancista, 86 estudos introdutórios e cerca de 10 mil notas elucidativas do texto balzaquiano, além de um livro, Balzac e a comédia humana. Paulo Ronai colabora no suplemento literário do Correio da Manhã, do Rio, e em várias revistas literárias. Fala e escreve vários idiomas, e é considerado um intelectual de grande fecundidade.

Data: 12/02/49;5 MINIATURA (c/fotografia)

Como o livro [lividendo] de janeiro, cuja seleção foi Judas, o Obscuro, de Thomas Hardy, o “livro do mês” está distribuindo aos seus associados Luzia Homem, romance de Domingos Olimpio, que é considerado o marco do movimento renovador da ficção brasileira. Domingos Olimpio Braga Cavalcanti nasceu em Sobral, no Ceará, a 18 de setembro de 1851. Filho de tradicional família cearense, seus pais, Antônio Raimundo de Holanda Cavalcanti e d. Rita de Cássia Cavalcanti, mandaram-no, após o curso de preparatórios em Fortaleza, estudar Direito em Recife, onde se diplomou em 1873. Verifica-se o início de sua carreira literária em Recife, escrevendo para a imprensa local. Regressando à terra natal, aí passou a advogar, casando-se em primeiras núpcias em 1875, de cuja união teve dois filhos. Foi posteriormente, promotor em Sobral. O período seguinte à sua formatura é, quase todo, preenchida por intensa atividade jornalística, quer literária, quer política. Adversário dos políticos dominantes, foi obrigado a se afastar do seu estado, indo residir em Belém, onde continuou a advogar e a militar como jornalista e político, chegando a ser deputado à Assembléia Provincial. Vai para a Metrópole em [18?], passando a colaborar nos suplementos literários do O Comércio, Correio da Manhã, O País, Jornal do Comércio e outros. Dois anos depois, após a morte da primeira esposa, contrai novas núpcias. Exerce vários cargos oficiais importantes. Funda, em 1904, a revista Os Anais que dirigiu, tendo como secretário um seu amigo íntimo, Walfrido Ribeiro. Trabalhador infatigável, Domingos Olimpio não parava, nem mesmo nos seus últimos dias, quando vitimado por uma moléstia nos rins. Embora literato de grande projeção em sua época, sua principal atividade foi a advocacia. A última causa que defendeu no foro do Rio, um processo de certa sensação, abreviou-lhe a vida, três dias depois. Fez uma das mais brilhantes defesas de sua carreira, perante o Supremo Tribunal Federal, esperando inquieto e excitado, a decisão, que lhe havia sido contrária em todas as suas instâncias. Três dias após, em 7-10-1906 vítima de um ataque de embolia às sete horas da manhã, quando fazia a refeição da manhã em companhia da esposa, falecia às 15 horas, em sua residência. Publicou os seguinte trabalhos: Luzia-Homem, em 1903; O Almirante, na revista "Os Anais", além de crônicas, contos, artigos e poemas. Inéditos deixou: Rochedos que choram, A perdição, Túnica de nessus, Tântalo; dramas: Um par de Galhetas, Os maçons e o bispo, História da missão especial em Washington, A questão do Acre, A loucura da política, Domitilia, O irapuru, O negro; comédias, episódios burlescos, política, além de muitos outros contos. Seu romance que está sendo distribuído pelo "Livro do mês", obteve grande sucesso e a seu respeito Lúcia Miguel Pereira escreveu: “Luzia-Homem é o primeiro dos romances da seca, antecessor de A bagaceira e de O Quinze. E Domingos Olimpio é, na verdade, um romancista da linhagem de José Américo de Almeida e Raquel de Queiroz”.

Data: 11/03/1949;5 MINIATURA (c/ desenho)

Roberto Alvim Corrêa, de cuja autoria foi lançado há pouco tempo, Anteu e a crítica, nasceu em Bruxelas, em 1901 e é filho de tradicional família brasileira. Licenciou-se na Faculdade de Letras de Genebra, tendo, também, estudado na Suíça. Estabelecendo-se em Paris, dedicou-se ao ramo editorial, no qual militou durante vários anos, tendo fundado, em 1928, uma editora própria a Editions Corrêa, por intermédio da qual lançou várias figuras da literatura francesa, amigos seus, como Charles Plisnier, prêmio Gonaurt, 1937. Editou, ainda, quase toda a obra de Chales Du Bos, livros de Maritain, Mauriac, Gabriel Marcel, Edmond Jaloux e Marcel Raymond. Colaborou em várias revistas literárias, como o Cahier do sud, Vendredi e alguns suplementos dos diários franceses. Regressou, definitivamente, ao Brasil em 1936, tendo, então, sido contratado, como professor de literatura francesa, pela Universidade do Distrito Federal, lecionando, ainda, a mesma matéria na Faculdade Nacional de Filosofia e na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica. Foi crítico literário de A Manhã durante os anos de 1942 e 1944 e redator da secção de artes plásticas do Correio da Manhã.

Data: 21/05/49;5 MINIATURA (c/ desenho)

Escritor de grandes qualidades e possuindo longa experiência, Afonso Schimidt é considerado, com justiça, um dos pontos mais altos da ficção nacional. Percorrendo todos os gêneros literários, pois é poeta, jornalista, teatrólogo, ensaísta, romancista, cronista e contista, é principalmente nesse último gênero – o conto – que Afonso Schimidt se revela uma das grandes capacidades criadoras da nossa literatura. Também no romance, ao qual se tem dedicado ultimamente, essa mesma força se manifesta, como uma das mais impressionantes que possuímos. Nascido em 1890 Afonso Schimidt, mal chegava aos 16 anos, aventurava-se a uma acidentada viagem à Europa sem quaisquer outros recursos que a coragem e a ousadia do seu espírito, viagem essa que está fixada no livro A Primeira Viagem. Sua estréia ocorreu em 1912, com Janelas Abertas, publicando, em seguida, Mocidade, Garoa e Poesias. Ingressando no jornalismo, foi redator do Estado de São Paulo, onde ainda trabalha. Em 1921, reuniu seus primeiros contos em Brutalidade, lançando, em seguida, as novelas Os impunes, O Dragão e as virgens. Posteriormente Colônia Cecília e Zangala e o reino do céu. De contos são ainda os volumes Curiango, onde estão muitas de suas melhores produções no gênero, Pirapora e O tesouro Cananéia. Para o teatro escreveu As levianas, A história de fadas e Carne para canhão, um tremendo libelo antifascista, já traduzido para o espanhol e o italiano. Como romancista, publicou A marcha, A vida de Paulo Eiró, O assalto, Retrato de valentia e, recentemente, venceu o concurso literário de O cruzeiro, com o romance Menino Felipe. Não há nenhum exagero em dizer que Afonso Schimidt é uma das mais fortes e mais autênticas expressões da literatura brasileira contemporânea. Sua obra de autodidata está revestida de uma como que desenganada simpatia humana, sendo esse um dos seus traços dominantes.

Data: 04/06/49;5 MINIATURA (c/ fotografia)

Autor de uma considerável bagagem literária, Orígenes Lessa, embora tendo cursado as primeiras letras em São Luis do Maranhão, nasceu em Lençóis, São Paulo, a 12 de julho de 1903. A prova de que desde muito cedo teve inclinação para a literatura, é o fato de, aos oito anos de idade haver escrito uma história em grego, isto é, no alfabeto helênico, pensando que bastaria alinhar as estranhas letras desse alfabeto para construir uma história e estar no pleno domínio da língua que seu pai, então, ensinara no Liceu Maranhense. Durante o curso ginasial, feito já em São Paulo, distinguiu-se sempre, segundo ele mesmo declarou certa feita, como péssimo aluno. Cursou teologia num seminário protestante da capital paulista, e, no Distrito Federal, foi aluno da Faculdade de Filosofia e de uma escola dramática, de cujos estudos disse: “Não sai pastor protestante, nem filósofo, nem ator”. Diz-se, também que sua vocação para o jornalismo vem de muito longe: quando criança costumava redigir pequenos jornais, feitos à mão ou impressos, daí nasceu o jornalista que, em 1929, estreava na profissão, ingressando no Diário da Noite, época em que publicou seu primeiro livro de contos, O escritor proibido. Espírito combativo, Orígenes Lessa foi revolucionário constitucionalista em 1932, sendo preso pela ditadura. Escritor por vocação, não perdeu a oportunidade e escreveu dois livros de reportagens sobre a revolução paulista, Não há de ser nada, que obteve três edições, escrito a lápis, no presídio, onde “não havia nem tinta, nem caneta, nem pena, nem comida que prestasse...” e Ilha Grande, do jornal de um presídio de guerra, “a história de dois mil prisioneiros paulistas durante a mais dolorosa e difícil das suas batalhas: a dos braços cruzados”, publicado aquele em 1932 e este em 1933. Dedicando-se à publicidade, Orígenes Lessa tornou-se técnico no assunto, tendo escrito alguma coisa a respeito inclusive O Livro do Vendedor, teoria e prática comercial, publicado em 1ª edição em 1931. Escritor dotado de aguda imaginação e grandes recursos técnicos, sua obra é uma das mais originais de nossa literatura. Dedicando-se ao jornalismo, ao romance, à literatura infantil, à crônica, ao teatro e ao conto – gênero em que é considerado um dos melhores dos nossos contemporâneos – sua produção é grande, nela figurando, além dos livros já citados: Garçom, Garçonete, Garçonniere, contos, 1930, menção honrosa da Academia Brasileira de Letras, A cidade que o diabo esqueceu, contos, 1931, Passa três, aventuras e desventuras de um cavalo de pau, novela para crianças, 1932, O sonho de prequeté, novela infantil, 1934, O Joguete, novela, 1937, O feijão e o sonho, romance, Prêmio Antonio de Alcântara Machado, 1938, ultimamente publicado, em 3ª edição, pela Coleção Saraiva, O.K. América, notas de viagens ao estrangeiro, 1945, Omelete em Bombaim, contos, 1946, A desintegração da Morte, novela seguida de contos, selecionada pelo Círculo Literário do Brasil, 1948. para o teatro, escreveu ainda, Um homem passou e Nasceu um herói. Atualmente prepara um novo romance, cujo título deverá ser Rua do Sol.

Data: 16/07/1949;5 MINIATURA

Dentre os participantes do Congresso de História da Bahia, destaca-se o diretor do Arquivo Municipal de Porto Alegre, também escritor e historiador, Walter Spalding. Nascido no Rio Grande do Sul é autor de várias obras: Farrapos (1931-1935), A luz da história (1933), A Revolução Farropilha (1939), A invasão paraguaia das fronteiras do brasil (1940), além de ser colaborador de suplementos e revistas literárias e também diretor do Boletim Municipal.

Data: 10/12/49;5 MINIATURA (c/ desenho)

Possui Otávio Tarquínio de Souza, na literatura nacional, um lugar definitivo, pela seriedade com que estuda e escreve. Preferindo o setor histórico, nele se afirmou como estudioso inimigo das improvisações. Nasceu no Distrito Federal a 7 de setembro de 1889 e seu nome completo é Otávio Tarquínio de Souza Amaranto. Diplomado em Direito, foi diretor dos Correios e Telégrafos do Estado do Rio, durante o governo Nilo Peçanha, e posteriormente, Ministro do tribunal de Contas, cargo do qual já se aposentou. Dirigiu, de julho de 1938 a dezembro de 1943, a Revista do Brasil, na sua terceira fase, e foi crítico de O Jornal, durante alguns anos. Além de autor de vários livros, Otávio Tarquínio de Souza é um reputado tradutor, tendo vertido para o português entre outras obras O Rubaiyati, Omar Khaayyan. Dirige, para a José Olympio, a Coleção Documentos Brasileiros. É casado com a escritora Lúcia Miguel Pereira e tem publicado os seguintes livros: A mentalidade da Constituinte, Bernardo Pereira de Vasconcelos e seu tempo, Evaristo de Veiga, Diogo Antônio Feijó, História de dois golpes de estado e José Bonifpácio. Atualmente, está escrevendo uma biografia de D. Pedro I, cujas pesquisas, iniciadas há dois anos, ainda não terminaram. De sua autoria será também, o volume da História da Literatura Brasileira, período de 1830 a 1870, dirigida por Álvaro Lins.

Data: 25/02/1950;5 MINIATURA

Tendo publicado apenas um livro Vila Feliz (1944), seu nome é mais conhecido no Brasil do que o de muitos autores de dezenas de livros. Seu prestígio nos meios literários é um fenômeno que a muitos espanta, e à sua residência se fazem verdadeiras romarias. Isso vem do fato de ser Anibal Machado uma espécie de conselheiro e confidente de intelectuais e artistas. E escritores, poetas, homens de cinema, sambistas e cientistas o estimam e respeitam como um dos trabalhadores intelectuais mais honestos, esclarecidos e corajosos do Brasil. Nasceu Aníbal Machado em Salará, Minas Gerais, no ano de 1893, casado, com filhos, não é colaborador assíduo de jornais ou revistas, de quando em quando pronuncia um conferência, escreve um prefácio ou um conto. Há vários anos anuncia um romance João ternura. Lírico vulgar, e sua casa é tão freqüentada quanto o catete.

3. DEPOIMENTO: MOSAICO DE OPINIÕES

Data: 21/05/1949;5 DEPOIMENTO

Mario Sette, escritor pernambucano, que lançou há pouco, Arruar, história pitoresca do Recife antigo, possui, uma vasta obra, que abrange quase todos os gêneros literários. Com 60 de idade, Mario Leite, está atualmente preparando um romance, e a esse respeito disse o seguinte: “O meu romance de sexagenário está cheio de minha ‘paisagem interior’ da velhice, desta minha velhice sem disfarces e sem pretensões de não ser velho,visto que não se amorrinhando de ‘rabugices’, antes sentindo o que me afigura ‘sentir’ nos tempos de agora, sem trair o meu tempo”.

Data: 04/06/49;5 DEPOIMENTO

Apontado, por um jornalista que lhe entrevistava, como um dos nossos escritores que melhor manejavam o idioma, Graciliano Ramos, com a sua peculiar modéstia, respondeu: “Conversa. Talvez, se houvesse alguma verdade nisso, eu devesse muito aos caboclos do Nordeste, que falam bem. É lá que a língua se conserva mais pura. Num caso de sintaxe de regência, por exemplo, entra a linguagem de um doutor e a do caboclo, não tenha dúvida, vá pelo caboclo, e não erra. Note-se que me refiro ao caboclo do sertão. O do litoral vai se estrangeirando”.

Data: 02/07/1949;5 DEPOIMENTO

Escrevendo sobre o humanismo, afirmou : “Nossa posição perante os clássicos e particularmente a antigüidade grego- romana, tem necessariamente, de fugir dos dois extremos - o da admiração que tolha o movimento ou o da repulsa que corte as raízes. São dois extremos iguais e contrários, o do Renascimento e o do século XVIII. Êxtase imitativo ou formal. Nada mais errado. O melhor meio de escolhermos o caminho da proporção entre os dois extremos e a verdade é sempre uma proporção como a beleza é um equilíbrio- é fazermos não o que os clássicos faziam, mas como os clássicos faziam se devemos conhecer bem os clássicos, não é para que eles nos tolham a liberdade de renovação, mas, para que, ao contrario, nos enriqueçam com o seu incomparável exemplo de vigor, de originalidade, de inteligência e sensibilidade do “humano”.

Data: 16/07/1949;5 DEPOIMENTO

Garcia Lorca, barbaramente fuzilado pela polícia de Franco, quando da Revolução Espanhola, é uma das mais impressionante figura da literatura hispano-americana. Poeta de autêntico valor e de expressão eterna, seus conceitos sobre a arte e seus problemas são de indiscutível atualidade, razão porque os transcrevemos abaixo: “Nenhum homem verdadeiro, acredita nessas miudezas de arte pura, de arte pela arte. Neste momento dramático para o mundo, o artista deve chorar e rir com o seu povo. A criação poética é um mistério indecifrável como é um mistério o nascimento do homem. Nem o poeta nem ninguém guarda a chave do segredo do mundo. Quero ser bom como o burro e o filósofo. Creio firmemente que se há outro mundo, terei a agradável surpresa de encontrar nele(?). Mas a dor do homem e a injustiça constante que dimana do mundo, e um próprio corpo e pensamento impede que mude minha residência para junto das estrelas. Sou espanhol integral e me seria impossível viver fora de meus limites geográficos; porém odeio ao que é espanhol simplesmente por ser espanhol. Sou irmão de todos e detesto o que se sacrifica por uma abstrata idéia nacionalista, pelo simples fato de que ama a sua pátria com uma venda nos olhos”

Data: 30/ 07/49;5 DEPOIMENTO

Em carta dirigida a Mauro Mota, Álvaro Lins, surpreendido com o domínio da poesia manifestado pelo autor de Balada do vento frio, escreveu, a respeito de Elegia n.2, daquele poeta, certas afirmações que, mesmo feitas em caráter pessoal, merecem cuidadosa observação e reparo. São elas: “O último verso é de uma beleza baudelairiana. Diga-se o seguinte: este soneto é um dos raros da língua portuguesa que podem ser colocados ao lado do soneto de Machado à Carolina, e este, por sua vez, é ao meu ver o mais belo e nobre soneto da língua, superior ao de Camões sobre o mesmo tema.” “Creio que eles podem construir um marco de retorno ao soneto e à tradução, depois da aventura necessária, mas já encerrada, da poesia modernista. Todos anseiam por esse retorno, e o seu soneto poderá ser o marco dessa tendência”

Data: 13/08/49;5 DEPOIMENTO

Nelson Wernek Sodré, analisando o chamado movimento post-modernista, escreveu, em Literatura, n.2: “Uma literatura só pode aparecer com seus contornos bem presos, com fisionomia autônoma, quando se liga ao que há de peculiar na gente e na época em que se desenvolve. Nesse sentido, a bem dizer, a literatura brasileira começou em 1930- tudo o que ficou para trás é uma espécie de proto-história, confusa, desordenada, com valores isolados a que é necessário recorrer, sem dúvida, porém que, em conjunto, muito pouco representa, sendo a mais demorada gestação, a lentíssima preparação ao que fizemos depois do marco aqui estabelecido para definir o post - modernismo”

Data: 27/08/49;5 DEPOIMENTO

No início de uma apreciação crítica que fez à representação de Bodas de sangue, de Lorca, por Dulcina e Odilon, Álvaro Lins escreveu, a propósito do grande poeta espanhol: “Em 1936, nos primeiros dias da reação, os fascistas do “Caudilho” Franco assassinaram Frederico Garcia Lorca em Granada, em “Su Granada”. Foi um dos primeiros atos do franquismo, e serviu como aviso de que o movimento nacionalista espanhol seria uma sucessão de crimes. Do ponto de vista literário e artístico, trouxe para o nome de Garcia Lorca uma glória imediata e universal; ampliou, pelo sentimento, a zona de influência na arte dramática de vários países. Mas, está claro, o seu martírio em nada exagerou o que se vem julgando da sua obra, e seria diminuí-lo, quando nos achamos no plano da apreciação literária, aplaudir o homem sacrificado em lugar do artista admirável que ele foi. O artista, na verdade, era tão grande em Garcia Lorca, que de nenhum acontecimento exterior poderia depender o destino do seu teatro.”

Data: 17/09/49;5 DEPOIMENTO

O poeta Wilson Rocha, num artigo sobre conceito e função da poesia, escreveu: “É claro que, sendo a poesia ligada continuamente à vida em todos os seus movimentos, haja, sem dúvida, períodos menos favoráveis à sua criação. Todavia, em tais períodos de debilidade ou declínio da produção poética, é evidente que tal fenômeno não é devido às fontes de onde brota a poesia sem a responsabilidade é da poesia em si, mas do meio e da época. Se a decadência da sociedade burguesa se afigura pobre ou vazia, mais pobre e vazio pareceria o poeta burguês que não pressentiu ou fingiu não sentir essa decadência.”

Data: 08/10/49;5 DEPOIMENTO

Escrevendo a Permínio Ásfora, a respeito de problemas de literatura, afirmou Octávio Brandão, entre outras coisas: “Há um realismo crítico e um realismo proletário, socialista. Uns tantos livros de escritores brasileiros ainda não ultrapassaram a etapa do realismo crítico, inerente à época de Balzac e Stendhal. No melhor dos casos, eles criticam a “realidade” atual, aspectos do semi-feudalismo dominante, mas não vêem as causas reais nem indicam uma solução. Só mostram tipos negativos e não apresentam uma única personalidade positiva, de combate, em luta contra o velho, pela criação do novo. Há mais de 40 anos, no começo do nosso século, Máximo Gorki, em A Mãe, já tinha ultrapassado essa etapa do realismo crítico e lançado os fundamentos do realismo proletário, socialista.”

Data: 26/11/49;5 DEPOIMENTO

Há mais de onze anos passados, Astrogildo Pereira, tecendo considerações em torno de um romance de Graciliano Ramos, fez observações que tem hoje toda a oportunidade. São as seguintes: “Bem consideradas as coisas, os romancistas brasileiros, que fazem da miséria terrivelmente viva do nosso povo o tema central de suas obras, estão cumprindo o seu dever supremo. Vamos deixar de pabulagem. O problema da miséria é o mais importante, o mais urgente, o mais nadiável dos problemas que reclamam solução neste país. Fingir desconhecê-lo é hipocrisia; desinteressar-se dele é cumplicidade. Está visto que os romances não vão resolvê- los, mas podem, mas devem contribuir para que ele seja resolvido. Contribuir evidentemente com os recursos próprios e específicos, suscitando nos leitores um estado emocional capaz de transformar-se em vontade de ação – direta ou indireta, imediata ou remota, máxima ou mínima – que venha integrar-se no esforço nacional pela abolição da miséria no território nacional” (Interpretações, Astrogildo Pereira, p. 153-154, junho de 1938)

Data: 10/12/49;5 DEPOIMENTO

“O que mais impressiona em Raul de Leoni é a inteligência metafísica, uma nobre e alta feição da inteligência que parece ter sentido um dia arrepios ante o mistério das coisas. Do contato transcendente, porém, guardou ele uma sensação de medo e desorientação. Venceu-a aparentemente, procurou esquecê-la, naquela atitude de fim-de-século, de serenidade epicurista e dúvida amável. Mas o malogro íntimo e profundo deixou-lhe no espírito uma ferida aberta. Daí essa seiva ácida que ele entrevê no “fundo sombrio das Verdades”. Por toda a “luz mediterrânea”, o poeta narra o seu desencanto. Uma torre morta, ao pôr-do-sol lhe sugere a inutilidade de subir e superar-se. As árvores estéreis, de galhos tristes e vazios, que representam as “dolorosas utopias” de todos os filósofos do mundo... O poeta nos adverte sem cessar contra o enigma eterno e aconselha que nos deixemos viver na simplicidade amorável das coisas, tendo por guia o instinto e por filosofia o prazer.” (Carlos Dante de Morais, Raul de Leoni, poeta vesperal, Revista Província de São Pedro, n.4, p.74)

Data: 21/01/50;5 DEPOIMENTO

Neste nosso mundo marcado por inúmeros crimes a guerra, os campos de concentração, as perseguições raciais, o terror policial, a mutilação de crianças e tantas outras calamidades – um crime há que a todos se deve sobrepor, por ter sido uma advertência, o ponto de partida das ações celeradas do tempo em que nós vivemos. Quero referir-me ao assassinato de Frederico Garcia Lorca, o admirável poeta que os soldados de Franco abateram estúpida e friamente. Nunca será bastante o clamor contra essa hedionda tragédia deliberadamente consumada pelos Fascistas espanhóis – esses mesmos que ainda hoje dominam a pátria do autor de Bodas de sangue e com os quais um cínico sugeria tivesse normalmente a humanidade relações e negócios, conforme se leu num dos últimos números das “Seleções do Reader´s Digest” (Mário da Silva Brito, Sobre Garcia Lorca, Jornal de Letras, n.6)

Data: 28/01/1950;5 DEPOIMENTO

“No começo do séc. XVII Cervantes escreveu o Dom Quixote, a maior novela cômica de todas as literaturas. Nem Rabelais rivaliza com Cervantes porque para a grande “burlesca” Rabelais tomou como elemento vários gigantes absurdos ao passo que o escritor espanhol só jogou com seres humanos tirados do comum”. “se Cervantes não houvesse escrito o Dom Quixote teria ainda assim lugar de honra na literatura, como autor de várias peças e novelas. Mas, quando um homem se excede a si próprio numa obra de projeção universal, pode deitar- se a dormir à sombra com todos os demais trabalhos na gaveta” (John Macy, História da literatura Mundial, p. 180 e 190).

Data: 11/02/50;5 DEPOIMENTO

Dreiser é, com toda a justiça, apontado como o introdutor do realismo na ficção norte- americana. Seu realismo é muito cru, é verdade, mas nunca perde um certo colorido poético. O mesmo que sucede em nossa literatura com Aluisio de Azevedo. Poderíamos realmente comparar Dreiser ao autor de O Cortiço – mas um Aloísio mais profundo, mais filosófico e, por isso mesmo, mais pesado e menos gostoso de se ler. A pesadez é ao meu ver o único defeito que se pode apontar na obra de Dreiser. Seu estilo é o pior dentre os de todos os grandes escritores do nosso tempo. Seus romances são, às vezes, fatigantes como relatórios, Uma coisa porém os salva. São relatórios da condição humana (Rolmes Barbosa. Escritos norte– americanos e outros. Liv. Do Globo, 1943, p.105)

Data: 25/02/50;5 DEPOIMENTO

“Castro Alves foi assim. Romântico e retórico: absuro e profético; genial e singular; na sua mocidade perturbada, o reflexo das idéias que iriam governar o mundo; mas tão brasileiro, poeta e estudante na vida e na obra. Que desta não lhe podemos separar o simbolismo em que se engrandece. E o Brasil de vinte anos que canta suas odes, padece as suas angústias, ri suas aventuras, e sonha com glorioso entusiasmos os seus devaneios...”

(Pedro Calmon. Prefácio à História de Castro Alves, p.71)

Data: 18/03/50;5 DEPOIMENTO

“O romance brasileiro contemporâneo é, estou certo de escrevê-lo, um dos mais significativos do mundo atual. Entre os seus cultores está Jorge Amado, romancista que assinou o seu primeiro romance com dezoito anos e que aos vinte e cinco fechou, com Capitães de Areia, um ciclo: os seis “Romances da Bahia”. Embora afastado de sua ideologia social e política, aqui afirmo que Jorge Amado é, depois de Eça de Queiroz para cá, um dos maiores romancistas da língua portuguesa e, se excetuarmos algumas pequenas hesitações de quem não teve tempo, ainda, de adquirir uma experiência literária definitiva, aquele, de todos, que mais penetrou na intimidade do HUMANO. Por isso, lhe chamo, conscientemente, ARTISTA DO HUMANO e do PATÉTICO.” (Manuel Anselmo, In: Família literária Luso-Brasileira, p.281, Liv. José Olímpio, 1943) Data: 08/04/50;5 DEPOIMENTO

“O artista pode pensar que não serve À ninguém, que só serve à Arte, digamos assim. Aí está o erro, a ilusão. No fundo, o artista está sendo um instrumento nas mãos dos poderosos. O pior é que o artista honesto, na sua ilusão de arte livre não se dá conta de que está servindo de instrumento, muitas vezes para coisas terríveis. E o caso dos escritores apolíticos, que são servos inconscientes do fascismo, do capitalismo, do quinta colunismo”. Mário de Andrade

Data: 03/06/50;5 DEPOIMENTO res De Guilhermo de Torre sobre a poesia militante ou política, a qual considera um gênero como qualquer outro, ou seja, legítimo. Cita Victor Hugo, Maiakowski, Bérenguer, Carducci e Walt Whitman, além de Antônio Machado. È um trecho de um ensaio intitulado: “Poesia y exemplo de Antonio Machado”. In: L aventura y el orden, Losada, Buenos Ayres, 1942, p. 116)

Data: 05/07/1950;5 DEPOIMENTO

“O que sobretudo me chamou a atenção no sr. Dionélio Machado foi um traço que mais tarde haveria de acentuar-se consideravelmente – a preocupação de salientar o drama do homem, não na sua caracterização local, mas na sua expressão permanente. Era uma tendência realizada com modéstia, sem dúvida, mas bastante significativa como reação ao sentido localista que então ainda prevalecia na ficção rio-grandense. A nota psicológica entrava a ganhar terreno sobre as receitas já gastas, mas ainda teimosas, do regionalismo guachesco. Quaisquer que sejam as imperfeições que se possam observar na estrutura de seus contos, agita-se nas suas páginas, o pensamento de alguém que já sentiu na própria pele o contato com a vida e se dispõe a prestar o seu depoimento”. (Moisés Velhinho. Letras de Província. 1. ed. Globo, Porto Alegre, p. 80 e 81)

Data: 15/07/50;5 DEPOIMENTO res Trecho do texto: Anselmo, Manuel. Família literária luso-brasileira. José Olympio, Rio, 1943.Pg.224. Sobre o romancista Ferreira de Castro, de Portugal

Data: 29/07/50;5 DEPOIMENTO

“E das nonas rimas de Spencer, dos versos de Warner, das páginas de Holinsched e de outras obras surgiu o Rei Lear de Shakespeare. Ficaria o velho rei bretão vagando de página em página, de cena em cena, de verso em verso, silencioso e esquecido, se o sopro do gênio não lhe insuflasse a vida poderosa com que há três séculos domina o teatro ocidental.” (SALES, Artur de. Prefácio ao vol X de “Clássicos Jackson”, Macbeth e Rei Lear de Shakespeare, tradução de Artur de Salles e J. Costa Neves, pgs. XXII e XXIII)

4. TEXTOS SOBRE O DISCURSO DA RESPONSABILIDADE POLÍTICA DO INTELECTUAL

Data: 27/03/48;5 O ESCRITOR E A POLÍTICA

Aborda as discussões no mundo: Paris, da pós-guerra e a opinião política de Érico Veríssimo.

OBS: a página deste dia foi consultada no setor de microfilmagem do Jornal A Tarde quando se fez o levantamento dos textos da coluna, mas não foi possível realizar a transcrição por que o setor deixou de existir. A página deste dia foi suprimida do exemplar do jornal da Biblioteca Pública do Estado. E não está em condições de uso no IGHB

Data: 10/04/48;5 O ESCRITOR E A POLÍTICA

Prosseguindo no intuito de divulgar, aqui, a opinião de vários intelectuais a respeito da questão que ora agita todos os círculos da inteligência, ou seja, da participação do escritor na política, daquilo que o francês chama e l’engagement de l’ecrivan, transcrevemos, hoje, mais um depoimento. É o de Michel Simon, intelectual francês que esteve entre nós, faz pouco tempo, estudando a nossa arte popular. Foi a seguinte sua resposta à nossa pergunta:

“o escritor deve tomar partido ou pode ele se conservar “au dessus de la méléé”, como Romain Rolland durante a outra guerra?

Eu vou responder em normando (os normandos têm reputação, entre nós, de serem muito espertos, e de não responderem, jamais nem sim nem não, às perguntas que se lhes apresentam). Não em entendam assim; é, apenas, um meio de tornar claro o meu pensamento. Então:

a) eu creio que o escritor, se ele é homem e se tem um coração, não pode se desinteressar dos problemas criados pela miséria e pela injustiça. O escritor deve, pois, tomar partido. Ele deve sair de sua torre de marfim, descer às ruas, olhar os semblantes, interrogar, se inclinar, se oferecer. É muito simples não tomar partido.(ademais será isso possível ainda hoje?) b) Mas, o escritor deve ser mobilizado de uma forma inteligente. Deve ser mobilizado de maneira a usar suas qualidade de vigia. Ele deve tentar dominar o problema contingente e olhar o futuro.

Sua posição é, dessa forma, muito inconfortável, pois como que joga sobre dois quadros: é mobilizado e deve preservar, ao mesmo tempo, aquilo que Gide chama sua disponibilidade. Esta posição inconfortável, todavia, é a mais heróica.

Data: 08/05/48;5 O ESCRITOR E A POLÍTICA

Aimé Petri, redator-chefe da revista Pary, opinou a respeito da discutida questão, lembrando o que o escritor Denis Rougement, que pôs a palavra engagé em voga antes da guerra, deve estar bem arrependido do uso abusivo que está se fazendo desse vocábulo. Diz A. Petri “que ninguém poderá contestar ao intelectual o direito de pertencer ao seu tempo e ao seu país. Impõe-se-lhe esse dever, como homem e como cidadão, mas não como intelectual. Que coloque, antes de tudo, seu talento, se é que o tem, ao serviço de suas convicções, ninguém tem nada com isso, nem o pode censurar; é, antes pelo contrário, um fato muito admirável. O perigo – e grave perigo – consiste em confundir o talento com as convicções. O fato de termos escrito um bom romance, ou feito uma descoberta genial em matéria de ciência ou de filosofia, não nos qualifica mais do que qualquer outro homem, quando se trata de emitir uma opinião sobre o assunto. Não se devem confundir os méritos ou deméritos do escritor, com os do homem de partido. Referindo-se, depois aos erros da noção de engagement nos meios literários, cita o caso de André Gide “simultaneamente atacado pelos de vichy, porque participava da Resistência e pelos resistentes porque colaborava com vichy, e atacado por motivos semelhantes, o que constituiu grande exemplo... As grandes obras, quaisquer que elas sejam, não podem imunizar um homem perante a justiça de seu país”. Finalizando, diz M. Petri: “Seria de desejar que as polêmicas políticas fossem de encher as páginas literárias, que o clima moral da crítica, seja saneado e que não se agrave, sob o pretexto de engagement, a confusão de todos os valores”

Data: 22/05/48;5 O ESCRITOR E A POLÍTICA

Jorge Amado, um dos melhores romancistas brasileiros, é um ativo participante da política. Entende ele que ao escritor não é dado fugir aos problemas de seu tempo, do seu país, do seu povo, sem que se pratique um crime contra a paz da humanidade. Na sua opinião, devem os escritores participar intensamente da política, a fim de que possam melhor cumprir uma verdadeira missão. Falando a respeito, e em nome dos escritores antifascistas, no 2º Congresso Brasileiro de escritores, reunindo em Belo Horizonte, disse o seguinte:

“Não nos cabe, ante as ameaças à paz e ao regime democrático, à Constituição, uma atitude de neutralidade ou de expectativa, sem que com isso faltássemos ao nosso mais elementar dever”.

Data: 07/08/48;9 OS ESCRITORES E AS LEIS DITATORIAIS

Assinada pelo Sr. Álvaro Lins, presidente, e pelos demais membros da diretoria e integrantes do Conselho Fiscal, a “Associação Brasileira de Escritores (A.B.D.E.) enviou aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado a seguinte moção, aprovada em Assembléia geral:

“A Associação Brasileira de escritores vem ponderar a V. Exa. que julga o anteprojeto da lei de defesa do estado, apresentado à comissão de Leis Complementares da Constituição, ofensiva à liberdade de expressão de pensamento em nosso país. E, por intermédio V.Exa. faz um apelo aos representantes do povo, a fim de que não se permita transformar-se em lei um projeto que na realidade atenta contra o regime democrático e viria subverter os direitos fundamentais do indivíduo e do cidadão, garantidos pela Constituição Federal. A aprovação de semelhante lei, por isso mesmo, representaria um retrocesso nas nossas conquistas culturais, pois qualquer cerceamento ao direito da crítica e do livre debate de idéias e doutrinas impediria o progresso intelectual, moral e material do Brasil. Fiéis aos compromissos assumidos solene e unanimamente nos congressos de S.Paulo e Belo Horizonte, reiteram os escritores a sua repulsa a todos os atos e intenções que visem estabelecer restrições à “completa liberdade de expressão do pensamento da liberdade de culto, da segurança contra o temor da violência e do direito a um existência digna” (Declaração de princípios do 1º Congresso de Escritores). Sente-se a A B.D.E. no dever de apelar para o poder Legislativo, do qual espera o repúdio aos projetos de leis que ferem a dignidade do pensamento e da pessoa humana”.

Data: 18/09/48;11

OS INTELECTUAIS E A DEFESA DA PAZ Res

Relata reunião em Wroclaw, Polônia, intitulada Congresso Mundial de Intelectuais em Defesa da Paz. Destaca as presenças de Jan Mukarovsky, reitor da Universidade de Praga e de Julien Huxley, cientista inglês e de Jorge Amado. Transcreve fala de Maurice Bedel na qual afirma o respeito às diferenças e às diferenças raciais.

Data: 02/10/1948;9

O ESCRITOR E A SUA RESPONSABILIDADE HISTÓRICA (c/ fotografia)

Érico Veríssimo é um escritor que se tem mostrado independente, distanciado dos grupos e das igrejinhas literárias do Brasil sem perder, jamais, a consciência de suas responsabilidades de escritor e de cidadão. Nunca fugiu de se pronunciar sobre os problemas mais graves da atualidade, naturalmente por entender que o romancista como analista da vida não deve pairar au dessus de la mélee. Nessas condições, tem Érico atuado como um intransigente defensor da liberdade, externando sempre a sua opinião sobre aquelas questões que reclamam de todos uma decidida tomada de posição. Pronunciou-se contra a cassação do mandato de parlamentares, é membro da Comissão de Estudos e Defesa do Petróleo do Rio Grande de Sul, contra as concessões das nossas riquezas aos trustes, escravagistas, e recentemente, evidenciou seu ponto de vista a respeito do Estado de Israel, dizendo: “Simpatizo profundamente com a causa dos judeus. Acho que chegou a vez da Organização das Nações Unidas provar que de fato existe e tem força. E a melhor maneira de fazer isso é deter imediatamente os agressores do estado de Israel, não com discursos ou boas intenções mas com forças armadas.” Isso significa que o grande escritor brasileiro não se encontra, como muitos, preso às torres-de-marfim, medroso de levar sua contribuição à solução dos graves problemas de seu tempo. E tais atitudes é que fazem crescer seu prestígio, atraindo, ainda mais as simpatias do grande público, que nele encontra um dos romancistas de sua predileção.

Data: 05/07/50;5

OS ESCRITORES E A POLÍTICA

A política partidária continua a atrair escritores, que facilmente trocam “o estranho ofício de contador de história” pela cômoda porém nem sempre respeitável posição de políticos influentes mais ou menos desocupados. Tal não é o caso de Érico Veríssimo, um dos raros escritores brasileiros que se têm mantido fiel à literatura e vivendo exclusivamente às custas da profissão de escritor. Ainda agora, solicitando o seu pronunciamento a respeito do partido socialista brasileiro, Érico Veríssimo dirigiu ao Sr. Farias Guimarães, um dos dirigentes da seção gaúcha do PSB, uma interessante carta, da qual extraímos os seguintes trechos: "Atendendo ao seu pedido, quero manifestar-lhe nesta carta meu pensamento político e social sobre o partido Socialista Brasileiro. Há muito que acompanho com simpatia e admiração o pensamento político e social de Bertrand Russel, filósofo e matemático inglês, e um dos pensadores mais lúcidos do nosso tempo. Sua filosofia social me parece perfeitamente consubstanciada no programa do Partido Socialista Brasileiro, que advoga socialismo sem o sacrifício da liberdade e da dignidade do indivíduo. Por tudo isso, estou ideologicamente com vocês. Só minha incapacidade para a disciplina partidária e mais os afazeres do meu estranho ofício de contador de história me impedem de ser membro militante do partido de João Mangabeira”

Data: 29/07/1950;5 LITERATURA E POLÍTICA Res

Escritores que são candidatos a deputado: Adonias Aguiar Filho, autor de Os servos da Morte; Franklin de Oliveira, cronista – no prelo Concerto para piano e Josué Montelo de A luz da estrela morta.

5. TEXTOS MAIORES DE CRÍTICA NOS QUAIS DISCUTE CONCEPÇÃO DE LITERATURA

5.1 PRODUÇÃO EM PROSA

Data: 21/02/48;5 ENQUANTO RUGE A TORMENTA com foto

Esse é o sugestivo título do novo livro da Sra. Lourdes Bacellar, a conhecida autora de Festa, e de Na sombra e no silêncio. No mesmo feitio dos anteriores, Enquanto ruge a tormenta certamente merecerá a melhor acolhida do público, que já se acostumou a ver, na Sra. Lourdes Bacellar, uma sensibilidade sempre disposta a reproduzir, em suas obras, as sugestões artísticas de sua realidade interior. Em prosa e em verso, o novo livro da poetisa baiana, pelo que o título indica, será mais um fruto da inquietação íntima em que vive a autora, de eterno conflito entre as realidades subjetiva e objetiva, na procura de uma fórmula de vida mais harmoniosa e mais justa. Os originais ainda estão em mãos da autora que trabalha nos últimos retoques, a fim de entregar o livro aos editores.

Data: 10/04/48;5 ESSAS NOSSAS SOCIEDADES!... (c/ caricatura)

José Geraldo Vieira é, inegavelmente, um dos bons romancistas nacionais. O último livro que nos deu, no entanto, não corresponde às suas qualidades de ficcionista. Talvez fosse melhor dizer que ele abusou dessas qualidades, se ainda hoje, considerássemos o romance como obra apenas da imaginação. Em A Túnica e os Dados, seu último livro, ele nos dá a impressão de um artista cansado de sua arte, desesperadamente à procura de novas formas de composição e de técnica, oprimido por sua terrível ânsia de criação, mas, desgraçadamente, impotente para satisfazer essa ânsia. E o resultado foi esse livro que, pouco entendido, tem sido elogiado, inclusive pela “Sociedade do livro do mês”, que o premiou como um dos melhores romances da moderna literatura brasileira. Houve mesmo quem dissesse que ele obriga a ser lido de uma assentada, enquanto outros nele viram uma grande experiência de cultura e da vida, com amplas perspectivas no desenho do enredo, no retrato dos personagens, na experiência técnica, etc. Não há dúvida que se aproveita alguma coisa desse romance de José Geraldo Vieira. Quando nada, ele tem o mérito de haver sido escrito pelo autor de Território Humano, A mulher que fugiu da Sodoma e A quadragésima porta, livros que ficarão na nossa literatura, como obras de grande significação, e valor literário. No mais, ele é fraco ou confuso, ou apenas bem escrito, como é o caso da fuga do menino Jaiminho, que tantos elogios tem merecido, mas que não oferece nada de original ou particularmente digno de importância. Quanto à decantada questão da renovação da técnica, a impressão que se tem é a de que o autor, angustiado por um desejo imperioso de novidade, caiu, lamentavelmente, no fracassado processo exibicionista que surgiu, daquela longínqua “Semana da Arte Moderna”, em São Paulo. Veja-se, por exemplo o seguinte trecho do romance: “Por um tempo úmido e brumoso, chegava a toda velocidade a São Paulo, o rápido de Pederneiras. O nevoeiro era tão cerrado que, às sete e meia da manhã, não se podia distinguir à direita e à esquerda da via férrea, coisa alguma pelas janelas dos vagões. Desde o romper do dia estavam sentados um diante do outro, rentes à mesma janela, dois passageiros, ambos esquisitos e ambos desejosos de travar conversa. Que estranha casualidade se via posto um em frente ao outro, nessa carruagem de segunda classe” (Ora, todo o período, acima descrito é literalmente, exceto o nome da localidade da baldeação, e da cidade de destino, o começo traduzido do livro O Idiota, de Dostoievski. Mas, em vez de plagio, é mera coincidência!) As palavras contidas dentro dos parênteses, os parênteses e o grifo são nossos, são de José Geraldo Vieira, transcritos diretamente de A Túnica e os Dados. Isso é tão absurdo e denota um tão acentuado mau gosto, é tão ridículo, que dispensa comentários. Mas, se o leitor quiser, ainda encontrará no livro coisas parecidas, como os sonhos simultâneos de Phill e Absalão Levineck, que trazem os títulos, respectivamente, “Tornando a subir os campos Elíseos” e “Baladas do infante nas Selvas da Nova Guiné”, distribuídos, nas mesmas páginas, um ao lado do outro, e, ainda, o de Jaiminho, mais adiante, “Um outro sonho ainda mais bonito”. E muitas outras coisas iguais, lamentavelmente escritas por um autor da responsabilidade intelectual de José Geraldo Vieira. Enfim, é um livro premiado e elogiado. Coisas da literatura brasileira...

Data: 22/05/48;5 FORA DA VIDA c/ fotografia

No atual panorama brasileiro, o conto vai ocupando um lugar cada vez mais apagado, em virtude do fato de certos escritores, incapazes de qualquer realização em outros gêneros literários, se lançarem à derradeira tentativa, fabricando contos. Entendem que, sem as proporções gigantescas do romance e sem as exigências caprichosas da verdadeira poesia, o conto seria, nesse caso, o gênero mais fácil e mais acessível. E daí, a decadência do conto brasileiro, que Machado de Assis e Monteiro Lobato, entre outros, elevaram a uma posição invejável de prestígio e de glória. Tais considerações vêm a propósito da leitura de um bom livro de contos, Fora da Vida de Vasconcelos Maia. Com esse livro, de estréia, o jovem escritor baiano realizou uma obra que merece atenção. É um trabalho que, se não é perfeito, como não o é, na realidade demonstra vocação, seriedade e estudo, fatores indispensáveis a qualquer realização literária. A literatura, como obra de arte não é uma simples aventura, a seduzir espíritos irresponsáveis ou a convocar aqueles que não sabem fazer coisa nenhuma. Arte, tanto quanto a pintura, e a música, a literatura exige vocação, estudo paciência. Tem uma função, ou muitas funções, e não deve ser confundida com o diletantismo de certos senhores desocupados. E Vasconcelos Maia é, sem dúvida, uma vocação literária. Necessita desenvolver essa vocação e aperfeiçoa- la, à custa de estudo e de trabalho. Seus contos revelam uma rara capacidade de sentir, embora sua maneira de traduzir o que sente ainda esteja eivada de erros e de falhas, lamentáveis, por isto que destoam do conjunto, mas perfeitamente desculpáveis pelo fato de se apresentarem um livro de estréia, e mais estréia de um jovem de vinte e poucos anos. Não se trata aqui, de erros de gramática, de falhas na colocação dos pronomes, mais sim, de erros de técnica e falhas de estilo, que Vasconcelos Mais evitará, por certo, em seus novos trabalhos, quando adquirir mais experiência e mais domínio no manejo de linguagem. Aí, então, fugirá a certas expressões de mau gosto literário alcançando, com estética, com senso artístico, o efeito desejado. Como quer que seja, todavia, Fora da vida revela uma grande vocação de contista. E o seu autor, com mais experiência, mais estudo, mais pesquisa literária poderá enriquecer esse gênero, desgraçadamente decadente, da nossa literatura.

Data: 30/10/1948;5 ANGÚSTIA EM TCHECO (c/ desenho)

Se Graciliano Ramos é uma das grandes figuras da literatura brasileira seu romance Angústia é uma das mais importantes e significativas obras das nossas letras. Em nenhuma outra ocasião o drama pequeno-burguês de Luiz – que também se pode chamar de José, Joaquim, Manoel, etc. – foi tão bem fixado quanto nesse romance do major Graça que disseca todo um mundo de sofrimentos, de complexos, de fracassos, de sonhos impossíveis porque elaborados pela mente angustiada de um pobre-diabo funcionário público, sem horizontes e sem perspectivas de vida. A história de Luiz é a mesma de outros homens de todas as partes do mundo, porque os mesmos são os problemas econômico-sociais. Daí a oportunidade que sempre terá um livro como esse, quando traduzido para outros idiomas, como vai agora acontecer, com a versão para o tcheco do mais famoso romance do velho Graça. A edição está a cargo do “Sfinx Publischers ltd.”, de Praga, com a qual Graciliano vem de contratar a tradução de Angústia. Data: 27/11/48;9 CIDADE ENFERMA (c/ fotografia)

A nova editora paulista, "Rampa ltda", programou, para dezembro próximo, o lançamento do romance Cidade enferma, do escritor sergipano Paulo Dantas, atualmente residindo em São Paulo. Tendo publicado, anteriormente, Aquelas muralhas cinzentas, (Prêmio , da Academia B. de Letras) e As águas não dormem, novela que descreve a vida de um tuberculoso pobre e que despertou a atenção da crítica nacional. Paulo Dantas firmou-se como um dos expressivos escritores da nova geração brasileira. Daí a ansiedade com que o público e a crítica aguardam Cidade enferma. A respeito desse novo livro, o próprio autor confessa que as circunstancias especiais favoreceram o fenômeno da sua criação. Além disso, considerado o progresso geral que existe no seu segundo livro, em relação ao primeiro, podemos admitir que o romance em questão certamente constituirá um útil acréscimo à realização literária de Paulo Dantas. O jovem escritor já está elaborando planos para depois do aparecimento de Cidade enferma: pretende lançar um volume de contos e tentar a experiência de utilização do tema prostituição como material para um romance, com eles encerrando o ciclo inicial de sua obra de ficção.

Data: 31/12/48;7 LONGE DA TERRA (c/ fotografia)

Nome bastante conhecido, como autor de Barro blanco e Banana brava, José Mauro de Vasconcelos teve um outro livro seu, Longe da terra, escolhido pelo “Círculo literário do Brasil” como seleção do mês de fevereiro. Escritor de grande poder de sugestão, tendo vivido grande parte das histórias que escreve, personagem mesmo do drama das salinas, José Mauro de Vasconcelos descreve-nos em Longe da terra, o panorama social e físico de uma das regiões ainda pouco ou nada exploradas pela literatura nacional – o Planalto Central. É a história de um moço que, desiludido e fatigado do ambiente dos grandes centros urbanos, ruma para o sertão goiano, onde os brancos e índios vivem misturados uns com os outros, quase em estado selvagem. Buscando, inquieto, recuperar energias e criar novo ânimo no convívio amigo das gentes simples e da terra rústica, o jovem acaba por verificar, desalentado, que lá, Longe da Terra, também há os mesmos problemas, a mesma incompreensão, as mesmas almas pequeninas e mesquinhas. Verdade é que o herói do livro, fugindo para onde quer que fosse, em qualquer parte sempre encontraria os mesmos problemas, sofreria as mesmas angústias, que não vêm do meio onde vive nem da gente que o cerca, mas parecem estar dentro de si mesmo.

Data: 31/12/48;7 A DESINTEGRAÇÃO DA MORTE (c/ fotografia)

Merece destaque especial, no panorama literário de 1948, o lançamento de novo livro de Orígenes Lessa, no qual estão reunidos a Desintegração da morte, que dá título ao volume, e vários contos do autor de Omelete em bombaim. Evidenciando, mais vez, o seu virtuosismo técnico, perigoso em que não possua outras qualidades, como ele as possui, Orígenes Lessa nos oferece, com este livro, uma das mais profundas sátiras da literatura brasileira à época em que vivemos. Trilhando o caminho nem sempre fácil da ficção pura, mercê de uma imaginação sempre disposta às mais arriscadas aventuras mas, sem nunca perder o senso de equilíbrio das coisas e dos homens. Orígenes Lessa como que desabafa, ao gosto dos melhores sátiros, todos os ressentimentos contra a realidade de guerras e mortes dos nossos dias. O sábio Kleptein, cientista que descobriu a desintegração da morte, é vingança do homem comum contra os fazedores de guerra, contra os aproveitadores da energia atômica como arma de destruição dos novos. O livro, é todo ele, escrito no estilo original do romancista de O feijão e o sonho, e contém outras sátiras não menos profundas, como a de “O Instituto Nacional do Amendoim”, impiedosa estocada na burocracia brasileira.

Data: 31/12/48;7 SELEÇÃO DE DEZEMBRO (c/ fotografia)

O "Livro do Mês" selecionou, para este mês, o romance Pecado nos trópicos, de Cecílio J. Carneiro. Mineiro, filho de sírios, desde cedo residindo em São Paulo, Cecilio J. Carneiro diplomou-se em Medicina e, em 1935, estreou na literatura publicando O livro de sheherazade, uma coletânea de contos orientais. Posteriormente, em 1939, lançou Memórias de cinco, história de cinco internos de um hospital, um tanto autobiográfico, pelo que encerra de experiência do autor, quando interno da Santa Casa de São Paulo. De repente, seu nome foi projetado no panorama literário americano, com a conquista do primeiro lugar no concurso de romance do "Prêmio de Literatura Continental", promovido em Nova York pela Divisão de Cooperação intelectual pan-Americana. O livro premiado foi A fogueira, imediatamente traduzido para o inglês e editado sob o título The Bonfire. Agora, com Pecado nos trópicos, Cecilio J, Carneiro conta uma história de amor puro, sagrado, e o chamado amor profano, todo sexo e volúpia – o livro de Cecilio J. Carneiro poderá agradar pelo estilo em que é escrito, impressionante e vivo, inegavelmente a melhor qualidade do autor embora a que menos interessa ao romance, e em muitos casos mesmo prejudicial à obra.

Data: 23/04/49;5 PRESENÇA DE ANITA (c/ fotografia)

Um dos mais ruidosos lançamentos dos últimos tempos, já em 5ª ou 6ª edição, Presença de Anita está muito longe de corresponder a esse sucesso de livraria. A não ser o sensacionalismo do tema gasto e serrado por milhares de autores, embora sempre atual – a inquietação do homem que não encontrou na esposa o seu correspondente sexual e se fragmenta aos poucos numa crise de desespero – o livro de Mario Donato nada apresenta que justifique esse record de tiragem. É verdade que os editores souberam explorar o público com uma propaganda intencionalmente dirigida, indo ao cúmulo, na quinta edição, de uma advertência que tem a malícia da chantagem: o livro não deveria ser lido senão por maiores de idade e, ainda assim, pelos que tivessem algum conhecimento de psicanálise..., A nossa opinião, em que passe a simpatia com que nos colocamos diante de Mario Donato, autor de literatura infantil, poeta e excelente jornalista, é a de que o seu livro é um romance mal realizado, de defeitos gravíssimos, imperdoáveis a um homem de sua responsabilidade intelectual. Estarrece a sua prodigalidade no uso dos lugares comuns, das frases feitas, e no mau gosto literário com que construiu a maior parte das cenas do livro. Nele, há coisas assim: “A vida não quer senão a sua própria continuação, custe o que custar, haja o que houver” Ou, então, “...era como o passar duma esponja gelada sobre a superfície levemente aquecida do seu gosto de viver”. São frases do próprio autor, no corpo do romance. Não pertencem a nenhum dos personagens, o que seria admissível, se se tratasse de alguém capaz de pronunciar semelhantes tolices. Iguais a essas, há muitas outras, a evidenciarem o pouco cuidado de Mário Donato na elaboração de Presença de Anita. Ali há um material que deveria ter sido mais trabalhado, depurado de quanta coisa falsa e injustificável existe em cada página, em cada linha. E a alegação de que o livro foi escrito em cerca de 90 dias, sob pressão, o autor cada vez mais empolgado pelo que ia escrevendo, não justifica os erros e as imperfeições. Um romance exige tempo, cuidado e estudo, entre outras coisas. E Presença de Anita, escrito de um fôlego, não poderia ser senão isso que está aí: um romance no qual um fantasma deixa marcas de uma unha no braço de um personagem. Esperemos que Mario Donato trabalhando com paciência os outros livros que diz ter prontos, ofereça ao público um trabalho que corresponda aos seus inegáveis méritos de de escritor.

Data: 02/07/49;5 Chamado do mar

Já está a venda, lançado pela Martins, Chamado do mar, romance de James Amado, escritor baiano que o público nacional se acostumou a encontrar como tradutor profissional e colaborador de suplementos e revistas literárias. Seu livro de estréia revela um escritor amadurecido e no completo domínio da técnica novelística. É aspecto do drama do homem em luta com a natureza, com o mar e com a terra, e o autor soube fixar seus personagens com um vigor e uma expressão raramente encontrados em livros de estréia. Trabalhando um tema que já seduziu a escritores, mas, sabendo-o trabalhar com a sensibilidade e compreensão, James Amado nos deu um romance em que há uma densa atmosfera humana, pintada um singular toque de poesia, o que faz de algumas páginas de Chamado do mar algo digno das melhores antologias. E impossível será ao leitor deixar de participar da atmosfera do livro, sentindo a paisagem e vivendo os seus conflitos tal o poder de comunicação e sugestão, que há no estilo vivo, plástico de James Amado

Data: 16/07/49;5 VIAGEM ENCANTADA

Um doce passeio à infância, ao ambiente cheio de poesia do bairro perdido na memória, onde as lembranças chegam como fantasmas amigos eis o despretensioso mas, admirável livro com o qual Hermano Requião encontra no mundo das letras. Menino de Itapagipe, filho de conhecida família baiana, o atual secretário do Diário de Noticias, do Rio, aqui estudou e se diplomou em professor pelo Instituto Normal, tendo aqui também exercido o magistério durante alguns anos além das atividades jornalísticas. Transferindo-se para o Rio, em 1933 ingressou na redação do já citado jornal onde até hoje trabalha e ao qual dedica todo o seu tempo. Em meio ao tumulto do seu trabalho assaltavam-lhe, aos quanto, as lembranças da terra distante, do bairro poético da infância despreocupada dos cenários e personagens que nunca mais vira porém que continuavam a viver em sua memória como ternas figuras de lenda. E um dia, cede à insistência dessas lembranças, fixando-as em páginas sem nenhuma pretensão literária, sem qualquer intenção de estilo, porém escritas tão naturalmente e com tanta sinceridade, que reunidas em livro se nos apresentam como páginas com uma pureza rara de ser encontrada. Com essa descida ao mundo mágico da infância, Hermano Requião oferece ao publico um livro simples, mas cheio de beleza e poesia cuja leitura é uma agradável viagem aos velhos tempos da península de Itapagipe, uma visita aos seus personagens populares, às ruas e ladeiras impregnadas de doce mistério, ao cineminha de dez tostões, às suas xarangas e a tudo o mais que compõe a vida pacata das províncias. E ao leitor de Itapagipe, Minha infância na Bahia uma impressão há de assaltar, mais do que estará sendo conduzido por hábil e precavido contador de histórias ao mundo encantado de reinações. Acrescente-se a isso tudo, o fato de ser Itapagipe uma das mais artísticas apresentações da José Olímpio Editora, com a capa de Santa Rosa e belas sugestivas ilustrações de Gonçalves. Esse livro já foi apresentado à Academia Brasileira de Letras, pelo prof.. Pedro Calmon . Seu autor está credenciado a futuras realizações literárias, cujo sucesso, a julgar pelo amadurecimento, sensibilidade e hábil manejo do idioma que agora apresentou parece garantido. Hermano Requião encontra-se, atualmente nesta capital aonde veio participar de um congresso, visitar amigos, rever a “boa terra”, e matar as saudades do seu bairro.

Data: 13/08/49;5 CONTOS DA BAHIA

Dentro de pouco tempo, começará a ser impresso um novo livro de contos de Vasconcelos Maia, jovem escritor baiano cuja a estréia com Força da vida, contos, Edições Elo, Bahia, 1946, foi uma das mais promissoras revelações da nova literatura baiana. E se antes já era colaborador de suplementos e revistas literárias, passou Vasconcelos Maia a neles colaborar com mais assiduidade, despertando na crítica e no público atenção fora do comum. Lobato, ao ler seu livro, não escondeu o entusiasmo que lhe motivaram certos contos ali publicados, enviando ao jovem escritor uma carta de incentivo e aplauso, por todos os títulos honrosa. Autêntica vocação de narrador, longe de se deixar dominar pela vaidade estéril tão do agrado dos falsos valores, após uma estréia feliz, Vasconcelos Maia põe-se ao trabalho e ao estudo. E seu novo livro é um resultante desse interesse crescente pela arte de contar. Nele, aparece-nos um contista mais experiente, mais seguro de sua técnica, fugindo à sugestão fácil e esquemática, por isso mesmo, desmoralizada, do conto tradicional. Com magníficas ilustrações de Carlos Bastos, Contos da Bahia, a ser lançado este ano, será mais uma edição de Cadernos da Bahia, revista de cultura e divulgação da nova geração baiana, que tanto sucesso vem obtendo em todo país.

Data: 28/01/50;5 O tempo e o vento

O acontecimento literário deste começo de ano é, sem sombra de dúvida, o lançamento do novo livro de Erico Veríssimo, O tempo e o vento, (1ª vol. O continente, editora globo, Porto Alegre, 689 p) com uma tiragem inicial de 20 mil exemplares. Autor que se impôs pelo hábil manejo da técnica novelística, pelo modo agradável e simples de escrever, aliados a uma grande dose de compreensão humana e de sentimentalismo, Erico Veríssimo era justamente considerado o melhor romancista da classe média brasileira, sendo sem favor um dos autores mais lidos do país. Com este seu novo livro, toma o escritor gaúcho um outro caminho, abandonando o cenário urbano e a vida de seus contemporâneos, vai às origens e ao desenvolvimento do continente de São Pedro, para lá encontrar os diversos fios das muitas histórias da formação do Rio Grande, desenrolando-os e conduzindo-os através de seiscentas e poucas páginas de O tempo e o vento, com uma habilidade realmente admirável, tecnicamente tão admirável que os diversos tempos, quadros, cenas e capítulos do livro, por mais diversa que sejam as épocas, são como partes de um todo, indispensáveis e interdependentes, atuando umas sobre as outras e produzindo no leitor essa nem sempre fácil impressão de unidade. Os personagens que povoam O continente são bem construídos, alguns marcantes outros inexpressivos, e pena é que o autor tenha procurado dar ao destino – ao azar, enfim – a força de conduzi-los, de guia-los através de suas vidas acidentadas, como se o destino lhe fosse anterior e exterior, quando se sabe que são as suas próprias condições de existência e de desenvolvimento que lhes traçam o destino. É a luta cega ela posse da terra, dominando todo o livro, são dramas dos emigrantes logrados pela má lei da corte, são os interesses anti- humanos dos governistas pela conquista de mais terras e mais mercado, é tudo isso que traça o destino dos personagens deste novo livro de Erico Veríssimo, cujo segundo volume, O retrato, que já se encontra no prelo, traz a história de fins do século XI até nossos dias.

5.2 PRODUÇÃO POÉTICA

Data: 03/07/48;9 FACE OCULTA (c/ foto da capa do livro)

A Bahia começa a sair do seu sono de vários anos, no tocante às atividades literárias. O livro de poesia de Carvalho Filho, Face oculta, representa um passo adiante nesse terreno. Numa edição "Confiteor" bem apresentada e de bom trabalho gráfico, com ilustrações de Oswaldo Goeldi, o poeta Carvalho Filho deu publicidade a mais 97 poemas de sua autoria, reunidos num livro de 262 páginas, com o seguinte plano: 1-poemas das horas claras; 2-hora obscura; 3- Invocação à luz esperada; 4-Ciclo da Morte; 5-Luz da Noite. Do valor da obra já disseram vários críticos, e os suplementos literários, como o do Correio da Manhã, do Rio têm registrado o aparecimento do livro com significativos elogios. Carvalho Filho, merece tais registros, porque é, realmente, um bom poeta, embora que, fiel ao meio físico que o rodeia, deslumbrado com a natureza, seu ambiente espiritual reflite a angústia da classe a que pertence, num desejo constante de fuga para a morte, como única solução para os problemas da vida.

Data: 24/07/48;9 ATIVIDADES DOS NOVOS

Sabe-se que Wilson Rocha, o jovem autor de Poemes, publicará breve, um novo livro, Porto Inexistente. Essa notícia significa que novos valores literários não se estão descuidando da dura tarefa que têm de levar a efeito, ou seja, a renovação do movimento literário. Principalmente entre nós, onde houve um período da mais completa indiferença, essa renovação se está processando com certa intensidade, embora não se tenha podido, ainda, pela inexistência de amplos meios de divulgação, realizar aquilo que vem realizando Pernambuco, Ceará e outros estados. Como quer que seja, o nosso cenário literário vem sendo modificado, com o aparecimento dos novos valores. E Wilson Rocha, poeta de sensibilidade e gosto artístico é, inegavelmente, um deles. Sua poesia, ainda que repetida aqui e ali, e refletindo certa hesitação, talvez receio de se desprender de símbolos gastos, evidencia um singular deslumbramento, - cheio de uma saudade intraduzível – pela vida e pelas coisas da vida. Seu novo livro, certamente mostrará um poeta mais amadurecido, mais livre do convencional, mais realizado, mais realizador, o que será uma conquista para o movimento literário de renovação.

Data: 04/09/48;5 AUTORES NOVOS

No panorama literário da Bahia está se processando um movilmento de renovação, com o aparecimento de jovens escritores. Raros todavia, têm livros publicados. A maior parte vem colaborando em jornais e revistas, deste e outros Estados, dando a sua cotribuição em artigos, conferências, poema, pequenos ensaios etc. Agora, chega a vez de Natur de Assis jovem estudante de Direiro, que vai lançar seu primeiro livro de poemas, Harpas de prata. Figura muito conhecida nas rodas literárias, com vários poemas publicados, Natur é um valor de mérito incontestável. Vocação poética natural tratando os temas com uma originalidade que surpreende, seus poemas têm ritmo espontâneo, próprios, que logo despertam no leitor a sensação de estar em contato com um autêntico poeta.

Data: 13/08/49;5 Descobrimento

A Bahia é um mundo inesgotável de sugestões. Os artistas, quais sejam as suas especialidades, sempre encontram na velha cidade do Salvador excelentes temas para as suas obras. Em cada canto, em cada coisa, há um motivo a ferir a sensibilidade do artista, como a chamá-lo para a realização, para o trabalho. Foi esse ambiente, impregnado de poesia, que Carlos Eduardo soube captar e transmitir no seu novo livro, Descobrimento, a primeira de uma série de edições que Caderno da Bahia pretende lançar. Com capa e ilustrações de Carlos Bastos, o livro de Carlos Eduardo constitui uma das melhores edições feitas na Bahia, nos últimos tempos, sendo a sua apresentação gráfica digna de referência. E se o autor de Este rumor que vai crescendo está de parabéns, por mais essa afirmação de sua poesia- simples porém sugestiva e cheia de ritmo- Caderno da Bahia, revista que vem se impondo no panorama literário nacional, merece louvores pelo trabalho que agora apresenta ao público, sendo de esperar que suas próximas edições se façam dentro do mesmo critério, ou seja, cuidado na escolha e bom gosto na apresentação.

Data: 21/01/50;5 POESIA AUTÊNTICA

Uma das mais autênticas vozes da moderna poesia brasileira é, sem dúvida alguma, Wilson Rocha, que já nos deu, anteriormente, um livro de poemas editado aqui mesmo na Bahia. Poderosa expressão de artista, consciente, estudioso e honesto, Wilson Rocha cada vez mais se aprofunda nos domínios de sua arte, buscando realizar-se definitivamente, sem pressa e sem sensacionalismo. Produzindo pouco, divulgando menos e estudando mais, tem procurando fazer de sua poesia uma arma de luta, uma bandeira, uma como que mensagem de beleza e de amor, de compreensão e de paz em meio ao tumulto que os falsos valores procuram fazer para confundir. Tendo editado apenas um livro, há alguns anos, vai agora lançar o segundo, em edição de Caderno da Bahia. Com ilustrações de Aldo Bonadei e cerca de quinze a vinte poemas. O tempo no caminho - é o título – deverá aparecer em março próximo e certamente que figurará como um dos mais significativos das letras em 1950.

Data: 25/02/50;5 Poemas de Isgorogota

Judas Isgorogota é o estranho pseudônimo de um poeta alagoano radicado em São Paulo cujo nome verdadeiro é Agnelo Rodrigues de Melo. Transbordantes de um lirismo, que muitas vezes confunde com a pieguice, os livros de Judas Isgorogota trazem alguns bons poemas embora o poeta se mostre sempre cada vez mais um místico que não cessa de procurar seus horizontes ou realizar seus sonhos, sem que jamais consiga nem uma nem outra coisa, tais os caminhos que resolveu seguir. A Editora Saraiva de São Paulo, está lançando as obras de Judas Isgorogota, algumas já publicadas anteriormente, como é o caso de Fascinação, 2ª ed. edição Saraiva, S. Paulo, 1950, com ilustrações de Messias e Beppi Spolaor.

Data: 05/07/50;5 Pássaro sangue

Já está em nossas livrarias, numa excelente apresentação, o livro de poemas de Cláudio Tavares, Pássaro Sangue, edição de Caderno da Bahia, com ilustrações de Aldo Bonadei. O jovem poeta, que nasceu em Timbauba, Pernambuco, a 24 de maio de 1922, reuniu nesse volume 31 poemas de sua autoria, desde os já produzidos há alguns anos até os dias mais recentes, como a conhecida Balada para Zélia. Jornalista profissional, destacado colaborador das revistas de cultura do país, Cláudio Tavares é um dos diretores de Caderno da Bahia, a jovem e já vitoriosa revista que aqui se edita, e dele disse Murilo Mendes: “Cláudio Tuiuti Tavares, poeta de fortes possibilidades, portador de marca pessoal, simpático tipo de lutador equilibrado”. Seu livro será, para muitos, uma surpresa. É que a poesia de Cláudio Tavares não é fácil de ser entendida. Acentuadamente hermética, escapa à compreensão do leitor comum, que dificilmente penetrará sua essência ocultada quase sempre por imagens e símbolos de difícil e trabalhosa apreensão. Nesse, e sem que isso constitua restrição absoluta à sua arte, deve Cláudio Tavares libertar-se das fortes influências que tem recebido de certos autores, que fazem da poesia, não um poderoso instrumento de comunicação com o povo, mas, ao contrário disso, um jogo esotérico de palavras bem ou mal arrumadas, jogo que é uma deliberada tentativa de fuga da vida.

Data: 15/07/50;5 A MORTE DE UM GRANDE POETA

A 29 de junho último, o Brasil perdeu um poeta, fato que para muitos não é motivo de tristeza. Entretanto a morte de um poeta é sempre uma coisa triste e lamentável num mundo louco como o nosso, e ainda mais quando o poeta é Da Costa e Silva e sua morte, aos 65 anos de idade, vem como dramático epílogo de uma vida pontilhada de infortúnios. Filho do Piauí, Da Costa e Silva surgiu no panorama da nossa literatura quando os chamados neo-simbolistas e os parnasianos, embora dominando a cena da poesia nacional, sentiam que uma nova tendência procurava abrir caminho na estrada gasta da poesia segundo fórmulas e receitas. Escritor provinciano, vinha armado de alguns contos e sonetos, entre os últimos figurando um que hoje tem lugar obrigatório em qualquer antologia, “Saudade”. Estreou com Sangue, em 1908, em 1917 publicou Zodíaco e uma plaquete dedicada ao belga Verhaeren, do qual recebeu fortes influências, em 1919 editou Pandora, em 1927 Verônica, e, daí por diante, somente em 1934 viria a aparecer a sua Antologia. A essa altura, porém, o poeta já se encontrava irremediavelmente enfermo, acometido de um mal que chegou a pressentir no “Canto do Bêbado, dizendo: “E temo certas vezes que endoudeço a minha triste e feissima cabeça coroada de estrelas e de rosas”. Recolhido ao seu retiro na Tijuca, onde faleceu, silenciou o poeta, nunca mais dele se ouvindo falar. Do antigo cidadão que pontificava nas rodas literárias que freqüentavam, no Rio ou em Belo Horizonte, para onde lhe levara a profissão de Funcionário da Fazenda nenhuma outra notícia, senão a de que vivia no tumulto interior de sua loucura, desamarrado dos homens e do mundo. Seu nome, mais ou menos desconhecido dos jovens, desperta, entretanto, nas gerações mais velhas, lembranças melancólicas. Sua morte vem como que ressuscitar a impressionante figura do poeta de há trinta anos passados, despreocupado boêmio que esbanjava talento noite apos noite nos bares por onde passava. E é possível, com a sua morte, retornem os críticos e públicos à sua obra, que indubitalvemente tem lugar de grande projeção em nossa literatura.

OBS.: Na mesma página foram publicados dois poemas de Da Costa e Silva, que podem ser lidos no anexo B deste trabalho.

Data: 28/04/51;9

PRÊMIO DE POESIA

O nome de Enoch Santiago Filho (1920-1945) tem lugar de relevo na história da literatura contemporânea da Bahia. Embora filho do vizinho estado de Sergipe, foi aqui que iniciou sua formação cultural e aqui escreveu seus primeiros trabalhos, tendo sido aluno de nossa Faculdade de Direito. Roubou-lhe a morte, porém, inesperada e brutalmente, quando contava apenas 24 anos, uma insopitável destinação de poetas. E aí então, reunidos em livros por Zitelman de Oliva, os versos jamais revistos que escreveu sem qualquer preocupação, como a provarem que o tempo e a experiência dele fariam um poeta como poucos o podem ser. E parte de sua obra reflete a atitude dos moços de seu tempo, frente aos problemas políticos e sociais, frente à luta contra o nazi-facismo que então acendia a chama de uma guerra mundial. Sua poesia está cheia de entusiasmo revolucionário, de compreensão e de solidariedade humana, traduzindo com honestidade e coragem, os princípios que orientavam a luta dos jovens de sua geração. Nada mais justo, pois, que lhe preste a mocidade da Faculdade de Direito as homenagens de que é merecedor. E tanto mais significativa essa homenagem quanto se traduz na instituição do Prêmio Anual de Poesia Enoch Santiago Filho, prêmio cuja instituição é um dos pontos do programa de trabalho do candidato vitorioso à presidência do Centro Acadêmico , da Faculdade o jornalista e escritor Adalmir da Cunha Miranda.

6. As Variações da seção Caleidoscópio utilizadas na dissertação

Índice N. Data/página Título Exemplo (1ªlinha) Seleção p/ comentário 1. 29/11/47; 5 Variações Quando a cidade adormece e as ruas se enchem desse a sugestivo silêncio de madrugada [...] 2. 13/12/47;5 Variações Uma vez, olhando várias reproduções de famosos a quadros chineses, [...] 3. 03/01/48;5 Variações Visitei, ontem, um grande e sábio amigo. Há muito a que não nos encontrávamos[...] 4. 17/01/48;5 Variações A noite é densa, pesada, e eu fecho os olhos para escutar. E vejo. [...] 5. 31/01/48;5 Variações Leio Géraldy. Não há nada de poético no que me a oferece a janela desconsolada, [...] 6. 21/02/48;5 Variações O trem avança na madrugada fria. De minha janela, contemplo o princípio [...] 7. 13/03/48;5 Variações Há na vida e nas coisas uma penumbra que entristece e faz medo [...] 8. 10/04/48;5 Variações Sugestões da leitura de Martin du Gard: o mundo é doido a vida uma burla. [...] 9. 08/05/48;5 Variações Naquela madrugada o vento era tão forte, que as acácias pareciam doidas [...] 10. 22/05/48;5 Variações Há no mundo uma tão clara manhã, tão alegre e feliz, que a gente como que [...] 11. 05/06/48;5 Variações Nada variou. Nem a vida, nem os homens, nem as coisas. [...] 12. 19/06/48;5 Variações Olhada do alto, assim sob a luz indecisa da noite, a rua enladeirada [...] 13. 03/07/48;9 Variações Relidos Terras do sem fim e São Jorge dos Ilhéus. Concluída a leitura de [...] 14. 24/07/48;9 Variações “Chega de terra. Venham os intermúndios. Morrer...Gaseificar-se... [...]” 15. 07/08/48;9 Variações O encanto não estava na manhã de sol, nem na sugestão que lhe oferecia o coqueiro caminhando [...] 16. 21/08/48;9 Variações – Mãos ao alto! [...] a

17. 04/09/48;5 Variações Shelley infeliz, vagando pelas ruas de Londres, a a repetir como uma ladainha [...] 18. 18/09/48;11 Variações Uma linda bonequinha de oito anos provou, como ninguém mais o fez, o quanto vale Lobato. [...] 19. 02/10/48;9 Variações Quando morre um poeta, parece que a vida fica de luto a e qualquer coisa foi definitivamente perdida [...] 20. 30/10/48;5 Variações Pouco importa o colorido das acácias na praça cheia de a sol, porque [...] 21. 13/11/48;5 Variações Há, no pequeno baleiro que todos os dias passa, a vagaroso e triste, pela rua onde moro, [...] 22. 27/11/48;9 Variações Cada homem, ao sair para a vida, como que parte em busca de sua ilha do tesouro, [...] 23. 31/12/48;7 Variações Que se pode dizer de útil, de bom ou de qualquer outra coisa, quando vai um ano e outro vem? Nada. [...] 24. 15/01/49;5 Variações Aquele homem que sai de casa todo dia à mesma hora, consulta o relógio mal põe [...] 25. 29/01/49;5 Variações A um homem rude sem nenhuma instrução, que ao a meu lado, no café, espia o sol [...] 26. 12/02/49;5 Variações Ainda não tive notícias de um mundo mais doido do a que este. [...] 27. 11/03/49;5 Variações Irrecusável a paz que vem dos campos. Mesmo aqueles a espíritos que andam à procura [...] 28. 23/04/49;5 Variações Há, em certas passagens de Gide, uma pureza de pensamento rara de ser encontrada. [...] 29. 02/07/49;5 Variações sobre a Dir-se–ia que as publicações feitas em um dos jornais a desonestidade desta capital, a respeito [...] ABDE [...] 30. 27/08/49;5 Variações Bem fácil será ao leitor identificar Domingos Carvalho a da Silva (São Paulo, 1915 -...), [...] 31. 17/09/49;5 (sem título) O segredo da atualidade de Balzac está no fato de ter a sido ele, apesar de sua formação [...] 32. 26/11/49;5 Variações sobre a Se é fato que não pode haver uma ciência social a história da praieira “imparcial”, numa sociedade fundada sob a luta de [...] 33. 10/12/49;5 Variações sobre É com máximo interesse que realizamos a leitura dos a um livro nove contos do livro de Breno Accioly, [...] 34. 28/01/50;5 Variações sobre a Há quem defenda a cruel tese de que a guerra é sempre a guerra e a paz e fatalmente fator de progresso. [...]

OBS: Dia 27/03/48 - exemplar sem condições de uso no IGHB, e página não encontrada no exemplar consultado na Biblioteca dos Barris.

Data: 29/11/47; 5 VARIAÇÕES

Quando a cidade adormece e as ruas se enchem desse sugestivo silêncio de madrugada, o Poeta começa a viver. Solitário e olhando a hesitante sombra das árvores projetada no asfalto, ele sente crescer no íntimo aquela irresistível vontade de compor para os que estão dormindo. Escutando a cadência monótona dos passos perdidos pelas vielas da lírica cidade, ele parece ouvir o ritmo torturado de seus versos carregados de angústia. Há um como que sentido de eternidade nas madrugadas solitárias do Poeta. Qualquer coisa que lhe sussurra palavras vindas de séculos perdidos nos longes do tempo. Fantasmas que bailam na sua frente e dança da inconformação. Sombras que se revelam, medrosas, na penumbra fria da madrugada que morre. E ele pára, acende um cigarro e pensa. Pensa que é difícil e inútil para os que estão dormindo. Eles não ouvirão seu canto, mensagem-apelo às consciências escravizadas. E a madrugada vai embora, levando a insatisfeita inspiração do Poeta.

x Nada fica de permanente da leitura de Eurídice, senão a desenganada impressão de que o autor quis elevar um pouco mais e caiu, como caem as folhas secas de uma árvore sem selva.

x Um dia, perguntei do fantasma de Keats, que se movimentava na inconsistência da fumaça do meu cigarro, se ele havia conhecido a beleza eterna e a constante alegria. - Por quê? Perguntou-me quase a sorrir. - Por que jamais consegui esquecer aquele verso seu, lembra-se? “A thing of beauty is a joy forever” E, quando o procurei na esperança de uma resposta, notei que ele estava se apagando, no rolo de fumaça. Mas, ainda pude notar o quanto é triste e dolorosa a máscara de um fantasma contrariado...

Data: 13/12/47;5 VARIAÇÕES

Uma vez, olhando várias reproduções de famosos quadros chineses, senti-me invadido por imensa tristeza. Eu não consegui entendê-los, embora sentisse que neles havia qualquer coisa de grandioso. O tempo passou e em mim cresceu a amargura de não haver compreendido os pintores de olhos oblíquos e sorrisos mansos. Nas suas paisagens, os seres humanos eram sombras ridículas, frágeis pinceladas que se me afiguravam sem maior importância. E em todo o quadro, a grandeza aterradora da natureza pontificando. Mas, conversando com um velho e bom amigo, um chinês de filosofia cínica e risonha, pode, enfim, desvendar o que, para a minha ignorância, parecia um mistério. - A natureza - disse o meu amigo – é por si mesma, e sempre, um sanatório. Mesmo que não possa curar outra coisa, pode curar o homem enfermo de megalomania. É preciso “por no seu lugar” o homem, e este sempre se vê posto em seu lugar ante o pano de fundo da natureza. Por isso é que nos quadros chineses se pintam sempre os homens tão pequenos no panorama. E é por isso, ainda, que os chineses acreditam que uma viagem às montanhas surta efeito catártico, pois limpa o peito de uma multidão de ambições tolas e desnecessárias preocupações. Agradeci do meu amigo Lin Yutang, com um cordial sorriso de despedida. Mas, levava a certeza de que nós, ocidentais, não passávamos de pretensiosas crianças, teimosas e mal- educadas...

Data: 03/01/48;5 VARIAÇÕES

Visitei, ontem, um grande e sábio amigo. Há muito que não nos encontrávamos. Não me tem sobrado tempo para ir vê-lo, e ele não se abala para visitar ninguém. Mas, eu o estimo a ponto de não poder prescindir de sua presença. Ela como que dissipa minhas dúvidas, fortalece aquelas convicções que se tornam hesitantes e medrosas na grande luta, desfaz receios e anula temores. É que sua presença, por si mesma, é um imenso e irrecusável conselho de prudência, paz, tolerância, humildade e amor. E eu poderia dizer, sem mentir, que o meu amigo é tão velho quanto o mundo e tão moço quanto o segundo que acaba de nascer e já morreu. Mais ainda: que ninguém, ninguém o conhece completamente, embora alguns loucos ousem pretender essa glória. Com ele, vivem bem os que, como eu, lhe ouvem os conselhos sem procurar conhecê-lo profundamente. É que o meu amigo não gosta de quem tenta desvendar seus mistérios, e ele os têm em quantidade assustadora. Caprichos...caprichos do mar, meu grande e sábio amigo.

x x x - Procure Erico Veríssimo e converse com ele, diariamente. Far-lhe-á bem... – disse eu a um conhecido, certa feita. O homenzinho me olhou com desdém, sorriu cético e decepcionado, e desapareceu no meio do povo, que se movimentava com indiferença e alheamento. A visão daquele sorriso irônico desenhado com superioridade no canto da boca era uma inapelável sentença aniquiladora. Dava-me, no entanto, a certeza de que o meu conhecido era um sujeito feliz, despreocupado, que nunca lera uma linha daquele “menino moreno” de Cruz Alta, como diz o grande Lobato. Far-lhe-ia bem a leitura de Pastoral, o último capítulo de Saga. Não conheço conversa mais humana e mais amiga. Ao terminá-la, uma única impressão domina a gente: a de que o autor é uma criatura profundamente humana e tolerante, homem simples e honesto, que deseja mais harmonia e compreensão nas relações humanas.

Data: 31/01/48;5 VARIAÇÕES

Leio Géraldy. Não há nada de poético no que me oferece a janela desconsolada, por onde entra uma noite agressiva e quente. Mas, impossível recusar as sugestões dessa conversa íntima delicada que é o Toi et Moi.

Você não sabe... Estou tão só!...Parece morta. A alcova que você ordena e desordena. As coisas em que toco, os armários, as portas, Fazem ruído diferente, ou tímido, ou Estranho, que parece um queixume e persiste, E põe neste vazio uma presença triste. Como a chuva em redor do encontro que falhou...

Deixo a leitura para olhar a rua. Tudo parado, quieto. Nenhuma folha balança. Nada. A Noite sufocante abafada. Mas, eu sinto que me envolve um gelo de morte. É a Carta, de Géraldy, que me da conta de uma ausência fria e torturante:

Mando para você meu coração sedento de você, mais enfermo e triste cada dia, e mando minha vida inútil, meu tormento, minhas noites sem fim, minha dor, meus desejos, e, para acalentar sua noite vazia, mando-lhe beijos, e mais beijos, e mais beijos...

Data: 21/08/48;9 VARIAÇÕES

- Mãos ao alto! Suspendeu os braços ossudos e botou no rosto uma expressão que só mesmo ele sabia o que significava. Fora apanhado bobamente, estupidamente, e isso importaria no seu desprestígio para com os outros. Seria ridicularizado. Ninguém mais lhe trataria como “chefe”, nem lhe dariam nunca mais as honras de “mandão”. Parado, no meio da rua, as mãos para cima, imaginava a vaia que viria, tremenda, arrazadora... - Toca p’ra frente, seu besta! Nada podia dizer. A arma do agente ali estava, apontada para as suas costas, e o menor movimento lhe custaria a vida... Seus sonhos, suas aventuras, tudo perdido. Queria ser o maior matador do grupo e era respeitado porque engendrava os assaltos mais terríveis. Não dormia, de pensar no que lia para empregar com a turma. E agora, apanhado bestamente, pelo mais besta dos agentes da polícia, como o “maricas” daquela história de Jack Estripador. Desmoralização... Outra vez teria que apresentar uma grande folha de serviços: esquartejar trinta e dois gatos, enforcar dez cães, estrangular vinte galinhas e brigar e vencer os chefes dos outros grupos. Quanta pancada teria de tomar para conseguir tudo isso... E aquela exigência de atirar pedras no próprio pai, quando ele dobrasse a esquina... Mas ele queria ser novamente o chefe, e faria tudo para ganhar o posto. Sabia de outros que faziam pior dentro de casa. Por que não fazer também? x x x

Quando o brinquedo acabou, o magro menino de onze anos saiu sozinho, triste, desmoralizado. Não soubera usar o revolve com agilidade, antes que o agente lhe rendesse. Na esquina do caminho de casa, baixou para apanhar o casaco, uma faca e dois números de Gibi, onde haviam três histórias que ainda não conhecia. Elas talvez lhe ensinassem como matar e mais ligeiro, sem se deixar pegar.

Data: 04/09/48;5 VARIAÇÕES

Shelley infeliz, vagando pelas ruas de Londres, a repetir como uma ladainha sem fim: um coração como um bloco de gelo, como um bloco de gelo... A meiga e doce Harriet transformara-se numa hostil e seca criatura sem alma, tendo o coração como um bloco de gelo, nada mais que um bloco de gelo. Shelley desventurado continuava a lamentação pelas ruas frias e desertas: não passo mais de um inseto que se aquece um pouco, adejado num raio de sol; a primeira nuvem me tornará a mergulhar para sempre no inferno e no frio. Ao réves disso, todavia, do frio e do inferno, a doce e conformada compreensão de Mary, quente e mansa como a paz de um carinho. Ano bom da vida atormentada do insatisfeito Shelley. Assim são os homens, poetas que todos eles são. Vivem sempre a querer e a lamentar, esquecidos de que as mulheres também querem e lamentam com muito mais razão, embora nunca se façam ouvir, não porque lamentem e queiram em surdina. Simplesmente porque os homens são geralmente surdos a tudo aquilo que não vem de si mesmo. x x x A queixa dos que têm fome é como o vai-e-vem das marés. Avança e recua, recua e avança mas não cessa nunca, nem mesmo quando é noite de lua. Pode amainar um pouco, parecer que cessou, para voltar mais forte, mais terrível e tremendamente denunciadora. x x x Parece que tudo parou, quando o menino levou olhos para longe, espiando o sol se esconder debaixo da cama das montanhas. A vista pregada naquela beleza, a garota não via mais nada e nada dizia. Talvez aí lhe chegasse o fantasma de Goethe, para murmurar simplesmente: Oh! Pára instante, porque és tão belo!

Data: 02/10/48;9 VARIAÇÕES

Quando morre um poeta, parece que a vida fica de luto e qualquer coisa foi definitivamente perdida. Algo imponderável, que não se vê nem pega, mas se pressente diluído em tudo, no ar, na luz, nas coisas, uma grande angústia que não pede licença nem aceita recusas.

x x x Pouco conhecido do grande público, em virtude do afastamento em que vivia, Fernando de Salles era um nome de prestígio entre os intelectuais da Bahia e de alguns outros estados, que conheciam a sua obra e sabiam de seu valor. Fazendo da poesia sua constante preocupação, a ela sempre voltado numa como que desenganada procura de objetivos, deixa Fernando, ao morrer, uma obra ainda sem publicação, conhecida apenas dos amigos mais íntimos ou mercê de uma que outra divulgação em jornais e revistas, mas uma obra que merece ser conhecida de todos, amplamente divulgada, para que lhe seja dado o lugar que realmente merece em nossa literatura. Como seu pai, o mestre Artur tinha Fernando de Salles um carinhoso cuidado com a sua arte, trabalhando seus versos com extrema atenção e interesse permanente, apesar da imaginação franca e solta que lhe trazia insatisfeito sempre e sempre em busca de novos motivos. Moço ainda, mas vencido pela doença, não teve o poeta a oportunidade de editor; os dois livros que já preparara, uma antologia dos nossos poetas e uma série de produções suas. Seria o caso da ABDE entrar em entendimento com o governo, no sentido de editarem, em cooperação, os dois livros de Fernando de Salles, o que significaria uma valiosa contribuição para a cultura baiana, além de uma homenagem justa a um pobre, paupérrimo poeta, que morreu moço e sem glórias, quando possuía valor e méritos que lhe dariam fama invejável, se houvesse tido oportunidade.

Data: 30/10/48;5 VARIAÇÕES

Pouco importa o colorido das acácias na praça cheia de sol, porque é o negro destino dos que não podem ver, embora não lhes faltem os olhos sadios e a vontade de enxergar. Pouco importa a sinfonia que apazigua e acalma o tumulto da vida e restitui o ânimo de prosseguir, porque há a desgraçada sorte daqueles que não ouvem, embora bons sejam os seus ouvidos e imensa a vontade de escutar... Pouco importa o livro que educa e abre teóricas perspectivas de um futuro melhor, porque bem poucos o sabem ler e menor ainda os que desejam para os outros um futuro melhor... Pouco importa que a ciência conquiste minuto a minuto, porque à grande maioria não chega os seus benefícios e as guerras continuam a ser feitas em nome da ciência e do progresso... Pouco importa... pouco importa tudo o mais, enquanto perdurarem as mesmas condições e os mesmos forem os objetivos... O que importa é que todos possam ver, possam escutar, que todos saibam ler e compreender... O que importa é que ninguém mais fale em nome da paz com um revólver na mão e não se diga porta-voz dos povos quando pretende levar esses povos à loucura da morte coletiva... O que importa é que as acácias sejam vistas na praça cheia de sol, as sinfonias sejam ouvidas, os livros sejam lidos, e haja em tudo e em todos, nas coisas e nos homens, um grande, um imenso desejo de paz...

Data:13/11/48;5 VARIAÇÕES

Há, no pequeno baleiro que todos os dias passa, vagaroso e triste, pela rua onde moro, uma desencantada expressão de quem anda sempre com fome de chocolate...

A responsabilidade que, nos dias de hoje, cabe ao intelectual, seja ele escritor, pintor, músico, cientista, seja o que for, é daquelas que exigem pronunciamento imediato e nunca vacilante. Ou o intelectual participa do grande drama universal, contribuindo para que a paz no mundo e entre os homens seja cada vez mais firme, ou será ele posto à margem, como inútil, destituído de qualquer valor - voz que não se ouve, palavras que não são lidas. Não vai nisso nenhum exagero. Aliás, para ser mais exato, ninguém pode, hoje, deixar de participar da luta, seja pela paz, seja pela guerra. Ficar de cima, preso à torre-de-marfim, já não é mais possível. de tal forma se agravaram as condições do mundo, que todos os homens, por mais humildes e menores, são obrigados, mesmo sem que disso tenham consciência, de contribuir, de uma forma ou de outra. E o intelectual, mais do que qualquer outro, tem a obrigação de assim proceder, marchando à frente de seu povo e de seu tempo no caminho da paz, que não é de rosas... x x x Há, na poesia, um toque de juventude eterna, e esse é o seu grande mistério. Daí ser falso todo o poeta que pretenda fazer a sua arte com símbolos velhos e cansados de épocas já perdidas nos longes.

Data: 29/01/49;5 VARIAÇÕES

A um homem rude sem nenhuma instrução, que ao meu lado, no café, espia o sol derramado nas ruas, na praça, no mundo, pergunto qual o maior prazer da vida: - Isso, seu moço – responde, apontando com os olhos a manhã em que estamos – A gente poder olhar isso, e ficar pensando... - Qual nada! – interrompe um outro, que ninguém chamou, respondendo a pergunta que lhe não foi feita – Prazer é a gente passar bem! Comer bem! Bons pratos, boa garrafa, isso sim. Agradeço a inesperada interferência, e silenciosamente peço desculpas ao outro. Não tenho culpa, evidentemente. Ele me compreende, sorri piedoso e segue seu caminho. Continuo espiando. E relembro Gide: “Quisera saborear este verão trago a trago, como se fora para mim o último. Os peixes morrem com o ventre para cima e sobem a superfície. É sua maneira de cair”. Olho para o “peixe” e o vejo tragando, inteiro, um bolo dormido. O sol, a manhã, a sombra da árvore naquele canto da praça, nada disso existe para ele. Só a realidade meio amarga de um estômago exigente. E uma vez satisfeito, tudo o mais está bem.

Ainda é Gide quem chega, como oportuno consolo:

“Saber libertar-se, não é nada; o difícil é saber-se livre”. Finco, mais uma vez, a fisionomia do “peixe”. Não há dúvida de que é difícil saber ser livre. E para a maioria, então, a grande, a enorme dificuldade é saber libertar-se. Libertar-se pelo menos do estômago. Quem tem a ciência e a arte dispensa a religião, disse Goethe. Boa epígrafe para um livro sobre a estupidez humana. Sobre a nossa pretensiosa estupidez.

OBS.: ilustração, uma casa na praia com dois coqueiros (ilustração recorrente nestas variações)

Data: 12/02/49;5 VARIAÇÕES

Ainda não tive notícias de um mundo mais doido do que este. Começou atirando pedras que soterravam cidades e, hoje, mercê de pactos, tratados e conferências, atira bombas atômicas com a mesma simplicidade de quem distribui brinquedos entre crianças. Atira e depois vai gastar milhões para discutir a paz, vai pagar a alguns homens para que eles, com a inutilidade das palavras, continuem a guerra fria, morna ou quente. Jamais chegam a um acordo e fazem mesmo questão de não se entenderem. Parecem desgraçadamente convencidos de que as bombas são o melhor argumento e de que a vida tem de ser mesmo esta escravidão idiota, cuja única finalidade não é outra senão a simples conquista do alimento. Daí toda a complicação, a maluquice do mundo, este mundo em que estamos soterrados vivos.

Chegam pela janela ruídos vindos de muito longe, de todas as distâncias e de todos os tempos. Chegam e entram pelo caminho de luz que o velho lampião, sentinela impertinente, obra rompendo o escuro tranqüilo do meu quarto. Ouço-os, incapaz de um protesto. Eles me dizem do que ocorreu e ocorre lá fora, na grande senzala do mundo. Trazem-me notícias que eu não queria ouvir... Contam-me histórias que eu desejava ignorar. Agridem esta insônia que me poderia ser um abandono voluntário e pacífico. E aí, então, é que neles distingo, à semelhança de um doce contraponto em surdina, a voz de Shelley, carregada de angústia, chorando a morte de Keates, chorando a minha, a sua, a morte de todos nós.

Life, like a done of many-colored ‘glass Stains the white radiance of Eternity

OBS.: Ilustrado com gravura de uma janela aberta, com um lampião do lado de fora

Data: 11/03/49;5 VARIAÇÕES

Irrecusável a paz que vem dos campos. Mesmo aqueles espíritos que andam à procura de angústias, que perseguem desesperos, aqueles que não podem viver senão dentro de um clima carregado, em uma atmosfera de eterna embora inútil inquietação, até esses não podem recusar a sugestão de paz que lhes oferecem os [comdol] cheios de cor e de vida. Há neles um tal sentido de tranqüilidade e de harmonia, que nenhum homem, diante deles, poderá sentir outra coisa além de uma doce quietação a sugerir humildade e paz. Vão-se os problemas, morrem as angústias, acabam-se o desespero e uma enorme paz é a única e irrecusável presença na paisagem. Mesmo o tempo, "testemunha do universo inteiro", mesmo este parece "pateiro", mesmo este parece pados, como que vencido pelo que há de tranqüilo e calmo nos campos carregados de cores. Há, no entanto, um tipo de homem que se desespera diante das paisagens: o pintor. Ao vê- la, como que se embriaga de cor e de beleza. Depois, quando procura trazer para tela o que viu, quando tenta fixar todas aquelas sugestões, aí, então, a angústia e o desespero lhe invadem. E raros, raríssimos, são os que conseguem vencer este estado, captando e trazendo para a tela o que o homem comum sente e não sabe traduzir.

Data: 02/07/49;5 VARIAÇÕES SOBRE A DESONESTIDADE

Dir-se–ia que as publicações feitas em um dos jornais desta capital, a respeito da dissidência havida na ABDE do Rio, teriam sido regidas por um investigador do estado novismo, daqueles que prendiam um comunista, em cada esquina, tal o caráter de que se revestiam. Ninguém ignora nem procurou esconder que houve dissidência na ABDE do Rio. É fato do domínio público, e o Brasil inteiro já tem ciência desse assunto, que anda fedendo de tão velho. Quer, porém, ressuscitá-lo para envolver a secção baiana da ABDE nessa, dissidência, e por ainda, pretender acusá-la de extremismo, é de um ridículo absolutamente original. É claro que alguns elementos se deixarão iludir, ou melhor dito, amedrontar por essas publicações. O medo do comunismo é um pretexto para a covardia e o comodismo de algumas pessoas. Covardia de contrariar alguém ou desgostar o governo e o comodismo de não fazer coisa nenhuma. Poucos, todavia, dos que lá estão, andarão a cata desse pretexto. E na história dessas publicações há uma verdade tão cruel quanto necessária de ser conhecida. É a vontade de sabotar o III Congresso Nacional de escritores, que aqui vai ser realizado este ano. É o firme propósito de impedir a reunião dos escritores. Porquê? Simplesmente por dois pequenos motivos que as publicações não esclarecem. Primeiro, por uma questão de vaidade de poetas, ressentimento de não fazer parte da uma comissão organizadora. Segundo, porque do Congresso foi retirado qualquer caráter político ou pessoal, e certa ala política entende que qualquer manifestação coletiva deve ser, obrigatoriamente, uma afirmação de seu prestígio, daí entendo que a presidência da honra do Congresso deveria caber a outro que não o governador Mangabeira e a presidência da Comissão organizadora a outro que não deputado Jorge Calmon. E, como ficaria feio declarar isso publicamente (embora particularmente esse segundo motivo fosse soprado em muito ouvido) o meio mais fácil de sabotar seria o espantalho do comunismo, do qual gregos e troianos se afastam rapidamente. Esquece o autor das publicações (vive no mundo da lua) de que esse negócio de a tudo acusar de comunista está inteiramente desmoralizado, mais ainda quando se sabe o interesse que atua por detrás da acusação. E depois, mesmo que assim não fosse, aí estão os nomes que integram a Comissão Organizadora e a própria diretoria da ABDE, a desmentirem, a priori, qualquer acusação dessa natureza. O curioso é que numa das explorações, porque um ou dois se afastarem, tem-se a coragem de convidar os outros escritores a abandonarem a ABDE! Mas, ora que tolice. Isso é tão repugnante quanto a má poesia de alguns falsos poetas, que somente têm esse nome à custa do regime de elogios mútuos. Os verdadeiros escritores, conscientes de sua responsabilidade, lá continuarão a trabalhar em prol de maior e mais estreita união entre os intelectuais, independente de suas convicções filosóficas ou fé religiosa, visando apenas o bem comum. E se não é do seu feitio capitular ou entregar a outros a decisão de seus problemas, muito menos será aceitar que uma reunião de escritores se transforme em arma de propaganda eleitoral de quem quer que seja. Ora, seu poeta, procure outra vida. Lembre-se também, que do alto daquelas pirâmides quarenta musáceas vos saúdam.

Data: 27/08/49;5 VARIAÇÕES

Bem fácil será ao leitor identificar Domingos Carvalho da Silva (São Paulo, 1915 -...), bacharel em Direito, jornalista e poeta, seu nome figura freqüentemente nas colunas do Correio Paulistano e do Jornal de Notícias, e seus dois livros já publicados, Bem-amada Ifigênia (1943) e Rosa extinta (1945), deram-lhe prestígio literário e, segundo Antônio Cândido, “uma irrecusável procedência” sobre os outros poetas aparecidos em São Paulo, nos últimos anos. Traduziu os 20 Poemas de amor e Uma canção desesperada, de Neruda, e ainda publicará Praia oculta, já no prelo. Articulista político muito acatado pelo equilíbrio de suas opiniões, escreveu um artigo para o ‘Jornal de Notícias”, edição de 7-8-49, no qual, procura com êxito, traçar o panorama político nacional, mostrando como, nos diversos setores de atividades, as forças revolucionárias tentam ganhar posição para a “Reabilitação da ditadura”, título do artigo. Dele é que retiramos o trecho que abaixo vai transcrito, a respeito da ABDE e do Congresso de Escritores, trecho esse que traz muita luz sobre o assunto, refutando certas explorações daqueles que Domingos Carvalho da Silva, muito acertadamente, denominou os “inocentes úteis da relação integralista” ou “fina flor do fascismo intelectual do país”: “Veja-se o que aconteceu recentemente na Associação Brasileira de Escritores do Distrito Federal: duas chapas concorreram, uma presidida pelo udenista Afonso Arinos de Melo Franco, outra pelo socialista Homero Pires. Vitoriosa a chapa do sr. Afonso Arinos, não se sentiram, porém, os seus integrantes, com disposição ou com tempo para cumprir suas promessas. Saíram então em massa da A.B.D.E., alegando que a mesma estava infiltrada pelos comunistas. Esperavam os dissidentes da A.B.D.E carioca que os acompanhassem as secções estaduais daquela associação. No entanto, tomaram quase sozinhos o bonde errado: apenas a inexpressiva A.B.D.E de Santa Catarina os prestigiou. A de São Paulo, presidida pelo Sr. Sérgio Millet, nem sequer tomou conhecimento do manifesto assinado pela fina flor do fascismo intelectual do país e pelos liberais transformados em inocentes úteis da reação integralista. Fracassado o movimento divisionista e gorada a nova associação prometida no manifesto, voltaram-se os dissidentes contra a realização do III Congresso Brasileiro de Escritores, a ser promovido pela secção baiana da A.B.D.E. A técnica de luta é a mesma: denúncia política. Numa linguagem que nos faz lembrar a imprensa de Franco ou Mussolini, certos escritores, por meio de alguns jornais baianos, estão se servindo de uma argumentação que repugnaria o sr. Felinto Muller em 1938, para evitar que o congresso se realize. Ora, em 1947 houve em Belo Horizonte um congresso. Lá compareceu uma poderosa corrente comunista. E os comunistas foram derrotados, sempre que algumas de suas propostas ou atitudes feria os pontos de vista da maioria democrática. A representação de São Paulo - que tive a honra de integrar - distinguiu-se na sua posição contrária ao P.C.B., enquanto muitos atuais signatários do manifesto cortejaram a bancada vermelha. É uma lástima que o regime de delação seja reinstaurado no país exatamente por aqueles que deveriam defender a liberdade de pensamento e de ação política”

Data: 17/09/49;5 (SEM TÍTULO) (c/ fotografia)

O segredo da atualidade de Balzac está no fato de ter sido ele, apesar de sua formação absolutamente fiel ao seu tempo. Foi o escritor que mais fundamente, compreendeu a conjuntura social de sua época, e a sua obra monumental mostra e analisa de modo impiedoso as contradições da sociedade francesa, explicando-as principalmente pelos interesses materiais em jogo. Nisso é que deve ser procurada a chave da perenidade de sua obra. São esses interesses materiais as forças que realmente movimentam a História, e delas é que se originam, direta ou indiretamente, os dramas que servem de tema aos escritores. E grande escritor será aquele que, como Shakespeare, Goethe, Cervantes e outros, saibam ver e dissecar a realidade, descendo ao fundo de sua origem, para mostrá-la em todo o seu esplendor ou em toda a sua miséria, sem as interpretações de superfície que a deturpam e falseiam. E a Comédia Humana, de Balzac, outra coisa não é senão a compreensão conseqüente de uma sociedade cheia de erros e de contradições incapaz de solucionar os grandes problemas surgidos no curso da história do homem e por ela mesma tremendamente agravados. Trabalhando sem parar, de 14 a 16 horas por dia, a fim de saldar os compromissos, as dívidas, Balzac construiu uma obra que perdura e há de perdurar, pelos autênticos valores sociais e humanos que contêm. E se dos seus contemporâneos recebeu acerbas e impiedosas críticas – tão impiedosas e acerbas como as suas próprias à sociedade em que vivia – tem recebido da posteridade e compreensão e a consagração de que se fez credor. Daí a oportunidade da publicação no Brasil, da Comédia Humana, que a Livraria do Globo, sob a direção e orientação de Paulo Rónai, vem fazendo na sua “Biblioteca dos Séculos”. Compreendendo o plano geral da obra 17 volumes, surge agora, após a edição dos 3 primeiros, o 4º volume, no qual estão O Pai Goriot, romance que é um dos pontos altos da obra de Balzac, as novelas o Coronel Chabert, A interdição, O contrato de casamento e outro estudo de mulher e o conto A missa do ateu, traduzido por Gomes da Silveira, Vidal de Oliveira e Berenice Xavier, e, além das notas explicativas e dos seis prefácios de Paulo Rónai, dos estudos sobre Balzac, um de Anatole France e outro de Fernand Baldeuspager, professor da Sorbone e um grande especialista em literatura comparada. Sobre O Pai Goriot, a última palavra ainda cabe a Balzac, que o considera uma obra prima. Em célebre carta à Condessa de Hanska, escreveu Balzac: “O Pai Goriot é uma obra bela, porém monstruosamente triste. Era preciso, para ser completo, mostrar um esgoto moral de Paris e este dá impressão de uma chaga nojenta”. E tão bela, triste e grande é essa obra, que ainda hoje serve de estudo obrigatório para os alunos de certos países, como na URSS. Acusada de imoral pelos críticos da época dado o caráter do amor de Goriot pelas filhas, e a certos detalhes das relações familiares, ela está hoje situada como um dos grandes momentos de Comédia Humana, não apenas pela técnica com que foi construída, mas, sobretudo, pelo seu alto conteúdo dramático.

Data: 26/11/49;5 VARIAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DA PRAIEIRA

Se é fato que não pode haver uma ciência social “imparcial”, numa sociedade fundada sob a luta de classes, verdadeiro, do mesmo modo, é o fato de que a História, refletindo essa luta através dos tempos, é sempre a defesa dessa ou daquela[,] é sempre a História da classe em que o historiador estiver colocado. No Brasil, até bem pouco tempo, somente existia uma espécie de História, oficial ou oficiosa, que, defendendo ou enaltecendo os feitos dos diversos governos, procurava ocultar ou diminuir a significação e importância daqueles caracterizadamente populares, de que é exemplo a revolução praieira, tão pouco estudada pela maior parte dos nossos historiadores. Acontecimento de grande significação histórica, nas lutas do nosso povo pela sua libertação, a “praieira’ não tem merecido, na maioria das vezes, mais do que umas poucas palavras de registro, quando na sua importância justificaria a existência de uma imensa bibliografia sobre o seu conteúdo e os seus personagens centrais. Mas, como foi dito acima, começa a aparecer a outra História. E a ele pertence esse oportuno livro de Fernando Segismundo, História popular da Revolução Praieira, que obteve o Prêmio único do Concurso da “Editorial Vitória” e foi ela editado, com capa e ilustrações de Renato Silva. Escritor e jornalista de alta categoria, soube Fernando Segismundo estudar e analisar a “praieira”, - as suas origens, seu desenvolvimento,a sua significação e as suas conseqüências, - condensando tudo isso num precioso livro que é realmente história escrita para o povo, pois nele o povo encontrará a verdadeira história de uma das suas mais gloriosas lutas contra a escravidão. A “praieira” não foi, como se pretendeu fazer crer, uma luta de partidos políticos, mas, uma luta de classes, antes um movimento social do que um movimento político, como afirmou Nabuco. E isso, fundamentalmente, é o que nos mostra Fernando Segismundo, com a sua maneira sóbria, porém, agradável e acessível de escrever para ser entendido. Autor que nos deu, anteriormente, o ensaio, Castro Alves explicado ao povo, e recentemente premiado pelo III Congresso Nacional de Jornalistas, com a tese “Cypriano Barata, jornalista político”, Fernando Segismundo, pela exatidão de seu estilo e método, aliados a um justo conceito nas afirmações e análises apresenta-se com o seu último trabalho, um escritor de primeira linha na moderna literatura brasileira.

Data: 10/12/49;5 VARIAÇÕES SOBRE UM LIVRO

É com máximo interesse que realizamos a leitura dos nove contos do livro de Breno Accioly, (Cogumelos, Editora A Noite, Rio, 1949, com capa de Luis jardim, ilustrações de Osvaldo Goeldi e prefácio de Gilberto Freire). Com ele, o autor confirma o êxito João urso, já esgotado, livro que obteve os prêmios “Graça Aranha” e “Afonso Arinos” da Academia Brasileira de Letras. Original em certos aspectos, criador e narrador de qualidades apreciáveis, revela-se o jovem contista alagoano, apesar disso, ou talvez por isso mesmo, um tanto fácil ou inexperiente em alguns ângulos, sem conseguir dominar inteiramente o material com que trabalha, incapaz de dar sentido e unidade á sua obra, unidade e sentido que para ele e para o leitor devem ser da maior importância. Perdidos em um mundo de insegurança e angústia, seduzidos pelo estranho e pelo sinistro, é no desespero que os personagens de Breno Accioly encontram, quase sempre, a solução de seus problemas. O marido de Hilda, do conto A valsa, é um bom exemplo: vagando sem perspectivas e sem horizontes, perdidos num emaranhado de conjecturas desesperadas, ouve o povo falar e protestar, pressente algo no protesto do povo, mas está longe de sentir realmente o que ele quer, e que forças o conduzem e para onde o conduzem. Em outro conto, um personagem recorre ao suicídio como solução para o drama que lhe armara o destino. E assim em muitos outros, em quase todo o livro, onde o desespero é uma dominante que enche de sombras todos os horizontes. É que no mundo desses personagens shakesperianos, a última palavra ainda cabe ao azar, ao destino, e é ele o supremo árbitro. Talvez isso reflita, ou melhor, isso reflete, com segurança, a visão que Breno Accioly tem do mundo e dos seus problemas. E essa visão antes de tudo, é que precisa de ser corrigida ou reconsiderada. Essas observações, feitas à margem da leitura, refletem, não apenas o interesse pelo livro, mas, sobretudo, o interesse que temos no progresso de um escritor que possui qualidades e condições de avançar sempre. Elas não seriam feitas, por exemplo, se se tratasse de Os servos da morte, do sr. . Já não há por onde fugir ao fato de ter a literatura, como qualquer outra arte, uma função. E esta não pode ser outra senão a de refletir situações e tendências da época em que é criada e das quais o artista participa dessa ou daquela forma – visando ajudar o povo na sua luta por uma vida melhor. E o artista honesto, consciente de sua função, é aquele que desenvolve a sua arte no sentido dessa ajuda, indicando ao seu público a justa solução dos problemas que formam o conteúdo da sua obra.. E é precisamente aqui nesse terreno que os dois campos se definem com absoluta precisão: de um lado, os artistas que receiam avançar, e, direta ou indiretamente, por incompreensão, omissão consciente ou clara definição de princípios, defendem a sobrevivência de uma estrutura social anacrônica; de outro lado, os artistas que compreendem o processo de desenvolvimento social e marcham com o tempo ou à frente dele, abrindo e indicando caminhos. E está claro que o desespero, o negativismo, não conduzem a nenhum progresso e são armas de luta próprias daquele primeiro campo.

Data: 28/01/50;5 VARIAÇÕES SOBRE A GUERRA E A PAZ

Há quem defenda a cruel tese de que a guerra é sempre e fatalmente fator de progresso. Concluindo daí que nenhum mal há em que os povos, vez por outra, se estranhem como animais sem inteligência e se matem uns aos outros sem constrangimento. Não é necessário dizer que uma tal teoria é fruto de encomenda, sob medida, e os seus autores nada mais fazem do que interpretar e defender os desejos dos que vivem e enriquecem à custa das guerras e das mortes. E tanto é assim, que, se há pouco saímos de uma carnificina, na qual muitas mulheres de entes humanos perderam a vida, já hoje homens decididamente empenhados no deflagrar de uma nova hecatombe, e tudo fazem para convencer os povos de que ela é inevitável e necessária. Desencadeiam a mais tremenda campanha ideológica a favor da guerra, alugam escritores e jornais, fabricam livros em massa, arquitetam intrigas e forjam desentendimentos, condenam a palavra paz e prendem os que a defendem, tudo isso para que os povos se deixem arrastar na desumana, impiedosa aventura guerreira. Mais ainda bem que os povos do mundo inteiro se pronunciam a favor da paz, a mais bela e mais doce palavra de todas as línguas. E é em nome da paz e do amor entre nossos povos que reverenciamos a memória dos que morreram na última guerra. Aos escritores em particular cabe honrar e respeitar a memória dos escritores e intelectuais que desapareceram na luta ou em conseqüência da luta contra o ódio e a opressão. E Otakar Fisher, crítico e tradutor theco, que ao receber a notícia da ocupação da Áustria pelos nazistas caiu fulminando por um colapso cardíaco. E o refém de Lidice, Viadisiav Vantchura, romancista tcheco, autor de O padeiro marhoul, fuzilado desumanamente pelos nazistas em 1942, naquela qualidade de refém. E o historiador romeno Nicolas Torga, assassinado pela “Guarda-de-ferro”, de odiosa memória. São ainda os que morreram, É Nordhal Grieg, um dos mais famosos romancistas contemporâneos da Noruega, bravo aviador da RAF que não voltou de uma incursão aérea sobre Berlim, em 1943. ... É Saint-Exupery, águia que desapareceu dos céus da França no verão de 1944. É Sidney Keys e é Alun Lewis, jovens poetas ingleses que a morte encontrou nas campanhas do mediterrâneo. É o soviético Afenogenov, dramaturgo que o mundo inteiro admirava, morto durante um dos bombardeios de Moscou pelos nazistas. É Hendrick Marsman, líder do movimento renovador de poesia na Holanda, tentando fugir de seu país para a Inglaterra e torpedeado junto com muitos outros perecendo afogado. É Kay Munk, heróico dramaturgo dinamarquês, coração e sangue da Resistência em seu país fuzilado pelos nazistas numa fria manhã de 1944. É o “maquis” Jean Prevost, desaparecido nas guerrilhas. Sabe como, nos campos de concentração, como o crítico polonês Zelenski, no campo de Dachau em 1942; o poeta francês Maz Jacob, em Drancy 1944; o velgo historiador norueguês Huizinda e o escritor tcheco Joseph Tchopek, em Belsen, 1945; o grande Jules Zuchik, autor de O testamento, sob a força, admirável exemplo de coragem e decisão revolucionárias, herói tchecolsvaco e símbolo de um novo mundo, que os nazistas enforcaram pelo crime de muito amor à vida e os homens e por eles lutar. É ainda o suicida Walter Benjamim, evadido de sua pátria, a Alemanha, escorraçado pelos celerados soldados fascistas de franco, refugiando-se na França e aí preferindo suicidar-se a ser martirizado. São tantos outros cujos nomes não foram guardados, são milhares de anônimos que merecem o mesmo respeito e a mesma admiração. E é em nome deles, no nosso próprio e nos do que virão, que devemos lutar pela paz, harmonia e amor entre os povos, na busca de um mundo sem guerra e sem ódio.