Atualidade científica: COLETÂNEA DA COMUNICAÇÃO V

TCC NOTA 10

Organizadores Daniel Machado Gomes Maria Paulina Gomes

2020 Atualidade científica: coletânea da comunicação V

DANIEL MACHADO GOMES MARIA PAULINA GOMES (ORGANIZADORES)

Rio de Janeiro

2020 DIREÇÃO DA FACHA E OS SETORES DE APOIO ACADÊMICO

Direção Geral Márcia Regina Alonso Pfisterer

Vice-direção Andréia Alonso

Direção Acadêmica Eduardo Espíndola Halpern

Coordenador de Jornalismo Prof. Leandro Lacerda

Coordenadora de Publicidade e Propaganda Profª. Renata Nogueira

Coordenador de Relações Públicas Prof. Rafael Melo

Coordenador de Radialismo e Cinema Prof. José Augusto Neto

Coordenadora de Direito Profª. Carolina de Aquino Medici

Coordenador de Gestão Desportiva e de Lazer Prof. Leandro Lacerda

Coordenadora dos Cursos de Administração e Marketing Profª. Flávia Schwartz Maranho

Coordenação de Pós-graduação Prof. Márcio Christ

Coordenação do Núcleo de Iniciação Científica Profª. Maria Paulina Gomes Prof. Daniel Machado Gomes

Coordenação do Trabalho de Conclusão de Curso Profª. Maria Paulina Gomes FACHA EDITORA Rua Muniz Barreto, 51- Botafogo Rio de Janeiro - RJ CEP 22251-090

CONSELHO EDITORIAL

Presidência: Daniel Machado Gomes e Maria Paulina Gomes

Conselheiros: Dr. Aristides Alonso (FACHA, Rio de Janeiro; UERJ, Rio de Janeiro) Dra. Camila Augusta Alves Pereira Dr Eduardo Neiva (UAB, Birmingham) Dr. Gabriel Chavarry Neiva (FACHA, Rio de Janeiro) Dr. Ivan Lima Gomes (UFG Goiás) Dr. Klever Paulo Leal Filpo (UCP, Petrópolis) Dr. Luiz Carlos Agner (FACHA, Rio de Janeiro) Dr. Marco Aurélio Gumiere alério (USP, São Paulo) Dr. Marcelo Augusto Pinto Teixeira Dra. Maria Helena Carmo dos Santos Dra. Mônica Rector (UNC, Carolina do Norte) Dr. Nivaldo dos Santos (UFG, Goiás) Dr. Paulo Velten (UFES, Vitória) Dr. Ricardo Benevides (UERJ, Rio de |Janeiro, FACHA, Rio de Janeiro) Dr. Juiz Federal Silvio César Arouck Gemaque (TRF3, USCS, São Caetano do Sul) Dra. Verônica Lagassi (IBMEC, Rio de Janeiro)

Atualidade científica: coletânea da comunicação I GOMES, Daniel Machado (Org.) GOMES, Maria Paulina (Org.)

Janeiro de 2020 ISBN: 978-65-86370-07-2 Revisão: Maria Paulina Gomes Editoração: André Cunha Produção: Letícia Ramos Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização da Facha Editora.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE Ficha elaborada pela Biblioteca Central Miguel Alonso/FACHA

A886 Atualidade científica: coletânea da comunicação V / Daniel Machado Gomes, Maria Paulina Gomes (organizadores). - Rio de Janeiro: Facha Ed., c2020. Livro Digital

ISBN: 978-65-86370-07-2 1. Comunicação - Coletânea. I. Gomes, Daniel Machado. II. Gomes, Maria Paulina. III. Título CDD: 302.2 SUMÁRIO

Apresentação ...... 05

O Jornalismo Econômico Tradicional e os Novos Paradigmas no Youtube: Um Estudo de Caso Do Canal Me Poupe! Clara de Carvalho Cagido e Luciano Zarur...... 07

Grande Reportagem: O Paradigma Do Discurso Jornalístico Érica Viana dos Santos e Michele Cruz Vieira...... 43

K-POP NO BRASIL: Estudo de Caso Sobre a Influência e o Impacto Da Música Sul - Coreana no Jornalismo Cultural do País Leticia de Andrade Ramos Paz e Ana Cristina Rosado...... 72

Comunicação Não-Violenta na Educação: Uma Ferramenta para a Construção de Uma Educação Mais Consciente Giovanna Soares, Isabelle Idalécio e Rafael Melo Pereira...... 128

O Desenvolvimento Pessoal do Colaborador e o Capital Humano: Um Recorte dos Projetos de Treinamento e Desenvolvimento VÍDEO DOCUMENTÁRIO Camilly Andrade dos Santos e Maria Helena Carmo ...... 162

A Inserção de uma Linha Sustentável na Marca Via Mia Projeto Experimental PLANO DE MARKETING Bruna Campos Gonçalves, Lucas Souza da Conceição, Mariana Iale Cruz Ferreira, Vitor Martins Teixeira e Camila Augusta ...... 174

Publicidade e Cristianismo: Quais Lições Publicitárias são Possíveis Extrair da História da Expansão do Cristianismo? Charles Echols Spragins Neto e Aristides Alonso ...... 220

A Influência das Mídias Sociaisna Padronização da Beleza Janaina Rocha Günter e Leila Mendes...... 245 APRESENTAÇÃO

A multiplicidade de discursos que deslegitimam a ciência é uma característica marcante do cenário da pandemia. Toda sorte de vozes produzidas por deformadores de opiniões, muitas vezes produtores de fake news e de senso comum, rebatem os conhecimentos científicos elementares, trazendo um caos cognitivo para a sociedade. Travamos hoje uma luta contra a desinformação. Na linha de frente contra os preconceitos ideológicos que se proliferam politicamente estão os profissionais de comunicação, jornalistas e publicitários, que trabalham ativamente hoje em dia na produção de conteúdos informativos com base no conhecimento respaldado não pela fé, mas por aquilo que os diversos campos científicos vieram ao longo da História construindo como visões legítimas. A Ciência mostrou o quanto precisamos continuar nos aprimorando, divulgando trabalhos e pesquisas e, nesse sentido, as pesquisas acadêmicas, especialmente no campo da Comunicação, são primordiais em nossa sociedade, apresentando trabalhos, contestando-os, oferecendo outras visões. Nesse sentido, esta V coletânea dos melhores trabalhos dos alunos de Publicidade e Jornalismo da Facha, em 2020, organizada pelos professores Daniel Machado Gomes e Maria Paulina Gomes, é um exemplo de que a produção científica no campo da comunicação é essencial para a construção de uma visão mais plural da sociedade. A diversidade de temas que compõem os artigos desta edição afirmam a forma ampla e complexa das reflexões acerca da Comunicação nos dias atuais. Distante de uma visão estática e simplificadora, a Comunicação hoje se manifesta em um âmbito cada vez mais interdisciplinar e se conecta de forma estreita com os conceitos de interatividade, convergência e diversidade. Clara de Carvalho Cagido, por exemplo, orientada pelo professor Luciano Zarur, traz um artigo sobre o jornalismo econômico e o seu impacto na plataforma Youtube, mostrando o processo de convergência de linguagens e as possibilidades de práticas independentes do exercício do jornalismo. Já Érica Viana, orientada por Michele Cruz Vieira, analisa como o romance-reportagem influenciou o jornalismo investigativo no Brasil e como ele se transformou no formato do Storytelling na era digital. A ideia da pesquisa é refletir sobre as mudanças nos formatos das reportagens ao longo dos anos e como, mesmo assim, as técnicas do jornalismo investigativo persistem. O jornalismo cultural, com enfoque no entretenimento, também mostra a sua importância no trabalho de Leticia de Andrade Ramos Paz, orientado pela professora Ana Cristina Rosado, que tem como objetivo discutir em que medida o K-pop impactou a realização de pautas no jornalismo cultural brasileiro sobre o tema, como foi sua abordagem e repercussão, bem como a influência da música sul-coreana nos cidadãos brasileiros. A comunicação cidadã também se faz presente nas preocupações dos estudantes. Na pesquisa das alunas Giovanna Soares e Isabelle Idalécio, orientadas pelo professor Rafael Melo Pereira, a problemática gira em torno da educação, da comunicação não-violenta (CNV) como ferramenta relacional que pretende resgatar a humanidade nas relações entre as pessoas dentro de uma instituição de ensino, se tornando importante elemento na tomada de consciência para a mudança.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 5 Na linha de trabalhos práticos, Camilly Andrade dos Santos, orientada por Maria Helena Carmo, desenvolveu um vídeo documentário que teve por objetivo conhecer a realidade dos projetos de treinamento e desenvolvimento, T&D, das empresas para entender como os níveis de gestão, ou seja, como os gestores percebem os receptores dos treinamentos. A ideia foi discutir que a implementação de T&D nas organizações está associada ao aumento da produtividade e do crescimento pessoal, contribuindo para o desenvolvimento da empresa e, consequentemente, para os resultados. Já o grupo composto pelos alunos Bruna Campos Gonçalves, Lucas Souza da Conceição, Mariana Iale Cruz Ferreira e Vitor Martins Teixeira, orientado pela professora Camila Augusta, realizou um plano de marketing para a inserção de uma linha de produtos sustentáveis na marca de calçados e acessórios Via Mia, com o objetivo de atender às novas demandas do mercado, sustentado por um consumidor cada vez mais preocupado com o meio ambiente. Os dois artigos que fecham este livro corroboram a interdisciplinaridade da Comunicação. Charles Echols Spragins Neto, orientado por Aristides Alonso, analisa a história do cristianismo sob a perspectiva de conceitos da publicidade e marketing, realizando uma contextualização histórica do período. Janaina Rocha Günter, orientada por Leila Mendes, analisa os padrões de beleza impostos pela sociedade e publicidade nas mídias sociais, mais especificamente na plataforma digital Instagram, exaltando a importância da utilização desta mídia para as empresas. Sob o olhar dos jovens graduandos, que acabaram de defender seus trabalhos de conclusão de curso, a Comunicação é revelada por múltiplos ângulos, o que traz a urgência da continuidade da pesquisa para a construção de múltiplas visões de mundo para a garantia da continuidade da construção e da validade da ciência. Na pandemia do Novo Coronavírus, ser produtivo pode ter sido a saída para que pesquisadores e professores pudessem manter a saúde mental e continuar apostando na divulgação de suas atividades de pesquisa. Boa Leitura!

Michele Cruz Vieira Professora da FACHA

6 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 O JORNALISMO ECONÔMICO TRADICIONAL E OS NOVOS PARADIGMAS NO YOUTUBE: UM ESTUDO DE CASO DO CANAL ME POUPE!

Clara de Carvalho Cagido Prof. Orientador: Luciano Zarur

RESUMO

O objetivo deste trabalho é avaliar o jornalismo econômico brasileiro em veículos de comunicação em massa e, também, na internet. Com o surgimento de um novo paradigma de atividade jornalística na plataforma de vídeos online YouTube, considera-se que os jornalistas têm a possibilidade de exercer sua função de maneira independente, sem a influência da linha editorial de uma grande empresa de comunicação. Nessa ferramenta audiovisual, apresenta- se um discurso diferente do que é historicamente utilizado pela imprensa no Brasil, a qual utiliza uma linguagem complexa, pautada na ideologia neoliberal. As teorias da convergência de mídia e da Cauda Longa fundamentam a análise das etapas do jornalismo na web. Desse modo, verifica-se nesta pesquisa o exemplo do canal Me Poupe!, da jornalista e especialista em finanças pessoais, Nathalia Arcuri, disponibilizado no YouTube. Tendo em vista que o empreendimento da profissional inaugurou o conceito de ‘entretenimento financeiro’ e, de certa forma, aproximou mais de 3,5 milhões de pessoas da educação financeira.

Palavras-chave: Jornalismo. Economia. Finanças. Internet. YouTube.

1 INTRODUÇÃO

Esta monografia tem o objetivo de analisar as influências que pautam o jornalismo econômico brasileiro, desde o seu início, até a atualidade, com o advento da internet. Esta propiciou o surgimento de novas tendências para a atividade jornalística; como é o caso do canal Me Poupe!, da jornalista e especialista em finanças pessoais Nathalia Arcuri, disponibilizado na plataforma de vídeos online YouTube. A profissional saiu de uma grande emissora de televisão a fim de ter seu próprio programa sobre economia e educação financeira naweb .

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 7 A editoria de economia presente nos meios tradicionais de comunicação em massa, como o jornal e a televisão, utiliza, muitas vezes, uma linguagem complexa, que distancia o cidadão não- especialista das informações relacionadas à temática. O discurso empregado é, majoritariamente, entendido somente por atores do mercado financeiro, pois está de acordo com a linha editorial das grandes empresas midiáticas do País. Assim, os jornalistas dessas corporações tendem a produzir um noticiário econômico que não informa a maioria da população. Este trabalho visa, também, a entender o modo como os brasileiros lidam com o dinheiro e de que forma isso pode estar associado à desigualdade de renda no País, uma das maiores do planeta. É necessário verificar como os cidadãos consomem e o que deve ser feito em prol de um consumo consciente, considerando o impacto da distribuição de rendimentos no Brasil e a importância da educação financeira. Ademais, a convergência midiática, ideia desenvolvida por Henry Jenkins (2009), e o conceito Cauda Longa, de Chris Anderson (2006), serão estudados para que se compreenda como a interatividade na web vem transformando o jornalismo. Os espectadores passam a ter um papel participativo na produção jornalística convergente, em que as características dos meios de comunicação estão integradas em um único espaço – a internet. Além disso, a divisão do mercado em nichos faz parte desta investigação, pois define o modo de consumir informações e produtos no contexto da cibercultura. O canal Me Poupe! atende a um nicho de mais de 3,5 milhões de pessoas no YouTube. Este pode representar um novo mercado de trabalho para os jornalistas, os quais conseguem monetizar- se por meio de patrocínios e anúncios em seus vídeos na plataforma audiovisual. A jornalista Nathalia Arcuri trabalha, em regra, de maneira independente, uma vez que não segue a linha editorial de uma grande empresa de comunicação. Contudo, é preciso indagar de que forma os patrocinadores influenciam na produção do canal. Portanto, a temática em questão foi escolhida por ser atual, além de ser importante para o exercício eficiente da profissão de jornalista. O jornalismo econômico deve ser problematizado relativamente ao seu papel para com a sociedade, uma vez que preocupar-se em informar somente o mercado financeiro nao diz respeito a funço jornalistica. Ademais, os novos paradigmas dessa editoria surgiram no YouTube há cerca de quatro anos. Sendo assim, e uma tendência que ainda está sendo inserida na sociedade e, por isso, necessita ser estudada em benefício tanto dos profissionais de comunicação, quanto dos espectadores. O processo para a realização desta monografia incluiu a leitura de artigos científicos, relatórios sobre levantamento de dados, reportagens e obras de autores como Paula Puliti (2013), Sidnei Basile (2011), Suely Caldas (2009), Pierre Lévy (1999), entre outros. Esses estudos estão relacionados às questões de pesquisa e às hipóteses propostas nesta análise, que será dividida em quatro capítulos. No primeiro, o contexto histórico do jornalismo econômico será investigado para que se compreenda a predominância do discurso neoliberal. Posteriormente, o relacionamento dos brasileiros com suas finanças será avaliado, assim como a desigualdade de renda no País, tendo em vista a importância da educação financeira. No terceiro capítulo, serão

8 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 analisadas as influências da cibercultura na atividade jornalística e, também, o surgimento de um novo modelo de jornalismo no YouTube. Por fim, o estudo de caso do canal Me Poupe!, da jornalista Nathalia Arcuri, e do conceito de ‘entretenimento financeiro’.

2 A HISTÓRIA DO JORNALISMO ECONÔMICO BRASILEIRO

A imprensa brasileira começou a apresentar, inicialmente, os assuntos sobre economia de forma tímida, na virada do século XIX para o século XX. De acordo com Paula Puliti (2013), o noticiário do Brasil era moldado pela política e visava atender, principalmente, às necessidades provenientes do seu perfil agrário-exportador, o qual determinava a economia do país. Assim, poucas páginas dos jornais eram compostas pela temática econômica, uma vez que estas eram consumidas, em geral, por especialistas de algumas categorias. As poucas notícias sobre o tema em questão eram dedicadas à produção e ao comércio do café, responsável por impulsionar a economia do Brasil à época (ROCHA, 2007 apud PULITI, 2013). Para exemplificar, segundo Suely Caldas (2008), nos anos 1930, havia uma coluna no periódico carioca O Jornal, assinada pelo ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, composta por comentários sobre o mercado cafeeiro. Também durante esse período, a Folha de S. Paulo publicava algumas matérias sobre agropecuária, as quais eram redigidas pelo advogado Mário Mazzei Magalhães (PULITI, 2013). Posteriormente, já no fim da década de 1940, o jornal O Estado de S. Paulo lançou o Suplemento Comercial e Industrial, em que eram publicadas as matérias sobre economia semanalmente. Essa seção do Estadão é considerada uma das primeiras manifestações de um jornalismo econômico mais robusto e, também, no qual predominava o conteúdo estrangeiro, especialmente norte-americano (PULITI, 2013). Entretanto, foi durante a época da ditadura militar – de 1964 até o início de 1985 – que os jornais começaram a atribuir mais importância, ou seja, mais espaço à temática econômica; sobretudo por causa da censura à liberdade de expressão provocada durante o período mais rígido do regime em questão no Brasil, em 1969, após o decreto do Ato Institucional nº 5 – o qual rompeu diversas garantias constitucionais e censurou os meios de comunicação de maneira rigorosa. Tal fato comprometeu a cobertura política que vigorava nos principais jornais do país e fortaleceu a ideia de que os jornalistas necessitavam encontrar outras formas de exercer a função. Assim, no início dos anos 1970, o regime lançou um movimento de crescimento econômico, com a promessa de gerar mais empregos e estabilidade financeira. Esse período ficou conhecido como ‘milagre econômico’; neste cenário, o jornalismo começa a exercer um papel até então pouco explorado, na tentativa de traduzir, para a língua portuguesa, o denominado ‘economês’. Este caracteriza o discurso técnico explorado pelos especialistas em economia e administradores que lideravam esse processo de avanço, os quais pretendiam esclarecer de que forma esse desenvolvimento poderia impactar na vida dos cidadãos – sempre de modo a expor

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 9 o âmbito positivo. No entanto, para Basile (2011), “[...] essas autoridades esgrimem com grande desenvoltura argumentos técnicos incompreensíveis à maioria dos mortais”. Dessa forma, no fim dos anos 1960, surgiu uma coluna no jornalFolha de S. Paulo, escrita pelo sociólogo e jornalista Joelmir Beting, que usava metáforas para explicar os termos referentes à economia, pois grande parte da população não conseguia entender claramente o que acontecia no país. O regime da época visava a exaltar o desenvolvimento econômico, o que permitiu à imprensa o ‘poder’ de informar sobre o ‘milagre’ do crescimento do Brasil, visto que para tratar de assuntos ligados à política havia repressão e censura. A coluna de Beting representou o advento de um novo jornalismo econômico, produzido para as pessoas ‘comuns’ e não para os empresários, administradores ou políticos. Posteriormente, em 1970, o jornalista também se tornou apresentador do programa semanal Multiplicação do Dinheiro na TV Gazeta, um dos primeiros programas televisivos sobre economia. A ‘linguagem popular’, característica de Beting, e o sucesso de sua atração deram a ele a alcunha de ‘Chacrinha da Economia’, em referência ao apresentador e líder em audiência à época, Abelardo Barbosa, da TV Globo. Basile (2011) relata como o jornalista costumava esclarecer os termos financeiros para seus leitores e telespectadores:

[...] Falava do campo minado da expansão da inflação, do acelerador da economia quando queria se referir ao crescimento ou ao freio, quando falava, por exemplo, dos juros. Quando queria se referir a uma série de eventos encadeados que podiam surtir consequências imprevisíveis, falava na bola de neve desses eventos. E as pessoas começavam a compreender (BASILE, 2011, p. 84).

Haja vista a estreia de um jornalismo econômico ‘didático’ na televisão pela TV Gazeta, outras emissoras foram motivadas e criaram espaço para comentários sobre economia em seus telejornais diários. A Globo, por exemplo, contratou o jornalista Marco Antonio Rocha, em 1974, para apresentar um quadro, durante os noticiários, no qual explicava, detalhadamente, o impacto da inflação na vida dos cidadãos, de que forma o índice era calculado e sua influência na caderneta de poupança, no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e no Imposto de Renda (ROCHA apud CALDAS, 2008). Além disso, Caldas (2008) destaca como o quadro em questão era pautado para atender à audiência:

A falta de familiaridade com assuntos econômicos do público de classes C e D, que sintonizava a Globo, redobrava a preocupação com o didatismo. As explicações precisavam ser detalhadas o suficiente para o tema ser entendido, mas tudo em um minúsculo espaço de tempo. De repente começaram a entrar na vida da população termos e expressões como inflação, Produto Interno Bruto (PIB), renda per capita e outros tantos, até então desconhecidos do grande público. Chegavam cartas endereçadas a Marco Antonio com perguntas por vezes ingênuas, a maioria pedindo explicações sobre o significado daquelas expressões, poucas indagando sobre as melhores opções de rendimento para o dinheiro (CALDAS, 2008, p. 23).

10 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Assim, as emissoras de TV se preocupavam em explicar os aspectos econômicos com o objetivo de enfrentar a censura do regime militar, uma vez que não era possível criticar as medidas do governo durante a ditadura, nem mesmo ter acesso a fontes oficiais com facilidade. No ano em que o programa de Rocha foi lançado, houve uma tentativa da Associação dos Jornalistas de Economia e Finanças (Ajef) de otimizar a acessibilidade às informações referentes ao regime, por meio de um documento entregue ao general Ernesto Geisel, então empossado na Presidência da República. Entretanto, “[...] o general pediu nada menos de dois anos de prazo para produzir respostas satisfatórias”, de acordo com Caldas (2008), e a vigilância rígida, principalmente na TV, foi mantida, até mesmo depois de alguns anos. Na imprensa escrita, a Gazeta Mercantil, de acordo com Puliti (2012), foi “a grande escola do jornalismo econômico no Brasil”. O jornal foi criado em 1920 e divulgava informações relacionadas aos negócios e às finanças, por meio de boletins diários. Entretanto, antes da ditadura militar, o periódico era considerado ‘ilegível’ para qualquer pessoa que não fosse especialista na área financeira. Segundo Caldas (2008), a Gazeta “[...] limitava-se a veicular publicidade legal, editais, títulos protestados, pedidos de falências e concordatas”, ou seja, seu público-alvo era bastante específico. Por outro lado, durante o regime ditatorial, em meados de 1975, o jornal em questão foi totalmente reformulado e dividido em editorias, como nacional, indústria, agricultura e negócios. Cerca de quatro anos depois, a Gazeta realizou um feito histórico ao superar a censura da Polícia Federal – que havia confiscado as versões originais de uma edição – e publicar, mesmo assim, a edição que denunciava o Acordo Nuclear Brasil- Alemanha – o qual promovia poder total aos alemães (BASILE, 2011). As constantes censuras, realizadas por meio de telefonemas de agentes da PF à imprensa, excluíam dos jornais e revistas todo o conteúdo que tratava de assuntos sobre a política, conforme seus próprios interesses. Explicitando essa questão, Caldas (2008) esclarece:

Os agentes ligavam para as redações de jornais, revistas, rádios e tevês entre 18h e 19h. A secretária do editor-chefe atendia e escrevia exatamente o que lhe era ditado pelo agente. Assim, as páginas de política emagreciam na mesma proporção que as de economia engordavam, indiretamente incentivadas pelos generais, ávidos em divulgar feitos do ‘milagre econômico’ e da queda da inflação (CALDAS, 2008, p. 13).

Apesar da ‘facilidade’ em noticiar fatos relacionados à economia, o jornalismo econômico não estava totalmente imune à censura do regime militar. O jornalista e diretor de redação do periódico carioca Jornal do Commercio em 1972, Aloísio Biondi, produziu um caderno especial de uma dúzia de páginas, que criticava a política econômica do ministro da Fazenda à época, Delfim Netto. Biondi, além de utilizar dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acrescentou análises de especialistas opositores ao regime. Entretanto, a edição jamais foi lançada, devido à censura:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 11 [...] Não foi distribuído e transformou-se no maior encalhe, produzido pela censura, da história do jornalismo brasileiro. Pressionado pelos generais, o presidente dos Diários Associados (que editava o Jornal do Commercio), senador João Calmon, acabou acatando ‘ordens superiores’ e impediu a distribuição de um milhão de exemplares, que deveriam circular encartados em jornais dos Diários Associados em todo o Brasil (CALDAS, 2008, p. 15).

Uma vez que a censura, comparada a outras editorias, não era tão rígida no exercício do jornalismo econômico, os veículos de economia conseguiam promover um faturamento positivo para as empresas de comunicação. Ademais, “[...] era uma tentação praticar jornalismo em um segmento para o qual os militares faziam vista grossa e, de certa forma, até estimulavam” (CALDAS, 2008). Neste cenário, surgiu a revista Exame. Inicialmente, não era publicada da mesma forma como é hoje, pois sua primeira veiculação era parte de uma série de revistas técnicas criada pela Editora Abril, a qual investiu muito na editoria econômica, de acordo com Caldas (2008). Somente em 1971 ocorreu a sua emancipação do conjunto e, assim, passou a ser publicada mensalmente, pautada por temas relacionados à economia e aos negócios. Basile (2011) explicita de que modo a revista progrediu:

[...] Como a Editora Abril já possuía uma grande experiência na produção de revistas segmentadas para o consumo do grande público, a Exame se beneficia muito dessa experiência. Isso ocorre, no que diz respeito à cultura de estabelecer uma base de assinantes, procurar tomar espaço nas bancas de revistas, seduzir anunciantes que precisam falar para todo o mercado brasileiro e criar uma disciplina interna de cobertura nacional (BASILE, 2011, p. 84).

Em 1985, simbolizando o fim da ditadura militar, o então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, foi eleito, indiretamente, presidente da República. Apesar disso, ele faleceu antes de tomar posse e, portanto, seu vice, José Sarney, assumiu o cargo. Após o retorno da democracia, a imprensa se especializou ainda mais no âmbito econômico, principalmente devido à ‘quebra’ da economia brasileira em 1981, que moldou as propostas de governo no período democrático por cerca de dez anos. De acordo com Basile (2011):

Isso [a especialização da imprensa] era necessário para que o público entendesse a complexidade das questões envolvidas nas tentativas de proceder à estabilidade financeira da moeda; entender como e por que o Brasil tinha quebrado, nos idos de 1981; quais as novas condições da retomada do crescimento e, sobretudo, por que éramos uma Nação tão injustamente dividida entre ricos e pobres. (BASILE, 2011, p. 89).

O regime militar deixou como ‘herança’ ao governo de Sarney os altos índices de inflação, de mais de 230% ao ano em 1985. Por isso, durante o primeiro ano democrático após a ditatura, a editoria de economia da imprensa nacional só falava sobre a crise inflacionária do País, além de especular como seria o cenário futuramente; conforme relata Carlos Sardenberg (1987):

12 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Não passava um dia sequer sem que os jornais trouxessem comentários sobre os índices já conhecidos e especulações sobre os meses seguintes. Esta é, aliás, a mais clara manifestação da cultura inflacionária. Nada mais importa, nenhum indicador econômico – investimentos, aumentos salariais, emprego, balança comercial – é relevante diante do índice de preços. Por ele se mede o sucesso ou o fracasso do governo: subiu, o governo está perdendo; caiu alguns pontos, está ganhando. A cultura é nacional, penetra e orienta as decisões de governo (SARDENBERG, 1987, p. 195 apud BRITO, 2013, p. 173).

Posteriormente, em 1986, o novo pacote econômico denominado Plano Cruzado foi lançado e, desde então, os jornais estamparam as medidas que seriam implementadas. O presidente Sarney, como afirma a autora Hérica Brito (2013), “[...] adotou um posicionamento aberto, o de conclamar a nação à implementação do plano, que teve, inclusive, uma dimensão simbólica, pois ele anunciou por meio da TV as mudanças na economia” (BRITO, 2013, p. 186). Assim, diferentemente do período ditatorial, os veículos de comunicação começaram a lidar com a postura, de certa maneira, transparente de um presidente da República em relação à economia do País. A imprensa realizou a cobertura do Plano Cruzado de modo a apresentar discursos de especialistas em economia, os quais haviam participado da elaboração do pacote, ou até mesmo outros economistas não pertencentes ao governo, que analisavam as medidas em reportagens nos grandes veículos midiáticos, como os jornais Folha de S. Paulo e O Globo. Nesse período, as matérias jornalísticas ainda apresentavam o didatismo como forma de explicar aos espectadores sobre as determinações do pacote econômico recém-lançado, ou seja, os jornalistas continuavam se preocupando em transmitir as informações sobre economia de forma acessível a todos. Depois, com a divulgação de um novo ajuste fiscal alguns meses após a implementação do Plano Cruzado, a imprensa permaneceu sendo didática, haja vista que os periódicos publicavam, diariamente, gráficos e tabelas para ilustrar o crescimento da inflação. Ademais, após o fracasso das medidas que visavam a diminuir os índices inflacionários, o noticiário de economia teve a possibilidade de não somente demonstrar mas, também, de criticar os planos econômicos do governo Sarney, por meio de artigos de especialistas e editoriais, ao contrário do que podia ser feito durante o período de censura do regime militar. Nesse cenário de crise, ao fim de 1989, a população finalmente pôde eleger, por meio do voto direto, um novo presidente da República: Fernando Collor de Mello. Este precisou lançar, da mesma forma, outro pacote de medidas econômicas para combater a inflação quando tomou posse em 1990. O jornalismo econômico manteve sua postura de explicar, ilustrar e, também, criticar o significado dos planos para a economia nacional; principalmente quando Collor confiscou o dinheiro da poupança nos bancos. Tal medida resultou em matérias da editoria em questão estampando a primeira página dos jornais. Além disso, os jornalistas buscavam cada vez mais esclarecimentos técnicos sobre as determinações do governo, que iam além de economistas, conforme descreve a jornalista Sílvia Araújo (ARAÚJO, 2006 apud BRITO, 2013):

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 13 Enquanto economistas tentavam mensurar o impacto das medidas no país, os advogados, principalmente de empresas e de grandes investidores, se debruçavam sobre a Constituição e todo o arcabouço jurídico, a fim de ‘libertar’ os recursos confiscados. Já o cidadão, mesmo sem saber o significado de jurisprudência, esperava que os meios de comunicação divulgassem os resultados das ações ajuizadas contra a medida para, a partir daí, procurar auxílio no desbloqueio de seus recursos (ARAÚJO, 2006, p. 30 apud BRITO, 2013, p. 285).

A crise do Plano Collor também continuou estimulando o jornalismo econômico a produzir conteúdo específico para administração pessoal do dinheiro, de acordo com Basile (2011):

[...] Investiu-se muito na cobertura econômica e de negócios e, sobretudo, na explicação dos vetores que afetam as finanças pessoais do cidadão. [...] Os jornais diários passaram a abrir sessões de finanças pessoais para seus leitores e novos canais de comunicação começaram a se estabelecer com esse público ávido (BASILE, 2011, p. 90).

Em 1992, o processo de impeachment do presidente Collor – principalmente devido ao estado caótico da economia do país – e, posteriormente, sua renúncia ao cargo no fim daquele ano resultaram em uma mudança que atingiu o jornalismo econômico. Cerca de dois anos após Itamar Franco, vice de Collor, assumir a Presidência da República, ele nomeou o sociólogo Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda. Este fato contribuiu para que o Plano Real, novo pacote de medidas econômicas, entrasse em vigor em 1994, e transformasse a forma como a editoria de economia tratava as informações; pois “[...] o noticiário passou a enfatizar aspectos mais ideológicos do neoliberalismo” (PULITI, 2013, p. 90).

2.1 O discurso neoliberal

A doutrina denominada de neoliberalismo “[...] é um corpo de regras que defende o livre mercado acima de quaisquer outros interesses”, segundo Puliti (2013). Tal ideologia ganhou força no Brasil após o ‘Consenso de Washington’, um tipo de prescrição, elaborada em 1989, depois de uma palestra convocada pelo IIE (Institute for International Economics) que reuniu representantes e funcionários do governo norte-americano, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O título do evento era: ‘Latin American Adjustment: How much has happened?’ – não há uma tradução oficial para a Língua Portuguesa, mas, literalmente, seria ‘Ajuste latino-americano: quanto aconteceu?’. Durante esta reunião, de acordo com Puliti (2013):

14 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Depois de ouvir os relatos de economistas latino-americanos sobre a experiência de seus países, muitos dos quais sob moratória, os representantes dos Estados Unidos e dos organismos multilaterais compilaram uma série de princípios de inspiração neoliberal, amplamente divulgados, que veio a se chamar ‘Consenso de Washington’, um receituário de abertura econômica à concorrência externa privada e de diminuição do tamanho do Estado que ratificou o neoliberalismo na região [...] (PULITI, 2013, p. 49).

Dessa forma, as recomendações desse ‘consenso’ chegaram às elites políticas, empresariais, e, até mesmo, intelectuais da América Latina. No Brasil, por exemplo, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) “[...] se transformou em um dos centros intelectuais do neoliberalismo globalizado, dentro de um movimento preparatório para a inserção do Consenso de Washington” (LOUREIRO, 1997 apud PULITI, 2013). O País, no início dos anos 1990, enfrentava os altos índices inflacionários, o que impulsionou a elaboração do Plano Real, o qual seguiu as prescrições provenientes do ‘consenso’, como a abertura econômica e a privatização de empresas. A ideologia neoliberal, portanto, consolidava-se, naquele momento, como uma solução para a crise econômica; e o jornalismo de economia teve forte influência na legitimação do discurso da doutrina em questão, principalmente por “[...] ser feito por militantes da modernização e corresponder a uma visão de mundo dos poderes econômicos privados” (LEBARON, 2000 apud PULITI, 2013).

2.2 O Plano Real e a ‘financeirização’ do noticiário

O jornalismo econômico começou a ser pautado pelo discurso neoliberal, citado no tópico anterior, a partir das estratégias de comunicação do governo de Itamar Franco para a divulgação do Plano Real; uma vez que as medidas econômicas do ‘Consenso de Washington’ estavam sendo reproduzidas pela imprensa por meio de fontes provenientes do mercado financeiro e, inclusive, do próprio governo. Assim, tais medidas eram publicadas como a melhor e única forma de superar a crise inflacionária no Brasil. A ideologia do neoliberalismo foi, de certa forma, apoiada pela editoria de economia dos jornais, na medida em que somente os especialistas no assunto, os quais faziam parte do grupo em defesa dessa doutrina, obtinham espaço para defender seus ideais nos veículos de comunicação. Por isso, Puliti (2013) enfatiza:

[...] a retórica neoliberal conquistou os jornais em parte por influência da imprensa estrangeira, mas em escala muito maior por conta do discurso estrategicamente preparado e veiculado por banqueiros, executivos de empresas, economistas e acadêmicos alinhados com a forma neoliberal de ver o mundo, que para eles é a única capaz de promover o crescimento econômico sustentável e distribuição da renda, colocando fim às desigualdades sociais de forma científica e apolítica (PULITI, 2013, p. 32).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 15 Nesse contexto, a imprensa divulgou o Plano Real, liderado pelo ministro da Fazenda à época, Fernando Henrique Cardoso, de maneira otimista. O posicionamento do jornalismo econômico, como viabilizador de questões ideológicas, estava nos planos da equipe que trabalhava na preparação do pacote de medidas econômicas. Havia a preocupação de ocorrerem ruídos de comunicação relativamente ao plano e, devido a isso, os integrantes da equipe de FHC convidaram a jornalista Maria Clara Prado, experiente na cobertura de economia, para elaborar a estratégia de divulgação do projeto. Assim, o Plano Real foi apresentado à imprensa de modo aperfeiçoado e pormenorizado, haja vista a quantidade de material relacionado ao plano distribuída para os jornalistas, como, de acordo com Puliti (2013), “[...] a íntegra da Medida Provisória do Real e da exposição de motivos, um resumo da MP com as principais medidas em destaque, além de uma cartilha do plano”. Nesta eram pontuados os tópicos mais importantes da adoção de uma nova unidade monetária, a Unidade Real de Valor (URV), a qual realizaria a transição para o Real. Ademais, após o lançamento do projeto, segundo Puliti (2013), eram realizadas mesas- redondas de entrevistas quinzenalmente, com um grupo seleto de jornalistas e economistas envolvidos no plano na sede do Banco Central no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília. A ideia dos economistas era transmitir todos os esclarecimentos necessários sobre as medidas. Entretanto, “[...] os encontros eram muito técnicos, com muito número e cordialidade, estrategicamente reunindo a credibilidade do discurso técnico com disponibilidade quinzenal” (PULITI, 2013, p. 92). Consequentemente, o jornalismo econômico também reproduziu a ideia de que FHC seria a melhor opção de candidato à Presidência da República, uma vez que o mandato de Itamar Franco estava chegando ao fim, em 1994. A perspectiva que a imprensa transmitia consistia em apresentar Fernando Henrique como “o candidato que vinha em defesa da entrada do Brasil no primeiro mundo, por meio da liberalização econômica [...]” (PULITI, 2013, p. 93); tal visão legitimava o otimismo com o Plano Real e suas premissas neoliberais. Dessa forma, o jornalista Bernardo Kucinski (1998) avalia o noticiário de economia quando o Real entrou em vigor como nova moeda naquele ano:

O tratamento eufórico e acrítico de pacotes econômicos do governo já faz parte da tradição do jornalismo econômico no Brasil; no Plano Real esse comportamento apenas atingiu novo patamar. Houve ainda a propaganda tanto subliminar como direta do Real durante a cobertura da Copa do Mundo. Paralelamente, deu-se uma notável e súbita marginalização dos economistas de oposição nos debates e entrevistas de avaliação do Real, especialmente na TV, denotando um esforço no sentido de manter o monolitismo do discurso do sucesso ‘indiscutível’ do Real. Como repetiu todas as noites o jornalista Boris Casoy, ‘O Real é indiscutivelmente um sucesso’ (KUCINSKI, 1998, p. 126 apud BRITO, 2013, p. 366).

16 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 A partir daí, a ‘financeirização’ do noticiário se manifestou, principalmente com a diminuição da inflação durante os dois mandatos seguidos de FHC, de 1995 a 2002. Esse conceito é o centro do estudo da jornalista Paula Puliti em seu livro O juro da notícia: Jornalismo econômico pautado pelo capital financeiro. Puliti (2013) explica que a ‘financeirização’ do jornalismo econômico seria a predominância de temas do neoliberalismo financeiro e de suas fontes no noticiário. A autora divide em três grupos as temáticas do mercado financeiro:

(a) Comportamento do mercado de ações, câmbio e juros; (b) quaisquer tipos de investimentos de pessoas físicas ou jurídicas realizados dentro do sistema financeiro; (c) medidas do Banco Central que afetam o funcionamento do mercado de capitais, como compra ou venda de moedas estrangeiras, decisões sobre taxas de juros e cobrança de impostos sobre aplicações financeiras (PULITI, 2013, p. 21).

Ademais, ela enfatiza que as notícias sobre economia vão além da questão de investimentos: “a financeirização embute a ideologia do neoliberalismo financeiro, o que se traduz em privatizações, desregulamentações, reformas e rigidez fiscal” (PULITI, 2013, p. 21). Assim, o jornalismo econômico atribui mais importância a esses assuntos, determinados por meio de fontes do mercado financeiro, como sendo essenciais em relação à agenda econômica brasileira. Essa postura resulta no afastamento do leitor que não é especialista em economia e finanças, uma vez que os cadernos de economia dos principais periódicos têm nomenclaturas muito específicas da área, como câmbio, superávit primário, balança comercial etc. Portanto, conforme Puliti (2013) afirma, as notícias sobre economia refletem a realidade de que “[...] um tema tão presente no dia a dia dos cidadãos e importante para a construção da cidadania só desperta o interesse de poucos”. E estes são os representantes do próprio mercado financeiro, grandes empresários, banqueiros, economistas e governantes, os quais pautam o noticiário econômico à medida que são, em regra, os únicos consumidores dessas informações; pois são capazes de compreendê-las. Para finalizar, foi exatamente nesse cenário que surgiu o jornal Valor Econômico em 2000, com o objetivo de atender à demanda por mais um veículo impresso totalmente associado ao desempenho dos negócios do mercado financeiro. O periódico foi lançado por meio de uma parceria entre O Globo e a Folha de S. Paulo, a fim de competir com a histórica Gazeta Mercantil, a qual parou de circular em 2009. Atualmente, o Valor, que passou ao controle exclusivo do Grupo Globo, em 2016, é referência como fonte de informação online através de um sítio eletrônico que reúne informações em tempo real.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 17 3 A RELAÇÃO DO BRASILEIRO COM O DINHEIRO

O planejamento financeiro só pôde ser inserido, de fato, na rotina dos cidadãos brasileiros após a estabilização da economia do país no início dos anos 2000. Os altos índices inflacionários dos anos anteriores e, consequentemente, a incerteza constante relacionada aos preços dos produtos básicos impossibilitavam a inclusão de uma educação financeira no dia a dia das pessoas. Durante a instabilidade, o noticiário publicava opiniões de economistas sobre o cenário econômico, os quais também davam dicas aos espectadores; porém, mesmo assim, o planejamento a curto, médio ou longo prazo era inviável. Assim, à medida que a inflação foi controlada, o processo de ‘bancarização’ se expandiu. Isto é, o número de cidadãos que utilizavam serviços de instituições bancárias aumentou, provocando efeitos na forma como os brasileiros se relacionavam e ainda se relacionam com o dinheiro. De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em 2000, havia 48,3 milhões de contas correntes ativas nos bancos. Quinze anos depois, em 2015, uma pesquisa realizada pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio-RJ) e pelo Instituto Ipsos em 72 municípios do país concluiu que 86,3 milhões de cidadãos tinham contas em instituições bancárias, o que representava, à época, 64% da população brasileira. Tal aumento foi justificado, e continua sendo atualmente, pois os bancos permitem o acesso ao crédito; isto é, um valor que o banco ‘empresta’ aos clientes, para o parcelamento de compras, por exemplo. Entretanto, ao mesmo tempo em que o acesso ao crédito se expandiu, o número de inadimplentes cresceu. Só em março de 2019, segundo uma pesquisa realizada pela Serasa Experian, 63 milhões de adultos no Brasil estavam com dívidas atrasadas ou com o ‘nome sujo’ – deve-se destacar que a alta da taxa de desemprego, de 12,4% no início deste ano, influenciou tais dados –, e dessa forma, a necessidade de uma educação financeira eficiente da população é cada vez maior. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entende-se por educação financeira:

O processo pelo qual consumidores e investidores melhoram sua compreensão sobre produtos, conceitos e riscos financeiros, e obtêm informação e instrução, desenvolvem habilidades e confiança, de modo a ficarem mais cientes sobre os riscos e oportunidades financeiras, para fazerem escolhas mais conscientes e, assim, adotarem ações para melhorar seu bem-estar (SANTOS, 2009, p. 1).

Uma pesquisa de 2018, realizada em conjunto pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pelo Banco Central, apontou que 36% dos brasileiros não fazem o controle do orçamento; embora a maioria dos entrevistados considerasse importante a adoção de hábitos como pesquisar preços antes de comprar um produto ou serviço, planejar as compras e as despesas de casa. Dentre esses 36% que não controlam os ganhos e as despesas mensais, 19,5% afirmaram fazer o controle ‘de cabeça’, enquanto 13,5% admitiram não realizar nenhum tipo de registro ou controle do que

18 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 ganham e gastam. Assim, tal pesquisa revelou que 44% acreditam controlar o orçamento, mas grande parte o faz de modo equivocado. Apesar disso, seis em cada dez brasileiros afirmaram realizar o controle do orçamento. Destes, 32,7% disseram que anotam os dados em cadernos, agendas ou em uma folha de papel, enquanto 20% relataram a utilização de planilha de computador e 10,3% o registro das informações em aplicativo para smartphone. Ademais, dos consumidores que controlam os ganhos e gastos, 62,3% admitiram sentir dificuldade por ter rendimentos variáveis ou por deixar para depois as anotações sobre a renda e as despesas mensais. Segundo o educador financeiro do SPC Brasil, José Vignoli (2019), citado na pesquisa em questão:

A única forma efetiva de controlar o orçamento é fazer isso com antecedência. No dia a dia temos muitas despesas que quase não percebemos e que podem fazer a diferença no fim do mês. Então, o segredo é manter o hábito de antecipar-se e planejar o mês seguinte, considerando a receita disponível e dando atenção às despesas semanais, a fim de verificar se elas estão dentro dos limites. Outra alternativa é separar um valor que pode ser dedicado a gastos recorrentes ao longo do mês (VIGNOLI, 2019 apud SPC BRASIL, 2019, p. 6).

O número de cidadãos que passaram por dificuldades financeiras nos últimos 12 meses que antecederam a pesquisa da CNDL, do SPC Brasil e do BC foi expressivo: sete em cada dez entrevistados afirmaram ter passado por situações nas quais o orçamento não foi suficiente para quitar contas e outros compromissos; principalmente os cidadãos das classes C, D e E, uma vez que cerca de 76% vivenciaram esses problemas. Para superá-los, a maioria modificou seus hábitos de consumo, cortou gastos com lazer e compras de vestuário e afirmou fazer mais pesquisas de preço antes de comprar. Apesar de a pesquisa ter indicado que os brasileiros consideram importante economizar, somente quatro em cada dez afirmaram que poupam quando recebem dinheiro extra. Ou seja, uma grande quantidade de cidadãos entende a importância de ter controle financeiro, porém não significa que todos coloquem em prática tais ideias. Isto é refletido na quantidade de consumidores que estão ou estiveram com o ‘nome sujo’ nos últimos 12 meses em que a pesquisa se realizou, tendo em vista que cerca de 43% dos entrevistados afirmaram que estavam ou já haviam estado negativados. Ademais, 56% dos consumidores disseram estar com dívidas no cartão de crédito. Dessa forma, conclui-se que, embora grande parcela dos brasileiros entenda a importância de economizar seus rendimentos a fim de ter uma reserva de emergência em cenário de crise, mais da metade ainda não sabe como controlar seus gastos e, portanto, encontram dificuldades em ter uma vida financeira adequada e segura. A educação financeira é essencial para que os consumidores compreendam que tipo de comportamentos devem adotar, visando a usufruir de mais qualidade de vida, principalmente.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 19 3.1 A desigualdade de renda no País

A maneira como a distribuição de renda ocorre no Brasil reforça a necessidade de uma educação financeira eficiente para a população, uma vez que, conforme noticia a matéria jornalística divulgada no sítio eletrônico do jornal Correio Braziliense, em maio de 2019:

Com a taxa de desemprego em alta, atingindo os 12,7% no primeiro trimestre do ano, aliada aos efeitos prolongados da recessão iniciada em 2014, a desigualdade de renda atingiu o nível mais elevado em sete anos, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), divulgado nesta segunda-feira [20/05] (CARDIM; MOURA, 2019).

A desigualdade é medida, na pesquisa citada, pelo índice de Gini, numa escala de zero a um. Quanto mais próximo a um, significa que maior é a concentração de renda. Em março de 2019, de acordo com a análise, o nível desse indicador no Brasil estava em 0,6257; o maior desde 2012, quando a apuração da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) começou a ser realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2017, o Brasil atingiu a nona posição no ranking que reuniu os 189 países com mais desigualdade de renda, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud-Brasil) e o relatório País estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras – 2018, da organização sem fins lucrativos Oxfam Brasil. Apesar de o país estar entre as dez maiores economias do planeta, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita ainda é baixo em comparação a outros países que apresentam disparidades pouco menores que as daqui, como Chile, Panamá e Costa Rica. Dados da Pnad/IBGE indicam que, em 2017, os 50% mais pobres da população sofreram uma redução de 3,5% de suas rendas salariais. O rendimento médio que receberam mensalmente foi de R$787,69, valor menor que um salário mínimo. Em contrapartida, os 10% de cidadãos mais ricos usufruíram de um crescimento de quase 6% da renda mensal, com uma média de R$9.519,10 por mês. Além disso, o número de pessoas em situação de pobreza naquele ano aumentou para 15 milhões, 11% a mais em relação a 2016. De acordo com o Banco Mundial, é considerado pobre quem vive com renda diária de até US$5,50, cerca de R$640,00 mensais. Logicamente, a educação financeira não representa, em regra, uma solução para essa desigualdade no país. É imprescindível que políticas públicas sejam implementadas, principalmente no âmbito fiscal; haja vista o efeito do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), conforme cita o relatório País estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras – 2018:

Estima-se que o impacto de redução da desigualdade de renda com base na arrecadação do IRPF seja, nos dias de hoje, de 2,8%. Apesar de relevante, esse impacto é inferior ao observado em outros países latino-americanos como México, Argentina, Chile e Uruguai, onde a redução varia de 2,9 a 4,8%, e bastante inferior ao efeito observado em países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], de 6% em média (GEORGES, 2018, p. 43).

20 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Ademais, o impacto da carga tributária indireta – que representa cerca da metade do total arrecadado pelo país –, de certo modo implícita sobre bens e serviços, reflete-se sobretudo nos cidadãos mais pobres: “[...] se a economia vai mal, a arrecadação vai mal – por redução ou atraso no recolhimento, além do aumento da evasão – e passa-se a falar em mais tributação ou menos gasto, medidas que tendem a penalizar mais os mais pobres” (GEORGES, 2018, p. 37). A tributação direta, sobre renda e patrimônio, representa somente 23% do faturamento, o que não ocorre na maioria das grandes potências globais, como nos Estados Unidos, onde 59,4% da receita são oriundos de impostos sobre rendimentos e patrimônios da população. Dessa forma, dos países reunidos na lista da OCDE, o Brasil é o que menos tributa sobre tais aspectos em relação à carga tributária bruta. As isenções também representam a dimensão da desigualdade de renda, uma vez que os mais ricos, com renda superior a 80 salários mínimos, são beneficiados com isenção média de 66%, de acordo com dados da Receita Federal de 2016, citados por outro relatório da Oxfam de 2017. Além disso, a parcela da população com rendimentos de 320 salários mínimos usufrui de um benefício que chega a 70%. Por outro lado, a isenção para os mais pobres, os quais recebem entre um e três salários mínimos por mês, é de 9%; enquanto para a classe média é de 17%. Embora não tenha a capacidade de solucionar a desigualdade de renda, a educação financeira é essencial para conscientizar os cidadãos relativamente ao consumo, sabendo da importância de considerar a economia do país para, de certa maneira, prever cenários e possíveis gastos. Portanto, o planejamento financeiro consciente é ainda mais importante em uma sociedade desigual como a brasileira.

4 A CIBERCULTURA E O JORNALISMO ONLINE

A atividade jornalística sobre economia e a forma como os brasileiros se relacionam com o dinheiro fazem parte do contexto histórico que resulta nos acontecimentos atuais, como o acesso à internet e o seu impacto na produção do noticiário. Em um levantamento realizado pelo IBGE no quarto trimestre de 2017, constatou-se que 126,4 milhões de pessoas navegavam na web no Brasil. De acordo com a pesquisa, tal número representava, à época, 69,8% da população com dez anos ou mais. Para compreender de que forma a fusão entre jornalismo e internet ocorreu, é importante citar o advento da World Wide Web (WWW), ou Rede de Abrangência Mundial, um ambiente global de hipertextos e sistemas para o funcionamento da internet. Esta surgiu em 1969, em plena Guerra Fria, quando a organização Advanced Research Projects Agency (Arpa – Agência de Pesquisa e Projetos Avançados), do Departamento de Defesa estadunidense, desenvolveu a denominada Arpanet, uma rede nacional de computadores que visava a otimizar a comunicação de emergência em caso de ataques aos Estados Unidos, principalmente pela União Soviética. A WWW foi desenvolvida por Tim Berners-Lee nos anos 1980 e, após alguns aprimoramentos

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 21 de interface, cresceu rapidamente, uma vez que, em 1996, já havia 56 milhões de usuários espalhados pelo globo – de acordo com o livro Jornalismo Digital, da jornalista e professora Pollyana Ferrari (2010). No Brasil, segundo Caldas (2008), também foi ao fim da década de 1980 que “[...] os brasileiros passaram a conhecer o poder do computador – como veículo de informações e comunicações – e da internet, esta gigantesca rede de armazenamento de dados, comunicação e informações segmentadas, presente no mundo inteiro” (CALDAS, 2008, p. 94). O desenvolvimento da web é dividido em três gerações, conforme relata a autora Mariana Conde (2018) em sua obra literária Temas em jornalismo digital: histórico e perspectivas. A primeira geração é denominada web 1.0, a qual caracteriza o período da década de 1990, em que havia a predominância de sites com conteúdos pouco interativos, ou seja, os usuários não participavam do desenvolvimento das produções; somente desempenhavam o papel de consumidores. Posteriormente, de 2000 até 2009, na web 2.0, surgiram a ferramenta de pesquisas Google, a plataforma de vídeos YouTube e as redes sociais, como o Facebook e o Twitter. As interfaces se desenvolveram, permitindo a participação do espectador na realização de conteúdos. Conde (2018) explica que “[...] esse período foi marcado pela socialização em massa do acesso à internet possibilitada por aplicativos com a tecnologia web 2.0, com foco no compartilhamento do conteúdo digital” (CONDE, 2018, p. 23). A web 3.0 representa a época iniciada em 2010 até este ano, 2019, marcada por inovações que mudaram a forma pela qual a internet é acessada; como a banda larga – conexão de ‘alta velocidade’ – e o os dados móveis. Estes são usados por meio de smartphones – ‘telefones inteligentes’, em tradução literal –, celulares que vão além de realizar ligações. Eles acessam a internet, fotografam, filmam, têm GPS (Sistema de Posicionamento Global), diversos tipos de jogos e aplicativos de mensagem instantânea. Ademais, Conde (2018) afirma que “[...] há, ainda, mais personalização para os usuários, sites e aplicações inteligentes e publicidade baseada em dados de pesquisa e comportamento” (CONDE, 2018, p. 23). Sendo assim, é possível notar que a maneira como os usuários se relacionam com a internet determina, em regra, a transição entre as gerações da web. Este universo virtual também é analisado pelo filósofo Pierre Lévy (1999) em seu livro Cibercultura, no qual apresenta uma definição para o conceito de ciberespaço. O termo foi usado, inicialmente, pelo escritor William Gibson, em seu romance de ficção científica intitulado Neuromancer. Gibson (1984) se referia, de acordo com Lévy (1999), a um “[...] universo das redes digitais, descrito como campo de batalha entre as multinacionais, palco de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural” (LÉVY, 1999, p. 92). A partir disso, Lévy (1999) define o ciberespaço como “[...] o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (LÉVY, 1999, p. 92). Neste cenário, surge a cibercultura, que representa “[...] o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento, e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LÉVY, 1999, p. 17). Ou seja, o advento da web estabeleceu novos comportamentos relativamente à utilização dos meios de comunicação; o que também provocou mudanças na atividade jornalística.

22 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 O jornalismo online ou webjornalismo é definido por Conde (2018) a partir da “[...] forma ágil de circulação das notícias na rede. Com uma conexão em tempo real, as informações fluem de modo contínuo e praticamente instantâneo” (CONDE, 2018, p. 34). Ela também afirma que o segundo termo refere-se ao suporte técnico – a web –, no qual a atividade jornalística se desenvolve na internet: “[...] teremos o webjornalismo, assim como o telejornalismo designa o jornalismo para a televisão, e o radiojornalismo, o jornalismo para o rádio” (CONDE, 2018, p. 34). De acordo com o escritor John Pavlik (2001), a produção jornalística online ocorreu em três fases, assim como as gerações da web relatadas anteriormente. Na primeira, as reportagens dos jornais impressos eram as mesmas exibidas nos sites, ou seja, ocorria uma espécie de transposição das matérias da imprensa para o meio digital. Para exemplificar, em 1993, oJornal do Commercio, de Recife, foi o primeiro a disponibilizar a primeira página do impresso na internet, além de atualizar semanalmente os cadernos de informática e meio ambiente (CONDE, 2018, p. 146). Na segunda geração do webjornalismo, os hiperlinks, as ferramentas de busca e os índices das matérias foram incorporados ao noticiário online, que continuava sendo pautado pelo impresso. Apesar disso, foi a partir dessa época que “[...] surgiu espaço para as notícias cujos eventos aconteciam no período entre a publicação das edições impressas – as chamadas últimas notícias, ou breaking news, que exploravam a atualização contínua possibilitada pela web” (CONDE, 2018, p. 41). A terceira fase diz respeito à convergência dos meios em um único suporte, o que permite a denominada ‘narrativa multimídia’. Conde (2018) explica que “[...] a multimidialidade, propriedade do jornalismo digital, está associada à integração de diferentes códigos em uma única mensagem, como áudio, vídeo, imagem e texto, de forma que haja complementaridade entre as mensagens de cada código” (CONDE, 2018, p. 128).

4.1 A convergência midiática e a participação do público

O surgimento da internet não mudou somente a veiculação de conteúdos, mas também a forma como a audiência reage a eles. Os espectadores ganharam voz ativa no processo de comunicação jornalístico, de modo geral, após a popularização dos desktops (computadores de mesa). Tal fato pode ser explicado pela convergência dos media, conceito explorado pelo autor Henry Jenkins (2009). O termo é definido, basicamente, como:

[...] fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e o comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam (JENKINS, 2009, p. 29).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 23 O conceito em questão se aplica ao jornalismo a partir de três âmbitos, conforme destaca Conde (2018):

“[...] tecnológico, referente à distribuição de conteúdos em diferentes plataformas (distribuição multiplataforma); empresarial, relacionada à integração de redações e a técnicas de trabalho; e profissional, relativa à polivalência exigida do jornalista, que precisa criar conteúdos para diferentes suportes, desenvolver pautas integradas e aplicar técnicas de organização e monitoramento de informações online” (CANAVILHAS apud CONDE, 2018, p. 89).

Uma quarta fase do webjornalismo surge quando a interatividade com o público na produção de conteúdos é percebida como essencial, conforme relata o artigo Do Gatekeeping ao Gatewatching no Webjornalismo participativo: relacionamento colaborativo entre imprensa e audiência na produção jornalística no cenário online:

[...] é só a partir da quarta geração que começam as investigações aprofundadas do jornalismo digital em base de dados (BDs) como elementos estruturantes da atividade jornalística que acessam as preferências dos internautas para lançar tendências e interesses do indivíduo tendo como premissa compor banco de dados e perfis computacionais, visando obter informações dos indivíduos que têm acesso a essa rede (CAJAZEIRA; CUNHA; GOMES, 2018, p. 4).

A teoria do gatekeeper, que denomina parte do título do trabalho acadêmico citado acima, é uma das teorias do jornalismo. O termo foi elaborado pelo psicólogo Kurt Lewin em uma análise sobre hábitos alimentares em 1947. De acordo com o jornalista e professor Felipe Pena (2015), “[...] Lewin percebeu que existem canais por onde flui a sequência de comportamentos relativos a um determinado tema. Esses canais desembocam em uma zona filtro (ogate ), que é controlada por quem tem o poder de decidir (o gatekeeper)” (PENA, 2015, p. 134). Entretanto, o primeiro a aplicar o conceito em questão no jornalismo, em 1950, foi David Manning White. Este concluiu que alguns fatos não entravam no noticiário por falta de espaço ou por não apresentarem ‘interesse jornalístico’ (PENA, 2015, p. 134). O gatekeeper seria o editor-chefe de uma redação, o qual atuaria como um ‘porteiro’, determinando o que passará pelo ‘portão’ (gate) para ser publicado no jornal. Com o advento da internet, a teoria do gatekeeper começou a ser questionada pelo autor Axel Bruns (2005) em seu livro Gatewatching. Nesta obra, Bruns (2005) afirma que o jornalista deixa de atuar como um ‘porteiro’ no ciberespaço e passa a desempenhar a função de observar (watching) o comportamento dos internautas, a fim de selecionar e publicar os assuntos mais comentados por eles. Ou seja, “[...] o valor do gatewatching está em crivar a informação e republicá-la em um momento específico, de acordo com o interesse dos leitores” (CAJAZEIRA; CUNHA; GOMES, 2018, p. 8). A plataforma de vídeos YouTube, uma rede social criada em 2005 por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, reúne todos os elementos representantes da convergência e, também,

24 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 do gatewatching. A participação dos usuários na produção de conteúdos é, de certo modo, estimulada pelo site, uma vez que:

[...] Se o usuário fizer um cadastro, terá um perfil pessoal na rede e poderá comentar e avaliar vídeos de outros usuários (por meio das opções “gostei” e “não gostei”), adicionar a playlists os vídeos a que assistiu e inscrever-se em canais, o que transforma a plataforma em um local para consumo e troca de informações (CONDE, 2018, p. 237).

A jornalista Nathalia Arcuri, que terá seu caso estudado nesta monografia, é proprietária do canal Me Poupe! na plataforma de vídeos em questão. Além do YouTube, ela também utiliza o Instagram – rede social de compartilhamento de fotografias e vídeos – para receber perguntas dos seguidores e, a partir dessa interatividade, pautar os assuntos dos seus vídeos. Assim, em todas as primeiras segundas-feiras de cada mês, a jornalista apresenta o quadro ‘Nath, me ajuda!’, pautado por dúvidas que seus seguidores enviam, por meio do espaço destinado a comentários de publicações em suas rede sociais e, também, pelo correio eletrônico.

4.2 A editoria de economia na web

Para entender o funcionamento do jornalismo econômico brasileiro na internet atualmente, é necessário compreender de que maneira o advento da WWW transformou a apuração dos jornalistas relativamente ao mercado financeiro e à economia do País. Não somente a atividade jornalística foi modificada, mas também o modo como o noticiário é consumido pelos espectadores. Ao fim da década de 1980, quando a WWW chegou ao Brasil, a Agência Estado percebeu a importância dessa nova forma de transmitir notícias e dados, os quais, por meio da rede de computadores, desenvolveriam “[...] um novo paradigma e um mercado inédito, que se abria e pedia para ser investigado, desenvolvido e explorado” (CALDAS, 2008, p. 94). Assim, em 1991, o Grupo Estado comprou uma das principais empresas de comunicação sobre o mercado financeiro: a Broadcast. O objetivo consistiu em unir as cotações de bolsas de valores e ativos financeiros ao noticiário econômico e político, a partir de uma plataforma que disponibilizava conteúdos jornalísticos rapidamente ou, até mesmo, em tempo real. Desse modo, a globalização se concretizou para a produção e a veiculação do jornalismo de economia. A Broadcast funcionava, e ainda funciona, como uma agência de notícias, a qual disponibiliza conteúdos econômicos para um grupo de assinantes de um produto denominado AE Mídia. Para Puliti (2013), a influência dessa corporação midiática na imprensa brasileira ocorre de quatro maneiras. A primeira seria por meio da veiculação das matérias de jornalistas da Agência Estado – proprietária da Broadcast –, especializados em economia e finanças, nos demais veículos do Grupo Estado, inclusive no portal online estadao.com.br. Ou seja, todos divulgam as mesmas

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 25 informações. Já a segunda refere-se ao fato de a Agência Estado ser a maior agência de notícias do Brasil, que distribui conteúdos, produzidos pela equipe especializada, para diversos veículos de comunicação em todo o território nacional; os quais reproduzem o “forte viés financeiro” do grupo jornalístico. A terceira forma ocorre pela veiculação das informações do portal do Estadão na concorrência, conforme Puliti (2013) destaca:

O site estadao.com.br, que utiliza matérias veiculadas na Broadcast, é amplamente consultado pelos concorrentes e indiretamente acaba por pautar noticiários que não assinam o AE Mídia. Em estudo de caso, Silva (2002:49) mostrou que o enquadramento dado a determinados fatos pela Broadcast – como os acordos entre Brasil e FMI [Fundo Monetário Internacional] e a votação do destaque à Proposta de Emenda à Constituição, que deu isenção da CPMF (imposto Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) às operações em Bolsa – é o mesmo usado pelos jornais, com a mesma ênfase a termos técnicos e com a visão que interessa ao mercado financeiro (PULITI, 2013, p. 97).

Por fim, a quarta maneira de impactar a imprensa consiste, principalmente, na legitimação dos atores do mercado financeiro, que, cientes da repercussão da agência de notícias do Estado, tornam-se as fontes, em regra, mais confiáveis de informação sobre o cenário econômico. Desse modo, aparecem constantemente nos portais e veículos de comunicação, moldando os dados apresentados conforme o interesse do mercado; uma vez que “[...] é comum operadores e analistas ligarem sugerindo pautas, reclamando de alguma informação ou oferecendo dados que mostrem que determinada abordagem estaria incorreta” (SILVA, 2002 apud PULITI, 2013). Em maio de 2000, o periódico Valor Econômico foi lançado por meio de uma associação entre as Organizações Globo e o Grupo Folha, com participação de 50% de cada um. Entretanto, desde 2016 pertence somente ao primeiro, quando a Globo comprou a outra parte da Folha. O jornal surgiu com o objetivo de divulgar notícias diárias sobre economia, finanças, política e negócios, e de disputar a audiência de leitores com a tradicional líder Gazeta Mercantil – que saiu de circulação em 2009, devido a dificuldades financeiras. Além disso, à época da inauguração da versão impressa, a página na web do Valor também começou a funcionar, haja vista o advento da web 2.0 e a importância de ter um portal de notícias online. A revista Exame, por exemplo, especializada em negócios e mercado financeiro, tem um dos sites mais acessados, com uma audiência mensal de 16 milhões de visitantes, de acordo com uma pesquisa da comScore em outubro de 2017. Basile (2011) destaca que “[...] um editor de um grande jornal de economia e negócios nunca publicou mais de 15% a 20% de todo o conteúdo informativo que recebeu, antes da internet” (BASILE, 2011, p. 212). Por outro lado, a característica imediatista provocada pelo advento da web, além da ‘financeirização’ do noticiário, transformou o jornalismo econômico em uma fonte de transmissão de dados sobre a economia que, na maioria das vezes, não interessam ao espectador não-especializado. O discurso técnico ainda é utilizado no ciberespaço e, conforme afirma a autora Pâmela Leite (2010), “[...] em muitos portais, as fontes são sempre oficiais” (LEITE,

26 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 2010, p. 16). Além disso, “[...] a população comum fica submetida à mediação dos fatos pelos veículos de imprensa e à manipulação, omissão ou distorção dos mesmos por suas respectivas linhas editoriais” (LEITE, 2010, p. 27). Os sites com mais acessos, como o da revista Exame e o portal Valor Econômico, pertencem às grandes corporações midiáticas – Editora Abril e Grupo Globo, respectivamente. Desse modo, os dados divulgados no noticiário de ambas tendem a estar de acordo com os interesses do mercado financeiro. A internet, contudo, permitiu o surgimento do fenômeno da ‘Cauda Longa’, o qual está provocando mudanças na maneira como os conteúdos são produzidos e consumidos; principalmente no YouTube, onde o canal Me Poupe! – que será analisado neste trabalho – trata da temática financeira de um jeito diferente do tradicional, uma vez que utiliza um discurso atrativo ao público não-especializado.

4.3 A teoria da Cauda Longa

O autor Chris Anderson (2006) inaugurou o conceito de ‘Cauda Longa’ para definir a transformação – provocada pela internet e pelas novas tecnologias – no mercado de massa, que se dividiu em “milhões de mercados de nicho” (ANDERSON, 2006 apud FIALHO; SCHMITT, 2007):

[...] a cultura, que antes vinha sendo fortemente influenciada pelos conglomerados de comunicação, passou a ‘um contínuo sem fronteiras de alto a baixo, com conteúdo amador e profissional competindo em igualdade de condições pela atenção’ do usuário que ‘simplesmente escolhe aquilo de que gosta mais de um menu infinito’(Anderson, 2006, p. 3). Diante disso, Anderson (2006) conclui que a cultura está migrando de cultura de massa para cultura de nicho, uma vez que não se assiste mais aos mesmos filmes, assim como não se recebem mais notícias apenas pelos meios de comunicação social (FIALHO; SCHMITT, 2007, p. 199).

A plataforma de vídeos YouTube surgiu em 2005, porém sua popularização aconteceu após ser comprada pela Google – empresa que está entre as três mais valiosas do planeta – por 1,65 bilhão de dólares em 2006. Dez anos depois de ser lançado, em 2015, o site do YouTube registrou mais de um bilhão de usuários. O mercado segmentado, dividido por nichos, representa, de certo modo, o funcionamento da rede social em questão, uma vez que:

O YouTube possibilita a divisão por nichos, onde não somente o jovem, mas também o espectador do conteúdo no ambiente digital se sente confortável para consumir no momento que achar mais adequado o conteúdo que lhe for de interesse. Dessa maneira, os interessados por videogame consomem vídeos voltados para explicação sobre jogos, pessoas que gostam de maquiagem buscam truques e dicas de beleza, entre diversas outras possibilidades (BERNADAZZI; COSTA, 2007, p. 154).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 27 Desde então, além de ter a viabilidade de escolher o que e quando consumir, os usuários têm uma variedade extensa de conteúdos para utilizar conforme sua vontade. Ou seja, há uma economia de abundância, pois “[...] na era da internet, o indivíduo não está limitado ao que é divulgado pela mídia tradicional” (ANDERSON, 2006 apud BERNADAZZI; COSTA, 2007). Ademais, os consumidores podem, também, “[...] produzir, recriar, difundir e compartilhar conteúdos de sua seleção” (ROIG, 2006 apud BERNADAZZI; COSTA, 2007). A importância da segmentação, propiciada pelo acesso à rede, diz respeito ao fato de que “[...] na web a maioria dos meios não é institucionalizada, pertencendo a quem participa deles” (RODRIGUES, 2006 apud BERNADAZZI; COSTA, 2007). Dessa forma, existem duas ‘caudas longas’ que transformam a atividade jornalística: “a Cauda Longa do tempo (troca dos valores-notícia através do tempo) e a Cauda Longa da abundância de conteúdo (representada pelos blogs, isto é, ao fato de que essas publicações pessoais competem com a mídia tradicional pela atenção do leitor)” (ANDERSON, 2006 apud BERNADAZZI; COSTA, 2007). A ‘cauda longa’ temporal pode ser explicada, conforme Anderson (2006), pois “[...] na web, ao contrário da mídia impressa, a relevância de uma notícia não é determinada pelo lugar em que é disponibilizada na página, mas pelo que as pessoas pensam dela” (ANDERSON, 2006 apud BERNADAZZI; COSTA, 2007). Além disso, devido aos mecanismos de busca, os conteúdos jornalísticos tendem a ser relevantes a longo prazo, uma vez que os consumidores têm a possibilidade de pesquisar sobre um determinado assunto de acordo com a sua necessidade. A temática econômica e financeira, explicada de maneira detalhada, mas sem ‘jargões’ do mercado financeiro, é uma tendência no ambiente segmentado do YouTube. A jornalista Nathalia Arcuri, por exemplo, saiu de uma grande corporação midiática – na qual atuava como repórter –; ou seja, desvinculou-se de uma linha editorial, a fim de atuar, em regra, de maneira independente, por meio de um canal – o Me Poupe! – na rede social em questão. Assim, nessa plataforma audiovisual online, ela se comunica, atualmente, com um nicho de mais de 3,5 milhões de pessoas. Estas têm interesse por assuntos relacionados ao tema e não se restringem às informações divulgadas pelos meios de comunicação em massa, como a televisão.

5 O CASO DO CANAL ME POUPE!

A jornalista, especialista em finanças pessoais e empresária Nathalia Arcuri, de 34 anos, nasceu em São Paulo. Graduou-se em Jornalismo pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) em 2006 e almejava alcançar a função de apresentadora de TV. Pensando nisto, durante o último ano da graduação, ela começou a atuar como estagiária de reportagem no SBT – uma das maiores emissoras do País –, onde permaneceu até 2009, quando foi contratada pela Rede Record. Embora Nathalia não fizesse parte da editoria de economia em sua atuação profissional, à época, ela se interessava e estudava sobre finanças pessoais. Desde os sete anos de idade, conforme

28 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 relata em seu livro Me Poupe! 10 passos para nunca mais faltar dinheiro no seu bolso, a jornalista tinha o hábito de poupar dinheiro, uma vez que estabelecia metas para o seu futuro, como ter um carro aos 18 anos. Após quatro anos trabalhando como repórter na Record, ela produziu um projeto para a realização de um reality show sobre educação financeira na grade de programação da emissora. Entregou para o seu chefe, o qual havia dito que a ideia era interessante, e aguardou ansiosamente pela oportunidade de realizar seu sonho de ser apresentadora. Contudo, depois de algumas semanas, a jornalista descobriu que seu projeto seria realizado por um apresentador ‘mais experiente’, formado em economia. Apesar disso, de acordo com Arcuri (2018), o programa não chegou a sair do papel, devido a uma mudança de diretores da emissora. O intuito de propor tal reality surgiu enquanto Nathalia estudava, por meio de livros e palestras sobre psicologia econômica, as questões relacionadas às finanças pessoais:

[...] Eu entendia cada vez mais de educação financeira. Sabia que um monte de gente precisava de ajuda, pessoas de todas as classes sociais: o endividamento não poupava ninguém e não era uma questão de quanto se ganhava, e sim de quanto se gastava. Um mau hábito. Eu estava na televisão, em uma emissora de boa audiência, fazendo um programa [como repórter do Hoje em Dia] que me dava acesso a milhares de pessoas. Por que não passar adiante, de um jeito fácil e divertido, as informações que eu vinha garimpando? (ARCURI, 2018, p. 138).

Uma vez que não obteve sucesso em partilhar seus conhecimentos com os telespectadores do veículo de comunicação em massa, a jornalista criou, ao fim de 2014, um blog. Este termo, segundo Conde (2018):

[...] pode ser definido como um meio de comunicação pessoal e interativo que tem como elemento básico o hipertexto e como componente organizacional principal o Sistema de Gestão de Conteúdo – SGC (em inglês, Content Management System – CMS). Esse sistema confere ao weblog uma interface de edição simplificada, em que o usuário não precisa utilizar códigos de linguagem de programação web, além de garantir, estruturalmente, o formato de entradas (ou posts) organizadas em ordem cronológica reversa, ou seja, da mais recente para a mais antiga, em que existe a possibilidade de o usuário produzir comentários (FOLETTO, 2009 apud CONDE, 2018, p. 181).

O blog criado por Nathalia Arcuri era, à época, denominado Poupe com Sara. A jornalista explica em sua obra literária que “[...] Sara foi como me apelidaram carinhosamente por causa dos judeus, que cuidam muito bem do dinheiro. Óbvio que o apelido tinha como objetivo me zoar. Mas, em vez de aceitar o desaforo e baixar a cabeça, [...] usei o nome para batizar meu blog” (ARCURI, 2018, p. 141). Entretanto, conforme percebia que suas ideias não chamavam a atenção da Record, decidiu se especializar em planejamento financeiro pessoal por meio de um curso do Insper – um instituto de ensino superior com referência em pesquisas nas áreas de economia e negócios.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 29 O empenho da jornalista e especialista em finanças pessoais começou a ser reconhecido quando recebeu o prêmio da Jornada de Planejamento Financeiro do IBCPF (Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros), em 2014. Assim, no ano seguinte, ela lançouo blog denominado Me Poupe! e também o canal, de mesmo nome, na plataforma de vídeos online YouTube.

Figura 1 - Nathalia Arcuri anuncia, no primeiro blog, o novo projeto.

Fonte: Blogspot/poupecomsara.

O sítio eletrônico anunciado pela jornalista apresenta uma interface mais profissional.

Figura 2 – a página do blog Me Poupe!, de Nathalia Arcuri.

Fonte: mepoupenaweb.

O canal da jornalista no YouTube, com mais de 3,5 milhões de inscritos atualmente.

30 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Figura 3 – o canal Me Poupe!, de Nathalia Arcuri.

Fonte: YouTube.

Para se dedicar exclusivamente ao seu projeto na web, visando a manter a periodicidade de publicação de conteúdo que seu canal e também seu blog exigiam, a jornalista pediu demissão da Rede Record, em dezembro de 2015. Desde então, o Me Poupe! ascendeu no YouTube, reunindo, hoje, mais de 3,5 milhões de inscritos.

5.1 O jornalismo ‘independente’ no YouTube

A atividade jornalística exercida na plataforma audiovisual em questão pode ser considerada independente, uma vez que os produtores de conteúdo não seguem a linha editorial de uma grande corporação midiática. Entretanto, com o objetivo de lucrar com os vídeos, os youtubers recorrem a anúncios publicitários e também a patrocínios, os quais podem influenciar nos temas apresentados pelos canais. Para obter um faturamento, é necessário ter participação no Partner Program, conforme explica a reportagem do site especializado em tecnologia, Techtudo:

Para ter anúncios veiculados em seus vídeos os criadores de conteúdo precisarão ter, pelo menos, 4 mil horas de visualizações em vídeos nos últimos 12 meses e, no mínimo, mil inscritos. [...] A monetização no site acontece da seguinte forma: os criadores de conteúdo precisam seguir algumas regras para fazer parte do YouTube Partner Program (Programa de Parceiros do YouTube, em português) [...], que permite que os donos de canais ganhem monetização com anúncios veiculados em seus próprios vídeos [...] (RIBEIRO, 2018).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 31 O Me Poupe!, de Nathalia Arcuri, começou a ser patrocinado pela corretora de valores Easynvest em dezembro de 2015, em torno de seis meses após o lançamento do canal. A jornalista relata sobre o assunto em seu livro: “[...] fechamos um contrato de patrocínio de um ano, em que eu recebia por mês o mesmo valor que ganhava como repórter [cerca de 13 mil reais]” (ARCURI, 2018, p. 161). O objetivo era, segundo ela, conseguir tornar o seu empreendimento na plataforma mais relevante e também alcançar mais audiência. A parceria com a Easynvest durou 18 meses. É possível verificar que Nathalia busca ser transparente em relação a isso, pois, explicitamente, exibia em seus vídeos maneiras de investir por meio da corretora. Ademais, a youtuber demonstrava acreditar nessas oportunidades de investimento, visando a propagar tais opções com o seu público; além de ensinar, de modo didático, como cada uma funciona. A transparência é uma característica de Nathalia Arcuri. Quando deixou de ser patrocinada pela Easynvest, ela publicou um vídeo relatando o ocorrido para os seus seguidores e agradecendo a confiança da empresa. Mesmo depois do fim do patrocínio, os conteúdos publicados no canal Me Poupe!, os quais, de certa forma, divulgavam a corretora, permaneceram disponíveis ao público. Assim, percebe-se que a jornalista trabalha, até certo ponto, de maneira independente, pois os temas anteriormente patrocinados pela Easynvest não deixaram de fazer parte do seu portfólio, ou seja, não influenciaram sua maneira de avaliar os tipos de investimentos financeiros. No início de um dos vídeos patrocinados pela corretora de valores Easynvest, Nathalia Arcuri comenta sobre a parceria e apresenta um passo a passo de como aplicar em uma modalidade de investimentos da empresa.

Figura 4 – O canal Me Poupe! exibindo conteúdo patrocinado.

Fonte: YouTube.

Posteriormente, a jornalista publicou um vídeo declarando o fim da parceria, demonstrando que é transparente, para seus seguidores, em relação aos patrocínios.

32 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Figura 5 – Nathalia Arcuri relata o fim do patrocínio, contando como começou.

Fonte: YouTube.

Cerca de um mês depois de anunciar o fim do patrocínio da Easynvest, Nathalia Arcuri apresentou, por meio de um vídeo no canal Me Poupe!, a nova patrocinadora – a então corretora de valores e, atualmente, também banco digital, Modalmais.

Figura 6 – Nathalia Arcuri anuncia novo patrocínio do Me Poupe!.

Fonte: YouTube.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 33 A parceria com a Modalmais permanece até hoje. A jornalista, conforme publica vídeos relacionados a determinados modelos de aplicações financeiras, indica a sua patrocinadora como banco digital e corretora de valores aos seus seguidores, para que tenham um exemplo, em regra, confiável de onde realizar os investimentos. Além disso, mesmo com outro patrocínio, Nathalia Arcuri não excluiu do canal os conteúdos audiovisuais que receberam apoio do anterior. No vídeo ilustrado na Figura 4, o Me Poupe se posicionou por escrito, na seção de comentários do YouTube:

[...] A gente decidiu não tirar os vídeos patrocinados pela Easy em respeito aos Me Poupeiros [alcunha de seus seguidores] que precisam dessa informação enriquecedora. A Modalmais é a nova patrocinadora e deu match [gíria para ‘deu certo’] logo de cara porque ela acredita nos mesmos princípios que o Me Poupe!. Liberdade editorial, liberdade de escolha, conteúdo educativo e transparente e enriquecimento lícito. Seja lá qual for a sua escolha, você estará em boas mãos (ARCURI, 2017).

O jornalismo no YouTube, portanto, pode ser considerado independente no sentido de que os jornalistas têm a possibilidade de exercer suas funções da maneira que desejam. Embora haja influências de patrocinadores, basta aceitar a proposta mais próxima de suas ideias, visando à realização de um trabalho em conjunto para atingir objetivos. No caso de Nathalia Arcuri, o intuito é conscientizar as pessoas em relação ao modo como lidam com o dinheiro. A educação financeira é um dos propósitos doMe Poupe! e é possível verificar que os patrocínios serviram e ainda servem para somar na produção educativa do canal.

5.1.1 O novo mercado de trabalho

O YouTube, atualmente, representa uma tendência na atividade jornalística, uma vez que Nathalia Arcuri não é a única a ter saído de uma grande empresa de comunicação para realizar seu trabalho independente na plataforma de vídeos. A jornalista e, assim como Nathalia, especialista em finanças pessoais, Mara Luquet atuava como comentarista de economia naRede Globo antes de lançar, em março de 2018, seu canal denominado MyNews. Este funciona como um noticiário econômico dinâmico e didático, que explica como os fatos envolvendo a economia atingem o público, além de apresentar dicas de investimentos para seus 241 mil seguidores. Há outros exemplos de jornalistas que saíram de emissoras de TV com o objetivo de migrar para o YouTube; como Monique Cardone, que era repórter esportiva da Globo e do canal por assinatura Sportv, até pedir demissão em agosto de 2018. Atualmente, na plataforma de vídeos, dedica-se exclusivamente ao canal Mitadas com Monique Cardone, no qual trata de assuntos sobre futebol e viagens para um nicho de quase 19 mil pessoas.

34 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 A jornalista Daiana Garbin, também deixou a TV Globo em 2016 para investir em seu canal denominado EuVejo. Desde então, a partir do seu novo projeto, produz vídeos com assuntos relacionados a transtornos alimentares, como bulimia e anorexia, problemas enfrentados por ela mesma no passado. Este ano, a youtuber tem mais de 120 mil seguidores na plataforma audiovisual. Desse modo, verifica-se que oYouTube representa um novo modelo de mercado de trabalho para jornalistas que almejam independência para produzir conteúdos. Principalmente devido à possibilidade de ganhar um salário por meio das visualizações, dos anúncios e patrocínios, permitidos pelo site.

5.2 ‘Entretenimento financeiro’: o discurso de Nathalia Arcuri

O que diferencia a atuação da jornalista fundadora do Me Poupe! dos demais canais sobre economia e finanças – como o MyNews, de Mara Luquet – é a linguagem. O formato pelo qual Nathalia informa seu nicho sobre as questões financeiras é determinado por meio de um conceito, criado pela própria jornalista, que surgiu, segundo ela, no momento em que lançou o canal: “[...] Em junho de 2015, aproveitando minha experiência televisiva, inaugurei o conceito de entretenimento financeiro por meio de vídeos que usavam uma linguagem muito própria (a minha) para falar sobre dinheiro” (ARCURI, 2018, p. 159). De acordo com a autora Fabia Angélica Dejavite (2007), o entretenimento tem o objetivo de “explorar a ficção, chamar a atenção e divertir as pessoas” (DEJAVITE, 2007, p. 3). Uma vez que Nathalia Arcuri informa seu público sobre assuntos relacionados a finanças, de modo a entretê-lo, é possível afirmar que, diferentemente dos demais especialistas em economia – os quais, em geral, apresentam uma postura séria –, a jornalista fundamenta o Me Poupe! com características de infotenimento. O termo “[...] sintetiza, de maneira clara e objetiva, a intenção editorial do papel de entreter no jornalismo, pois segue seus princípios básicos que atende às necessidades de informação do receptor de hoje. Enfim, manifesta aquele conteúdo que informa com diversão” (DEJAVITE, 2007, p. 2). Por isso, o discurso de Nathalia Arcuri, no Me Poupe!, é simples e acessível, além de ser divertido, pois a jornalista utiliza recursos para entreter a audiência. Na atividade jornalística sobre economia e finanças, essa é uma maneira inovadora de tratar da temática, portanto, a youtuber afirma que seu empreendimento é o primeiro canal de entretenimento financeiro. Em uma entrevista para o site da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, Nathalia afirmou que, em seu canal:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 35 O entretenimento é usado a serviço da educação, das finanças pessoais. [...] Se você quer atrair público, não basta contar uma história. É preciso aproximar, e entretenimento é o ímã. Queria que [as pessoas] gostassem de investir e poupar tanto quanto eu. Para fazer a pessoa se sentir atraída, eu trouxe elementos do entretenimento, de novela, de reality. [...] Esse tema, finanças, normalmente é tratado com uma linguagem complexa. Eu, que sempre fui autodidata, simplifiquei. Porque eu buscava informações e havia um abismo. Só continuei estudando porque queria muito aprender (ARCURI, 2019).

Para exemplificar, o reality show sobre educação financeira, que Nathalia tentou colocar na grade de programação de sua antiga emissora de TV, já teve duas edições por meio de vídeos no Me Poupe!. Uma foi ao ar em dezembro de 2018 e a outra em janeiro de 2019. Ambas edições somam mais de dois milhões de visualizações. O programa, de acordo com a jornalista, foi produzido por uma equipe de 40 profissionais, e é roteirizado e apresentado por ela. Noreality , Nathalia Arcuri acompanha, durante quatro semanas, uma pessoa endividada e estabelece metas e também a adoção de novos comportamentos, para que ela consiga superar as dívidas.

Figura 7 – Nathalia Arcuri (à direita) na estreia do reality, com a participante Bruna Andriotto.

Fonte: YouTube.

O Me Poupe!, portanto, é inovador, pois aproxima o público de uma temática importante por meio de um discurso simples, direto e divertido. Por isso, é o maior canal de finanças da plataforma de vídeos YouTube, com uma audiência de mais de 3,5 milhões de pessoas. Para alcançar ainda mais além da internet, desde 2016, Nathalia Arcuri apresenta semanalmente o programa Me Poupe 89, na emissora de rádio paulistana 89 FM. Além disso, lançou seu livro Me Poupe! 10 passos para nunca mais faltar dinheiro no seu bolso em 2018, que foi um dos mais vendidos aquele ano. À época, de acordo com a jornalista, o Me Poupe! alcançou 6 milhões de pessoas e faturou mais de 8 milhões de reais.

36 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por conseguinte, esta monografia verificou que, devido ao contexto histórico – iniciado na década de 1990, a partir das estratégias de comunicação para a divulgação do Plano Real –, as questões do mercado financeiro pautam o jornalismo econômico por meio de um discurso neoliberal, que utiliza uma linguagem complexa. Esta, consequentemente, não é entendida pelo espectador não-especialista, o qual é afastado do noticiário econômico, uma vez que não é possível associar sua rotina às nomenclaturas específicas da economia – como balança comercial e superávit primário. Ademais, foi possível entender o relacionamento dos brasileiros com o dinheiro, em uma sociedade desigual, e a importância da educação financeira, haja vista a quantidade expressiva de inadimplentes no País – em março de 2019, a Serasa Experian concluiu que 63 milhões de adultos estavam negativados no Brasil. Percebeu-se, também, a dificuldade dos cidadãos de colocar em prática o planejamento de finanças, pois, conforme relatado no terceiro capítulo desta pesquisa, grande parcela da população já vivenciou situações nas quais o orçamento foi insuficiente para quitar suas contas. A democratização da informação, a segmentação do público e a interatividade foram propiciadas pelo advento da internet e, principalmente, da web 2.0. Nesta geração, o usuário deixa de ser passivo e se torna um consumidor ativo – que também é produtor – e participativo na realização de conteúdos. Esses comportamentos definem a cibercultura, fato que esclarece as transformações do jornalismo no ciberespaço – no qual a atividade jornalística é baseada no gatewatching. Isto é, o jornalista divulga informações a partir da observação dos interesses do público. O caso do canal Me Poupe!, de Nathalia Arcuri, apresenta um método de sucesso, que exemplifica o jornalismo independente no YouTube. A plataforma de vídeos, atualmente, possibilita a execução de uma atividade jornalística livre das linhas editoriais impostas por grandes empresas de comunicação. A monetização dos conteúdos audiovisuais é proporcionada a partir de anúncios e patrocínios, os quais podem ser escolhidos pelos youtubers a fim de aprimorar o trabalho realizado no site. Verificou-se neste estudo que Nathalia Arcuri é transparente em relação a isso, pois informa seus seguidores a respeito dos projetos pretendidos a cada parceria nova. O êxito da jornalista e especialista em finanças pessoais é constatado por meio de seu público: um nicho de mais de 3,5 milhões de consumidores curiosos relativamente à questão econômica e financeira. A audiência é atraída por uma linguagem que facilita o entendimento, definida como ‘entretenimento financeiro’. Este conceito, desenvolvido pela própria profissional, visa a informar, de modo simples e direto, termos complexos da economia, ao mesmo tempo em que diverte e mantém o espectador interessado em compreender a melhor forma de utilizar o dinheiro.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 37 O Me Poupe! ultrapassou os limites da internet e, além do canal no YouTube e do blog mepoupenaweb, aproximou as pessoas da educação financeira por meio de um programa semanal na rádio paulistana 89 FM – denominado Me Poupe 89 – e também do livro Me Poupe! 10 passos para nunca mais faltar dinheiro no seu bolso, que ficou entre as obras literárias mais vendidas no Brasil, em 2018.

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42 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 GRANDE REPORTAGEM: O PARADIGMA DO DISCURSO JORNALÍSTICO

Érica Viana dos Santos Profa. Orientadora: Michele Cruz Vieira

RESUMO

O presente estudo propõe analisar os conceitos e pesquisas acerca do tema da grande reportagem e suas implicações sociais. O romance-reportagem será evidenciado como fonte influenciadora para o jornalismo investigativo crescer no Brasil, em novos meios e formatos. Será delimitada a análise em obras brasileiras e reportagens tanto estrangeiras como produzidas no Brasil. Os objetivos girarão ao redor do rumo a ser seguido pelo jornalismo e o aumento do debate a fim de expandir o conhecimento da união literatura e jornalismo através da reflexão de pesquisadores. Novas técnicas e metodologias surgem como forma de noticiar, assim como o storytelling. A partir daí, haverá observações frente às novas formas de narrativas na grande reportagem tradicional e digital.

Palavras-chave: Jornalismo. Romance-reportagem. Grande Reportagem. Literatura. Storytelling.

1 INTRODUÇÃO

O trabalho se propõe a analisar o gênero romance-reportagem de modo a refletir sobre debates acerca da criação da imprensa, grande reportagem e o começo da utilização da técnica storytelling. Serão comparadas obras e reportagens com o propósito de diferenciar a produção de grande reportagem no meio tradicional e digital. Comentar as técnicas de reportagens utilizadas e seus estilos. A delimitação mesmo compreende tão somente obras e reportagens inseridas no contexto do gênero literário romance-reportagem. Serão trabalhadas obras de autores brasileiros e reportagens tanto brasileiras como estrangeiras também. Como recorte temporal, serão selecionadas obras desde a origem do gênero (no âmbito da ditadura militar) até os dias atuais. O jornalismo brasileiro está caminhando para mudanças desde o advento da tecnologia. Algumas técnicas e métodos de reportagem chegaram para alterar o modo de fazer matérias e produzir notícias. Sendo assim, procura responder às seguintes questões: Qual será o rumo da imprensa no país? Será uma tendência atrair a atenção do leitor pela técnica do storytelling? Considerando as técnicas do jornalismo investigativo, como o romance-reportagem influencia a produção de uma grande reportagem?

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 43 A hipótese presente no projeto é pressupor que há uma tendência cada vez maior do jornalismo em criar narrativas próximas da literatura para atrair a atenção do leitor. Além disso, também pressupõe que os portais de notícias e periódicos irão investir cada vez mais em novas técnicas de reportagem para aprofundamento de determinadas notícias. Ademais, novas tecnologias podem surgir e alterar o modo de construir a estrutura de reportagem nas mídias sociais. A seguir serão tratados os objetivos geral e específico os quais servirão como norte para o projeto. O objetivo geral é trazer elementos que possam agregar valor aos estudos que circundam o tema do gênero literário romance-reportagem, passando pelo entendimento do cunho social ligado à percepção do leitor ao se deparar com uma obra que trata de maneira fatídica uma realidade. Ademais, dar maior visibilidade ao tema contribuindo para o debate acerca da imprensa, romance-reportagem, storytelling e grande reportagem. Como objetivos específicos pretende-se: Destrinchar as origens da imprensa e do gênero romance reportagem, buscando em autores a discussão a respeito do tema. Além disso, explorar as técnicas de reportagem tradicionais e as mais recentes como o storytelling. Comparar a grande reportagem em formato tradicional e digital. A finalidade da pesquisa sobre o gênero literário romance-reportagem é abrir precedente para análise do caminho pelo qual o jornalismo segue. Os jornalistas escritores encontraram um outro modo de noticiar, trazendo à baila uma discussão necessária para o ramo profissional. Abordar este tema tem como importância a descoberta de maneiras, seja pelas técnicas de reportagens ou análise do discurso, para propagar ao maior número de pessoas uma reportagem. O estudo do gênero é protagonista de diversos trabalhos apresentados em fóruns e simpósios como no Intercom, Abraji e entre tantos outros, e a escolha em tratar sobre sua origem numa época repressiva ou então, como jornalistas da época da ditadura eram capazes de obter informações sigilosas são comumente debatidas. Além disso, há também quem estude as entrelinhas das obras, comparando-as a outras e buscando uma tendência. A metodologia consistiu na análise documental, e revisão bibliográfica das obras que compõem o marco teórico do tema. O formato do trabalho de conclusão de curso será em forma de monografia. Obras que tratam as origens do novo jornalismo e como estão evoluindo os métodos referentes a ele também serão incluídos na pesquisa. Rildo Cosson, autor do livro Romance-reportagem: o gênero, será citado por traduzir o que há de mais duvidoso no assunto, permitindo sanar dúvidas nas correlações do novo jornalismo com os gêneros literários. Felipe Pena e Nelson Traquina contribuirão para entender as origens e técnicas da imprensa. Salvatore D’onofrio responsável pela obra Forma e sentido do texto literário, permitirá um maior esclarecimento frente às comparações dos diversos gêneros e como o gênero romance-reportagem tem a aproximação com a literatura, influenciando assim uma nova forma de produção de reportagens. Além dos autores citados, também estarão presentes Ferrari, Lage, Bucci, entre outros que com suas correntes contribuíram para o debate. O gênero romance-reportagem foi criado na década de 1970 a fim de burlar as amarras da ditadura. Portanto, alguns dos jornalistas proibidos de fazerem seus trabalhos viram neste

44 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 gênero a oportunidade de seguir com suas pesquisas e assim, aprofundar em determinados temas. Contudo, não seria correto descrever tal vertente tão somente por causa dos anos de chumbo. O jornalismo brasileiro nesta época já tinha influências estrangeiras na qual os jornais incluíam histórias próximas do cotidiano do leitor para entretê-lo. Sendo assim, grandes nomes da literatura brasileira passaram primeiro pelos jornais, haja visto que as redações colocavam um espaço determinado para a matéria e um tempo exato para o jornalista produzir a reportagem. Muitos destes quiseram sair para alçar espaços com mais liberdade intelectual. Desta forma, a produção de grande reportagem além do jornal foi crescendo e tomando formas antes nunca vistas. Seus autores escreveram livros, edições especiais em jornais e posteriormente, com o advento da internet, reportagens verticais nos portais. Portanto, será detalhado ao longo do projeto cada assunto abordado. Segundo Pena (2006) o próprio Jornalismo Literário não se baseia na veracidade, mas sim na verossimilhança, ou seja, na mimetização da realidade. Entretanto,é preciso deixar bem clara a diferença entre o romance-reportagem e a ficção-jornalística. Enquanto o primeiro usa adereços literários para aprofundar a abordagem sobre fatos, a segunda apenas parte desses mesmos fatos para construir seu enredo, que será complementado por novas narrativas inventadas pelo autor. O que Pena quis dizer é que, no romance-reportagem, não há espaço para criação de cenários, personagens ou histórias. Só é possível, no romance-reportagem, contar uma história do ponto de partida de que ela é uma notícia e o autor quis aprofundar o assunto. No primeiro capítulo será trabalhada a origem da imprensa, como, quando e por quem foi criada. Além disso será debatida a aproximação da literatura com o jornalismo e quais foram seus impactos. Para refletir e analisar tais assuntos serão usados dois autores, Pena e Traquina, a fim de ilustrar a inserção da narrativa no campo jornalístico. Logo, no primeiro capítulo será trabalhada a origem do jornalismo e quando um fato se torna notícia. Pena irá justificar a criação dele no medo do desconhecido e Traquina dirá que a notícia chega para contar ao público o que vai ao encontro do típico. Já no segundo capítulo, depois de apresentada toda a história do jornalismo, suas origens e as técnicas das notícias, o momento será de entender o processo criativo de uma grande reportagem e como do gênero romance-reportagem o jornalista começou a utilizar a técnica storytelling. Portanto, de início será apresentada a história do gênero romance reportagem, e seus motivos de criação. Para justificar a explicação do gênero, será necessária a reflexão do surgimento do romance e suas ramificações. A partir dele é que o processo criativo do romance-reportagem se torna viável. Sendo assim, a base da literatura será trabalhada a fim de gerar um caminho até os dias atuais da grande reportagem. Nesse capítulo ainda serão observadas as técnicas de reportagens e como elas auxiliam na produção de uma grande reportagem. Seja no meio tradicional ou virtual, as notícias seguem, normalmente, um padrão de pauta, entrevistas, fontes e estes padrões serão discutidos a fim de esmiuçar cada etapa do jornalismo investigativo e seus métodos utilizados.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 45 O storytelling surge na intenção de atrair a atenção do leitor; para isso alguns recursos são necessários, como uma boa narrativa, boa escrita, uma história interessante, a fim de que quem esteja lendo não se distraia e largue a leitura. Para entendermos melhor tal metodologia é necessário compreender também, além do uso no meio tradicional, a utilização das tecnologias e como as notícias surgem no campo da internet. Para o debate foram escolhidos autores capazes de dirimir quaisquer dúvidas acerca do tema. Eles são: Ferrari, Cosson, D’onofrio, Lage, Bucci, Cunha e Mantello, Placios e o Terenzzo. Todos irão contribuir, cada um em sua especialidade, para trazer o campo teórico ao nível do assunto. No terceiro e último capítulo, será realizada uma comparação entre a obra de Arbex, Holocausto Brasileiro, uma grande reportagem em formato tradicional, e duas reportagens digitais, tudo sobre a batalha de Belo Monte da Folha de S. Paulo e Snow Fall do The New York Times. Neste capítulo serão abordados técnicas, formatos e estilos utilizados entre eles. Algumas ilustrações serão mostradas com a finalidade de levar o leitor para dentro da narrativa e sentir as percepções das leituras. Além disso, será observado como pode ser similar ou diferente reportagens criadas para ambos os formatos. Logo, será desde a criação da imprensa até o uso da técnica do storytelling que este trabalho irá debater, todas as suas peculiaridades e discussões teóricas.

2 A ORIGEM DA IMPRENSA E SEU ENCONTRO COM A LITERATURA

Neste capítulo abordaremos temas como a origem da comunicação, imprensa e jornalismo estabelecendo um debate teórico, dialogando com diversos autores e correntes de pensamento, tendo como autores de referência Felipe Pena e Nelson Traquina. Ademais, será discutida a convergência entre o jornalismo e a literatura, buscando evidenciar o surgimento de um novo gênero narrativo. Ao longo do capítulo será debatido o que de fato se configura o jornalismo e a reportagem em sua essência. Serão abordados assuntos como característica, origem, técnicas, evolução histórica, o papel na sociedade, do jornalismo, e o momento no qual foi visto como objeto de lucro e ferramenta de poder, além de ter começado a influenciar a opinião pública.

2.1 A convergência entre jornalismo e literatura no início do século XX

Há divergências na interpretação do período, e mais precisamente quanto ao início, do jornalismo na história. Para Pena (2018), na obra Jornalismo Literário, não há um consenso quanto às origens do jornalismo. Para alguns pesquisadores, como o próprio autor, se inicia junto com a primeira comunicação humana, ainda na Pré- história. Outros localizam o início muito mais tarde, entre os séculos XVIII e XIX, quando suas características modernas já podem ser identificadas. Pena (2018) fica com a primeira opção, acredita que de fato o jornalismo se inicia nos primórdios da humanidade. Para ele o gênero já estava presente desde o momento em

46 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 que os mais velhos passavam as informações dos seus antepassados para os mais novos. Ou até mesmo quando alguém corajoso a ponto de desbravar o não conhecido recolhia informações antes nunca imaginadas sobre o mundo exterior. Já outros dois autores citados por Pena (2018), Bill Kovack e Tom Rosenstiel comentam na obra Elementos no jornalismo que o início do jornalismo parece ter se dado nos cafés entre os séculos XVIII e XIX, em que muitos viajantes paravam nesses estabelecimentos para contar sobre os lugares aos quais visitavam. Algumas pessoas a partir de então, ao ouvir tais relatos, começaram a colher esses fatos e imprimir as histórias, utilizando-se da tipografia. E desde então deu-se início ao ciclo do jornalismo. Pena (2018) diz, em sua obra Teoria do jornalismo, que a natureza do Jornalismo está no medo. O medo do desconhecido, que leva o homem a querer exatamente o contrário, ou seja, conhecer. Antes mesmo da fala já havia registros em pedras e paredes; o homem sempre demonstrou interesse em guardar e registrar as informações, segundo o autor. Quando comparados, os autores citados até então, observa-se uma certa semelhança em suas teorias, o que difere é o tempo e a tecnologia utilizada. O tempo por ser a evolução do pensamento e a tecnologia por trazer o aperfeiçoamento das técnicas utilizadas, como a criação da tipografia citada acima. A história de fato se repete, o que a altera é o modo como é contada e armazenada. Sendo assim, sejam os viajantes chegando nos cafés com fatos do exterior ou aqueles pertencentes às tribos colhendo informações sobre animais, tempo e novas tribos, os dois estão exercendo o cerne do jornalismo, levar dados antes desconhecidos ou desatualizados ao público. Contudo, ao se falar do início do jornalismo é adequado comentar em paralelo o advento da imprensa. Pena (2006), reserva um capítulo para tratar do assunto. Nele o autor disseca as origens da escrita, seus impactos na sociedade e como alguns filósofos e pesquisadores abordam o tema. Para Pena (2006) a escrita mudou radicalmente nossa forma de pensar. É uma revolução no processo cognitivo humano. Há uma grande diferença entre ouvir alguém falar e ler o que a pessoa escreve. Segundo sua pesquisa, embora os manuscritos mais antigos estejam no idioma sumério, a escrita teve início na região de Uruk, ao sul da Mesopotâmia (atual Iraque), datada de aproximadamente cinco mil anos antes de Cristo. Até então não utilizavam o alfabeto e quem deu a partida inicial para a uniformização das letras foram os fenícios. Contudo, a nova definição não foi bem aceita por todos, segundo Pena (2006). Para Platão o indivíduo perderia a memória e Sócrates acreditava que os níveis de sabedoria iriam diminuir drasticamente. Já para Santaella, citada por Pena (2006), os níveis de transformação são outros: “O armazenamento do acervo humano não depende mais de um ou mais cérebros que desaparecerão com a morte dos indivíduos. Armazena-se fora do cérebro para transcender a morte.” Pena (2006) comenta que alterar o modo de pensar não foi tarefa fácil. Imagine a vida toda entender que as informações serão transmitidas e absorvidas através de meios biológicos e de

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 47 repente haverá mais uma opção, níveis físicos de absorção da informação. Assim como foi o choque para muitos com a chegada dos computadores substituindo as máquinas de escrever. A partir da escrita surgiram os suportes e o que mais chamou atenção antes do papel foi o papiro, construído pelos egípcios, segundo Pena (2006). Também eram usados peles, chumbo, estanho e afins. Pena (2018) contribui para o debate ao dizer que juntamente ao papiro e o papel, a grande revolução, quando se fala em propagação da cultura, foi a invenção da imprensa. Porém, mesmo com a fama de Gutenberg, os verdadeiros criadores foram os chineses, segundo o autor. Comenta que Gutenberg ficou famoso no ocidente como o grande revolucionário da impressão porque uma de suas primeiras obras foi a Bíblia, no ano 1456. As notícias já aconteciam, contudo, com o advento da imprensa se intensificaram. Pena (2018), ao analisar a obra de Ciro Marcondes filho, Comunicação e jornalismo: a saga dos cães perdidos observa um quadro evolutivo do jornalismo, e segundo Marcondes existem cinco épocas: a primeira chamada pré-história do jornalismo, é datada entre 1631 e 1789 e caracteriza-se por uma produção artesanal, aproximando-se bastante ao livro. O segundo momento vai do período entre 1789 a 1830 e é chamado de Primeiro Jornalismo e é caracterizado por um conteúdo ainda rebuscado com conteúdo literário e político. Nele, ainda estão presentes escritores, políticos e intelectuais. Já a terceira época, denominada como Segundo Jornalismo data da época entre 1839 a 1900 e o marco dela foi a criação da imprensa de massa, diferente da produção em massa, que será vista na próxima época. A profissionalização do jornalista também acontece neste período. Reportagens e manchetes surgem e a utilização da publicidade acompanha em paralelo. O Terceiro Jornalismo, do ano 1900 ao 1960 segue com um novo panorama econômico, as produções reduzidas dão lugar às grandes e o lucro é ainda mais visado. A detenção do poder em possuir a informação fica mais em voga e grandes grupos editoriais monopolizam a área. Por fim, a época mais atual, gira em torno dos anos 60 até agora e sua principal característica é a informação eletrônica e interativa. Com o advento da globalização as informações ficaram mais rápidas e o jornalismo precisou se adequar a esse novo estilo de produzir informações. Sendo assim, percebe-se que são no primeiro e segundo jornalismo o momento de aproximação do jornalismo com a literatura. Embora muitos ainda não tivessem o hábito da leitura, os periódicos foram moldados para uma linguagem e histórias mais populares, como o folhetim por exemplo. A criação deste deu muito certo por democratizar a leitura dos periódicos. A massa não consumia literatura, quem entendia do assunto na época eram os intelectuais e afins. O grande público, a partir da criaçãodo folhetim começou a se identificar com as histórias,pois elas estavam mais próximas do cotidiano do povo, diferentemente dos artigos de opinião direcionados à alta sociedade. Como diz Pena (2018), no século XIX a confluência entre literatura e jornalismo tornou-se mais visível, pois muitos escritores tinham o intuito de serem lidos pelo maior número de pessoas e os jornais, ao perceberem o lucro que esta prática dava, investiram para o crescimento desse novo modelo, o casamento perfeito.

48 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Nesse contexto, em que muitos escritores encontravam o espaço que precisavam para narrar suas histórias, a prática do dom da literatura ocorria antes mesmo de publicarem seus livros. Quando essa onda chegou ao Brasil, consagrados escritores da literatura brasileira, assim como José de Alencar e Machado de Assis, também tiveram seu início nos jornais. À época dos folhetins, o público aguardava, ansioso, as continuações das histórias e seus desfechos, assim como ocorre nas novelas. Inclusive, as novelas muito se basearam e ainda se baseiam nos folhetins. Naquela época já existiam os plots, virada na história, o mocinho e a mocinha que nunca conseguiam ficar juntos e muitas outras similaridades encontradas nas produções novelistas atualmente, segundo Pena (2018). Contudo, parecia que a validade da união literatura e jornalismo estava para acabar. Alguns novos métodos foram introduzidos pelas grandes empresas do ramo, por analisarem que o jornal, sendo estritamente texto e histórias com continuidades davam lucro, porém, ao colocar anúncios, a lucratividade era muito maior. Os textos foram perdendo espaço para as propagandas que, assim, no século XX tiveram mais destaques nos jornais. O espaço para elas era maior, o visual ficou mais atraente e os longos textos ficaram por conta tão somente dos artigos de opiniões e colunas. Além da alteração em relação ao enfoque de conteúdo do jornal, outra mudança que abalou bastante a comunidade jornalística foi a chegada dos leads e a pirâmide invertida, segundo Pena (2006). Para o autor, sem dúvidas, teve suas vantagens, como uma maior objetividade e rapidez na leitura. O leitor agora não precisava mais ler o texto por inteiro para entender a situação de fato. Entretanto, as desvantagens foram inúmeras, o jornalista tornou-se prisioneiro das amarras da técnica, tendo que deixar de lado sua veia literária e liberdade para poder se aprofundar em determinado tema. Sendo assim o distanciamento da literatura e jornalismo nos periódicos aumentou a técnica antes não padronizada nos jornais. Os jornalistas tiveram que se adaptar a este novo modelo, contudo, muitos não se adaptaram e dedicaram o tempo para outros projetos como os livros, por exemplo. Ao continuar com a veia jornalística, porém, sem perder ar literário, muitos continuaram a unir as duas vertentes e encontraram no romance-reportagem o lugar ideal para se aprofundar em determinados temas.

2.2 O que é o jornalismo? Quando a reportagem se consolidou como gênero narrativo?

Após a criação da imprensa e jornalismo, muito se questionou o que de fato é o jornalismo, onde ele começa e quando termina e o que o define e difere de outros gêneros textuais. Além disso, é importante lembrar o fato de alguns jornalistas voltarem às suas origens literárias por sentirem-se confinados intelectualmente, seja pelo pouco tempo hábil para construir uma reportagem com qualidade ou até mesmo pelo objetivo central do jornalismo atual: rápido, conciso e direto. Traquina (2012) concorda, em sua obra Teorias do Jornalismo, com a reflexão, quando afirma que muitas das vezes os jornalistas estão presos na técnica e formas dos jornais, tornando-se meros empregados de uma fábrica de notícias.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 49 Além disso, o autor demonstra espanto em pensar que alguém poderia definir algo tão extenso e com tantas ramificações como o jornalismo. Para ele, os jornalistas são contadores de “estórias”, entretanto, aquelas consideradas reais. Sendo assim, muitas são as opções de definição, difícil a tarefa em decidir somente por uma. Entretanto, o autor gosta de pensar na realidade como cerne da atividade jornalística. Todavia, Pena (2006) ao tentar entender o jornalismo no seu sentido comercial diz que o desenvolvimento de tal canal de informação foi atrelado aos interesses econômicos e políticos. Para o autor, o motivo pelo começo da veiculação periódica do jornalismo está relacionado com o lucro, não teve em sua origem uma causa de serviço público. Desse modo, Pena (2006) gera uma reflexão em torno da real razão pela qual se deu a criação do jornalismo como conhecemos hoje. Segundo ele, a razão está no interesse pelo comércio de notícias. Percebe-se, portanto, o tom de indignação de ambos os autores com a indústria da imprensa. Os jornalistas não sendo valorizados como deveriam e reduzidos a uma produção em massa de notícias, sem o aprofundamento, tempo e a pesquisa necessária para dar à população o melhor da notícia. Traquina (2012) continua a tentar definir o jornalismo e chega a uma alternativa em afirmar que este é uma atividade intelectual. Para ele, o exercício dessa atividade impacta proporcionalmente com o crescimento da imprensa, ocasionada pelo aumento dos leitores e principalmente pela democracia, liberdade de imprensa e tecnologia. Para o autor não há possibilidade em fazer jornalismo sem os pilares democráticos. Além disso, a tecnologia para ele, como os telégrafos, fotografia e meios para aumentar a produção dos jornais, auxiliaram e muito na popularização dos jornais. Segundo o autor, a popularização dos periódicos ocorreu como uma estratégia dos monopólios de comunicação. À época havia um alto índice de analfabetismo, logo, como seria possível o aumento do número de consumidores se grande parte da população não sabia ler e escrever? Para concretizar o objetivo, a fim do lucro, iniciaram em diversos pontos da Europa a expansão da educação, com a finalidade de obter mais leitores e assim foi feito. O autor reflete sobre o aumento das publicidades e como aos poucos os jornais foram despolitizados. A notícia não tinha mais lado a partir de então, agora seria corriqueira e próxima do público. Sendo assim, mais uma mudança para os jornalistas, às quais logo se adaptaram, nesse caso as informações poderiam vir de todos os lugares e não apenas de cima. Com o aumento do número de leitores e publicidade, portanto, o assunto das notícias já deveria ser diferente. Segundo Traquina (2012), antes mesmo do século XIX, o interesse do público em notícias com viés sensacionalista começava a surgir. Logo, a notícia teve como sua maior característica contar aquilo que foge do típico, legal e afins. Foi no século XX que o público já estava com um grande interesse e atenção ao jornal quando as notícias circulavam com reportagens sobre a vida de pessoas reconhecidas publicamente e sobre os casos policiais. A origem desse interesse, segundo Pena (2006), surge com as gazetas, periódico italiano com informativos sobre o mercado, guerras, chegada de navios, e compradas com a moeda de mesmo

50 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 nome. Gerou polêmica, segundo Pena (2006), pois o periódico tornou-se palco de fala de alguns escritores a fim de contar a vida íntima de clérigos e realeza. Muitos acreditam, inclusive, que os tabloides britânicos e paparazzis são tão fervorosos e presentes, atualmente, na ilha da rainha por esse histórico na Europa desde o século XVI. Ainda na história, importante perceber, segundo a pesquisa de Pena (2006), que no ano de 1530 Henrique VIII já havia percebido que os impressos eram um ótimo local para esclarecer dúvidas quanto ao público. Certas confusões direcionadas a ele, por exemplo, eram esclarecidas nos jornais e a imagem da realeza, por conseguinte, melhorava perante a população. Conforme abordado anteriormente, a chegada dos leads e da pirâmide invertida trouxe um padrão a ser seguido, dando mais agilidade à leitura, ao deixar o mais importante no topo da matéria, filtrando informações a ponto do leitor ter em poucas linhas um resumo do que vem a seguir. Chegamos ao século XX. O lead foi introduzido no Brasil pelo jornalista Pompeu de Souza, influenciado pelos jornais americanos, segundo Pena (2006). A alteração move a estrutura da montagem do texto, o jornalista deve atenuar os principais acontecimentos de forma breve e daí surgem as perguntas clássicas: Quem fez? O que? Quando? Por que? Onde? Como? Além destes, Pena (2006) cita o professor João de Deus e diz que na realidade não são seis questionamentos, porém, nove, incluindo A quem? Para que? Com que desdobramentos? Assim, teríamos um agente passivo no lead, o entendimento por trás da situação e o pós acontecimento. A finalidade para tal contextualização histórica é observar, como tratado anteriormente, o momento em que os jornalistas sentiram a necessidade de expandir seus conhecimentos e voltaram a se envolver com a literatura. Logo, ao retorno da aproximação com o estilo literário, o profissional de jornalismo agora com mais espaço, tempo e liberdade sente a dúvida de como colocar em prática suas novas vontades, segundo Pena (2006). Os primeiros a realizar obras no gênero romance reportagem tiveram que moldar o modo de escrever; além disso, a linha tênue existente entre jornalismo e literatura era sempre perceptível. Pena (2018) apresenta a estrela de sete pontas e diz que no jornalismo tradicional os diversos fatores fazem com que o jornalista não desenvolva sua melhor forma no texto, seja pela pressão do chefe, o pouco espaço no jornal para a desenvoltura textual, falta de tempo e, por conseguinte, apuração rasa dos fatos. Sendo assim, destrincha sete modos quando se trata do assunto. O primeiro diz para não ignorar o que foi aprendido no jornalismo diário; o segundo tópico trabalha com a ideia dos limites ultrapassados do cotidiano e periodicidade, e tem a finalidade de extinguir a necessidade deles para conseguir trabalhar em um tema. O terceiro se encaixa no papel do jornalista em expandir a busca pela informação, detalhe que não seria possível no jornal tradicional,onde as informações serão mais mastigadas e por assim dizer, com mais detalhes. Em quarto, é necessário exercitar a cidadania e pensar como a abordagem daquele tema pode ser benéfico para a formação do cidadão. Em quinto, saber da importância em trabalhar as construções narrativas do texto e quebrar barreiras com o Lead. Em sexto, a necessidade de ter um espaço de entrevistas para pessoas comuns e não só aos especialistas,

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 51 como muito vimos nos jornais. E em sétimo, por fim, o texto não pode ser superficial, diferente das matérias de jornal que são esquecidas no dia seguinte; o objetivo neste caso é a permanência e assim se manter na memória dos leitores. Segundo Pena (2006), o jornalismo vai ao encontro de causas suspeitas, como a falta de comprometimento com a sociedade ao fugir do objetivo de disseminar a informação séria, justa e necessária. O exemplo de jornalismo que vai de encontro com a seriedade são os tabloides e jornais que não se preocupam com a veracidade de supostos fatos. Falta solidariedade e responsabilidade com a população. Até mesmo a grande mídia busca a audiência e patrocinadores a qualquer custo e esquecem a principal função do jornalismo: informar. Diante de tantos fatores, é compreensível a vontade de muitos jornalistas migrarem para um novo estilo narrativo, chamado romance-reportagem. Para o leitor, é atemporal qualquer obra escrita neste modelo pois os temas seguem a mesma linha de raciocínio. Não é preciso viver o tema trabalhado na obra naquele momento ou ser atual, basta ter interessados em estudar e pesquisar o caso. E jornalistas com vontade de destrinchar as mais variadas histórias não faltam.

3 NARRATIVAS ATEMPORAIS

Este capítulo tem por objetivo explorar os temas relativos ao surgimento da grande reportagem e como a influência desta técnica marcou uma geração e está por influenciar as futuras. O capítulo tem por base associar o romance-reportagem ao storytelling, ambos tão intimamente ligados. Ademais, estarão em discussão temas como o surgimento do romance, personagem e narrador. Além disso, haverá também reflexões sobre como a internet afetou a grande reportagem, de modo que a qualidade e rapidez se contrapõem com a época em que a fluidez de tempo e espaço é maioria.

3.1 Do romance-reportagem às novas práticas da oralidade (storytelling)

Com o surgimento do lead e a ruptura de diversos jornalistas com o modelo tradicional de noticiar, o romance-reportagem é criado como uma oportunidade de sair das amarras do tempo, padrão e técnicas das redações. É a reaproximação com a literatura, antes afastada pela objetividade e curto espaço nos novos modelos jornalísticos. Para Cosson (2001), o romance-reportagem é um gênero independente e autônomo que está situado entre os dois discursos, o jornalístico e o literário. O gênero busca influências na literatura para levar a notícia de uma forma mais aprofundada e detalhada. Contudo, por mais aproximado que seja o romance-reportagem continua com traços do jornalismo tradicional, como estruturas, respeito à norma culta e técnicas de reportagem.

52 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Gênero que resultou do entrecruzamento do gênero “literário” romance com o gênero “não-literário” reportagem, ou, em outras palavras, da intersecção das marcas constitutivas e condicionadoras da narrativa romanesca e da narrativa jornalística. (COSSON, 2001, p.32)

Ainda reflete quando diz que o romance-reportagem não pode ser considerado jornalismo, pois ele é romance. Assim como não é literatura por ser considerado reportagem. Tal aproximação leva o autor a defini-lo como um conjunto de narrativas, em que há fatos comprováveis, ao modo de uma reportagem, só que apresentadas com técnicas narrativas ficcionais. A definição de Pena (2006) é que nesse tipo de narrativa, o autor não inventa nada. Ele tão somente foca nos fatos e como irá passar para o leitor de maneira literária. Trata-se do cruzamento da narrativa romanesca com a narrativa jornalística. O que significa manter o foco na realidade factual, apesar das estratégias ficcionais. Para o autor, quem faz romance-reportagem busca representar de forma direta o real por meio da contextualização e interpretação de determinados acontecimentos. A preocupação não é apenas em informar, mas também em explicar, orientar e opinar, sempre com base na realidade. Os motivos aos quais perpassam o surgimento do gênero e como foi a criação dele tem raízes históricas. D’onofrio (2007) comenta ser a palavra romance indicada quando havia longas narrativas sentimentais, um modo cultural que viveu à margem da literatura oficial durante a época do classicismo no século XV. Com o passar dos séculos o romance foi ganhando espaço e, segundo o autor, se antes era considerado o filho bastardo da epopeia, tornou-se com o tempo a forma literária que melhor exprimia os anseios da nascente burguesia. D’onofrio (2007) contribui para o debate em afirmar que a literatura transpôs barreiras ao alcançar novas classes sociais, assim como a classe média, não se destinando mais apenas ao pequeno círculo de gente culta. Ávida de encontrar consignados em forma de arte, seus problemas existenciais, suas lutas, suas aspirações, na classe média, popularizou o romance na literatura fazendo crescer o interesse naquelas histórias que se pareciam tanto com o cotidiano do leitor. Sendo assim, o protagonista do romance, diferentemente do herói da poesia épica, não é mais um varão de ilustre prosápia que tem uma nobre missão a cumprir, mas um homem comum que enfrenta a dura realidade cotidiana: um médico, uma prostituta, um operário, uma jovem apaixonada. O romance chegou próximo da população por mostrar seus anseios, medos e incertezas. Os protagonistas eram fictícios, porém, havia uma identificação do leitor com o protagonista ou demais personagens. D’onofrio (2007) afirma que foi a partir do século XX, em especial, que o romance tornou-se a forma artística mais eficiente para expressar as perplexidades da realidade. Desse modo, ao entender as origens do romance cabe entender, neste momento, a história por trás de uma de suas ramificações, o romance-reportagem. No Brasil, segundo Cosson (2001), a expressão romance-reportagem surge em um primeiro momento, em um título de uma coleção publicada pela Editora Civilização Brasileira na década de 70. O nome, segundo o autor, foi questionado pelos próprios jornalistas ao editor Ênio

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 53 Silveira, por acreditarem que as obras baseadas em fatos e personagens reais narrados dentro dos moldes de uma obra de ficção não mereceriam ter só reportagem como nomenclatura. Embora perceptível o surgimento de um novo modelo de informar nas obras da coleção, um evento no país fez muitos jornalistas saírem das redações e escreverem ao máximo suas matérias em outro lugar que não os jornais. A década como vista anteriormente era a de 1970 e a censura às redações de jornais, aos jornalistas e músicos era, até então, a mais rigorosa. Com o AI-5 tornou-se ainda pior. Sendo assim, segundo Cosson (2001), muitos jornalistas sem direção e sendo constantemente censurados buscavam um lugar ao menos livre para pensar e trabalhar. Um espaço em que os profissionais encontraram liberdade de escrita foi no romance-reportagem. Eles estavam em busca de verdades e com a finalidade de noticiá-las e assim, deu-se o encontro com o gênero. O autor ainda sugere uma aproximação maior do gênero com a censura do que com a literatura. Cosson (2001) diz, que a literatura da década de 1970 era viva em obras que expressavam um compromisso e desejo com a veracidade, atualidade e referencialidade, todos elementos próprios do jornalismo.

Contudo, a prova mais concreta dessa relação entre jornalismo e literatura da década de 70 parece estar na constante “migração” de jornalistas para o terreno literário. Indicada pela presença considerável de jornalistas-escritores no mercado literário e o próprio surgimento e êxito crescente do romance- reportagem, a migração jornalística costuma ser apontada como uma das consequências imediatas da censura política que, impedindo os repórteres de escrever sobre o que sabiam, levava-os a buscar na literatura o espaço que lhes era negado no jornalismo. (COSSON, 2001 e p. 17).

Porém, nem todos os teóricos acreditam ser a ditadura um dos maiores motivos do sucesso do gênero. Na obra de Rildo Cosson (2001), Romance-Reportagem: o gênero, é citada a opinião de Silviano Santiago ao dizer que adverte quem pensa que a censura pode ser tomada como explicação direta para o fenômeno. Outros motivos citados são a já existente aproximação do jornalismo com a literatura, a influência de escritores americanos, a insatisfação de alguns da classe jornalística com o tempo curto para produção de matéria e afins. Já no século XXI o gênero ainda se faz presente, contudo, alguns novos modelos surgem tendo o romance-reportagem como referência. Muitas obras foram publicadas enquadradas nas narrativas de notícias reais, com personagens de verdade a fim de dar veracidade e aprofundamento do tema ao público, assim como Cidade Partida de Zuenir Ventura, Rota 66 de Caco Barcellos, Lúcio Flávio, o passageiro da agonia de José Louzeiro e Corações Sujos, de Fernando Morais. Estes novos modelos citados no parágrafo acima referem-se ao encontro da literatura e jornalismo no novo século e como os Millenials ou geração Y recebem as informações na era digital. A transição digital ocorre em tempos de globalização e aproximação dos meios com os usuários. Sendo assim, cada vez mais torna-se comum a matéria de descobrir a melhor maneira para atrair a atenção da pessoa ativa na internet. Ferarri (2014) comenta ser correlata

54 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 a relação dos consumidores nos shoppings com os que navegam pela internet. Eles passam por diversos lugares e de repente param naquela loja ou site que mais chamou sua atenção, entram no estabelecimento ou clicam em um link. Ferrari (2014) contextualiza o período de descoberta da internet e como os jornais se adaptaram ao novo meio. A autora diz que a maior parte dos jornais, a princípio, só reproduziam o conteúdo impresso no jornal e só posteriormente, em outra etapa, começam a aparecer veículos interativos e personalizados. O jornal pioneiro, segunda sua pesquisa, foi o norte-americano The Wall Street Journal, que no ano de 1995 lançou o Personal Journal, ficou conhecido pela mídia como “o primeiro jornal com tiragem de um exemplar”. A evolução dos sites de buscas, segundo Ferrari (2014), foi o impulsionamento dos portais nos EUA, já no Brasil, a autora acredita que quem impulsionou foram as próprias empresas de jornalismo. Ela comenta que o primeiro jornal a criar um portal foi o Jornal do Brasil em 1995 e logo depois o jornal O Globo acompanhou a tendência. Ferrari (2014) define o jornalismo digital como aquele que “compreende todos os noticiários, sites e produtos que nasceram diretamente na web.” Além disso, analisa como o profissional de jornalismo atua nesta nova área. Comenta que talvez o jornalista digital trabalhe até mais do que o de redação pois aquele acompanha a audiência da matéria em tempo real e dependendo do interesse do leitor, altera a chamada ou destaque da matéria. Enquanto este, fecha a matéria em horário determinado e só saberá das reações do leitor no dia seguinte. Um dos dilemas no meio digital é prender a atenção do leitor e para Ferrari (2014) isso ocorre muitas das vezes pelo próprio jornalista não saber utilizar as técnicas de hipermídia. Ferrari (2014) chama a atenção para o mercado de conteúdos ao dizer:

De 1997 até o final de 2000, os grandes sites de conteúdos brasileiros, assim como os norte-americanos, miraram sua pontaria na oferta abundante de conteúdo, muito mais voltado ao volume de notícias do que ao aprofundamento da matéria. (FERRARI, 2014, posição 397)

Sendo assim, o estudo de conteúdo torna-se importante quando o leitor está inserido em um meio em que há, em minutos, uma avalanche de notícias. Logo, aquela matéria que vier com mais argumentos e métodos de atenção ganhará a leitura do navegante da internet. Ferrari (2014) define como conteúdo a informação dada pelos sites aos leitores e podem vir em diversos formatos, entre eles o texto, vídeo, foto ou até mesmo infográfico. Existe, na contemporaneidade, uma técnica chamada Storytelling e que aborda exatamente o objeto de estudo, a aproximação da literatura com o jornalismo, qualidade do conteúdo da matéria e como esta técnica se aplica na grande reportagem.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 55 3.2 Confluência da Grande reportagem e doStorytelling

O romance-reportagem é constituído de personagens, histórias e narrativas. Porém, ao lado da literatura no gênero existe uma necessidade em criar uma boa estrutura de técnicas de reportagem. São modelos a serem seguidos a fim de criar uma maior conexão com o leitor. Quando um jornalista decide se aprofundar em um tema, há diversos fatores aos quais o profissional deve respeitar, como utilização da pauta, respeito às fontes, ética na montagem da matéria e conseguir discernir o que é de fato uma notícia e sua função social. Dessa forma, o jornalista insere-se na chamada grande reportagem que se utiliza das técnicas do jornalismo investigativo. E, cada vez mais o profissional de jornalismo aprendeu a se tornar bom em tudo, desde a redação até a edição, logo, não seria diferente na produção de uma grande reportagem. Nilson Lage (2001) contribui para o debate ao dizer que diferente dos moldes produtivos tayloristas no início do século XX, no qual os redatores redigiam e repórteres apuravam, no século atual e com o advento da tecnologia os jornalistas tiveram que se diversificar, o mesmo profissional apura, redige e participa na hora de editar. Lage (2001) ainda introduz o planejamento ao definir as principais ferramentas para uma boa elaboração da reportagem.

A pauta é o planejamento de uma edição ou parte de edição (nas redações estruturadas por editorias - de cidade, política, economia etc.), com a listagem dos fatos a serem cobertos no noticiário e dos assuntos a serem abordados em reportagens, além de eventuais indicações logísticas e técnicas: ângulo de interesse, dimensão pretendida da matéria, recursos disponíveis para o trabalho, sugestão de fontes etc. (LAGE, 2001, p.34)

Outra peça importante na construção de um texto investigativo para Lage (2001) é a fonte. O autor argumenta ao dizer que são raras as matérias originadas por integral de observação direta. A maior parte tem informações contidas por instituições ou pessoas que testemunham ou participam de eventos de interesse público. O jornalista após pensar na pauta e buscar suas fontes na matéria deve observar a forma como irá extrair ao máximo dessas pessoas as informações necessárias para a matéria. Sendo assim, a entrevista deve ser realizada de maneira que o entrevistado sinta-se à vontade para contar os detalhes e o entrevistador capaz de conseguir trilhar um rumo na entrevista, a fim de obter dados exclusivos. Lage (2001) traz a ideia de entrevista como aquele procedimento clássico de apuração de informações no jornalismo. É uma maneira de expandir a consulta às fontes, com objetivo de, geralmente, coletar interpretações e reconstituições dos fatos. Embora haja técnicas fixas vindas do jornalismo para elaborar uma grande reportagem, outras também estão presentes. Com a incessante necessidade do redator em pesquisar, a pesquisa torna-se crucial para um fiel cumprimento da realidade dos fatos, a fim de ter o máximo de precisão na interpretação do tema. Lage (2001) traz o pensamento de que sendo ou não complicada, a pesquisa é a base do melhor jornalismo.

56 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 O jornalismo investigativo surge como uma válvula de escape para aqueles jornalistas que sentem a necessidade de sair das amarras das redações, tendo, assim, a opção de estudar a fundo um caso que lhe encher os olhos. Lage (2001) introduz o argumento em afirmar que o jornalismo investigativo é normalmente definido como forma extrema de reportagem. Ao tratar de dedicação total de tempo e esforço por parte do profissional que irá realizá-la, é perceptível, portanto, que o repórter está apaixonado por aquela pauta. Como já mencionado no capítulo anterior, há uma grande importância em definir o que é de fato uma notícia. Quando um fato aparentemente casual se torna notícia? Muito além, quando esta notícia se torna tema de uma grande reportagem? Para Sodré (1986), cabe à notícia a essência em assinalar os acontecimentos, ou seja, tornar público um fato através de uma informação. Portanto, para Sodré (1986), independente do número de casos, só será considerado notícia aquele que for anunciado. Contudo, não é suficiente saber das técnicas de reportagem ou narrativa se não houverum alinhamento ético na profissão de jornalista. O jornalismo, segundo Bucci (2000), é conflituoso, e quando este conflito se torna ausente, um alarme deve soar. Para o autor, a existência da ética está pautada por ser a comunicação social um local de conflitos. Bucci (2000) traz a ideia de que a ausência de diversidade na imprensa deixará este lugar sem ética. O motivo se dará por somente grandes corporações terem direito ao local de fala, não deixando espaço para as minorias. Precisa existir a diversidade. O autor defende a necessidade de responsabilidades e diz: “A discussão ética só produz resultados quando acontece uma base de compromisso. Se uma empresa de comunicação não se submete na prática às exigências de busca da verdade e do equilíbrio, o esforço de diálogos vira proselitismo vazio.” O jornalismo tradicional, como visto nos parágrafos acima, segue uma linha de produção, técnicas e ética. Embora existam profissionais capacitados e experientes, pode ocorrer nas matérias o uso de técnicas para atrair ao público deveras contraproducente. Sendo assim, há a necessidade de expandir maneiras para trazer para o jornalismo novos leitores, haja vista a expansão do jornalismo digital. Nesse raciocínio, Cunha e Mantello (2000) contribuíram para o debate ao destrinchar uma técnica muito utilizada por diversas áreas, o storytelling. Afinal, entre tantas opções de conteúdo, aquele site, revista, livro ou jornal que são escolhidos para uma leitura têm muito a comemorar. Obter a atenção atualmente e fixá-la por determinado tempo está sendo tarefa difícil para os profissionais de comunicação. O storytelling trouxe na comunicação, em uma época digital, a reaproximação da literatura e jornalismo, tal qual o romance-reportagem fez. Palacios e Terenzzo (2016) comentam que com a revolução das telecomunicações, na década de 70, logo na época em que a censura era radical, essas mudanças alteraram a forma do brasileiro de se comunicar. Em meados de 90 houve a evolução da globalização. O boom do meio digital trouxe diversos conteúdos, uma enxurrada, deixando os consumidores dispersos em meio a tanta informação. A partir daí a noção de storytelling entra, como atrair a atenção dessas pessoas? Ele está presente nas empresas, editoras

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 57 e, além disso, foi tema da Cannes Lions (maior festival publicitário mundial). Sendo assim, os autores dão visibilidade para a importância da técnica. Cunha e Mantello alertam que o stoytelling foi criado a partir da necessidade em unir a nível transmídia os leitores. A técnica em paralelo com a literatura traz benefícios e dispõem:

A aproximação com o texto literário a partir da técnica do storytelling não tira o texto jornalístico do campo noticioso e o relato ainda ganha qualidade. Ele não se impõe ou interrompe, não invade, mas convida o consumidor da notícia a envolver-se. A técnica pode ser usada em qualquer mídia, do impresso ao digital, e faz com que o tal consumidor sinta-se seduzido pela criatividade. (da CUNHA e MANTELLO, 2014, p. 66)

Palacios e Terenzzo (2016) comentam que vivemos em um extremo, inseridos na subinformação e superinformação, simultaneamente. Por isso, a necessidade de se manter atento para conseguir captar informações de qualidade. Falam em poder da imersão, aquele momento em que a pessoa está totalmente inserida em uma narrativa, seja um livro, filme, seriado ou cinema. A pessoa desliga ou se desconecta do mundo virtual e mergulha em um mundo paralelo, voltando sua atenção em completo para ele. A economia da atenção é trabalhada por Palacios e Terenzzo (2016) e trazem a ideia de que para uma pessoa ter atenção em um tipo de comunicação, é necessária a satisfação dela nos campos de necessidades cognitivas, avaliativas e afetivas. Varia de acordo com o teor da mensagem, de quem recebe, das variáveis de condições do ambiente, formatos e afins. Tal economia é o estudo dos índices de atenção dos indivíduos e os autores citados no parágrafo anterior citam o economista estadunidense Herbert Simons, o qual observou que o volume de informação pode continuar crescendo, mas a quantidade de atenção humana é reduzida. Já Cunha e Mantello (2000) falam em texto sinestésico no storytelling, quando tem o objetivo de não permitir a fuga do sujeito daquele conteúdo. Para isso utiliza-se de tal sinestesia, ao atingir os cinco sentidos, a fim de prender a atenção do indivíduo. Além disso, esta técnica é muito bem empregada na humanização dos personagens, a notícia não é contada de forma impessoal, mas sim com uma atenção maior por quem faz parte dela. Uma das grandes evoluções do jornalismo digital foi, sem dúvida, da narrativa vertical. Pallacios e Terenzzo, comentam ser esse tipo de grande reportagem a do momento e que podem elevar o grau de qualidade de muitos jornais. Tal narrativa utiliza- se de ferramentas como imagens móveis e fixas, vídeos e infográficos. Inclusive, cresce o número de roteiristas de reportagens, pois há a necessidade de dar coesão às matérias. Já o poder da informação, segundo Palacios e Terenzzo (2016), está associado a um tempo distante. Para eles, desde o mais longo período da humanidade, histórias eram passadas a outras gerações. Rituais e mitologias eram importantes pois definiam a comunidade e todo seu conhecimento se resumiam às lendas e aos aforismos, provérbios e contos, encantamentos e cerimônias. Logo, aqueles que tinham as ferramentas para propagar o conhecimento, eram os

58 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 que possuíam maior poder de uma tribo. Nesse sentido, nada mudou no quesito detenção de poder correlacionado a quem propaga informações. Desse modo, para os autores citados acima, o storytelling no jornalismo se dá muito por conseguir alcançar aquele leitor em busca de uma boa notícia contada de forma atraente, como quando diz:

O jornalista deve conseguir contar uma história, propondo um jogo à sua audiência, revelando as repostas aos poucos, intrigando o leitor com pistas e evidências ao longo do caminho. (Palacios e Terenzzo, 2016, p. 142)

Além disso, na grande reportagem a técnica se faz presente por usar a narrativa com uma linguagem que aguça a curiosidade do leitor. Os personagens, o local, a época em que se passa, tudo ainda fará parte, de forma factual, atual, porém, dentro de uma narrativa.

4 DISCURSO JORNALÍSTICO EM DIFERENTES FORMATOS

Uma grande reportagem é composta por um tema no qual se pretende o aprofundamento, alguém que irá contá-lo sob seu ponto de vista, contexto histórico, personagens e suas histórias. Sendo assim, Arbex (2013) em sua obra Holocausto Brasileiro reúne o que há de melhor neste gênero. Este, realizado no meio tradicional, em formato de livro, com algumas de suas peculiaridades as quais serão vistas ao decorrer do capítulo. Porém, na contemporaneidade, é comum com o advento do storytelling as notícias nos portais jornalísticos como grandes reportagens. São matérias com meses de preparação e alto custo para os jornais por enquanto, pois demandam muita edição, envio de equipe aos locais, um forte roteiro e afins. Sendo assim, neste capítulo serão vistos os dois tipos de grande reportagem, o tradicional e o contemporâneo, suas formas de execução e impacto. Ademais, ao final será feita a comparação entre eles com base numa análise do formato de ambos os tipos.

4.1 Holocausto Brasileiro na perspectiva da Grande Reportagem tradicional

Arbex (2013) consegue atribuir em uma única obra questões complexas como o abandono familiar, a ignorância frente a diversos assuntos da saúde por parte do governo e cidadãos, o descaso com o ser humano e a polêmica estrutura psicológica brasileira. Porém, mesmo com tantos percalços durante a obra, ainda consegue transmitir, através dos personagens estigmatizados de “loucos”, sentimentos de amor e solidariedade. A grande reportagem escolhida por Arbex (2013) foi sobre o hospício de Barbacena, datada a sua criação em 1903. Suas instalações e tratamentos psiquiátricos eram tão desumanos que já foi considerado similar aos campos de concentração nazistas, fato este que deu ao nome da obra Holocausto Brasileiro. Desde o século XIX e na maior parte do XX, o local foi tema controverso das autoridades brasileiras e até mesmo do setor médico.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 59 De fato, a autora acredita, por sua incessante pesquisa e fatos narrados no decorrer do livro, ter sido aquele lugar um campo de concentração, tanto é verdade que sua dedicatória é voltada para os homens, mulheres e crianças que lá perderam suas vidas. Segundo Arbex (2013), o maior hospício do Brasil, conhecido como Colônia, localizado na cidade mineira de Barbacena, foi lugar de destino de pessoas que só se sentiam tristes ou algumas outras que eram epiléticas e tantas outras por serem tímidas demais, sem diagnóstico nenhum aparente.

A estimativa é que 70% dos atendidos não sofressem de doença mental. Apenas eram diferentes ou ameaçavam a ordem pública. Por isso, o Colônia tornou- se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos. A teoria eugenista, que sustentava a ideia de limpeza social, fortalecia o hospital e justificava seus abusos. Livrar a sociedade da escória, desfazendo-se dela, de preferência em local que a vista não pudesse alcançar. (ARBEX, 2013, posição 185)

A obra pega o leitor por fatos chocantes. Desde o início são mostradas imagens que nem em imaginação alguém poderia aceitar que tal realidade acontecesse tão perto de nós. São fotografias de leitos sem colchões e pessoas sem roupa tendo seus cabelos raspados. A atenção de quem lê acompanha a tristeza no olhar do fotografado e a narrativa que se segue atenua cada vez mais o sentimento de vazio.

Figura 1 - Leitos do Colônia

Fonte: Arbex (2013, posição 54)

60 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Figura 2 - Homem nu tem sua cabeça raspada no hospício

Fonte: Arbex (2013, posição 85)

A grande reportagem se vale dos detalhes, nela podem ser inseridas informações que não caberiam em uma reportagem de jornal diário. Embora o periódico dê ao leitor todos os dados necessários para compreender a notícia, ainda assim não cabe neste tipo de matéria o detalhamento das informações. Alguns dos motivos são o pequeno espaço e tempo curto para o jornalista produzir uma reportagem. Logo, os jornalistas se aventuram fora das redações e escrevem seus livros para explorar melhor algum tema que lhe chame a atenção. Portanto, enquanto se acompanha a leitura da obra de Arbex (2013), o leitor é transportado para aquela época cruel e violenta, pois os mínimos detalhes estão expostos na narrativa. Para sua pesquisa, Arbex (2013) entrevistou mais de cem pessoas, entre eles sobreviventes do Colônia, funcionários e médicos. Um deles, inclusive, foi peça chave para a obra ser concluída, Ronaldo Simões, psiquiatra do Colônia que perdera o emprego, no final dos anos 70, por protestar em relação ao modo como os pacientes eram tratados. Sua contribuição, portanto, seria contar à jornalista tudo o que vira dentro daquele lugar. Cada capítulo é estruturado com imagens, a primeira resume o tema central e as demais dão ilustração para o texto trabalhado durante a reportagem. Além das imagens, recursos como diálogos diretos também estão presentes. Ademais, a narrativa que chama a atenção e faz o leitor imaginar que está vivendo a situação é bastante utilizada, como em:

O antigo Arraial da Igreja Nova de Nossa Senhora da Piedade da Borda do campo amanheceu especialmente frio naquela segunda-feira de 1975. (ARBEX, 2013, posição 147)

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 61 Neste trecho citado no parágrafo anterior há de se observar a literatura e jornalismo caminhando em conjunto. Assim como foi visto durante esta pesquisa, a grande reportagem abre caminho para o jornalista transportar o leitor para o fato narrado, utilizando recursos como sensação de clima, sentimentos, época e afins. Só de ler imaginamos alguém ao acordar numa manhã fria de segunda-feira na década de 70. Dessa forma, Arbex (2013) busca em sua narração a empatia e reflexão de quem lê sua obra. Cada imagem segue com sua legenda e muitas chocam por tamanha realidade degradante, como pessoas bebendo água do esgoto a céu aberto que cortava os pavilhões do Colônia. Tal estrutura serve para não ficar só no texto a realidade vivida dentro do manicômio, mas também para ver com os próprios olhos, para não haver dúvidas.

Figura 3 - Homem bebe água de esgoto a céu aberto no Colônia

Fonte: Arbex (2013, posição 176)

Daniela Arbex (2013), jornalista respeitada e recém-mãe, conseguiu a confiança de muitas fontes com a finalidade de dar voz às pessoas que sofreram o massacre do Hospício e para que suas histórias não fossem esquecidas. Algumas das fotos do livro foram registradas por Luiz Alfredo, fotógrafo que participou em 1961 de uma reportagem da revista O Cruzeiro, com a proposta de contar a rotina do Colônia. Outras imagens foram cedidas por colaboradores, como Jairo Toledo, por exemplo. Poucos são os sobreviventes, visto o número de pessoas que já passaram por lá, e Arbex (2013) fez questão de contar a história da maioria deles. Muitas vezes quem era mandado para o manicômio nem lembrava o real motivo da decisão. A jornalista utiliza a própria fala de quem sobreviveu para contar suas histórias, dando mais credibilidade e voz para quem de fato sofreu tantos abusos.

62 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 A obra vai construindo uma narrativa de denúncia de maus-tratos e trabalho escravo. Com o olhar de quem viveu esta época e aqueles que tinham uma visão deturpada de como realmente era o Colônia. Cada capítulo é voltado para um esmiuçar de detalhes dentro do grande caldeirão de informações. Arbex (2013) decide, então, dividir o livro em partes e conta, por exemplo, fatos narrados pelos pacientes, pessoas que moravam ao redor do hospício, funcionários e até mesmo Foucault entra na narrativa. Holocausto Brasileiro foi premiado nacionalmente e internacionalmente por toda a sua peculiaridade e qualidade em narrar traços tão degradantes da história brasileira. A ele se devem mães que nunca puderam ver os rostos de seus filhos, doentes curáveis com remédios, porém, suas receitas vinham atestando a loucura como causa. Muitos sobreviventes ainda sentem o pesadelo que foi morar por tanto tempo dentro do Colônia, mesmo já estando fora dele. A dignidade foi roubada e talvez nunca mais recuperada. Arbex (2013), sem dúvidas, conseguiu um feito ao produzir uma grande reportagem com tanto respeito e empatia.

4.2 Snow Fall e A batalha de Belo Monte: O storytelling na grande reportagem virtual

Como visto nos capítulos anteriores, o jornalismo retornou a fazer parceria com a literatura a fim de deixar as notícias com uma narrativa mais atraente para os leitores. Sendo assim, com o advento dos portais de notícias, as empresas de comunicação tiveram que se adequar ao novo modo de fazer matérias. Porém, nem tudo que é novo é melhor do que o antigo, nem vice e versa. O que acontece com essa nomenclatura “novo” ou “velho”, é estigmatizar a qualidade de ambos. Há reportagens feitas no modo tradicional muito boas, assim como existem trabalhos realizados virtualmente de qualidade impecáveis. Desse modo, é importante frisar que ao chegar a era da internet, a influência dos grandes jornais impressos foram peça chave para os profissionais dessa nova jornada. Contudo, se a redação dos jornais já era tomada por pressão e prazo de entrega, na internet não seria diferente, ou talvez mais maçante ainda. Já devem ter observado que a notícia que chega ao celular de algum portal é atualizada por minuto ou a cada novidade. Pois é, a notícia tomou uma categoria expressa e assim vem sendo feita. Além disso, por falta de pessoal ou pelo número excessivo de informações, as notícias podem chegar quebradas, sem muita pesquisa por parte da equipe, ou infelizmente, pode vir a ser até uma fake news. Por isso, com tanta novidade, porém com pouco espaço, verba mal utilizada, os portais percebem que não é só por esse caminho que poderão alcançar novos leitores e assinantes. A partir daí, entram em cena as grandes reportagens virtuais, são reportagens de cunho investigativo e focadas em um tema específico. Estas reportagens terão espaço totalmente diferenciado no portal, desde a elaboração até a publicação. Este tipo de trabalho demanda uma equipe voltada tão somente para o trabalho, serão semanas e até meses de construção da linha

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 63 narrativa. Durante os próximos parágrafos ter-se-ão alguns exemplos de grande reportagem as quais se utilizam de abordagens próximas à literatura, romance-reportagem e storytelling. A ideia de como fazer uma grande reportagem na internet foi modificada em 2012. Ganhadora do Prêmio Pulitzer no ano seguinte, a reportagem Snow Fall: The Avalanche at Tunnel Creek, escrita pelo jornalista John Branch, tornou-se referência no mundo quando o assunto era notícia multimídia. Mas o que de tão diferente tinha essa matéria? O jornal The New York Times foi audacioso e corajoso em se aventurar numa nova forma de noticiar. A princípio, parece que se está lendo um livro, ao clicar na notícia o leitor é direcionado para a “capa” e percebe-se ser um vídeo em repetição contínua dando a impressão da imagem até então estática estar se movendo. Logo, o título da reportagem surge aos poucos e o fundo de neve se move com a ventania.

Figura 4 - Capa da reportagem Snow Fall no The New York Times

Fonte: Disponível em http://www.nytimes.com/projects/2012/snow- fall/index. html#/?part=tunnel-creek

No texto é que o storytelling entra, técnica de narrativa que busca atenção do leitor, seu objetivo é alcançado logo na primeira oração: “A neve arrebentou as árvores sem aviso algum, mas um último segundo de som, uma parede de dois andares de branco e o grito estridente de Chris Rudolph: “Avalanche! Elyse!” (Disponível no site http://www.nytimes.com/projects/2012/ snow-fall/index.html#/?part=tunnel-creek, acessado em abril de 2019, tradução nossa) Neste trecho acima citado é perceptível como a narrativa realmente atrai e como se aproxima à literatura, há exclamações e diálogos. Os detalhes estão presentes, o texto reproduz a sensação sonora e faz o leitor imaginar o som da neve ou o grito da pessoa. A partir daí, quem faz a leitura sente-se presente no ato. O storytelling no texto ocorre para haver uma construção de imaginário, se utiliza de cheiros, sons, cores e climas, como em um livro prestes a apresentar seu cenário e personagens.

64 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 No decorrer da reportagem, percebe-se a utilização de animações explicativas, vídeos, imagens e sempre na vertical. Inclusive, este é um dos nomes dado a este tipo de reportagem: narrativa verticalizada. Essa série foi dividida em seis partes e ainda inclui dois anexos referentes ao grupo de pessoas presentes durante a avalanche e o outro com imagem do mapa da montanha em que ocorreu o acidente. O nível de preparo dessa reportagem demandou tempo, dinheiro, conhecimento e sentimento. Como visto anteriormente, esta foi o estopim para gerar influência em terras tupiniquins. A seguir serão trabalhados exemplos de narrativa vertical brasileiros.

Figura 5 - vídeo com os sobreviventes da avalanche

Fonte: Disponível em http://www.nytimes.com/projects/2012/snow- fall/index. html#/?part=tunnel-creek

A Folha de São Paulo não demorou muito para acompanhar a tendência e lançou uma grande reportagem no estilo narrativa verticalizada. A Batalha de Belo Monte, lançada em 2013, ganhou notoriedade pela diferença e aprofundamento no tema. Discussão em voga na época, a Folha decide enviar cinco dos seus repórteres para fazer o trabalho de campo, entre eles estão: Marcelo Leite, Dimmi Amora, Morris Kachani, Lalo de Almeida, Rodrigo Machado.

A explosão às 6h da manhã arranca uma camada de 9 m de espessura do bloco de migmatito numa área de 750 m² que já foi a morada de árvores centenárias na zona rural de Altamira e Vitória do Xingu (PA). Assentada a poeira, resta uma montanha de fragmentos dessa rocha dura, aparentada com o granito. À meia-noite, nem um pedregulho estará mais ali. (Disponível no site http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo- monte/index. html, acessado em abril de 2019)

A atenção do leitor mais uma vez sendo capturada pela narrativa, em uma construção de tempo e espaço cautelosa, totalmente necessária para conseguir aumentar a curiosidade instalada no ser. A imagem de capa mostra homens à noite reunidos em torno de um pedregulho que faz parecer ser parte da construção. A fotografia gera no leitor uma sensação de trabalhadores cansados, tirada depois de horas de serviço, a luz forte sugere que ali perto não há outra fonte de energia senão aquela.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 65 Figura 6 - Capa da reportagem A Batalha de Belo Monte na Folha de S. Paulo

Fonte: Disponível em http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/index.html

A Folha dividiu a reportagem em capítulos e fez uso de gráficos, imagens infinitas (com preenchimento total da tela), vídeos e infográficos para deixar o debate mais acalorado e informativo. Além disso, buscou diálogos com empresas com propriedade de fala no assunto, além de especialistas na área. O portal possui um canal no Youtube, chamado de tvfolha, e foi inserido nesta grande reportagem para ilustrar com mais detalhes o andamento das obras e os impactos da hidrelétrica em relação às cidades ribeiras.

Figura 7 - Exemplo de imagens usadas pela Folha

Fonte: Disponível em http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/index.html

66 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Figura 8 - Vídeo da tv Folha para ilustrar a reportagem

Fonte: Disponível em http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/index.html

Figura 9 - Exemplo de imagem infinita utilizada na reportagem

Fonte: Disponível em http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/index.html

A forma como se constroi instiga o leitor a querer saber mais, o texto torna-se necessário para esmiuçar fatos complexos à imagem, já os gráficos e afins são utilizados para resumir aquilo que não ficaria tão explicativo de forma textual. A narrativa vertical também utiliza de imagens tela cheia, quase tela infinita. Diferente da Snow fall, a reportagem da Folha literalmente usou todos os recursos na vertical, inclusive quando quer mudar de capítulo. Enquanto naquela, o leitor precisa passar para o lado, nesta o leitor seleciona uma seta para alterar a janela direcionada para baixo e assim continuar a leitura. Além desses detalhes, outros tantos são interessantes de observar como o gênero se molda tanto ao meio tradicional quanto ao digital.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 67 Figura 9 - Observar canto inferior direito com a seta para a direita indicando como o The New York Times alternou a página na reportagem

Fonte: Disponível em http://www.nytimes.com/projects/2012/snow- fall/index. html#/?part=tunnel-creek

Figura 10 - Observar centro inferior com a seta para baixo indicando como a Folha alternou a página na reportagem

Fonte: Disponível em http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo-monte/index.html

4.3 Tradicional e digital: similitudes e dicotomias

Como já foi abordado anteriormente, não existe um formato considerado o melhor para realizar uma grande reportagem, o que existe são estilos. Alguns jornalistas escolhem o livro para se aprofundarem em determinadas notícias e outros o meio digital. Os que têm no livro o espaço para transpor suas informações sabem de suas peculiaridades, assim como os que possuem no jornal online.

68 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Os métodos de pesquisas para ambos os tipos são os mesmos. A análise e busca terá a mesma profundidade, como na busca de fontes e entrevistas. Além disso, é notória a semelhança de ambos se aproximarem da literatura na narrativa. Ela está presente para apresentar a história ao leitor, e será desta forma que o autor irá conseguir prender a atenção dele, por instantes, para convencê-lo a continuar a leitura. Embora literatura e jornalismo estejam próximos, não é só assim que o jornalista que desenvolve uma grande reportagem irá reter a atenção do leitor. A qualidade no desenvolvimento da história, a integridade das fontes, o respeito aos métodos de pesquisa jornalística são alguns dos outros exemplos observados por quem lê. Contudo, por serem desenvolvidos em formatos diferentes, há suas dicotomias. O ambiente no qual o leitor se insere já é diferente entre o meio tradicional e online. Quando o leitor se insere no modo leitura de uma grande reportagem em formato de livro, muito raramente terá tanta distração como se estivesse no meio digital. Não haverá anúncios ou chamadas para outros links ou livros. Contudo, não por isso a produção em livro seja mais fácil pois, afinal, o número de leitores digitais cresce cada vez mais, a concorrência é acirrada. Sendo assim, a narrativa precisa ser tão atrativa quanto na matéria online. Embora no tradicional haja a possibilidade de colocar imagens para ilustrar aquela reportagem, no atual acaba tendo mais opções de deixar mais visual aquilo que está escrito. Por exemplo, em Snow Fall, a equipe fez uso de vídeos com entrevistas, imagens com movimentos para simular a avalanche e afins. Assim como em Belo Monte em que a Folha colocou um vídeo do seu canal para deixar bem resumido ao leitor um assunto bastante complexo. Sendo assim, as semelhanças estão mais no cerne do jornalismo, na utilização das técnicas de reportagens. Como exemplo, tem a utilização, em ambos os casos, de fontes em on nas reportagens. Já as diferenças encontram-se na estrutura, nas prováveis distrações do leitor e na narrativa, pois no livro o conteúdo é muito mais denso do que na matéria online.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista o debate que se procurou estabelecer no presente estudo, conclui-se que o caminho do jornalismo está caminhando para o meio digital cada vez mais. Com o surgimento das novas tecnologias, houve uma necessidade em repensar as metodologias tradicionais a fim de inserir a imprensa nos novos meios de comunicação. Estima-se que a chegada de novos métodos alteraram as práticas jornalísticas. Portanto, o uso de novas técnicas, como o storytelling, será cada vez mais usual. Para entender melhor o uso dessas novas formas é necessário expandir o conhecimento em relação às origens da escrita, jornalismo e imprensa. Pois, a partir desse estudo conhecerão o cerne da comunicação. Ao tomar por base tal discussão, algumas correntes foram responsáveis em afirmar que o jornalismo foi criado desde a pré-história, enquanto outras afirmam ter surgido durante

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 69 encontros de viajantes e nativos, em que aqueles contavam suas experiências pelo mundo afora para estes. Além dessas vertentes, ainda existem aqueles que acreditam ser com os elementos modernos (periodicidade, atualidade, universalidade e publicidade) que o jornalismo realmente toma forma. A partir do que foi analisado, evidenciou-se por mim uma aproximação com a corrente que crê na existência do jornalismo desde os primórdios da humanidade. Basicamente por ser de fato, uma comunicação entre os que desbravaram o desconhecido com aqueles que aguardavam por informações. Foi verificada uma tendência no presente estudo, quando percebido que os portais e obras de grande reportagem se aproximam da literatura, a fim de criar narrativas capazes de atrair a atenção do leitor. Logo, jornalismo e literatura vêm caminhando lado a lado mudando as estruturas tradicionais. O storytelling, técnica que avalia e estuda formas de atração da atenção, é essencial para que no meio de tanta distração, o leitor atenha-se somente na leitura da reportagem. A partir do que foi observado foi verificada uma tendência de uma verticalização da reportagem. Ainda não é tão comum, porém, já é conhecido em periódicos ou portais de notícias sendo veiculadas em modo vertical. Inclusive, cresce o número de jornais com páginas em redes sociais utilizando de recursos tecnológicos neste modo verticalizado. A presente pesquisa suscitou uma observação em perceber que as técnicas de reportagem para a produção de uma notícia, obra de romance-reportagem ou grande reportagem ainda são necessárias para um bom trabalho. Sendo assim, o uso de entrevistas, fontes em on ou off, pesquisa acerca do tema e afins são essenciais para uma boa reportagem. Além disso, ficou claro que o romance-reportagem influenciou a produção futura da grande reportagem, foi a partir dele que os jornalistas sentiram-se à vontade para escreverem em seus tempos e assuntos. Por fim, é preciso ampliar as discussões sobre o tema para que se consiga entender melhor esse fenômeno que incide direta e indiretamente na forma de pensar.

70 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 REFERÊNCIAS

ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro. . São Paulo: Geração Editorial, 2013. COSSON, Rildo. Romance-reportagem: o gênero. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2001. CUNHA, Karenine Miracelly Rocha da; MANTELLO, Paulo. “Era uma vez a notícia: Storytelling como técnica de redação de textos jornalísticos.” Revista Comunicação Midiática 9.2 (2014): 56-67. FERRARI, Pollyana. Jornalismo Digital. 4 ed. São Paulo: Contexto, 2014. LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001. PALACIOS, Fernando; TERENZZO, Martha. O guia completo do Storytelling. Rio Janeiro: Alta Books, 2016. PENA, Felipe. Jornalismo Literário. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2018. PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2006. Snow Fall: The Avalanche at Tunnel Creek, The New York Times, acessado em abril de 2019. Disponível em: http://www.nytimes.com/projects/2012/snow- fall/index. html#/?part=tunnel-creek SODRÉ, Muniz. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986. TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. Florianópolis: Insular, 2005. TUDO SOBRE A BATALHA DE BELO MONTE, Folha de S.Paulo, acessado em abril de 2019. Disponível em :http://arte.folha.uol.com.br/especiais/2013/12/16/belo- monte/index.html

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 71 K-POP NO BRASIL ESTUDO DE CASO SOBRE A INFLUÊNCIA E O IMPACTO DA MÚSICA SUL- COREANA NO JORNALISMO CULTURAL DO PAÍS

Leticia de Andrade Ramos Paz Profa. Orientadora: Ana Cristina Rosado

RESUMO

Atualmente, o contato com culturas distintas está cada vez mais próximo e facilitado. Deste modo, o conhecimento sobre artistas, música, entretenimento de outros países tem crescido, atingindo a população, bem como os veículos de comunicação. O objetivo deste trabalho é mostrar em que medida o K-pop impactou a realização de pautas no jornalismo cultural brasileiro sobre o tema, como foi sua abordagem e repercussão, bem como a influência da música sul-coreana nos cidadãos brasileiros. Por meio de uma entrevista com administradores, editores e redatores de portais voltados para notícias sobre música e cultura, pode-se ter informações precisas, com perspectivas diferentes, sobre o efeito do Korean pop sobre a comunicação. A pesquisa de opinião procurou delimitar qual foi o resultado e a influência do contato das canções dos artistas da Coreia do Sul com o público do Brasil.

Palavras-chave: K-pop. Coreia do Sul. Jornalismo. Comunicação. Cultura.

1 INTRODUÇÃO

O K-pop, música pop da Coreia do Sul, está crescendo em grande escala no mundo todo nos últimos anos, principalmente no Brasil. A indústria musical movimenta cada vez mais a economia do país, além de gerar um grande reconhecimento e popularidade. As notícias dos veículos de comunicação sobre o tema estão em evidência. Desta forma, o presente trabalho buscará compreender a influência e o impacto da música sul-coreana nos brasileiros e nos jornais nacionais. Em que medida o Korean pop está atingindo a área de

72 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 comunicação social e como está sendo a sua abordagem no Jornalismo Cultural do país. A monografia vai procurar investigar os motivos que levam o indivíduo a ser fã, bem como a verificação de seu efeito na população brasileira e no jornalismo. Além disso, o trabalho buscará analisar até que ponto a música sul-coreana tem se destacado como um dos fenômenos da cultura de massa mais extravagantes que vem arrastando multidões atualmente. A autora deste estudo escolheu este assunto pela identificação com o mesmo e por seu gosto musical, além do fato de trabalhar na produção de conteúdo jornalístico voltado para os kpoppers, público que segue o K-pop. Introduzir o tema com o foco no Brasil, e principalmente na área em que estuda e trabalha, foi um fator essencial para sua seleção. Por ser um tema recente, sem muitos livros relacionados, o Trabalho de Conclusão de Curso contará, em sua maior parte, com referências retiradas da internet. Fontes digitais, como matérias de sites, ajudarão na compreensão de como a música sul-coreana é vista e noticiada no Brasil. A partir disto, a monografia será dividida em três partes. No primeiro capítulo, o jornalismo será abordado com sua definição, história e evolução. Para o jornalismo cultural, sua trajetória, características específicas e sobre o jornalista deste tipo de editoria. Já a cultura, sobre sua compreensão, disseminação pelo mundo e descrição da cultura de massa e popular. O segundo capítulo será especificamente sobre a música pop sul-coreana, o objeto de estudo do Trabalho de Conclusão de Curso. A autora abordará sobre as suas origens, surgimento, aspectos como o funcionamento da indústria, as estratégias de comunicação das empresas da Coreia do Sul, seu desenvolvimento e ascensão global. O terceiro capítulo terá como foco principal o K-pop no Brasil. O progresso e os acontecimentos sobre o tema no país, análise de veículos em relação à realização de matérias sobre a música sul-coreana e entrevistas com comunicadores que produzem este tipo de conteúdo. Estará presente também nesta parte a pesquisa no Google Forms, que será realizada virtualmente e compartilhada nas redes sociais para a avaliação do público e conclusão do TCC. A fim de delimitar o trabalho, para o estudo de caso, foram selecionados como respondentes, indivíduos que fazem parte do público amante do K-pop e também pessoas que trabalham na produção de matérias voltadas ao tema em questão. A pesquisa com os fãs será feita com o objetivo de compreender a razão do gosto sobre, tópicos como faixa etária e gênero, rede social em que existe um maior consumo, a proporção e especificação da influência em seu cotidiano, os grupos e cantores favoritos, entre outros fatores. A monografia se torna importante para o Jornalismo, por ser uma temática que está em alta atualmente e atua no pensamento, comportamento, traz mudanças, expectativas e interesses para a população e comunicação brasileira. Também por apresentar um assunto ainda pouco aprofundado em trabalhos acadêmicos no país, mesmo possuindo uma intensificação em sua popularidade recentemente.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 73 2 JORNALISMO E CULTURA

Este capítulo abordará a questão da definição de jornalismo, seu surgimento e uma breve passagem de sua história no mundo, com destaque no Brasil, bem como a definição de cultura e a trajetória do jornalismo cultural e características desta editoria a fim de situar o leitor na compreensão do estudo de caso.

2.1 Trajetória do jornalismo

Jornalismo é a função exercida pelo jornalista de informar a população dos fatos ocorridos diariamente. O profissional lida com notícias, dados e divulgação de informações. Pode ser feita através de variados meios de comunicação, como TV, rádio, internet, jornais, revistas, entre outros. Para Beltrão (1992, p. 67), “jornalismo é a informação de fatos correntes, devidamente interpretados e transmitidos periodicamente à sociedade, com o objetivo de difundir conhecimentos e orientar a opinião pública, no sentido de promover o bem comum”. Assim, o trabalho consiste na elaboração de textos em formato jornalístico para que os indivíduos obtenham conhecimento do que os cercam, sendo de diferentes editorias conforme o jornal. E ainda esta definição complementa-se abaixo:

O jornalismo é uma atividade intelectual (...), criativa e plenamente demonstrada de forma periódica, pela invenção de novas palavras e pela construção do mundo em notícias, embora seja restringida pela tirania dos tempos, formatos e das hierarquias superiores, possivelmente do próprio dono da empresa. (TRAQUINA, 2005, p. 22).

O ofício se forma pela ação de relatar acontecimentos em forma de notícia e divulgar para a população. É realizada sobre diferentes editorias, organizações e o modo como é feita muda constantemente de acordo com a evolução e desenvolvimento da raça humana e do planeta. Os interesses variam conforme a linha editorial do jornal, podendo focar em certos temas. O Acta Diurna, iniciativa do líder e imperador Júlio César, foi o primeiro jornal do qual se tem conhecimento . O general, em meados de 69 a.C., o criou com o objetivo de divulgar e informar os principais acontecimentos da República, como julgamentos, execuções, campanhas. As notícias eram expostas em grandes placas brancas em locais com uma quantidade grande de acesso. Na China, os jornais escritos à mão surgiram no século VIII. (HISTÓRIA..., 2013). Em 1447, a prensa, inventada por Johannes Gutenberg, deu início à era do jornal moderno, permitindo a livre troca de cultura e ideias, propagando o conhecimento. Os jornais tiveram grande circulação entre os comerciantes, pertencentes à classe média, fornecidos de informações sobre o mercado, eventualmente com um teor sensacionalista.

74 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Conforme Souza (2008), a criação de Gutenberg foi uma solução inteligente às necessidades de garantir as pessoas, que cada vez mais consumiam e apreciavam o impresso, um modo preciso de disseminar as mensagens escritas, à distância, para uma grande parte da população e com um custo reduzido. Os jornais começaram a surgir como publicações constantes a partir do século VXII. Os primeiros jornais modernos, Avisa Relation ode Zeitung e London Gazette, por exemplo, surgiram em países como França, Bélgica, Inglaterra e Alemanha, com notícias, em sua maioria, sobre a Europa. Raramente noticiavam sobre América e Ásia. Os ingleses relatavam derrotas sofridas pela França e os franceses escândalos da família real inglesa. Já os assuntos locais foram priorizados na primeira metade do século XVII, ainda assim controlados pelo governo, de modo a não abordarem nada que pudesse provocar o povo a uma atitude de oposição. A primeira lei de proteção à liberdade de imprensa surgiu em 1766 na Suécia. A invenção do telégrafo, em 1844, fez com que as notícias passassem a circular muito mais rápido, e assim, mudando fortemente o jornalismo. O sistema permitia a transmissão de mensagens entre grandes distâncias, possibilitando relatos mais novos. Como consequência, os jornais emergiram em todo o mundo e já eram o principal veículo de transmissão de informações. Para Traquina (2005, p. 5), “os avanços na rapidez de transmissão de informação, em particular o telégrafo e telégrafo por cabo, iriam ser o sinal de uma nova era do jornalismo, cada vez mais global e mais ligado à atualidade, que continua cada vez mais viva hoje, em que o tempo exerce um controle tirânico”. O autor acima se refere ao que iria se tornar obsessão dos jornalistas de dar notícias mais recentes em primeira mão e com exclusividade. Os “anos dourados”, período entre 1890 a 1920, construíram efetivos impérios editoriais. O surgimento do rádio e da TV transformou o jornalismo mais uma vez. Os editores tiveram que renovar os formatos e os conteúdos, a fim de torná-los mais atraentes, profundos e amplos. Devido à televisão, a circulação de jornais diminuiu, mas tal fato não os tornaram ultrapassados. De acordo com O’Boyle apud Traquina (2005), fatores como a evolução do sistema econômico, os avanços tecnológicos, fatores sociais e evolução do sistema político no reconhecimento da liberdade no rumo à democracia contribuíram para fazer do século XIX a “época de ouro”. No Brasil, o primeiro veículo de comunicação só foi inaugurado em 1808, sob o poder da realeza portuguesa. O jornal Correio Braziliense, chegando cladestinamente com ideias liberais, era editado por Hipólito José da Costa em Londres e tinha como oposição a Gazeta do Rio de Janeiro, veículo oficial da Coroa. A inserção demorada da imprensa no país foi causada pela repressão da atividade pelo governo de Portugal. A impressão ocorreu de forma ilegítima durante vários anos, até a chegada de D. João VI, quando o Brasil passou a viver a Época das Luzes, como observa-se a seguir:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 75 Foi [...] com a vinda de D. João VI que o Brasil conheceu realmente, embora em escala modesta, a sua Época de Luzes, como entrosamento da iniciativa governamental, do pragmatismo intelectual, da literatura aplicada, que finalmente convergiam na promoção e consolidação da Independência. Se a poesia desse momento é de qualidade inferior, são excelentes o ensaio e o jornalismo, que, levando à consequência lógica tendências didáticas da Ilustração, tomam o seu lugar no espírito das melhores e contribuem para criar a atmosfera de cujo adensamento sairiam as iniciativas de independência literária. (CANDIDO, 2000, p. 64).

Em 1840, com o Segundo Reinado, começaram a ocorrer mudanças.

Com a incorporação do folhetim às páginas dos jornais, a imprensa tornou- se espaço predominantemente literário, o que aumentou ainda mais na Belle Époque, quando o Rio de Janeiro já reunia grande quantidade de intelectuais que se dedicavam à vida literária. (LIMA, 2013, p. 33).

Desta forma, a narrativa era dividida de forma parcial e sequenciada com a intenção de prender o leitor. A rádio se instala no Brasil em meados dos anos 1920, alcançando mais camadas sociais, diferentemente do jornal que apenas se direcionava ao público letrado. Em 1930, surge a Rádio Nacional e a Rádio Record. A década de 1950 abre a época de ouro do jornalismo. O jornal Diário Carioca surge, trazendo uma nova forma de jornalismo impresso. Danton Jobim, funda a primeira faculdade pública de jornalismo no Brasil e introduz o Lead, a Pirâmide Invertida e um Manual de redação no diário, modernizando o jornalismo brasileiro. O Dia e Última Hora são fundados em 1951. Abaixo as definições dos novos conceitos que foram implementados:

• Lead: primeira parte de uma notícia que fornece ao leitor informação básica sobre o conteúdo, geralmente posto no primeiro parágrafo. • Pirâmide Invertida: tipo de redação jornalística que prioriza a disposição das informações em ordem decrescente de importância. Fatos mais interessantes abrem o texto jornalístico, seguidos dos de menor relevância. • Manual de redação: guia de regras de estilo e padronização de um veículo de comunicação.

Na citação abaixo, a criação destes três elementos causaria um impacto considerável no jornalismo nacional para os próximos anos:

Um dos mais significativos exemplos das transformações da linguagem jornalística, ocorridos sob a influência norte-americana, é o surgimento do lead na imprensa nacional, através da iniciativa de Pompeu de Souza, Danton Jobim e Luís Paulistano, efetivada no Diário Carioca, em meados dos anos 1950. Esse elemento serviria para a padronização jornalística nacional dos anos seguintes. (HOHFELDT e VALLES. 2008, p. 74).

76 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Em 1964, com o golpe militar, o jornalismo passou por grandes mudanças. Devido à censura, jornais alternativos surgiram e denunciavam abusos, torturas e violações dos direitos humanos. A imprensa alternativa era composta por jornalistas de esquerda ou de movimento popular, que, em sua maioria, foram despedidos dos grandes veículos de comunicação. Notícias foram reprovadas com, por exemplo, postagens de obras de poesias em seu lugar, de acordo com o seguinte exemplo:

O período que assumiu maior destaque, enquanto censura e falta de liberdade de imprensa, foi, segundo “História da comunicação no Brasil”, a Ditadura Militar que teve início em 1964 e final no ano de 1985. As formas de driblar as imposições da censura pelos veículos de comunicação foram diversas. O jornal O Estado de São Paulo publicou quase que por inteiro a obra de Camões, substituindo por sonetos e partes de Os lusíadas as notícias vetadas. Ao todo, o jornal teve, nesse período, 2592 matérias vetadas. (HOHFELDT e VALLES. 2008 p. 63).

O ano de 1975 é marcado pelo assassinato de Vladimir Herzog, jornalista chefe da TV Cultura. Os jornais alternativos, como Opinião e Em Tempo, continuaram existindo por pouco tempo. O Pasquim foi o que durou mais, de 1969 a 1988, sofrendo uma forte censura militar até a década de 1970. Já em 1980 teríamos uma abertura política maior, fazendo com que a imprensa alternativa não existisse mais, como pode ser visto a seguir:

A chegada da década de 1980 e, consequentemente, da abertura política, através do governo de transição realizado por João Figueiredo, trouxe o desaparecimento da imprensa alternativa, transferindo o engajamento sociopolítico para órgãos de sindicatos e partidos políticos, como é o caso, por exemplo, das greves do ABC, que originaram a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). (HOHFELDT e VALLES 2008, p. 78).

No fim dos anos 1990, a criação da internet gerou um impacto maior ainda nos veículos de comunicação. Informações mais rápidas ainda e em diferentes plataformas causaram novos desafios para a mídia impressa, pois o público agora teria a opção de se informaronline e em um período mais curto que antes. Além do fato onde, uma pessoa com acesso à web, pode produzir e consumir conteúdo, antes sendo algo impossível. Desde então, a procura por jornais impressos diminuiu. Os leitores recebem cada vez mais, a todo momento, dados pelo celular e pelo computador, seja através de sites e mídias sociais dos próprios veículos ou portais independentes, bem como as próprias pessoas que compartilham fatos e ajudam na disseminação da notícia. Com o passar do tempo, as funções estão sendo realizadas através das plataformas nas redes sociais. Hoje em dia, a maioria dos veículos possui páginas e perfis na web como Facebook, Twitter e Instagram como uma forma de compartilhar as matérias e de maior integração e interação com o público.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 77 Contudo, o jornalista passou a ter que desempenhar mais atividades, como edição de fotos e vídeos e a utilização de ferramentas das mídias sociais, devido ao avanço tecnológico e o crescimento do jornalismo digital. A produção de conteúdo para a internet trouxe um engajamento melhor com a população, assim, se tornando um dever do profissional se adequar e integrar a esta nova era. Consequentemente, o texto para jornal, revista e site apresenta diferenças. Com o jornalismo digital, matérias feitas para sites são menores, muitas vezes com uma linguagem não tão formal quanto as feitas para jornais e revistas. O leitor que compra o impresso, quer conteúdos maiores, com mais detalhes. Já os que circulam pela web procuram algo simples e resumido. A estrutura do jornalismo on-line é trabalhada com mais imagens, vídeos, enquanto do impresso foca mais na escrita do que a parte visual. Porém, todas com o objetivo de informar, trazendo temas atuais e relevantes, na maioria dos casos. A chegada da tecnologia atingiu os vários tipos de jornalismo, como o gastronômico, investigativo, internacional, mas, pelo foco do trabalho ser o cultural, terá uma abordagem especificada. A editoria de cultura foi uma das que mais foram atingidas pela proliferação da internet presente no jornalismo. O jornalista consegue registrar eventos culturais, por exemplo, como shows de modo mais fácil, também obter o conhecimento sobre o que acontece ao redor do mundo, ter acesso aos artistas, entre outros.

2.2 Cultura

A cultura se compreende por um conjunto de valores, representações, tradições, artes, religiões, passados por uma nação ao longo do tempo. Tudo que o ser humano aprende desde seu nascimento até sua morte, durante experiências e vivência com seu próprio povo e os demais. Segundo Gomes (2009), a palavra cultura se origina do termo latino culturam, dirigindo-se à ação de agricultar o solo ou o procedimento utilizado nesta operação. Embora, a prática da expressão ligada à sociedade só se tornou usual na segunda metade do século VXIII. Contudo, o sentido da palavra sofreu modificações com o tempo de acordo com Siqueira (2007, p. 11):1

Na metade do século XVI, o termo cultura foi empregado para designar o desenvolvimento de uma faculdade humana da mesma forma que se cultivava o solo. É interessante notar que o sentido do termo sofre uma transformação, passando do cultivo de alguma coisa para cultura como uma ação de aprimorar o homem. Não obstante, da cultura da terra à cultura do espírito humano, tem- se a passagem de um plano concreto para um plano abstrato: o pensamento.

Cada população possui uma cultura própria. Os costumes específicos passados de geração em geração constroem a história e a evolução dos povos. Um dos principais elementos de diferenciação cultural de um grupo é sua língua. É por ela que a comunidade se distingue

78 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 das outras, se comunica com os demais e expressa seus sentimentos. A escrita e a fala compõem a forma de propagação de contato. É devido à cultura que os habitantes de uma região se diferenciam de outra, criando até mesmo um tipo de perfil para cada nação, como a citação abaixo complementa:

No século XVIII, falamos de cultura como sendo a expressão do que há de mais singular em cada povo da face da Terra e que não se confunde com nenhum outro. Temos, portanto, a noção alemã Kultur, pensada pelos intelectuais alemães do século XVIII Para burgueses e intelectuais, os modos, gestos, costumes e hábitos da aristocracia alemã, tidos como refinados, eram manifestações falsas e superficiais copiadas da civilização francesa. Em oposição ao estilo de vida superficial das cortes, estariam os autênticos valores culturais que expressariam o espírito alemão (CUCHE, 1999 apud SIQUEIRA, 2007, p. 112).

Com a distinção de um tipo de cultura para outro, o homem acaba criando estereótipos de como uma biocenose se relaciona, suas características, tanto físicas quanto comportamentais. A cultura acaba se tornando fundamental para a distinção dos indivíduos de um local, mesmo que em determinado tempo possa se divergir, pois nem todos pensam da mesma forma dentro de uma sociedade. Como Caune (2014) afirma, a cultura é um tipo de comunicação. Os elementos quea constituem servem de ligação para a transmissão de mensagens dentro de uma nação e, também, compartilha para o mundo. Através dela é que determinada população sustenta hábitos ao longo dos séculos. Pode possuir aspectos imateriais, como ideias, normas e materiais como símbolos e objetos, como verifica-se na citação:

A antropologia cultural adotou várias linhas de investigação. Uma delas, a simbolicidade da cultura, afirma que todos os elementos culturais – fala, objetos, ações – têm um significado próprio, o que os torna signos, permitindo a caracterização das culturas como sistemas de símbolos e a aplicação da semiótica para seu estudo (GOMES, 2009, p. 5).

Em relação ao Brasil, por exemplo, a Ásia possui uma cultura extremamente diferente. Na Coreia do Sul, país da origem do K-pop, a conduta ligada ao estudo e trabalho são de grande relevância. Os coreanos são educados com uma alta pressão social, sempre almejando alcançar o topo de quaisquer tarefas que sejam passadas, o que resulta em uma taxa elevada de suicídio entre os cidadãos, ocupando o 4º lugar das maiores taxas de suicídio no mundo. (SUICIDE..., 2019). Sendo algo absurdo e pouco provável no contexto do pensamento dos brasileiros sobre. Outro fator é a diversidade cultural. Mesmo pertencendo a uma nação, os indivíduos podem (e tem) opiniões, valores diferentes. Pode ser em relação à religião, hábitos, culinária, até mesmo a percepção da própria região e dos elementos que a cercam.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 79 Devido à globalização, novos costumes e visões são implementados e mudados. Cada vez mais as novas gerações entram em contato com pessoas de diferentes culturas. A velocidade de informação pesa neste contexto, fazendo com que os seres humanos recebam e propaguem conteúdos mais facilmente. Não existe mais um centro do mundo, voltado exclusivamente para um país ou uma cultura. Por mais que existam potências globais e que influenciem uma maior parte da nação, não são mais superiores. Foram sumindo conforme as configurações e o alastramento da globalização. De acordo com Mundo Educação (RODRIGUES, 2019), a aculturação, onde uma cultura adquire conceitos de outra com base na convivência, é frequente na atualidade integrada, pois se tem um contato praticamente eterno com culturas de formatos distintos e regiões variadas. Logo, as possibilidades quanto ao cenário cultural foram se expandindo, levando a um pensamento mais aberto dos seres humanos perante a construção e definição da cultura e seus aspectos artísticos. A aldeia global sugere que todos estão interligados por efeito das novas tecnologias. Em consequência, as culturas e civilizações são atravessadas e articuladas por estes sistemas de comunicação. Na citação seguinte, verifica-se como as informações e os entretenimentos são produzidos, consumidos e vendidos como mercadorias:

Hoje passamos da produção de artigos empacotados para o empacotamento de informações. Antigamente invadíamos os mercados estrangeiros com mercadorias. Hoje invadimos culturas inteiras com pacotes de informações, entretenimentos e ideias. Em vista da instantaneidade dos novos meios de imagem e de som, até o jornal é lento. (MCLUHAN, 1973, p. 564-565).

Portanto, os jornais visam lucrar com o conteúdo que produzem. A cobertura de um show, tanto quanto a entrevista de um artista em alta, por exemplo, torna-se um meio de comércio cultural. A quantidade de visualizações, os acessos à matéria estão sendo o foco do jornalismo. Quanto maior, mais rendimento para o jornal. A cultura de massa é utilizada como mercadoria pelos veículos, tendo prioridade em relação às demais notícias. Dentro da definição de cultura de massa, Caldas (1987, p. 16) conceitua como:

[...] a Cultura de Massa consiste na produção industrial de um universo muito grande de produtos que abrange setores como a moda, o lazer no sentido mais amplo incluindo os esportes, o cinema, a imprensa escrita, falada e televisionada, os espetáculos públicos, a literatura, a música, enfim, um número muito grande de eventos e produtos que influenciam e caracterizam o atual estilo de vida do homem contemporâneo no meio urbano-industrial.

Os veículos se utilizam da cultura local como matéria-prima para a realização de matérias desta categoria, visando consequentemente o lucro, pois é algo atrativo para o público. De acordo com Morin (1997), a cultura de massa é o produto da comunicação entre a produção e consumo, porém, esta conversa é discordante. Os jornais, programas de rádio (produção), reproduzem

80 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 as histórias, narrações, se manifestam por meio de uma linguagem, já o consumidor não se expressa. Apenas escuta, enxerga ou se nega a ouvir ou a ver. Diferentemente da cultura de massa, a cultura popular é produzida pelo povo, criada por um grupo que possui participação ativa e representa os elementos culturais de uma nação, não visando apenas o lucro. Os costumes são passados dos mais velhos para os mais novos e transmitidos, em sua maioria verbalmente. Para Souza e Pereira (2014), ela surgiu da relação constante entre indivíduos de lugares distintos e da necessidade da espécie humana de se ajustar ao meio social que a cerca. Embora cada pessoa possua uma noção do que é popular, devido à sua herança cultural. Consegue-se perceber a diferença da cultura popular para a de massa quando, conforme o tempo, distinguimos o que é algo passageiro e o que é estável, se tornando a parte fundamental, a significação de um grupo. “A cultura popular é influenciada pelas crenças do povo em questão e é formada graças ao contato entre indivíduos de certas regiões.” (SIGNIFICADOS, 2019, p. 1). O convívio com pessoas de outras culturas entra em questão, pois a diversidade cultural tem um peso na influência da cultura popular. É devido a ela que se passa a conhecer outros hábitos, podendo sofrer uma apropriação. A influência também se aplica no ofício do jornalismo cultural. Os jornais são uma forma de divulgação e propagação de culturas para a população. Conforme a disseminação das matérias na área da cultura, as pessoas ficam sabendo de, por exemplo, eventos, curiosidades sobre determinado país.

2.3 Jornalismo Cultural

Para Gomes (2009, p. 8) o jornalismo cultural é “o ramo do jornalismo que tem por missão informar e opinar sobre a produção e a circulação de bens culturais na sociedade. Complementarmente, o jornalismo cultural pode servir como veículo para que parte desta produção chegue ao público. ” A editoria é responsável pela cobertura de quaisquer eventos culturais, das mais diversas artes, e encarregada de transmitir a cultura global para a população. O jornalista cultural tem o poder de influência e de propagar as mais diversas culturas pelo planeta. É através de seu trabalho que a população passa a saber dos costumes, eventos, artes, por exemplo, de outros países, enriquecendo sua visão sobre o mundo. Na citação abaixo, Ballerini destaca a invenção de Gutenberg como sendo um marco, mesmo que de forma indireta, para o jornalismo cultural:

Embora não seja uma data-chave para o jornalismo cultural, não há dúvida de que a invenção do tipo mecânico móvel para impressão por Johannes Gutenberg, por volta de 1450, é um marco indireto dessa área do jornalismo, uma vez que a publicação de livros, poemas e textos teatrais impressos também fez surgir a crítica a essas áreas. (BALLERINI, 2015, p. 16).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 81 Por mais que já existisse a prática de impressão em bloco na China e no Japão no século VIII, e um tipo móvel criado pelos coreanos no século XV, foi o invento de Gutenberg que fez com que as artes fossem alastradas, principalmente a literatura, oferecendo maior crescimento para o jornalismo cultural. Com a criação da revista The Spectator, por Richard Steele e Joseph Addison, em 1711, o jornalismo cultural deu seus primeiros passos. A revista abordava assuntos como livros, óperas, costumes, festivais de música e teatro, política com o objetivo de “tirar a filosofia dos gabinetes e bibliotecas, escolas e faculdades e levar para clubes e assembleias, casas de chá e cafés”. (PIZA, 2003, p. 11). A relevância e impacto do jornalismo cultural no Brasil só chegou um bom tempo depois do invento de Steele e Addison. Dele, surgiriam vários escritores nacionais da área. Um deles, chamado Machado de Assis, como Piza (2003) observa, surgiria no fim do século XIX, quando o jornalismo cultural se fortaleceu no Brasil. Assis iniciou sua carreira escrevendo ensaios semanais, como crítico de teatro e polemista literário. Vários outros escritores brasileiros também passaram por essa editoria dos jornais. O ano de 1922 é marcado pelo lançamento da Klaxon, primeira revista modernista do país, logo após a Semana de Arte Moderna. Nomes como Sérgio Buarque de Holanda, Tarsila do Amaral, Mário e Oswald de Andrade estavam entre os artistas colaboradores. Em 1928 é criada a revista O Cruzeiro, em um formato moderno apresentando o conceito de reportagem investigativa, apta a atingir todos os públicos e com publicações de contos e novelas.

O caderno de cultura é criado a partir dos anos 1950 nos jornais impressos diariamente. O Jornal do Brasil, em 1956, inaugura o “Caderno B”, percutindo o moderno jornalismo cultural brasileiro e se tornando uma referência para a crítica cultural da época. De acordo com a autora abaixo isto pode ser comprovado: O caderno do JB funda uma tendência dentro do cenário das publicações abrindo frentes para outras experiências como a do “Suplemento Literário” de O Estado de São Paulo, dirigido por Décio de Almeida Prado. E, para o aparecimento de nomes importantes para a crítica cultural como Paulo Francis, que inicia sua carreira como crítico de teatro no Diário Carioca em 1957 e passa, posteriormente, pela Última Hora e Pasquim pela Rede Globo e GNT. (MELO, 2010, p. 2-3).

Deste modo, além de revelar figuras relevantes na época, o Suplemento Literário atuou como um extenso meio de transmissão da cultura literária para o povo, tanto a literatura brasileira como estrangeira, tendo em seu conteúdo obras de diversos países. Lima (2013) afirma que uma das finalidades do Suplemento era atuar como um canalde atualização da cultura literária. O jornal era voltado para a produção brasileira atual, para a construção do cânone local, bem como para a literatura dos demais países, com obras literárias italianas, espanholas, africanas, libanesas, hebraicas, entre outras.

82 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 “O Suplemento lançou um modelo que seria mais tarde seguido por todos os cadernos de livros [...] e fez dos anos 60 a década mais memorável do jornalismo cultural brasileiro.” (PIZA, 2003, p. 37). Pois mudou a maneira como os jornais cobriam e produziam conteúdo voltado para a área de cultura. O cartunista Jaguar cria o jornal semanal Pasquim em 1969 a fim de modernizar a linguagem do jornalismo brasileiro e lutar contra a ditadura. Em 1980, os cadernos culturais a Ilustrada da Folha de São Paulo e o Caderno 2 do O Estado de São Paulo são criados. Na citação observa-se a influência daA Ilustrada sobre os cadernos dos jornais da época:

A Ilustrada criou um modelo de cobertura cultural que influenciou os cadernos dos grandes jornais da década de 1980 em diante. Esse novo formato foi objeto de crítica de autores que localizam nessa década o início da decadência do jornalismo cultural, por privilegiar a informação e não a reflexão, por ter apostado na modernização gráfica e na linguagem simplificada com o objetivo de conquistar o leitor jovem. O jornal privilegiou a informação, a fragmentação, com espaço restrito para publicação de artigos de crítica. Quando eram publicados, estes apareciam na forma de polêmica, com réplicas e tréplicas entre seus autores numa estratégia de conquista de público. (LIMA, 2013, p. 78).

Na década de 1990, a indústria cultural brasileira se expandiu com as TVs por assinatura e a internet comercial. Os jornais passaram pela crise das empresas de comunicação, fazendo com que houvesse corte de salários, demissões, terceirizações e mudanças de controle acionário. Assuntos como moda, gastronomia e design aumentaram seu público e, como consequência, fizeram com que os jornais abordassem mais sobre. Para Piza (2003, p. 57), “tudo isso é, de certo modo, um ganho para o jornalismo cultural, pois abre fronteiras. [...] No entanto, [...] tem ajudado a deixar o jornalismo cultural numa posição tímida diante do marketing e da dimensão [...] da chamada indústria do entretenimento ”, referindo-se ao crescimento de capas das seções culturais sobre eventos, temas de apelo dos leitores, mesmo sendo considerados banais ou não, por conta da facilitação aos editores por não ser algo de cunho sério ou crítico. Os jornais visam, não só apenas expor certo tipo de conteúdo relevante, mas também atrair a atenção do leitor. Deste modo, matérias que são consideradas mais populares são de preferência do jornal. E, atualmente, com a velocidade da informação, a preocupação, e de certa forma meta, é de postar mais rápido que os demais veículos. Uma função específica de quem escreve para essa editoria é o fato de poder redigir textos de resenhas de cunho crítico. Nesta composição, cabe ao redator relatar fatos relacionados ao cotidiano cultural de forma crítica, a fim introduzir e trazer ao leitor reflexões a respeito de determinada criação artística, o diferenciando do relato comum e neutro das demais áreas. (ARAÚJO, 2019). Mesmo tratando de uma crítica, pode-se escrever pontos negativos e/ou positivos sobre uma obra e também recomendá-la. Outras modalidades de textos culturais são: artigo de opinião, crônica e reportagem, das quais as definições se encontram abaixo:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 83 • Artigo de opinião: texto dissertativo-argumentativo, geralmente sobre temas atuais, onde certo assunto é apresentado juntamente com o ponto de vista do autor. Tem o objetivo de informar e convencer o leitor por meio da argumentação do jornalista. • Crônica: pequeno texto narrativo sobre acontecimentos rotineiros, normalmente produzido para jornais e revistas. • Reportagem: texto não-literário divulgado por revistas, rádio, televisão, revistas, internet, entre outros. O repórter é o responsável pela apresentação da reportagem, que pode ser de quaisquer temas.

Um aspecto interessante sobre este tipo de jornalismo é o fato de diferentes críticos analisarem peças, músicas, shows, tendo como exemplo, e escreverem resenhas completamente divergentes sobre uma mesma produção. A entrevista em grupo, mais conhecida como coletiva de imprensa, e a entrevista individual são as mais realizadas na área de cultura. Um artista, por exemplo, marca entrevistas individuais com cada veículo de comunicação ou faz uma coletiva em um lançamento de um projeto com o propósito de divulgar seu trabalho. Na citação a seguir, complementa-se estes tipos de entrevista:

Entrevista individual é marcada com antecedência, apresentando ao entrevistado o tema da pauta. A entrevista é concedida apenas a um jornalista, após o devido preparo das respostas, que foram elaboradas pelo entrevistado ou mesmo por sua assessoria. Coletiva de imprensa ocorre com a participação de vários jornalistas, que se revezam nas perguntas feitas a uma ou mais pessoas. Todas as respostas são aproveitadas pelo grupo de jornalistas, mas se destacam os que fazem as perguntas mais importantes e criativas sobre o tema da coletiva. (FELIX, 2017, p. 1).

Tanto a individual quanto a coletiva são excepcionalmente valiosas para o jornal e para quem está lançando uma música, turnê, seja o que for. Ambos possuem o intuito de cativar e atrair o público com seu conteúdo, e dependendo do desenvolvimento delas, irão obter sucesso ou não. Por isso é essencial que o jornalista saiba fazer as perguntas apropriadas e que o entrevistado responda de maneira correta. O jornalista cultural precisa ser imparcial e não ter preconceitos em relação às diversas culturas. Lidando com a cultura asiática, por exemplo, pode haver um choque cultural, devido à diferença de costumes e valores entre o Ocidente e Oriente. Deve respeitar, mantendo uma postura ética perante a realização de matérias, entrevistas, coberturas, entre outros. O profissional precisa estar informado de todos os assuntos, estar atento às tendências, ler a imprensa nacional e estrangeira, a fim de obter uma visão mais ampla sobre todas as artes e o que está acontecendo ao redor do mundo no momento. Assim, estará apto para cumprir sua função de forma correta. Desta forma, assuntos ligados ao jornalismo cultural, como o K-pop, estarão dentro de seus conhecimentos e poderão ser abordados de uma maneira clara, adequada e aprofundada, contribuindo para a divulgação, neste caso, da indústria de música sul-coreana para o público.

84 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 3 KOREAN POP

A música sul-coreana é apontada como um dos fenômenos da cultura de massa mais exuberantes e modernos, cativando milhares de pessoas ao redor do mundo na última década. Por isso, o segundo capítulo abordará sobre as origens, a história e a popularidade do K-pop. Além do sistema de desenvolvimento dos artistas, as estratégias de comunicação das empresas de entretenimento sul-coreanas e as notícias referentes ao gênero musical no jornalismo.

3.1 Definição, surgimento, história

O K-pop (abreviação de Korean pop) é o termo utilizado para definir a música popular coreana ou música pop coreana. Envolve diversos ritmos, estilos, elementos audiovisuais e vários outros aspectos. De acordo com o Korean Culture and Information Service (2011), um dos primeiros traços das origens da música coreana pode ser visto quando o missionário Henry Appenzeller, em 1885, começou a ensinar hinos e canções folclóricas estadunidenses e britânicas em uma Universidade coreana. Estas músicas, chamadas de “Changga”, eram adaptações de melodias da Inglaterra e América expressando sentimentos contra a opressão japonesa na época. O primeiro álbum coreano considerado desta categoria foi o “Yi Pungjin Sewol” (This Tumultuous Time) de Park Chae-seon e Lee Tyue-saek, composto por músicas pop japonesas traduzidas para o coreano, lançado em 1925. Já a primeira canção pop coreana foi lançada em 29, por Lee Jeong-suk, chamada Nakhwayusu (Fallen Blossoms on Running Water). Depois da libertação da ocupação japonesa em 1945, a música popular coreana passou por uma confusa fase de mudança. A península foi dividida em duas: sul anticomunista e norte comunista, seguida pela Guerra da Coreia em 1950. Apesar do conflito ter causado danos gigantescos para o país, novos tipos de música foram introduzidos e se espalharam entre a população, como pode-se ver na citação abaixo:

Com um grande número de tropas americanas instaladas na Coreia do Sul, a nova música pop americana foi introduzida aos coreanos como algo natural. Grupos da United Service Organizations (USO) frequentemente visitavam a Coreia do Sul para apoiar as tropas dos EUA. Estrelas como Nat King Cole, Marilyn Monroe e Louis Armstrong realizaram shows na Coreia do Sul, criando grande agitação entre o povo coreano. (KOREAN CULTURE AND INFORMATION SERVICE, 2011, p. 49-50, tradução).

Ilustrando a citação anterior, na Figura 1, observa-se uma das atrizes mais famosas da época, Marilyn Monroe se apresentando no país:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 85 Figura 1 ‒ Marilyn Monroe na Coreia do Sul em fevereiro de 1954

Fonte: ARBUCKLE (2016).

Em 1957, a transmissão da estação de rádio das forças armadas dos Estados Unidos foi iniciada, o que faria com que a cultura pop americana fosse importada para o país, influenciando o estilo de música dos sul-coreanos. Neste mesmo período, cantores coreanos começaram a ganhar dinheiro se apresentando em clubes do exército dos EUA. O Serviço de Informações dos Estados Unidos realizou audições e, os aptos para cantar, chegaram a ganhar US $ 1,2 milhão por ano. Na década de 1960, se recuperando dos danos causados pela Guerra, a Coreia passou por uma fase de cura e houve um crescimento econômico, urbanização, inauguração das primeiras emissoras de TV e o cinema coreano. Os músicos, que antes realizaram shows nos clubes do exército, se apresentaram para outros públicos, bem maiores. Com o sucesso dos Beatles chegando ao país, as primeiras bandas de rock nacionais apareceram também. A primeira, chamada Add4, foi criada em 1962, seguida pelo primeiro concurso de talentos para bandas de rock. Artistas locais como The Kim Sisters, Yoon Bok-hee e Patti Kim obtiveram sucesso internacionalmente. Nos anos 1970, a influência da cultura Ocidental estava cada vez mais presente, principalmente entre os jovens. Porém, existia um conflito entre a geração mais antiga e a recente, pois uma preferia o estilo de vida americano, enquanto a outra tinha uma visão contrária, sendo mais conservadora por conta da guerra e da opressão japonesa. O gênero musical Folk estava tão em alta, que a emissora MBC (Munhwa Broadcasting Corporation) promoveu um concurso de música para estudantes de universidades, o qual serviu de pilar para diversas competições musicais que continuam até atualmente. Além disto, foi uma época em que os DJs começaram a ser tornar populares.

86 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Diferentemente da década anterior, os anos 1980 foram dominados pelas baladas, músicas românticas de ritmo lento, que em sua origem eram canções folclóricas ou líricas compostas por poetas e compositores. As obras “Gakkai Hagien Neomu Meon Dangsin” de Lee Gwang- jo e “Nan Ajik Moreujanayo” Lee Moon-se, por exemplo, obtiveram grande sucesso, fazendo com que este estilo se tornasse um formato famoso. O cantor Byun Jin-sub foi considerado o príncipe das baladas, devido à popularidade de seu trabalho, segundo a citação abaixo:

O hit do cantor de baladas Byun Jin-sub em 1988, “Hollo Doendaneun Geot” (Being All By Myself), contribuiu decisivamente para o estabelecimento da balada pop como um dos pilares da música pop coreana. Outra música de Byun, “Sungnyeoege (To My Lady)”, também teve sucesso, e uma série de baladas populares o levou a ganhar o apelido de “Prince of Ballads” na Coreia. A tendência das baladas continuou até os anos 90, com sucessos de Shin Seung-hun e Lee Seung-hwan. (KOREAN CULTURE AND INFORMATION SERVICE, 2011, p. 61).

Apesar de outros cantores sul-coreanos como Kim Sisters, Han Dae-soo, Lee Gwang-jo terem surgido e feito sucesso antes da década de 1990, o grupo reconhecido e responsável pelo marco do K-pop foi o Seo Taiji and Boys, criado em 1992. Era composto por 3 integrantes e ficou ativo até 1996, quando Seo decidiu encerrar as atividades do grupo. Na Figura 2 a seguir, uma foto do grupo da época:

Figura 2 ‒ Seo Taiji & Boys da década de 1990

Fonte: The Korea Times (2018).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 87 Segundo Russell (2017), “Nan Arayo”, que foi seu primeiro single (canção lançada individualmente), ficou no topo das paradas durante uma boa parte de 1992, começando uma revolução musical em toda a Coreia do Sul. O Boygroup transformou o mercado da música coreana por apresentar canções com letras inovadoras, abordando temas como pressão social, angústias e problemas da sociedade sul-coreana, além de misturar diversos gêneros musicais e apresentar uma coreografia energética, conquistando o público. Pode-se ver abaixo a relevância e impacto do grupo:

A enorme popularidade do Seo Taiji & Boys levou a indústria de música a reconhecer os adolescentes como uma nova audiência demográfica. Com a mídia de massa aproveitando o crescimento do poder dos adolescentes coreanos, a indústria de música mudou seu foco para a música pop centrada nos adolescentes nos anos 90. A partir da metade da década, essa mudança fundamental serviu como um trampolim para o nascimento de grupos de ídolos. (KOREAN CULTURE AND INFORMATION SERVICE, 2011, p. 64, tradução).

Nos anos seguintes, três gravadoras, que até hoje compõem as maiores do país, são fundadas. Em 1995, a S.M. Entertainment é criada pelo produtor e cantor Lee Soo-man. Em 1996, o ex- integrante do Seo Taiji & Boys, Yang Hyun-suk, dá início à YG Entertainment, e em 97, a JYP Entertainment é inaugurada pelo cantor Park Jin-young. Novos grupos lançados neste período, como por exemplo, Shinhwa, Sechs Kies e FinK.L, formaram a chamada Primeira Geração do K-pop e começaram a propagar a música sul-coreana internacionalmente. O H.O.T., um dos primeiros idol groups sucedidos criados pela SM na época, serviu de extrema influência para o futuro dos grupos e foi o pioneiro no que diz respeito ao conceito de grupos de meninos e meninas voltados para a população jovem, bem como o sistema de treinamento e formação de estrelas do K-pop. As agências começaram a implementar uma série de etapas dentro da constituição e preparação de indivíduos a fim de aprimorar e melhorar ainda mais seus talentos. De acordo com Russell (2017, p. 15), o fundador de SM Entertainment, Lee Soo-man, “percebeu que os artistas tinham que aprender mais do que apenas cantar e dançar. Eles precisavam de toda uma gama de habilidades, como humildade, atitude, modo de falar e como lidar com a mídia”. Além destas competências, os trainees (estagiários) das empresas, passam anos tendo aulas de idiomas como inglês, japonês e mandarim, atuação, rap, entre outras. No final da década de 1990, mais precisamente em 1997, a Coreia do Sul passou por uma crise financeira, o que levou várias companhias de K-pop a procurarem oportunidades no mercado exterior. O grupo H.O.T., por exemplo, lançou um álbum em mandarim, o que consequentemente deu início à propagação da música sul-coreana ao redor do mundo. Vários grupos desta Primeira Geração dos anos 1990 deram disband (expressão para indicar o fim de um grupo) com pouco tempo de atividades, por conta do envelhecimento e falta de estratégias para permanecer no mercado musical. Por terem sido desenvolvidos unicamente por agências de entretenimento, não puderam aprimorar um estilo de música próprio.

88 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Devido ao crescimento absurdo do uso da internet, principalmente pelos sul-coreanos, e a introdução do MP3 player no começo dos anos 2000, a compra de CDs em lojas decaiu, pois, as pessoas passaram a adquirir arquivos digitalizados. Isto fez com que as gravadoras focassem e definissem estratégias para alcançar o mercado exterior. Como a forma de consumo começou a mudar, os músicos também passaram a modificar o modo pelo qual produziam seu trabalho. Os artistas que foram lançados depois da virada do século começaram a estrear com singles ou miniálbuns, e não mais com álbuns completos, fazendo com que tivessem menos tempo para cativar o público. Por conta disto, os refrões são repetitivos e viciantes, designados justamente para atrair as pessoas. O uso de frases em inglês nas músicas também se encaixa nesta circunstância de conquistar uma audiência mais ampla, além da influência dos Estados Unidos na Coreia pelo contexto histórico. O primeiro exemplo de sucesso internacional de um artista coreano foi a cantora BoA, que se tornou uma sensação no Japão no início do século, como é mostrado na próxima citação:

Em 2002, ela liderou o single chart Oricon do Japão com a música “ID: Peace B”, dois anos depois de sua estreia na Coreia em 2000. Embora muitos músicos pop coreanos tenham expandido seu alcance ao mercado pop japonês, nenhum deles chegou ao primeiro lugar no gráfico da Oricon. Nesse sentido, o sucesso de BoA foi visto como revolucionário. Mesmo antes de sua estreia, a BoA estava recebendo treinamento personalizado para atingir o mercado pop japonês. Assim que sua agência a contratou, a ajudou a desenvolver suas habilidades no idioma japonês, e seu contrato com a grande gravadora Avex contribuiu muito para promover sua versão do K-Pop na indústria musical japonesa. (KOREAN CULTURE AND INFORMATION SERVICE, 2011, p. 68-69).

O cantor e ator Rain também conquistou vários fãs fora da Coreia do Sul. Em novembro de 2005 ele fez um show em Pequim para 40.000 pessoas e foi eleito pela CNN (Cable News Network) como a estrela mais aguardada. Embora tendo um mercado musical pequeno na época, a China também foi alvo dos líderes musicais sul-coreanos. A partir disto, o famoso termo Hallyu, que significa onda coreana, foi criado por jornalistas chineses como forma de descrever a popularidade dos artistas coreanos no país. A expressão também representa o entretenimento em geral da Coreia do Sul, como os filmes e as séries. A Segunda Geração do K-pop começa no início dos anos 2000, com o surgimento de grupos como TVXQ em 2003, Super Junior em 2005, BigBang em 2006 e Girls’ Generation e Wonder Girls em 2007. Suas estreias foram bem-sucedidas, de modo a continuarem a propagação do gênero musical pelo mundo, como a citação abaixo indica:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 89 Desde meados dos anos 2000, não apenas os artistas solo como BoA e Rain, mas também grupos de ídolos da segunda geração conseguiram atrair fortemente o público asiático graças a melhores estratégias musicais, performances e marketing. Seguindo o surgimento do TVXQ!, grupos como BigBang, Super Junior, SHINee, 2PM e 2AM fizeram sua estreia no período de 2005 a 2008. Grupos femininos como Wonder Girls, Girls’ Generation, KARA, 2NE1 e f(x) estimularam ainda mais a mania dos grupos de ídolos coreanos. (KOREAN CULTURE AND INFORMATION SERVICE, 2011, p. 69).

Um grupo que foi um dos primeiros a causar um grande impacto no mercado de música pop nos Estados Unidos foi o Wonder Girls. À medida que lançavam músicas na Coreia do Sul em 2007 e 2008, como “Tell Me” e “Nobody”, também estavam se preparando para estrear nos EUA. Logo no começo de 2009, elas participaram de uma turnê no país com os Jonas Brothers, trio que estava no auge na época. As duas gerações do K-pop estabeleceram o sistema de treinamento (que será abordado no próximo subcapítulo) e ajudaram no progresso e estabilidade das gerações que estavam a surgir. A terceira geração teve início em 2009, com o lançamento, principalmente, de vários grupos femininos como 2NE1, 4Minute, T-ara e f(x), renovando o estilo musical, como se observa na citação abaixo:

Essa geração é marcada pela inovação do gênero K-POP, com grupos como 2NE1 e 4Minute, cheios de atitude e desconstruindo padrões. Os grupos como T-ara, Nine Muses e Rainbow fugiam do comum com músicas voltadas para o gênero disco e eurodance. Enquanto os boygroups como BEAST e Infinite estavam numa vibe futurística. Já com o Block B e Girlgroup f(x) chegavam quebrando os padrões com visuais mais crus e voltado para o hip- hop. (BRITISH ‘N’ K-POP!, 2018, p. 1).

No mesmo ano de sua estreia, o 2NE1 já estava presente no iTunes, um dos maiores distribuidores de música nos Estados Unidos, com o álbum “To Anyone”, ficando em segundo lugar na parada de álbuns do iTunes Hip Hop. Um feito magnífico para um grupo que nunca havia promovido seu disco internacionalmente. Outro cantor sul-coreano de destaque da época foi Taeyang, do BigBang. Em 2011, ele se tornou o primeiro artista asiático a atingir o terceiro lugar do iTunes R&B/Soul e o primeiro da parada canadense de R&B Soul com seu disco solo “Solar Internacional”. Na maioria das vezes, os cantores solo já fazem parte de algum grupo já lançado. Em 2012 surge a quarta geração do K-pop. Graças ao hit “Gangnam Style” do Psy, o mercado de música sul-coreano passou a ser conhecido globalmente. O clipe foi o primeiro a atingir 1 bilhão de visualizações no YouTube, ultrapassando naquele ano “Baby” de Justin Bieber e chegando a entrar no Guiness World Records, livro dos recordes, por se tornar o videoclipe com o maior número de curtidas da plataforma. (GANGNAM..., 2012). Foi o primeiro grande passo para mais pessoas entrarem em contato com algo diferente das músicas de artistas norte- americanos, mais comuns.

90 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 A canção liderou as paradas musicais de países como Canadá, Austrália, França, Espanha, e venceu prêmio de Melhor Vídeo no MTV Europe Music Awards, além de ter sido uma fonte de paródias e vídeos de reação realizados por pessoas do mundo todo. Em 2013 o K-pop continuava a crescer com o BigBang realizando uma turnê mundial, o TVXQ enchendo estádios em sua turnê japonesa, B.A.P tocando em quatro cidades dos Estados Unidos, f(x) se tornando o primeiro grupo do gênero musical a tocar no festival SXSW (South By Southwest Music Festival) no Texas (RUSSELL, 2017), o que foi um marco importante na carreira delas. O destaque no cenário sul-coreano de 2014 foi a estreia do Got7. Formado pela JYP, o grupo estreou em janeiro e seu primeiro single, “Girls Girls Girls”, logo alcançou o primeiro lugar em diversos charts (paradas de sucesso). O EP “Got It?” ocupou a primeira posição no Billboard Album Mundial e, dentre os grupos coreanos que foram lançados no Japão em 2013 e 2014, o eles foram os únicos a obter as melhores colocações nas paradas musicais. O ano de 2015 dá início a quinta (e atual) geração de cantores da Coreia do Sul. O grupo , com o conceito de poder feminino, foi lançado em 2016 pela YG e atingiu o sucesso imediatamente após sua estreia, como pode ser visto a seguir:

[...] os singles de estreia alcançaram o primeiro lugar na Billboard World Digital Songs sendo o BLACKPINK o terceiro grupo/artista sul-coreano a ocupar as duas primeiras posições, depois de Psy e BigBang. [...] No site de streaming chinês QQ Music, elas alcançaram o número 1 nos itens semanal, popularidade, vídeo de música e nos charts de vídeo de música de K-pop – sendo ele o maior site do segmento do país. [...] O grupo conquistou prêmios como “Melhor Novo Artista do Ano”. [...] Na Billboard, o BLACKPINK foi nomeado como o melhor novo grupo de K-pop em 2016. (RUSSELL, 2017, p. 30-31).

A partir de 2016, o BTS, formado em 2013 pela Big Hit, vem sendo o grupo mais famoso da Coreia do Sul e responsável pela disseminação do K-pop globalmente. Eles são conhecidos por falar de temas relevantes como saúde mental, pressão para o sucesso, amor próprio, entre outros e por apresentar produções fantásticas. As conquistas são incontáveis. Desde parcerias com artistas estrangeiros, recordes de visualizações no YouTube, vendas de álbuns, ingressos esgotados em minutos, primeiro lugar em diversas paradas musicais, parcerias com grandes marcas, inúmeros prêmios e muito mais. O mais recente feito do BTS foi de ser o primeiro grupo, desde os Beatles, a ter álbuns número 1 na Billboard em um curto período, tendo atingindo o primeiro lugar pela terceira vez em menos de um ano, feito que ocorreu com a banda britânica em 1995, quando lançaram Anthology 1, Anthology 2 e Anthology 3 em sequência. (BALDUCCI, 2019). Como consequência deste investimento em cultura, o fenômeno tem contribuído fortemente para o turismo e economia da Coreia. Em 2017, 800 mil turistas foram para o país por causa do BTS, o equivalente a mais e 7% do total de visitantes.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 91 Nos últimos quatro anos principalmente, a indústria de música sul-coreana expandiu como nunca havia antes. Por conta das mídias sociais, o acesso e propagação do gênero foi facilitado, servindo como um instrumento de alcance universal. O bom uso da internet pelas empresas do país levou a ascensão do K-pop e isto será um dos assuntos principais do subcapítulo a seguir.

3.2 O processo de desenvolvimento dos idols e as estratégias de comunicação das empresas sul- coreanas

Diferentemente das gravadoras ocidentais, que geralmente lançam logo os artistas no mercado, as da Coreia do Sul possuem um sistema de treinamento, capacitação dos indivíduos que desejam se tornar ídolos. “Tomemos como exemplo alguém como Justin Bieber. Alguém o viu no YouTube, reconheceu seu talento e disse: ‘quero fazer dele uma estrela’. Dali, foram para o estúdio. Ele não recebeu muito treinamento antes de lançar um álbum”, declara Nam (K- POP..., 2018), uma americana-coreana que trabalha com marketing internacional e relações públicas, em uma entrevista para a BBC (British Broadcasting Corporation). Segundo o Korean Culture and Information Service (2011, p. 38), as maiores agências do país, SM, YG e JYP, criaram a “total management strategy” (estratégia de gestão total) “para integrar todas as áreas de descoberta, nutrição e promoção de estrelas. O marketing e a promoção musical, as composições, os arranjos, a coreografia e a coordenação de moda são todos planejados e gerenciados sob um sistema de gerenciamento integrado.” O processo se dá através de: planejamento, casting (audições), treinamento, avaliação, produção e promoção, como se pode ver na Figura 3:

Figura 3 ‒ Esquema do processo de desenvolvimento dos idols

Fonte: K-POP: A New Force in Pop Music (2011).

As etapas da figura acima serão explicadas detalhadamente durante o capítulo. Abaixo, tem-se um pequeno conceito sobre:

92 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 • Planejamento: pesquisa de marketing e seleção de conceito. • Casting/audições: audições domésticas e no exterior por área. • Treinamento: canto, dança, atuação, habilidades em idiomas estrangeiros. • Avaliação: seleção de artistas para o debut (termo utilizado para definir o lançamento de um artista/grupo no mercado). • Produção: desenvolvimento de conteúdo personalizado para as audiências. • Promoção: divulgação do trabalho dos cantores/grupos para o público.

As gravadoras realizam audições todos os anos em vários países. Pessoas de diversas nacionalidades podem participar (isto inclusive já sendo uma estratégia para alcançar audiências no exterior), em sua maioria dependendo somente do critério da empresa quanto a idade. Na Figura 4, a Big Hit (que gerencia o grupo BTS, um dos mais famosos atualmente), está à procura de garotos nascidos em 1999 ou depois, para participarem do casting:

Figura 4 ‒ Publicação da empresa Big Hit no Twitter sobre as audições

Fonte: Big Hit (2019).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 93 As apresentações são divididas de acordo com o tipo de performance, como canto e dança. Os participantes se inscrevem pessoalmente no dia da audição (em algumas há também a opção de inscrição on-line) no local e horário definidos e fazem performances de acordo com sua área de preferência. Para Russell (2017), os produtores procuram mais do que uma aparência bonita, passos de dança e boa voz, e sim qualidades que provocam empatia e encanto. Após esta primeira etapa, os selecionados (geralmente de origem coreana/asiática) começam o treinamento. O processo pode durar anos, e sem qualquer garantia de que irão debutar. Os selecionados se mudam de suas casas para dormitórios oferecidos pelas próprias empresas e conciliam estudo, geralmente ensino médio, com o de idiomas (especialmente coreano para os estrangeiros) e as demais competências. Alguns artistas também debutam por meio de programas de sobrevivência. Eles passam por competições e os finalistas são lançados em algum grupo novo, podendo ser temporários ou não. Porém, os participantes já eram trainees antes, tendo esta chance de realizar seu sonho de debutar desta maneira. A rotina é difícil e cansativa. Como a maioria dos trainees são adolescentes, acordam cedo para ir para a escola e quando voltam vão direto para as salas de prática e passam horas aperfeiçoando sua dança, canto, entre outras diversas áreas. Eles aprendem como falar com a mídia, se expressar, ter uma boa postura, saber se comportar, enfim, ser um ótimo profissional e os melhores no que fazem. Este ciclo se repete durante anos, sem garantia que irão debutar. Existem também regras e proibições, como, por exemplo, namoro e contas pessoais em redes sociais. As empresas querem que seus artistas foquem apenas em seu trabalho e, por isso, ter um relacionamento fica fora de cogitação. Quem está ainda na fase de treinamento não possui perfis em redes comoInstagram e Twitter, podendo apenas abrir uma conta depois do debut. Na figura 5 a seguir, observa-se oGirlgroup Blackpink treinando:

Figura 5 ‒ Grupo Blackpink treinando na época de trainee, um pouco antes do seu debut

Fonte: Moonrok (2016).

94 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Nesta mesma fase, alguns passam por procedimentos estéticos, cirurgias, fazem dieta, para atingir o padrão coreano, que é extremamente exigente. Várias agências demandam que o indivíduo tenha uma quantidade certa de quilos para ser lançado e que esteja dentro do tipo ideal de um idol. A aparência conta tanto quanto suas habilidades. As despesas para criar um artista são absurdamente caras, pois envolvem vários aspectos. Isto faz com que os contratos sejam extensos, de modo a obterem parte da quantia que os grupos geram, conforme a citação abaixo:

Um processo tão longo e rígido para construir uma estrela é difícil e caro para as gravadoras de música. Gastos com dormitórios, refeições, aulas, transporte e tudo o mais se acumulam rápido – estima-se que o treinamento custe às companhias cerca de $100 mil por trainee a cada ano. Com os grupos de K-pop contendo muitos membros que levam anos para serem treinados, não é surpresa que as gravadoras queiram que seus recrutas assinem contratos tão longos [...] e tirem uma porcentagem bem alta de seus ganhos. (RUSSELL, 2017, p. 20-21).

Depois de anos praticando (geralmente 3 a 5) os produtores avaliam quem está apto para debutar e dividem os escolhidos em grupos. Após isto, vem a parte de produção e promoção. Tanto os grupos que vão ser lançados, quanto os que já estão no mercado passam por estes estágios. A gravadora irá produzir o conteúdo específico para cada um e publicá-los. Álbuns, fotos, vídeos, clipes, conteúdo para as mídias sociais são criados e divulgados. O livro K-POP A New Force in Pop Music destaca que a principal diferença entre os ídolos atuais e os da década de 1990 e início dos anos 2000 é que eles possuem capacidades individuais dentro do grupo. Seguindo as estratégias das agências (com exceções) durante sua formação, cada membro tem um atributo específico, que é chamado de posição. As principais são a de líder, vocalista principal e de apoio, dançarino principal e de apoio, rapper principal e de apoio, visual e face, considerados os mais bonitos dos grupos. Para exemplificar e mostrar esta etapa em grupo que debutou recentemente, tem-se como exemplo o . O quinteto foi lançado pela JYP Entertainment em fevereiro deste ano com o single de estreia “IT’z Different” e o clipe de “Dalla Dalla’. Alguns dias antes da estreia, a gravadora foi lançando vídeos curtos das meninas no YouTube, como uma forma de apresentar as integrantes (mesmo algumas já tendo aparecido em programas de variedades) e também como seria o seu conceito. Depois lançaram 2 teasers, pequenos trechos de um vídeo, e então, finalmente o aguardado clipe (JYP ENTERTAINMENT, 2019). As demais agências também utilizam as redes sociais para introduzir seus artistas para o público. Dependendo da empresa, o anúncio de um novo grupo ou um single é feito com bastante antecedência e divulgado nos mais variados meios de comunicação, como TV, internet, jornais e rádios. A promoção envolve a divulgação dos cantores e é nesta etapa final que as estratégias de comunicação das empresas sul-coreanas estão mais presentes. Como sua audiência é composta, na maior parte, por jovens e também por causa do avanço tecnológico, as gravadoras investem intensamente em produção de conteúdo para a internet e marketing digital.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 95 A grande maioria das empresas e grupos possui contas no Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e são nestas plataformas que anunciam seu trabalho e se comunicam com os fãs, com postagens escritas em coreano e inglês. O grupo Blackpink, por exemplo, possui contas no Facebook, Instagram e Youtube e também perfis próprios para cada uma das meninas. Todas as novidades, os lançamentos, as parcerias e até mesmo registros pessoais de viagens, ensaios, bastidores de shows são compartilhados nestes canais, como se pode ver na Figura 6 abaixo:

Figura 6 ‒ Perfil da Jisoo, uma das integrantes do Blackpink, no Instagram

Fonte: Instagram (2019).

Mostrando o seu dia a dia, as celebridades constroem uma conexão e identificação com os fãs, além de poderem dar dicas sobre os lançamentos futuros, o que aumenta a curiosidade do público. Segundo Walter Lim (2019, p. 1), a popularidade dos artistas se deve ao “rápido crescimento de visualizações em seus videoclipes no YouTube, tendências de #hashtags relacionadas ao K-Pop no Twitter e altas taxas de engajamento em suas fotos e vídeos no Instagram e Facebook.” Relacionando o uso das redes sociais com o sucesso do mercado musical sul-coreano. Para apresentar seu mais recente miniálbum “Kill This Love”, tanto a empresa quanto as integrantes anunciaram nas redes, como se observa na figura 7 a seguir:

96 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Figura 7 ‒ Perfil oficial do grupo Blackpink noFacebook

Fonte: Facebook (2019).

As fotos de perfil e capa foram mudadas, posters de cada membro foram postados, bem como posts sobre o novo mini álbum, trechos do clipe e no dia do lançamento, uma live no V Live (BLACKPINK..., 2019), serviço de streaming de vídeo ao vivo da Coreia do Sul. Além de divulgarem os bastidores em seu canal no YouTube um tempo depois. As mídias sociais servem como uma forma de comunicação com a população, tanto quanto um meio de integração e interação entre artista e fãs. Os kpoppers (fãs de K-pop) curtem, compartilham, deixam seus comentários nas páginas dos grupos, consomem as músicas, clipes e todo tipo de conteúdo feito pelos idols. Com a nova era digital, o consumidor passa a se tornar também um produtor, e isto se encaixa perfeitamente em como o K-pop está se espalhando rapidamente. Os fãs possuem sites, canais, contas nas redes sociais que ajudam a promover os artistas. Vídeos de shows e lançamentos, por exemplo, são divulgados pelos kpoppers de várias regiões, sendo um conteúdo incentivado e não desaprovado. Além disto, as empresas de entretenimento organizam muitos eventos e encontros com os fãs, com o objetivo de alimentar a paixão deles pelos idols. Outra estratégia, segundo Lim (2019), é a criação de um ecossistema cultural, com o desenvolvimento de uma linguagem própria e a apropriação e adaptação de estilos e gêneros musicais do mundo todo. Termos como bias (integrante que o indivíduo mais gosta de um

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 97 grupo) e maknae (membro mais novo), por exemplo, são uns dos utilizados exclusivamente no universo do K-pop. Os grupos incluem batidas do Oriente Médio, hip-hop, música eletrônica, cenários e figurinos inspirados em certa década, entre outros. A construção de marcas por meio do marketing de conteúdo é outra tática utilizada pelas agências. Elas lançam diversos produtos como calendários, roupas, copos para o público, que compra de imediato. O patrocínio é um ponto forte quando se trata das táticas. Inúmeros grupos fazem parcerias com marcas e promovem o produto ou serviço. Um bom exemplo é a parceria entre dois grupos de K-pop e duas grandes marcas sul- coreanas. Blackpink com a Samsung e BTS com Hyundai. A Samsung, maior fabricante mundial de celulares, realizou um evento Galaxy este ano em Bangkok, na Tailândia, para divulgar o lançamento de dois aparelhos. O grupo Blackpink se apresentou no festival e fez uma entrevista para compartilhar o que gostavam mais nos smartphones. O Girlgroup é o mais novo embaixador da série Galaxy e faz propaganda da marca em suas redes sociais. Já o BTS, no final de 2018, fez uma parceria com a Hyundai Motor, multinacional sul- coreana de automóveis, sendo a segunda maior corporação do país. A marca nomeou o grupo embaixador para o veículo esportivo Palisade. Mais de 50 mil contratos foram assinados para sua compra na Coreia do Sul e 30 mil ainda estão esperando pela entrega devido à alta demanda, que supera a oferta (KIM, 2019). Na Figura 7 a seguir, o grupo em foto promocional para a marca:

Figura 8 ‒ BTS para Hyundai

Fonte: Hyundai Worldwide (2018).

Por fim, Walter Lim (2019, p. 1) aponta o uso deMarketing Gamification(quando pega- se algo que já existe e mecanismos de jogos são constituídos para incentivar a participação, a relação e a lealdade) no K-pop para “semear, nutrir e cultivar interesse em seus artistas”.

98 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Esta estratégia se aplica com programas de variedades, concursos, inúmeras premiações, pesquisas de fãs, concursos de votação, participações de celebridades em reality shows (programas de TV baseados na vida real), aplicativos, fóruns e sites de conteúdo voltado para K-pop. Os cantores comparecem frequentemente em programas, promovendo suas músicas por meio de performances em shows de música, concedem entrevistas e realizam coletivas de imprensa. A promoção de um comeback costuma durar 1 mês, com os grupos se apresentando em diversos destes programas. O conteúdo produzido e divulgado pelos grupos e pelas empresas vira pauta, tanto para os veículos de comunicação da Coreia do Sul, quanto para os internacionais, ajudando a disseminar a informação e trabalho dos artistas da indústria de música sul-coreana.

3.3 O K-pop no jornalismo internacional

Desde que o gênero musical começou a ser divulgado para o resto da Ásia e também para todo o mundo, frequentemente, os jornais publicam uma quantidade maior e mais detalhada de matérias. Estas são divulgadas na maior parte na editoria de cultura/música, estando presentes ocasionalmente em outras como de economia. O K-pop fez com que a Coreia do Sul tivesse mais reconhecimento, portanto, os meios de comunicação passaram a falar sobre a cultura do país, como a culinária, idioma, tradições, história, economia, associando isto com a indústria de música sul-coreana, além das notícias sobre os artistas, músicas, clipes, recordes, lançamentos, shows, eventos, entre outros. Durante a pesquisa, verificou-se que, dentre a mídia internacional, os Estados Unidos são o país em que mais os meios de comunicação abordam sobre o K-pop, seguido pela Inglaterra. Nas versões impressas de veículos como New York Times, foram encontradas algumas matérias sobre o gênero musical. (THE CHOSAN, NYT... 2011; KBIZOOM, NEW... 2018). A grande maioria aborda este conteúdo especialmente nas plataformas digitais. É um meio rápido, mais econômico e eficaz de trabalhar com o assunto, pois a demanda e o tempo das notícias estão cada vez mais curtos, além de terem mais engajamento e poderem mostrar com mais clareza e detalhe o tema. O conteúdo das reportagens, entrevistas, documentários e outros são formados por uma alta gama de recursos audiovisuais. Expor a aparência, a música, os clipes é o que compõe a matéria. Com a internet, os veículos conseguem ilustrar o que é o Korean pop, dar exemplos, abordar sobre um grupo que está em alta mostrando seu trabalho. Como exemplo, na Figura 9, uma matéria da Rolling Stone falando sobre o mais novo videoclipe do grupo Blackpink:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 99 Figura 9 ‒ Matéria na Rolling Stone sobre o clipe “Kill This Love” do Blackpink

Fonte: Rolling Stone (2019).

A notícia aborda a grandiosidade do vídeo, destacando a quantidade de cenários, o lançamento do miniálbum e do clipe do grupo, com uma breve descrição do mesmo e a popularidade do Girlgroup. Com base na investigação, constatou-se que o BuzzFeed, iHeartRadio, BBC e Billboard são alguns dos que possuem mais entrevistas com artistas de K-pop, que são disponibilizadas no YouTube e nos sites dos veículos, como se observa na Figura 10 a seguir:

Figura 10 ‒ Compilado de vídeos de entrevistas da iHeartRadio com inúmeros ídolos

Fonte: YouTube (2019).

100 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 A playlist (lista de reprodução) criada pelo canal do YouTube da iHeart Radio, contém todas as entrevistas feitas pela plataforma de rádio com idols de K-pop. Grupos como TXT, NCT 127, Stray Kids, MonstaX fazem parte da listagem. Verificou-se que, durante sua passagem pelos Estados Unidos, os artistas costumam ir a rádios norte-americanas, como SiriusXM, e nos programas Live With Jojo (102.7KIISFM), On Air with Ryan Seacrest (KIIS-FM) e Zach Sang Show, onde falam sobre sua carreira, trabalho, lançamentos, curiosidades, entre outros tópicos, o que também é postado em redes sociais como YouTube, Facebook, Twitter e Instagram. O mesmo ocorre na mídia televisiva do país, na qual o Good Morning America e MTV News, por exemplo, são uns dos que mais noticiam e recebem vários grupos1. A partir do conteúdo analisado, percebe-se que a abordagem feita pelos meios de comunicação on-line é mais informal, seguindo a linguagem do jornalismo digital. As entrevistas são descontraídas, com bastante brincadeiras, jogos, fugindo do convencional em que o jornalista apenas faz perguntas para o artista em um tom formal. Em programas de TV isto também acontece, mas com menos frequência que na web. Com a popularização, recordes são quebrados a todo momento. Visualizações, prêmios, tudo isto está sendo atualizado constantemente, o que favorece o uso das mídias sociais e versões digitais dos jornais para postar a matéria a tempo, fazer alterações, e muito mais, conseguindo se manter atualizados quanto ao tema e também informando para seu público. A dimensão de matérias sobre a música coreana também influenciou os veículos de comunicação brasileiros, que cada vez mais produzem conteúdo sobre o tema. No próximo capítulo, será abordado o impacto da indústria da Coreia do Sul no Brasil.

4 A MÚSICA SUL-COREANA NO BRASIL

Este capítulo abordará a evolução do K-pop no Brasil, bem como as notícias dos meios de comunicação nacionais e a música sul-coreana. Por ser um tema recente, que foi disseminado através das mídias, serão feitas entrevistas com pessoas que escrevem este tipo de conteúdo para plataformas digitais e uma pesquisa de opinião on-line feita com 1,189 pessoas sobre o impacto do tema na população brasileira. As entrevistas terão o objetivo de saber a visão e a experiência do indivíduo acerca do tema, em como está atingindo seu trabalho. Já a pesquisa de opinião procurará compreender o motivo do gosto pelo Korean pop, questões como faixa etária, artistas favoritos, influência, dentre outros.

1 O que acontece com playlists como a da MTV News. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2019. Outros canais no youtube são: IHeartRadio, Buzzfeed Celeb, 102.KISSFM, Good Morning America, On Air with Ryan Seacrest, Billboard, BBC Radio 1, Siriusxm BBC News.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 101 4.1 A evolução do Korean pop no país e os veículos de comunicação brasileiros

A primeira vinda oficial de idols sul-coreanos para o Brasil foi em 2007. A AnyBand, banda temporária composta pelos cantores BoA, Xiah Junsu, Tablo e a pianista Jin Bora, veio ao Rio de Janeiro para gravar o clipe de “Promise U” para um comercial da Anycall, marca sul- coreana criada pela Samsung, de forma a divulgar a nova linha de aparelhos. Porém, apenas alguns fã clubes e sites de tecnologia noticiaram o evento, sem dar muita importância. Na época, existiam poucos kpoppers no país, com alguns fã clubes, fóruns e comunidades no Orkut destinados aos artistas. Segundo o Kpoppers States (VOCÊ... 2017), as celebridades que se destacavam eram os grupos masculinos TVXQ, BigBang, Super Junior e a cantora solo BoA. Um pouco antes deste ano, algumas canções coreanas já eram conhecidas por brasileiros por aparecerem em animes (animações produzidas por estúdios japoneses), como “Every Heart” da BoA do anime “InuYasha” em 2002 e “Houki Boshi” de Younha em “Bleach” em 2005. Portanto, os primeiros que foram atingidos pelo K-pop e tiveram conhecimento sobre foram os que acompanhavam este tipo de conteúdo. Um dos primeiros registros da música sul-coreana na mídia brasileira foi uma matéria no site da revista Capricho falando sobre o TVXQ em 2008 e depois uma outra na revista impressa no ano seguinte. A notícia era sobre a carreira do grupo, apresentando-o aos seus leitores, como se observa na Figura 11 a seguir:

Figura 11 ‒ Matéria sobre o TVXQ na revista Capricho

Fonte: Blog Eternal Dbsk (2009).

102 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Em 2009, com a ascensão da internet, as gravadoras começaram a criar canais no YouTube e disponibilizar clipes na plataforma, além de lançarem vários grupos. Isto fez com que uma maior parcela da população de diversas partes do mundo passasse a conhecer o universo do K-pop e, assim, surgindo mais comunidades e fanbases (fã-clubes) compartilhando conteúdo e informações sobre os cantores sul-coreanos. A partir disto, grupos covers (grupos de recriam a coreografia de canções de sul-corenas) começaram a aparecer e se apresentar em eventos voltados para a cultura japonesa. Os fãs de K-pop e J-pop (música do Japão) possuem esta ligação. Muitos que já estavam imersos na cultura japonesa, migraram ou compartilharam do gosto pela cultura coreana e seu mercado de música. Com o encontro e identificação com a música sul-coreana progredindo, os fãs brasileiros, começaram a pedir nas mídias sociais a vinda de grupos de K-pop para shows no país, por meio de campanhas, projetos, abaixo-assinados, subindo tags (palavras-chave sobre algum tópico) no Twitter e o que mais que tivesse o objetivo de chamar a atenção das empresas. Em 2010, o site Cifra Club postou uma notícia sobre o crescimento do gênero musical no Brasil e que a rede social tem ajudado na divulgação, comentando sobre a tag “BrazilLOVESKpop” (Brasil ama K-pop) ter entrado nos Trending Topics mundial (assuntos do momento, mais comentados) do Twitter. (MARQUES, 2010). O que vem sendo a forma dos kpoppers se manifestarem e propagarem a música coreana pelo mundo. O ano de 2011 foi marcado pelos primeiros eventos de K-pop e shows de artistas sul- coreanos no Brasil. Tony Ahn e Byul vieram para se apresentar no “Fresh Festival” e o grupo MBLAQ participou como jurado do concurso de dança no “K-pop Cover Dance Festival”, este sendo o primeiro idol sul-coreano a conceder uma entrevista a uma TV brasileira, no programa “Leitura Dinâmica” da Rede TV. Segundo o Kpopper States (UNITED... 2018), já no final do ano, ocorreu o primeiroshow com o Festival “United Cube Concert: Fantasy Land”, que passou pela Coreia do Sul, Japão, Reino Unido e Brasil. Os grupos 4Minute, G.NA e Beast se apresentaram no Espaço das Américas, em São Paulo, reunindo aproximadamente 4,000 pessoas. Logo no início do 2012, os integrantes DongJun e Kevin do grupo ZE:A vieram ao país para gravar o programa “Star Date”, que consistia em levar dois fãs de K-pop para conhecer e passar um tempo com seus ídolos preferidos. O Leitura Dinâmica novamente fez uma cobertura sobre algum acontecimento relacionado ao gênero musical e os entrevistaram, sendo um veículo que desempenhou um papel importante na divulgação da música sul-coreana no Brasil. Em julho do mesmo ano, o cenário musical da Coreia do Sul mudou de forma absurda. A música “Gangnam Style” do cantor Psy fez um sucesso estrondoso, fazendo com que vários portais como G1 (HIT... 2012), R7 (ALÉM... 2012), Uol (GANGNAM... 2012) e Veja (GANGNAM..., 2012) postassem inúmeras notícias sobre. As matérias relacionavam a canção com os demais artistas de K-pop, como uma forma de apresentação da indústria para os leitores, bem como a repercussão e impacto do single mundialmente, como se observa na Figura 12 abaixo:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 103 Figuras 12 ‒ Matéria do R7 falando sobre o Psy e apresentando outros cantores sul-coreanos

Fonte: R7 (2012).

A volta do idol Xiah Junsu ao Brasil para um show em São Paulo também virou notícia em veículos como Folha de São Paulo (FENÔMENO... 2012) e R7 (XIAH... 2012), introduzindo o cantor e divulgando informações sobre o evento. No começo de 2013, como resultado das conquistas e propagação do K-pop através do hit de Psy, o cantor concedeu uma entrevista ao Fantástico e em seguida veio ao país no Carnaval. (PSY..., 2013). Ele participou do trio elétrico de Cláudia Leitte (a apresentação foi transmitida pelo SBT), assistiu os desfiles das escolas de samba de São Paulo, realizou uma coletiva de imprensa e apareceu no programa Pânico na TV. (ALMENDRA, 2013). Outros acontecimentos que ocorreram no mesmo ano foram os shows do Super Junior, Nu’est e o evento “2k13 Feel Korea” comemorando os 50 anos da Imigração Coreana no Brasil, que contou com apresentações de cantores coreanos e aulas de dança e maquiagem. O Super Junior foi o primeiro grande grupo a trazer uma turnê para o país, sendo um episódio impactante e relevante na história do K-pop no Brasil, pois abriu o caminho para que outros artistas também viessem mais tarde. Os ingressos esgotaram em poucos dias e mais de 7,000 pessoas compareceram no evento, que durou cerca de três horas. (SANTOS, 2013). Flávio Seixlack, pelo G1, (2013) entrevistou o grupo e fez matérias sobre sua passagem por São Paulo, que variavam sobre informações do Boygroup e de como foi o show, críticas, resenhas e com alguns detalhes sobre sua popularidade e sobre o K-pop em geral. De acordo com o Portal It Pop (O MUSIC... 2014), no ano seguinte, um dos maiores festivais de K-pop, o Music Bank, teve sua edição no Brasil. Os grupos SHINee, INFINITE, B.A.P, M.I.B, CNBLUE, MBLAQ e a cantora Ailee se apresentaram no HSBC Arena (Jeunesse Arena atualmente) para uma multidão e, com exceção de MBLAQ e B.A.P, fizeram uma coletiva de imprensa no dia anterior ao show. O Music Bank é um programa musical semanal da Coreia do Sul que reúne vários artistas para performances e consiste na premiação de um grupo ou

104 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 cantor/a mais popular. A cada ano, o programa escolhe um país para sediar uma turnê com vários ídolos da música pop sul-coreana. (MUSIC..., 2014). O BTS, um dos grupos mais populares nos dias de hoje, veio pela primeira vez ao país neste mesmo ano para um fanmeeting e o Mr. Mr. veio como jurado e se apresentaram no Korean Pop Festival, organizado pelo Consulado Geral da República da Coreia. Um fato interessante é o surgimento do primeiro grupo de “B-pop” (brazilian pop), o Champs. Com a popularidade cada vez maior do K-pop no Brasil, a JS Entertainment criou o Boygroup formado por 5 integrantes brasileiros, que chegaram até mesmo a ir para a Coreia do Sul para ter aulas com o coreógrafo do hit “Gangnam Style” e gravar seu clipe de estreia. Eles apareceram em programas como Todo Seu (TODO SEU, 2014), Mais Você (YUMEMI SCANS, 2014), Tudo em Cima (PROG. TUDO EM CIMA, 2014) e Metrópolis (TV CULTURA DIGITAL, 2014). Porém, com apenas 1 ano de atividades, os meninos sofreram disband, por conta de problemas locais, segundo a empresa. Vários grupos vieram ao país em 2015 para shows, fanmeetings (encontro com fãs), fansigns (sessão de autógrafos), festivais e eventos relacionados à cultura sul-coreana. O grupo Boyfriend trazendo sua turnê, Cross Gene participando do Anime Friends (voltado para anime, cultura pop e entretenimento asiático), SHINee e integrantes do f (x) do Fashion Passion (evento de moda e K-pop), BTS vindo de novo, só que dessa vez com sua turnê, o que continuou com a vinda de mais idols como UNIQ e 24K no ano seguinte. A partir do final de 2016, a ascensão do K-pop no Brasil se tornou ainda mais evidente com a quantidade de eventos destinados ao gênero musical e a repercussão dos acontecimentos nos veículos de comunicação. Segundo O Portal N 10 (MOREIRA, 2018), os 15 mil ingressos disponíveis no total de dois shows do BTS de 2017, no Citibank Hall em São Paulo, esgotaram em questão de minutos e havia mais de 50 mil pessoas na fila de compraon-line . A procura por ingressos de eventos de grupos menores e lançados mais recentemente, como KARD e Blanc7 também foi alta, além das inúmeras festas, festivais, concursos e demais espetáculos ligados à música e cultura sul-coreana. As reportagens sobre grupos covers, sobre a influência do K-pop e cultura sul-coreana nos brasileiros continuavam aser mostradas na mídia, com fãs e grupos aparecendo em programas como Encontro com Fátima Bernardes (K *CLASS DANCEGROUP, 2017) e Jornal do SBT (KP0P3, 2017). Em 2018, Girlgroups e Boygroups mais conhecidos, como MonstaX e Mamamoo, fizeram shows no país, alguns pela primeira vez, sendo a grande maioria em São Paulo. O Estado é conhecido por ser o que reúne mais eventos relacionados ao Korean pop, além de ser o que possui um número maior de emigrantes e descendentes de coreanos, localizados no bairro do Bom Retiro. Um relatório do mesmo ano divulgado pelo YouTube mostrou que o Brasil ficou no quinto lugar no ranking de países que mais assistem vídeos do grupo BTS na plataforma. Segundo os dados, os brasileiros assistiram mais de 234 milhões de vezes, ficando na frente até mesmo dos próprios sul-coreanos, por uma diferença de três milhões. (BOTELHO, 2018).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 105 O K-pop aparece também em reportagens sobre a Coreia do Sul, falando sobre sua cultura, história, crescimento e demais aspectos. Um exemplo foi uma matéria no Globo Repórter em 2018 sobre o país. O jornalista Pedro Bassan visitou o prédio da gravadora SM e entrevistou o grupo NCT 127. O gênero foi mostrado com uma grande importância para o mercado local, destacando seu impulsionamento na indústria (INDÚSTRIA..., 2018), o que está sendo mais comentando atualmente, o quanto o gênero musical contribui para a Coreia. Neste ano de 2019, o impacto da música sul-coreana no Brasil está ainda mais claro com a quantidade de shows, eventos e repercussão da mídia pelo país. Nota-se um entendimento e divulgação um pouco maiores nos veículos de comunicação atualmente, bem como o crescimento de portais voltados especificamente para o K-pop. Alguns jornais que, antes não abordavam este assunto, agora passam a colocar em suas pautas o assunto em questão. No programa “Conversa com Bial” (2019), o jornalista Pedro Bial abordou o tema em maio. A pauta foi sobre o crescimento e expansão da música sul-coreana, mostrando com detalhes a influência no Brasil. O grupo sul-coreano Busters se apresentou e também respondeu a perguntas feitas pelo apresentador. Além do Girlgroup, os convidados para debater sobre o Korean pop foram o pesquisador Ronaldo Lemos e a escritora Babi Dewet. A reportagem revelou como os brasileiros estão inserindo a cultura sul-coreana em suas rotinas, mostrando que o consumo de entretenimento, produtos de beleza, comida, gastronomia, idioma estão cada vez mais comuns, principalmente pelos jovens. Eles aprendem a língua, utilizam expressões do país, roupas, costumes, reproduzem coreografias dos grupos, entre outros. Notou-se que o conteúdo principal gira em torno da apresentação e divulgação do K- pop. As notícias são de cunho explicativo, revelando a definição e funcionamento da indústria, exposição dos grupos e de seu crescimento, bem como a disseminação dos comebacks (lançamentos) das celebridades sul-coreanas, as novidades, os eventos, shows, estas ainda mais comuns. Ao fazer a pesquisa, verificou-se que a grande mídia, ocasionalmente escreve críticas sobre shows, realiza entrevistas com os artistas, enquanto os veículos especializados na cultura sul-coreana produzem mais sobre, e consequentemente, matérias de cunho crítico, análises, entrevistas. Recentemente, percebeu-se que os jornais focaram na vinda do BTS em maio deste ano. O Boygroup é um dos mais populares mundialmente, portanto várias foram as matérias sobre o grupo, desde sua apresentação, carreira e informações sobre os shows. Portais como G1 (MATOS, 2019), Veja (KUSUMOTO, 2019), Folha de São Paulo (BRÊDA, 2019), Terra (BTS... 2019), Uol (NOGUEIRA, 2019) postaram matérias detalhadas sobre como foi o evento. O impacto se deu mais no jornalismo digital, onde a maioria das matérias são publicadas, seguido por pautas na TV. No impresso, há, de vez em quando, notas de eventos que serão realizados no Brasil ou sobre o sucesso de algum artista. Às vezes, há exceções, como uma recente do O Globo (ESSINGER, 2019) e sobre escândalos e tragédias do universo do K-pop, que também saiu na versão digital.

106 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Os portais constantemente publicam textos sobre a influência da indústria de música sul- coreana para o próprio país. Devido à ascensão do Korean pop, o turismo e a economia da Coreia cresceram em proporções extraordinárias nos últimos anos. Deste modo, as notícias são as vezes também vinculadas a estas áreas do jornalismo, como uma matéria do G1 (ORTEGA, 2019) falando sobre o investimento da Coreia do Sul em cultura e o resultado positivo disto. Ao fazer a pesquisa, o G1, O Povo, Destak, POPline, Jornal O Globo são alguns dos que mais possuem pautas sobre o tema, e quanto à variedade de notícias, o G1 ganha, abordando sobre a cultura da Coreia do Sul, como K-beauty (beleza coreana), investimento e contribuição do K-pop para a economia do país, vocabulário deste universo (MATOS, 2019), recordes (BTS... 2019), lançamentos (ORTEGA; LORENTZ, 2019) e muito mais. Já na TV, as emissoras Record, Band e Globosão as que falam mais sobre. A revista Capricho foi uma referência no impresso de matérias voltadas ao tema, publicando um conteúdo mais detalhado e com mais frequência, mas acabou em 2015, mantendo apenas a versão online, que continua divulgando as novidades e mais aspectos sobre o K-pop. Outra revista, também destinada ao público adolescente, como a Todateen, permanece em circulação realizando pautas sobre o assunto. Quanto à rádio, foram encontrados projetos on-line feitos por fãs, a fim de divulgar a música sul- coreana para o público. Nas estações, o Korean pop é algumas vezes inserido na programação, mas é abordado de forma ampla apenas nestes programas, podcasts feitos pelos kpoppers. Em relação às entrevistas, notou-se que os veículos independentes, que não fazem parte da grande mídia, entrevistam mais artistas do que os meios de comunicação maiores. Os jornais de circulação maior entrevistam esporadicamente algum ídolo de K-pop quando vem para o Brasil, ou em algum outro momento, comparados aos portais on-line dedicados ao tema que estão constantemente entrando em contato com os cantores. Um exemplo é a Revista KoreaIN (2019), o site já entrevistou dezenas de artistas, sendo em território nacional ou até mesmo na Coreia. A abordagem destes portais especializados é a mesma da mídia internacional, sendo mais informal. A onda coreana atingiu a comunicação brasileira devido à influência da mesma na população, a partir disto, houve um contato com uma cultura totalmente diferente das vistas anteriormente, como a americana. A seguir, será abordado como se deu este impacto no ponto de vista dos comunicadores.

4.2 Comunicadores e a “onda coreana”

Para explicar e ilustrar o impacto da indústria de música sul-coreana na mídia e população brasileira, algumas pessoas que produzem matérias referentes ao tema foram entrevistadas. A escolha de indivíduos que trabalham no meio digital foi realizada por o K-pop estar sendo propagado em grande escala pela internet. Lucas Pádua, graduando de Rádio, TV e internet e editor chefe do site Conexão Pop, a equipe do site BrazilKorea, Maria Mazó, administradora da página Blackpink Brasil e as redatoras Izabely Albuquerque e Jeiciane Torres da Revista KoreaIN.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 107 O editor do Conexão Pop (2019), site voltado principalmente para notícias sobre música pop, afirmou que, devido ao reconhecimento de grupos como BTS e Blackpink, o K-pop tem crescido no país de forma absurda e o fato de estarem fazendo sucesso nos Estados Unidos ajudou que mais brasileiros conhecessem o mercado de música sul-coreano, pois o utilizam como exemplo cultural. Para Pádua (2019), a comunicação passou a compreender e aceitar melhor essa cultura diferente que é a da Coreia do Sul, por causa do sucesso inegável do BTS, por exemplo, que está ultrapassando grupos britânicos famosos um tempo atrás como o One Direction. Porém, ele comenta que a grande massa ainda não foi completamente atingida pela cultura, por causa dos estilos a que os brasileiros estão acostumados serem bem distintos comparados ao K-pop. De acordo com o editor chefe, certas regiões como São Paulo estão mais introduzidas na cultura sul-coreana, recebendo inúmeros eventos e, por exemplo, o mais recente que foi o show do BTS no Allianz Park, com capacidade para mais de 45 mil pessoas, o qual esgotou os dois dias em apenas algumas horas. Segundo o estudante, o jornalismo já não pode mais ignorar o gênero musical e até mesmo sites que não são especificamente voltados para a música coreana, publicam matérias sobre. Ainda sobre Pádua (2019), “Hoje vemos sites com abas só para esse assunto e até mesmo portais inteiros dedicados à cultura sul-coreana. É um processo de aprendizado, temos que primeiro conhecer para depois falar sobre, e acredito que isso está acontecendo de forma rápida até.”. Sobre a mesma referência, o impacto nos veículos de comunicação moatra uma maior propagação da música sul-coreana pelo país, já que estes websites são lidos por um tipo variado de indivíduos.

O mesmo site que publica matérias sobre Anitta, por exemplo, vai publicar uma matéria sobre BTS ou Blackpink, então é um encontro entre os dois públicos, as pessoas que acessarem meu site para ler sobre um, pode acabar se interessando e lendo outro, acabar conhecendo o estilo e gostando, disseminando assim a cultura. (PÁDUA, 2019).

Lucas (2019) diz que, para publicar uma notícia sobre K-pop, o redator tem que dar mais detalhes e trazer um conteúdo mais completo, pois o público brasileiro ainda está se acostumando, diferentemente das matérias de influência americana ou europeia. Ele dá o exemplo de citar o One Direction e o Harry em uma mesma matéria, dizendo que todos que forem lerem irão saber que está se referindo ao Harry Styles, mas que se mencionar o BTS e o integrante V na mesma notícia, precisa complementar e introduzir como membro do grupo, já que “nem todo mundo irá fazer essa assimilação. É uma questão de detalhar mais e introduzir melhor os tópicos.” Além disto, o portal procura postar os grupos que estão em alta e o que o público mais procura, como BTS, Blackpink, , MonstaX e Exo. Sobre a dificuldade de trabalhar com uma cultura diferente, o editor afirma que a globalização tem facilitado, mas com aspectos parecidos e adaptáveis para a cultura brasileira. No entanto, certos conceitos deste universo são difíceis de explicar, fora as traduções que têm que ser feitas do coreano para o português.

108 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Outro portal buscado pela autora do estudo foi o Blackpink Brasil (2019). A estudante universitária Maria Luiza Mazó é administradora geral do fã clube que conta com mais de 63 mil curtidas no Facebook. O Blackpink Brasil foi criado em 2013 com o objetivo de manter informados todos que estavam interessados no debut das meninas e continua ativo até hoje, trazendo diversas notícias sobre o girlgroup. Sobre o crescimento do K-pop e cultura coreana no Brasil, Maria Mazó (2019) diz que estão se abrindo novos caminhos para o mercado musical, bem como para uma cultura diferente, não apenas o convencional de países que falam inglês. Porém, se referindo ao jornalismo brasileiro, Mazó diz que acredita que ainda há um pouco de preconceito e desinformação, mas que é um avanço começarem a noticiar e entender mais sobre este universo. A administradora também comenta a questão do idioma, sendo um obstáculo quando se trabalha com uma cultura diferente, bem como fuso-horário e costumes. As matérias são checadas com bastante cautela e tiradas de fontes confiáveis para serem postadas posteriormente. As mais consumidas são em relação ao lançamento de música do grupo, recordes e interações com outros artistas. Mais um portal recorrido pela autora da monografia, foi o BrazilKorea (2019), umsite criado em 2013 voltado para a cultura e música sul-coreana. A equipe afirma que o intuito dowebsite “é de divulgar conteúdos no país e estreitar as relações entre Brasil e Coreia através da informação”. Sendo uma referência nas mídias sobre o tema, a produção de conteúdo é frequente e especializada. O portal aborda inúmeros tópicos como ciência, tecnologia, turismo, esportes, gastronomia, cinema, entre outros. As matérias mais procuradas são relacionadas ao entretenimento sul-coreano, como K- pop e K-dramas (séries). Atualmente, a equipe diz que as pautas sobre gastronomia e K-beauty (beleza coreana) têm ganhado mais visibilidade e interesse. Em se tratando das mídias sociais, o Instagram e Twitter são as que possuem mais interação e participação do público. Uma outra fonte buscada pela autora foi a revista KoreaIN (2019), mais especificamente as redatoras Izabely Albuquerque e Jeiciane Torres. Criada em 2012, é a primeira revista brasileira dedicada à cultura sul-coreana, seguindo o mesmo objetivo do BrazilKorea de divulgação, propagação e conexão entre as culturas do Brasil e Coreia do Sul. Em relação a como a cultura e música sul-coreana estão sendo abordadas no jornalismo brasileiro, Torres (2019) diz que há um certo desafio para a imprensa e existe uma tendência de comparação de artistas sul-coreanos com outros ocidentais populares como Justin Bieber, já Albuquerque (2019) ressalta que os jornais tentam misturar seu conteúdo para um público jovem que gosta de K-pop, fazendo com que cometam erros por não dominarem tanto o gênero. Izabely (2019) comenta que por ser um público novo e pela distância, “muitos veículos ainda não sabem alguns termos, algumas pronúncias, às vezes confundem alguns grupos ou nomes, mas acaba sendo normal por ser tudo uma novidade e não são todos os veículos que dão tempo para apuração, pesquisa e assimilação dos repórteres”. Quanto ao impacto e influência do Korean pop e da cultura coreana na população brasileira, Jeiciane (2019) afirma: “Hoje não conheço ninguém que não esteja consciente do K- pop de

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 109 alguma maneira.”. Ela também comenta que recebe mensagens de jovens interessados no tema e até de pais procurando saber mais sobre o país asiático que cativa os filhos e que acredita que o gênero musical ajudou a colocar a Coreia na mente dos brasileiros. Albuquerque (2019) complementa dizendo que, se tratando desta influência, é mais vista entre os jovens em termos de comportamento e moda, pois os fãs usam roupas parecidas com as dos ídolos, bem como o aumento do interesse dos brasileiros por aprender o idioma e de ir para, não somente à Coreia, mas também para Ásia. Pela análise e pesquisa, percebe-se que sites que tratam de cultura e música de modo geral e alguns da grande mídia começaram a inserir pautas sobre K-pop no seu conteúdo. Outros já são especialistas na música sul-coreana, podendo ser voltados para um grupo específico ou não, e alguns têm o foco de divulgar não somente o Korean pop, mas também a cultura e notícias do país de modo geral. Nota-se que, por mais que as notícias tenham aumentado, falta a grande mídia ir mais a fundo no tema, podendo ser mais explorado, bem como pesquisar de forma mais ampla as características e especificações do K-pop em si, de modo a não cometer erros. Por terem diferentes públicos e objetivos ou abordagens não muito semelhantes, suas opiniões sobre o impacto nos veículos de comunicação brasileiros diferem um pouco. Mas a compreensão e a coerência de uma influência cultural perante o Brasil, a mídia e parte da população é inegável.

4.3 A razão da popularidade do K-pop no Brasil e o impacto na população

A pesquisa de opinião foi feita online no Google Forms com 1,189 pessoas e divulgada nas redes sociais. O motivo deste estudo foi de conhecer os fãs do país, com o intuito de saber a faixa etária, seu comportamento nas mídias, como conheceram o gênero musical, rede que mais consomem conteúdo referente ao tema, entre outros, a fim de entender melhor o impacto na população brasileira e no jornalismo. As opções de respostas foram baseadas em informações adquiridas durante e após a pesquisa, de modo a comprovar o resultado da mesma.

Gráfico 1 ‒ O conhecimento da cultura do K-pop por parte dos respondentes

Fonte: A autora (2019).

110 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 No Gráfico 1, praticamente a metade dos que responderam à pesquisa conheceram o gênero através da internet, contra 40% que souberam por amigos e/ou família. Isto mostra que as mídias e plataformas on-line desempenham um papel essencial na ascensão da música sul- coreana na população brasileira. Outras opções como eventos e televisão tiveram uma pequena parcela do total, enquanto rádio e jornal/revista nenhuma, comprovando que o conteúdo é pouco disseminado nestas áreas da comunicação convencionais, comparadas com as digitais.

Gráfico 2 ‒ Rede social que consome mais conteúdo referente ao K-pop/cultura sul-coreana

Fonte: A autora (2019).

O Youtube, no Gráfico 2, apareceu como a principal rede social em que oskpoppers consomem conteúdo. Além das músicas e clipes postados na plataforma, os grupos e gravadoras postam filmagens exclusivas de bastidores, apresentações, entrevistas, quadros específicos, entre outros, bem como os próprios fãs que fazem vídeos dos cantores, ajudando na propagação. Em seguida, o Facebook e o Twitter possuem uma boa parcela, e são nestas mídias que os fã clubes estão mais presentes. Os portais sobre os grupos participam ativamente na divulgação do gênero. O Instagram também faz parte, porém, com uma quantidade bem menor. O Amino foi inserido nas opções de respostas por ser uma rede em que, vários fãs, de diversos artistas, interagem e falam sobre determinado assunto, tendo o K-pop incluso na plataforma.

Gráfico 3 – Idade dos respondentes

Fonte: A autora (2019).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 111 No Gráfico 3, a faixa etária predominante de quem está imerso no universo do K-pop são os jovens de 15 a 19 anos, seguidos pelos de 20 a 24. Já de 25 a 29 é mais escasso, e os com mais de 30 anos quase não marcam presença. Isto comprova a dominação dos amantes do Korean pop ser de um público juvenil e se adequa ao fato do consumo e a propagação do gênero, em sua maior parte, ser através das redes sociais, pois a geração mais nova é a que está concentrada e usa regularmente as mídias sociais.

Gráfico 4 ‒ Gênero dos correspondentes

Fonte: A autora (2019).

Quanto ao gênero, no Gráfico, 4 quase 83% são do sexo feminino, contra apenas 16,7% do masculino. A opção “outro” foi colocada para aqueles que não se identificam com um gênero específico.

Gráfico 5 ‒ Motivo do gosto pela música sul-coreana

Fonte: A autora (2019).

De acordo com o Gráfico 5, esta pergunta foi a que recebeu as respostas mais diversificadas. A sonoridade, os MVs (clipes) e a coreografia ficaram entre os principais motivos nos quais os indivíduos gostam do K-pop.

112 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 O gênero reúne variados estilos musicais, combinando, por exemplo, rap, música eletrônica, pop, R&B, entre outros, o que faz que se destaque das demais músicas de outros países. Os videoclipes são de alta qualidade e extremamente bem produzidos, seja pelos efeitos visuais, roupas, cenários ou edição, cativando o público. A coreografia apresentada nos shows, apresentações, e nos próprios MVs também atraia a atenção de quem se depara com a indústria de música da Coreia do Sul. A cultura e o visual dos artistas também representam uma parcela do motivo no qual o K-pop ganha fãs pelo Brasil. Sendo uma cultura diferente, conquista as pessoas por sair das comuns como as da América e Europa. Isto também engloba o visual, pois certos aspectos da cultura como o modo de se vestir e a aparência em si diferem do Ocidente. A culinária, o idioma, os costumes, tudo isto gera um impacto no contato dos brasileiros com os sul-coreanos.

Gráfico 6 – Nível de influência do K-pop no gosto musical

Fonte: A autora, 2019.

No gráfico 6, a influência do K-pop é alta na maior parte dos indivíduos que seguem o gênero musical, sendo mediana em apenas 28,5% e pouca em uma pequena parcela. A paixão e gosto pela música se torna cada vez mais dominante nos que entram em contato com os grupos.

Gráfico 7 – Posse de fã clube voltado para a divulgação do K-pop

Fonte: A autora (2019). Neste tópico, 19,1% possui algum fã clube de K-pop, podendo ser nas redes sociais e sites.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 113 Gráfico 8 ‒ A influência do gênero musical e da cultura coreana no cotidiano dos participantes

Fonte: A autora (2019).

No Gráfico 8, uma outra pergunta que obteve respostas diversificadas foi quanto à influência da música e cultura sul-coreana no cotidiano da população. O fanatismo e a dança são os que apresentaram as porcentagens mais altas. A criação de grupos covers ou até mesmo a prática de coreografias de grupos, por exemplo, como passatempo é frequente nos fãs. Os kpoppers também procuram aprender o idioma coreano, se vestir como os ídolos e seguir as tendências de moda da Coreia do Sul. O comportamento também se insere neste contexto, pois está ligado a seguir os costumes da cultura, tendo um certo tipo de atitude correspondente aos artistas do país. A produção e consumo de conteúdo é vista nas visualizações de clipes, compra de álbuns e músicas, publicações, fã clubes, todos voltados para a divulgação e propagação do K-pop.

Gráfico 9 ‒ Produção de conteúdo voltado para o K-pop/cultura sul-coreana

Fonte: A autora (2019).

No Gráfico 9, quando perguntados se produzem algum conteúdo voltado para música e cultura sul- coreana, 36,1% responderam que sim. O tipo foi colocado na pergunta a seguir, especificando qual.

114 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Gráfico 10 ‒ O tipo de conteúdo que os respondentes produzem

Fonte: A autora (2019).

No gráfico 10, dos que responderam sim na questão anterior, 26.1 % produzem fanfics, que ficaram em primeiro lugar. São histórias escritas por fãs de determinado artista, que podem ser de diversos temas e são postadas na web. Elaboração de vídeos, fotos, notícias e posts nas redes sociais também obtiveram uma grande parte da parcela.

Gráfico 11 – O grupo favorito dos correspondentes

Fonte: A autora (2019).

No Gráfico 11, devido ao elevado número de artistas no K-pop, foram colocadas cerca de 30 opções de grupos, baseadas em pesquisas para saber os mais conhecidos atualmente. O BTS dominou quase metade como grupo favorito dos que responderam à pesquisa de opinião. A popularidade do Boygroup no país é alta, portanto, foi comprovada no resultado. Em seguida, Blackpink e Exo ficaram entre os que as pessoas gostam mais. Estes também são grupos comentados mais frequentemente na mídia. Outros como Girls’ Generation, BigBang, NCT e Red Velvet também obtiveram uma quantidade significativa dentre a porcentagem total.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 115 Gráfico 12 – O artista solo favorito dos respondentes

Fonte: A autora (2019).

Geralmente, em consonância ao que foi descrito no capítulo 2, os cantores solos já são de algum grupo existente e possuem este segmento na carreira. No Gráfico 12, para saber os mais adorados no Brasil, foram colocadas cerca de 14 opções, também baseadas em pesquisas e matérias sobre. Hyuna, ex-integrante do grupo 4Minute, Sunmi, ex-integrante do Wonder Girls, Taemin do grupo SHINee e Taeyeon do Girls Generation obtiveram as maiores porcentagens dentre o total.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Trabalho de Conclusão de Curso atingiu o objetivo ao apontar que as notícias referentes ao K-pop têm aumentado nos veículos de comunicação nos últimos anos, mostrando sua abordagem e repercussão. O embasamento teórico contribuiu para o conhecimento e entendimento mais profundos sobre o jornalismo, o conceito de cultura e principalmente o jornalismo cultural, foco da monografia, ajudando na conexão do assunto com o objeto de estudo. O estudo de caso foi dividido em três partes. Primeiro em saber sobre a evolução do gênero musical no Brasil, bem como na mídia local. Depois, a análise dos comunicadores que escrevem sobre o tema e possuem experiência e visão para falar sobre o K-pop dentro do jornalismo. Já na terceira parte, a pesquisa de opinião buscou comprovar e demonstrar o impacto da música sul-coreana entre os brasileiros. A análise revelou que este crescimento ficou evidente apenas nas plataformas digitais e na TV. Os jornais impressos raramente divulgam a indústria de música sul-coreana, e quando se tem matérias sobre, são apenas algumas notas em relação a algum show ou artista específico. Embora haja exceções, como uma matéria recente de O Globo, citada anteriormente na monografia, sobre escândalos e tragédias da indústria. O assunto é disseminado na grande maioria, nas versões digitais dos veículos e na mídia televisiva.

116 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 No rádio, o K-pop é visto apenas como música e é tocado em programas musicais, podcasts (sendo mais presentes no conteúdo criado por fãs) ou como algum anúncio sobre um show, por exemplo, mas a divulgação é escassa comparada a outros países nos quais os grupos concedem entrevistas, participam destes projetos. Nas revistas, a quantidade de pautas também é pequena, assim como os jornais da grande mídia, apenas escrevendo algumas notas sobre o tema. Quando voltadas ao público jovem, como a Todateen, se tem um apelo maior, deste modo, produzindo mais conteúdo voltado ao K-pop. Quanto às entrevistas, constatou-se que a grande mídia, comparada com sites dedicados ao tema, ainda não entrevista muitos artistas sul-coreanos. Os encontros são esporádicos, podendo ter uma procura maior. Os portais especializados também seguem o tipo de abordagem informal como a mídia internacional. Observa-se que nos veículos on-line, bem como na TV, as pautas estão ficando um pouco mais detalhistas, abordando o funcionamento da indústria do K-pop e no impacto para a economia e o turismo da Coreia. Além disso, a autora constatou que tais veículos abordam a cultura do país e sua influência na população brasileira, mostrando o estilo musical como uma parte importante da Coreia do Sul em reportagens, jornalistas entrevistando jovens que foram atingidos pela onda coreana, a paixão pela música e a cultura sul-coreana. Ao aplicar a pesquisa de opinião com os fãs do estudo, a autora desse estudo compreendeu o motivo da preferência de publicações para jovens e nas versões digitais dos jornais, bem como o comportamento dos kpoppers. Na pesquisa, foi comprovado ainda que o público-alvo mostrou ter entre 15 e 24 anos e está constantemente conectado às plataformas da web (principalmente YouTube) e, portanto, em contato com os portais jornalísticos e demais sites de notícias sobre a música sul-coreana. Deste modo, a preferência de pautas para os jornais on-line se justifica. Eles investem no conteúdo voltado para o digital justamente pela faixa etária dos seguidores do K-pop ser jovem. O público se compõe em mais de 80% pelo sexo feminino, sendo a grande parte jovens. A popularidade do BTS foi confirmada por apresentar quase metade dos correspondentes como o grupo favorito. O conhecimento sobre o gênero musical no Brasil, como ao redor do mundo, também se deu pela internet, compondo metade da porcentagem, enquanto praticamente a outra parcela foi por meio de amigos e família. O motivo pelo gosto mostrou ser diversificado, com sonoridade, clipes, coreografia e cultura constituindo uma extensa porção do percentual. O som agrada aos ouvintes, os clipes, tanto quanto as coreografias impressionam e a cultura sul-coreana, com suas particularidades fazem com que o Korean Pop seja adorado por muitos brasileiros. Quanto à influência, foi mostrado que o ato de ser fã, a dança e o idioma são os principais aspectos apontados pelos indivíduos que seguem a onda coreana. Os kpoppers adoram o estilo musical, recriam as coreografias e aprendem o idioma. Pode-se ver que o uso das mídias é forte, sendo utilizado para a propagação do tema, que vem sendo feita quase que exclusivamente pelas redes sociais, o que as empresas também fazem,

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 117 utilizando suas estratégias de comunicação e desenvolvendo conteúdo para as plataformas digitais. Assim como o K-pop envolve inúmeros elementos audiovisuais e o forte uso nas mídias sociais, a apresentação e propagação do conteúdo na internet é de fato mais adequada, pois permite que o leitor obtenha um melhor entendimento, concepção do tema, dado que tenha a opção de consumi-lo assistindo clipes, por exemplo. Devido ao impacto da indústria de música sul-coreana no país, os veículos de comunicação tiveram o interesse de realizar pautas referentes ao tema com mais frequência. A abordagem faz com que a mídia cative um público maior, principalmente os jovens, além de beneficiá- los, pois é um assunto que está em alta fazendo com que o jornal tenha lucro e visibilidade. A globalização fez com que as culturas de diversos países fossem propagadas mais facilmente, e com o K-pop não foi diferente. Os jovens brasileiros estão inserindo a cultura da Coreia do Sul em suas rotinas. Desde o ecossistema cultural, como as expressões, até a utilização do idioma, comportamento, consumo de filmes, músicas, entre outros. Esta influência na população é mostrada nas matérias. Os meios de comunicação entrevistam fãs, que expõem sua paixão e tudo que fazem ligado a este universo. O relato serve para obter informações de como esta cultura está se espalhando no país e também de mostrar a razão da ascensão do gênero musical. Pôde-se observar que as matérias que estão mais em alta ligam o crescimento do pop coreano com a cultura do país e como isto está conectado com o efeito nos brasileiros, além de informações sobre shows e o conhecimento sobre a indústria e os demais artistas, as novidades e lançamentos, seguindo sua popularidade, não só no Brasil, mas também ao redor do mundo. Sendo uma cultura asiática, existe ainda um afastamento por uma parte dos cidadãos, não atingindo completamente os brasileiros, pois a diferença de costumes, estilo musical é grande. Em veículos onde se tem uma variedade de editorias e notícias, há a necessidade de se explicar com mais detalhes sobre os grupos e indústria do K-pop, o contrário da norte- americana, por exemplo, onde o público já tem o conhecimento sobre e a cultura é mais próxima. O idioma também serve como uma barreira na hora de entrevistar um ídolo sul-coreano e obter informações. Para artistas que não falam inglês (ou muito pouco), nem os jornalistas, na língua coreana, precisa-se de um intérprete para a realização de entrevistas e a apuração de conteúdo. Do mesmo modo, o fuso horário entra em questão, pois quando há alguma novidade, nem sempre os jornalistas estarão em seu horário de trabalho nas redações. O profissional que lida com culturas distintas precisa se certificar da diferença que existe entre a de seu país, e, como no K-pop, uma do outro lado do mundo. No Brasil, verificou-se que houve uma aproximação dos meios de comunicação quanto à cultura da Coreia do Sul, justamente por conta da onda coreana. Porém, ainda precisa ser mais observada pelas mídias de massa, pois erros são cometidos constantemente devido a termos característicos e por ser algo novo ainda não explorado totalmente, além do fato de existirem poucos veículos da grande mídia que raramente analisam de fato os artistas, fazem resenhas, críticas, apenas divulgando informações novas dentro da indústria de música sul-coreana.

118 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Por fim, ficou evidente o impacto da música sul-coreana principalmente na população jovem brasileira e nos veículos de comunicação. Acima de tudo, pôde-se confirmar quanto os fãs são importantes para a propagação de um conteúdo, seja através da internet ou outro tipo de mídia, da mesma forma como os artistas têm o poder de gerar reconhecimento e lucro para o país. O Korean pop teve como base os próprios seguidores, o que fez com que a mídia passasse a divulgar o assunto. O K-pop cumpre seu papel como fenômeno da cultura de massa, fazendo e espalhando seguidores por onde passa. Assim, a monografia pode ser vista como instrumento de percepção para diferentes culturas, mostrando a abordagem atual e como ainda deverá ser aperfeiçoada. O jornalismo cultural engrandece ao sair de temáticas sobre artistas e culturas mais comuns à nação local, pois o intuito desta editoria é a de propagar o conhecimento para o leitor sobre diferentes costumes, lugares, perspectivas, contribuindo para pensamentos diversificados, tanto ao profissional, quanto ao público.

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Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 127 COMUNICAÇÃO NÃO-VIOLENTA NA EDUCAÇÃO: UMA FERRAMENTA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO MAIS CONSCIENTE

Giovanna Soares Isabelle Idalécio Prof. Orientador: Rafael Melo Pereira

RESUMO

Este projeto de pesquisa explora a presença, no âmbito da educação, da comunicação não- violenta (CNV), ferramenta relacional que pretende resgatar a humanidade nas relações entre as pessoas a partir de um conjunto de práticas. Tratamos, nesse trabalho, da comunicação humana, compreendendo-a segundo a perspectiva relacional e vital para a existência do homem em sociedade. Demonstramos como a CNV se insere nesse contexto, revelando a forma pela qual essa prática é desenvolvida dentro de uma instituição de ensino, se tornando importante elemento na tomada de consciência para a mudança.

Palavras-chave: comunicação. Relação. Comunicação não-violenta. Consciência. Educação. Humanidade.

1 INTRODUÇÃO

Somos seres em um mundo de transformações constantes. Na atualidade, os humanos se deparam com o progresso da tecnologia, a conectividade em rede, os conflitos e crises de múltiplas ordens, a presença da mídia, as muitas informações em tempo real, o consumo e a produção. Essas modificações demasiadas e em velocidade nunca antes vista, carregam consigo também as consequências do tempo acelerado. Soma-se a essa perspectiva que as relações entre os homens têm se modificado ao longo do tempo. Os seres humanos experienciam hoje o crescente avanço tecnológico que deu origem não só às muitas facilidades, mas também a uma conectividade constante em rede (SANTAELLA, 2013). O mundo virtual, como um território vasto de relacionamento, se revela diariamente na vida das pessoas, gerando novas formas de relação, que apoiadas nas ideias de praticidade e obsolescência, se tornam cada vez mais rasas (BAUMAN, 2011).

128 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Acrescenta-se também que, uma sociedade predominantemente materialista, sustentada pelo individualismo, a construção do sentido de comunidade e ou nação homogênea se perderam, originando relacionamentos conflituosos, em que as pessoas perderam a capacidade de estar presentes. Isso acontece por conta do olhar constante na produtividade e nos resultados (BARTER, 2017). Além disso, podemos afirmar que hoje, com a influência das diversas fontes de mídia, tanto a quantidade, quanto a velocidade de informações instauraram a necessidade nas pessoas de estarem informadas a todo momento como um sinônimo de sabedoria. Nessa dinâmica, o conhecimento e a informação são colocados como equivalentes, originando o fenômeno das opiniões imperativas, onde todos sabem de tudo, mas ninguém conversa na perspectiva do diálogo e da troca. Não temos a capacidade de conduzir conflitos como algo inerente ao ser em relação (BONDÍA, 2002). Tendo em vista esse conjunto de circunstâncias que definem a humanidade a todo momento, verificamos que a natureza dos problemas enfrentados hoje, têm suas origens na comunicação, ou melhor, na falta dela. Além disso, observamos que, o homem como um ser em um mundo vital, tem sua experiência dada a partir da comunicação, que ao estabelecer-se por meio das relações, torna-se a fonte primária de existência humana (PELIZZOLI, 2012). Por isso, entendemos que esses problemas podem ser compreendidos como o colapso da comunicação, ou, o obstáculo evolutivo da humanidade. (ROSENBERG, 2006) Nesse sentido, identificamos que precisamos repensar a maneira pela qual nos comunicamos, fazendo surgir uma nova consciência de vida em sociedade. Para isso propomos pensar essa mudança a partir da Comunicação não-violenta, pesquisa desenvolvida pelo Psicólogo americano Marshall Bertram Rosenberg (2006) que visa o estabelecimento da empatia, baseando-se em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos, mesmo em condições adversas (ROSENBERG 2006, p.21). Essa prática tem o objetivo de incentivar a autoeducação para que se restabeleça a confiança mútua entre pessoas, instituições, povos e nações. A CNV convida para que seja reformulada a maneira pela qual as pessoas se expressam e escutam os outros. Para Rosenberg (2006, p.21) “[...] nossas palavras, em vez de serem reações repetitivas e automáticas, tornam-se respostas conscientes, firmemente baseadas na consciência do que é percebido, dito e desejado”. Hoje, com alcance mundial, a Comunicação não-violenta tem servido de recurso para comunidades que enfrentam graves conflitos e tensões de natureza étnica, religiosa ou política. Já foi utilizada na resolução de conflitos em mais de 65 países ao redor do mundo, nos diversos continentes. Também é aplicada no desenvolvimento de novos sistemas sociais, orientada em prol de parceria e o compartilhamento de poder, principalmente na área de educação. É um processo de pesquisa contínuo que explora a comunicação nas esferas pessoal, interpessoal e social proporcionando formas práticas de gerir relacionamentos saudáveis (ROSENBERG, 2006).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 129 Neste projeto de pesquisa procuramos explorar a possibilidade da presença da comunicação não-violenta (CNV) no âmbito da educação. O objetivo principal do trabalho foi identificar como a CNV se insere na dinâmica escolar, buscando revelar como essa ferramenta relacional atende aos valores e atividades da instituição de ensino. Para chegar a esse objetivo foi preciso mapear as práticas de comunicação não-violenta presentes no Espaço Cria, instituição de ensino escolhida por nós como objeto de estudo e que atua como referência na utilização da CNV em educação no Estado do Rio de Janeiro. Contemplando esse propósito inicial, os objetivos específicos, respectivamente, são: mostrar como a comunicação não-violenta se insere no relacionamento entre as pessoas, apontando as estratégias utilizadas com essa ferramenta nos dias de hoje. Posteriormente, para trazer exemplos concretos da atividade, buscamos verificar como as ações de CNV são articuladas pelos gestores do Espaço Cria entre os professores, colaboradores e educandos. E por fim, a proposta foi analisar com essas informações, os resultados obtidos com as práticas da CNV na instituição de ensino. Durante o desenvolvimento, a dificuldade que marcou a pesquisa foi a busca pelo material teórico sobre a comunicação não-violenta. Embora o tema seja bastante urgente e atual, os estudos sobre a prática estão muito fundamentados na pesquisa do professor Marshall Rosenberg, o que não permitiu que abríssemos o tanto quanto gostaríamos a discussão sobre a temática. Fato que também não impediu a apresentação dos pilares que garantem a prática da comunicação não- violenta nas relações humanas. A pesquisa pode ser classificada como qualitativa, pois se desenvolve a partir da revisão do material bibliográfico disponível sobre o tema central – comunicação não-violenta –,eem entrevistas semiestruturadas, estas focadas no conhecimento das idealizadoras do Espaço Cria, Mariana Carvalho e Lívia Diniz, consideradas aqui formadoras de opinião. Convém destacar que a técnica de análise de conteúdo foi utilizada como parte metodológica. A referida técnica foi escolhida para a interpretação dos dados, pois a análise de conteúdo é “uma ferramenta para a compreensão da construção de significado que os atores sociais exteriorizam no discurso” (SILVA; GOBBI; SIMÃO, 2005, p. 74). Assim sendo, o método “permite ao pesquisador o entendimento das representações que o indivíduo apresenta em relação a sua realidade e a interpretação que faz dos significados a sua volta” (SILVA; GOBBI; SIMÃO, 2005, p. 74). Ainda sobre esta técnica, Bardin (2009, p. 44) explica que a análise de conteúdo é

um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

130 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Nesse sentido, buscamos com a vivência das diretoras do Espaço Cria, coletar informações atuais, trazendo à tona a experiência dessas educadoras ao longo de suas trajetórias. A partir disso, foi possível identificar e compreender na prática como a CNV está presente na rotina escolar. Essa possibilidade ampliou nossa percepção a respeito da utilização da ferramenta no âmbito educativo. A escolha do Espaço Cria como nosso objeto de estudo se deu porque no início da pesquisa, buscávamos uma escola que fosse referência do trabalho com a CNV. Além disso, quando começamos a desenvolver as buscas e pesquisar sobre o tema, tivemos oportunidade de participar de palestras e cursos sobre a CNV. Nesses lugares, muitas pessoas reconhecidas dentro do meio nos indicaram com bastante recomendação o Espaço Cria para realizar o trabalho. Decididas da escolha da instituição de ensino, se iniciaram as tentativas do contato. Conseguimos, por meio de uma amiga em comum, falar com a Mariana Carvalho, fundadora do Cria. Nesse primeiro momento, a comunicação se deu de forma informal, apenas por meio de mensagens (via WhatsApp). Depois disso, marcamos uma ligação para nos conhecermos melhor. Nessa ligação, buscamos nos apresentar, fazer com que ela entendesse a ideia do trabalho e nosso envolvimento e interesse pelo tema. No telefonema, Mariana, guiada por algumas perguntas nossas sobre a temática da CNV e curiosidades a respeito da escola, explicou de maneira sucinta parte da história da escola, dos valores lá prezados e também sobre a forma com que a CNV se insere na rotina da escola entre educadores e crianças. Ao final dessa ligação, Mariana nos convidou para participar de uma visita no Cria, para que conhecêssemos melhor o espaço e o trabalho realizado. A partir desse primeiro contato, começamos a entender melhor como a dinâmica com a CNV se estabelecia dentro da escola. Isso possibilitou que elaborássemos algumas perguntas chaves e dúvidas a serem esclarecidas durante a visita. Visitamos o Espaço Cria no dia 30 de outubro para conhecer a Escola. A partir desse momento, o contato principal passou a ser com a Lívia Diniz, fundadora do Cria junto com a Mariana Carvalho. Nessa visita, tivemos uma pequena reunião muito significativa em que Lívia apresentou a história da escola, contextualizando os valores e processos de educação ali preservados. Pudemos ver de perto e sentir como o trabalho realmente é feito. Percorremos também todo o espaço da escola nessa visita, observando os espaços preparados para as crianças e a natureza que cerca o lugar. Tivemos tempo para compartilhar inspirações e conexões com a fundadora do espaço que desde o primeiro sorriso nos recebeu com muito afeto. A partir da visita e depois de obter muitas informações dessa experiência para o nosso projeto, mantivemos o contato com Lívia que disponibilizou seu número de contato para que esclarecêssemos futuras dúvidas sobre os caminhos da CNV no Espaço Cria. Tendo isso em vista, a pesquisa sobre comunicação não-violenta se justifica pois, como estudantes de Comunicação Social, entendemos a comunicação como a base para a construção das relações humanas. A delimitação do foco em educação se aplica porque com as crianças temos a possibilidade de reparar a base da sociedade, construindo a partir daí uma nova perspectiva

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 131 de vida - mais consciente e conectada com propósitos humanos. Além disso, notamos que a academia carece de conteúdos que apontam para a temática da comunicação não-violenta o que torna esse projeto ainda mais relevante. O trabalho está dividido em cinco capítulos, este, de caráter introdutório, traz informações gerais do projeto. Procuramos trazer à tona o nosso interesse pelo tema e o caminho que trilhamos na obtenção das informações necessárias para essa pesquisa. O capítulo dois apresenta o referencial teórico, no qual se trabalha o processo da CNV, contextualizando com as necessidades atuais de comunicação do mundo moderno, identificando aspectos quanto às relações humanas em sociedade. O terceiro apresenta o objeto de estudo, bem como as práticas desenvolvidas dentro da instituição de ensino escolhida, o Espaço Cria, ampliando o repertório do leitor para as estruturas necessária na manutenção dessas práticas em ambientes escolares. O capítulo quatro compila as análises feitas a partir da pesquisa de campo, compreendendo a aplicabilidade do processo de comunicação não-violenta no nosso objeto de estudo. Por fim, o trabalho encerra com uma sessão ligada às considerações finais das autoras.

2 COMUNICAÇÃO, ESSÊNCIA DA HUMANIDADE

O ser humano se estabelece no mundo por meio da comunicação. Blikstein (2003) já evidenciava que a construção da noção de realidade pelo homem se constitui a partir da socialização e da linguagem. Isso porque as palavras fundamentam toda a vida social, estabelecendo a base para as relações entre as pessoas. Complementando essa ideia, deliberamos que a comunicação se dá por meio de palavras, estruturas geradoras de sentido. A base analítica de Bondía (2002) sustenta essa afirmativa, pois o autor propõe que as palavras determinam nosso pensamento, uma vez que não pensamos com pensamentos, mas com palavras. Além disso, para o autor, também tem a ver com as palavras o modo como nos colocamos diante de nós mesmos, dos outros e do mundo em que vivemos. Por isso podemos dizer que o ser humano se constitui e se desenvolve nas palavras, se conhece e interage com o mundo também por meio delas. Deste modo, sustentamos que o ser humano é enquanto palavra. Aristóteles também acrescenta essa concepção de Larrosa ao definir o homem como Zôon Lógon échon, expressão que traduzida significa “vivente dotado de palavra”. Pelizzoli (2012) soma a essa compreensão, considerando que se comunicar é nada menos que o ápice do fato da vida estabelecer-se como relação. Para ele, as pessoas são seres num mundo vital, sistêmico, onde os indivíduos encontram sentido apenas em relação, relacionados desde seu corpo e alma, a ponto de não poder identificar um indivíduo de modo isolado a não ser por uma operação artificial. Ainda nessa perspectiva, Paulo Freire (1983) considera que não existe pensamento isolado, na medida em que também não há homem isolado. A Comunicação, ato que reside na relação entre as pessoas, na sociabilidade, é, portanto, o fato de exercer a vida, constituindo, portanto, o que as pessoas são a cada momento. Além

132 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 disso, a comunicação constitui, dessa maneira, o espaço público, ou seja, o espaço cognitivo em que as mentes das pessoas recebem informação e formam os seus pontos de vista através do processamento de sinais da sociedade no seu conjunto (CASTELLS, 2006 p. 23). Vale ressaltar ainda que, nessa perspectiva, a comunicação se torna o ato central de experiência da vida humana. Para mais, Pelizzoli (2012) reitera que comunicação não é apenas jogo de signos e significantes, não é apenas falar, escrever e sinalizar, não é um mero instrumento, não é um corpo de estudos ou uma ideologia, não é um jogo gramatical e de léxicos, mas a linguagem vital, e como tal, ambiente/meio da vida humana como sociabilidade. Destaca-se nesse contexto, segundo Perles (2007) que compreender o processo de comunicação humana, implica voltar no tempo, buscar as origens da fala, o desenvolvimento das linguagens e verificar como e por que ele se modificou ao longo da história. Após contextualizar a importância da comunicação como elemento em que o homem, por meio das relações estabelecidas na interação social, valida sua existência, se faz necessário apresentar o cenário dessas condições relacionais no contexto pós-moderno. É preciso entender como as circunstâncias do período atual têm influenciado na forma como as pessoas interagem, se comunicam, relacionam e, portanto, existem. No decorrer da história do homem, a tecnologia esteve presente como advento que não só facilitou, mas também estendeu funcionalidades humanas. (MCLUHAN, 2005). Essas inovações, antes mesmo do seu uso para a comunicação, operavam para a sobrevivência humana. Isto posto, Perles (2007) explica que para que a comunicação humana alcançasse o estágio atual, tanto em volume e formatos, quanto em velocidade, foram necessárias diversas transformações fisiológicas e processos tecnológicos revolucionários. Para o autor, algumas mudanças aconteceram há tanto tempo que quase nunca são mencionados ou percebidos pelo homem, mas os seus traços se conservam e, vez ou outra, se fazem presentes nos gestos, expressões e ruídos que emitimos. No século XXI, essas mudanças são percebidas com o crescente avanço tecnológico de aparatos eletrônicos em que as relações entre as pessoas sofreram grandes transformações. Os dispositivos tecnológicos, devido a sua praticidade, inovação e velocidade, tornaram-se tanto onipresentes quanto indispensáveis à dinâmica da vida. Nesse sentido, para Lúcia Santaella (2013), ser uma pessoa em sociedade nos dias de hoje, requer múltiplas habilidades para conexões simultâneas, capacidades para processar informações além disso, competências para opinar e se posicionar diante das coisas. A autora argumenta que:

[...] ser cidadão nessa sociedade hipercomplexa, que potencializa a hipersociabilidade, significa tornar-se capaz de distinguir entre diferentes linguagens e mídias, suas naturezas comunicativas e específicas, suas injunções político-sociais e, a partir disso, ter condições para desenvolver a capacidade de levantar perguntas acerca de tudo que lemos, vemos e escutamos (SANTAELLA.L, 2013 p.13).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 133 Concordando com a Professora Santaella, o pesquisador Manuel Castells (2006, p.17), explica que o nosso mundo está em processo de transformação estrutural desde há duas décadas. Para ele, esse processo é multidimensional, mas está associado à crescente de um novo paradigma tecnológico, baseado nas tecnologias de comunicação e informação, que começaram a tomar forma nos anos 60 e que se espalharam de forma desigual por todo o mundo. Soma-se ainda que, nessa complexidade da era pós-moderna, as múltiplas tecnologias de comunicação passaram a mediar as relações entre as pessoas, determinando novas formas de relacionamento individual e social. Castells (2006) alerta que vivemos em uma sociedade em rede e o acesso instantâneo a esse espaço de sociabilidade virtual é tão banal que em contrapartida esquecemos de perceber como ainda é algo novo desde o surgimento. Não tivemos tempo de processar sobre possíveis erros e como nos impactaria como sociedade. Nesse sentido, alguns pensadores como Zygmunt Bauman1 (2011) já apontavam para as consequências negativas do uso das tecnologias para as relações. Para Bauman (2011), originou-se a humanidade líquida, composta de relações com pouca capacidade de presença, sem intuito de permanência, em que as palavras perderam/mudaram seus significados e a comunicação se banalizou em forma de violência. Sobre isso Bauman (2011) concluiu que a experiência da sociedade em rede, na qual vivemos hoje se difere da experiência de sentido de comunidade. Para o sociólogo, ao contrário da comunidade, a rede é feita e mantida viva por duas habilidades diferentes: conectar e desconectar. Na rede, é fácil conectar, fazer amigos, mas por outro lado, o maior atrativo da conectividade em rede reside na facilidade de desconexão. Vale ressaltar também que, ao considerar relações off-line, corpo a corpo constata- se que romper laços revela-se sempre um evento traumático. Por isso a possibilidade de tornar os relacionamentos rasos, ou seja, fáceis de chegar e sair, torna-se tão atrativa para os seres humanos. A necessidade de estar “online” constantemente e em qualquer lugar, nos mostra como esse ciclo vicioso da tecnologia impacta diretamente as relações humanas no mundo físico. Esse processo parece gerar falta de diálogo visto que abdicamos da nossa presença no relacionamento íntegro com nossos grupos sociais para estar conectado em rede. Vivemos imersos grande parte do tempo no mundo virtual, dando mais atenção ao desconhecido, às pessoas aleatórias que aparecem em nossas redes sociais, do que o nosso próprio meio social, como um todo - família, amigos e trabalho. Existe uma busca constante por esse lugar que é mais “confortável” para um diálogo camuflado, adaptado e com menos chances de julgamentos, a internet. Sobre esse aspecto, podemos acrescentar também que as relações pós-modernas, muito pautadas pela velocidade, pela produtividade e pelo excesso de opiniões, perderam sua condição de relação, de dialógico, de comunicação. Para Dominic Barter2 (2017), tanto a correria do dia a dia, como o olhar constante na produtividade, nos resultados, dificulta a possibilidade de relação que se dá na qualidade de processo.

1 Programa Café filosófico, Entrevista com Zygmunt Bauman. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=aI_ te8T7sRU. acesso: 21/10/2019. 2 Programa Milênio - Globo News. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8m50R7ezU00&t=11s. Acesso em: 01/10/2019.

134 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Ressalta-se ainda que, nessa circunstância, Leandro Karnal3 chama atenção não só para o excesso de informação, mas também para o excesso de opinião. Segundo ele: “hoje a informação está ao alcance de todos e cada um acredita que deve dar opinião sobre tudo. Esquece-se que informação é diferente de conhecimento, este obtido pelo estudo contínuo sobre determinado tema. Hoje todos falam, ninguém escuta e todos têm razão”. Sobre esse assunto, BONDÍA (2002) acrescenta que:

[...] O sujeito moderno é um sujeito informado que, além disso, opina. É alguém que tem uma opinião supostamente pessoal e supostamente própria e, às vezes, supostamente crítica sobre tudo o que se passa, sobre tudo aquilo de que tem informação. Para nós, a opinião, como a informação, converteu-se em um imperativo. Em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre que nos sentimos informados. E se alguém não tem opinião, se não tem uma posição própria sobre o que se passa, se não tem um julgamento preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente, sente-se em falso, como se lhe faltasse algo essencial. E pensa que tem de ter uma opinião.

O autor explica que muitas vezes, nessa tendência, passamos a usar expressões como era da informação ou era do conhecimento tal qual se elas fossem equivalentes. No caso, muito se confunde ao aproximar palavras como informação e conhecimento. Diferente do colocado, conhecimento não se dá em forma de informação e uma sociedade constituída sob o signo da informação é uma sociedade na qual a experiência é impossível. A discussão passa pela ideia de que nos tempos atuais, não só o fácil acesso a qualquer tipo de informação, mas também as diversas fontes e meios disponíveis, geram um descontrole da relação entre informação e conhecimento. A informação é adquirida de forma rasa e vasta, ao passo que o conhecimento se dá na profundidade e na durabilidade. Por isso essas palavras não podem em qualquer hipótese, serem colocadas como sinônimos. Sobre essa questão, Bondía complementa:

[...] O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça. A primeira coisa que gostaria de dizer sobre experiência é que é necessário separá-la da informação. E o que eu gostaria de dizer sobre saber de experiência é que é necessário separá-lo de saber de coisas, tal como se sabe quando se tem informação sobre as coisas, quando se está informado. [...] (BONDÍA, 2002, p. 22).

3 Palestra cedida à COVECON. Disponível em: http://convecon.com.br/site/palestra-magna-transformacao-digital-e- o-fator-gente/. Acesso em: 01/10/2019.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 135 Assim como Bondía, o biólogo Edward Wilson (2018) reitera que a humanidade está se afogando em informações, enquanto anseia por sabedoria. Para Wilson (2018), a partir de agora, o mundo será dirigido por sintetizadores, pessoas capazes de reunir as informações certas no momento certo, pensar criticamente sobre elas e fazer escolhas importantes com sabedoria. Quando colocamos informação e conhecimento como equivalentes, emergem as citadas opiniões imperativas4, que excluem a qualidade dialógica e, por conseguinte, impedem trocas saudáveis e resolução de conflitos. Além disso, nesse processo, a mídia parcial, regida por interesses particulares também assume papel fundamental, direcionando pontos de vista e alienando a população. Essa dinâmica pode ter culminado na recente polarização social presente em praticamente todo o mundo, em que a comunicação, ao invés de aproximar e solucionar conflitos, afastou e agrava desigualdades. Para Mujica5, em entrevista cedida a Pedro Bial, uma polarização extrema culmina na paralisação de uma sociedade, o que transforma o cenário em pura confrontação. Destaca-se também que em uma sociedade constituída sob o signo do materialismo e do individualismo, as noções de sentido de comunidade e/ou nação homogênea se perderam, originando graves conflitos. Pesquisas recentes6 do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontam que o grau de violência entre as pessoas vem crescendo no decorrer da história. Poderíamos lembrar também que essa violência tem suas bases em estruturas muito antigas de dominação, em que o homem, por meio da força e da linguagem passou a dominar outros seres humanos conforme hierarquias de poder. Essa dinâmica de violência se deu, segundo Harari (2011), porque os humanos criaram ordens imaginadas que passaram a controlar as pessoas por meio de sistemas de hierarquia. Para ele, as hierarquias surgiram em consequência de um conjunto de circunstâncias históricas que estimularam o controle, discriminação e uma série de preconceitos, impregnando a consciência humana em um nível muito profundo. Sobre a temática, o autor explica que:

[...] as ordens imaginadas que sustentavam essas redes nunca foram neutras nem justas. Elas dividiam as pessoas em pretensos grupos, dispostos em uma hierarquia. Os níveis superiores desfrutavam de privilégios e poder, enquanto os inferiores sofriam de discriminação e opressão. [...] Apesar da proclamação da igualdade entre todos os homens, a ordem imaginada constituída pelos norte-americanos em 1776 também estabeleceu uma divisão. Criou hierarquias entre homens, que se beneficiavam dela, e mulheres que ficaram desprovidas de autoridade. Criou uma hierarquia entre brancos, que desfrutavam de liberdade, e negros e indígenas, considerados humanos de espécie inferior, não compartilhando, assim, dos direitos igualitários dos homens. (HARARI, 2011, p.184)

4 termo cunhado por Jorge Larrosa (2002) que incorpora a ideia de que na pós-modernidade o homem, movido pelo excesso de informação rasa e pela cultura da opinião, sem embasamento ou conhecimento, atravessa a possibilidade de diálogo e conciliação entre os diferentes pontos de vista. 5 Programa Conversa com Bial - Entrevista cedida à Globo. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=Hhs982WCHdo&t=552s. Acesso: 07/10/2019 6 Dados do IPEA - Atlas da violência. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da- violencia-2019. Acesso: 07/10/2019.

136 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Dialogando com essa explicação de Harari (2011), Dominic Barter7 discorre que existe uma lógica de dominação que orienta como as pessoas vivem, o que corrobora para o sofrimento, a falta de escuta e a falta de estabelecer relações de parcerias. A respeito dessa realidade, Rosenberg (2006), concebe o termo comunicação alienante para se referir a essa linguagem de dominação. Para ele, essa comunicação, originada de sociedades baseadas na hierarquia ou dominação, estabeleceu os limites do certo e do errado, iniciando os processos de punição, carregados de sentimentos de culpa e medo. Sobre isso Rosenberg (2006) explica que:

[...] A comunicação alienante da vida tanto se origina de sociedades baseadas na hierarquia ou dominação quanto sustenta essas sociedades [...] é do interesse dos reis, czares, nobres etc. que as massas sejam educadas de forma tal que a mentalidade delas se torne semelhante a de escravos. A linguagem do “errado”, o “deveria” e o “tenho de”, é perfeitamente adequada a esse propósito: quanto mais as pessoas forem instruídas a pensar em termos de julgamentos moralizadores que implica que algo é errado ou mau, mais elas serão treinadas a consultar instâncias exteriores - as autoridades - para saber definição do que constitui o certo, o errado, o bom e o mau. Quando estamos em contato com nossos sentimentos e necessidades, nós, humanos, deixamos de ser bons escravos e lacaios (ROSENBERG, 2006, p.47).

Ainda nessa perspectiva, Marshall Rosenberg (2006), adiciona que essas estruturas de dominação intituladas no decorrer da história da humanidade influenciaram na forma como nos comunicamos até hoje, encorajando pessoas a dominarem outras por meio da linguagem e do uso das palavras. Sobre esse tema, o autor aponta que:

[...] a maioria de nós cresceu usando uma linguagem que, em vez de nos encorajar a perceber o que estamos sentindo e do que precisamos, nos estimula a rotular, comparar, exigir e proferir julgamentos. Acredito que a comunicação alienante da vida se baseia em concepções sobre a natureza humana que exerceram influência durante vários séculos. Tais visões dão ênfase a nossa maldade e nossa deficiência inatas, bem como a necessidade de educar para controlar nossa natureza inerentemente indesejável (ROSENBERG, 2006, p.47).

Rosenberg (2006) enxergou que as dinâmicas interacionais estabelecidas à base da dominação e da violência poderiam ser classificadas como o obstáculo evolutivo da humanidade. Isso porque a comunicação presente pode ser vista tanto como empecilho relacional, quanto possibilidade de transformação e avanço. É por meio desse caminho, o processo comunicativo,

7 Programa Milênio - Globo News. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8m50R7ezU00&t=11s. Acesso em: 01/10/2019.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 137 que temos a chance de aproximação, diálogo e evolução ao invés de insistirmos nas ideias de poder, dominação ou confronto. Tendo em vista toda a dinâmica relacional apresentada, entendemos que se revela tão necessário, quanto urgente repensarmos uma nova perspectiva da comunicação, porque, tendo esta como a fonte primária de existência em sociedade, é nela que se estabelecem possibilidades de diálogo, reconciliação e transformação social. Sobre essa condição, a poeta Lya Luft (2003) aponta: “por meio de gestos, silêncio e palavras construímos pontes em cima das águas turvas ou cavamos o fosso dos mal-entendidos”. Por acreditarmos no potencial revolucionário do uso consciente da comunicação, tomaremos como embasamento primordial dessa pesquisa, o estudo do psicólogo e pesquisador Marshall Rosenberg, o precursor da comunicação-não-violenta (CNV), prática que revelamos nessa pesquisa como sendo uma ferramenta de resgate da comunicação vital. A CNV surge como uma proposta de pesquisa acerca de uma nova forma de comunicação, capaz de transformar o desencontro em compaixão. Nós acreditamos que a partir desse paradigma de comunicação, e de outras práticas, possamos alcançar grandes transformações para uma sociedade mais humana. No despertar do estudo, Marshall Rosenberg8 conta que em determinado momento passou a questionar o porquê de algumas pessoas gostarem de ver o sofrimento de outras. Sobre isso, ele diz que a violência tinha se tornado agradável, as pessoas acham heroico punir aquelas julgadas de más. Relaciona-se também com essa perspectiva que, conforme Bourdieu (2009), quando classes dominadoras exercem seu poder sobre classes minoritárias, a violência simbólica se vulgariza, gerando graves repercussões na sociedade, de ordem moral e psicológica. Apoiado nisso, Rosenberg (2006) se perguntava “como outras pessoas, na mesma sociedade se comportam de forma oposta a essa?”, isto é, se alegram, não por acreditarem que pessoas más precisam ser punidas, mas obtêm sua alegria contribuindo para o bem- estar de outras pessoas. A partir dessa observação, Rosenberg (2006) percebeu que havia não apenas uma linguagem diferente, mas também que a consciência era outra. Por isso ele decidiu se aprofundar em pesquisas para descobrir mais sobre a natureza da comunicação que nos incentiva a nos conectarmos de forma que gostamos de contribuir para o bem-estar do outro. Essa foi a partida para o desenvolvimento da comunicação não-violenta como prática e pesquisa diárias.

8 Entrevista com Marshall Rosenberg. Disponível em: Acesso em:07/10/2019.

138 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Rosenberg (2006, p.32) mostra que:

[...] a CNV nos ajuda a nos ligarmos uns aos outros e a nós mesmos, possibilitando que nossa compaixão natural floresça. Ela nos guia no processo de reformular a maneira pela qual nos expressamos e escutamos os outros, mediante a concentração em quatro áreas: o que observamos, o que sentimos, do que necessitamos, e o que pedimos para enriquecer nossa vida. A CNV promove maior profundidade no escutar, fomenta o respeito e a empatia e provoca o desejo mútuo de nos entregarmos de coração. Algumas pessoas a usam para responder compassivamente a si mesmas; outras, para estabelecer maior profundidade em suas relações pessoais; e outras, ainda, para gerar relacionamentos eficazes no trabalho ou na política. No mundo inteiro, ela é utilizada para mediar disputas e conflitos em todos os níveis.

Pelizzoli (2012) aponta que a CNV ensina as pessoas a falarem como seres humanos de verdade. Para ele, é um modo de acessar uma inteligência relacional em forma de linguagem, que toca virtudes fundamentais da vida social e dos grupos. Segundo esse autor:

[...] a cnv é a tomada de consciência de nossas necessidades, nossa humanidade, nossa capacidade de conexão e nossa capacidade de comunicação, para além de qualquer linguagem rebuscada ou especulações gramaticais e lógicas. (PELIZZOLI, 2012).

Quando nos deparamos com o estudo da CNV, a palavra empatia é apresentada como pontapé para a prática. Essa palavra nada tem a ver com concordar ou se colocar no lugar do outro, na verdade ela traz a ideia de nos colocarmos atentos para reconhecer uma outra pessoa na sua humanidade, e partir daí conectar com o que há de comum enquanto seres humanos. Para Dominic Barter9 (2017), a empatia é a volta do processo de convivência nas relações que se perdeu com o olhar constante na produtividade que visa resultados. Sobre isso, Dominic Barter (2017) explica que:

Empatia é procurar se conectar com o outro, através do que compartilhamos apesar de todas as diferenças. Diz respeito à capacidade de reconhecer o outro na sua humanidade. É a disponibilidade de estar presente com a experiência de um indivíduo - sem tentar mudá-la, educá-la, resolvê-la, seja boa ou ruim. Só estar em presença.

9 Entrevista para Milênio. Disponível em: Acesso em:05/11/2019

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 139 Para Rosenberg (2006), a comunicação não-violenta é uma forma de conexão que leva as pessoas a se entregarem de coração. E para isso, “a CNV se baseia em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos, mesmo em condições adversas” (ROSENBERG 2006, pg.21). Sobre essas condições adversas, acrescentamos ainda, como importante elemento da nossa pesquisa o fato de que as relações estabelecidas por meio da comunicação para a vida social, possuem uma vasta carga de complexidade emocional e estrutural. Isso quer dizer que precisamos olhar para nossa relação com os conflitos inerentes ao ser em sociedade. Construiu- se ao longo do tempo a crença de que conflitos refletem algo negativo. Nunca são vistos como uma possibilidade de movimento ou mudança que, na maioria das vezes, representa conquista, crescimento e evolução. Para Dominic Barter (2017): “precisamos dialogar sobre o que nos é comum enquanto indivíduos, logo, resolver os nossos conflitos nos ajuda a evoluir como sociedade”. Os conflitos fazem parte da dinâmica da sociedade como um todo, possibilitam transformar os indivíduos, seja em sua relação com o outro, seja na relação consigo mesmo. Ainda nesse sentido, os autores Ecco; Paludo; Nogaro (2012) afirmam que os contrastes existentes entre os seres nem sempre são destrutivos; o que é considerado negativo é a falta de habilidade de lidar com as discórdias. Sobre esse aspecto, Pelizzoli (2012) explica que o campo relacional é contemplado pelo desequilíbrio e pelo equilíbrio, pelo conflito e pela conciliação. Tais expressões da existência são tão opostas quanto codependentes e necessárias ao fluir cíclico da vida em sociedade. Soma-se a essa compreensão que:

[...] a vida social é regida por trocas de coisas e energias, de climas emocionais, de estados mentais, de dívidas e direitos, num verdadeiro jogo sistêmico com algumas regras e com muita complexidade e possibilidades em aberto; circula entre nós essencialmente amor e ódio, ligação e repulsão. (PELIZZOLI, 2012, pg.3)

Nesse contexto, Marshall Rosenberg (2006) incentiva a recuperação de um diálogo necessário, pautado pela não violência que, segundo o psicólogo significa permitirmos que venha à tona aquilo que existe de positivo em nós e que sejamos dominados pelos valores da empatia, inclusão, pertença, solidariedade e escuta das necessidades do outro, a fim de termos uma convivência mais compassível. Pretende-se, portanto, com a CNV desenvolver consciência comunicativa. Pelizzoli (2012) aponta que “para entrar no mundo da compreensão e da linguagem, seu sentido inter-humano profundo, bem expresso na palavra diálogo, é preciso aceder ao ser-no-mundo, aos valores comunitários fundamentais que nos constituem como seres sociais.” A prática tem o objetivo de incentivar a autoeducação para que se restabeleça a confiança mútua entre pessoas. A CNV convida para que seja reformulada a maneira pela qual as pessoas se expressam e escutam os outros. Para Rosenberg (2006, p.21) “[...] Nossas palavras, em vez de serem reações repetitivas e automáticas, tornam-se respostas conscientes, firmemente baseadas na consciência do que é percebido, dito e desejado”.

140 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 O Processo da Comunicação Não-Violenta expressa-se por meio de quatro componentes: observação, sentimento, necessidades e pedido. Obedecendo a esse processo, as pessoas se tornam capazes de identificar os comportamentos e condições que estão afetando os envolvidos, possibilitando a articulação clara do que se deseja. Vale ressaltar ainda que a prática pode ser aplicada com pessoas que não conhecem a CNV ou até com aquelas que não estão motivadas a se comunicar de maneira compassiva. Sobre isso, é possível que, com essa ferramenta, as pessoas se tornem capazes de auxiliar empaticamente umas às outras no processo da CNV, o qual iremos indicar em seguida. Pontuando as etapas desse processo, podemos explicar de maneira breve que a primeira é a observação das ações concretas que afetam o bem-estar; a segunda é a clareza do sentimento envolvido em relação ao observado; a terceira é a identificação da necessidade que precisa ser atendida para que, na quarta etapa, um pedido claro seja feito. Para tal, Rosenberg (2006) explica:

[...] Primeiramente, observamos o que está de fato acontecendo numa situação: o que estamos vendo os outros dizerem ou fazerem que é enriquecedor ou não para nossa vida? O truque é ser capaz de articular essa observação sem fazer nenhum julgamento ou avaliação - mas simplesmente dizer o que nos agrada ou não naquilo que as pessoas estão fazendo. Em seguida, identificamos como nos sentimos ao observar aquela ação: magoados, assustados, alegres, divertidos, irritados etc. Em terceiro lugar, reconhecemos quais de nossas necessidades estão ligadas aos sentimentos que identificamos aí. Temos consciência desses três componentes quando usamos a CNV para expressar clara e honestamente como estamos. (ROSENBERG, 2006, p.25).

O primeiro passo da CNV citado acima, refere-se à observação das ações, que inclui o não julgamento diante das coisas. Sobre isso, Rosenberg (2006, p.51 apud JOHNSON) explica que há uma desarmonia entre o nosso mundo e a linguagem, o mesmo observou que criamos muitos problemas para nós mesmos ao usarmos uma linguagem estática para expressar ou captar uma realidade que está sempre mudando. A respeito dessa realidade o autor explica:

Nossa linguagem é um instrumento imperfeito, criado por homens antigos e ignorantes. É uma linguagem animista, que nos convida a falar a respeito de estabilidade e constâncias, de semelhanças, normalidades e tipos, de transformações mágicas, curas rápidas, problemas simples e soluções definitivas. No entanto, o mundo que tentamos simbolizar essa linguagem é um mundo de processos, mudanças, diferenças, dimensões, funções, relações, crescimentos, interações, desenvolvimento, aprendizado, abordagem, complexidade e o desencontro entre este nosso mundo sempre em mutação e as formas relativamente estáticas de nossa linguagem é parte de nosso problema. (ROSENBERG apud JOHNSON, 2006, p.51)

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 141 O uso constante de palavras estáticas que são mais fáceis de serem mal interpretadas, como por exemplo: “sempre, nunca, jamais”, são vistas como exageros de linguagem e inclinam- se para a violência. O emprego delas repercute uma avaliação negativa, dando a entender que não há esperança de mudança sobre o que foi falado, fazendo o receptor adentrar em uma reação defensiva. Essas palavras na maioria das vezes servem como gatilhos para uma discussão ou ausência de diálogo. Diante disso, analisa-se que parte do problema se encontra em nossa linguagem fixa que não dialoga com o mundo dinâmico em que vivemos. Como consequência dessa nossa dinâmica analítica, Rosenberg (2006, p.57) explica que “quando combinamos observações com avaliações, os outros tendem a receber isso como crítica e resistir ao que dizemos.” Sobre isso, podemos explicar essa condição apontando que, normalmente, quando observamos uma situação ou fazemos parte dela, buscamos nos posicionar, assumindo os conflitos numa perspectiva de guerra, em que classificamos as pessoas como vítimas e agressores. Nessa lógica, passamos a adjetivar uns aos outros como bons ou ruins e, por outro lado, a nós a CNV ensina que não existem essas classificações, na verdade somos seres que pulsam sentimentos e necessidades que podem estar em desarmonia. Podemos assumir que conhecemos esses sentimentos e necessidades e que existem grandes possibilidades de nos conectarmos por meio deles. Isso porque são coisas que temos, como seres humanos, em comum uns com os outros Esse passo também tem a ver com perceber que naturalmente somos seres que julgam, que analisam e tomam interpretações como verdades. Porém, nessa tentativa, a prática é dissociar qualquer tipo de análise ou adjetivo moralizante para interpretar alguém ou a si mesmo. Aqui a ideia é observar e deixar que sejam ampliadas as percepções da situação, identificando o que vem à tona para nós. Em seguida, o segundo passo da CNV, refere-se à identificação daquilo que estamos sentindo para nos expressarmos com clareza. As práticas da Comunicação não-violenta nos levam à reflexão sobre a importância de nossos sentimentos. Temos o hábito de camuflarmos, por meio da linguagem o que estamos sentindo. Fazemos de tudo para não entrarmos em estado de vulnerabilidade. Isso acontece porque nunca fomos instruídos a identificar sentimentos ou nomear nossas sensações. Fomos encorajados a sentir cada vez menos; é muito comum escutar nossos pais dizerem “chorar é coisa de gente fraca”. A referida frase exemplifica o hábito de não nos conectarmos com o que estamos sentindo, como fora citado anteriormente. O verbo sentir significa10: “ter o sentimento de; ter a sensação; perceber através dos sentidos” [...]. Porém estamos tão afastados desses sentidos que não conseguimos encará-los, diferenciá-los ou nomeá-los. Esse afastamento dos sentimentos pode ser visto, por exemplo, com o nosso costume de empregar o verbo “achar” no lugar de sentir, como uma forma de banalização da palavra. Sobre esse aspecto, Rosenberg (2006, p.68) demonstra na frase “sinto que consegui um acordo justo” que a palavra sinto poderia ser mais precisamente substituída por penso, creio ou acho.

10 Dicionário Online de Português. Disponivel em:https://www.dicio.com.br/sentir/, acesso em: 05/11/2019.

142 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Em contrapartida, exemplificando como a CNV propõe a atenção aos sentimentos, vale apontar que na frase que: “estou me sentindo desapontado comigo mesmo por ter faltado à aula mais uma vez”, o sentimento pulsante por trás dessa fala é compreendido, o que tornaria a frase mais clara e sincera sobre o ocorrido. Nesse caso, a CNV nos convida a observarmos nossas sensações, buscando descrever claramente o estado emocional em que nos encontramos, para que possamos nomear esse estado, ao invés de escondê-lo por detrás de uma máscara. Essa maneira nociva de não valorização dos sentimentos também atrapalha as pessoas a se conectarem com aquilo que necessitam, já que todo sentimento é um sinal de que uma necessidade não está sendo atendida. Por não sermos capazes de compartilhar sentimentos, prejudicamos também nossos relacionamentos sociais e afetivos, uma vez que precisamos ser compreendidos por aqueles com que nos relacionamos para que se estabeleça empatia. A respeito disso, Rosenberg (2006, p. 95) recomenda que nos atentemos para essa dinâmica porque segundo ele “quanto mais diretamente pudermos conectar os nossos sentimentos as nossas necessidades, mais fácil será para os outros reagir compassivamente.” Sobre a segunda etapa do processo da CNV, Marshall Rosenberg argumenta que:

Desenvolver um vocabulário de sentimentos que nos permita nomear ou identificar de forma clara e específica nossas emoções nos conecta mais facilmente uns com os outros. Ao nos permitirmos ser vulneráveis por expressarmos nossos sentimentos, ajudamos a resolver conflitos. A CNV distingue a expressão de sentimentos verdadeiros de palavras e afirmações que descrevem pensamentos, avaliações e interpretações. (ROSENBERG, 2006, pg. 79).

O terceiro componente do processo da comunicação não-violenta sugere que as pessoas busquem, depois de nomear seus sentimentos, conectar essas sensações a algo que elas necessitam. Para Marshall Rosenberg (2006), essa necessidade não atendida que se revela por meio dos sentimentos, pode ser facilmente identificada se tomarmos como verdade que todos os seres humanos têm necessidades em comum. Ele explica ainda que é nesse lugar em que as pessoas têm a possibilidade de se conectarem de forma profunda, criando compaixão umas com as outras. Por outro lado, a tendência das pessoas quando utilizamos a comunicação alienante é atribuir a “culpa” pela desarmonia de necessidades aos outros. Sobre isso, “as práticas de Comunicação não-violenta aumentam a nossa consciência de que o que os outros dizem e fazem pode ser o estímulo, mas nunca a causa dos nossos sentimentos.” (ROSENBERG, 2006, p.79, grifo do autor). Complementando essa ideia, Rosenberg (2006) assume que: “infelizmente, a maioria de nós nunca foi ensinado a pensar em termos de necessidades. Estamos acostumados a pensar no que há de errado com as outras pessoas sempre que nossas necessidades não são satisfeitas”. Porém, quando compreendemos o processo, notamos que, conforme sugerido na prática da

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 143 CNV, ao conectarmos nossos sentimentos a nossas necessidades, nos tornamos completamente responsáveis por nosso estado emocional, uma vez que ele apenas nos revela o que está em desarmonia dentro de nós porque temos necessidades próprias. Para Marshall Rosenberg (2009), o reconhecimento das necessidades sugere que as pessoas conversem sobre o que precisam, em vez de falarem do que está errado com as outras, com isso aumentam as possibilidades de atender às necessidades de todos. O quarto e último componente da CNV é o pedido. Para entender essa etapa, é importante notar que a forma com a qual fazemos um pedido implica diretamente se a resposta será positiva ou negativa. Temos o costume de, na hora de pedir algo a alguém, buscar maneiras de não expressão o que se quer de forma direta e clara. Isso porque, segundo Marshall Rosenberg (2006) temos dificuldade de nos vulnerabilizar, o que nos leva a ter medo de precisar dos outros. E nós não apenas precisamos, mas dependemos das outras pessoas para uma vida harmônica. De maneira geral, quando fazemos pedidos, temos o costume de colocar um “não” na frase, dessa forma, não expressamos o que queremos de forma clara, mas sim o que não queremos, ressaltando ainda mais o que nos fez mal e sem especificar o que de fato desejamos. Marshall Rosenberg (2006) constata que muitas vezes, a falta de consciência sobre o que se deseja dos outros, contribui significativamente para frustrações e depressão. O autor explica que através da CNV entendemos a importância da formulação de pedidos por meio de uma linguagem clara, positiva e de ações concretas que revelam o que realmente queremos. Entende-se que as pessoas, quanto mais claras forem a respeito do que querem obter, mais provavelmente o consigam. Podemos resumir então que a CNV não se trata apenas do uso consciente da comunicação, mas que ela atende a uma nova conscientização de si, do outro e do mundo ao redor. Para essa ideia se constituir como prática é necessário, portanto, o exercício diário da escuta empática, a identificação dos sentimentos presentes e a observação das necessidades não atendidas, para que, de forma responsável, possamos definir o que precisamos e tentar dialogar numa perspectiva de construção de sentido em comum. A partir desse ponto o tema central – CNV – será explorado nos capítulos seguintes juntamente com o objeto de estudo.

3 ESPAÇO CRIA: COMPREENDENDO A ESCOLA, VALORES E PRINCÍPIOS

Rosenberg (2006) constata que a Comunicação Não-Violenta, com alcance mundial, tem servido de recurso para comunidades que enfrentam graves conflitos e tensões de natureza étnica, religiosa ou política. Também é aplicada no desenvolvimento de novos sistemas sociais, orientando em prol de parceria e o compartilhamento de poder, principalmente na área da educação. É um processo de pesquisa contínuo que explora a comunicação nas esferas pessoal, interpessoal e social proporcionando formas de gerir relacionamentos saudáveis.

144 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Essa abordagem comunicativa se aplica de maneira eficaz em todos os níveis de comunicação e nas diversas situações, como nos relacionamentos íntimos, na família, em escolas, nas organizações e instituições, em terapias e aconselhamentos, em negociações diplomáticas e nas disputas e conflitos de toda natureza. Nesse trabalho de pesquisa exploraremos a presença das práticas de CNV no âmbito das instituições escolares de ensino, principais e importantes promotores de valores humanos e transformações sociais. Por isso, para exemplificar e enriquecer o projeto, tomamos como objeto de estudo o Espaço Cria, escola presente no Rio de Janeiro e que desde 2015 busca, no contato com a CNV, atuar para mudanças importantes da relação entre as pessoas e o mundo. Antes de prosseguir com mais detalhes sobre o objeto de estudo, convém explicar o processo metodológico que foi seguido para coletar os dados que serão apresentados/analisados aqui. No momento em que começamos a pesquisar sobre comunicação não-violenta para tratá-la como tema para esse trabalho, ainda não tínhamos plena certeza de qual âmbito exploraríamos. No decorrer das pesquisas, das palestras assistidas e dos cursos frequentados, entendemos que, apesar da CNV servir a todos os espaços de maneira positiva, avaliamos que na educação, a presença dessa perspectiva relacional, representa uma potente possibilidade de transformação, por atender a mudanças de base que reconstituem estruturas sociais. Além disso, queríamos estudar um local de referência da prática. Depois de decidir o âmbito, em palestras e em conversas informais, mais de uma pessoa do círculo da CNV, sugeriram que procurássemos o Espaço Cria. Posteriormente, o contato com a escola se sucedeu por meio de amigos conhecidos das fundadoras Mariana Oliveira e Lívia Diniz, que desde o primeiro momento nos receberam com muita atenção e disposição para auxiliar na nossa busca. O espaço Cria, localizado no Cosme Velho, atua na educação infantil com crianças de 10 meses até 7 anos. A escola surgiu da motivação de duas mulheres que se descobriram com a vontade de fazer a diferença para um mundo melhor. Mariana Carvalho, fundadora do Cria, é advogada e especialista em mediação de conflitos, trabalha com inovação educacional, mediação e habilidades para o diálogo. Já atuou nas áreas de Direito Ambiental, sustentabilidade empresarial, cidadania e educação. Ama conectar pessoas, empresas e organizações a propósitos criativos e com impacto positivo no mundo. Lívia Diniz, também fundadora da escola é formada em Direito, pós-graduada em Pedagogia da Cooperação e Jogos Cooperativos. Trabalhou na área do Direito Ambiental, atuou em diversos projetos de sustentabilidade, atuou no terceiro setor na área ambiental e educacional. Criou um negócio social onde participou de vários projetos de inovação educacional. É também terapeuta em constelação familiar, leitora de aura. As duas diretoras do Espaço Cria acreditam na tomada de consciência humana para a transformação mundial. Para o Cria11 : “essa mudança se dará em direção à união: à medida que formos percebendo que somos um com todos os seres humanos, com o planeta e com o universo, passaremos a agir de acordo com essa consciência.”

11 Post do Facebook: Espaco Cria. Disponível em: https://www.facebook.com/espacocria/posts/2317824445197623. Acesso em: 11/11/2019.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 145 Ambas se formaram pelo programa Gaia para educação12, que segundo elas foi um ponto muito importante para a mobilização em prol da mudança. Mariana participou do programa em 2011 e Lívia em 2012. A partir do Gaia para educação, houve uma movimentação de pessoas para a criação de um coletivo com o intuito de repensar a educação. Nesse coletivo de educação, em que Mariana e Lívia se conheceram, a inspiração do grupo refletia na busca por formas de inserir uma aprendizagem mais significativa nas escolas. Depois disso, o Coletivo, já mais estruturado ganhou o nome de “Cocriare”, um negócio social que oferecia produtos de uma nova educação para escolas, como por exemplo aulas de educação ambiental. Também nasceu desse coletivo, o 1º Gaia jovem do mundo, prototipado pelas duas, ocorrido ainda em 2012 na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). O Gaia Education, portanto, foi determinante para a fundação do Espaço Cria, pois logo após o programa as duas entenderam que precisavam trabalhar com educação. Em decorrência do primeiro coletivo de educação, houve uma articulação de pessoas de diferentes ramos de conhecimento, o que gerou a ampliação da discussão sobre a nova tomada de consciência também em outras áreas. Nessa medida, desse movimento, foi fundado o Coletivo Arca Urbana que se estendia em diferentes setores como alimentação, startups e educação. Esse último setor, o da educação era movido por Mariana e Lívia. Fazia parte desse movimento também na esfera da educação, Dominic Barter, o principal precursor da pesquisa em CNV no Brasil. Nesse setor eram pensados e prototipados projetos de educação para crianças e jovens. Depois que o Coletivo Arca se desfez, originando várias frentes de mudanças, Mariana e Lívia deram sequências aos projetos para colocá-los em prática. A partir disso, nasce em 2014, o projeto Polén13 como embrião do que seria o Espaço Cria no ano seguinte. Esse projeto piloto serviu como experiências para o conhecimento do que realmente faria sentido para a cidade do Rio de Janeiro. Depois de experienciar o Polén em diferentes locais e estruturas, a ideia foi ganhando maior proporção o que culminou na concretização do Espaço Cria, que nasce de forma legal em 2017 ocupando desde aquele ano uma casa localizada no Cosme Velho. Hoje o Espaço Cria atende em torno de 120 crianças, sendo berço de movimentos em prol de uma educação mais significativa e viva. Segundo as diretoras, o Cria é reconhecido por se tratar de um espaço de expressão livre do brincar. Lá eles prezam a liberdade para as crianças serem elas mesmas. O trabalho busca, por meio da conexão com a natureza, que pode ser visto na figura 1, e com educadores sensíveis, o desenvolvimento das crianças na sua máxima potência. O brincar é a linguagem da infância e também a linguagem do espaço Cria. Brincando é que são desenvolvidas as competências cognitivas, motoras e socioemocionais. Tudo isso permeado por valores humanos sempre com muita ludicidade, afeto e presença.

12 O programa Gaia Escola foi concebido para oferecer aos que acreditam em um novo modelo educacional, uma oportunidade de reelaboração da sua cultura pessoal e profissional, o Gaia Escola apoia a implementação de uma nova abordagem pedagógica, que confere à reconfiguração das práticas as dimensões da sustentabilidade. Disponível em: https://ecohabitare.com.br/gaia-escola/. Acesso em: 24/11/2019. 13 Entrevista sobre o Projeto Pólen com Mariana Carvalho, fundadora do Espaço Cria: Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=hYLGzFeRkn4 Acesso em: 24/11/2019.

146 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Figura 1: Conexão com a natureza no Espaço Cria

Fonte: Facebook Espaço Cria (2018)

O Espaço Cria, por compreender as crianças a partir de suas características individuais e por meio de suas famílias, também defende a ideia de uma educação pensada de forma diferente para cada ser. Mariana e Lívia acreditam que não há apenas um modelo de educação universal para os indivíduos, tendo em vista que somos seres plurais, únicos e repletos de características próprias. Sobre esse aspecto, Mariana Oliveira em entrevista14 salienta que não existe uma única maneira de educar, tendo em vista que cada ser tem um jeito único de se expressar, as suas particularidades e complementa que a escola é para ser um lugar mutável, um ambiente seguro para o desenvolvimento das crianças. A fundadora discursa sobre a importância das crianças desde novas terem poder de decisão, autonomia e completa que a escola tem o dever de ser um lugar de respeito, harmonia, conexão com o que é verdadeiro e de deixar a criança ser criança, descobrindo o processo de compartilhar e dividir. Para a construção do propósito da escola, Mariana e Lívia contaram com inspirações que passaram a permear as relações do dia a dia no Cria. Entre essas principais inspirações está José Pacheco, fundador da escola da Ponte15, conhecido pela defesa da educação significativa e Ivana Jauregui, idealizadora da aprendizagem viva e consciente. Além disso, no Cria existe uma gama de ferramentas, como a CNV, utilizadas nas interações entre as pessoas que são consoantes com a proposta desses importantes defensores de valores humanos. Para Mariana16: “a educação tem significado quando ela acontece na relação, o mais importante para nós é perceber as relações”. Essa perspectiva complementa a ideia de Paulo Freire (1969) que conclui: “a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência de

14 Entrevista da tv Alerg com Mariana Carvalho, fundadora do Espaço Cria: Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=GKpCAANKvXgAcesso em: 23/09/2019. 15 A Escola da Ponte é uma instituição pública de educação localizada em Portugal, atuante desde 1976 como referência em aprendizagem consciente, tendo sua base educativa no desenvolvimento da autonomia. 16 Entrevista para Aprendizagem Viva com Mariana Carvalho, fundadora do Espaço Cria: Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=2sQkA7U3gI8Acesso em: 12/11/2019.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 147 saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados”. Essa ideia que considera a educação a partir da comunicação pode ser vista na figura 2, na interação de educadores e educandos por meio da contação de histórias.

Figura 2: Educação acontece na relação no Espaço Cria

Fonte: Facebook Espaço Cria (2019)

O Espaço Cria define seus valores como: amor, respeito, autonomia, (auto)responsabilidade, sustentabilidade (cultural, ambiental, social e financeira). Para eles, esse conjunto de valores se dá de forma determinante por meio da prática diária na interação com cada indivíduo, sendo adulto ou criança e com o ambiente ao redor. A busca é para que esses valores estejam presentes nas mentes, falas e atitudes entre as pessoas que fazem parte da Escola. Vimos até aqui, depois de percorrer os aspectos gerais sobre a escola, seus valores e condutas, como o Espaço Cria se apresenta para o mundo, se constitui como instituição de ensino e revela seus princípios. A partir do próximo capítulo, que reflete na análise e resultados, remontamos a visita à escola, em que revelamos, segundo nossa percepção, aquilo que coletamos sobre a instituição de ensino. Descreveremos como o Espaço Cria conduz a prática da comunicação não-violenta na escola, bem como preserva, por meio de ações, os valores ali defendidos.

4. VISITA À ESCOLA: RELATOS E REFLEXÕES

No dia 30 de outubro de 2019, depois de um primeiro contato atencioso por telefone com Mariana Carvalho, fundadora do Espaço Cria, estivemos na escola a convite da mesma em uma visita de pais. Ao chegar no Espaço Cria, nos deparamos com um ambiente cercado por vegetação tropical (figura 3) do Rio de Janeiro, com árvores e ambientes naturais preservados. Junto com 3 crianças e 7 adultos, fomos recebidos pela Lívia, também fundadora do espaço, que nos acolheu de maneira carinhosa, conduzindo o grupo para uma primeira apresentação em uma sala de reunião.

148 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Figura 3: O brincar com a natureza no Espaço Cria

Fonte: Espaço Cria (2016)

Nesse primeiro encontro, Lívia nos contou sobre sua vida, sobre o que a levou a investir no Espaço, suas inspirações, motivações e no que ela acredita para uma humanidade melhor. Já nesse momento percebemos que falávamos com uma pessoa apaixonada, curiosa e entusiasta. Entendemos que a escola não possui apenas um fim, mas que as pessoas envolvidas ali, acreditam verdadeiramente na mudança do dia a dia, na transformação de dentro para fora e que a educação para as crianças tem que caminhar junto com a reeducação dos adultos/educadores. Essa perspectiva de um aprendizado que se dá na busca pela relação entre os indivíduos, remete à visão de Ivana Jauregui (2017)17 sobre o que ela chama de “espelho na educação”. Sobre essa ideia, Ivana Jauregui (2017) explica que ela é nada mais do que assumir que as crianças são um espelho da gente. Nesse sentido, a educadora argumenta que se todas as pessoas ficarem em paz, as crianças se libertam, porque elas são somente o reflexo do que temos dentro. A respeito dessa relação, identificamos de prontidão a presença desse entendimento por meio da forma que Lívia se colocava diante de si mesma e de nós. Com poucos minutos de conversa captamos o interesse e curiosidades dela pela vida, revelada através dos anseios e vontade de mudança. Com isso percebemos que na escola, durante o processo educativo, os adultos precisam também buscar novas formas de se relacionar com o mundo. E por outro lado, durante a visita, Lívia também nos conta que nos dias de hoje, nos tornamos adultos infantilizados que tentam “adultilizar” crianças. Ela comenta que atualmente nos esforçamos cada vez mais para rever traumas de infância em terapia, buscamos e valorizamos o “brincar” como um resgate de nossa essência perdida, mas ao mesmo tempo, encorajamos e estimulamos crianças a se comportarem como adultos.

17 Entrevista com educadora Ivana Jangueri. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EK76BkZfsw4 Acesso em : 15/11/2019

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 149 Para a fundadora da escola, a nossa geração de adultos, devido a circunstâncias históricas como a globalização, foi muito incentivada ao foco nos estímulos cognitivos da aprendizagem, direcionando as atividades para a produção de resultados, que deixa de lado muitas vezes não só capacidade da presença, mas também o desenvolvimento das habilidades emocionais. Por isso, Lívia aponta para a necessidade de repensarmos essas ideias de educação, identificando o quanto essas estruturas definiram o que somos hoje, numa tentativa de reconstruir essas relações para que as futuras gerações tenham experiências diferentes das nossas, se tornando seres humanos melhores. Lívia comenta também sobre as consequências que podem ser identificadas nas crianças de hoje e que têm como causa esse olhar não atento para os aspectos da estrutura emocional das pessoas. Para ela, a crescente dos casos de déficit de atenção, ansiedade e depressão não apenas em crianças, mas também nos jovens e adultos têm suas origens nessa realidade apresentada. Isso se deu, observa Lívia, porque, com os valores voltados para o ter no lugar do ser, as pessoas, pais e mães foram levados para uma produção sem fim, passando pouco tempo com as crianças e muito tempo no trabalho. Há, segundo ela, uma deficiência de interioridade, de infância, acarretado pela carência de afeto e vínculo amoroso. Sobre isso, identificamos que, assim como aponta Dominic Barter (2017) sobre a volta da qualidade de processo nas relações, no Espaço Cria, conforme revelado, também se defende a ideia de que precisamos desacelerar as relações humanas. Na escola, o foco é na relação, no caminho que leva à aprendizagem e não no resultado final disso, na produtividade. Isso porque, para eles, essa atenção à produtividade e aos resultados atravessou o aprendizado das habilidades emocionais, originando muitos problemas de saúde. Dando sequência ao que é feito dentro do Espaço Cria, nessa conversa, Lívia pontuou alguns dos valores empreendidos na Escola para o trabalho entre todas as pessoas. O Cria defende a ideia apontada por José Pacheco18 (2013), que reconhece que: “escolas são pessoas, pessoas são valores, valores são atitudes. Um projeto significa movimento coletivo. Ninguém muda a escola sozinho”. Essa afirmação, por apontar para a responsabilização coletiva da educação, se relaciona também com a Pedagogia Sistêmica praticada na escola que visa a compreensão da criança para além das fronteiras tradicionais da escola, mas também a partir da relação desse ser na sua estrutura familiar. Sobre a pedagogia sistêmica, Oliveira (2014) explica:

[...] Ela mostra como muitas das intervenções desenhadas para solucionar problemas na relação escola-aluno-família falham devido ao desconhecimento das leis inconscientes que governam o grupo familiar. Mostra ainda como é possível, através do conhecimento dessas leis, atuar de forma simples e marcante, atingindo os objetivos propostos.

18 Entrevista ao Carta Capital. Disponível em:https://www.cartacapital.com.br/educacao/esta-escola-nao-serve/>. Acesso em: 06/11/2019.

150 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 De tal modo, notamos que o Cria, apostando nessa realidade, responsabiliza também pais e mães, os convocando para a participação ativa na vida escolar da criança, como podemos reparar nas figuras 4 e 5. Assim, esses pais se aproximam da escola, dos valores ali prezados e, por isso passam a participar efetivamente da tomada de consciência. Essa ideia aponta também para a posição da educadora Ivana Jangueri19(2017) que defende a necessidade da presença das famílias na educação. Reconhecemos, a partir desses relatos que no Cria a educação não funciona sem a família, um depende do outro, os dois precisam vivenciar a mesma linguagem e valores.

Figura 4: Dia da família no Espaço Cria

Fonte: Facebook Espaço Cria (2019)

Figura 5: Educação é união: família e escola

Fonte: Facebook Espaço Cria (2019)

No Espaço Cria20 defende-se o movimento adotado por Ivana Jauregui (2017) que traz um olhar sensível para as necessidades não só das crianças, mas também das crianças que habitam dentro de cada adulto. Nessa sequência, são propostas ferramentas de auto-observação e autoconhecimento que passam a ampliam a consciência para uma educação em que não se reproduzam padrões limitantes.

19 Entrevista com educadora Ivana Jangueri. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EK76BkZfsw4 Acesso em :15/11/2019. 20 Post do Facebook: espacocria. Disponível em: https://www.facebook.com/espacocria/posts/2333643836949017 . Acesso em: 15/11/2019.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 151 Sobre a atenção à necessidade não só dos educandos, mas também à dos educadores, o comentário da entrevistada remonta à ideia preconizada por Marshall Rosenberg (2006) que, explicando o processo da CNV, defende a importância de reconhecer as necessidades não atendidas. De tal modo, percebemos que a escola segue corroborando com os autores referenciados. Durante a visita Lívia também explica que os ambientes da escola (figura 6) são todos pensados a partir da perspectiva da criança, com ambientes adaptados, cercados pelos estímulos e imaginários pertinentes a cada etapa do desenvolvimento das crianças.

Figura 6: Ambientes adaptados para a perspectiva das crianças no Espaço Cria

Fonte: Facebook Espaço Cria (2019)

Sobre esses ambientes, Lívia explicou também que a ideia é aproximar as crianças dos circuitos naturais, da interação em natureza e conexão com o meio ambiente e seus ciclos. A respeito dessa temática, Lívia conta que sofremos hoje o que o jornalista Richard Louv chama de déficit de natureza. Para Louv21, precisamos refletir sobre as consequências de manter as crianças sentadas e fechadas em ambientes escolares ou domésticos. Privadas do contato direto com a natureza e de seus benefícios para a saúde física e psíquica. Acerca dessa realidade, Richard (2017) argumenta que: “estamos criando ambientes para as crianças, na escola e em casa, nos quais elas estão usando cada vez menos sentidos [...] estamos criando um ambiente em que, creio eu, as crianças estão menos vivas”. Quando fazemos isso, estamos também privando as crianças do direito ao desenvolvimento saudável em natureza. Notamos que se relaciona também com essa ideia de que, ao manter as crianças em um ambiente sistematizado e fechado, obrigadas a aprender sobre uma série de dissertações estáticas acerca de uma realidade imutável, estamos tirando o direito das pessoas de transformar a vida. Com relação a isso, Paulo Freire (1983) analisa que:

21 Entrevista com Jornalista Richard Louv sobre Deficit Natureza. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=UBa06WUZ7a4&t=186s Acesso em: 09/11/2019.

152 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Todo esforço no sentido de manipulação do homem para que se adapte a esta realidade, além de ser cientificamente absurdo, visto que a adaptação sugere a existência de uma realidade acabada, estática e não criando-se, significa ainda subtrair do homem a sua possibilidade e o direito de transformar o mundo (FREIRE 1983, p. 62).

Com relação a essa ideia, nos capítulos iniciais, chamamos a atenção para a complexidade da era pós-moderna em que as relações humanas passaram a ser mediadas por múltiplas tecnologias. Muitos dos posicionamentos dos autores apresentados nesta pesquisa discorrem sobre os possíveis erros e problemas acarretados nesse processo. A preocupação evidente com a saúde dos seres humanos em meio à tecnologia também é notada no Espaço Cria quando defendem e preservam esse contato das crianças com a natureza. Para eles, o excesso de informação e os múltiplos aparatos tecnológicos afastam as crianças dos ciclos naturais e por isso, na escola a conexão das crianças em natureza se faz presente. No decorrer da visita, Lívia explicou como as ferramentas e práticas da CNV ajudam na incorporação desses ideais educativos da escola. Ela complementou que, assim como os valores apontados anteriormente e a maneira com a qual entram na dinâmica das atividades do Espaço Cria, a comunicação não-violenta se insere como uma espécie de filosofia relacional. Isso se associa com o que expõem Marshall Rosenberg (2009) sobre a CNV ser desenvolvida a partir de práticas e processos, que correspondem a uma busca constante pela conscientização das relações. De tal forma, identificamos que o Espaço Cria retoma a ideia defendida por esse autor referenciado. Sobre isso, a diretora entende que: “se a gente quer mudar, um dos primeiros movimentos em direção a essa mudança é a forma com a qual nos comunicamos”. Segundo Lívia, esse entendimento da necessidade de nos atentarmos para a comunicação, tem a ver com a busca pela clareza nos diálogos, pela transparência e pela verdade. Ela comenta que a maneira que escolhemos para nos comunicar é cercada por mentiras, engano e manipulação. Para ela: “temos medo de nos expressarmos, acabamos assim, vivendo falsas relações o tempo inteiro”. Por esses motivos, segundo a fundadora Lívia, a CNV se apresenta como ferramenta de uma nova forma de relação humana, em que o movimento de aprender a comunicar precisa necessariamente acontecer para essa mudança. A defesa da entrevistada pela comunicação como importante elemento para qualquer transformação, resgata a ideia preconizada por Pelizzoli (2012), que pontua que a comunicação é a linguagem vital, é o ápice da vida se estabelecer como relação. De tal modo, percebemos que o projeto de educação neste local segue um ideal já verificado por autores conceituados. No Cria, por acreditarem na necessidade da mudança de todos, a prática da CNV é fortalecida pelo seu desenvolvimento principalmente entre os adultos presentes no processo educativo. Eles entendem que a incorporação no dia a dia dos valores e perspectivas de CNV entre os educadores, determina a maneira como essas pessoas serão capazes de lidar com as crianças não só na mediação de conflitos, mas também na aprendizagem relacional. Na medida em que

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 153 isso acontece, as crianças, assim como aprendem a nossa nociva comunicação alienante, terão, dessa vez, a oportunidade de naturalmente absorverem a filosofia da CNV nas próprias vidas. Lá eles prezam a construção de um lugar seguro em que as pessoas se sintam à vontade para se comunicar, expressar e expor diante do outro. Isso tem a ver, segundo Lívia com a relação de compromisso, ética e responsabilidade que ali se sustenta. Esses valores, são capazes de criar empatia e afeto, que funcionam como uma liga, garantindo o cuidado e a preservação das relações entre as equipes de trabalho. Lívia explica que por meio desses sentimentos, é que se constroem a segurança e confiança necessários, para as pessoas se vulnerabilizarem, sustentando essa nova maneira de relação humana. Notamos, por meio desse relato, que as ações desenvolvidas dentro da escola agem de forma consoante com o que preza Rosenberg (2006) sobre a prática da CNV. Esse autor explica que por meio do resgate da empatia nos relacionamentos estabelecemos confiança mútua, garantindo maior profundidade nas relações. Dessa forma, percebemos que a escola continua contemplando os ideais apresentados pelos autores apontados no referencial desta pesquisa. Também percebemos que, conforme tratado nos capítulos anteriores, dentre as habilidades necessárias para a prática da comunicação não-violenta, a escuta ativa se revela como importante elemento da prática. Reconhecemos que nas dinâmicas do Espaço Cria, essa escuta se apresenta diariamente na forma com a qual as pessoas se relacionam. Essa habilidade é para a escola mais um detalhe que garante a nova relação humana a qual defendem. Dando continuidade, constatamos que na escola, a CNV está inserida não apenas na construção diária das relações, mas também é preservada como ferramenta na mediação de conflitos. Essa prática consiste na realização de uma conversa atenta com a presença de um facilitador, que faz a checagem dessa ferramenta, criando diálogos empáticos e auxiliando as pessoas a percorrerem o caminho da CNV. Nesse processo, buscam identificar os sentimentos e necessidades não atendidas, que possibilitam a formulação de pedidos consistentes. Essa mediação se dá entre educadores, com as crianças e com as famílias. Com a descrição dessa prática, inferimos que, conforme sugerido pelo autor Marshall Rosenberg (2006) sobre a CNV se apresentar por meio de um processo de identificação dos sentimentos presentes, pela conexão com as necessidades não atendidas e pela expressão de pedidos claros, o Espaço Cria, com mediação de conflitos contempla esse processo. Além disso, a presença do facilitador nessa dinâmica garante não só que as pessoas se sintam seguras ao se expressarem, mas também que essa ferramenta esteja sendo utilizada da melhor maneira. A mediação de conflitos entre os educadores se dá por meio de práticas semanais no formato de rodas de conversa denominadas como “espaço do coração”, onde acontece uma escuta mais profunda e ativa, em que temas difíceis são abordados. Esse espaço recebe também de 15 em 15 dias um especialista de CNV para ajudar a elucidar o trabalho com a ferramenta, da melhor forma. O Cria garante também aos educadores, cursos em CNV para o aprofundamento da prática. Vale lembrar que na escola são considerados educadores, todos aqueles que ali trabalham e têm contato com as crianças. Para a realização desses cursos, o Espaço Cria conta com o apoio de

154 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 três pessoas fundamentais. A primeira delas é o Dominic Barter, precursor da CNV do Brasil, que, duas vezes por ano faz a imersão desses educadores na prática, aprofundando mais as experiências. A segunda pessoa que se revela como referência em CNV para a escola é a Sissi Mazzeti, mediadora de comunicação-não violenta, que trabalha com diálogos significativos, escuta empática e realiza as rodas da prática com os educadores e as famílias. Depois dela tem também a Fernanda Barreto, mediadora responsável pela CNV na escola que atua com frequência nas práticas, além da Mariana e da Lívia que também auxiliam nessa atividade. A mediação de conflitos com as crianças, exposta na figura 7, acontece o tempo inteiro no Espaço Cria. Livia frisa que, na verdade, a mediação nesse caso, apoia o conflito porque, conflito é nada mais que um convite para intimidade. Segundo ela: “conflito é bem-vindo, é através dele que a gente se encontra”. A mesma complementa a ideia argumentando que somente entramos em conflito com quem queremos nos relacionar. Por isso, os educadores se mostram atentos e preparados para lidar com essas relações entre as crianças. O objetivo, nesse momento é fazer com que as crianças percebam essa nova possibilidade de encontro por meio do conflito, criando novas estratégias de convivência. Lívia conta que quando acontecem situações de conflitos, muitas vezes as pessoas, crianças e adultos, são tomados por grandes cargas emocionais em que a palavra não dá conta desses sentimentos, por isso, nos expressamos com gritos, agressividade física e etc. O que acontece nesses casos, é que precisamos voltar para a tentativa de organizar mentalmente, fazer uma autoanálise, para perceber o que está em desarmonia dentro de nós e que envolve outra pessoa. Por isso, quando as crianças se encontram em conflitos, o papel dos educadores é mediar essas relações de forma neutra. Lívia explica que o objetivo é que as crianças saibam resolver os seus próprios conflitos, é necessário mostrar através das práticas que elas conseguem sair sozinhas. Segundo ela: “quando um adulto faz pelas crianças elas não se tornam capazes de traçar por conta própria o caminho de resolução”. Ou seja, nesses casos, é importante que o adulto presente esteja isento de posicionamentos moralizantes - certo ou o errado, porque não existe aqui a vítima e agressor, existe um encontro de seres com necessidades não atendidas em que se precisa, portanto, agir a fim de que não haja injustiça. Vimos que a comunicação alienante da vida, expressa anteriormente, é identificada pelo uso de adjetivos moralizantes que buscam classificar as pessoas entre boas ou más, vítimas ou agressores. Tendo essa realidade em vista, verificamos que no Espaço Cria, existe uma grande preocupação das fundadoras para que os educadores se atentem a isso. Percebemos que essa atenção é expressa na mediação de conflitos entre as crianças, refletindo que a escola segue corroborando com os autores referenciados. Além disso, Lívia chama atenção para que as crianças sejam as responsáveis por essa demanda de conflito que elas próprias criaram. O importante nessas situações é como as crianças vão traçar o melhor caminho para os dois saírem dali. Isso porque não existe conflito em que só um entra, se não, não é conflito. Dessa forma, se os dois entraram no conflito, os dois precisam criar nessa relação. O papel do adulto é auxiliar, nesse lugar de neutralidade que as crianças

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 155 permaneçam atentas ao conflito, revelando neste caminho, seus sentimentos e buscando traçar estratégias conjuntas que atendam às suas necessidades. Se o adulto, por algum motivo, não consegue assumir essa posição de neutralidade, ele precisa chamar outros educadores capazes para mediar esse conflito porque o posicionamento frente à situação interfere completamente na relação entre as crianças e, para Lívia, esse é um campo muito delicado. Ainda nesses casos, se o educador quiser, ele pode levar esse acontecimento para uma partilha, em que pode aprofundar, compreendendo melhor o porquê, num processo de autoconhecimento, desse posicionamento. A respeito dessa dinâmica, notamos que conforme apontado nos capítulos anteriores e como consequência da não atenção às habilidades relacionais, perdemos a capacidade também de lidar com os conflitos. Para os autores referenciados, resolver conflitos nos ajuda a evoluirmos como humanidade. Percebemos, portanto, que o Espaço Cria, por preservar a existência do conflito no convite para a intimidade e possibilidade de conexão, remonta às ideias preconizadas pelos autores citados que entendem o conflito como algo inerente aos seres humanos, tornando também potente a possibilidade de evolução.

Figura 7: Mediação de conflitos com crianças no Espaço Cria

Fonte: Facebook Espaço Cria 2018

Já a mediação com as famílias acontece no formato de conversas programadas, em um ambiente seguro, caso exista a necessidade de agir individualmente com cada família. Nesses espaços, as famílias podem recorrer também a outras ferramentas para além da CNV, como a constelação familiar. Lívia explica a necessidade em envolver as famílias no processo educativo, contando que buscam convidar os familiares para participar no dia-a-dia e de assuntos fundamentais para educação de seus filhos(as). Pois, como vimos anteriormente, os pais são agentes importantes nesse processo. Complementamos ainda que, segundo a Diretora, a prática da CNV não garante ou tem a ver com colher resultados, mas que a partir da consciência relacional, fruto da mentalidade da comunicação não-violenta é que se constrói um campo de relações mais profundas. Essas

156 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 relações, pautadas pela honestidade, apresentam um nível muito maior de comprometimento com a verdade, que cria vínculos e amplifica a intimidade entre as pessoas. Esse espaço de intimidade permite que as pessoas se deparem com conflitos e situações muito difíceis e ainda consigam sair dali de forma leve. Lívia constata que a equipe de educadores, com essas práticas, ganhou musculatura para expor pensamentos e sentimentos, que cria um nível de confiança enorme, pois vivem relações mais seguras e saudáveis. Tendo em vista essa constatação, compreendemos que, a Escola, por meio de atitudes diárias, corrobora com o que Pelizzoli (2012) explica sobre a CNV. Para o autor, comunicação não- violenta é a tomada de consciência de nossas necessidades, nossa humanidade, nossa capacidade de conexão e nossa capacidade de comunicação, para além de qualquer linguagem rebuscada ou especulações gramaticais e lógicas. Observando a maneira com a qual o trabalho educativo do Espaço Cria faz sentido por meio das práticas e dinâmicas apresentadas, podemos identificar a consonância de valores apreendidos na instituição de ensino entre as ideias defendidas pelos autores apontados nessa pesquisa e que dissertam sobre o tema da CNV. Para a entrevistada, o que as pessoas colhem com essa experiência é o empoderamento de ser o que se é. Para ela, esse processo se dá por meio da construção de relações verdadeiras, saudáveis e responsáveis. Por conseguinte, observamos que a vivência com a CNV chega também até as crianças através dos exemplos diários de relações verdadeiras, comprometidas com sentimentos e necessidades. Debruçadas diante disso, percebemos que, como um reflexo da mentalidade trazida pela CNV e pelo conjunto de práticas e valores apreendidos no Espaço Cria, é possível que essas crianças passem a se sentir mais seguras para dizer aquilo que pensam e sentem. Corroborando para que cresçam como pessoas íntegras, sem que precisem criar máscaras ou personagens ao longo de suas vidas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta monografia objetivou-se analisar a presença das práticas de comunicação não-violenta dentro da educação. Para cumprir e corroborar com a proposta do objetivo geral, foi preciso examinar como a comunicação atual tem influenciado na forma com a qual nos relacionamos. Buscamos também trazer à tona como os autores estudados se referem a essa temática, contextualizando de que maneira a CNV se insere de forma positiva nessa dinâmica, descrevendo as práticas de comunicação não-violenta. Depois disso, analisamos as ações de CNV dentro da instituição de ensino Espaço Cria em que foi possível observar claramente como essa dinâmica se dá no ambiente escolar. A partir dos estudos realizados para atingir os objetivos propostos nesta monografia, pôde-se verificar que a comunicação não-violenta se insere de forma positiva no âmbito da educação. Após atualizar a urgência de se repensar a forma com a qual nos comunicamos, foi enriquecedor perceber como essa ferramenta se articula de maneira estratégica e estruturada dentro de uma

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 157 instituição de ensino, potência de grandes transformações sociais. Todas essas análises e processos de pesquisa possibilitaram que identificássemos não só a importância, mas também a urgência de se amplificar o estudo do âmago da comunicação nas relações humanas. Soma-se ainda que apesar disso, a comunicação tem sido utilizada de maneira pouco estratégica para o bem-estar coletivo. Observamos que hoje, a crescente polarização social instaurou tensões entre as pessoas, em uma humanidade em estado de guerra. Muitos desses conflitos são da ordem da comunicação, ou melhor da falta dela. Vivemos em tempos de ruídos, de não transparência e de manipulações de todas as categorias. Estamos imersos em um grande colapso comunicativo. Não falamos mais sobre o que nos importa enquanto seres humanos, deixamos isso de lado em defesa de mentalidades focadas na produtividade e no lucro. Acrescenta-se também que a sociedade se vê comandada por grandes instituições, que buscam cada vez mais alienar as pessoas. Escolas, empresas, mídia e governo são alguns dos exemplos de organismos capazes de nos afastar da humanidade que existe dentro de nós. Fomos ensinados a obedecer, a consumir e a produzir numa escala desenfreada sem que esses valores sejam questionados por nós. Ao passo que essas organizações se fortalecem, enfraquecemos enquanto sociedade, coletivo, como seres humanos. Precisamos resgatar aquilo que nos constitui enquanto unidade, precisamos repensar nossa comunicação, nossa relação com valores e com o planeta. Precisamos nos preocupar com a saúde e a sobrevivência da humanidade. Ressaltamos ainda que as escolas públicas parecem contribuir para a permanência desses padrões sociais alienantes. Esses espaços, regidos por interesses políticos, não incentivam as crianças ao ponto de se tornarem pessoas íntegras, cientes de si, do outro e da sociedade. Nesse sentido, notamos que essa dinâmica pode corroborar para perpetuação da desigualdade entre classes. Apesar disso, é importante lembrar que nessa pesquisa, tivemos como objeto de estudo, uma escola privada em que as motivações particulares permitiram o comandar de uma educação consciente e viva, regida por valores e princípios humanos. Para, além disso, vale ressaltar também que ao longo do tempo nos fizeram acreditar que precisamos de cada vez mais coisas na vida. Nunca estamos satisfeitos com o que temos, com o que conquistamos. Desaprendemos até a celebrar momentos de êxito, não empatizamos com nós mesmos, com nossos sentimentos de alegria. Na verdade, nem os reconhecemos mais - as mentes já focam no próximo objetivo. Nesse caminho, destacamos o velho clichê sobre o ter e o ser. É uma fala já escassa, mas atual. Repetimos aqui para ser lembrada, porque observamos constantemente pessoas fugindo das próprias vidas, criando personagens e mais personagens em redes para aparentar algo que não são, para aparentarem ter. Essa dinâmica, sustentada pelo mundo virtual, tão presente na atualidade, pode estar refletindo no adoecimento social. Por meio das redes sociais mascaramos nossas vidas, mentimos para nós mesmos, nos comparamos com outras mentiras e ainda acreditamos nisso tudo. Por conseguinte, nos tornamos apenas mais uma imagem, mais uma mercadoria, mais uma vítima

158 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 das grandes instituições regidas pelo capitalismo. A consequência disso tudo recai sobre a crescente presença de doenças mentais, ansiedade e depressão em escala mundial. Conforme apontamos nos outros capítulos, observamos que pelas múltiplas facetas e benefícios da vida em rede, passamos cada vez mais tempo conectados online, refletindo na maneira como nos relacionamos no mundo real. É difícil manejar uma relação, demanda processo como vimos, por isso a possibilidade de tornar os relacionamentos rasos, ou seja, fáceis de chegar e sair, torna-se tão atrativa para os seres humanos. Originaram-se relações com pouca capacidade de presença, sem intuito de permanência, em que as palavras perderam/mudaram seus significados e a comunicação se banalizou. Por esses motivos, a nossa pesquisa nos levou a acreditar que, quando falamos sobre comunicação não-violenta estamos escolhendo um caminho de resgate das relações saudáveis e humanizadas. A CNV não tem nada de novo, o objetivo é se lembrar do que já sabemos - de como nós humanos, deveríamos nos relacionar uns com os outros. Quando compreendemos o poder que as palavras têm, tanto para o emissor quanto para o receptor, estabelecemos uma compreensão mútua e entendemos o impacto da linguagem em nossa vida. Entende-se que a comunicação não-violenta não é uma fórmula, mas sim uma possibilidade de termos uma consciência maior quando nos comunicamos com as pessoas. É a capacidade de nos tornamos mais humanos através de nossas palavras, atitudes e relacionamentos. Vale apontar também que escolhemos explorar o campo da educação com a CNV por acreditarmos na educação como veículo de mudança na sociedade. Reconhecemos que as crianças, desde cedo, com a possibilidade de aprender através de uma linguagem mais clara e objetiva, com foco na consciência relacional, poderiam explorar outras maneiras de se relacionar. Dessa forma, têm a oportunidade de experienciar uma vida mais consciente e significativa nos relacionamentos. Depois desses entendimentos, destacamos aqui que para nós, comunicação tem a ver com a forma como nos colocamos diante de nós mesmos, do outro e do mundo. Por esse motivo, enxergamos um grande propósito dentro desse estudo. Entendemos que pensar criticamente sobre a forma com a qual nos comunicamos, isto é, nos relacionamos, nos torna mais conhecedores do que de fato somos como humanidade. Nos instiga a buscar novas formas de manejar essa ferramenta a nosso favor, com o intuito de nos tornarmos seres humanos melhores.

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Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 161 O DESENVOLVIMENTO PESSOAL DO COLABORADOR E O CAPITAL HUMANO: UM RECORTE DOS PROJETOS DE TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO VÍDEO DOCUMENTÁRIO

Camilly Andrade dos Santos Profa. Orientadora: Maria Helena Carmo

RESUMO

O trabalho apresentado composto pelo presente relatório e pelo material audiovisual tem por objetivo conhecer a realidade dos projetos de treinamento e desenvolvimento, T&D, das empresas para entender como os níveis de gestão, ou seja, como os gestores percebem os receptores dos treinamentos. A hipótese inicial é de que a implementação de T&D nas organizações está associada ao aumento da produtividade e do crescimento pessoal, contribuindo para o desenvolvimento da empresa e, consequentemente, para os resultados do negócio. Para isso, foi realizada revisão bibliográfica sobre o assunto para, em seguida, identificar o discurso de profissionais que trabalham com treinamento, no total de seis, de diferentes formações e áreas de atuação. Tem-se, ao final, como produto, um vídeo documentário de 12 minutos e 07 segundos.

Palavras-Chave: Treinamento. Desenvolvimento. Pessoas. Gestão. Produtividade.

1 INTRODUÇÃO

O presente relatório refere-se ao vídeo documentário apresentado: “O Desenvolvimento Pessoal do Colaborador e o Capital Humano: um recorte dos projetos de Treinamento e Desenvolvimento”. O material audiovisual traz seis entrevistas e reflexões a respeito da realidade atual e as tendências dos projetos de treinamento e desenvolvimento, T&D, aplicados ao corpo de trabalho de diferentes empresas. Alguns profissionais entrevistados foram estimulados a refletir sobre a importância atribuída ao desenvolvimento profissional e pessoal dos recursos humanos da empresa e como essa realidade pode e deve se desenvolver

162 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 com o avanço da sociedade em um mundo cada vez mais integrado, digital e dinâmico. O objetivo era entender como esses projetos são desenvolvidos: qual a área da empresa que os aplica e analisar os resultados obtidos, quais os principais objetivos, se esses envolvem o desenvolvimento dos talentos, das técnicas e do comportamento das pessoas que formam as equipes, como é a participação e envolvimento dos funcionários e quais as perspectivas futuras dessa área. Além disso, foi importante entender quais são os principais impactos da realização dos treinamentos, tanto para resultados relacionados à produtividade e à lucratividade do corpo de colaboradores, quanto para resultantes da manutenção da cultura organizacional. O desenvolvimento do trabalho foi dividido em três capítulos: no primeiro, foram abordadas questões sobre o T&D e como o capital humano é percebido pela empresa; o segundo apresenta reflexões sobre assuntos que surgiram durante as entrevistas - o quão separados do desenvolvimento pessoal de cada funcionário os projetos devem estar ou não; e, por último, considerações sobre a produção do vídeo documentário. Durante o desenvolvimento deste trabalho, o conceito sobre capital humano em empresas surgiu como fundamental e, portanto, torna-se importante entender por que atualmente as corporações passaram a enxergá-lo como vantagem competitiva.

Na Era do Conhecimento a base da excelência organizacional passou a ser o elemento humano. A globalização, o desenvolvimento tecnológico e a mudança e transformação da sociedade fazem com o que a capacidade de sobrevivência e excelência das organizações passe cada vez mais a depender forte e diretamente das habilidades e competências das pessoas que nelas trabalham. (CHIAVENATO, 2009, p.16).

A partir da tomada de consciência da importância das pessoas que compõem uma organização, a questão é como desenvolvê-las tanto em relação ao aumento de lucratividade e produtividade, mas também na formação de profissionais mais capazes e mais realizados. Posto isso, e perante nossa realidade atual, os projetos de treinamento e desenvolvimento do capital humano, ou seja, como perceber e desenvolver os talentos do corpo de trabalho para transformá-los em um efetivo capital intelectual, vêm ganhando força e atenção de gestores antenados com as tendências de mercado e aumento de produtividade.

A Era da Informação colocou o conhecimento como o mais importante recurso organizacional: uma riqueza intangível, invisível, mas fundamental para o sucesso das organizações. E trouxe situações completamente inesperadas. Uma delas é a crescente importância do capital intelectual como riqueza organizacional (CHIAVENATO, 2009, p.17)

No decorrer das entrevistas e encontros, além na análise da literatura sobre T&D, foi colocada em discussão a questão do desenvolvimento não só profissional e técnico dos funcionários, mas também do desenvolvimento pessoal de cada componente da organização. De acordo com Dulce

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 163 Magalhães, no Manual de T&D (2013, p. 15), pessoas que já se dedicaram ao desenvolvimento pessoal, ou seja, mais realizadas, que já mergulharam em um processo de autoconhecimento, não só produzem mais, mas também produzem com mais qualidade e verdade. Logo, surgiu a hipótese de que, para se obter mais efetividade nos projetos de treinamento, não se pode descartar o desenvolvimento pessoal e comportamental dos funcionários.

Já não é mais possível falar de desenvolvimento com uma visão fragmentada da realidade humana. Olhar e cuidar do ser humano como ser integral, com suas diferentes facetas, dificuldade e aspirações é ser capaz de enxergar a potencialidade latente de uma realidade mais ampla e mais próspera. (MAGALHÃES, 2013, p.15)

Coloca-se então a seguinte questão: como deve ser o projeto de T&D dentro das organizações e qual papel deve desempenhar dentro desse vasto universo que é o desenvolvimento pessoal dos funcionários? Responder a essa questão não é uma ambição deste trabalho, até porque não há uma resposta definitiva, porém, importante trazê-la à luz, ao debate, e tentar perceber como os profissionais que gerenciam as áreas de Recursos Humanos e os setores de gestão de recursos humanos, Rh, veem essa perspectiva. Para dar conta dessa discussão, foram realizadas entrevistas para a construção do vídeo documentário. Segundo Luiz Carlos Lucena (2012, p. 11), a “linguagem cinematográfica nasceu por meio da linguagem documental”. E o “documentário por sua vez é o tratamento criativo da realidade”. Posto isso, podemos perceber que, apesar de documental, o trabalho contou com os aspectos estéticos baseados de modelos de vídeo documentários convencionais e da leitura do livro de Lucena. A decisão do perfil de entrevistados levou em conta trazer um panorama de diferentes perspectivas de T&D e de projetos de treinamento para dar uma maior abrangência sobre o assunto. Foram selecionados e entrevistados profissionais com formação em psicologia e comunicação - duas psicólogas, uma gerente de Recursos Humanos, uma professora com especialização em T&D - três comunicólogos (um professor com especialização em educação corporativa e as outras três atuantes na área de T&D). Portanto, os roteiros das entrevistas foram elaborados para identificar e compreender as diferentes realidades que vivenciam para assim provocar análises e reflexões posteriores sobre o contexto social e prático do tema levantado. Para a realização e captura das imagens, foram estudadas locações convenientes, ou seja, que transmitissem clareza, locais menos movimentados e silenciosos, para que a atenção do telespectador não seja perdida. Após a captura do material audiovisual, o documentário saiu do papel e da imaginação e começou a se tornar realidade. Para isso, os vídeos brutos foram assistidos, editados e montados. Quanto a esse momento da produção do vídeo documentário, é importante se atentar à definição de um documentário para Luiz C. Lucena:

164 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 o documentário, diferentemente da ficção, é a edição (ou não) de um conteúdo audiovisual captado por dispositivos variados e distintos (câmera, filmadora, celular), que reflete a perspectiva pessoal do realizador - ou seja, nem tudo é verdade no documentário -, envolvendo informações colhidas no mundo histórico, ambientações quase sempre realistas e personagens na maioria das vezes autodeterminantes (que falam de si ou desse mundo), roteiro final definido e não necessariamente com fins comerciais, com o objetivo de atrair nossa atenção. Uma definição longa, mas completa, ou ao menos uma tentativa de definição. (LUCENA, 2012, p.16)

Logo, apesar da natureza de vídeos documentários, ou seja, do compromisso com fatos reais, esse tipo de produção revela o posicionamento dos profissionais que o produziram. A principal proposta de um vídeo documentário é estimular a reflexão e o interesse pela hipótese levantada, além de estimular o raciocínio crítico a respeito desse questionamento, ou seja, o intuito é questionar e não tomar verdadeira nenhuma hipótese. Posto isso, este trabalho se propõe a refletir sobre o tema T&D para estimular outras novas abordagens e, de alguma maneira, contribuir para a área.

2 DESENVOLVIMENTO DO CAPITAL HUMANO NAS ORGANIZAÇÕES

Para entendermos o que vem a ser o desenvolvimento do capital humano nas corporações, é necessário refletir sobre o que é capital humano para, posteriormente, compreender quais são os caminhos que devem ser seguidos para que esse desenvolvimento seja alcançado.

2.1 O Capital Humano

A sociedade atual vive o que autores, como Chiavenato, denominam a Era do Conhecimento em que as informações são trocadas em alta velocidade e as técnicas se modificam e evoluem muito rapidamente. O que era anteriormente considerado recursos humanos, hoje autores chamam “pessoas”, “a gente” da empresa. O conceito de Capital Humano surge a partir do momento em que se percebe talento nessas pessoas, que, por sua vez, deve ser desenvolvido e, após o aprimoramento técnico e comportamental, pode e deve formar o capital humano da corporação. Esse capital também pode ser compreendido como capital intelectual, contribuindo, de maneira eficiente, para o aumento da lucratividade da empresa e, por consequência, do desenvolvimento da própria empresa. Ou seja, é papel fundamental da organização ser capaz de enxergar, em seus funcionários, talentos para também ser eficiente em encontrar um caminho para transformar esses talentos em Capital Humano. A capacidade e competência do corpo de funcionários tornaram-se o capital fundamental e com grande importância para a excelência das corporações, como aponta Idalberto Chiavenato:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 165 Diferente do que era aceito no decorrer da Era Industrial - quando o sucesso das organizações era baseado em seus recursos físicos e financeiros -, na Era do Conhecimento a base da excelência organizacional passou a ser o elemento humano. (CHIAVENATO, 2009, p.16)

Essa importância se deve muito pela constante mudança que o mercado sofre diariamente, demandando que as empresas frequentemente atualizem e aprimorem seus rumos, processos, produtos, estratégias e tecnologias. Para que isso seja possível, é necessário investir no público interno e aprimorar o único fator capaz de se modificar e acompanhar a tal dinâmica, o ser humano. Ou seja, o Capital humano de uma empresa é composto por seus recursos humanos, suas pessoas e seus talentos, enriquecidos com as competências que cada equipe e pessoa detêm. Essa riqueza, quando dialoga com as estratégias de mercado e tem projetos de treinamentos efetivos, ou seja, que são capazes de desenvolver esse capital intelectual, é capaz de desenvolver a organização. Como afirma Jair Moggi:

Uma empresa será tão grande quanto maior for a qualidade das pessoas que nela trabalham, e isso é sempre resultante, entre outros fatores, das ações estratégicas de T&D que a empresa consegue sustentar no médio e no longo prazo. (MOGGI, 2013, p.1)

Para Chiavenato (2009, p. 1-2), “o segredo de organizações bem-sucedidas é saber agregar valores humanos e integrá-los e alinhá-los em suas atividades.” Foi visto também que só é possível alcançar esse capital humano quando se aprimoram os talentos da empresa. Logo, o caminho entre um corpo de funcionários e o capital humano e intelectual efetivo e gerador de lucratividade e desenvolvimento são os projetos de Treinamento e Desenvolvimento, T&D, para as corporações.

2.2 Treinamento e Desenvolvimento

Os conceitos de Treinamento e Desenvolvimento estão diretamente relacionados, um co- dependente do outro. O Treinamento se desenrola por meio de projetos que visam solucionar diretamente alguma necessidade técnica ou comportamental de um grupo de pessoas, ou equipe. Esses projetos devem incluir técnicas de aprendizagem e gerência que dialogam com a cultura da empresa, qualificação de seu pessoal e, claro, com os objetivos estratégicos do nível estratégico. Para Chiavenato (2009, p. 40), “o treinamento é um processo educacional de curto prato que utiliza procedimentos sistemáticos e organizados pelos quais as pessoas de nível não gerencial aprendem conhecimentos e habilidades técnicas para um propósito definido”. O conjunto de projetos de treinamento alinhado com os objetivos e gerenciado de maneira adequada visa e resulta em desenvolver e qualificar o corpo de trabalho e enriquecer o capital

166 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 humano e intelectual da empresa. Logo, o desenvolvimento constitui em ampliar e aperfeiçoar a pessoa para crescimento profissional na carreira dentro e fora da organização, segundo Chiavenato. As pessoas, quando desenvolvidas, contribuem diretamente para o desenvolvimento da corporação: “o desenvolvimento organizacional abrange uma noção macroscópica e sistêmica em termos organizacionais e globais e não simplesmente individuais.” (2009, p. 18). Os projetos de T&D podem ter diferentes ferramentas para a aplicação, diferentes tecnologias e métodos de desenvolvimento de material e avaliação. Todas essas variáveis devem ser estabelecidas após a análise das necessidades da equipe de colaboradores em foco, para que o material seja de fato adequado e eficiente:

O treinamento é uma responsabilidade de linha e uma função de staff. É um processo que envolve um ciclo de quatro etapas, levantamento de necessidades. programação de treinamento, implementação e execução e avaliação dos resultados. (CHIAVENATO, 2009, p.114)

Como se pode perceber, para que haja o desenvolvimento do capital humano a partir dos talentos da empresa, é necessário primeiro entender quais são os talentos, quais as necessidades a serem atendidas e qual o método mais eficiente para tal.

3 DESENVOLVIMENTO PESSOAL E COMPORTAMENTAL DOS FUNCIONÁRIOS COMO REFLEXO DOS PROJETOS DE TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO

Se existe um desafio para toda a humanidade é o propósito de vida. A filosofia há séculos tenta entender de onde viemos e para onde vamos, e indo mais superficialmente o que devemos fazer com nossa força de trabalho e energia. Ou seja, descobrir o porquê a vida vale a pena e isso leva tempo e trabalho. Como diz o filósofo Albert Camus em sua obra O Mito de Sísifo: “Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. (CAMUS, 2008, p. 7) O processo de autoconhecimento e busca para o propósito de vida é uma busca que os seres humanos levam toda a vida. Isso porque vivemos em um mundo líquido, em que a realidade é mutante e o que entendemos como identidade também. Para reafirmar isso, Bauman diz que:

As pessoas em busca da identidade se veêm invariavelmente diante da tarefa intimidadora de “alcançar o impossível”: essa expressão genérica implica, como se sabe, tarefas que não podem ser realizadas no “tempo real”, mas que serão presumivelmente realizadas na plenitude do tempo - na infinitude… ( BAUMAN, 2005, p.16-17)

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 167 O processo de busca pela identidade, autoconhecimento é também entendido como desenvolvimento pessoal, assim; entender quem você é, descobrir quais são seus talentos, forças e fraqueza, faz parte da construção de pessoas mais conscientes da “própria verdade” e, por consequência, da própria forma mais eficiente de atuar em todas as áreas da vida. Mesmo que isso seja um processo longo, trabalhoso e interminável, é imprescindível que seja realizado para que diferentes aspectos da vida sejam desenvolvidos, dentre eles a inteligência emocional, talentos e outros. Isso torna pessoas mais desenvolvidas de maneira pessoal e comportamental aquelas que estão de maneira consciente dentro do processo de busca pela identidade e sentido da vida, bem como de que maneira elas percebem e analisam seus comportamentos e atitudes dentro e fora da vida profissional. Posto isso, buscou-se entender qual é o papel dos Projetos de T&D quando o tema tratado é desenvolvimento pessoal e comportamental. Esses tais projetos são realizados e desenvolvidos em função das pessoas, do ser humano e como esse ser, apesar de considerado indivisível, é antes de tudo fragmentado: “o que é considerado indivisível, o indivíduo, é antes de tudo fragmentado. Também aqui, a experiência é boa conselheira, mostrando constantemente que a fragmentação é coisa cotidiana”. (MAFFESOLI, 2004, p.113) Como o próprio autor acredita, seres humanos são fragmentados e ao mesmo tempo indivisíveis. Pois então, o presente trabalho tomou como hipótese que os projetos de T&D devem analisar tanto as necessidades técnicas como as comportamentais do grupo de colaboradores para os quais o treinamento será dirigido. Já que não é mais possível dividir de maneira abrupta partes importantes para a vida do indivíduo, então a técnica e o comportamental devem se desenvolver lado a lado, em sentido paralelo, para que se tenha um colaborador eficiente e produtivo na vida e na organização.

Já não é mais possível falar de desenvolvimento com uma visão fragmentada da realidade humana. Olhar e cuidar do ser humano como um ser integral, com suas diferentes facetas, dificuldades e aspirações é ser capaz de enxergar a potencialidade latente de uma nova realidade, mais ampla e mais próspera. (MAGALHÃES, 2013, p. 14)

Logo, os projetos de T&D que objetivam primordialmente a formação de um capital intelectual que desenvolverá a organização como um todo, desde cultura e comportamento, até a produtividade e estruturas, deve estar alinhado com as necessidades de cada equipe, tanto técnicas como comportamentais e devem enxergar cada colaborador como indivíduo. Esse indivíduo deve se autoconhecer e se desenvolver tanto profissional, quanto pessoalmente. Porém, é necessário acrescentar que treinar é uma forma de relacionamento, pois há envolvimento e troca de conhecimento. Para que qualquer treinamento seja eficiente, é necessário que ambas as partes – treinador e treinado – estejam conectados, entregues e envolvidos. Então, os projetos devem sim trazer o desenvolvimento pessoal para seu escopo, mas o próprio funcionário deve estar disposto a mergulhar nessa jornada:

168 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Cada indivíduo traz em si a solução do problema, a resposta ao desafio, porém é preciso permitir que esse potencial se manifeste. É papel do T&D gerar as condições necessárias para que essa manifestação seja revelada por meio de um processo de educação que privilegie a expansão da consciência, a autonomia da ação, a liberdade de expressão e a autoria do mundo em que cada um habita. (MAGALHÃES, 2013, p.14)

Essa problemática foi considerada para cada entrevistado a fim de se entender a realidade dos profissionais de gestão de pessoas e a aplicação de treinamentos.

4 O VÍDEO DOCUMENTÁRIO

O vídeo documentário “O Desenvolvimento Pessoal do Colaborador e o Capital Humano: um recorte dos projetos de Treinamento e Desenvolvimento” tem como objetivo entender mais sobre a realidade atual dos projetos de T&D, que permeiam diferentes áreas e empresas. O material audiovisual foi escolhido por ser um método eficiente e didático para a construção de diálogos e narrativas para conteúdos desde ficcionais até conteúdos históricos e científicos - como no caso de documentários. Posto isso, passamos para a descrição de como surgiu o conteúdo para o desenvolvimento do material ao qual este relatório faz referência.

4.1 Pré-produção

Após a análise da literatura a respeito da metodologia de projetos de T&D, algumas questões foram levantadas, mas essas podem ser resumidas da seguinte forma: “Como os projetos de T&D que visam o desenvolvimento do capital intelectual de uma organização são desenvolvidos atualmente? E como o desenvolvimento pessoal do colaborador é percebido pelas organizações?” A partir desses pontos, foram selecionados diferentes profissionais - dois professores com especialização em treinamento e educação corporativa, duas profissionais de gestão de pessoas, uma comunicadora especialista em consultoria de T&D e uma coordenadora da área de treinamentos de uma renomada empresa - todos com experiência e vasto repertório quando se aborda treinamento e ser humano. Mais especificamente os entrevistados em ordem das entrevistas realizadas, foram: Flávia Pereira, comunicadora, com especialização em gestão de pessoas e mais de seis anos de experiência da área de T&D; Maria Cristina Chagas, psicóloga e mestre em psicologia social e do trabalho; Marden Nascimento, designer, com especialização em educação corporativa e mais de 21 anos de experiência em educação; Sofia Dias, psicóloga, trabalha na área de Recursos Humanos há mais de 10 anos, e atualmente é gerente de RH de uma reconhecida empresa; Camila Lopes, formada em gestão de recursos humanos, há mais de três anos na área; e Gisele Paris, mestre em comunicação e há mais de quatro anos na coordenação de um setor de Treinamento e Desenvolvimento.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 169 O contato com cada profissional aconteceu por meio de mensagens via Whatsapp e e-mails, sendo que o roteiro das perguntas foi encaminhado com semanas de antecedência, antes da data marcada para a entrevista presencial. O roteiro foi desenvolvido de acordo com o perfil profissional de cada entrevistado. Os seis profissionais foram entrevistados e filmados pela própria autora deste trabalho. Em termos de recursos, o orçamento disponível para a realização de todo o material audiovisual era de R$300, para investir na compra de equipamentos para melhorar a qualidade das imagens e áudio capturados: um tripé de 1,20m, um microfone de lapela com adaptador para aparelhos celulares, e programas de edição, como o Adobe Premiere. Após a aquisição desse material, foi dado início à etapa de produção do documentário.

4.2 Produção

Neste momento, o presente relatório já estava sendo desenvolvido, assim como o contato com os entrevistados. As entrevistas foram marcadas entre os dias 16 e 31 de maio de 2019. As perguntas eram feitas em voz alta e o entrevistado respondia de maneira livre cada uma delas. E, em alguns momentos, outras perguntas foram incluídas a fim de detalhar mais algum ponto que surgiu na entrevista. Esses momentos foram gravados com uma câmera GoPro Hero 5 Black e o áudio foi capturado por meio de um microfone de lapela acoplado em um smartphone da marca e modelo Samsung Galaxy J7 Neo. Após a captura de vídeo e áudio bruto, ambos foram tratados. Para a edição, os programas utilizados foram Audacity para o tratamento do áudio e, para edição e animação propriamente ditas, Adobe Premiere e Hitfilm Express. A trilha sonora foi proveniente da biblioteca de áudio gratuita do YouTube, o nome da música introduzida durante a passagem de todas as cartelas é Meeting Again do gênero “ambiente”, segundo a biblioteca do aplicativo. Todo o processo de edição foi realizado pela própria autora. Apesar da autora não apresentar vasta especialização em edição e montagem de filmes, atualmente as ferramentas tecnológicas proporcionam maior facilidade. Para Luiz Carlos Lucena,

As ferramentas dos softwares de edição foram simplificadas, o Windows já vem acompanhado de um software simples que permite cortar, emendar e inserir efeitos e transições, (…), algumas câmeras também já contam com sistemas simples de edição, o que tornou esse trabalho passível de ser feito por qualquer um que se disponha a aprender. (LUCENA, 2013, p. 97)

Assim, pode se conceber que a autora deste trabalho, por mais que não possua especialização em direção e edição de vídeo documentários, foi capaz de produzir e editar o produto audiovisual de 12 minutos e 07 segundos.

170 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 4.3 Pós-produção

O conteúdo bruto, ou seja, todo o conteúdo capturado foi assistido novamente, limpo e tratado. Com isso, cada discurso foi analisado novamente, porque “Antes de começar a editar, será preciso rever todas as imagens. Isso é importante porque, ao rever as imagens, sua mente já começa a editar. Além disso, passa a eliminar coisas que não serão usadas. (LUCENA, 2013, p.102) Cada entrevista possuía cerca de 10 a 25 minutos de duração. Porém, apenas o conteúdo mais relevante foi mantido e incluído na montagem do vídeo documentário. Todas as entrevistas foram orientadas para as questões relativas ao trabalho. E esse material poderia dar origem a novas análises, dando ênfase para pontos importantes diferentes do discurso de cada entrevistado. Os entrevistados foram novamente contactados para que os termos de autorização do uso de imagem e voz ( com modelo presente do apêndice A) fossem assinados, todos os seis termos estão arquivados e não foram anexados ao trabalho, visto que apresentam dados importantes de cada participante. Como por exemplo o número de identidade. Logo, devem permanecer em sigilo. Posteriormente ao processo de “limpeza” dos vídeos brutos, os vídeos agora em sua primeira edição, foram divididos em fragmentos e reagrupados a fim de construir um discurso, uma história, com sentido de entendimento possível, baseado em todo referencial teórico apresentado no presente relatório. A edição e montagem foram feitas de maneira minuciosa e cuidadosa para que o vídeo seja didático, leve e dinâmico para todos os espectadores que tenham contato com este produto. Além disso, foram incluídas cartelas feitas por meio do software de edição de imagens; Photoshop, para acrescentar didática e organização no conteúdo do vídeo. O discurso do material audiovisual carrega desde as palavras de cada entrevistado até o ponto de vista e criatividade da autora do trabalho, mesmo sendo um vídeo documentário. Quanto a isso Lucena destaca que

Mesmo mantendo a abordagem de fatos ligados à realidade como caminho, pode perder o contato com essa realidade no momento em que o material é coletado pelo autor (já uma pré-escolha, um ponto de vista) passa, na etapa de montagem, a sofrer várias interferências ideológicas e subjetivas do editor, que usa recursos da tecnologia para trabalhar não mais com uma imagem que reflete o real, como o quadro a quadro da película transparente e visível na moviola, mas com um arquivo renderizado na memória do computador (a transcrição da imagem) e transformado pelos programas de edição” (LUCENA, 2013, p.109)

Assim, baseado nos discursos que apareceram durante as entrevistas, durante as aulas do curso de Publicidade e Propaganda, nas Faculdades Integradas Hélio Alonso, FACHA, e em virtude da leitura de livros e dos bons 26 anos vividos pela editora, os 12 minutos e 07 segundo do vídeo documentário “O Desenvolvimento Pessoal do Colaborador e o Capital Humano: um recorte dos projetos de Treinamento e Desenvolvimento” dão um panorama sobre os projetos de treinamento atualmente nas organizações.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 171 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho é composto pelo relatório científico e pelo vídeo documentário, com o objetivo de abordar mais do que projetos de Treinamento e Desenvolvimento, mas também compreender qual a percepção das empresas em relação às pessoas que as compõem. Como os gestores “olham” para seus colaboradores e como esses se desdobram para desenvolver essas equipes, seja pensando na cultura empresarial ou no simples e importante desenvolvimento da mesma. Percebeu-se que, a passos lentos, as organizações se preocupam com o desenvolvimento técnico e comportamental de seus colaboradores, visto que vivemos inovações tecnologias e mudanças nas relações de trabalho e na sociedade como um todo. Então, atualmente o caminho mais saudável para se desenvolver uma empresa é a elaboração de projetos de T&D, que sejam alinhados e eficientes às demandas das empresas. Para tal, ao se desenvolver um projeto de T&D, aspectos imprescindíveis devem ser tratados com cuidado, tais como: o setor que o organiza, que deve ter preocupação não só com o desenvolvimento técnico e sim com o comportamental do indivíduo, já que não é mais possível enxergar o colaborador fragmentado como anteriormente era feito; os tipos de abordagem que o tema será tratado e as técnicas de aprendizagem mais eficientes. Este projeto de conclusão de curso visa discutir os objetivos, não só pelo planejamento estratégico da empresa, mas também leva em consideração a análise das necessidades que o público que receberá treinamento apresenta - isso é primordial para o projeto apresentar resultados importantes. Ou seja, o público deve ser percebido como pessoas, seres humanos e não só números ou robôs. Além disso, as equipes que, por vezes, serão retiradas de sua rotina de trabalho e podem encarar o treinamento de maneira desmotivada, precisam se sentir mais integradas, parte ativa no desenvolvimento do treinamento e, por consequência, receberão de maneira mais engajada o projeto de desenvolvimento e treinamento. Isso é efetivo tanto para a empresa quanto para os colaboradores que sentem tais necessidades. Ou seja, a área que desenvolverá o projeto de T&D carrega a obrigação de envolver os receptores e formular um conteúdo alinhado com as demandas dos treinados. Essa área não deve “pensar no lugar do outro” e impor de maneira vertical o conteúdo que julga ser o mais adequado. De acordo com as informações colhidas neste trabalho, o processo de desenvolvimento do projeto de T&D deve assumir direcionamento horizontal para que seja mais eficiente. Para reiterar essa afirmação, recorremos a Maffesoli:

Não existe nada pior que alguém querendo fazer o bem, especialmente o bem aos outros. O mesmo se aplica aos que “pensam bem”, com sua irresistível tendência a pensar por e no lugar dos outros. Encouraçados em suas certezas, eles não têm espaço para dúvidas. E é claro que não apreendem a complexidade da vida. A coisa em si não teria tanta importância se esses donos da verdade, intitulando- se detentores legítimos da palavra, não decretassem o que a sociedade ou o indivíduo “devem ser” (MAFFESOLI, 2004 p.11)

172 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Por fim, um projeto de treinamento deve envolver, além dos aspectos técnicos, aspectos de desenvolvimento pessoal, entendendo o indivíduo como um todo. Deve-se enxergá-lo e desenvolvê-lo para que ele apresente cada vez mais produtividade e eficiência não só na empresa, mas sim na carreira e na vida. Relembrando que é papel da empresa semear e oferecer ferramentas para o desenvolvimento tanto pessoal quanto técnico, a fim de que ela mesma se desenvolva, mas sempre encarando como fundamental o envolvimento e a participação do indivíduo. Os projetos devem ser bem definidos e ter seus resultados mensurados e avaliados junto com os colaboradores treinados e seus respectivos gestores. Essa análise, muitas vezes, gera dados para novos projetos e avanços, o que constrói um ciclo de crescimento e desenvolvimento para os colaboradores e para as organizações.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. BOOG, Gustavo, BOOG., Magdalena, et. al. Manual de Treinamento e Desenvolvimento: gestão e estratégias. 6. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2013. CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. 6. ed. São Paulo: Record, 2008. CHIAVENATO, Idalberto. Treinamento e desenvolvimento de recursos humanos: como incrementar talentos na empresa. 7. ed. rev. e atual, Barueri, SP: Manole, 2009. LUCENA, Luiz Carlos. Como Fazer Documentário: conceito, linguagem e prática de produção. São Paulo: Summus, 2012. MAFFESOLI, Michel. A Parte do Diabo. Rio de Janeiro: Record, 2004.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 173 A INSERÇÃO DE UMA LINHA SUSTENTÁVEL NA MARCA VIA MIA PROJETO EXPERIMENTAL PLANO DE MARKETING

Bruna Campos Gonçalves Lucas Souza da Conceição Mariana Iale Cruz Ferreira Vitor Martins Teixeira Profa. Orientadora: Camila Augusta

RESUMO

Este TCC foi realizado , em grupo, na modalidade Projeto Experimental, culminando com a produção de um plano de Marketing para a marca Via Mia, que serviu de estudo de caso. A escolha da Via Mia se deu pela preocupação da Marca com a sustentabilidade, o que se reflete na sua linha de produtos. Além do conteúdo teórico, foi realizada uma pesquisa de campo nas lojas próprias da Via Mia, autorizada pela direção da empresa, com os clientes da marca. Em busca de novas informações sobre o público-final da organização, foi feito um questionário para entrevistar os consumidores. Os produtos mais consumidos e a relação da marca com a sustentabilidade foram as pautas principais da entrevista. Para colaborar com o desenvolvimento do Plano de Marketing, as informações recolhidas foram utilizadas durante todo o processo de criação da linha sustentável Harmonia

Palavras-chave: Sustentabilidade. Marcas. Marketing.

1 INTRODUÇÃO

O aumento do interesse sobre sustentabilidade por parte da população mudou a forma de pensar e agir de muitas marcas ao redor do mundo. As tendências de mercado não buscam respeitar apenas o consumidor, mas também o meio ambiente. Pensando nisso, a implementação de uma linha sustentável em uma marca de calçados e acessórios como a Via Mia, com mais de 20 anos de mercado e centenas de lojas por todo o Brasil, pode auxiliar no aumento da popularidade da causa e de atrativos para clientes e novos consumidores.

174 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Para inserir novos produtos em uma marca é preciso ter conhecimento sobre o público, desde suas preferências até seus hábitos de consumo. O estudo de mercado possibilita mais domínio sobre diversas áreas de uma empresa, como: cenário de atuação, público interno e externo, concorrentes, fatores políticos, sociais, ambientais e econômicos, entre outros. Por isso, o desenvolvimento de um Plano de Marketing seria indispensável para implementar uma nova coleção na marca carioca, Via Mia. O projeto consiste na criação de uma linha sustentável para a Via Mia, que será composta por sete produtos: birken (modelo de sandália com tiras), tênis, bolsa, pochete, tapete de yoga, capa para tapete de yoga e copo retrátil. Os materiais utilizados na confecção dos produtos não agridem o meio ambiente, sendo eles: tecido 100% algodão, cortiça, lona, borracha 30% reciclada, silicone, metal, cadarço 100% algodão e polipropileno. O planejamento de marketing tem como objetivo atender às novas demandas do mercado, sustentado por um consumidor cada vez mais preocupado com o meio ambiente, além do intuito de também criar novas possibilidades de público para a marca. Dessa forma, os produtos da nova linha conquistariam potenciais clientes, pessoas engajadas e preocupadas com causas socioambientais e, pessoas que já são consumidoras Via Mia. Para dar início ao desenvolvimento do trabalho, foi necessário dividir o projeto em sessões. Todas as informações necessárias, desde o de brainstorm até a criação dos produtos, foram registradas ao longo do processo. Para melhor compreensão do tema foi necessário um longo estudo sobre fatores que influenciaram e influenciam os hábitos dos consumidores contemporâneos. Na parte teórica temas como: fast fashion, hiperconsumo, marketing de causa e moda sustentável, serviram como base para a execução do projeto. André Carvalhal, Enrico Cietta, Gilles Lipovetsky, Marina Colerato, Philip Kotler, Zygmunt Bauman e outros, foram utilizados como referências para esclarecer e compreender o contexto em que se inserem os assuntos abordados. Além do conteúdo teórico, foi realizada uma pesquisa de campo nas lojas próprias da Via Mia, autorizada pela direção da empresa, com os clientes da marca. Em busca de novas informações sobre o público-final da organização, foi feito um questionário para entrevistar os consumidores. Os produtos mais consumidos e a relação da marca com a sustentabilidade foram as pautas principais da entrevista. Para colaborar com o desenvolvimento do Plano de Marketing, as informações recolhidas foram utilizadas durante todo o processo de criação da linha sustentável Harmonia. O projeto foi realizado no período de seis meses (julho a novembro de 2019) e dividido pelos quatro integrantes do grupo. O contato com a direção da Via Mia foi feito no mês de julho; as reuniões no escritório da marca foram feitas nos dias 27 de agosto e 11 de setembro, e as demais conversas com a equipe da empresa ocorreram pela internet. A importância de um projeto experimental para formação em Publicidade e Propaganda é pôr em prática todo o conhecimento adquirido ao longo de quatro anos de curso. Um Plano de Marketing que objetiva criar relação entre a sustentabilidade e a moda tem utilidade no campo socioambiental por se tratarem de assuntos muito presentes na contemporaneidade. O alinhamento entre a prática e a teoria no projeto é essencial para o desenvolvimento das estratégias de marketing adotadas para o lançamento da nova linha.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 175 2 A EVOLUÇÃO DO HIPERCONSUMO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

A sociedade evoluiu e mudou a forma de consumir produtos e serviços durante os anos. Até 1920, a expressão “sociedade de consumo” não era muito comum, já em 1950 e 1960 mediante o uso constante do novo termo linguístico, este foi inserido e popularizado na sociedade consumista crescente e usada até a contemporaneidade. Na era do hiperconsumo, os consumidores apesar de acreditarem estar mais conscientes, priorizam o que o mercado intitula como essencial e o que cria como necessidade.

As indústrias e os serviços agora empregam lógicas de opção, estratégias de personalização dos produtos e dos preços, a grande distribuição empenha-se em políticas de diferenciação e de segmentação, mas todas essas mudanças não fazem mais que ampliar a mercantilização dos modos de vida, alimentar um pouco mais o frenesi das necessidades, avançar um grau na lógica do “sempre mais, sempre novo” que o último meio século já concretizou com o sucesso que se conhece. É nesses termos que deve ser pensada a “saída” da sociedade de consumo, uma saída por cima, não por baixo, por hipermaterialismo mais que por pós-materialismo. (LIPOVETSKY, 2010, p. 25).

De acordo com Lipovetsky (2010), a civilização é dividida em três eras do capitalismo de consumo. A chamada fase I se concretizou nos anos 1880 e só foi possível com o avanço da modernidade, de infraestrutura, transporte e comunicação. Esse progresso proporcionou o aumento da produtividade com um valor de custo inferior, ou seja, facilitou a produção em massa. Porém, apesar de se acreditar na democracia do mercado produzindo produtos e serviços para toda a população, ainda existia uma grande desigualdade. “A fase I criou um consumo de massa inacabado, com predominância burguesa” (LIPOVETSKY, 2010, p. 29). As marcas foram ganhando espaço no mercado e as indústrias logo começaram a criar suas próprias marcas, além de investir na publicidade a fim de disputar um espaço na vida dos clientes. O modo de consumir acaba se transformando e os consumidores pouco se importam com a qualidade e a composição dos produtos, valorizando o nome que as empresas possuíam. Foi nesse cenário de sedução que as lojas entram em cena. As grandes magazines revolucionaram a relação com o consumidor, disponibilizando mais variedade de produtos a preços baixos, com o objetivo de escoar rapidamente as peças de qualidade inferior e baixo custo de venda. Como o hábito de consumo via distração e atração, as lojas criaram na sociedade uma compulsividade propícia para compras imediatas e irracionais, fazendo os clientes acreditarem que estavam vivendo a felicidade moderna. Na fase II, o poder de compra da sociedade aumenta. Descontos e autosserviços são inseridos no modo de atendimento, popularizando os produtos e serviços entre todas as classes, possibilitando o acesso da grande maioria a produtos emblemáticos como o automóvel e a televisão. Dessa forma, a produção precisa acompanhar a necessidade de consumo da população,

176 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 é preciso criar novas formas de atender e manter os clientes. A estratégia seria a redução da vida útil das mercadorias, obrigando os consumidores a trocar constantemente um produto por outro similar. Além disso, com o avanço de novas marcas no mercado, seria preciso diversificar cada vez mais os produtos comercializados, fazendo modelos e estilos serem renovados rapidamente, priorizando a quantidade e não a qualidade. “As palavras-chave nas organizações industriais passaram a ser: especialização, padronização, repetitividade, elevação dos volumes de produção” (LIPOVETSKY, 2010, p. 33). O consumo então se torna uma forma de diferenciação na sociedade, sugerindo o status social que todos gostariam de ter para mostrar aquilo que consumiam, o “ter para ser”. Com isso, o ato de consumir se torna algo individualista, quando consumidores movidos pelo ter vão até as lojas para obterem mais conforto, criam necessidades artificiais e vivem uma felicidade do presente, sem pensar no futuro. “A ‘sociedade de consumidores’ representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumista, e rejeita todas as opções culturais alternativas” (BAUMAN, 1925, p. 71) A fase III surge para mudar um pouco essa percepção da sociedade sobre a forma de consumir. Passa-se a se preocupar com a qualidade de vida, comunicação e saúde, fazendo com que os consumidores esperassem que o mercado atendesse suas vontades. O status que antes era primordial no ato da compra passa a ficar em segundo plano, já que os clientes querem comprar com objetivo de ter algo para viver e não somente para exibir.

Das coisas, esperamos mesmo que nos classifiquem em relação aos outros e mais que nos permitam ser mais independentes e mais móveis, sentir sensações, viver experiências, melhorar nossa qualidade de vida, conservar juventude e saúde. (LIPOVETSKY, 2010, p. 42).

Para conseguir atender tal demanda da sociedade seria preciso uma adaptação do mercado. Uma das possibilidades seria o marketing sensorial, com o objetivo de despertar a nostalgia de cada consumidor. Assim, a estratégia passa a ser mais personalizada para cada perfil de consumidor e o fator afetivo seria ponte de destaque para o desenvolvimento de uma relação emocional e de bem-estar sensível. Essa mudança permitiria que as marcas com valor afetivo influenciassem mais na decisão do consumidor do que o próprio produto.

Nome, logotipo, design, slogan, patrocínio, loja, tudo deve ser mobilizado, redefinido, receber novo visual a fim de rejuvenescer o perfil de imagem, dar uma alma ou um estilo à marca. Não se vende mais um produto, mas uma visão, um “conceito”, um estilo de vida associado à marca: daí em diante, a construção da identidade de marca encontra-se no centro do trabalho da comunicação das empresas. (LIPOVETSKY, 2010, p. 47).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 177 Segundo Lipovetsky (2010), com tantas mudanças no mercado, a sociedade passa a enxergar o ato de consumir como consolo, uma distração necessária que os leva ao prazer da novidade e o desejo de rejuvenescer. Porém, encoberto por isso, o mercado continua mandando nas vontades e necessidades, usando um retromarketing1 para camuflar o lucro. Estratégias voltadas para o cliente fizeram com que as marcas se preocupassem mais com seus consumidores e isso as fez descobrir que tinham poder sobre a escolha do público. Com informações pessoais e uma sociedade precisando de “consolo emocional”, as empresas passaram a priorizar, fidelizar e satisfazer seus clientes, como forma de ganhar vantagens e segmentar o mercado. “(...) O marketing de massa foi substituído por estratégias de segmentação, ampliando sem parar a gama das escolhas e das opções, promovendo séries mais curtas, visando mais especificamente a subconjuntos do mercado”. (LIPOVETSKY, 2010, p. 79). As pesquisas passam a ser ferramenta fundamental dentro das lojas que procuravam se adaptar aos seus clientes, proporcionando uma experiência sensorial que facilitasse a compra festiva. Os consumidores passam a criar relações com as marcas cada vez mais duradouras, comprando mercadorias que estão no plano das ideias e que ainda não possuem concretização material. “Os consumidores submetidos por seus desejos são cooptados pelo marketing, que difunde o imaterial em algo concreto, e esse, como mercadoria, se subjetiva no signo que expressa” (SANT’ANNA, 2007, p.53). A publicidade passa a ser mais importante nesta fase, já que é preciso fazer com que as pessoas se identifiquem com as marcas, tornando-as parte de suas vidas. Desse modo, as campanhas precisam ser readequadas constantemente para fugirem do óbvio. “Os maiores instrumentos de constituição da poética moderna, que se caracteriza como cultura de massa, são a publicidade e as demais ações da indústria cultural” (SANT’ANNA, 2007, p.65) Essa renovação faz com que o mercado fique saturado, e a estratégia seria multiplicar o alcance da população e incentivar o pluriequipamento. Nesse sentido, famílias que antes possuíam apenas um item de cada mercadoria, como televisão, automóvel e máquina de lavar, por exemplo, passassem a consumir mais itens de (preposição pedida pela regência do adjetivo necessário) que o necessário, tendo mais de um automóvel, televisão e outras mercadorias. O autosserviço foi outra novidade presente na fase III, revolucionando a forma de consumo do cliente. Não seria mais preciso um vendedor para pressionar os clientes, eles comprariam sozinhos. Esse serviço faz com que as pessoas se sintam mais confortáveis para comprar, democratizando o consumo e tornando o consumidor mais autônomo. Além disso, não é mais preciso ir até as lojas para comprar. Com o avanço da tecnologia, a internet passa a ser explorada como forma de loja online, vendendo e comprando mercadorias sem sair do lugar, tornando o ato da compra cada vez mais confortável, rápido e eficiente.

1 Retromarketing: estratégia das marcas que trazem novos produtos com estilo retrô, fazendo referência ao nostálgico do cliente.

178 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Com o consumo exagerado, seja por status ou por nostalgia, parte da população se tornaria consumidora responsável. O público estaria preocupado com a realização e produção dos produtos, quando é preciso começar a pensar no futuro e respeitar normas ecológicas e éticas. Este tipo de consumidor, considerado socialmente mais correto, engajado e crítico não se incomodaria em pagar mais pelos produtos que respeitassem essas regras. Consequentemente, o mais importante seria ser empático, viver melhor e deixar uma segurança para o futuro.

A explosão do consumo trouxe consigo não apenas uma maior prosperidade para a sociedade, mas também uma variedade de questões éticas, ambientais e sociais que têm preocupado muitos consumidores. Fazendo um consumidor mais ativista. (...) São consumidores que têm a consciência de que seus atos de consumo cotidianos podem repercutir em sua cidade, em seu país e até mesmo em todo o planeta. Consumidores com esse perfil sabem que têm a capacidade de influir na transformação social e ambiental. (MORSCH, 2005, p. 246)

Neste caso, a informação é o que rege essa sociedade, que exige mais conteúdo sobre as marcas que vai consumir, buscando explicações e transparência. “(...) o neoconsumidor erige- se em ator livre que avalia os riscos e discrimina os produtos, mudando hábitos e fazendo escolhas “esclarecidas” (LIPOVETSKY, 2010, p. 139). Isso não significaria que existe uma renúncia do consumo, mas sim que há uma forma mais volúvel para consumir.

3 O FENÔMENO FAST FASHION E OS NOVOS HÁBITOS DE CONSUMO

A industrialização é apontada como um dos momentos mais importantes e marcantes da história, e também como responsável pela consolidação do capitalismo como sistema econômico em quase todo o mundo. Antes da Revolução Industrial, o modelo feudal era comum e consistia na produção artesanal e manual, utilizada como meio de subsistência e pagamento de impostos por muitas pessoas e famílias. Aquele processo histórico e social ajudou a indústria a se tornar o setor mais importante de uma economia, substituindo a mão de obra humana por máquinas, instrumentos, técnicas e processos de produção. Com a automatização do trabalho, a produtividade e a geração de riqueza aumentaram, já que não se produzia mais de acordo com as demandas do mercado e sim com o que se julgava necessário pelas grandes corporações da época. Foi nesse cenário que a produção serial, mecânica e padronizada ganhou espaço, fabricando produtos de qualidade com homogeneidade e rapidez. 2

2 Disponível em:: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/revolucao-industrial.htm. Acesso em outubro de 2019.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 179 Dessa forma, a economia antes agrária, artesanal e comercial passa a ter uma base urbana e industrial, transformando o modo de vida e o padrão das relações sociais em todo o planeta. A aceleração da produção cooperou para que este modelo valorizasse majoritariamente o lucro, prezando a quantidade, e nem sempre a qualidade. Um exemplo contemporâneo deste quadro são as empresas que se denominam “fast fashion”. Este modelo de negócios surgiu ainda na década de 1990, quando a moda se populariza e a confecção artesanal de roupas entra em decadência. Traduzido como moda rápida, o fast fashion é um padrão de produção e consumo no qual a fabricação, a compra e o descarte dos produtos acontecem em larga escala e em alta velocidade. Com a “globalização” da moda, marcas estrangeiras passam a comandar o mercado, oferecendo roupas com design atualizado a preços acessíveis. Dependente de uma produção rápida e contínua de suas peças, o fast fashion visa estimular o desejo pela compra e o consumo por impulso, desenvolvendo produtos de acordo com o que está em alta no mercado.

O que nutre a escala consumista é indubitavelmente tanto a angústia existencial quanto o prazer associado às mudanças, o desejo de intensificar o cotidiano. Talvez esteja aí o desejo fundamental do consumidor hipermoderno: renovar a sua vivência do tempo, revificá-la por meio de novidades que se oferecem como simulacros de aventura (...) Na fúria consumista, exprime-se a recusa ao tempo exaurido e repetitivo, um combate contra esse envelhecimento das sensações que acompanha a rotina diária. (LIPOVETSKY, 2004, p. 80).

Inicia-se, assim, um modelo produtivo que apresenta novas peças e coleções semanalmente, ou até diariamente. O conceito foi primeiramente criado no mercado de moda da Europa e dos Estados Unidos, por marcas de roupas e acessórios como: Zara, Top Shop, H&M, GAP e Benetton. As grandes marcas do varejo mundial influenciam no hábito de consumo das pessoas. O objetivo dessas grandes corporações é despertar interesse do público por suas peças e produtos, criando nas pessoas o desejo e a falsa necessidade de consumir. Influenciado pelo mercado, o público passa a consumir cada vez mais as tendências apresentadas pelas marcas, até que se tornem populares por todo globo. Na contemporaneidade, o fast fashion se encontra por todo o mundo, inclusive no Brasil. Marcas como: C&A, Renner, Riachuelo, Marisa e Hering adotaram esse conceito e possibilitaram a venda de produtos que estão na moda com valores mais baixos e em um período de tempo mais curto para a população brasileira. Para Enrico Cietta (2010), as grandes empresas varejistas que fazem parte desse modelo de negócios têm como maior preocupação criar vínculos com seus consumidores, com o objetivo de aumentar o reconhecimento de sua marca, ganhando espaço no mercado, na mídia e na vida de seus clientes. Segundo o autor, a moda rápida sempre foi julgada como um mercado que fabrica produtos de baixa qualidade, não podendo ser comparada ao segmento high fashion, adotado por marcas de luxo como Chanel e Louis Vuitton, que seguem os processos da moda tradicional.

180 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Cietta (2010) explica também que o consumidor contemporâneo consome os dois mundos, se dividindo entre o fast e o high fashion. Os clientes passaram a adquirir produtos das duas vertentes, misturando produtos de luxo com produtos fast fashion, adequando as peças de acordo com o estilo e preferência pessoais, não mais como forma de conquistar status social e sim de representação pessoal.

O sistema anterior caracterizava-se por uma forte homogeneidade de gosto, pela existência de tendências anuais relativamente unificadas, devido a proeminência de alta costura (...) Ao longo dos anos 1960 e 1970, esse consenso estético foi pulverizado com o impulso do sportwear, das modas jovens marginais, dos criadores do prêt-à-porter (...) Já não há moda; há modas (LIPOVETSKY, 1989, p. 124).

As roupas produzidas no segmento da moda rápida são muitas vezes associadas à falta de criatividade, baixa qualidade dos materiais e dos acabamentos, e por isso recebem o rótulo de “moda descartável”. Porém, no quesito inovação, para as marcas tradicionais, que não fazem parte desse segmento, o sistema fast fashion pouco tem de criativo e exclusivo, já que seus produtos, em grande maioria, têm como inspiração peças que já foram criadas e apresentadas no mercado. Para Cietta (2010), essa comparação não é completamente assertiva, já que as empresas que seguem esse modelo precisam de atualizar suas vitrines semanalmente com novas coleções e novos produtos. O modelo é diferente das marcas adeptas à moda tradicional (marcas consideradas de alta costura), que acompanham o processo de confecção das peças desde o estudo das tendências e a escolha da matéria prima até a exposição em desfiles e a venda em lojas.

4 A REAL CONTRIBUIÇÃO DAS MARCAS PARA A SOCIEDADE

A economia do consumo pode indicar uma preocupação com seu público, pode estabelecer medidas que iriam ao encontro de ações sustentáveis. Mas é importante ir a fundo, para entender o que essas marcas realmente podem fazer. No início de 2019, a partir de uma previsão feita pela plataforma Modefica, foram apontadas quatro tendências-chave para moda sustentável, entre elas: Transparência, Matérias-primas ecológicas, Marketing de Causa e Economia Circular.

Mais importante do que reconhecer tendências, é enxergar como elas serão absorvidas pelo mercado e de que forma podemos analisá-las sob um olhar crítico de impacto real. Entender as tendências também pode ajudar marcas, de todos os tamanhos, a traçarem rumos mais assertivos na hora de colocar a mão na massa e aderir aos movimentos. (COLERATO, 2019).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 181 O Marketing de Causa (prática por meio da qual as empresas apoiam uma causa específica), em especial, tem seguido um caminho de crescimento como ação constante dentro das empresas, principalmente pelas mudanças sociais. A filantropia tem tido um papel fundamental dentro das instituições, sendo usada para ajudar na melhora da reputação ou para reduzir impostos. “As pessoas estão mais preocupadas com seus semelhantes e mais dispostas a contribuir para o bem- estar social” (KOTLER, 2010, p. 144) e isso muda a forma de como os clientes veem a marca e também como serão consumidas. A filantropia e o marketing de causa tiveram um aumento em popularidade nos últimos tempos. “Uma pesquisa global realizada pela Edelman sugere que 85% dos consumidores preferem marcas socialmente responsáveis, 70% estariam dispostos a pagar mais pelas marcas e 55% as recomendariam a seus amigos e familiares” (KOTLER, 2010, p. 145). As empresas ao tomarem conhecimento dessas informações entendem que grande parte de seu público, seja interno ou externo, valorizam não só a qualidade em que os produtos e serviços são apresentados, como também o nível da responsabilidade social que as marcas podem apresentar. E é curioso perceber que o marketing de causa não é utilizado como estratégia, e sim como uma ferramenta de marketing ou de relações públicas, “as causas sociais são vistas como responsabilidade e não como uma oportunidade de criar crescimento e diferenciação”. (KOTLER, 2010, p. 145) A sociedade está muito mais atenta ao empenho das marcas para realizar atividades que podem, de fato, atingir e beneficiar, socialmente o público. Com a popularização do acesso à internet, a cobrança torna-se mais fácil, principalmente para aqueles digitalmente ativos, afinal, esse público possivelmente entende como funciona toda a dinâmica do online, da cobrança imediata que a internet propõe. As empresas que aderiram ao marketing de causa devem entender que ao mesmo tempo em que o consumidor aplaude as atividades que envolvem a esfera social, podem perceber o interesse mercadológico da ação. Segundo o site Meio e Mensagem:

(...) 42% dos consumidores esperam que as empresas se posicionem, porém, 29% enxergam as empresas que o fazem como oportunistas. No entanto, se o posicionamento reflete genuinamente o propósito social e os valores do negócio e é respaldado por evidências de ação, a recompensa pode ser um impacto poderoso e positivo na reputação e nos relacionamentos. (MACHADO, 2019).

Portanto, as marcas deveriam agir de acordo com o seu discurso, mostrar aos consumidores a veracidade de suas ações e evitar o falso posicionamento ecológico. E é neste momento que o greenwashing 3 é aplicado, quando o sustentável é usado para ser visto de forma competitiva no mercado, compreendido como propaganda enganosa, por fim, a empresa que utiliza no discurso e não aplica, está enganando o consumidor.

3 Greenwashing: Quando uma organização exagera ou engana os consumidores a respeito dos atributos ambientais de suas ofertas

182 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 (...) É praticamente impossível uma empresa ser 100% sustentável atualmente, devido ao modelo de negócio, produção e consumo do capitalismo contemporâneo. Mas essa mudança pode ser altamente significativa quando a empresa procura efetivamente minimizar seus impactos em diversas fases, desde a produção até o uso dos produtos por seus consumidores, passando pela venda e descarte da peça. (NADER, 2018).

Ter uma marca participativa nas causas sociais com que realmente se importa, além de ter apenas um posicionamento, é possível, vejamos a Toms4, marca americana de sapatos que adotou um modelo de negócios “um para um”, onde cada par de sapatos vendidos, outro par é doado para crianças em situação de pobreza na África. Isso indica que as marcas utilizam o marketing filantrópico, e que especificamente nesse caso, Blake Mycoskie, fundador da marca, utilizou 100% do seu negócio em prol de atitudes sustentáveis.

5 A MODA E SEU PROPÓSITO COM A SUSTENTABILIDADE

Segundo André Carvalhal (2016, p. 196), a moda tem uma dívida histórica com o planeta. Foi a segunda atividade mais poluidora do século XX, como também foi a segunda que mais utilizou recursos naturais, colaborando com o desequilíbrio do planeta.

(...) A indústria da moda, por exemplo, foi a segunda atividade mais poluidora do século XX (perdendo apenas para a do petróleo) e a segunda que mais consumiu recursos naturais (depois da agricultura), contribuindo muito para o estágio atual de desequilíbrio planetário. A visão de que ela é algo fútil ou banal resultou no amadorismo do sistema. Custando o que de mais precioso temos hoje: o solo, a água e o ar - e também a vida de muitas pessoas. Além de demandar muita energia e água na produção, a indústria têxtil polui o solo com pesticidas e fertilizantes (para acelerar as coisas), polui a água durante todo o processo de tingimento e beneficiamento, e polui o ar com emissões de gases causadores do efeito estufa. (CARVALHAL, 2016, p. 196).

A sociedade está ampliando seus pensamentos sobre a sustentabilidade, quando se nota a importância das atitudes para que a mudança de posicionamento das marcas em relação ao meio ambiente e formas de produção sustentáveis, que há muito tempo se fala. Este assunto aparece em jornais, noticiários, discussões políticas, quando se torna possível enxergar que a moda pode ser uma das ferramentas responsáveis por essa transformação.

4 Disponível em: https://www.modefica.com.br/compre-1-doe-outro-marketing-filantropico/#.XaIr6EZKjIU. Acesso em outubro de 2019.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 183 A Geração Y, também conhecida como geração do milênio, presenciou uma das maiores revoluções na história da humanidade: a internet. Nascidos entre o período da década de 1980 e o começo dos anos 2000, os millennials são grande desafio para muitas empresas que não acompanham essas mudanças. Eles representam uma faixa demográfica da população mundial e seu comportamento e padrão de consumo é pauta de discussão em muitos meios, incluindo a psicologia e o marketing. A cultura da compra se adequa de acordo com o desenvolvimento da sociedade. Sendo assim, as empresas que não acompanharem as transformações sociais que estão acontecendo, vão encontrar dificuldades para fazer com que o público se identifique com elas. Isso porque, a nova geração de consumidores está cada vez mais preocupada com os bastidores de uma organização, não se contenta em ver o produto na loja ou vitrine, mas em entender de onde ele veio e como foi parar ali. Com essa mudança de pensamento e comportamento por parte dos clientes e do mercado, o objeto de compra não é apenas o produto, e sim, a marca como um todo. O posicionamento, a produção, o discurso, a missão, os valores e as visões de uma organização são os produtos que importam para essa geração, isto é, “(...) só quem estiver disposto a servir de fato vai ser capaz de entender a real necessidade do seu público para então satisfazê-la” (CARVALHAL, 2016, p. 77) O capitalismo consciente (CARVALHAL, 2016, p.39) vem numa crescente quanto aos concorrentes que não têm essa mesma preocupação. Porém, com o aumento da visibilidade de assuntos como: sustentabilidade, slow fashion5 e moda circular, percebe-se que ser sustentável, pensar e agir dessa forma, também pode ser lucrativo. De acordo com André Carvalhal em Moda com Propósito, o lucro não pode ser visto como inimigo das empresas, elas devem se aliar a uma produção que se preocupa com a matéria-prima e em como a comunidade será atingida.

(...) Durante muito tempo consumimos e apoiamos marcas que faziam muito pouco ou quase nada por nós. Está na hora de as marcas começarem a apoiar as pessoas. Apoiar quem precisa e quem sempre esteve a favor delas. Pessoas que hoje estão com problemas de moradia, saúde ou estudo e veem a moda como consolo. Durante muito tempo isso foi usado como pretexto para o consumo desenfreado e sem controle, mas hoje é a relação entre pessoas e marcas que pode salvar o mundo. (CARVALHAL, 2016, p. 174)

Na prática, isso significaria que as marcas podem fazer mais por aqueles que sempre estiveram ao lado delas. Para Carvalhal (2016), o momento é oportuno para mudar quando grandes forças estão atuando sobre o comportamento de consumo da sociedade. A empatia com os consumidores e com a natureza mostra o comprometimento das marcas com o outro, e esse sentimento é o que pode ajudar as organizações a prosperarem cada vez mais no mercado.

5 Slow fashion: movimento sustentável, uma alternativa socioambiental à produção em massa, que prioriza o local em relação ao global.

184 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Estamos num ponto do tempo em que uma era de quatrocentos anos está morrendo e outra está lutando para nascer – uma mudança de cultura, ciência, sociedade e instituições muito maior do que qualquer outra que o mundo já tenha experimentado. Temos à frente a possibilidade de regeneração da individualidade, da liberdade, da comunidade e da ética como o mundo nunca conheceu, e de uma harmonia com a natureza, com os outros e com a inteligência divina como o mundo jamais sonhou. (DEE HOCK, 2000 in CARVALHAL, 2016, p. 40)

A possibilidade de um mercado de moda que fomenta o consumo e a produção de forma mais responsável e consciente é o que encoraja marcas como a AHLMA, a se posicionarem de forma mais humana. Fundada por André Carvalhal, a marca brasileira é colaborativa, sustentável e vai bem além das roupas. Além de produtos, a AHLMA vende seu posicionamento. Isso porque, ela faz questão de expor aquilo que pensa e representa como empresa. Conhecida pela reutilização de materiais na produção, a marca também se destaca por produzir peças sem gênero, permitindo que todas as pessoas possam usá-las. As práticas de produção responsáveis, hoje, são uma das maiores preocupações do consumidor que realmente se importa com a sustentabilidade. Saber que as roupas de uma marca são produzidas com responsabilidade durante toda a sua cadeia produtiva, faz empresas como a AHLMA serem a primeira opção de muitos consumidores que fazem parte da Geração Y. Assim como rapidamente esses novos consumidores “levantam bandeiras” para as marcas com que se identificam, também deixam de consumir caso os desapontem. A marca brasileira Loja Três, fundada em 2013 no Rio de Janeiro, fez sucesso entre os millennials. A grife de roupas e acessórios conhecida como uma empresa de “essência colaborativa”, que com uma cadeia produtiva alinhada ao pensamento sustentável que respeitava seus funcionários e consumidores acima de tudo. Contudo, um escândalo envolvendo a marca em maio de 2019, fez sua “máscara cair”. Relatos de antigos e atuais funcionários desmentiram toda a farsa criada pela Loja Três para se promover como uma empresa responsável e humana. Racismo, homofobia, gordofobia e assédio moral6 foram apenas algumas das polêmicas acusações que a organização recebeu. Após o caso, muitas de suas lojas foram fechadas e toda a sua popularidade entrou em decadência. O público que se mostrava companheiro da marca, rapidamente virou as costas para a empresa. Quando os consumidores se sentem traídos e enganados, não há nada que os faça esquecer tal decepção. “(...) a sociedade atual do consumo, acúmulo e desperdício deve desaparecer pela aplicação sistemática do princípio da frugalidade, que tem a ver com consumir o mínimo e o melhor possível. ” (CARVALHAL, 2016, p 42)

6 Disponível em: https://br.fashionnetwork.com/news/Entenda-a-polemica-envolvendo-a-loja-tres,1101492.html. Acesso em outubro de 2019.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 185 Com isso, a economia do consumo está se preocupando em tratar com mais atenção a etapa produtiva, e consequentemente, como o que foi produzido será consumido pelo público. As ações sustentáveis, que de forma direta atingirão um público muito maior do que as pessoas devidamente envolvidas, são importantes para que as marcas criem e pensem em atitudes que despertem a consciência das pessoas que se preocupam com o futuro.

6 PROJETO EXPERIMENTAL: O PLANO DE MARKETING

Independentemente do tipo ou do tamanho da empresa, criar novas maneiras e estratégias para atrair clientes é um dos focos de todo negócio. O objetivo de um Plano de Marketing é orientar na elaboração de ações, com detalhes e direcionamentos específicos para o mercado de atuação de uma empresa, possibilitando a captação de clientes, o aumento das vendas e da lucratividade do negócio. Nesse documento, as empresas devem detalhar o pensamento estratégico que será adotado para a divulgação da marca, produto ou serviço. O Plano de Marketing relaciona quais ações serão realizadas para alcançar as metas previamente determinadas pela organização. Essa ferramenta de gestão deve ser utilizada e atualizada frequentemente para se adaptar às mudanças e identificar novas tendências no mercado. Por meio de um bom Plano de Marketing, é possível definir os resultados alcançados e criar ações que proporcionem mais competitividade para a marca. Conhecer o mercado em que se está inserido permite que empresas tracem o perfil de seus consumidores, tomem decisões relacionadas aos seus objetivos e suas metas e, criem ações eficientes de comunicação. Quanto mais informações sobre o público-alvo, mais eficiente será seu Plano de Marketing. O perfil demográfico, geográfico e psicográfico são apenas alguns dos dados essenciais em um planejamento estratégico. Por meio deles mais conhecimento sobre os clientes é adquirido, o que facilita e direciona a forma pela qual será feita a comunicação entre a marca e o seu target. Além de conhecer seus consumidores, as marcas devem se preocupar também em conhecer seus concorrentes, diretos e indiretos, suas forças e fraquezas, oportunidades e ameaças, e até mesmo fatores externos como: política, economia e cultura.

7 A HISTÓRIA DA VIA MIA

O surgimento da marca Via Mia ocorre em 1998 na tradicional Babilônia Feira Hype, Rio de Janeiro. A marca foi criada a partir de uma visão dos sócios a respeito da necessidade do mercado de acessórios possuir uma marca que fizesse diferença para o público feminino, reunindo algumas premissas básicas como: qualidade e preço.

186 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 E assim, com o desejo de ser diferente e fazer a diferença, surge a Via Mia. A marca nasce com um primeiro objetivo de dar leveza ao dia a dia da mulher carioca, através das suas cores alegres, do jeito descontraído de seus calçados e acessórios e do alto astral que possui. Com isso, rapidamente conquistou seu espaço no armário feminino das cariocas. A primeira loja aberta se deu no fórum de Ipanema, zona sul do Rio, no ano de 1999. O sucesso daquela que seria a primeira estação da Via Mia ficou por conta da bolsa de margaridinhas. Atingiu-se um número elevado de peças vendidas, levando a Via Mia a alcançar algumas famosas como Luana Piovani, que passaram a desfilar a marca pelo Rio de Janeiro. Logo após esse sucesso com as bolsas, a marca trouxe para seu catálogo de vendas o primeiro modelo de sapatos, o tamanquinho. No início dos anos 2000 ocorre a inauguração da primeira loja em shoppings, localizada no shopping Downtown, zona oeste do Rio. Com a abertura de uma loja fora da zona sul carioca, a marca conseguiu abranger novos clientes e se espalhar ainda mais pela cidade. A marca apresentou um desempenho incrível logo em seu início e atingiu o topo de vendas na primeira edição do antigo Top Fashion Bazar. Seguindo a evolução iniciada nos anos 2000, a marca lança no ano de 2003 o seu projeto multimarcas, uma clara demonstração do que a Via Mia pretendia, espalhar o seu chamado mundo colorido, por todas as regiões do Brasil. No ano de 2005 ocorre a mudança de nome da marca. A empresa, já inserida no mercado feminino e se expandindo cada vez mais Brasil a fora, resolve alterar seu nome de Via Milano para o nome que carrega até hoje consigo, Via Mia. Os anos passam e a marca continua seu processo de expansão com a inauguração da primeira loja fora do estado do Rio no ano de 2006. A capital mineira Belo Horizonte é a contemplada com uma loja no shopping Pátio Savassi, um grande salto para a marca seguir em busca da almejada consolidação nacional. Há exatos 11 anos atrás, no ano de 2008, a marca dava o primeiro passo para o grande salto de sua história. Acontece o lançamento do projeto Via Mia Brasil Afora, com a participação de 20 parceiros exclusivos da marca. O segundo passo do grande salto dá-se no ano seguinte com o lançamento do projeto de franquias e a inauguração em paralelo de lojas na Região Nordeste, sendo duas em Salvador e uma em Recife. Após chegar em alguns estados do Nordeste e nos outros estados da região Sudeste, faltava para Via Mia chegar num dos estados mais importantes do país, São Paulo. A chegada acontece na abertura de uma loja no Ribeirão Shopping em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, em 2012. Como não bastava simplesmente chegar no interior do estado, no ano seguinte, uma franquia Via Mia é aberta no Morumbi Shopping na capital paulista, uma das áreas nobres da capital paulista. No ano de 2018, a marca completou 20 anos de história no mercado, obtendo com sucesso o objetivo de se fazer presente em todas as regiões do Brasil. A Via Mia conta atualmente com representação em cerca de 230 multimarcas e 75 lojas físicas espalhadas pelo Brasil, sendo cinco lojas próprias da marca e todo o restante de franqueados.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 187 8 RELATÓRIO DE ATIVIDADES

Bruna Campos, integrante do projeto, havia trabalhado em uma das lojas e possuía o contato de umas das sócias fundadoras da empresa. Nosso primeiro contato se deu a partir de uma troca de e-mails no dia 15 de julho de 2019.

1ª REUNIÃO – 27/08/2019 Em nosso primeiro encontro com a Via Mia, apresentamos nossa proposta inicial para Daniela Sabbag, uma das sócias fundadoras da marca. Na reunião, falamos sobre a faculdade, curso e como queríamos acrescentar a marca ao nosso projeto experimental. Discutimos sobre a posição da marca no mercado, como ela trabalha valores, ideais, qual seu posicionamento em diversos campos (sociais, culturais, econômicos), e como um lançamento específico ajudaria a marca. No mesmo dia, no fim da reunião, nos foi apresentado como todos os setores da marca trabalham, desde o estilo à equipe de e-comerce. Nos foi mostrado como funciona a comunicação interna e qual a forma da marca em trabalhar com ações sociais, mesmo que a empresa prefira não midiatizar essas ações. Foi colocado em acordo, que em uma próxima reunião, apresentaríamos um esboço do projeto para aprovação.

2ª REUNIÃO – 11/09/2019 Em nossa segunda reunião, levamos um posicionamento e lançamento de linha para Via Mia. Daniela aprovou nossa ideia em trabalhar com sustentabilidade, afinal, já existia um interesse da marca em atrelar seu nome a assuntos socioambientais mesmo trabalhando com o couro. Propusemos uma pesquisa a ser realizada com os consumidores nos pontos de venda, porém, nos foi condicionado que a pesquisa deveria ser realizada nas cinco lojas próprias da marca. Ao fim da reunião, Daniela nos apresentou o livro Moda com propósito, do André Carvalhal, que poderia nos ajudar a realizar o projeto

REUNIÃO EM GRUPO E ORGANIZAÇÃO DE PESQUISA – 17/09/2019 Em nossa primeira reunião após a realização do brainstorming do grupo com a orientadora Camila Augusta Pereira, ficou decidido que realizaríamos uma pesquisa quantitativa com os consumidores finais da Via Mia para traçarmos o perfil de compra dos clientes da marca. Decidimos nos organizar em duplas para a realização das pesquisas nas seguintes lojas: Rio Sul, Rio Design Leblon, Rio Design Barra e Barra Shopping.

188 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Tabela 1: Datas de Pesquisa

DATAS LOJAS HORA DUPLAS

01/10/2019 Rio Sul 20h às 22h Lucas e Mariana

08/10/2019 Rio Design Leblon 20h às 22h Lucas e Mariana

16/10/2019 Rio Design Barra 18h às 19:30h Bruna e Vitor

16/10/2019 Barra Shopping 20h às 21:30h Bruna e Vitor

Bruna, Lucas, 22/10/2019 Rio Sul 18h às 21h Mariana e Vitor Fonte: Os Autores

Figura 1: Fotos da realização da pesquisa

Fonte: Os autores

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 189 REUNIÕES EM GRUPO – 24/10/2019 De acordo com os resultados obtidos nas pesquisas de campo, nos reunimos na faculdade Facha para o desenvolvimento da linha, com seu plano de marketing e escolhermos quais os produtos seriam fabricados e quais os materiais seriam utilizados. Começamos a pensar no possível nome da linha e nas estampas que se relacionam com o propósito da marca.

RELATO DE CONSUMIDORES DURANTE PESQUISAS DE CAMPO Durante a realização das pesquisas nos pontos de venda da Via Mia, foi feita uma análise com as vendedoras e gerentes das lojas para saber, com base nas suas experiências do dia a dia de vendas, quais produtos têm um bom alcance com os consumidores da marca. Concluímos que as peças mais pedidas são: bolsas para o dia a dia grandes, tênis, pochete, birken e sandálias rasteiras. Os clientes entrevistados também opinaram sobre a relação do tema sustentabilidade com a marca. A fim de auxiliar na hora da criação da linha, reunimos alguns desses comentários feitos:

Cliente 1 – “A marca possui tudo para começar a vender produtos com materiais sustentáveis.” Cliente 2 – “Todos estão procurando se adequar ao assunto sustentabilidade no momento, então as marcas devem procurar se incluir nesse movimento. ” Cliente 3 – “Conheço a marca desde o início e acho que ela tem muita relação com o assunto.” Cliente 4 – “Acho que a marca já se preocupa com o assunto de sustentabilidade pois possui sacolas de papel. ” Cliente 5 – “Vejo a marca com o foco maior em criatividade e não em sustentabilidade.” Cliente 6 – “Apesar da marca já possuir alguns produtos com materiais alternativos não vejo muita relação da sustentabilidade com a marca já que trabalha com o couro. ” Cliente 7 – “Não acredito ser possível já que a marca trabalha com o couro. ” Cliente 8 – “A loja me remete a algo sustentável, mas não sei dizer o que.” Cliente 9 – “Acredito que a marca tenha uma pegada sustentável, mas não sei muito do assunto.” Cliente 10 – “A marca possui algumas campanhas que remetem a assuntos sustentáveis e utiliza alguns materiais alternativos.” Cliente 11 – “Vejo a marca em um futuro trabalhando com isso, mas ainda precisa melhorar bastante alguns aspectos.” Cliente 12 – “Não olho para a marca e associo ao tema sustentabilidade.”

REUNIÕES EM GRUPO – 31/10/2019 Após criação da linha e dos produtos que seriam desenvolvidos, pensamos em nomes que ela poderia ter. Inicialmente, consideramos colocar nomes que remetessem raízes do Brasil, e assim chegamos ao nome “Pitã”. Além de estampas étnicas, utilizaríamos cores alegres que fossem ao encontro com a identidade da Via Mia e materiais que remetesse a um Brasil rural. Não avançamos com esta ideia porque poderíamos ir por um caminho onde pegaríamos a identidade de um povo para usufruir no mercado, e isso poderia nos custar um posicionamento que não teríamos como marca.

190 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 9 PRODUTO FINAL

9.1 Sumário Executivo

O negócio refere-se à Via Mia, marca carioca de calçados e acessórios, com mais de 20 anos de mercado. A empresa conta com mais de 70 lojas pelo Brasil, sendo cinco lojas próprias no Rio de Janeiro e mais de 220 multimarcas. O uso do couro em produtos da marca faz com que a Via Mia restrinja seus clientes pela falta de produtos sustentáveis em suas coleções. O aumento da popularidade e do interesse do público por assuntos ligados à causa socioambiental mostram a necessidade do mercado em atender essas novas demandas. Com isso, tornou-se necessária uma detalhada análise de mercado com estudo de tendências e oportunidades por meio da aplicação de uma pesquisa de campo. O resultado da pesquisa comprova a falta de relação entre a marca e a sustentabilidade, quando um total de 37% dos entrevistados não faz essa conexão. A partir disso, a implementação de uma linha sustentável na Via Mia torna-se vantajosa para a empresa, pois atinge uma nova parcela de consumidores, engajados na causa socioambiental e, agrega mais valor à marca perante os clientes. A nova coleção, Harmonia, será composta por sete produtos considerados como os mais vendidos e procurados pelos clientes, de acordo com a pesquisa (GRÁFICO 3). Os materiais utilizados na confecção das mercadorias não agridem o meio ambiente e são de conhecimento geral, sendo eles: tecido 100% algodão, cadarço 100% algodão lona, cortiça, silicone e borracha 30% reciclada, metal e polipropileno. Com a inserção da linha Harmonia, a Via Mia expande suas possibilidades diante do mercado, com mais um diferencial competitivo. A partir disso, a empresa busca aumentar seu faturamento e relacionar a sua imagem a uma causa cada vez mais conhecida e pesquisada, a sustentabilidade.

9.2 Análise do Ambiente 9.2.1 Fatores econômicos:

7 Baseado nas pesquisas realizadas no blog especializado em moda (Modefica) , foi observado que o crescimento da indústria de moda foi de 4% a 5%. Em contrapartida, os investimentos em sustentabilidade caíram, com menos de 50% do mercado investindo nada ou quase nada em sustentabilidade. Esse fato, serve como ponta pé inicial para o investimento nesse nicho.

7 Disponível em: https://www.modefica.com.br/falencia-forever-21-fast-fashion-consumo-

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 191 Levando em consideração o cenário econômico do Brasil em 2019, percebe-se um aumento do desemprego. De acordo com o G1 Economia, o número de empregados sem carteira assinada, de trabalhadores por conta própria e subocupados bateu recorde neste ano. Previsões feitas por especialistas em Economia, alegam que o poder de compra do brasileiro diminuiu em vista da crise nacional. Sendo assim, o comércio sofre uma queda em seu rendimento, preocupando grandes marcas e empresas

Gráfico 1: Evolução da taxa de desemprego

Fonte: IBGE

9.2.2 Fatores Socioculturais:

De acordo com a pesquisa realizada nos pontos de venda, o interesse e a preocupação dos clientes sobre assuntos socioambientais aumentaram. Questões como saúde, qualidade de vida e bem-estar cada vez mais criam curiosidade nos consumidores. A inserção de assuntos relacionados ao meio ambiente e a natureza aparecem estampados em capas de revistas, jornais, programas de televisão e redes sociais. Dessa forma, a busca e o consumo de pautas como essas aumentam, e consequente, a procura por produtos e serviços alinhados a esses valores também. Marcas envolvidas com sustentabilidade e causas socioambientais têm um potencial expoente na conquista de novos clientes. Segundo o IBGE, a adoção de práticas sustentáveis pode criar vantagens competitivas para grandes negócios e, principalmente, pequenos negócios do setor de varejo. Isso porque a tendência do mercado é acompanhar essas transformações, buscando formas de se vender como marcas e empresas eco friendly.8

8 Eco friendly: tradução, amigo do meio ambiente

192 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 9.2.3 Fatores Políticos/Legais:

De acordo com o artigo 225 da Constituição Federal: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”9. Os danos causados pelo consumo excessivo no Brasil são inúmeros, entre eles, a poluição e o desperdício. É importante que haja uma política ou uma legislação exclusiva para obrigar a sociedade a pensar, na prática, no futuro da sustentabilidade como um ponto significante e indispensável.

9.2.4 Fatores Tecnológicos:

A partir dos dados coletados nas redes sociais e de informações sobre o perfil de público seguidor na web, a implementação de softwares mais modernos pode colaborar com a atualização rápida e prática do banco de dados, visando oferecer uma experiência positiva aos consumidores.

9.2.5 Concorrência:

Tendo em vista o público-alvo da Via Mia, conclui-se que marcas como a Soulier são concorrentes diretas da empresa. Clube Melissa10 A Melissa é uma marca brasileira criada em 1979 e que possui lojas não só no Brasil, como no mundo. Famosa pelos calçados e acessórios feitos inteiramente de plástico, a empresa é conhecida por seus modelos e designs exclusivos. Além de conforto e qualidade, a marca também se preocupa em criar produtos atemporais e para todos os gostos. Mr Cat11: Com lojas espalhadas por todo o Brasil, a Mrs. Cat é conhecida como uma marca que se preocupa com o conforto e a durabilidade de seus produtos. Além de qualidade, os calçados e acessórios da marca seguem as tendências e possuem qualidade única. Sonho dos Pés12: A Sonhos dos Pés conta com mais de 150 lojas por todo Brasil. A marca de calçados e acessórios consegue atender a diversos estilos por meio de uma grande variedade de opções. Seus produtos oferecem durabilidade, qualidade, design e conforto.

9 Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em outubro de 2019. Disonível em: https://www.melissa.com.br/heritage. Acesso em outubro de 2019. 10 11 Disponível em: https://www.mrcat.com.br/institucional/sobre. Acesso em outubro de 2019. 12 Disponível em: https://www.sonhodospesoficial.com.br/institucional/marca. Acesso em outubro de 2019.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 193 9.2.6 Fatores Internos:

A marca Via Mia possui uma infraestrutura adequada, com funcionários alinhados com o discurso da loja e equipes bem divididas, onde cada um tem sua função estabelecida, colaborando dessa forma para o bom desenvolvimento da marca perante seus clientes.

Tabela 2: Análise SWOT

Fonte: Os Autores

194 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 9.3 Definição do Público-alvo 9.3.1 Geográfico:

I Nacional (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste) Demográfico: II Mulheres III 20 a 50 anos IV Classe A, B e C+ V Trabalhadores VI Escolaridade completa VII Psicográfico: VIII Hábitos diurnos IX Atividades ao ar livre X Amantes da natureza XI nteressados por sustentabilidade XII Pessoas alto astral XIII Modernas XIV Antenadas Comportamental: XV Durabilidade XVI Qualidade de produto XVII Cores XVII Estampas XIX Modelagens XX Conforto XXI Versatilidade XXII Variedade de produtos XXIII Design XXIV Preço XXV Bom atendimento XXVI Facilidade de pagamento

9.4 Definição do Posicionamento de Mercado

Após a pesquisa realizada, percebe-se que parte do público da Via Mia não atrela completamente a imagem da marca com a sustentabilidade. De 54 pessoas entrevistadas, 37% delas responderam que acreditam que a empresa tem relação com o posicionamento sustentável, enquanto 37% responderam que não a consideram uma marca com essa preocupação e 26% não souberam dizer.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 195 Com esse resultado, nota-se a necessidade da marca em incorporar a sustentabilidade em seu posicionamento. Apesar da boa imagem entre seus consumidores, a Via Mia ainda perde clientes por conta da falta de opções de produtos sustentáveis que sigam os seus padrões de qualidade e durabilidade. Ainda que a empresa tenha produtos feitos de tecido, lona e outros materiais sem origem animal, boa parte do público continua consumindo mercadorias feitas de couro. Uma parcela de seus clientes, preocupados com o meio ambiente, com pensamentos e comportamentos mais sustentáveis, ainda encontram dificuldades para consumir produtos na Via Mia, pela falta de opção. Pensando nisso, uma linha sustentável de produtos é interessante para a marca se reconectar com esses consumidores. Com o aumento da popularidade de assuntos como o veganismo e a sustentabilidade, uma linha de produtos sustentáveis, além de atender às necessidades dessa parcela do mercado, também criaria uma nova possibilidade de público para a Via Mia.

9.5 Definição da Marca

Com a implementação de uma linha de produtos sustentáveis na Via Mia, cria-se um vínculo entre a marca e a sustentabilidade. A partir disso, o público que tem preocupações alinhadas a essa causa, passaria a enxergar a marca como uma boa opção de consumo. A proximidade com esses consumidores criaria novas possibilidades de público para a marca.

9.5.1 Nome da linha Em busca de um nome que representasse toda a linha, desde sua criação até sua produção, estava clara a necessidade de nomeá-la com uma palavra com sentido próprio e que definisse o conceito por trás de toda a ideia, “harmonia”.

9.5.2 Harmonia Com o aumento da relevância de assuntos socioambientais, percebe-se a dificuldade e a necessidade de se encontrar harmonia, seja nas pessoas ou no meio ambiente, o que originou o nome da nova coleção. Além disso, o nome “Harmonia” também se refere ao processo de escolha das cores, feito de acordo com a escala de tons elegidos pela Pantone13 e pela WGSN (Worth Global Style Network)14 como tendências do Verão 2020/2021.

13 Fonte: https://www.pantone.com.br/inteligencia-da-cor/fashion-color-trend-report-new-york-fashion-week- primavera-verao-2020/?fbclid=IwAR2q47Ll52_zOwNw8FEjHYbwNYQj9BObecHE0LQGfF2LExc5PA- paaCPytk. Acesso em outubro de 2019. Fonte: https://casavogue.globo.com/Interiores/Ambientes/noticia/2018/09/tendencia-de-cores-5-tonalidades- 14

196 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 9.5.3 Slogan da linha “Que seja em harmonia.” Assim como no nome da linha, a palavra “harmonia” também está presente no slogan. Isso porque essa é a ideia central de toda a linha, a busca pela harmonia, na sociedade, no meio ambiente, na moda, nas cores e, principalmente, no planeta. Tudo pode estar envolvido e relacionado, desde “que seja em harmonia”.

9.5.4 Identidade visual A coleção será lançada no Verão de 2021 e ficará nas lojas durante quatro meses (dezembro de 2020 e março de 2021). As cores utilizadas nos produtos da linha Harmonia têm como referência os tons elegidos pela Pantone e WGSN como uma das tendências dessa estação. O conceito “Harmonia” nasceu da ideia de buscar equilíbrio e harmonia na vida. Seja na sociedade, na natureza, na moda ou no planeta. Por isso, as cores escolhidas representam bem a vivacidade e a alegria do verão. As estampas têm como base os movimentos da natureza, encontrados no ar e na água.

Figura 2: Marca

Fonte: Os Autores

9.6 Definições de Objetivos e Metas

Tabela 3: Objetivos e Metas

Objetivos Metas

1- Conscientizar o público sobre o uso de 1- Garantir a satisfação do cliente materiais sustentáveis

2- Ser reconhecido a partir da campanha realizada 2- Aumentar a margem de lucro no período de pela divulgação da linha veiculação das ações

3- Ser uma opção de marca que trabalhe com uma 3- Alcançar novos consumidores interessados em linha aspectos socioambientais sustentável Fonte: Os Autores

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 197 9.7 Definições das Estratégias de Marketing

Baseado no público-alvo da marca e no resultado da pesquisa feita nas lojas próprias da Via Mia, como solicitado pela direção da empresa. A entrevista foi feita durante a semana em algumas lojas do Rio de Janeiro: Rio Sul e Rio Design Leblon (das 20h às 22h), Barra Shopping (das 19h às 21h) e Rio Design Barra (das 18h às 20h). Logo, as estratégias a seguir visam atender à necessidade dos consumidores Via Mia e atrair novos clientes e públicos.

9.7.1 Produtos

Com o aumento da busca dos consumidores por produtos e serviços alinhados a valores socioambientais, percebe-se uma necessidade do mercado em atender a essas novas demandas. Com a pesquisa feita nos pontos de venda da Via Mia, conclui-se que boa parte de seus consumidores, apesar de não terem pleno conhecimento, não atrelam a imagem da marca à causa sustentável.

Gráfico 2: Na sua opinião, o assunto “sustentabilidade” tem alguma relação com a Via Mia?

Fonte: Os Autores

Pensando nos dados da pesquisa e no cenário em que este projeto está inserido, o desenvolvimento de uma linha sustentável para a Via Mia é interessante para cumprir as novas premissas do público-alvo da empresa no Rio de Janeiro, além de criar novas oportunidades de mercado. A análise da pesquisa feita nas lojas próprias da marca, permitiu a percepção de uma preferência por parte de seus clientes por produtos como: birkens, tênis, pochetes, bolsas e acessórios.

198 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Gráfico 3: Quais produtos da Via Mia você mais consome?

Fonte: Os Autores

Sendo assim, a proposta da linha sustentável Harmonia consiste nos seguintes produtos: birken, tênis, pochete, bolsa, tapete de yoga com capa e copo retrátil. Os materiais base utilizados para a produção das mercadorias serão: lona, cortiça e tecido 100% algodão.

Figura 3: Tênis

Fonte: Os Autores

Figura 4: Birken

Fonte: Os Autores

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 199 Figura 5: Bolsa

Fonte: Os Autores

Figura 6: Pochete

Fonte: Os Autores

Figura 7: Tapete de yoga

Fonte: Os Autores

200 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Figura 8: Copo

Fonte: Os Autores

Figura 9: Capa para tapete de yoga

Fonte: Os Autores

9.7.2 Preço

Tendo em vista o poder aquisitivo dos consumidores da Via Mia, pertencentes às classes A, B e C+ de acordo com informações obtidas via ponto de venda e reuniões com a marca, a precificação foi planejada seguindo valores similares aos dos produtos da marca, com mínimos ajustes para mostrar a importância da causa por trás da linha Harmonia e do custo da produção.

Tabela 4: Preços sugeridos Produtos Preços Birken R$169 Tênis R$199 Pochete R$119 Bolsa R$149 Tapete de yoga de cortiça com capa R$249 Capa de tapete de yoga R$99 Fonte: Os Autores

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 201 9.7.3 Praça

Com base nos dados recolhidos na pesquisa feita nas lojas própria da Via Mia, localizadas na Zona Sul e Zona Oeste do Rio de Janeiro, percebe-se a grande popularidade da marca nas duas regiões e também na Zona Norte da cidade.

Gráfico 4: Local de moradia

Fonte: Os Autores

Por isso, a coleção Harmonia será lançada apenas no estado do Rio de Janeiro e de acordo com a adesão do público, seria expandida para todas as lojas Via Mia do Brasil.

9.7.4 Promoção

Acredita-se que a relação entre o atendimento e o cliente é um dos principais fatores na decisão de compra. Por isso, uma equipe de vendedores treinada e informada faz a diferença no momento de escolha dos consumidores. É necessário que os funcionários dominem o assunto para falar com propriedade sobre a coleção Harmonia. É indispensável que aconteçam reuniões com o grupo de vendedores para apresentar os novos produtos e explicar os bastidores por trás de toda criação. Com isso, a chance de o público consumir a nova linha é maior, já que os profissionais de venda geram mais confiança e credibilidade. Dessa forma, a promoção da linha Harmonia visa desde o atendimento no ponto de venda, a publicidade até o processo de fidelização do cliente, conforme descrição em seguida.

9.7.4.1 Propaganda

As pesquisas feitas nas lojas próprias da Via Mia mostram que boa parte do público da marca possui entre 20 e 50 anos. Além disso, as entrevistas apontam que a maioria dos clientes acompanham as redes sociais da empresa.

202 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Gráfico 5: Idade

Fonte: Os Autores

Gráfico 6: Você acompanha a Via Mia nas redes sociais?

Fonte: Os Autores

Assim, a divulgação da campanha será feita na Revista Ela, suplemento dominical do jornal O Globo, e no ambiente online. Apesar do alto custo, revistas com grande audiência e de conhecimento geral é uma estratégia interessante para comunicar a nova linha, Harmonia. Na internet, a divulgação será feita por meio de campanhas em Google Ads e Social Ads, direcionadas a sites, blogs e redes sociais. Com o conhecimento do público, acredita-se que assuntos como moda e sustentabilidade têm relação com a nova coleção e, por isso, os veículos utilizados devem estar alinhados a essas pautas. Modefica, Portal ECOERA e Modices atenderiam a essa necessidade, divulgando a campanha para o público-alvo da marca e da linha Harmonia.

9.7.4.2 Publicidade

Com a ascensão dos influenciadores digitais15, marcas começaram a usar a confiança que o público deposita neles para criar credibilidade aos seus produtos. Por isso, influencers como Leticia Campioli, Gabriela Lobo e Carla Lemos (dona do blog Modices), que produzem conteúdos alinhados à moda e sustentabilidade, seriam ótimas porta-vozes para a divulgação da coleção Harmonia.

15 Fonte: https://rockcontent.com/blog/influenciadores/. Acesso em outubro de 2019.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 203 4.7.4.3 Promoção de Vendas

Pensando na forma como o público consumirá os novos produtos, acredita-se que ações e promoções durante o seu lançamento despertariam o desejo nos consumidores. Como forma de fidelização e incentivo ao consumo da nova linha, clientes que investirem acima de R$300 em produtos da coleção ganharão desconto de 10% no copo retrátil.

4.7.4.4 Comunicação no Ponto de Venda

Um ponto de venda bem decorado e organizado pode influenciar na decisão de compra dos consumidores. Os elementos visuais de uma nova linha devem ser explorados e utilizados nos materiais de divulgação dentro e fora das lojas. Pensando nisso, uma decoração alinhada ao conceito da coleção Harmonia, cartazes e adesivos em vitrines seriam fundamentais para “vestir” o espaço da nova linha nos pontos de venda.

4.7.4.5 Internet

O site da Via Mia seria alimentado com conteúdo sobre a linha Harmonia, desde a sua criação até o seu lançamento. Um banner na página inicial do site é essencial para que os visitantes sejam impactados. Além disso, todo o apelo visual deve estar alinhado ao que foi utilizado nos materiais de divulgação da campanha.

4.7.4.6 Programa de Fidelização

Para fidelizar clientes é de extrema importância que a marca tenha um vasto banco de dados sobre o seu público. Tendo em vista as informações armazenadas no sistema da Via Mia, nota-se a oportunidade de selecionar os consumidores mais assíduos da marca e convidá- los para o evento de lançamento da nova coleção, Harmonia. Por meio de uma comunicação personalizada, o contato com os clientes da empresa seria feito por e-mail, mensagens enviadas por Whatsapp e SMS.

4.7.5 Pessoas

Para estimular e incentivar a equipe de vendas da Via Mia, inserir palestras motivacionais com profissionais do mercado preocupados com causas socioambientais traria mais conhecimento para os funcionários da marca. Vendedores bem informados dão mais credibilidade à empresa

204 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 e geram mais confiança nos consumidores. Por isso, é importante que os atendentes estejam preparados para responder às dúvidas e curiosidades de seus clientes. Em paralelo com a causa sustentável, resíduos sólidos utilizados na produção, no armazenamento e na venda dos produtos será separado e vendido e, a verba acumulada será revertida para a equipe de funcionários.

9.8 Implementação do Plano de Marketing

9.8.1 Ação

Atividades que serão desempenhadas para a divulgação da linha Harmonia.

• Evento de lançamento da linha na Via Mia do Rio Sul com: influencers engajados em moda e sustentabilidade (Leticia Campioli, Gabriela Lobo e Carla Lemos), DJ de MPB, cerveja Cacilds, suco Do Bem, água, biscoito Globo e brownie. • Eventos após lançamento com: aula de yoga com Beth Pedote (professora de Ashtanga Vinyasa Yoga e influenciadora digital), palestras motivacionais e café da manhã. • Criação da hashtag “#QueSejaEmHarmonia” para gerar o call to action e criar interação com o público. Semanalmente a melhor foto com a marcação da hashtag será selecionada e repostada nos perfis da Via Mia. • Envio de press kits para influenciadores digitais que têm o mesmo público que a Via Mia. Os influencers receberão um copo retrátil da coleção Harmonia, uma porção de sementes de tempero, podendo ser: manjericão, salsa, hortelã ou alecrim, um vasinho de planta e, um release com todas as novidades da linha. • Plantando com Harmonia: distribuição de sementes surpresa, podendo ser: manjericão, salsa, hortelã ou alecrim, como brinde para os clientes que consumirem produtos da nova linha.

9.8.2 Período

Prazo de execução para cada atividade.

• Evento de lançamento: 14 de dezembro de 2020, das 18h às 22h. • Eventos pós lançamento: 30 de janeiro de 2021, das 8h às 11h e, 6 de março de 2021, das 8h às 11h. • #QueSejaEmHarmonia: dezembro de 2020 até março de 2021. • Plantando com Harmonia: 13 de dezembro até 13 de janeiro, ou até durarem os estoques • Press kits: envio no dia 1 de dezembro de 2020.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 205 9.8.3 Como

Forma que as atividades serão executadas, em ordem de prioridade.

• Press kits: o envio dos press kits será feito na primeira semana de dezembro para evitar a grande movimentação dos Correios por conta do Natal. A ideia é divulgar os produtos por meio de influencers antes que os produtos de outras marcas cheguem até eles. • Evento de lançamento: para aproveitar o aumento da movimentação dos shoppings no mês de dezembro por conta do Natal, o evento acontecerá no dia 14 de dezembro. A ideia é atrair não só o público da marca, mas também potenciais consumidores que podem estar passando pelo local. • Evento de pós lançamento: aproveitando o ritmo de início de ano, convidaremos os consumidores mais assíduos para participar de um “aulão de yoga + café da manhã”. A ideia é imergir o público no universo da coleção Harmonia, mostrando por meio de palestras e rodas de conversas a importância da sustentabilidade na vida cotidiana. • #QueSejaEmHarmonia: durante toda a campanha, as melhores fotos com a marcação da hashtag serão selecionadas e republicadas nos perfis das redes sociais da Via Mia. Com isso, criaremos mais interação e proximidade com o público, mexendo com o lado afetivo dos consumidores, já que muitos gostariam de ver suas publicações no perfil da marca. • Plantando com Harmonia: para atribuir mais valor à linha, será feito um paralelo com a causa sustentável para incentivar o público a se relacionar mais com o meio ambiente por meio do plantio. A ideia é distribuir sementes (durante o mês de lançamento) de temperos mais utilizados no dia a dia, mostrando que além de sustentável, essa prática é simples e comum.

9.8.4 Custo

Custos incluídos das ações propostas, orçados a partir de consulta com profissionais do mercado. Press kits: R$54 (unidade) • Copo: R$29 • Sementes: hortelã (R$1,66), manjericão (R$1,66), alecrim (R$1,39) e salsa (R$1,32) • Saco 100% algodão: R$1,08 • Vaso de planta: R$21,90

Evento de lançamento (30 pessoas): R$1.332,40 • DJ: R$250 • Suco Do Bem: R$2,59 – 200ml • Cerveja Cacilds: R$5 – 355ml • Água mineral: R$0,50 – 200ml • Biscoito Globo: R$4 • Brownie: R$3,20

206 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Evento de pós lançamento (50 pessoas): R$4.000 (duas edições) • Café da manhã: R$2.000

Plantio com Harmonia (5 mil unidades): R$8.000 • Sementes: hortelã (R$1,66), manjericão (R$1,66), alecrim (R$1,39) e salsa (R$1,32)

9.9 Avaliação e Controle

A avaliação e o controle das ações desenvolvidas pelo marketing seriam feitas por meio da presença de equipes e profissionais no dia dos eventos. Além disso, também haveria o monitoramento de vendas e das redes sociais para acompanhar a popularidade da linha Harmonia no ambiente online, com o uso de métricas e da hashtag da campanha “#QueSejaEmHarmonia”.

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto foi fundamental para compreender a importância da sustentabilidade na contemporaneidade e entender sua relação com a moda. Cada vez mais as marcas aumentam sua preocupação com o meio ambiente, tornando a produção sustentável possível e mais atrativa, o que justifica o aumento da procura de produtos alinhados à causa socioambiental. O desenvolvimento de um Plano de Marketing possibilitou o estudo do público final da Via Mia por meio do questionário aplicado nas entrevistas presenciais nas lojas próprias da marca. A partir do estudo de uma parcela de clientes da empresa, estratégias de marketing foram desenvolvidas com o objetivo de atender as novas demandas do mercado e atrair novos perfis de consumidores. A elaboração de uma linha sustentável para Via Mia permitiu o contato com informações essenciais para inserir novos produtos em uma empresa, como o estudo de tendências e matérias- primas. Por meio de pesquisas, foi possível obter mais domínio sobre os novos hábitos do consumidor contemporâneo, suas preferências e comportamento. Além da parte teórica, a pesquisa de campo com consumidores reais da Via Mia possibilitou um contato direto com o público-final, o que gerou um melhor entendimento de como funcionam os procedimentos que antecedem a inserção de novos produtos no mercado. O trabalho foi dividido entre os quatro autores e organizado em: introdução, contexto histórico, planejamento de marketing e considerações finais. O projeto final foi baseado em diversos autores como Gilles Lipovetsky e André Carvalhal e, na pesquisa realizada presencialmente pelos integrantes do grupo.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 207 REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt, 1925. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ., 2008. CARVALHAL, André. Moda com Propósito: Manifesto pela grande virada. São Paulo: Paralela, 2016. – 4ª reimpressão. CENTER FABRIL. https://www.centerfabril.com.br/tecido lona- cruh- tml?gclid=CjwKCAiAlO7uBRANEiwA_vXQ-6TbXBSB6CUaDxdKpmjcEx3Cm8MZrnt 1f8oEor7JSrlTLIQ3HnaEkxoC05AQAvD_BwE. Acesso em outubro de 2019. CIETTA, Enrico. A Revolução do Fast Fashion: Estratégias e modelos organizativos para competir nas indústrias híbridas. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2010. COLERATO, Marina. 4 Tendências para moda (Sustentável) em 2019 e como saber analisá- las. 2019. Disponível em https://www.modefica.com.br/4-tendencias-para-moda-sustentavel- em- 2019-e-como-saber-analisa-las/#.XdWN1uhKiUl. Acesso em 12 de outubro de 2019. KOTLER, Philip. Marketing 3.0: As forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010 – 4ª impressão. LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das letras, 2007. – 2ª reimpressão. MACHADO, Maianí. A hora e a vez do Marketing de Causa. Meio e Mensagem. 2019. Disponível em https://www.meioemensagem.com.br/home/opiniao/2019/03/08/a-hora-e-a- vez- do-marketing-de-causa.html. Acesso em 12 de outubro de 2019 MENOS LIXO. Disponível em:https://www.menos1lixo.com.br/o-copo. Acesso em outubro de 2019. MERCADO LIVRE. https://produto.mercadolivre.com.br/MLB-1355795422-natural- tpe- cortica-yoga-mat-5-mm-tamanho-grande-antiderrapa- _JM?matt_tool=30368390&matt_word&gclid=CjwKCAiAzuPuBRAIEiwAkkmOSEDeYzU mDIEl-sI3JAiEchxPiJmaqWQpeSwlRWxgsxh_h6j5px-T9RoCX6oQAvD_BwE&quantity=1. Acesso em outubro de 2019. NADER, Giovanna. Cuidado com o conto do Greenwashing. Veja Rio. 2018. Disponível em https://vejario.abril.com.br/blog/giovanna-nader/cuidado-com-o-conto-do-greenwashing/. Acesso em 12 de outubro de 2019. RESERVA. Disponível em https://www.usereserva.com/ahlma/p/slide-mansidao- sloul/0046949?prodc=314. Acesso em outubro de 2019.

208 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 SAMARA, Beatriz Santos; MORSCH, Marco Aurélio. Comportamento do consumidor: conceitos e casos. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. SANT’ANNA, Mara Rúbia. Teoria de moda: sociedade, imagem e consumo. São Paulo: Estação das Letras, 2007. SEBRAE, Plano de Marketing. Minas Gerais. 2005. Disponível em https://bibliotecas.sebrae.com.br/ chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/1947E33049 28A275032571FE00630FB1/$File/ NT00032296.pdf. Acesso em 12 de setembro de 2019.

APÊNDICE A - MEMORIAL

Bruna Campos Gonçalves Desde que entrei na faculdade em 2016 fiz matérias e trabalhos em conjunto com o Lucas Conceição, Mariana Iale e Vitor Martins. Nossos trabalhos sempre recebiam feedbacks positivos e quando começamos a pensar no TCC resolvemos que seria uma boa ideia nos juntarmos para sua realização. Assim que começamos a pensar no tema do projeto final, nosso objetivo era falar sobre a identidade visual de alguma empresa e como era seu processo de criação desde o desenvolvimento até sua aplicação no mercado. Durante o TCC I ficamos procurando marcas que permitissem nosso acesso a informações internas da empresa. Mandamos e-mails para diversas marcas, pequenas e grandes, explicando nosso objetivo com o trabalho, mas nenhuma delas aceitou falar de assuntos internos. Seguimos a matéria de TCC I com a ideia inicial, mesmo sem uma empresa especifica, porém, quando chegamos ao TCC II precisávamos escolher algo mais concreto e possível de ser realizado. Em julho, um pouco antes de começarmos o 8º e último período, fui com Vitor Martins conhecer nossa orientadora Camila Augusta na Jornada de TCC e Iniciação Cientifica de 2019, para saber sua disponibilidade em orientar um grupo de quatro pessoas com interesse em realizar um projeto experimental. Assim que obtivemos uma resposta positiva da professora Camila, voltamos a falar sobre o projeto final a fim de chegarmos a uma conclusão que agradasse a todos os integrantes do grupo. Desistimos da ideia de falar sobre identidade visual e expandimos os horizontes, mas ainda queríamos trabalhar com uma marca já consolidada no mercado. Foi quando lembrei que como já havia trabalhado como vendedora na Via Mia, possuía o e-mail da Daniela Sabbag, uma das sócias fundadoras da empresa. Meu primeiro contato com Daniela foi no dia 15 de julho de 2019. Ela se mostrou desde o início muito solicita a entender nosso projeto e marcou uma reunião para alinharmos nossos objetivos com o que ela poderia nos fornecer de informações sobre sua marca. Em conjunto com nossa orientadora e com uma marca já definida, pautamos em grupo nosso foco para o projeto final e nossa conversa com a Daniela. Seguimos a linha de pensamento

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 209 sustentável, e mesmo sem ter completamente definido o desenvolvimento do TCC, eu Vitor e Lucas fomos para a reunião no escritório da marca. Foram duas visitas, onde Daniela nos apresentou a equipe e nos contou com mais detalhes a história e desenvolvimento da Via Mia. Todas as conversas tanto com a Camila quanto com a Daniela nos fizeram chegar a nosso objetivo final, desenvolver um plano de marketing sobre uma linha sustentável dentro de uma coleção já existente na Via Mia. Com a autorização da dona, realizamos uma pesquisa dentro das cinco lojas próprias da marca e obtivemos bons resultados para começarmos a desenvolver nossa linha sustentável. De acordo com a pesquisa chegamos à conclusão que os consumidores da Via Mia acreditam ser importante a marca se conectar com assuntos sustentáveis, e que mesmo trabalhando com o couro, é possível se inserir nesse universo. Para a realização de nossa parte teórica do projeto, pegamos diversas referências, como Gilles Lipovetsky, Zygmunt Bauman, Enrico Cietta, Philip Kotler, André Carvalhal, entre outros. Eu fiquei responsável pelo desenvolvimento da parte sobre hiperconsumo e sua desenvoltura na sociedade contemporânea. Como inspiração usei o livro de Lipovetsky “A felicidade paradoxal”, que me ajudou a entender como aconteceu a evolução do ato de consumir desde o ano de 1920 até 2019. Todos esses autores nos guiaram para contarmos a evolução da sociedade na forma de consumir, a evolução dos fast fashions e essa preocupação da sociedade com a sustentabilidade. Procuramos contar um pouco do ponto de vista de cada autor para contextualizar nosso projeto e dar veracidade a nossas ideias até conseguirmos desenvolver a linha Harmonia baseada nessas informações e nos resultados obtidos através da pesquisa. Na parte prática do projeto, o plano de marketing, foi preciso muito trabalho e brainstroming do grupo todo. Nos reunimos diversas vezes na faculdade para pensarmos nos produtos confeccionados a partir da nossa pesquisa com os clientes da marca, até enfim chegarmos na conclusão de lançar a linha com os queridinhos de todas as coleções. Nossa linha foi toda pensada para ser sustentável, logo todos os materiais usados na confecção dos produtos não agridem a natureza, como a lona, cortiça, silicone, tecido 100% algodão, e outro. Como Harmonia vai ser fabricada a partir de materiais sustentáveis, acrescentamos também um novo produto, o copo retrátil. Como diferencial desenvolvemos duas estampas que tivessem relação com a marca e sua proposta, com a estação do ano escolhida para o lançamento e com o objetivo da linha. Para a escolha da cartela de cores usadas, nos inspiramos nas tendências para 2020, seguindo a proposta da própria marca, o colorido. Após escolhermos o nome, foi a hora de planejar as ações necessárias para o lançamento da linha. Nos encontrávamos depois do trabalho para definirmos as estratégias utilizadas juntos, assim todos do grupo podiam opinar e conseguíamos alcançar o maior número de ideias possíveis. Nós procurávamos sempre alinhar o máximo possível de nossas estratégias às da marca, seguindo sempre o propósito da Via Mia. Para criarmos a identidade visual da linha harmonia, eu desenvolvi no photoshop e illustrator os produtos, logo, estampas e as artes presentes no site e expostas nas lojas. Fiquei muito feliz com o resultado final do projeto de TCC. Consegui aplicar todos os meus

210 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 conhecimentos aprendidos no curso de Publicidade e Propaganda da Facha. Trabalhar com um grupo de quatro pessoas em um projeto final foi de extrema importância, pois foi preciso saber lidar com outras opiniões e ideias, o que me deixa mais confiante e preparada para o mercado de trabalho. A orientação da Camila Augusta nos ajudou muito com o resultado final, suas ideias nos guiaram para a melhor resolução possível do TCC. Além disso, trabalhar com uma marca como a Via Mia, já consolidada no mercado, foi uma experiência muito proveitosa para mim, pois conheci outro lado da marca que como ex- funcionária e consumidora, não conhecia. Gostaria de agradecer a minha família e meu namorado por todo o apoio e incentivo que me deram durante todos os anos da faculdade; meus amigos Lucas Conceição, Mariana Iale e Vitor Martins por terem dividido comigo a experiencia da faculdade e realização do projeto de conclusão de curso; a minha orientadora Camila Augusta, que abraçou a proposta do grupo e nos ajudou durante toda a realização do projeto final e a sócia fundadora da Via Mia, Daniela Sabbag, que aceitou a ideia do grupo e abriu as portas de sua empresa para o desenvolvimento do trabalho.

Lucas Souza da Conceição Desde o início da minha graduação no ano de 2016 eu comecei a me relacionar com os participantes do meu grupo de TCC. Ao longo da faculdade fizemos todos os trabalhos em grupo possíveis juntos, às vezes nos dividíamos em duplas, mas sempre nos mantínhamos perto um do outro. Por conta dessa amizade que criamos e pelos comentários positivos que recebíamos acerca dos nossos trabalhos, decidimos que realizar o TCC juntos seria uma boa ideia. Quando começamos a cursar TCC I, nossa primeira ideia de projeto era falar sobre o processo de criação da identidade visual de uma marca/empresa desde o início até a chegada no mercado com sua aplicação. Passamos o período buscando empresas que topassem nos receber e passar algumas informações mais internas, mandamos inúmeros e-mails explicando o nosso projeto para as empresas desejadas, porém, nenhuma embarcou nessa com a gente, algumas até nos deixaram sem resposta, algo que nos afligia por conta da aproximação doTCC II. Na parte final do nosso período, fomos atrás de possíveis orientadores para nosso projeto a fim de saber a disponibilidade de horários, a aceitação de orientar um grupo de quatro pessoas e a aceitação do projeto que estávamos propondo. Após algumas indicações, encontro com alguns professores, feedbacks positivos e negativos, Bruna e Vitor participaram da jornada de TCC e IniciaçãoCcientifica realizada na Facha e lá entraram em contato com a professora Camila Augusta a respeito do nosso projeto. Depois desse breve encontro com a professora, Bruna e Vitor passaram que a conversa tinha sido agradável e todos ficamos à espera de uma resposta positiva por parte da professora Camila. Já sabidos da aceitação não oficial da professora, voltamos a conversar sobre nosso projeto e decidimos por mudar nossa ideia inicial de falar sobre a identidade visual de alguma marca. Seguindo o contato com marcas que aceitassem nosso projeto, Bruna lembrou que como já havia trabalhado como vendedora na Via Mia, tinha acesso ao e-mail de Daniela Sabbag, sócia

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 211 da empresa com seus irmãos, e resolveu fazer contato para ver se a empresa topava fazer parte do nosso projeto. Nosso primeiro contato com Daniela já foi animador, ela se mostrou disposta a nos ajudar e marcou uma reunião para entender melhor o que precisávamos e no que ela poderia colaborar. Com a marca já escolhida e a orientadora também, pensamos juntos em algo que seria legal apresentarmos como projeto final e chegamos à ideia que desenvolver algo com pensamento sustentável seria interessante pelo momento que vivemos onde as pessoas procuram cada vez mais saber sobre o que compram/consomem. Com essa ideia, fomos a duas visitas com Daniela buscando alinhar as ideias que tínhamos e a ideias da marca para uma linha sustentável de produtos. Com a ajuda de nossa orientadora, chegamos à constatação de que como projeto final, seria interessante a elaboração de um plano de marketing sobre uma linha sustentável de produtos. Para desenvolvimento de nosso plano de marketing, identificamos que uma pesquisa com os consumidores da marca se fazia necessária e com autorização da Daniela para realizarmos a pesquisa nas lojas próprias da marca, montamos com nossa orientadora um breve questionário para ser feito nos pontos de venda e, dessa forma, conhecer melhor os clientes da marca que trabalharíamos. Um projeto experimental como o nosso não nos isenta de escrever uma parte teórica, pois, essa parte contextualiza o projeto e nos dá base para desenvolvermos nossa linha sustentável. Utilizamos como referência autores como Giles Lipovetsky, Phlip Kotler, André Carvalhal, entre outros. Minha responsabilidade na parte teórica foi contar a história da Via Mia desde seu surgimento até seus dias atuais e sua evolução como empresa, se tornando uma marca de grande porte no país. Falando da parte prática do projeto, para se chegar a um denominador comum entre todos do grupo foram necessários diversos encontros e discussões até que, com auxílio da pesquisa realizada nas lojas, decidimos que faríamos nossa linha baseada nos produtos mais queridos dos clientes. Como nossa linha será sustentável, os materiais usados na confecção dos produtos serão lona, cortiça e tecido, pois, não agridem a natureza. Para estampar nossos produtos usamos cores alegres baseadas nas tendências para 2020, ano de lançamento de nossa linha. A respeito das ações a serem realizadas para lançamento da linha, nos reuníamos ao longo da semana para que através de um brainstoming do grupo conseguíssemos definir as melhores estratégias a serem realizadas a partir do perfil da marca e, assim, o resultado das nossas estratégias ser bem-sucedido. Quanto aos agradecimentos, gostaria de destiná-los aos meus pais e meu irmão pelo apoio ao longo do curso e por terem me possibilitado estudar. Agradecer muito aos meus amigos também, pois sem eles eu talvez não tivesse chegado até aqui. Um beijo especial a Bruna Campos, Mariana Iale e Vitor Martins pela parceria e amizade de sempre.

212 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Mariana Iale Cruz Ferreira No meu 2º período da faculdade, em 2016, comecei a fazer as mesmas disciplinas que Bruna Campos, Lucas Conceição e Vitor Martins. Desde então, sempre fizemos trabalhos juntos e fomos elogiados pelo nosso rendimento como grupo. O feedback dos professores é muito importante para nós, por isso, continuamos trabalhando em conjunto. Quando chegamos no 7º período, o penúltimo do curso, começamos a pensar no que faríamos como projeto final da faculdade. Tínhamos a opção de trabalhar em grupo ou individualmente, e tendo em vista o retorno que recebemos de nossos mestres, decidimos nos manter como uma equipe. Na matéria de TCC I, tivemos que começar a esboçar de fato o tema que seria abordado por nós no nosso trabalho de conclusão de curso. Nossa ideia inicial era abordar o processo de criação de uma identidade de marca. Pensamos que seria interessante entrar em contato com marcas já conhecidas no mercado e, então começamos as pesquisas. Chegamos a entrar em contato com a marca carioca Mate Shine, mas sem sucesso. Após algumas tentativas e nenhum êxito, mantivemos o nosso tema inicial, porém de uma forma mais teórica. Em julho, pouco antes do início do 8º período, conversamos com a orientadora Camila Augusta na Jornada de TCC e Iniciação Cientifica de 2019, para saber se poderia orientar um grupo de 4 pessoas e sua disponibilidade para isso. Quando recebemos a resposta positiva de Camila, percebemos que deveríamos optar por um tema mais concreto. Decidimos tentar contato com a Via Mia. Além de ser consumidora da marca, a Bruna Campos é ex-funcionária e por conta disso tinha o contato de algumas pessoas da equipe da empresa. Após algumas tentativas, conseguimos contatar Daniela Sabbag, sócia fundadora da Via Mia. Nossa primeira conversa aconteceu em julho de 2019, e ela, desde o início se mostrou entusiasmada e solicita para nos ajudar. Já com orientadora e marca definidas, pautamos tudo o que gostaríamos de reunir no nosso projeto e na conversa com a Daniela. Depois de muitos debates, chegamos à conclusão de que o assunto sustentabilidade seria interessante para nós e para a Via Mia. Com foco já alinhado, Bruna, Lucas e Vitor foram até o escritório da marca para uma reunião presencial com a sócia fundadora. Nessa conversa, Daniela apresentou a equipe da empresa e contou um pouco mais da história da Via Mia. Depois de duas visitas ao escritório e algumas conversar com Camila, nosso grupo decidiu manter a pauta sustentável e desenvolver um Plano de Marketing para a criação de uma linha ligada à sustentabilidade. Com autorização da dona da marca, pudemos fazer entrevistas com clientes Via Mia nas lojas próprias da empresa, sendo elas: Rio Sul, Rio Design Leblon, Barra Shopping e Rio Design Barra. Após a pesquisa, percebemos que o público da Via Mia, em sua maioria, não atrela a imagem da marca à causa sustentável, o que nos mostrou a necessidade da empresa em criar laços com consumidores ligados à sustentabilidade e também com a própria causa. Afinal, isso é uma tendência do mercado, consumidores e marcas cada vez mais preocupados com seu impacto no meio ambiente.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 213 Para realizar a parte teórica do trabalho, utilizamos diversas referências, como: André Carvalhar, Enrico Cietta, Gilles Lipovetsky, Philip Kotler e Zygmunt Bauman. Fui responsável pelo desenvolvimento do capítulo sobre o fenômeno Fast Fashion e também sobre Moda com Propósito, junto ao Vitor. O conteúdo teórico do nosso projeto, nos mostrou o ponto de vista de diversos autores sobre consumo e sustentabilidade, o que nos inspirou a pensar na criação da linha sustentável, Harmonia. No desenvolvimento do Plano de Marketing, fizemos questão de fazer o processobrainstorm em grupo, pois acreditamos que assim as ideias surgem de forma dinâmica e mais criativa, com a colaboração de todos. Nos nossos encontros na faculdade começamos a pensar nos produtos que seriam criados para a linha e chegamos à conclusão de que seria interessante fazermos uma releitura sustentável dos “queridinhos” dos clientes da Via Mia. Com o resultado da pesquisa, notamos a preferência do público pelos seguintes produtos: birkens, tênis, pochetes, bolsas e acessórios. Pensando nisso, surgiu a Harmonia. E a partir disso, tivemos outro desafio, as matérias-primas que seriam utilizadas na produção das mercadorias. Após muita pesquisa, decidimos utilizar materiais produto que não agridem o meio ambiente, como: lona, tecido 100% algodão, silicone e cortiça, como base da confecção. A linha Harmonia tem um viés sustentável, por isso, incluímos na coleção um novo produto, o copo retrátil. O nome tem como referência o equilíbrio e a harmonia necessáris entre a sociedade e o meio ambiente. Durante o processo de brainstorm, sugeri o nome Harmonia e ao explicar o conceito por trás da ideia, o grupo chegou à decisão de usá-lo. A partir disso, criei o slogan e o restante dos textos de comunicação da campanha. Como diferencial da nova coleção, desenvolvemos duas estampas inspiradas no movimento encontrado na natureza, do ar e da água. Além disso, utilizamos as cores apontadas como tendências do verão 2020/2021 pela Pantone e pela WGSN (Worth Global Style Network). Depois de finalizarmos a parte da criação da identidade visual, tivemos que pensar nas estratégias de marketing que iríamos seguir para a campanha de lançamento dos novos produtos. Nos encontrávamos diariamente na faculdade para podermos conversar pessoalmente sobre as ações, táticas e linha estratégica que iríamos criar. Após algumas reuniões, conseguimos fechar essas ideias e enfim passá-las para o nosso Plano de Marketing e finalizar o projeto. Não poderia estar mais contente com o resultado. Fico feliz de ver todos os conhecimentos que adquiri ao longo do curso usados para um projeto como este. Trabalhar em grupo foi importante para aprender a debater ideias, respeitar opiniões diferentes e aceitar críticas. A orientação da professora Camila Augusta nos ajudou muito para o êxito do nosso trabalho. Nossas reuniões foram sempre muito produtivas, com bastante troca de ideias e feedbacks sinceros. Seu conhecimento na área nos guiou para a elaboração de um trabalho completo e que nos deixou bastante satisfeitos. Além disso, ter a oportunidade de trabalhar com a Via Mia, uma marca já consolidada no mercado foi de extrema importância para o nosso projeto final e também para mim, que

214 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 pude ter acesso a informações que como consumidora, não conseguiria. Gostaria de agradecer a meu pai, Marcio, por todo apoio e investimento, e por acreditar em mim e no meu potencial. Agradeço também a minha mãe e toda minha família, que mesmo com a distância sempre me apoiaram e me incentivaram a seguir meu sonho. Aproveito a oportunidade para demonstrar minha gratidão a todo o corpo docente da FACHA e, principalmente, a Camila Augusta, minha orientadora que com tanta dedicação e paciência nos ajudou a concluir essa etapa de maneira tranquila e satisfatória.

Vitor Martins Teixeira O projeto foi iniciado no segundo semestre de 2019, mas eu já trabalhava com esse grupo desde 2016 que foi quando conheci meus colegas e continuamos fazendo os projetos juntos. Quando a ideia de fazermos um projeto para conclusão de curso em conjunto surgiu, não tivemos muitos problemas quanto à criação da equipe e como cada um trabalharia para produzir o conteúdo. Partimos para a escolha da nossa orientadora. No evento de Jornada de TCC e Iniciação Científica, Bruna e eu, nos apresentamos para a professora Camila Augusta, uma vez que não havíamos feito nenhuma matéria com ela até o momento, e que seu nome tinha sido uma indicação da professora Maria Paulina, afinal, ela já tinha um histórico de orientação em grupos. E foi a partir deste encontro que começamos nosso planejamento para a realização do nosso projeto. Eu iniciei a pesquisa procurando referências em projetos científicos no Google Acadêmico e, buscando entender, como o fast fashion era trabalhado em trabalhos universitários, para desta forma, nortear o plano de marketing. Entre uma pesquisa e outra, participei de algumas reuniões com outros participantes do meu grupo na sede da Via Mia. Nessas reuniões conversei com a Daniela Sabbag, sócia fundadora da marca, a fim de entender como poderíamos trabalhar e se havia algum fator importante para ser passado para nós que pudesse ajudar na criação do projeto. Em uma dessas reuniões nos foi apresentado o livro, Moda com Propósito, de André Carvalhal, um livro que trata como ser uma marca sustentável, e que é extremamente possível, desde que você entenda que os recursos do nosso planeta estão esgotando e que devemos agir agora. A partir disso, compramos o livro já citado, e passei a segui-lo no Instagram, para compreender o que poderia ser feito em meu projeto. Passei a seguir também, a jornalista Marina Colerato, que através de mensagem direta no Instagram, me indicou o blog Modefica, onde como fundadora, fala com muita propriedade, através de reportagens, matérias, podcast sobre como a moda vem mudando e se trata de um exercício diário ter um pensamento sustentável. Toda essa pesquisa foi fundamental para criação do conteúdo teórico do plano de negócio, que escrevi me baseando no livro Moda com propósito; também escrevi sobre Marketing de causa, para o qual a leitura do livro Marketing 3.0, do Kotler, ajudou-me a compreender o fazer com que as marcas se utilizem desse meio para simular que se preocupam com questões socioambientais.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 215 Participei de pesquisas nos pontos de venda, fui a três lojas da Via Mia com meus colegas, lojas essas indicadas pela própria marca para realizar as pesquisas, entrevistei os consumidores sobre preferências de compra, formas de pagamento e busquei entender a percepção dos clientes e vendedoras. As pesquisas, em sua maioria, foram divididas em duplas, e na última pesquisa, todo o grupo se reuniu na loja do Rio Sul, para conclusão da mesma. Agradeço a minha mãe Helen e ao meu irmão Lucas pelo apoio que me deram durante o período que estive fora da minha cidade para estudar. A minha família que me recebeu nesses quatro anos no Rio de Janeiro e sempre me deixaram motivado para dar continuidade à graduação. Um agradecimento especial à minha tia Helenita, que me apoiou de diversas formas, e que infelizmente não poderá acompanhar a conclusão de mais um passo, mas sei o quanto sua ajuda foi fundamental para meu crescimento. A minha orientadora Camila Augusta, pela parceria, ajuda, paciência por ter aceitado trabalhar conosco, mesmo sem ter tido uma experiência prévia conosco; sem sua ajuda a conclusão deste projeto não seria possível. Seus ensinamentos sobre métodos de pesquisa, formatação e todo conhecimento sociocultural foram de suma importância. E aos meus amigos, que foram combustíveis para continuar nessa jornada, afinal, sair de minha cidade, estar longe de minha família, e encontrá-los pela manhã dispostos a caminhar comigo fez toda a diferença. Posso afirmar, não encontrei somente amigos, mas sim tesouros.

APÊNDICE B – PESQUISA DE CAMPO

Os dados encontrados com a pesquisa de campo realizada nas lojas próprias da Via Mia, como já relatado, encontram-se abaixo:

216 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 217 218 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 219 PUBLICIDADE E CRISTIANISMO: QUAIS LIÇÕES PUBLICITÁRIAS SÃO POSSÍVEIS EXTRAIR DA HISTÓRIA DA EXPANSÃO DO CRISTIANISMO?

Charles Echols Spragins Neto Prof. Orientador: Aristides Alonso

RESUMO

É possível identificar na história do cristianismo uma série de conceitos de publicidade e marketing. A presente monografia é uma investigação histórica da expansão do cristianismo sob um olhar publicitário. São identificados os principais agentes da expansão do cristianismo entre os séculos I e IV no Império Romano, bem como a relação entre esses eventos históricos com conceitos contemporâneos de publicidade e marketing. A presente monografia também defende como o estudo da história do cristianismo rende proveito a qualquer publicitário que pretende se comunicar numa sociedade que majoritariamente se autodenomina cristã.

Palavras-chaves: História. Cristianismo. Império Romano. Publicidade. Marketing

1 INTRODUÇÃO

Esta é uma monografia sobre a instalação do cristianismo no Império Romano com enfoque na sua expansão entre os séculos I e IV, preocupado em responder: qual valor publicitário é possível extrair dessa história? Há uma extensa literatura disponível sobre o tema, portanto,serão articuladas fontes históricas e estudos das mesmas, usando o trabalho de especialistas para apoiar a construção de raciocínios e argumentos. A metodologia empregada será a pesquisa exploratória, reconstruindo a história do cristianismo para identificar os principais agentes de sua expansão, bem como o que os cristãos dessa época faziam e diziam de tão persuasivo. Serão identificados pontos análogos entre as práticas cristãs e as práticas publicitárias, esclarecendo o motivo do sucesso da religião.

220 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 O escopo da pesquisa tem relevância contundente no campo da publicidade. Por natureza, a publicidade preocupa-se em identificar formas de persuadir um determinado público, de propagar ideias, em como, essencialmente, converter alguém. Não seria, portanto, relevante estudar a mais bem-sucedida campanha de conversão religiosa do mundo? Campanha essa que, ao mesmo tempo, ajudou a compor o tecido cultural da sociedade ocidental contemporânea? É comum na publicidade o estudo de cases, exemplos de campanhas publicitárias que produziram bons resultados. A presente monografia olhará a expansão do cristianismo entre os séculos I e IV como um case publicitário de sucesso. Entender como os valores de poucos vieram a se tornar os valores de muitos é relevante não só como um estudo publicitário, mas como um estudo dos valores e dos pressupostos fundamentais de uma sociedade. A força motivadora para a realização desta monografia é entender o impacto do cristianismo no ocidente e como uma proposta religiosa se desenvolveu globalmente ao longo de dois milênios. É convicção do autor que estudar a história do cristianismo renderá proveito a qualquer publicitário que pretende se comunicar dentro de uma sociedade que majoritariamente se autodenomina cristã.

2 DEFINIÇÕES BÁSICAS

Para entender a história do cristianismo, vale a pena conhecer alguns conceitos de antemão, dado que o cristianismo é um sistema complexo repleto de termos específicos a ele. Para falar em cristianismo, é necessário falar em Jesus, doutrina, pecado, Bíblia, Evangelhos, Antigo e Novo Testamento e até em judaísmo e politeísmo. Assumindo que nem todo leitor seja profundamente familiarizado com cada um desses termos, será esclarecido, em medida necessária, o que eles significam. Detalhar esses termos ajudará a organizar o conhecimento que será articulado posteriormente. O cristianismo é uma religião abraâmica-monoteísta baseada nos ensinamentos e na vida de Jesus de Nazaré. Isso significa que os cristãos acreditam num único deus, o mesmo conceito de deus proposto pelo profeta Abraão no entorno do segundo milênio antes de Cristo, na região da Mesopotâmia, correspondente ao atual Iraque, Kuwait e Síria. Esse é o deus cujo nome se escreve com letra maiúscula na norma culta da língua portuguesa. Os aderentes do cristianismo denominam-se “cristãos” e acreditam que Jesus é o filho de Deus que veio à Terra e morreu na cruz como sacrifício para lavar os pecados da humanidade, cumprindo a lei do Antigo Testamento e estabelecendo então um novo convênio entre Deus e a humanidade. A doutrina cristã se baseia na Bíblia, um livro que reúne diversos livros, de diversos autores, de diferentes locais no entorno do Oriente Médio entre os séculos I e IV. Os textos que compõem a Bíblia são considerados sagrados pelas autoridades cristãs bem como por cristãos do mundo todo. O livro divide-se em duas grandes partes: o Antigo e o Novo Testamento. Ambos descrevem, por meio de histórias, mandamentos e leis, o tipo de relação que os indivíduos devem buscar

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 221 estabelecer com Deus. A literatura bíblica demonstra, diversas vezes, a palavra de Deus vindo por intermédio de um homem, como foram Abraão, Noé e Moisés. Para os cristãos, o mais importante homem a trazer a palavra de Deus foi Jesus Cristo. O cristianismo não foi uma religião criada por Jesus, mas sim pelos seus apóstolos. Jesus, na verdade, era judeu. E esse é um ponto que cria muita confusão entre não-estudiosos. Pergunta- se: “como pode o cristianismo ser legítimo se Jesus era judeu?”. Essa pergunta é respondida elucidando um ponto importante: o judaísmo é uma religião que prevê a vinda de um Messias. As escrituras judaicas descrevem detalhadamente, repetidas vezes, a vinda de um Messias, um homem que viverá uma vida específica, sofrida, e que através dele se estabelecerá um novo convênio entre Deus e os homens. O cristianismo surge a partir do entendimento de que Jesus é o Messias descrito nas escrituras judaicas. O cristianismo, portanto, se desenvolveu a partir do judaísmo. É por esse motivo que as escrituras judaicas estão na Bíblia cristã sob o nome “Antigo Testamento”. A palavra “testamento” significa “pacto” ou “aliança” em hebraico. O Antigo Testamento é o livro que descreve o pacto entre Deus e a humanidade no período anterior a Jesus Cristo. Depois de Jesus, no entanto, o pacto muda. Estabelece-se um novo pacto. “Porque se criou um Novo Testamento? O que tinha de errado com a Antigo?” Descrever a diferença entre o Antigo e o Novo Testamento é descrever as diferenças fundamentais entre o judaísmo e o cristianismo. O Antigo testamento é a doutrina religiosa judaica. Tudo que está nele é Lei. Para os judeus, o Antigo Testamento é a verdadeira Bíblia. Já o cristianismo acredita que Jesus trouxe uma nova Lei, uma evolução, uma atualização, uma renovação da Lei antiga. Segundo a tradição judaica, o Antigo Testamento foi estabelecido entre Deus e o povo de Israel após Deus libertá-los da escravidão no Egito. Moisés, o líder dos judeus, foi o mediador dessa aliança, e recebeu a palavra de Deus sobre o monte Sinai, levando-a então aos judeus. Deus, segundo Moisés, disse que os judeus seriam seu povo escolhido (Êxodo 6:6-7), e que Ele faria misericórdia àqueles que o amassem e guardassem seus mandamentos (Êxodo 20:6). Deus então prescreveu seiscentos e treze mandamentos que os judeus deveriam observar, tocantes a todos os aspectos da vida humana. Especificaram-se práticas religiosas, sociais, comportamentais, alimentares, sexuais e até higiênicas. Esses mandamentos estão presentes na tradição judaica até hoje, e são chamados de mitzvot. Mitzvot podem ser positivos ou negativos, ou seja, atos que devem ser praticados ou abdicados. Moisés transmitiu esses mandamentos aos judeus, e desenvolveu-se então uma doutrina dogmática que estabelece como seres humanos devem venerar Deus e entender e interagir com o divino. No entanto, os livros do Antigo Testamento contam as muitas dificuldades dos judeus de cumprir todos os mandamentos, e os duros castigos recebidos por desobedecê-los. Para tratar dessa questão então, Deus estabeleceu um sistema de pagamento de pecados. A forma de redimir os pecados cometidos seria através de um sacrifício animal. “Mas porque um animal? O que o animal fez de errado?”. Justamente por não ter feito nada de errado é que o animal seria capaz de isentar os pecados do indivíduo. O raciocínio era: a pureza do animal

222 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 anula a impureza do pecado humano. O animal, geralmente um cordeiro, morreria no lugar da pessoa, renovando a união do indivíduo com Deus. Segundo a Lei, sem o derramamento de sangue a remissão dos pecados era impossível (Hebreus 9:22). Esse sistema de pagamento em sangue foi um prelúdio do sacrifício de Jesus no Novo Testamento, onde Jesus morreu, semelhante ao cordeiro, para pagar pelos pecados da humanidade. O Novo Testamento se baseia na premissa de que Jesus é o Messias do Antigo Testamento. Segundo o Novo Testamento, Jesus foi o filho de Deus que veio à Terra para trazer a palavra de seu Pai. Através da morte de Jesus, estabeleceu-se um novo convênio, uma nova Lei divina. A morte de Jesus é um evento particularmente relevante à crença cristã. Entende-se que a morte de Jesus foi necessária para que se estabelecesse a nova Lei. Para entender a significância da morte de Jesus, é necessário entender a história que se atribui a sua vida. A literatura que organiza a vida de Jesus Cristo chama-se os “Evangelhos”. Evangelho é uma palavra de origem grega que significa“boa notícia”. Por isso costuma-se encontrar a colocação “O Evangelho segundo Lucas”, pois é o relato de Lucas a respeito da vida de Jesus Cristo. Existem quatro principais Evangelhos que relatam o nascimento, a vida, a morte e a ressureição de Jesus. Esses são os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João. Esses quatro livros foram escritos por autores diferentes, em anos e locais diferentes, e recontam, majoritariamente, as mesmas histórias, havendo certas discrepâncias como por exemplo nomes, lugares, falas ou a temporalidade de certas ocorrências. Segundo os Evangelhos do Novo Testamento, Jesus nasceu em Israel na cidade de Belém. Seu nascimento é narrado como um milagre, tendo sido concebido por Deus no corpo de uma mãe ainda virgem, a Virgem Maria. Judeu por nascimento e por religião, ele observava os mandamentos, orando e estudando as escrituras judaicas. Consciente de que era o Messias, peregrinou a região da Palestina ao atingir a maturidade, e fez discípulos que o ajudaram na sua missão, de estabelecer a nova Lei. No episódio conhecido como o Sermão da Montanha (Mateus 5), Jesus prega a nova lei de Deus, reiterando as Leis judaicas, dizendo: “ouviste o que foi dito aos antigos […] Eu, porém, vos digo” (Mateus 5:21-44). No Sermão da Montanha, Jesus edita as judaicas. Atribui-se a Jesus, também, um novo mandamento: “um novo mandamento vos dou: que ameis uns aos outros” (João 13:34). Segundo o Novo Testamento, Jesus tinha poderes: comunicava-se diretamente com Deus e realizava milagres. Curou aleijados, cegos, multiplicou pão, peixe e até ressuscitou mortos. Por onde passava, demonstrava o poder e a benesse de Deus, acudindo aos que mais precisavam. Viveu uma vida perfeita, sem pecados (João 8:46) e por esse motivo tornou-se o “cordeiro de Deus”, o sacrifício perfeito cujo sangue seria capaz de lavar os pecados de toda a humanidade. O conflito na história de Jesus acontece quando ele passa a ser contestado por judeusque acusavam-no de ser um falso-Messias. Ele tornou-se causa de ira ao colocar-se em posição de igualdade com Deus, dizendo: “Eu e o Pai somos um” (João 10:31-42). Sua mensagem não foi bem recebida por autoridades religiosas e políticas locais, persuadindo Pôncio Pilatos, o então governador da província romana da Judeia, a condená-lo à morte. Jesus entregou-se

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 223 voluntariamente, consciente de que seu sacrifício era necessário a sua missão divina. Segundo as escrituras cristãs, Jesus foi humilhado, torturado e pregado à cruz, como eram executados os criminosos no Império Romano. Porém, três dias após morrer, ele ressuscitou e comunicou- se com os apóstolos. Jesus instruiu os apóstolos sobre o que deveriam fazer em sua ausência e, finalizando seus deveres messiânicos, ascendeu aos Céus em forma física para morar eternamente ao lado de seu Pai, Deus. O Novo Testamento tem raízes no judaísmo, porém deu origem a uma crença amplamente diferente. Segundo o Novo Testamento, Jesus nunca quebrou a Lei do Antigo Testamento. Jesus, porém, transgrediu o que seus contemporâneos interpretavam como a Lei. Por exemplo, Jesus defendeu que uma mulher acusada de adultério não fosse apedrejada, em João 8:7. Em mais de um momento, Jesus não observa ao Sábado da mesma forma que seus contemporâneos, como por exemplo em Marcos 2:27. Existem mais diferenças entre o pensamento cristão e o judaico. O cristianismo entende que a morte de Jesus tornou a salvação divina possível para todas as pessoas, fazendo dela uma religião que aceita todos os povos, diferente do judaísmo, cujos aderentes devem nascer em Israel ou serem filhos de mães judias. O cristianismo também não incorpora os mitzvot do Antigo Testamento, ignorando, por exemplo, restrições alimentares, feriados e rituais como sacrifícios animais e a circuncisão. O cristianismo pode ser entendido como uma evolução do judaísmo, não no sentido de melhora, mas no sentido de adaptação. O cristianismo rompeu a maneira cruenta pela qual os judeus lidavam com o pecado, adotando um modo mais brando e simbólico. O sacrifício passou a ser um ritual simbólico, acontecendo no domínio do imaginário. Pecados não eram mais pagos em sangue, e sim lembrando do sangue que foi derramado. Não seria mais necessário realizar um sacrifício literal, mas apenas rememorar o sacrifício de Cristo. Nas igrejas, o sacrifício de Jesus é lembrado pelo ritual da Eucaristia, onde pão e vinho são consumidos como metáforas do corpo e sangue de Cristo, elementos mais brandos que o sangue de um animal imolado. Apesar de ambas religiões acreditarem no mesmo conceito de deus, a maneira pela qual se estabelece uma relação com esse deus é diferente. Existem diferenças e semelhanças entre o Antigo e o Novo Testamento, mas para os fins dessa pesquisa, é mais importante entender a relação que existe entre eles. O Antigo Testamento descreve as dificuldades da nação de Israel em cumprir as leis de Deus; já o Novo Testamento descreve Jesus cumprindo a lei de Deus pela humanidade. O Novo Testamento é ligado ao Antigo Testamento, pois foi obedecendo à Lei judaica que Jesus pôde cumprir seu papel como Messias. O Novo Testamento mostra, repetidas vezes, Jesus reconhecendo o Antigo Testamento, nascendo sob a Lei (Gálatas 4:4), sendo perfeito sob a Lei (João 8:46) e cumprindo a Lei (Mateus 5:17), possibilitando então um novo convênio divino. Ainda que o judaísmo não reconheça a doutrina cristã, o cristianismo ao invés de rejeitar a doutrina judaica, a incorpora. Em certa medida, o cristianismo apropria-se da tradição judaica para enraizar e legitimar sua própria doutrina. Para a doutrina cristã, o Antigo Testamento é datado e não-vigente, porém contextualiza as circunstâncias sob qual o Novo Testamento se estabeleceu.

224 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 3 INÍCIO DO CRISTIANISMO: OS APÓSTOLOS E O STORYTELLING

O início da igreja cristã como um movimento organizado se deu semelhante à forma como se dão muitos empreendimentos. Raramente o autor de uma criação é também o responsável por propagar o conhecimento da mesma. Criadores geralmente não são os principais divulgadores de suas obras. Autores, por exemplo, escrevem livros, mas a divulgação, distribuição e venda dos mesmos acontece principalmente por meio de terceiros. Um exemplo mais antigo, tocante ao assunto de religiões, é o surgimento do monoteísmo. Há motivo para acreditar que o monoteísmo judaico se baseia numa ideia que surgiu em outro lugar, em outro momento. O livro Moisés e Monoteísmo (FREUD, 2006) argumenta a dependência do monoteísmo judaico no episódio monoteísta egípcio. Conta-se que Moisés, um membro da elite egípcia que posteriormente tornou-se líder do povo judeu, se aproveitou da criação do faraó egípcio Akhenaton. Akhenaton foi um faraó egípcio do século XIV a.C. que tentou implantar uma religião monoteísta no Egito, e que acabou não dando certo. Akhenaton foi pai do famoso faraó Tutancâmon. Diferente do filho, Akhenaton foi morto e sua memória foi quase inteiramente apagada. O livro de Freud relaciona os dados históricos de Akhenaton com os de Moisés, e traça paralelos de forma a concluir que o pensamento que surgiu com Akhenaton foi retomado, posteriormente, por Moisés. Acredita-se que Moisés aplicou a proposta de Akhenaton para as tribos israelenses, concluindo, portanto, que a religião judaica é fruto da aplicação, em outras condições, e para outro povo, da invenção de Akhenaton. Historicamente, o momento de insurgência de um novo pensamento tende a ser alheio ao momento de divulgação do mesmo. Semelhante foi o caso de Jesus. Jesus foi responsável pela insurgência de um novo pensamento, porém não foi ele o responsável por erguer uma igreja amplamente conhecida no mundo inteiro. A igreja formou-se e tornou-se conhecida após sua morte, e ao longo de gerações, por empenho de indivíduos que propagaram suas ideias. A Jesus atribui-se o surgimento de uma filosofia, uma doutrina, um pensamento inédito. Porém, uma vez que o pensamento surgiu, ele saiu de suas mãos e foi apropriado por terceiros, que empreenderam suas ideias e fundaram uma igreja. A religião cristã, da forma que é conhecida hoje no ocidente, é fruto da aplicação, em outras condições, e para outro povo, da invenção de Jesus. Existiram muitos empreendedores do cristianismo: os primeiros foram os onze apóstolos e, em seguida, Paulo de Tarso.

3.1 Os apóstolos: a cultura do Storytelling no início do Cristianismo

A importância dos apóstolos para a formação e a divulgação do cristianismo foi fundamental. Os apóstolos foram os primeiros cristãos. Foram eles os primeiros a contarem histórias sobre Jesus, dando origem a uma cultura oral que perpetuou sua memória no mundo. Sem os apóstolos, a

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 225 chama do cristianismo provavelmente teria se esvaído após a crucificação de Jesus. Não havia muitas pessoas na província romana da Judéia que acreditavam que Jesus tinha ressuscitado dentre os mortos e sido elevado aos céus por Deus (EHRMAN, 2012). Os que compartilhavam dessa crença eram apenas os onze apóstolos e mais algumas pessoas adjacentes, como Maria Madalena e a Virgem Maria. Eram ao todo, possivelmente, vinte adeptos da crença de que Jesus fosse o Messias judeu (EHRMAN, 2012). No entanto, foram essas poucas pessoas as responsáveis por propagarem essa crença. Do ponto de vista bíblico, pode-se fazer um bom argumento de que o cristianismo começou quando Jesus, após ressuscitar, disse aos apóstolos para “fazer discípulos de todas as nações […] ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho mandado” (Mateus 28:19-20). Segundo a Bíblia, foi essa ordem que motivou os apóstolos a articularem um movimento cristão. O primeiro relato da expansão do cristianismo se encontra no livro dos Atos, um livro que conta o que os apóstolos fizeram após a morte de Jesus. As histórias desse livro sugerem de que maneira os apóstolos possivelmente convertiam pessoas ao cristianismo no contexto desse mundo antigo. O primeiro episódio de conversão ao cristianismo de que se tem dado ocorreu no dia de Pentecostes, durante um festival judeu, quando um grupo de cento e vinte cristãos estavam reunidos à espera do Espírito Santo, conforme Jesus havia profetizado cinquenta dias anteriores. Foi quando, “de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso […] e todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (Atos 2:4). Atraídos pelo barulho e pela comoção, ajuntou-se uma multidão de judeus de diferentes nações, presentes para o festival, e pasmaram ao ouvir suas respectivas línguas sendo faladas pelos galileus. Foi então que o apóstolo Pedro pregou diante da multidão e “foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase três mil almas” (Atos 2:41). No próximo capítulo relata-se outra conversão, ainda maior. Um coxo estava à porta do templo de Jerusalém pedindo esmolas, até que passaram por ele os apóstolos Pedro e João. Sem dinheiro para dar, Pedro ofereceu algo melhor ao coxo, dizendo: “levanta-te e anda” (Atos 3:6). Milagrosamente, o coxo estava curado e o povo celebrou o milagre, inspirando Pedro a pregar. Ajuntou-se uma multidão para ouvir sua pregação e ao final do episódio haviam sido convertidas cinco mil pessoas (Atos 4:4). O livro dos Atos é repleto de conversões que, no geral, seguem o mesmo formato: os apóstolos faziam milagres, multidões se ajuntavam, e os apóstolos então pregavam às multidões convencendo àqueles fora do cristianismo a se converterem e, consequentemente, abandonarem suas religiões anteriores. Independente da veracidade dos milagres, esses relatos são relevantes pois ilustram o imaginário cristão. Associam-se aos apóstolos muitos milagres, e é difícil atestar a legitimidade histórica dos milagres, porém não das pregações. As pregações são um traço consistentemente relatado na história do cristianismo, tanto em fontes cristãs quanto não-cristãs. Os líderes cristãos parecem, ao que tudo indica, terem sido grandes oradores. O que publicitários hoje descrevem como “a arte de contar histórias”, cristãos vêm aperfeiçoando há quase dois

226 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 milênios. O storytelling é a capacidade de cativar e encantar uma audiência através de uma história, e a literatura cristã indica que os apóstolos eram plenos detentores dessa habilidade. Os apóstolos foram os primeiros storytellers cristãos, os primeiros indivíduos a contar histórias sobre Jesus, dando origem a uma cultura oral que ajudou a propagar o cristianismo no Império Romano e construir sua reputação como uma religião milagrosa. O conceito que se tem hoje de cristianismo é amplamente diferente daquele que existia no início da era comum. No tempo dos apóstolos, por exemplo, não existia uma Bíblia. Não existia uma literatura que organizasse as crenças dessa religião. A tradição religiosa não era nem escrita, era falada. Não estava fixa, estava em permanente mutação. As correntes cristãs estavam se multiplicando e se diversificando. A doutrina cristã estava se hibridizando pelo Império Romano. Não existia, portanto, um conceito único sobre o que era o cristianismo, e sim vários, variando de região para região, cidade para cidade, igreja para igreja, congregação para congregação. Historiadores entendem que existiram vários “cristianismos”. Apesar de extensa, a Bíblia não engloba todos os “cristianismos” que já existiram. A Bíblia não reúne todas as crenças que já existiram acerca da doutrina cristã. A Bíblia, na verdade, surgiu de um esforço de reunir apenas as crenças mais consistentes e consonantes entre si. Existe toda uma literatura, chamada de “escrituras apócrifas”, de livros e documentos vetados da Bíblia. Antes de serem vetados, porém, eram fontes legítimas, aceitas nas igrejas e usadas para educar e converter fiéis. Essa literatura revela as várias formas que o cristianismo já tomou durante seus anos formativos. Muitas tradições, por exemplo o culto à Virgem Maria, são atribuídas às escrituras apócrifas. Encontram-se, na literatura apócrifa, também, muitos pontos de vista que não se mantêm hoje em dia. A divindade de Jesus é um desses temas que já sofreu diversas interpretações que não se mantém na igreja atual.

3.2 Como Jesus virou Deus: a Evolução do Storytelling Cristão

No mundo do Império Romano a noção de “divindade” era extensa e plural. Ela estava presente na política, na mitologia, na família, e em outras esferas da cultura. Não era um tema exclusivo da religião. Imperadores eram tradicionalmente reconhecidos como divindades após morrerem em reconhecimento de suas virtudes, e a eles eram atribuídos o título de divindades estatais (‘Divus’). No âmbito doméstico, ancestrais falecidos eram comumente cultuados e lembrados como “divindades familiares” na cultura politeísta tradicional do Império Romano. Havia também, nesse contexto, religiões como o judaísmo, que também compartilhavam de uma noção de divindade diferente daquela do cristianismo contemporâneo. Não era estranho aos judeus que existissem pessoas elevadas ao status de divindade. Em Salmos 45:6, Deus diz “o teu trono, ó Deus, é eterno e perpétuo [...]”. Deus está chamando o rei de Israel de Deus na própria Bíblia. Portanto, nesse contexto histórico e cultural, existiam algumas concepções a respeito da natureza de um ser divino.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 227 Para judeus e para romanos, seres divinos poderiam ser filhos de deuses com humanos, humanos que ascenderam ao plano do divino, ou então seres divinos descenderam para o plano terrestre, mantendo suas qualidades divinas (EHRMAN, 2016). Existe um campo de estudo chamado Cristologia que esclarece as diferentes interpretações sobre a natureza divina de Jesus. Investigam-se temas como a encarnação, a ressureição e as características humanas e sobre-humanas de Cristo, revelando como as crenças e a narrativa religiosa evoluiram ao longo dos anos. Essas mudanças são observadas comparando as fontes mais antigas com as fontes mais recentes. Os primeiros textos cristãos indicam crenças que divergem, em certos pontos, de textos posteriores. Conhecer as diferentes interpretações da doutrina cristã revela como as histórias cristãs tornaram-se mais convincentes e palatáveis às culturas nas quais foram introduzidas. Entender como a narrativa cristã mudou indica, de um ponto de vista publicitário, como a redação tornou-se mais comovente, emocionante e persuasiva. Para conhecer essa evolução, é necessário olhar para os primeiros autores cristãos. A literatura cristã começou com Paulo, que escreveu cartas que hoje compõem o cânone do Novo Testamento. As cartas de Paulo, também chamadas de epístolas paulinas, foram escritas no entorno do ano cinquenta d. C. Existem trechos das epístolas que aparentam citar o que historiadores chamam de “teorias pré-literárias” (EHRMAN, 2016), teorias anteriores às tradições escritas, baseadas no teor da cultura oral do primeiro século. Na primeira epístola aos Romanos, capítulo 1:3-4, Paulo parece citar uma teoria pré-literária. Paulo descreve Jesus como descendente “de Davi, segundo a carne, declarado Filho de Deus […] pela ressureição dentre os mortos [...]”. Essa descrição discrimina as qualidades humanas e divinas de Jesus. Descendente de Davi “segundo a carne”, filho de Deus “pela ressureição”. A divindade de Jesus é atribuída à ressureição. Acredita-se que esse trecho seja uma citação, e não as palavras do próprio Paulo, pois Paulo não compartilhava desse ponto de vista (EHRMAN, 2012). Paulo demonstrava, segundo as demais cartas, acreditar que Jesus já era filho de Deus antes mesmo da ressurreição. Estima-se, portanto, que esse trecho se refira a uma crença anterior a Paulo. Outro exemplo dessa crença está no livro dos Atos. Paulo novamente parece citar uma teoria pré-literária num sermão: “a promessa que foi feita aos pais, Deus cumpriu a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus”. Outra vez, a divindade de Jesus é atribuída à ressureição. Não à concepção, nem às obras em vida, mas especificamente à ressureição. “E qual é a significância teológica da ressureição? O que a ressureição de Jesus significa?” A ressureição de Cristo significa que ele foi elevado aos Céus, exaltado à condição de divindade. Ou seja, no momento em que se acreditou que Deus havia ressuscitado Jesus dentre os mortos, acreditou-se que Deus havia feito Jesus divino. Entendia-se que Deus, através da ressurreição, adotou Jesus (EHRMAN, 2016). Os primeiros cristãos, portanto, acreditavam que Jesus foi um ser humano que se tornou divino somente depois de morrer. A condição de divindade foi atribuída a Jesus somente após sua morte, não durante a vida. Como já mencionado, não era incomum, no mundo antigo, a noção de que uma pessoa pudesse tornar-se uma entidade divina. Essa prática se dava em decorrência

228 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 do reconhecimento das virtudes de um indivíduo, como uma homenagem, uma forma de honrar sua memória e manter viva sua lembrança. Não é, portanto, uma anomalia histórica que um influente profeta tenha sido lembrado por seus seguidores como uma figura divina após sua morte, pois a mesma prática acontecia com líderes políticos, imperadores, ancestrais e familiares falecidos naquela mesma época. É uma anomalia histórica, porém, que a memória de um influente profeta tenha evoluído e se tornado análoga à noção de Deus todo-poderoso e a figura religiosa central da igreja com mais adeptos do mundo. Cristãos posteriores acreditavam que Jesus já era Deus enquanto homem. Os Evangelhos de Mateus e Lucas, por exemplo, contam que Jesus nasceu de uma concepção divina, fecundado por Deus no útero de uma mãe virgem. Essa história, no entanto, não é ecoada no Evangelho de Marcos, o mais antigo dos evangelhos. Também não é citada nas cartas de Paulo, a mais antiga fonte do Novo Testamento. Portanto, a história do homem que se tornou Deus depois de morrer tornou-se a história do homem que já era divino antes mesmo de nascer. A maneira pela qual Jesus foi lembrado mudou ao longo dos anos. Isso aconteceu porque após sua morte, só restaram memórias. Suas atividades não foram registradas enquanto ocorreram. Seus sermões não foram transcritos ao vivo. O que restaram foram apenas memórias de pessoas que testemunharam o que ele fez e falou. E memórias são maleáveis, não são registros exatos. Memórias são sujeitas a mudanças de acordo com a lembrança do contador. E essas histórias tornaram-se relatos falados. E cada vez que um caso é contado oralmente a partir da memória, ele muda. As histórias do Novo Testamento circularam oralmente por cerca de quarenta a sessenta e cinco anos antes de serem escritas. Quando foram finalmente escritas, seus autores estavam registrando histórias baseadas nas memórias de pessoas que ouviram memórias de outras pessoas que, possivelmente, nem testemunharam os atos. É impossível, portanto, atestar a qualidade histórica das fontes orais, já que não se sabem os originais autores das histórias de Jesus. Foram apenas os apóstolos e as testemunhas oculares? Ou também foram outras pessoas? Pessoas que ouviram histórias também contavam-nas? Ouvintes de segunda mão também reproduziam as histórias que ouviam? E o teor das histórias se mantinham a cada vez que eram reproduzidas? É possível observar, por experiência própria, o quanto uma história pode mudar dentro de pouco tempo quando é repassada verbalmente. Quem dirá por meses, anos e décadas. Portanto, o Novo Testamento não é estimado como um registro exato do que aconteceu. A abundância de fontes que contam diferentes versões das mesmas histórias indica que as histórias cristãs se multiplicaram no mundo antigo. Se existem duas versões da mesma história, não é possível que ambas estejam corretas. Acadêmicos alemães da Universidade de Marburg como Martin Dibelius e Rudolf Bultmann acreditam que os ensinamentos de Jesus e as histórias atribuídas a sua vida foram grandemente alteradas, “melhoradas” e até inventadas por storytellers nos anos que antecederam a escrita dos Evangelhos. Eles argumentam que os conteúdos dos Evangelhos se baseiam grandemente nas tradições orais que circulavam (EHRMAN, 2018. p.62).

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 229 Não é arriscado deduzir que as histórias cristãs foram revestidas de milagres para tornarem-se mais intrigantes, fascinantes e atraentes aos não-cristãos. As histórias que apresentam Jesus como um ser absolutamente divino foram as mais duradouras na história. As que apresentam Jesus como mais humano foram deixadas no passado ou consideradas heresias. O caráter milagroso das histórias cristãs ajudou a construir a imagem de uma religião sobrenatural. A qualidade literária das histórias cristãs foi um fator importante para o sucesso da religião no Império Romano. As histórias cristãs têm estruturas narrativas semelhantes às lendas e mitos que as antecedem. Lendas são histórias que explicam a natureza da realidade e ensinam uma lição, uma moral, geralmente refletindo os valores e as virtudes de um povo. Elas tratam de verdades profundas sobre a experiência humana. Elas lidam com arquétipos. Arquétipos são símbolos universais. Na literatura, arquétipos se manifestam por personagens, relações ou situações que são exemplos absolutos de uma determinada espécie. Por exemplo, Jesus é um arquétipo de herói. Ele é uma amálgama de todas as coisas boas de todas as pessoas boas. Ele representa todas as virtudes possíveis em um único ser humano. Deus é um arquétipo de pai. A Virgem Maria é um arquétipo de mãe. A morte de Jesus é um arquétipo de sofrimento, tendo sido a pior punição possível pelas mais altas virtudes possíveis. As histórias cristãs não lidam com temas meramente cristãos. Elas lidam com temas humanos. A universalidade desses temas e a possibilidade de adaptação das histórias numa cultura oral permitiu que as tradições cristãs se fixassem em diferentes regiões do Império Romano. De um ponto de vista publicitário, os cristãos tinham grandes histórias que organizavam e apresentavam sua filosofia religiosa de maneira atraente, fascinante e superior às demais religiões, concorrentes com sua doutrina.

4 PAULO DE TARSO E A CULTURA DA CONVERSÃO

4.1 A Fidelização de Clientes, expansão de Market-Share e Propaganda Boca-a-Boca

O próximo grande agente do crescimento da religião cristã foi Paulo de Tarso. Paulo de Tarso foi famoso por ser um grande divulgador da religião cristã, e a ele se atribui a prática missionária de fazer novos adeptos à igreja, qualidade tão característica da igreja cristã contemporânea. Antes de Paulo, porém, não havia religiões, pelo menos das que se tem dados, que organizavam esforços para adquirir novos adeptos. A missão de fazer da igreja cristã a maior do mundo foi um dogma religioso proposto por Paulo. Também chamado de São Paulo Apóstolo ou Saulo, Paulo de Tarso foi um perseguidor de cristãos de origem judaica que se converteu ao cristianismo após ter uma visão de Jesus Cristo. A conversão de Paulo é, como a maioria das histórias bíblicas, uma história que envolve milagres. Segundo o livro dos Atos, Paulo foi abordado na estrada para Damasco pelo espírito de Jesus, que o indagou: “por que me persegues?” (Atos 9:4). Segundo o relato, Paulo foi

230 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 escolhido por Jesus para levar seu nome “diante dos gentios, e dos reis e filhos de Israel” (Atos 9:15). Essa citação é particularmente relevante, pois reflete com contundência a reputação que se consolidou acerca de Paulo como um divulgador do cristianismo entre os gentios. Paulo dedicou sua vida a erguer igrejas e divulgar o cristianismo pelo Império Romano. Suas epístolas não foram escritas com o intuito de serem publicadas, eram meras correspondências particulares entre ele e os líderes das igrejas que ele ajudou a erguer nas cidades por quais passou, como Corinto, Gálata, Roma e outras. O teor dessas correspondências era referente aos desafios que essas jovens igrejas enfrentavam. Como manterem-se fiéis a Cristo? Como resistirem à perseguição? Como responderem a duvidosos da divindade de Jesus? Essas correspondências apontam que Paulo empreendeu e divulgou o cristianismo extensamente no território do Império Romano. Historiadores atribuem a Paulo o caráter missionário do cristianismo. Esse é um atributo que diferenciava o cristianismo das demais religiões antigas. A missão de evangelizar e fazer novos adeptos foi uma característica distintamente cristã. Ainda que há evidência que cultos e rituais pagãos fossem praticados em grupos, não há evidência de esforços organizados para que isso acontecesse. O judaísmo também não era uma religião missionária. Existem relatos de conversões, porém não existem evidências que apontem a campanhas para que isso acontecesse. Religiões cresciam informalmente, à base do boca-a-boca, em círculos sociais e familiares. Por que então, cristãos queriam agregar estranhos a sua comunidade religiosa? Que motivo tinham para trazerem desconhecidos ao seu círculo? E se esse conceito não parece ter sido apropriado de religiões anteriores, de onde ele surgiu? É possível que o caráter propagandista do cristianismo tenha relação com a natureza de sua doutrina. Desde o início da literatura cristã, entendeu-se que Jesus sacrificou-se para pagar pelos pecados da humanidade. Acreditava-se que um dia de julgamento era eminente, em que Deus castigaria todos aqueles que não tivessem aceitado Jesus Cristo como Salvador. Paralelamente, o cristianismo se entendia como uma religião baseada no amor. Jesus foi lembrado por pregar o mandamento do amor, ensinando a amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como amas a si mesmo. Segundo o Sermão da Montanha, cristãos devem amar até seus inimigos e perseguidores (Matheus 5:44). Um cristão que ama o próximo naturalmente desejará a salvação da alma do próximo. Afinal, que tipo de amor é possível sem desejar a salvação de sua alma? É possível realmente amar o próximo e permitir que ele enfrente o castigo eterno do inferno? Essa linha de questionamento moral faz a conversão ao cristianismo condição necessária para amar o próximo. Os cristãos então, começando por Paulo, tornaram-se missionários, convencidos de que haviam de converter o mundo inteiro. Paulo fundou o pensamento de que é dever do cristão converter não-crentes a sua religião. Ambos, o judaísmo e o cristianismo foram minorias discriminadas e perseguidas, no entanto o cristianismo, diferente do judaísmo, tornou-se eventualmente maioria.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 231 4.2 Politeísmo versus Cristianismo: diferenciação da Concorrência e a Exploração de uma demanda não Explorada

Os eventos discutidos até o momento ocorreram predominantemente no entorno da província romana da Judéia, região de longa herança judaica e majoritariamente habitada por judeus. No entanto, no restante do Império Romano, quase não havia judeus, fazendo da Judéia uma região que não era representativa do Império Romano como um todo. Pelo menos não em termos religiosos. As práticas religiosas no restante do Império Romano eram amplamente diferentes das da Judéia. Portanto, para entender como um povo majoritariamente alheio ao cristianismo tornou-se cristão, é necessário entender o contexto religioso do Império Romano mais amplamente. “Quais eram as crenças religiosas dos romanos?”. O Império Romano era majoritariamente politeísta. Isso significa que se acreditava na existência de vários deuses. Ao contrário do que o nome pode sugerir, o politeísmo não era exatamente uma religião. O politeísmo eram várias religiões. Era, na verdade, mais um modus operandi, onde crenças religiosas não eram exclusivas entre si. Existiam várias crenças sobre vários deuses. Não era um sistema fechado e unificado. Cada indivíduo, família, vila, cidade, exército veneravam seus próprios deuses, agregando ou descartando práticas conforme bem entendiam. A ideia de conversão religiosa, portanto, não existia no mundo antigo. Isso é porque num contexto politeísta, a crença num deus não implica na descrença em outro. Já o monoteísmo, por outro lado, prevê exclusividade. O cristianismo implica o abandono da crença em qualquer outra divindade em favor de um único deus todo-poderoso. Portanto, para um romano tornar- se cristão, era necessário deixar de ser politeísta. Em outras palavras, cada novo cristão era, necessariamente, um politeísta a menos. A introdução desse novo pensamento produziu uma relação interessante entre esses dois universos no Império Romano. A diferença dos pressupostos teológicos de cada grupo suscitou em negociações entre os dois modos de pensar. Portanto, a pergunta relevante é: como os cristãos persuadiam os politeístas? Essa pergunta é particularmente relevante sob um ponto de vista publicitário, na medida em que ela indica que vantagens o cristianismo oferecia sobre o politeísmo. Por que motivos um politeísta gostaria de tornar-se cristão? Entender as respostas a essa pergunta esclarece como um povo majoritariamente politeísta eventualmente tornou-se majoritariamente cristão. Todo potencial adepto de uma religião já, muito provavelmente, carrega suas próprias convicções teológicas. É, portanto, necessário estabelecer pontos comuns entre ambos os pontos de vista. É necessário que haja o mínimo de concordância entre as duas posições para que haja um diálogo. No entanto, para converter alguém, é necessário suplementar os pontos comuns com pontos que comprovam a superioridade da posição A sobre a posição B, pontos que apoiam a vantagem da posição A sobre a posição B. Portanto, para um cristão convencer um politeísta a tornar-se cristão, ele deve, além de concordar com o politeísta

232 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 em primeira instância, apresentar também argumentos convincentes de que o deus cristão é superior aos deuses pagãos. Porém, esse segundo estágio jamais é atingido sem que haja uma concordância em primeira instância. Portanto, o sucesso do cristianismo não se atribui apenas ao que o cristianismo trouxe de novo e inédito ao cenário religioso, mas particularmente ao que ele já tinha em comum e reforçava nas crenças da tradição romana. Uma dessas crenças, comuns a cristãos e politeístas, era a noção de que havia um deus todo-poderoso. Ainda que num contexto politeísta, não era estranho pensar que havia um deus acima dos demais. Algumas correntes politeístas já haviam estabelecido esse ponto de consonância com o judaísmo. Muitos teóricos levantam a hipótese de que a presença do judaísmo no Império Romano facilitou a instalação do cristianismo, pois os pagãos já eram atraídos a certos aspectos do judaísmo; a comunhão semanal, o senso de pertencimento a uma comunidade e o rigoroso código ético observado pelos judeus eram alguns desses (EHRMAN, 2018, p.111). Porém, havia ainda grande estranhamento às demais práticas judias como: a circuncisão, as restrições alimentares de comidas perfeitamente normais aos não-judeus, o fato de não trabalharem aos sábados, o fato de serem estranhamente reservados, não participando de festivais, feriados e celebrações populares, eram algumas delas. E é possível que todas essas peculiaridades fizeram do cristianismo uma religião mais atraente para os romanos, ao lado do judaísmo. Os cristãos não circuncizavam seus bebês, não tinham restrições alimentares e não guardavam o sábado. No entanto acreditavam exclusivamente num deus todo-poderoso, tinham sua própria comunidade e observavam altos padrões morais. Em outras palavras, os cristãos tinham tudo que os romanos achavam atraente no judaísmo e bem menos motivos para repudiá-lo. O fato é que a noção de um deus todo-poderoso era comum entre cristãos e politeístas. A crença num deus todo-poderoso era crescente no Império Romano. Não era incomum acreditar que os vários deuses da mitologia representavam, na verdade, as características individuais de um deus maior, absoluto, todo-poderoso. Sol Invictus e Theos Hypsistos são exemplos de deuses todo-poderosos existentes na tradição romana que vinham ganhando popularidade religiosa e filosófica. O imperador Constantino, que eventualmente converteu-se ao cristianismo, era um firme venerador do deus Sol Invictus. Entende-se que sua inclinação monoteísta surgiu a partir da veneração desse deus pagão. Portanto, cristãos e politeístas concordavam quanto à existência de um deus todo-poderoso. Porém, quando cristãos falavam em um deus todo- poderoso, havia um pressuposto que os politeístas não supunham: a exclusividade da fé. Era condição particular do cristianismo abrir mão da crença em demais entidades para venerar o deus cristão. Os cristãos reservavam sua fé com exclusividade, não reconhecendo a divindade de nenhum outro deus além do deus cristão.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 233 4.3 Monoteísmo e exclusividade: a importância do Brand Loyalty

E foi, sobretudo, o pressuposto da exclusividade que fortificou a expansão do cristianismo no Império Romano. Além de ser a única religião missionária da antiguidade, o cristianismo era também a única religião exclusiva, além do judaísmo. Houvesse sido uma religião apenas missionária, mas não exclusiva, o politeísmo permaneceria forte sem grandes riscos. Os politeístas simplesmente cultuariam Cristo assim como cultuavam Júpiter, Apollo, Isis e outros. E houvesse sido apenas monoteísta, mas não missionária, o cristianismo teria se confinado a pequenos círculos, sem massas de aderentes, como era o judaísmo (EHRMAN, 2018, p.125). No entanto, a combinação de exclusiva e missionária foi o que garantiu a expansão sem precedentes da religião cristã. Não subitamente, da noite para o dia, mas progressivamente, década após década. E à medida que o cristianismo crescia, o paganismo invariavelmente encolhia. Cada novo cristão era, necessariamente, um pagão a menos. O cristianismo era a única religião que estava estatisticamente dizimando as outras. À medida que a igreja cristã crescia, o mundo pagão encolhia. Outro aspecto que diferenciava o cristianismo das demais religiões do Império era o caráter holístico que ele tomava na vida do crente. Aderir ao cristianismo não significava apenas participar de rituais, como era o caso das religiões politeístas. As religiões romanas eram imensamente centradas no rigor das práticas rituais. A moralidade não era central à religião, e sim o ritual. Já para os cristãos, ainda que rituais como o batismo, a comunhão e as rezas fossem importantes, elas eram manifestações isoladas de uma crença maior. O cristianismo compreendia um código ético, um modo de pensar, uma filosofia de vida, assim como um conjunto de histórias sobre o passado. O cristianismo era um modo de ser que englobava a totalidade da vida do indivíduo.

4.4 Aspectos atraentes do Cristianismo: qual sua Proposta de Valor?

É levantado que uma das principais razões pelas quais pagãos se convertiam ao cristianismo era pela atração ao senso de comunidades que percebiam nas igrejas (DODDS, 1965, p.137- 38). Religiões pagãs, no geral, não tinham dimensão social. Por mais que alguns rituais fossem praticados em público, não havia comunhão entre os praticantes. Já o cristianismo era diferente. Semelhante aos judeus, uma vez por semana os cristãos se reuniam para praticar sua religião em grupo. Naturalmente, eles formavam laços entre si, e isso chamava a atenção dos pagãos. Tornar-se cristão significava ir à igreja. E a igreja não era um lugar físico. Não havia edifícios para a prática exclusiva do cristianismo até o ano 250 d. C A igreja, ao invés de um lugar, era uma comunidade. Uma comunidade fortemente unida, como um núcleo familiar, onde os membros se apoiavam e se reconheciam como “irmãos” e “irmãs” liderados por um “pai”.

234 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Igrejas cristãs proviam suporte moral e material para seus membros e até mesmo não- membros, o que era altamente atraente aos não-cristãos. Esse ponto de vista é reforçado pelo único imperador não-cristão após Constantino, Juliano o Apóstata. Juliano haveria abandonado a fé cristã na qual foi criado e tentado reconverter o império ao politeísmo em 362 d. C, poucos anos antes do cristianismo se oficializar como a religião estatal. Em uma de suas cartas, Juliano lamenta o êxito do cristianismo e reconhece suas virtudes, atribuindo o apoio comunitário oferecido pela igreja como motivo de sua popularidade, alegando ainda que eles, os politeístas, deveriam copiar os cristãos para que seu movimento religioso também se popularizasse. Nessa citação Juliano se refere aos cristãos como “ateus” e “galileus”: “Não é óbvio que é a benevolência aos estranhos, os cuidados pelo túmulo dos mortos e a falsa santidade de suas vidas que mais tem ajudado a crescer o movimento dos ateus? É uma desgraça que enquanto nenhum judeu tem de pedir esmolas e que enquanto os galileus ajudam não só os pobres entre eles quanto entre os nossos, que todos vejam o quanto nosso povo carece de cuidados da nossa parte?” (JULIANO apud WRIGHT, 1923, p. 69).

5 CONSTANTINO, O PRMEIRO IMPERADOR CRISTÃO

5.1 Uma Parceria com o Estado e um Influencer de Expressão

Poucos foram os eventos na história da civilização mais transformadores que a conversão do imperador Constantino ao cristianismo em 312 . Não foi Constantino quem passou legislação para tornar o cristianismo a religião oficial do Estado, mas foi a conversão de Constantino que promoveu a mudança radical na relação que o Estado, até então, tinha com a religião. O estado que se opunha, perseguia e coordenava esforços para eliminar essa religião de seu território passou a apoiar, proteger e promovê-la. Constantino abriu as portas para o cristianismo fazer morada no Império Romano, descriminalizando-a, através do Édito de Milão em 313. Além de lícita, a religião passou a gozar de privilégios e financiamentos de ordem imperial. A religião que, por conta própria, já vinha ganhando popularidade passou a ter um poderoso parceiro: o Estado. O governo de Constantino representa um momento de transição: o início da cristianização do império. Essa foi uma consequência particularmente inesperada, pois não somente o cristianismo foi ilegal durante os 250 anos anteriores como também se acreditava que a morte de Jesus tinha acontecido por culpa do Estado. Para mais, o cristianismo ainda era agudamente dissonante do politeísmo, a forma de religião mais praticada no Império Romano. O crescimento do cristianismo era subversivo às tradições e costumes romanos, porém, a partir da conversão de Constantino à religião passou a ser tolerada, depois favorecida e eventualmente oficializada como a religião oficial e quase única do Império.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 235 A literatura histórica sugere que por muitos anos Constantino teve anseios a uma fé monoteísta, tanto por influência do pai que venerava o deus Sol Invictus, ou pela mãe que supostamente foi uma cristã devota. Porém o momento específico da conversão de Constantino atribui-se aos eventos que aconteceram no contexto da Batalha da Ponte Mílvia, em 312 . Essa foi uma disputa autoritária entre os imperadores Constantino e Maxêncio. Constantino havia assumido o poder sob um sistema chamado “Tetrarquia”, implementado por Diocleciano. A Tetrarquia era um reino de quatro partes. Havia quatro co-imperadores, cada um responsável por uma região do Império. Maxêncio, o filho de um ex-imperador, assumiu o controle de Roma através de um golpe. Os imperadores legítimos Galério, Severo e Constantino consideravam Maxêncio um usurpador e estavam em acordo para removê-lo. No entanto, Galério e Severo, que optaram por guerra civil, invadiram Roma com suas tropas e foram rendidos e assassinados. Observando as derrotas, Constantino decidiu não se envolver em guerra civil. Durante seis anos apenas cuidou da sua região no norte do império enquanto recebia informações de Roma aguardando o momento certo para atacar, até que em 312 ele acreditou que esse momento havia chegado. Percebendo que os adversários anteriores de Maxêncio foram derrotados lutando em nome de vários deuses, Constantino estava, mais do que nunca, buscando um deus mais forte que os demais para favorecê-lo em batalha. O modo politeísta parecia não produzir vitórias contra Maxêncio. Foi então na véspera do ataque sobre Roma que Constantino teve revelações transcendentais que o levaram a converter-se ao cristianismo. Segundo o historiador e biografista Eusébio de Cesareia, Constantino e seu exército marchavam em direção a Roma quando avistaram no céu um símbolo que consistia das letras “X” e “P” do alfabeto grego, pronunciadas “Chi” e “Ro” as duas primeiras letras do nome “Cristo” em grego. As letras formavam um cristograma, um símbolo que representa Jesus, semelhante a uma cruz com um círculo no topo. Acompanhado do símbolo, havia a inscrição em latim: “In hoc signo vinces”, “com este símbolo vencerás”. Mais tarde, no dia, o imperador teve um sonho onde Jesus apresentou-lhe o símbolo que aparecera no céu e disse-lhe que esse símbolo o protegeria em batalha. No dia seguinte, Constantino ordenou que pintassem o símbolo nos escudos de seus soldados e consequentemente foram para a batalha e emergiram vitoriosos. Constantino atribuiu a vitória ao deus cristão e passou a venerá-lo. “Que mudanças então a conversão de Constantino suscitou no Império Romano?” A conversão de Constantino fez com que a vida da igreja se entrelaçasse com a vida do Estado. O Estado romano passou a apoiar e influenciar a igreja, assim como a igreja passou a influenciar e apoiar o Estado. A relação produzia resultados interessantes para ambos os partidos. Constantino estava interessado em estabilidade política, e a igreja cristã, em expandir seu número de adeptos. Para Constantino, a igreja cristã parecia uma boa ferramenta para promover hegemonia cultural, o que facilita, em qualquer sociedade, a estabilidade política. Era de interesse do Estado ter uma organização religiosa parceira promovendo a semelhança de pensamento entre os cidadãos do

236 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 império. E também era de interesse da Igreja ter o Estado como parceiro, apoiando, patrocinando e protegendo sua missão de divulgar o evangelho e fazer novos adeptos. Portanto, o Estado e a Igreja entraram em parceria. O Estado articulou esforços para instalar a igreja cristã no império romano, utilizando legislação, infraestrutura e influência para instituir uma entidade religiosa que propiciasse unidade civil. A primeira legislação que facilitou a instalação do cristianismo no império foi o Édito de Milão em 313. O Édito de Milão foi uma das primeiras propostas de Constantino após assumir posse de Roma. Essa legislação rescindia os termos da perseguição aos cristãos proposta por Diocleciano, o antecessor de Constantino. A legislação, também conhecida como o édito da tolerância, proclamou a tolerância religiosa no império, descriminalizando o cristianismo, bem como outras religiões, legitimando os cidadãos cristãos perante a lei. Esse édito nulificou os castigos contra a prática pública do cristianismo, sob quais muitos haviam sido martirizados no passado. Finalmente os cristãos haviam sido admitidos como cidadãos legítimos do Império Romano. Para mais, em sete de março de 321, Constantino oficializou o domingo, o dia sagrado para os cristãos, como um dia destinado ao descanso para todos os cidadãos, em que o comércio e instituições públicas não funcionariam (CARSON, 1999, p. 298). Além de legislação, Constantino concedeu muitos bens materiais, financeiros e autoridade política para a igreja cristã. O imperador encomendou a construção de capelas, templos, nomeou autoridades religiosas de grandes áreas metropolitanas governadores, isentou as igrejas de pagarem certos impostos e devolveu propriedades confiscadas no tempo das perseguições. As basílicas de Latrão, do Santo Sepulcro e a antiga Basílica de São Pedro por exemplo, são algumas das construções encomendadas por Constantino (GERBERDING, CRUZ, 2004, p. 55-56). A religião que antes era sem matriz passou a ter infraestrutura, hospedando tanto a prática religiosa semanal quanto os membros do clero, facilitando o desenvolvimento e organização da Igreja. Em alguns casos, autoridades religiosas passaram a ser também autoridades civis, dispondo do poder, riqueza e influência de governadores (EHRMAN, 2016, p. 240). Apesar de tantas contribuições materiais, é possível que a contribuição mais transformadora de Constantino à igreja tenha sido ajudar a transformá-la numa instituição robusta e estruturada, tal como eram o exército e o Estado. Constantino ajudou a igreja a ganhar forma de empresa. É indispensável lembrar que até então o cristianismo operava numa condição de ilegalidade, o que dificultava o empreendimento de um projeto de Igreja. As igrejas eram fragmentadas, discretas e reclusas às suas próprias cidades. A igreja da cidade A não correspondia com a igreja da cidade B, e muitas vezes as crenças da igreja A divergiam das crenças da igreja B, mesmo que ambas se autodenominassem cristãs. Não havia uma unidade de pensamento, uma consonância em doutrina e uma relação oficial entre todas as igrejas cristãs do império. Constantino ajudou a unificá-las. Foi a partir de Constantino que as correntes cristãs se convergiram sob um único bloco religioso.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 237 O imperador desenhou uma organização política dentro da instituição religiosa para servir como estrutura governante sobre os assuntos da igreja. O imperador apontou os líderes das maiores igrejas do império para constituir essa organização, onde decisões eram promulgadas por voto dos constituintes. Ainda que raro, o imperador tinha autoridade para vencer o voto. Portanto, para todos os efeitos, Constantino era a autoridade máxima da Igreja Cristã. No entanto, o imperador tinha maior preocupação com a unidade entre as igrejas e a estabilidade política do império do que com questões teológicas. Para Constantino, mais importante do que as minúcias da doutrina era que todas as igrejas concordassem entre si sobre elas. Igrejas discordantes apresentavam um problema para o imperador. Igrejas discordantes dividiam o povo, e Constantino patrocinava a igreja para unificá-lo. Portanto, quando necessário, Constantino interveio e arbitrou questões puramente teológicas para fins políticos. Em 317 a igreja recorreu a Constantino para resolver uma disputa teológica. Uma corrente popular do cristianismo no Norte da África chamado Donatismo caiu em desacordo com outra grande igreja, suscitando num conflito sobre qual das duas era a legítima. Incapazes de resolver a questão entre si, recorreram ao imperador para arbitrar a disputa. Os Donatistas acreditavam que padres que haviam rendido escrituras cristãs ao Estado durante as perseguições deveriam ser considerados ilegítimos, e que deveriam, portanto, serem removidos de ofício. Constantino, líder militar e político, não particularmente estudado na doutrina cristã teve a autoridade para resolver esse impasse religioso de domínio exclusivo da igreja cristã. O fato de a igreja apelar ao imperador sobre uma questão de cunho puramente teológico demonstra a adaptação da igreja ao regime imperial, como a aceitação do imperador, por parte da igreja, como um árbitro religioso (FREEDMAN, 2012). Constantino também se envolveu, de forma semelhante, na controvérsia Ariana, uma controvérsia na igreja acerca do entendimento da relação de Deus e Jesus­. A corrente Ariana acreditava que Jesus era subordinado a Deus, posto que Deus havia gerado Jesus. Independente do teor teológico da discussão, o envolvimento do imperador nessa questão demonstra a adaptação da igreja ao governo imperial (FREEDMAN, 2012) e sua submissão à autoridade do imperador. Porém, Constantino não conseguiu, pelo menos não de forma definitiva, resolver as disputas Ariana nem Donatista. Ambas correntes continuaram a seguir suas convicções religiosas obstante ao juízo do imperador, e continuaram praticando suas religiões mesmo que consideradas hereges. Esses episódios demonstram que Constantino enfrentou dificuldades ao lidar com a religião pelo viés do Estado. O modo comum em que o imperador lidava com questões do tipo era: o imperador recebia uma petição, apontava uma bancada de árbitros, os árbitros chegavam a uma decisão e o imperador então comunicava essa decisão ao público. O problema, porém, era que muitas comunidades cristãs já estavam demasiadamente acostumadas a serem perseguidas, portanto ordens imperiais contra suas crenças religiosas não eram nada além da normalidade e eram, portanto, ineficientes em aboli-las. Mas ao invés de Constantino abandonar a religião em frustração, ele tornou-se ainda mais engajado na evangelização do império, legislando num viés ainda mais cristão. Chegado o ano

238 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 330, Constantino já não se portava mais como um imperador que tinha uma certa inclinação cristã, mas sim como um verdadeiro executor da missão da igreja (FREEDMAN, 2012). A partir desse ano, ele promulgou leis contra o adultério, contra o estupro, contra certos tipos de casamento, e contra condutas sexualmente promíscuas (BARNES, 1981, p. 219-220) – todas orientações a crimes sexuais repudiados com maior veemência pela doutrina cristã do que pela moral romana tradicional. Constantino favoreceu a igreja, bispos, decretou leis sugeridas pela igreja e ainda presidiu o primeiro conselho ecumênico da igreja em 325 , o famoso Concílio de Niceia (FREEDMAN, 2012). O Concílio de Niceia teve uma relevância histórica particular pois foi o primeiro conselho universal da igreja cristã, e foi convocado pelo imperador. Ainda que não um bispo ou membro do clero, Constantino presidiu o conselho cujo objetivo era resolver a controvérsia Ariana. Constantino, preocupado sobretudo com a unidade das igrejas cristãs, continuou a convocar conselhos do tipo para promover a consonância entre suas doutrinas. Esses conselhos têm significância histórica por terem produzido o cristianismo ortodoxo baseado no Credo Niceno, um documento que determina exatamente a forma de cristianismo legítima e, por exclusão, as hereges. Constantino morreu no ano de 337 , mas a expansão do cristianismo não foi comprometida. Em retrospectiva, a rota para o cristianismo tornar-se a religião mais popular do mundo já estava traçada. A igreja, enquanto empresa, estava solidamente estruturada, com mais infraestrutura, adeptos, poder e influência que nunca. Ademais, todos os imperadores romanos após Constantino, com a breve exceção de Juliano O Apóstata, foram cristãos, contribuindo para que, em pouco tempo, o cristianismo se tornasse, por lei, a religião estatal do Império Romano. O imperador Teodósio I, que assumiu o império em 379 (EHRMAN, 2018, p.251) proclamou o Estado romano como um Estado cristão, reconhecendo a religião como a identidade espiritual do império no ano 380 pelo Édito de Tessalônica. Teodósio I não apenas governou num viés pró-cristão, como governou num viés fortemente anti-pagão, dificultando a preservação das tradições politeístas. O Édito de Tessalônica de 380 criminalizou a prática pública de qualquer religião não-cristã, com exceção do judaísmo. Além dessa legislação, ele promulgou uma série de outros desincentivos ao paganismo: qualquer apóstata, isto é, a qualquer cristão que abandonasse a religião, seria confiscado o direito a um testamento, impossibilitando a transferência de riquezas materiais entre familiares (EHRMAN, 2018, p.251). Ademais, foram proibidos também sacrifícios animais, sacrifícios humanos, cultos em templos pagãos e a idolatria de imagens pagãs, taxando os infratores desses crimes de seis a quinze libras em ouro (EHRMAN, 2018, p.251). Eventualmente Teodósio I aboliu não só a prática pública de religiões pagãs como também as práticas privadas, ilegalizando até que rituais pagãos fossem praticados em casa. Infratores eram taxados em trinta libras em ouro (EHRMAN, 2018, p.251). Ao fim do quarto século, estima-se que cinquenta por cento dos cidadãos do império romano eram católicos, ou seja, cerca de trinta milhões de pessoas (EHRMAN, 2018, p.290). A religião que começou com camponeses analfabetos na Galiléia no entorno do ano 30 a.d. havia se tornado a religião oficial do império mais poderoso do mundo.

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 239 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em diversos pontos da história, a igreja cristã adotou práticas em sua gestão que empresas hoje adotam para atingirem seus objetivos de mercado. Em outras palavras, a igreja cristã vem executando há dois mil anos conceitos de publicidade e marketing que, somente nos últimos cento e cinquenta anos, a academia conseguiu conceituar, organizar e ensinar. Se foi por genialidade do clero ou por mero acaso do destino, pouco importa, o fato é que: a história do cristianismo oferece uma gama de ensinamentos publicitários a quem se dispõe a estudá-la. Os eventos históricos levantados nessa monografia foram selecionados justamente para ilustrá-los. De um escopo geral, os conceitos de marketing e propaganda mais evidentes na história do cristianismo são o advocate-marketing, o word-of-mouth marketing (WOMM), o brand loyalty, e o storytelling. O ministério dos apóstolos foi o princípio de um longo processo de storytelling que resultou na escrita dos livros apócrifos e da Bíblia. O monoteísmo cristão em contraste ao politeísmo romano foi um exemplo de brand loyalty que sucedeu no crescimento do cristianismo e no encolhimento das religiões politeístas. O ministério de Paulo foi um exemplo de advocate- marketing, na medida em que ele, por auto-motivação, divulgou o cristianismo amplamente pelo território do Império Romano. A cultura evangelizadora da igreja cristã, atribuída a Paulo, e o governo de Constantino favorável ao cristianismo são exemplos de word-of-mouth marketing, posto que ambos são exemplos de incentivos, por parte da igreja e do Estado, que cristãos divulgassem a religião pelo mundo. Os conceitos de advocate-marketing e word-of-mouth marketing são intimamente ligados, na medida em que ambos são publicidades feitas por consumidores. A diferença entre eles é que uma é espontânea e o outra provocada. O advocate-marketing é o fenômeno espontâneo, quando consumidores divulgam marcas em decorrência de experiências positivas com seus produtos ou serviços. Esses consumidores são chamados de brand-advocates. Brand-advocates fazem a propaganda boca-a-boca, de cliente para cliente, de consumidor para consumidor, amigo para amigo, familiar para familiar, sem o incentivo da organização. Já o word-of-mouth marketing é uma estratégia instigada pela marca para incentivar a divulgação de seus produtos e serviços entre potenciais consumidores. O WOMM reconhece a importância de consumidores influentes (LANG, HYDE, 2013) e se utiliza desses influenciadores para iniciarem diálogos com os consumidores-alvo sobre como um produto ou serviço é beneficial e deve ser comprado. Esse modelo garante à marca maior segurança de que a proposta de valor de seu produto ou serviço está sendo propriamente comunicada por via de fontes reputáveis e compatíveis com o consumidor-alvo (LANG, HYDE, 2013). O melhor exemplo de word-of-mouth marketing, a propaganda incentivada, foi a cultura missionária da igreja cristã, historicamente atribuída a Paulo de Tarso. Paulo fundou o pensamento de que é dever do cristão converter não-crentes ao cristianismo com base nas doutrinas do amor ao próximo e da salvação por Cristo. Pressupõe-se que para amar o próximo é necessário desejar a salvação de sua alma, o que é possível apenas pelo cristianismo.

240 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Portanto, converter o outro ao cristianismo é uma condição necessária para amar o próximo. Esse é um exemplo perfeito de word-of-mouth marketing, pois a organização incentiva o crente a divulgar a igreja entre amigos e familiares. A propaganda boca-a-boca espontânea, o advocate-marketing, foi mais comum ainda entre os cristãos. Uma das consequências de um cristão plenamente satisfeito com suas experiências na igreja é o relato boca-a-boca da sua experiência positiva em seu círculo social. Nas palavras de Philip Kotler, “a melhor propaganda é aquela feita por clientes satisfeitos”. Esse tipo de propaganda acontece quando o cristão deseja que o outro desfrute da mesma boa experiência que ele, mas também pode acontecer quando o cristão deseja que o outro perceba nele qualidades associadas ao cristianismo. Em outras palavras, o advocate-marketing pode ter tanto um tom altruísta quanto um tom egoísta de afirmação de identidade, onde o indivíduo se associa a uma marca com o objetivo de que se percebam nele as qualidades percebidas naquela marca. Essa modalidade mais auto-centrada do advocate-marketing pode ser observada entre fãs de música e filmes, que vestem camisas do Iron Maiden ou do Pulp Fiction para associarem a si a sensibilidade artística ligada àquele filme ou banda. O indivíduo se apropria da marca para apoiar sua identidade e posicionar-se no mundo. O praticante faixa-branca de jiu-jitsu que deseja comunicar ao mundo que ele agora é um bravo guerreiro dos tempos modernos deseja desfilar pela rua com a camiseta da academia Gracie, não para que os outros conheçam os benefícios da prática do jiu-jitsu, mas para comunicar ao mundo o status que deseja associar a si. Algumas marcas dizem o que o indivíduo, por conta própria, não consegue dizer. Por conta disso o indivíduo divulga a marca pois, associando-se a ela, ampara seu desejo de possuir os atributos que a marca possui. Roupas de grife estão associadas a alto status financeiro. Camisas de banda comunicam sensibilidade artística. E símbolos cristãos, comunicam o que? O que o cristão está comunicando quando se veste com um cordão com um crucifixo, um santo, ou um escapulário, ou quando possui tatuagens de teor cristão? Ora, está comunicando sua afiliação ao cristianismo! Está comunicando publicamente que acredita em Jesus Cristo e está associando a si os padrões morais associados ao cristianismo. Seja para divulgar os benefícios da prática, ou para afirmar a própria identidade, oadvocate-marketing é um conceito análogo à divulgação do cristianismo pelos adeptos da religião. O brand loyalty é outro conceito de marketing que pode ser relacionado à história do cristianismo. O brand loyalty é um conceito análogo ao princípio da exclusividade religiosa que a doutrina cristã prevê. O brand loyalty está para o marketing como o monoteísmo está para o cristianismo. Toda marca deseja que seus consumidores abram mão do consumo de concorrentes em favor delas com o mesmo sucesso que a doutrina cristã convenceu pessoas a abrirem mão da crença em outras divindades em favor da crença no deus cristão. Mas como exatamente o cristianismo conseguiu isso? Consumidores só são fiéis a marcas que atendem bem suas demandas. Se há uma oferta melhor, o consumidor tende a transferir sua preferência. Então é importante entender como o cristianismo melhor atendeu os romanos do que as demais religiões. Por que a crença em Jesus satisfez os romanos melhor que, digamos, a crença em

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 241 Apollo? O que diferenciava o cristianismo das religiões politeístas era o caráter holístico que ele tomava na vida do crente. O cristianismo era um modo de ser que englobava a totalidade da vida do indivíduo, compreendendo um código ético, um modo de pensar, uma filosofia de vida, uma vida social, além de um conjunto de histórias sobre a criação do universo, a origem da humanidade e explicações sobre o passado. A grosso modo, o cristianismo respondia a mais perguntas que as religiões politeístas. As religiões politeístas respondiam a questões específicas, enquanto o cristianismo respondia a todas as questões. Enquanto o culto a Marte somente resolvia questões de guerra, o culto a Jesus resolvia questões de todos os tipos. Pode-se fazer um paralelo da introdução do cristianismo ao contexto politeísta do Império Romano com a teoria do Oceano Azul (KIM, MAUBORGNE, 2004). A teoria do Oceano Azul se baseia na premissa de que é possível tornar a concorrência irrelevante diferenciando-se dela. O livro de 2004 diz que é possível criar um novo mercado quando se inova a proposta de valor de um produto ou serviço. Em outras palavras, não há concorrência para propostas inéditas. O cristianismo diferenciou-se das religiões concorrentes devido ao código ético que englobava, pelas histórias associadas a si, pela dimensão social da religião, e pelo caráter holístico que tomava na vida da pessoa, entre outros motivos – diferenciando-se agudamente das religiões politeístas que eram limitadas a práticas rituais, não tinham dimensão social, e eram relativas a questões específicas como chuva, comida ou segurança. O cristianismo, comparado ao politeísmo, atendia a várias demandas com uma única proposta. Por fim, o governo de Constantino, favorável ao cristianismo, pode ser relacionado ao, já citado, word-of-mouth marketing, tendo o imperador como um consumidor influente divulgado a igreja. Hoje, mais do que nunca, consumidores influentes divulgam marcas graças às mídias sociais como Instagram, Snapchat e YouTube. Há alguns anos que o boom dos digital influencersvem criando novas vias de comunicação entre marcas e consumidores. No entanto, há décadas que marcas se utilizam de celebridades para divulgar seus produtos e serviços: vide Tony Ramos e Friboi, Giselle Bündchen e Pantene, Ronaldo Fenômeno e Nike, entre outros. Figuras respeitadas promovem o consumo pois suas recomendações têm peso; são respeitadas; influenciam fãs. É possível enxergar Constantino como um exemplo de influencer marketing no mundo antigo. Porém, Constantino foi mais do que um “consumidor influente”. Ele era a pessoa mais influente possível. Ele era o chefe do Estado mais poderoso que existia no planeta. Portanto, o episódio constantiniano na história da igreja cristã também pode ser comparado a um merger ou a um acquisition, isto é, à fusão de duas empresas com objetivos comuns: o Estado e a Igreja. Esse episódio é análogo à aquisição do Instagram pelo Facebook em 2012, à aquisição do Whole Foods pela Amazon em 2017. O Estado de Constantino apropriou-se, em parte, da igreja cristã para promover seus objetivos. Era de interesse do Estado ter uma organização religiosa parceira promovendo a hegemonia cultural entre os cidadãos do império. E também era interessante para a igreja ter o Estado como parceiro, apoiando, patrocinando e protegendo sua missão de divulgar o evangelho e fazer novos adeptos.

242 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Existem incansáveis paralelos entre a história do cristianismo e os conceitos mais contemporâneos de marketing e publicidade. A História é um campo do saber que arquiva a inteligência dos povos do passado. Traçar a relação entre conceitos contemporâneos com eventos históricos possibilita entender que certas coisas, como por exemplo o influencer marketing, não é um fenômeno recente, mas sim uma nova manifestação de um fenômeno antigo. Ajuda a entender que o meio é, de fato, a mensagem – citando Marshall McLuhan. Relacionar fatos históricos com conceitos contemporâneos de publicidade enriquece o estudo publicitário, pois resgata referências culturais, contextos históricos, e traz mais pontos de vista acerca de um mesmo assunto. É um método que serve não apenas como estudo publicitário, mas como um estudo do tecido cultural da humanidade, ajudando a decodificar quais comportamentos e pensamentos são prevalecentes na experiência humana, independente de ano, local ou, até mesmo, religião.

REFERÊNCIAS

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Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 243 FREUD, S. Moisés e Monoteísmo, Rio de Janeiro: IMAGO, 2006. GERBERDING, R., CRUZ, J.H. Medieval Worlds, New York: Houghton Mifflin Company, 2004 KIM, W.C, MAUBORGNE, R., Blue Ocean Strategy, Brighton: Harvard Business School Press, 2004 LANG, B., 2013 Word of Mouth: What We Know and What We Have Yet to Learn Vol 26 (2013) http://jcsdcb.com/index.php/JCSDCB/article/view/136 Acesso em: 20 de nov. 2019 WRIGHT, W.C. Julian, Vol. III (Loeb Classical University, No. 157), Cambrige: Harvard University Press, 1923

244 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 A INFLUÊNCIA DAS MÍDIAS SOCIAIS NA PADRONIZAÇÃO DA BELEZA

Janaina Rocha Günter Profa. Orientadora: Leila Mendes

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo estudar e entender os pontos prejudiciais da padronização de beleza impostos pela sociedade e publicidade nas mídias sociais, mais especificamente na plataforma digital Instagram, exaltando a importância da utilização desta mídia para as empresas, destacando os pontos negativos e positivos dela, abordando temas socialmente importantes, e comprovando os fatos explicitados com divulgação de enquetes e estudo de caso na conta profissional e também pessoal da autora desta monografia. A conclusão desse estudo traz uma reflexão sobre a responsabilidade que os meios de comunicação e, principalmente, as plataformas digitais têm no processo de conscientização sobre uma questão que, segundo relatos de profissionais especialistas em suas áreas de atuação, é de saúde pública, na medida em que os transtornos decorrentes desse culto à beleza representam investimentos significativos na área de atendimento a pacientes que sofrem em decorrência desses males que são frutos de uma modernidade tecnológica e de um distorcido pensamento social.

Palavras-chave: Padrão de Beleza. Mídias Sociais. Publicidade. Influenciadoras Digitais.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho acadêmico tem como objetivo focar no conceito de padronização de uma beleza criado pelas redes sociais e destacar o quanto este se torna maçante e, diversas vezes, perigoso para o mundo feminino. Este fato, somado à sensibilidade feminina acerca do assunto, o torna um recurso atrativo para que diversas marcas se aproveitem deste para aumentar suas vendas e lucros. Este estudo procura responder: como as marcas se utilizam desse recurso para ampliar seus lucros, destacando a importância que as mídias sociais têm na atualidade e a sua influência em relação a este segmento específico. Dentro desse cenário, essa monografia tem por objetivo, analisar a força que os influenciadores digitais imprimem através de suas plataformas de comunicação, em particular o Instagram,

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 245 contribuindo, significativamente, para potencializar a questão da tirania da beleza como está sendo vista no Brasil e, assim, utilizar esse recurso como gerador de negócios. Para dar suporte empírico ao tema deste projeto acadêmico, foi feito um estudo de caso, tendo como base a conta profissional e também pessoal da autora desta monografia, com o intuito de ratificar os fatos que serão apresentados no desenvolvimento do presente trabalho. Esse estudo se justifica como sendo do interesse de estudantes de comunicação social, principalmente para os da área da Publicidade e Propaganda, por ser um tema atual e polêmico, e que traz à tona um assunto de cunho social, e que enfoca a tão polêmica ditadura da beleza. A metodologia utilizada baseou-se em livros de autores renomados na área, entrevistas com detentores de marcas e influenciadores que se utilizam da ferramenta de mídia social, além de um estudo de caso da plataforma digital de uma influenciadora específica. No decorrer do trabalho serão apresentadas as constantes evoluções na forma de se fazer publicidade, e como as mídias sociais ganharam importância na área. Em seguida será abordado como as empresas se utilizam da fragilidade feminina quando o assunto é a beleza, para a conversão da publicidade em vendas através das plataformas sociais. Serão ainda analisados assuntos como a ditadura da beleza feminina, utilizando dados reais de uma conta de Instagram pública.

2 A TIRANIA DA BELEZA

Tomando como base o livro O mito da beleza de Naomi Wolf (2018), é possível entender que a concepção e codificação do corpo na cultura moderna, demanda um breve recuo histórico, com o intuito de identificar as condições que possibilitaram a problematização do estatuto do corpo atualmente. Após anos de silêncio, as mulheres tomaram as ruas, fazendo com que assim ganhassem direitos legais e reprodutivos, alcançando a educação superior, entrando no mundo dos negócios, derrubando crenças antigas quanto ao seu papel social, mas ainda assim, depois de quase 50 anos, as mulheres ainda não se sentem livres. Isso se dá por algo que não pode ser restringido pelo subconsciente, e é devido a questões aparentemente fúteis e que não deveriam fazer diferença, fazendo com que muitas delas prefiram não admitir a sua real importância. De imediato, as indústrias das dietas e cosméticos passaram a ganhar grande espaço na vida das mulheres e em consequência das novas pressões. A modelo esquelética tomou o lugar das felizes donas de casa como parâmetro de feminilidade bem-sucedida. O conceito de tirania da beleza em sua forma atual, ganhou terreno após a era de industrialização, quando foi destruída a unidade de trabalho familiar, houve expansões na classe média, progressos no estilo de vida e nos índices de alfabetização, surgindo então uma nova classe de mulheres alfabetizadas e tomadas pelo ócio. Vivenciado na modernidade, diferentemente da forma como era nas sociedades tradicionais, o corpo na cultura vai mudando os conceitos e focos de acordo com o que está mais na moda no momento. Para Wolf (2018) cada geração sofre um tipo diferente de pressão:

246 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 O ideal de feminilidade contra a qual a geração de nossas mães tinha se rebelado-, elas sofriam a obsessão por outro tipo de perfeição: a perfeição física, em comparação com modelos de alta moda e estrelas de cinema. As jovens ao meu redor, que deveriam ter sido as mais brilhantes, mais ambiciosas e mais competentes a terem habitado o planeta- por haverem herdado as conquistas e a capacidade de análise do feminismo-, costumavam estar presas na armadilha de um ciclo desesperado de inanição compulsiva, exercícios compulsivos ou ataques incontroláveis de comilança e vômitos” (WOLF, 2018, p. 9).

Wolf (2018) destaca também alguns dados que nos provam que entre os anos 1990 e os 2000, os percentuais de casos de anorexia e bulimia continuam exatamente iguais. Segundo o NIH - National Institutes of Health (1990 a 2000), 1% a 2% das mulheres americanas são anoréxicas e a incidência de morte por anorexia está no patamar de 0,56% a cada dez anos, o que é 12 vezes maior do que a incidência anual quando comparada a todas as causas de morte de mulheres entre 15 e 24 anos. Para a autora, a sociedade não entendia que ela era a principal vilã dessa história:

Quando este livro foi lançado, a opinião pública considerava a anorexia e a bulimia um comportamento marginal anômalo; e não se partia do pressuposto de que a causa fosse responsabilidade da sociedade – na média em que esta criava ideais e exercia pressão para a conformidade a eles -, mas, sim de que o comportamento decorria de crises pessoais, perfeccionismo, atuação falha por parte dos pais, e outras formas de desajustes psicológicos individuais. (WOLF, 2018, p.19)

Destacando que, com as novas técnicas cirúrgicas, os valores atrativos e as maçantes campanhas globalizadas que surgiram no mercado, fizeram com que estas intervenções se tornassem cada vez mais comuns. Esse ideal da beleza inatingível começou a ser discutido logo após os anos 80, período de conservadorismo exacerbado, fazendo com que os ideais femininos difundidos naquela época parecessem grotescos e o feminismo se tornara quase que um palavrão. Então passa a ser compreendido que esse propósito se dava por questões financeiras, baseadas nos contratos milionários da mídia com patrocinadores e se sustentava também politicamente, pois, quanto mais fortes as mulheres se tornassem em termos políticos, maior seria o peso do ideal da beleza, com o intuito principal de desviar a sua energia e mascarar seu desenvolvimento. Na década de 1990, o padrão de beleza era muito rígido, os rostos de mulheres mais velhas quase nunca eram mostrados em revistas, e se assim fosse, precisava ser devidamente retocado antes, com o intuito de parecerem mais jovens. Era rara também a presença de pessoas não brancas, a não ser uma modelo ou outra que tivesse traços mais finos. Com a tentativa de incluir padrões diferentes, editores de revistas femininas da época, colocavam imagens que pudessem tentar, de alguma forma, agregar pessoas de diferentes tipos, apesar das fortes pressões que sofriam dos anunciantes. Em seu livro, WOLF (2018), destaca dados assustadores e atuais:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 247 E a alucinação inconsciente adquire influência e abrangência cada vez maiores por conta do que hoje se tornou uma manipulação consciente do mercado: industrias poderosas – a das dietas, que gera US $33 bilhões por ano; a dos cosméticos, US $ 20 bilhões; a da cirurgia plástica estética, US $ 300 milhões (...) - Cresceram a partir do capital composto por ansiedades inconscientes e conseguem por sua vez, através de sua influência sobre a cultura de massa, usar, estimular e reforçar a alucinação numa espiral econômico ascendente. (WOLF, 2018, p.35)

Já nas redes sociais, a coisa era um pouco diferente, havia quem dissesse que as mídias faziam com que o universo feminino se sentisse mais oprimido e insatisfeito com o seu corpo, mas este meio também possibilitou a aproximação entre anunciantes e consumidores, derrubando uma barreira que antes era gigantesca e promovendo um pluralismo neste mito. A autora ainda ressalta que seu livro a possibilitou fazer entrevistas com mulheres de diferentes tipos e de diversos lugares do mundo, podendo destacar nele que as milhares de mulheres consideradas magras e esbeltas contavam o sofrimento decorrente das tentativas de atingir o corpo ideal. Nesta mesma fase, foi possível observar indústrias milionárias que prometiam atingir o inatingível. Fabricantes de cosméticos costumavam declarar que seus produtos apagariam os sinais da idade, o que é impossível em termos físicos, chamando a atenção da Agência Federal de alimentos e medicamentos (FDA), fazendo com que esta tomasse medidas mais rigorosas, reprimindo o excesso de publicidade de dietas e reprimindo o que hoje chamamos de propaganda enganosa. Estas medidas fizeram com que não só as mulheres não perdessem dinheiro, mas também dessem início a uma nova era.

3 A FOME

Acredita-se que o título deste capítulo possa chocar, mas, assim como Naomi Wolf (2018), em seu livro “O mito da beleza”, o intuito, a partir dele, é este mesmo. A fome poderia derivar de qualquer circunstância que cerca o País e o Mundo. Poderia se referir à fome nas comunidades Brasileiras, à fome na África, à fome de poder ou, até mesmo, um sentimento cotidiano que a palavra representa em seu mais básico sentido. Neste caso, a fome é retratada no livro de WOLF (2018) como:

Existe uma doença se espalhando. Ela toca o ombro dos primogênitos da América, os melhores e os mais brilhantes. A seu toque, eles passam a rejeitar alimentos. Seus ossos aparecem na carne que some. Sombras invadem seu rosto. Eles caminham lentamente, com o esforço de velhos. Formam-se em seus lábios uma saliva branca. Eles conseguem engolir somente bolinhas de pão e um pouco de leite desnatado. Primeiro, dezenas, depois centenas e milhares, até que, nas famílias mais afluentes, um jovem em cada cinco foi acometido. Muitos são hospitalizados, muitos morrem. (WOLF, 2018, p.261)

248 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 As dietas e a magreza começaram a ser preocupações femininas quando mulheres ocidentais receberam o direito ao voto, fato ocorrido em torno de 1920. Durante um curto período, entre 1918 e 1925, foi perturbadora a forma como as curvas femininas deram espaço a uma forma corpórea mais linear. Fato este, que se intensificou quando as mulheres passaram a ocupar de forma significativa o mercado de trabalho. WOLF (2018) fala dos transtornos alimentares como algo comum e cita a necessidade da perda de peso por parte das mulheres como uma seita, produzindo doenças como bulimia e anorexia, prioritariamente no universo feminino, destacando que 90% a 95% dos casos são doenças diagnosticadas em mulheres. Dados estes, principalmente representados pelos Estados Unidos, que no ano de publicação do exemplar liderava o ranking de mulheres com o transtorno anoréxico, destacando que essas condições atacam um milhão de norte-americanas a cada ano, e que 30 mil também são dependentes de eméticos (medicamentos utilizados com o intuito de provocar vômitos). Não se tem atualmente estatísticas confiáveis sobre a incidência de morte por anorexia, mas esta doença atinge de 5% a 10% das mulheres americanas, e tem uma das maiores taxas de mortalidade causadas por doenças mentais. Torna-se impossível destacar apenas os casos norte americanos, portanto, WOLF (2018) revela que:

Os transtornos alimentares estão se espalhando para outras nações industrializadas. O Reino Unido tem atualmente 3,5 milhões de anoréxicos ou bulímicos (95% dos quais do sexo feminino), com 6 mil novos casos por ano. Outra pesquisa exclusiva com adolescentes britânicas revela que atualmente 1% é anoréxica. Segundo a imprensa destinada às mulheres, pelo menos 50% das britânicas sofrem de algum transtorno alimentar. (WOLF, 2018, p.266)

Esses transtornos, como por exemplo a anorexia, inicialmente eram caracterizados como doenças exclusivas das classes médias americanas, propagando-se em direção ao leste e se espalhando para diferentes níveis sociais. Segundo dados de revistas dos Estados Unidos, 60% das mulheres norte-americanas têm alguma versão de bulimia ou anorexia. E com esses dados WOLF (2018) melhor explica o verdadeiro significado dessas doenças, que nos fazem compreender que, de fato, são mais comuns do que o imaginado:

Entretanto, se a anorexia for definida como um medo compulsivo do alimento e uma fixação nele, talvez a maioria das mulheres ocidentais, hoje, vinte anos após o início da reação do sistema, possa ser chamada de anoréxica mental. (WOLF, 2018, p.267)

Segundo o autor, foram feitos dois estudos entre os anos de 1966 e 1969, e então tornou-se possível revelar que o número de estudantes do ensino médio que se consideravam gordas demais havia subido de 50% para 80%, fato que pode ter tido seu estopim devido as modelos daquela época pesarem em torno de 23% a menos que do que a média nacional. Dados desta

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 249 mesma pesquisa, constataram que aos 13 anos, 53% das meninas já estavam insatisfeitas com seu corpo, decretando à seita da fome importante vitória contra a luta das mulheres pela igualdade. Isto posto, é possível passar a compreender que a obesidade da mulher pode ser considerada alvo de paixão pública, fazendo com que as mesmas se sintam culpadas em relação à gordura. Reconhecendo assim, implicitamente, que sob o domínio deste mito da beleza, o corpo feminino não pertence à própria mulher e sim à sociedade, mostrando que a magreza não é mais uma questão de estética social e sim uma concessão social exigida pela comunidade.

4 O MERCADO DE BELEZA NO BRASIL

O conceito de beleza é algo milenar, que surgiu no Oriente e os primeiros registros de seu uso são datados no Egito antigo, espalhando-se para o resto do mundo. Usavam-se óleos, essências de rosa e de jasmim e alguns tipos de tinturas para os cabelos. Os egípcios pintavam os olhos para evitar a contemplação direta do deus Sol, recorrendo à gordura animal e vegetal, cera de abelhas, mel e leite no preparo de cremes para a pele. Segundo o artigo encontrado no site do SEBRAE, para melhor entender o atual mercado de beleza no Brasil, faz-se necessário compreender o que vem acontecendo na indústria também:

Segundo a Associação Brasileira da Industria de Higiene Pessoal, (Abihpec), Perfumaria e Cosméticos um crescimento médio deflacionado composto de 10% nos últimos 16 anos, tendo passado de um faturamento “ExFactory” (líquido de imposto sobre vendas) de R$ 4,9 bilhões em 1996 para R$ 29,4 bilhões em 2011. Comparando-se com o resto da economia, vê-se que o segmento da beleza obteve resultados muito mais expressivos (10% a.a. de crescimento médio no setor contra 3,1% a.a. do PIB Total e 2,5% a.a. da Indústria Geral). (ARTIGO NO SITE SEBRAE, 2012)

Ainda segundo o mesmo artigo, pode-se entender melhor dados coletados naquele ano:

De forma geral, segundo o sistema MPE, data do Sebrae, em abril de 2012 que havia 240 mil empresas formais no segmento de cabeleireiros e afins, dentro da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Desde a criação do regime jurídico Microempreendedor Individual (MEI), a formalização dos profissionais do segmento beleza, principalmente para o CNAE 9602-5 e demais relacionados vem crescendo de forma contínua. Em julho de 2012, eram 225.542 formalmente constituídos, representando 10% do total de MEI registrados no Brasil e um crescimento dentro do segmento de 13,62% em relação a abril de 2012. (ARTIGO NO SITE SEBRAE, 2012)

Neste mesmo ano (2012), o Brasil estava classificado como terceiro país do mundo em consumo de cosméticos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e Japão. Resultado que mostra que, desde então, o mercado vem crescendo significativamente. E, como já tinha sido visto em capítulos

250 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 anteriores, isto se dá devido à entrada das mulheres no mercado de trabalho, ao aumento da tecnologia e à diminuição dos custos dos produtos, trazendo assim lançamentos de ponta, com custos menores do que os anteriores, que dão a impressão de conservar-se a juventude.

5 O PADRÃO DE BELEZA NA ERA DIGITAL

Na era rodeada por retoques de aplicativos, o padrão de beleza difundido é irreal, e entende-se que pode gerar infelicidade para todos aqueles que tentam de forma real acompanhá-los. Em muitas mídias, é possível observar mulheres de 50 anos com peles lisas como se tivessem 25. Senhoras de 60, 70 ou até 80 anos, livres de rugas, esbanjando colágeno por onde passam. Celebridades com corpos cada vez mais magros e sarados, que segundo a matéria “A paranoia da Beleza” na revista ISTO É (2016), “são de proporções tão perfeitas que desafiam a natureza”. Sobre os padrões de beleza atuais, a matéria diz:

O padrão de beleza atual, idealizado pela sociedade e disseminado em campanhas publicitárias e revistas voltadas para o público feminino, nunca esteve tão distante da mulher comum. É que, também, nunca foi tão falso. Prova disso é a série de escândalos envolvendo fotografias de editorias de moda e campanhas publicitárias alteradas através do Photoshop – programa de computador de manipulação de imagens. (REVISTA ISTO É, 2016)

Usa-se, neste caso, como exemplo, um caso ocorrido com a pop star Madonna, em um ensaio feito em 2009 para a revista americana Vanity Fair e alguns outros casos de pessoas famosas:

Figura 1: Madonna Photoshop

Fonte: https://istoe.com.br/48144_A+PARANOIA+DA+BELEZA+INATINGIVEL/

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 251 Figura 2: Jessica Alba

Fonte: https://istoe.com.br/48144_A+PARANOIA+DA+BELEZA+INATINGIVEL/

Figura 3: Sophia Loren

Fonte: https://istoe.com.br/48144_A+PARANOIA+DA+BELEZA+INATINGIVEL/

Essas imagens podem gerar duas grandes consequências negativas segundo o psiquiatra Táki Cordas (coordenador do ambulatório de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas), que estuda a obsessão pela beleza há, pelo menos, 20 anos, e comenta: “A infelicidade, fazendo com que mulheres se sintam cada vez mais distantes dos padrões aos quais querem pertencer. Ou pior que isso, travam uma batalha incansável para alcançá-los, recorrendo a dietas malucas, jejuns ou intervenções estéticas desnecessárias”. Segundo pesquisa da revista ISTO É (2016):

As mulheres nunca gastaram tanto com a aparência. Em 2008, o mercado de cosméticos, perfumaria e higiene movimentou R$ 21,6 bilhões no Brasil, um crescimento de 13,5% em quatro anos. O número de cirurgias plásticas realizadas também bate recorde a cada ano – foram 629 mil em 2008. Ainda assim, elas não estão felizes com o que veem quando se olham no espelho. (REVISTA ISTO É, 2016)

252 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Segundo levantamento também dessa pesquisa, com 3.400 entrevistadas de dez países (incluindo o Brasil), com idades entre 16 e 64 anos, no ano de 2004, mostra que nove entre cada dez mulheres desejam mudar algum aspecto de sua aparência. E ainda ressalta que a venda dessas falsas realidades mexe, de fato, com a cabeça delas. Dentre estes mesmos dados, destaca-se que, entre as brasileiras, 62% consideram difícil se sentirem belas diante das fotos das modelos e celebridades estampadas em campanhas publicitárias em revistas. Desta forma, pode-se destacar como ausência do limite das intervenções estéticas, a estilista italiana Donatella Versace, de 54 anos. Talentosa e rica, ela modificou completamente sua fisionomia com o excesso de preenchimento de ácido, com o intuito de dar volume aos lábios e excessivas aplicações de colágeno, que conferem firmeza à pele. Ela foi diagnosticada com dismorfofobia, um mal cada vez mais comum, em que a pessoa tem uma visão distorcida de sua imagem. Segundo Romeu Fatul, cirurgião plástico do Hospital Sírio Libanês, de São Paulo, e coordenador do Simpósio de Rejuvenescimento Facial do centro de saúde do hospital, “a doença é estimulada pela comparação que as pessoas fazem de si mesmas com imagens exibidas em outdoors e revistas”. É preciso ter uma boa estrutura emocional para não se deixar levar por tanta propaganda enganosa, num mundo onde impera a lógica capitalista do “você é o que você consome”. “Somos bombardeadas por anúncios de cosméticos milagrosos e soluções mágicas para qualquer questão de cunho estético que a mulher possa ter”, diz a psicóloga Ana Kernkraut, coordenadora do Serviço de Psicologia do Hospital Israelita Albert Einstein. “Cada uma deve encontrar o seu equilíbrio. Nada mais saudável do que se cuidar e buscar o bem-estar. O que não pode é sair atrás de cirurgiões plásticos pedindo a boca da Angelina Jolie, o nariz da Gisele Bündchen e os olhos da Sophia Loren. Isso acontece muito e é patológico”. Para atingir esse equilíbrio, o psiquiatra Táki Cordas recomenda deixar as preocupações com a aparência um pouco de lado e resgatar outras questões, como as emocionais, filosóficas e intelectuais. “Se a mulher canaliza suas energias para um único tema, deixa de lado todos os outros, que poderiam lhe dar mais estrutura para passar ilesa por todo esse frisson de padrão de beleza”, avalia o psiquiatra. Ainda de acordo com a matéria, no exterior, o poder público está começando a estudar e entender as consequências desta busca pela perfeição, e começa a tomar providências:

Em janeiro, o Parlamento espanhol aprovou uma lei que proíbe a exibição de anúncios na tevê que “exaltam o culto ao corpo” das 6h às 22h. Os alvos são produtos de emagrecimento, beleza e cirurgias. Segundo os parlamentares, eles associam o sucesso a padrões físicos determinados e influenciam negativamente crianças e adolescentes. Na França, sob recomendação do Ministério Público, os legisladores estão debruçados sobre um projeto de lei inovador, que, se aprovado, deve inspirar outros países. Da mesma forma que cigarros e bebidas alcoólicas trazem avisos do Ministério da Saúde que alertam para os malefícios do tabaco e do álcool, as campanhas publicitárias e os editoriais de moda devem informar o público quando as imagens tiverem sido manipuladas digitalmente. Se o esclarecimento não for veiculado, pagam multa. (REVISTA ISTO É, 2016)

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 253 Assim como nos meios mais tradicionais de comunicação, na Internet não poderia ser diferente. É possível ver nos chamados “influenciadores digitais” a exposição de uma vida repleta de regalias, uma felicidade constante e corpos perfeitos. Desde 2015 há um aumento de seguidores desses influenciadores devido a uma onda de tentativa de aceitação. O público está repudiando todos aqueles que demonstram excesso de modificação de imagem, e passam a seguir cada vez pessoas mais reais, com corpos reais e vidas reais.

6 O PODER DAS MÍDIAS SOCIAIS NESSE SEGMENTO

Desde seu surgimento, as redes sociais mudaram a forma como as pessoas se relacionam entre si e com o mundo, alterando também a forma de comunicação e de consumo e quebrando paradigmas já enraizados. Entre eles, podemos destacar a gigantesca separação existente entre o emissor e o receptor das informações. Com a evolução da Internet, é possível ver a evolução também na relação consumidor, marca e veículos de comunicação. O que antes era visto como uma “massa sem rosto”, hoje em dia significa um consumidor cada vez mais único, fazendo com que a comunicação não venha mais apenas dos veículos, mas como uma via de mão dupla. As pessoas, que antes eram simples receptoras, hoje são também formadoras de opinião. Esta nova forma de se expressar surgiu com os avanços de plataformas digitais como blogs, Facebook, Twitter e Instagram, tornando a publicidade cada vez mais necessária nos meios digitais. Segundo dados retirados do site Academia do Marketing (2015):

De acordo com pesquisa de mercado na Nielsen, divulgada em janeiro de 2015, a propaganda na web apresentou crescimento de 32,4% no mundo todo. Comparativamente, a televisão recebeu 58% do valor total investido, mas a Internet teve um nível muito maior de crescimento, e a expectativa é que mantenha um nível de investimento e presença cada vez maior. (SITE ACADEMIA DO MARKETING, 2015) Não é à toa que o Facebook, por exemplo, divulgou que seu lucro líquido no quarto trimestre de 2013 foi de US$ 523 milhões, US$ 459 milhões a mais em comparação ao mesmo período de 2012. (SITE ACADEMIA DO MARKETING, 2015)

A partir destes dados, consegue-se destacar a importância do marketing digital e a presença de links patrocinados nas principais plataformas. Isto posto, pode-se destacar também que a integração entre mídias tem sido uma grande aliada nessas novas mudanças. Os anunciantes não deixam de usar as mídias tradicionais com o intuito de se alcançar a massa, mas mesclam influenciadores digitais em horários nobres na televisão, ou veiculam publicidade que convida o consumidor a terminar de assistir a história no canal do Youtube, por exemplo.

254 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Um dos grandes aliados do marketing digital para o anunciante é a mensuração dessas campanhas e análises através de ROI (retorno sobre investimento), conseguindo detectar a origem da audiência, a qualidade e a navegação nesta, sendo possível mensurar também a quantidade de leads e conversões, que, dependendo do intuito, podem ser: assinatura, download de aplicativos, vendas de produtos, entre outros e, a partir destes obter dados para melhor compreender o ROI. A maior vantagem de se realizar campanhas em redes sociais é a possibilidade de segmentação de público, fazendo-se assim possível definir um target e comunicar-se diretamente com pessoas que tenham algum grau de interesse em determinado assunto ou produto que se tem a intenção de divulgar. Além disso, segundo o site Academia do Marketing (2015), é possível obter mais detalhes sobre o público alvo:

É possível entender o comportamento de sua audiência, saber em que horário há mais público online, filtrar que tipo de interação ele tem com sua página, classificar se os comentários são positivos, neutros ou negativos, e, em suma, entender como é a relação das pessoas com sua marca. (SITE ACADEMIA DO MARKETING, 2015)

Análises como estas são de extrema importância para marcas que têm a intenção de realizar boas campanhas nas mídias e obter sucesso. Mas faz-se necessário também compreender que o público não as utiliza apenas para se comunicar, distrair ou se divertir. Através delas também se consome informações, produtos e serviços.

7 AS INFLUENCIADORAS DIGITAIS E O INSTAGRAM COMO GERADORES DE NEGÓCIOS

Como já explicitado anteriormente neste trabalho, antes do avanço da Internet e das mídias sociais, apenas um seleto grupo de atores, músicos, ou famosos tinham o poder de influenciar pessoas, e por isso eram escolhidos pelas marcas com o intuito de alcançar seu público-alvo e ditar tendências. Mas, nos anos 2010 o mercado expandiu, tornando pessoas aparentemente “normais” em influenciadores digitais. A popularização da Internet deu voz a qualquer um que saiba usar as plataformas midiáticas, fazendo com que alguns, com maior destaque, se tornem celebridades da web, destacando-se pela produção de conteúdos relevantes para as mídias e atingindo um número gigantesco de pessoas. Essa popularidade, pode auxiliar muito nas estratégias de marketing de empresas, sendo capaz de alavancar e sustentar o sucesso de uma marca. Para se obter um bom retorno dos investimentos na rede, faz-se necessário reconhecer um influenciador digital, e para isso, é preciso analisar seu comprometimento, a qualidade do conteúdo produzido, a frequência das publicações e o impacto das postagens. Eles não fazem

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 255 parte, necessariamente, de um perfil pré-determinado, podem pertencer a diversos ramos diferentes ou apenas falar sobre seu lifestyle. Um dos benefícios dessa nova forma de se comunicar, é a de que hoje existem influenciadores espalhados por todas as partes do Brasil, e não apenas focados no eixo Rio-São Paulo. Outra característica positiva, é a possibilidade de se atender através deles, a uma audiência específica a partir dos temas abordados em cada perfil, sabendo assim a melhor forma de se comunicar com seu público, de forma que pareça real, e com o uso de alguém aparentemente acessível. Estes novos famosos da Internet se tornaram uma das melhores formas de aproximar uma marca do seu público-alvo. Certos influenciadores digitais podem causar tanto ou maior impacto para uma campanha quanto uma peça em meios tradicionais. Para provar esta tese, foram selecionados dados de uma pesquisa feita pelo governo brasileiro e divulgada no blog Press Comunicação, de 2015, que mostrou que os brasileiros já passam mais tempo navegando na Internet do que consumindo qualquer outra mídia:

A Sprout Social revelou em uma pesquisa que 74% dos consumidores dependem das suas redes sociais para orientar suas decisões de compra. Por isso é necessário que sua empresa esteja preparada e orientada para o “novo” consumidor, que irá buscar informações na internet e precisa encontrá-las em canais confiáveis e influentes. (BLOG PRESS COMUNICAÇÃO, 2015)

Nota-se que uma quantidade cada vez maior de pessoas recorre a influenciadores digitais na hora da tomada de decisões de compra e serviços, bem significativa em relação a outras publicidades, e por isso se torna essencial que uma empresa saiba utilizar este meio a seu favor. Portanto, na hora de se investir em marketing de influência, o diferencial não se dá necessariamente no investimento na pessoa mais famosa, mas sim naquele que representar um papel estratégico de maior influência. Além ter um custo menor, esta estratégia pode gerar resultados mais assertivos, uma vez que é mais fácil direcionar a seu público-alvo. Através da matéria O poder dos influenciadores (2015), no blog citado acima, recolhemos dados que comprovam algumas teses aqui expostas:

Traçar uma estratégia com influenciadores digitais já rendeu boas parcerias e ótimos resultados para diversas empresa. A youtuber Julia Tolezano, mais conhecida como Jout Jout, estrelou um comercial da empresa de telefonia Vivo. A sua concorrente, TIM, conseguiu o terceiro lugar no ranking mundial nos assuntos mais comentados no Twitter ao realizar uma transmissão ao vivo da blogueira Kéfera, dona do canal 5 minutos. A blogueira é tão influente que o seu canal foi o primeiro do Brasil a atingir a marca de 1 milhão de seguidores. Outro exemplo foi a ação da marca de shampoos Tresemmé, que escolheu a blogueira Camila Coelho – famosa por seus tutoriais de beleza, moda e comportamento na internet – para estrelar um comercial de TV. (BLOG PRESS COMUNICAÇÃO, 2015)

256 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Figura 4: Jout e Vivo

Fonte:https://www.google.com/search?q=campanha+vivo+jout+jout&rlz=1C1GCEU_ nms&sa=X&ved=0ahUKEwia8uvtzbriAhW7GLkGHTtBDCUQ_AUICigB&biw=1707&bih= 838&dpr=1.13#imgrc=c4YSY-zr3C5QIM

Figura 5: Kéfera e TIM

Fonte:https://www.google.com/search?rlz=1C1GCEU_ptBRBR828BR828&biw=1707&b ih=838&tbm=isch&sa=1&ei=0PrXMOTKOK55OUPg5G0sAw&q=k%C3%A9fera+e+ti m&oq=k%C3%A9fera+e+tim&gs_l=img.3...410691.413663..414443...0.0..1.242.1642.1j 9j2...... 0....1..gws-wiz-img...... 0j0i8i30j0i24.bGLVgYJZkL8#imgrc=sAtteEz-ygtahM:

Figura 6: Camila Coelho e Tressemé

Fonte:https://www.google.com/search?rlz=1C1GCEU_ptBRBR828BR828&biw=1707&b ih=838&tbm=isch&sa=1&ei=m0XrXOrQBebB5OUPld6kiAE&q=camila+coelho+e+tr esseme&oq=camila+coelho+e+tresseme&g_l=img.3...263326.269412..269588...0.0..0.1 77.2875.0j24...... 0....1..gwswizimg...... 0j0i67j0i8i30j0i24._oYAj1MIX3I#imgdii=Z2nSDJ- x6srBHM:&imgrc=UsJ1-YAkfkjYVM:

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 257 Um assunto que tem sido muito abordado é a tentativa de sabotagem nas entregas de postagens feitas pela plataforma, o que tem prejudicado, e muito, o trabalho dos influenciadores. Pode- se usar como exemplo a própria autora deste trabalho, que também será analisada como estudo de caso, que atualmente conta com, aproximadamente, 50 mil seguidores e tem muitas de suas postagens entregues apenas para cerca de 5.000 pessoas. Isto posto, pode-se entender a importância das marcas no investimento neste tipo de divulgação, não apenas nos influenciadores digitais, mas também a necessidade de se manter uma plataforma própria atualizada e relevante, com intuito de divulgar conteúdo da marca e gerar credibilidade perante este novo consumidor.

8 ESTUDO DE CASO

A autora deste trabalho, acredita ter escolhido o tema por ser algo que vive diariamente. Seu Instagram pessoal @janagunter surgiu como tantos outros existentes, com ausência de pretensão comercial e para dividir seu dia a dia com amigos e familiares. É desconhecido o momento exato em que ela se tornou influenciadora, mas de um dia para o outro percebeu que pessoas desconhecidas gostavam de acompanhar determinadas coisas de sua vida, os cuidados que tinha com cabelo, pele, corpo, entre outros. Logo em seguida, apareceram marcas interessadas em investir em seu potencial, fazendo com que esta passasse a acreditar que sua maneira simples de mostrar as coisas, a tornava atrativa para as marca; afinal, o Instagram aproxima pessoas comuns às outras. Sendo estudante de publicidade e propaganda, a autora deste trabalho, passou a ter um olhar mais técnico em relação aos conteúdos postados, o que monetizou ainda mais esse seu novo trabalho. Estes são sempre muito variados, mas em sua grande maioria, os influenciadores esperam mostrar aquilo que de fato utilizam, usando sempre uma linguagem coloquial, conseguindo aproximar assim marca e consumidor de forma mais natural. Atualmente a conta tem um total de 50,4 mil seguidores. Seu público tem faixa etária entre 18 e 24 anos. São em grande maioria brasileiros, moradores das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, sendo 56% mulheres e 44% homens, com capacidade de obter impressões de até 2 milhões, e, atualmente, atingir cerca de uma média de 9.000 contas por semana.

258 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Figura 7: Números do Instagram da autora do trabalho

Fonte: www.instagram.com/janagunter) Fonte: www.instagram.com/janagunter )

Figura 8: Dados 2

Fonte: www.instagram.com/janagunter)

Com o passar do tempo e o aumento de interação com seu público, a autora deste projeto conseguiu entender que certos assuntos como: alimentação, esporte, tratamentos estéticos ou qualquer outro envolvendo beleza, interessavam mais a seu público do que os demais, recebendo muitas vezes mensagens e desabafos de mulheres que queriam se sentir melhor consigo mesmas ou que tinham vergonha da atual aparência. Ela acredita, que a interação acerca deste assunto se tornou maior quando, a convite da marca Nike Rio fez uma meia maratona, postando vídeos de treinos preparativos para o evento. Teve cerca de 3 meses para sair de sua zona de conforto que era de 10 km máximos, para os 21 km, conseguindo passar a mensagem que a marca esperava, de que todos podem ser atletas. A ligação entre influenciadores e marcas com o intuito de divulgação, é feita de diversas formas, estas podem ser para fins monetários, mas também podem ser apenas através de permutas (termo utilizado quando o pagamento é feito através de produtos). A forma de divulgação e entrega do trabalho pode variar também entre: presenças em eventos, apenas publipost no feed (termo utilizado para nomear a timeline da plataforma Instagram), divulgação através de stories (vídeos de 15 segundos postados em uma área da plataforma que duram apenas 24 horas),

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 259 sessão de fotos para marca, realização de sorteio, entre outros. Estas formas de divulgação também podem gerar variação no estabelecimento de valores. Nesta plataforma é difícil conseguir analisar os possíveis concorrentes devido à variedade de conteúdos produzidos. Pois um mesmo Influenciador pode pertencer a diversos nichos específicos. Ao ser questionada sobre o tema, a autora desta monografia selecionou dois perfis que se assemelham ao seu por diversas características, mas não podem ser consideradas concorrentes diretas devido à divergência de número de seguidores e engajamento. Um dos perfis selecionados, foi da influenciadora digital Gabriela Rippi, que conta atualmente com um total de 2,5 milhões de seguidores. Esta fala um pouco sobre seu lifestyle também, de uma forma divertida e completamente descontraída, abordando assuntos variados como comida, academia, festas, entre outros.

Figura 9: Perfil Gabriela Rippi

Fonte: www.instagram.com/gabrielarippi

O outro perfil que ela julga também se assemelhar com o seu, é o da DJ Camilla Brunetta, que atualmente conta com um total de 28,5 mil seguidores e também utiliza uma linguagem bem descontraída para falar sobre o seu lifestyle.

Figura 10: Perfil Camilla Brunetta

Fonte: www.instagram.com/camillabrunetta

260 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 Atualmente, a autora desta monografia, consegue lucrar em determinados meses ainda mais do que em seu trabalho fixo, já tendo fechado contratos de até 4.500 reais por uma presença e um post em seu feed. Ela conta com um portfólio de muitos clientes nesses, praticamente, 2 anos em que passou a monetizar o seu Instagram, tendo tratados com algumas marcas muito grandes e conhecidas no Brasil, como por exemplo: Do ramo saudável, teve contrato de um ano de exclusividade como atleta Nike, alguns trabalhos para a rede Mundo Verde, e fez durante 6 meses publicidades variadas para a rede Bodytech. Da área de beleza, contou com clientes como Lancôme, Dermage, Maybelline, L’Oreal, Pantene, Pacco Rabanne e Pacha Fragrances. Do ramo vestuário já fez publicidade para marcas como Blue Man, Litt e Botswana. Da área alimentícia, entre sua vasta gama de clientes, conta também com Manekineko e O Forno. E para finalizar, da área de plataformas digitais já foi contratada para divulgar a empresa de entregas Uber Eats e a plataforma de músicas Spotify. Como podemos ver em alguns exemplos de publiposts a seguir:

Figura 11: Post para Lancôme

Fonte: www.instagram.com/janagunter

Figura 12: Post para a rede Mundo Verde

Fonte: www.instagram.com/janagunter

Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 261 Figura 13: Post para a rede Bodytech

Fonte: www.instagram.com/janagunter

Figura 14: Post para a marca Nike

Fonte: www.instagram.com/janagunter

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste trabalho podemos concluir que essas questões que envolvem a tirania da beleza estão diretamente ligadas a contextos históricos que se difundiram e permaneceram até os dias atuais. É possível perceber também que este é um assunto que está diretamente ligado às mídias, que antes eram tradicionais. Com o progresso das redes sociais, as questões não poderiam ser diferentes, a mídia continua vendendo a cada dia mais o ideal de mulheres jovens, perfeitas, brancas e magras, que deve ser engolido na tentativa de reproduzi-lo. Com essa nova revolução feminista, entendemos que alguns progressos já puderam ser vistos, com o intuito de libertar as mulheres desses padrões que as aprisionam e as

262 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 impedem de se tornarem melhores, inclusive no âmbito profissional. Assistimos grandes progressos também na área da comunicação, que busca cada vez mais vender um discurso menos padronizado, possibilitando que, assim, dentro de uma tirania da beleza, existam pluralidades de padronizações. Já vemos marcas nas mídias sociais que quebram estes paradigmas, produzindo conteúdos com modelos plus sizes, negras e representantes de diversos padrões diferentes. Pois as marcas, mesmo que de forma hipócrita e muitas vezes maquiada, perceberam a importância da tentativa de promover inclusão, aumentando suas expectativas de vendas. Uma das questões muito abordadas ao longo do trabalho, também foi como a mídia se aproveita destas questões com a intenção de vender produtos milagrosos, que prometem deixar o corpo igual a de um terceiro com muito photoshop, causando cada vez mais essa comparação do real com o imaginário, na tentativa de se travar uma busca incessante por aquilo que não existe. Apesar dessa nova visão e intenção de disseminar valores, ainda há, principalmente, mulheres muito doentes, vítimas de vários níveis de bulimia, anorexia ou dismorfofobia, trazendo consigo bagagens históricas que, provavelmente, não terão possibilidade de serem apagadas de forma tão fácil. Cabe aqui um momento de reflexão, na tentativa de conseguir passar para a sociedade que questões como estas não entram para lista de “mimimi”, como seriam avaliados pela sociedade. Estas questões são de cunho muito importante, e requerem a necessidade de um olhar mais crítico, na intenção de auxílio.

REFERÊNCIAS

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Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020 263 Tendências do segmento de beleza- SEBRAE MERCADOS. Disponível em: http:// sebraemercados.com.br/tendencias-do-segmento-de-beleza/ Acessado em: junho de 2019 TORRES, Cláudio. A Bíblia do marketing digital: tudo o que você queria saber sobre marketing e publicidade na internet e não tinha a quem perguntar. São Paulo: Novatec Editora, 2009. VAZ, Conrado Adolpho. Google Marketing: o guia definitivo de marketing digital. São Paulo: Novatec, 2008. WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rosa dos Tempos, 2018

264 Atualidade Científica: Coletânea da Comunicação V - 2020

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