UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

A GALLERY: DE MILLBANK A BANKSIDE

Célia Maria da Costa Baixa

Orientador: Professor Doutor Álvaro Luís Antunes Pina

Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Estudos de Literatura e de Cultura, especialidade em Cultura e Comunicação

2015 UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

A TATE GALLERY: DE MILLBANK A BANKSIDE

Célia Maria da Costa Baixa

Orientador: Professor Doutor Álvaro Luís Antunes Pina

Tese especialmente elaborada para a obtenção do grau de Doutor em Estudos de Literatura e de Cultura, especialidade em Cultura e Comunicação

Júrí:

Presidente: Doutora Maria Paula Nina Morão, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Vogais:

- Doutora Maria Cláudia Silva Afonso e Álvares, Escola de Comunicação, Artes e Tecnologias da Informação da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

- Doutora Ana Cláudia dos Santos Gonçalves, Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril

- Doutor Eduardo Manuel Dias Brito Henriques, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa

- Doutor Álvaro Luís Antunes Pina, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

- Doutor Manuel Amador Frias Martins, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

2015

Resumo

Esta tese explora os contextos de evolução da Tate Gallery em Londres desde a sua origem no século XIX até ao presente. Através de uma abordagem multidisciplinar filiada nos Estudos Culturais este estudo tem como objetivo dar um contributo para a análise das transformações da cultura e da sociedade assim como fornecer um enquadramento para estudar conceitos como ideologia, representação, identidade e poder. Criada no contexto de consolidação do Estado-nação e sob o conceito vitoriano de museu como motor de progresso social, a Tate Gallery, abriu em Millbank, Londres em 1897 com o nome of British Art para alojar as quase 70 obras de arte britânica doadas por ao Estado. A sua criação, como um anexo da National Gallery, preenchia as ambições de uma classe média próspera cuja identidade era definida através de um sentido de modernidade concretizado pelo patrocínio da arte nacional contemporânea. Mais de um século depois, e com uma coleção de mais de 70.000 obras, a Tate é hoje constituída por quatro galerias, a e a em Londres, a em Cornwall e a . A funcionar segundo uma lógica empresarial e como uma marca cultural, as prioridades da Tate estão concentradas na captação de públicos, no desenvolvimento de atividades e serviços com base nas tecnologias e na operacionalização de estratégias de branding e marketing com o objetivo de oferecer uma grande amplitude de experiências e de comunicar com um público global. Enquadrada num complexo caracterizado pelo consumo, pelo entretenimento e pelo espetáculo e com cerca de 4.500.000 de visitantes por ano, a Tate Modern, a quarta galeria Tate que abriu em Londres, em Bankside, em 2000, tem uma presença de peso no competitivo mercado cultural e uma posição dominante no ranking dos museus mais visitados do mundo.

Palavras-chave: Tate, cultura, representação, Estado-nação, museu-marca

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Abstract

This thesis examines the contexts of development of the Tate Gallery in London since its creation in the 19th century until the present. With a multidisciplinary approach affiliated in the Cultural Studies, it aims to provide an analysis of the transformations in culture and society and a background to explore concepts such as ideology, identity, representation and power. Framed by the cultural and ideological apparatus of the nation-state and by the Victorian concept of museum as an engine of social progress, the Tate Gallery, created as National Gallery of British Art, opened in Millbank, London in 1897 to the nearly 70 works of British art Henry Tate gifted to the nation. Its creation, as an annex of the National Gallery, fulfilled the ambitions of a prosperous middle class whose identity was being defined by a sense of modernity embodied in the sponsorship of contemporary national artists. Over a hundred years later and with a collection of about 70,000 works of national and international art, the Tate is now composed of four galleries, Tate Britain and Tate Modern in London, Tate St Ives in Cornwall and Tate Liverpool. Operating as a corporate museum and a cultural brand, Tate’s main priorities are audience engagement, technology-based activities and branding so as to offer a wide range of experiences and communicate to a global audience. Framed by consumerism, entertainment and spectacle and with an estimated 4.5 million visitors per year, Tate Modern, the fourth Tate Gallery that opened in Bankside, London, in 2000, has a significant presence in the competitive art world and a strong position within the most visited museums worldwide.

Keywords: Tate, culture, representation, nation-state, brand-museum

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Agradecimentos

A conclusão deste projeto de doutoramento e desta tese em particular só foi possível graças ao apoio dos que passo a enumerar. Devo agradecer a todos os que, nos arquivos da Tate, em Millbank, e da National Gallery, em Trafalgar, me prestaram toda ajuda desde a fase de preparação das visitas, até à consulta de catálogos, leitura de documentos e recolha de material. No arquivo da National Gallery foi crucial o contributo do arquivista Nicholas Donaldson, que acompanhou e orientou as pesquisas que fiz em 2012 e 2014. A participação, em junho de 2012, no Congresso Londonicity 2012, no Institute of Education em Londres, uma oportunidade para apresentar uma das vertentes deste estudo num contexto internacional e para enquadrá-lo nos estudos sobre a cidade de Londres, só foi possível graças à equipa da Direção da Escola Secundária Stuart Carvalhais que criou as condições para que me pudesse deslocar a Londres num dos períodos de maior pico de trabalho: os exames nacionais e o fecho do ano letivo. Estou particularmente grata à Ana Gonçalves pela leitura que fez do primeiro capítulo deste trabalho e pelo seu olhar crítico que alertou para muitas questões às quais foi necessário dar novos contornos. Também a ela agradeço a motivação e a ajuda em muitas questões técnicas e formais assim como o seu rigor e disciplina de trabalho que muito admiro. Para o Professor Doutor Alvaro Pina nunca serão suficientes as palavras para expressar a enorme gratidão pela supervisão deste estudo, por todo o aconselhamento e encorajamento. Com a sua experiência académica e de vida soube entender as muitas limitações impostas pela dificuldade em articular a atividade de docente do ensino básico e secundário com um projeto de doutoramento e, por isso, soube também sugerir como gerir o tempo e todas as fases deste trabalho. O caminho percorrido, pautado por muitas e agradáveis conversas sobre a Tate, museus e cultura, foi para mim uma lição de rigor, de disciplina intelectual e de exercício do olhar crítico que já tinha sido iniciada com a supervisão da tese de mestrado entre 2002 e 2004. Agradeço toda a sua disponibilidade, já em período de aposentação, para continuar a orientar o meu trabalho dedicando muitas horas à leitura, revisão e anotação dos vários capítulos, um trabalho sem o qual não teria sido possível corrigir muitas falhas e reformular muitos pontos de vista. Por fim quero agradecer à minha família o apoio incondicional e a compreensão pelo tempo que a eles foi retirado para concretizar este projeto, principalmente aos meus três iii

sobrinhos, todos nascidos durante o período de pesquisa e escrita, e aos quais foram subtraídos muitos fins-de-semana e muitas horas de atenção que os primeiros anos de vida exigem e merecem. Ao meu pai agradeço a ajuda por ter sido um precioso assistente de revisão de partes do texto e das referências bibliográficas e também ao meu cunhado e à minha irmã muito em particular, por terem respondido com entusiasmo aos meus pedidos de ajuda para a formatação e organização técnica do texto e às minhas inúmeras, e por vezes indescritíveis, perguntas e dúvidas sobre tecnologia informática.

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Índice

Introdução 1 1. Museu, cultura, representação e identidade 16 1.1. Origem: colecionismo, a criação do museu público europeu e a 24 formação do Estado-nação 1.2. Reflexão e mudança: a Nova Museologia 35 1.3. Rutura(s): pós-modernismo e globalização 39 1.3.1. Media, tecnologia e entretenimento 44 1.3.2. Cultura e mercado: o museu-marca 49 1.4. Reinvenção: museus, urbanismo e turismo 57 1.5. Antevisão: o(s) futuro(s) do museu 71 2. Tate Gallery: 1889-1954 76

2.1. Colecionismo e patrocínio de arte em Inglaterra nos séculos XVIII e 77 XIX 2.2. A sociedade industrial 80

2.2.1. Arte, Estado e educação: a criação da National Gallery e da 86 National Portrait Gallery em Londres 2.2.2. Cidade, cultura e poder: a Londres imperial 100 2.3. A oferta de Henry Tate: uma visão para a arte nacional 105 2.4. A National Gallery of British Art 114 2.5. O relatório Curzon 122 2.6. O relatório Massey 134 3. Construir a autonomia: 1955-79 137 3.1. O National Gallery and Tate Gallery Act, 1954-55 139 3.2. A sociedade do pós-guerra: cultura e massificação 145 3.2.1. Cidade, media e moda: Swinging London 155 3.3. A Tate sem a National Gallery - comunicar uma nova identidade 161 3.3.1. Desenvolver a coleção, a programação e o edifício 162 4. A Tate ‘fora’ de Millbank: 1980-1997 174 4.1. A sociedade pós-industrial: cultura e reinvenção do passado 177 4.1.1. Cidade, empresariado e regeneração urbana: a Londres 180 yuppie 4.2. Procurar parcerias e descentralizar o consumo cultural 186 4.2.1. A Tate Liverpool, 1988 189 4.2.2. A Tate St Ives, 1993 193 4.3. Arte e espetáculo: o - revolução e rebeldia 196 4.4. O centenário, 1997 – transição e internacionalização 204

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5. A Tate no novo milénio: 1998-2015 210 5.1. A sociedade em rede e cultura blockbuster 213 5.1.1. Cidade, cultura e fluxos: a Londres global 218 5.1.2. O London Plan e a visão estratégica para o século XXI 221

5.1.2.1. A requalificação da margem sul do Tamisa e a 223 regeneração de Southwark 5.2. A Tate Modern: abertura e impacte 228 5.2.1. Exibir arte moderna e contemporânea com inovação 236 5.3. A Tate em Millbank: regresso à origem 241 5.4. A Tate como marca cultural 243 5.4.1. Museu-empresa: planeamento, marketing e comunicação 245 5.4.2. Uma lógica digital 249 5.5. Que rumos para a Tate? 251 Referências 262

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Introdução

Estudar a Tate é percorrer um caminho que tem no Louvre um marco importante. O Louvre abriu ao público em Paris em 1793 num palácio real tornado palácio do povo, numa sociedade regenerada pelos valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Representando os ideais da cultura republicana numa narrativa que legitimava as conquistas civilizacionais do presente através do tradição e do legado artístico do passado, serviu de modelo para muitos museus na Europa e no mundo e foi o aparato cultural necessário à consolidação do Estado moderno e o motor para uma mais efetiva democratização da arte. O público acorreu em massa e o número de turistas que já na época visitavam Paris e descreviam os tesouros que o Louvre exibia contribuiu para o tornar um símbolo de democracia e de diplomacia e um ícone da cidade. Em Inglaterra a National Gallery abriu em 1824 sob a influência da retórica vitoriana de aperfeiçoamento moral dos cidadãos e de instrução das classes desfavorecidas através da contemplação da arte. Com o objetivo de desempenhar em Londres um papel semelhante ao do Louvre, exibia uma narrativa canónica da tradição artística ocidental na qual se enquadravam o progresso e as conquistas da Grã-Bretanha como nação industrial e imperial. Centrada na ideia de que os Velhos Mestres estrangeiros eram o exemplo de excelência a copiar pelos artistas, a National Gallery não dava à produção nacional o espaço que a classe média nacionalista e próspera considerava adequado e, assim, para satisfazer as ambições culturais desta classe foi criada a National Gallery of British Art, conhecida por Tate Gallery. A galeria de arte nacional nasceu sob a tutela estética e financeira da National Gallery e abriu ao público em 1897 conquistando os visitantes de imediato mas só se tornou independente em meados do século XX fazendo a partir daí um caminho de crescimento que a coloca hoje, com a Tate Modern a exibir arte moderna e contemporânea internacional, a par do Louvre como um dos museus mais visitados do mundo. 1

O Louvre nunca alterou a sua missão nem as coordenadas da sua coleção, foi e é um museu enciclopédico e universal. A Tate já não coleciona apenas arte britânica contemporânea, tendo-lhe sido imposta a inclusão de arte moderna e contemporânea internacional, vertente esta que é a principal responsável pelos números de visitantes que a fazem concorrer com o museu parisiense. O Louvre fez alterações no seu edifício para modernizar o seu espaço e para permitir uma maior fluidez na circulação dos visitantes que diariamente podem atingir os 15.000. A Tate Modern já fez, desde a sua abertura em 2000, dois grandes trabalhos de extensão e renovação para alargar o espaço de exibição e facilitar a circulação de visitantes. O que permitiu ao Louvre manter a posição que ocupa desde o seu nascimento? Como conseguiu a Tate atingir a sua posição atual, que a coloca em paralelo com aquele que é o museu dos museus? O que aproxima e/ou distancia o museu por excelência do século XIX e a galeria do século XXI? Que museu é, afinal, o do século XXI? Presentemente, tanto o Louvre como a Tate são grandes marcas culturais e pontos de referência nos roteiros de visita a Paris e a Londres. Tendo ambas as instituições abandonado a noção de museu como santuário do conhecimento criado para instruir as populações, foram ambas obrigadas a um reposicionamento como templos de consumo, centrados na atração de públicos e no retorno económico que as suas visitas constituem. Presentemente com uma gestão empresarial, o museu do século XIX passou de um espaço no qual a experiência do visitante consistia no deleite proporcionado pela aura dos objetos para um lugar onde o estímulo visual está disperso pela coleção, por pontos de consumo e de entretenimento ou, numa perspetiva da visita não presencial, por plataformas digitais que expõem os públicos a novas perceções sobre o arte e o museu. Queremos explorar neste estudo os contornos desta evolução para perceber o que mudou no posicionamento do museu para passar de um espaço cuja traça transmitia transcendência para um espaço marcado pela multifuncionalidade, um autêntico centro comercial da cultura, dominado pelo comércio e pelo espetáculo. A nossa pesquisa teve como objetivo responder a várias perguntas: que conceitos teóricos enquadram o estudo dos museus? De que modos se alteraram a produção, a representação, a exibição e o consumo da cultura? Como fez o museu o percurso de um paradigma de coleção particular (não linear e não histórica) para um paradigma virado para o público? Como é que o museu evoluiu de uma construção alicerçada no discurso epistemológico e nos ideais de progresso das nações ocidentais para uma estrutura que reflete os mais recentes fenómenos decorrentes da desindustrialização, descolonização e 2

globalização? Estas transformações tiveram efeitos nas teorias e práticas do museu que conduziram a um novo modelo museológico? Que condições levaram à inclusão de práticas empresariais na gestão do museu público? De que forma se concretiza o museu- marca ou o museu-empresa? Que estratégias e plataformas usa para comunicar com os seus públicos? Que função tem o museu nos projetos de regeneração urbana? Como se articulam os interesses entre a cultura, o museu e o turismo? Henry Tate, um magnate com uma fortuna conquistada através da indústria do açúcar, estabeleceu na sua mansão em Londres uma pequena galeria de arte onde exibia uma coleção da qual fazia parte um conjunto de quadros de arte britânica que considerou dignos de constituírem a primeira coleção pública de arte contemporânea nacional. Movido pelos interesses de uma classe média da qual fazia parte e que estava a construir uma identidade ligada à modernidade, à vivência cosmopolita e à sofisticação da vida urbana, Tate doou dinheiro e cerca de 60 obras de arte para a construção em Millbank, na cidade de Londres, de uma galeria na qual essa concretização da modernidade estava associada à mostra de arte contemporânea britânica e à afirmação de uma Escola Nacional de pintura que a nova classe média estava disposta a patrocinar. Até hoje a Tate nunca se afastou desse compromisso com a contemporaneidade e com novas ou reinventadas identidades sociais. Presentemente, a Tate cultiva esse compromisso através da exibição de uma vasta coleção de mais de 70.000 obras de arte britânica e internacional em quatro galerias (duas em Londres, uma em Liverpool e uma em St Ives, na costa sudoeste da Inglaterra), que coloca ao serviço da consolidação e expansão de uma grande marca cultural gerida com regras empresariais e com um planeamento sujeito aos interesses de novas classes médias que procuram a modernidade através do consumo e do entretenimento em espaços culturais dinâmicos nos quais sejam exploradas formas inovadoras de incorporar a tecnologia, de interpretar a arte e de dialogar com a criatividade através da sobreposição e justaposição de tempos e espaços. Contudo, ao contrário das classes emergentes no século XIX que viram na arte contemporânea nacional a expressão da modernidade, as classes médias do século XXI veem a afirmação dessa mesma modernidade na arte internacional, exposta na Tate Modern, a mais jovem galeria da marca Tate aberta em 2000 em Bankside, Londres, que recebe cerca de 4,5 milhões de visitantes por ano, número que a presença de arte nacional em Millbank nunca conseguiu atingir. Podemos questionar que tipo de museu é o museu atual e que relação tem com o 3

Estado ou de que maneira se afastou do aparelho ideológico do Estado-nação. Quando a Tate abriu em 1897 como National Gallery of British Art, o museu tinha como alvo disciplinar e educar as classes trabalhadoras através da arte. O acesso era feito de acordo com um determinado horário semanal e com um código de conduta que regulava a visita desde a maneira de circular ao volume da voz, com o objetivo de fazer sentir que a cultura era um meio de melhoramento moral do cidadão comum mas era também um privilégio. O interesse do Estado e de quem patrocinou as primeiras coleções públicas estava no modo como o museu poderia moldar ‘o público’ e, de certo modo, a sociedade, fornecendo-lhe narrativas de progresso, instrução e entretenimento, incluídas num aparato de progresso social e económico, de construção de coesão nacional e de afirmação das elites. Hoje o interesse da Tate como marca é o de conhecer ‘os públicos’ para moldar a sua programação e os seus serviços de modo a captar e fidelizar visitantes. A Tate evoluiu adaptando-se às tendências de desenvolvimento do museu na contemporaneidade marcado pela expansão da educação, pelo avanço tecnológico, pela multiculturalidade e pela globalização dos mercados de arte, fatores estes que contribuíram para o fim da relação ortodoxa entre o museu e a sociedade, na qual o primeiro desempenhava o papel de guardião da história e da tradição ficando atrás dos mais recentes desenvolvimentos da sociedade (Prior, 2003: 65). Consideramos que a Tate é um exemplo para entender porque Knell (2007b: 4) chamou à criação do museu no século XIX um ato de ajustamento social, ou seja, um dos muitos atos praticados na sociedade para nivelar interesses e, principalmente, diferenças políticas, sociais e religiosas, o que se mantém até ao presente. Apesar de continuar a ter no seu espaço a presença de forças dominantes que movem interesses ideológicos e económicos a seu favor, o museu continua a ter na sua organização objetivos de nivelamento social ao optar por práticas mais inclusivas de exibição, por representar no seu espaço a multiculturalidade e por continuar a democratizar o acesso ao conhecimento. Esta flexibilidade em relação à mudança conduziu Crane (2011: 98) ao desenvolvimento de uma interessante perspetiva que vê o museu na sua complexa relação com o tempo. Por um lado porque, na sua função de conservar e de preservar a memória através dos objetos, consegue aquilo que a autora denomina fixed ephemerality através de narrativas de atemporalidade e de progresso que fixam o conhecimento no seu espaço. Por outro, porque é um lugar privilegiado para se observarem as mudanças 4

operadas na sociedade ao longo do tempo e as suas adaptações aos contextos históricos que também influenciam os modos como o museu organiza o tempo e a memória. Relativamente à contemporaneidade do museu e à sua relação com o tempo, Manuel Castells considera a Tate Modern, a par do Guggenheim Bilbao e do San José Tech Museum da California, o melhor exemplo de construção de novas temporalidades na medida em que sobrepõem presente, passado e futuro no mesmo espaço. Ao perspetivar as tendências de evolução do museu, Castells (2010: 430) questiona como se definirá a sua ação, na medida em que, sendo um repositório da temporalidade, opera num tempo que se caracteriza pelo fim da vivência sequencial do mesmo. Que tipo de intervenção pode ter o museu nas contradições que emergem da sociedade de informação? Sendo a cultura uma manifestação que se articula na relação entre o espaço e o tempo, o que acontece quando o tempo tende para a fragmentação e o espaço é globalizado e organizado em fluxos de comunicação eletrónica que se cruzam em redes?

This situation issues in a dissociation between, on the one hand, global, cosmopolitan culture, based on the dominant networks of the space of flows, and, on the other hand, multiple, local identities based on particular codes drawn from local experience. As the archival tradition, for instance the museological tradition, becomes increasingly cosmopolitan, particular identities are forced to become standardized in order to circulate globally as commodities.” (Castells, 2010: 432)

As visões, conceitos e formulações acima apresentadas são de vozes importantes cujo eco contribuiu para consolidar um pensamento acerca do museu, dos seus objetos, dos seus enquadramentos e das suas mutações, e também para o mostrar como um campo fértil para a análise de como articulou ao longo do tempo, e em vários contextos económicos, sociais e culturais, questões como o poder, a representação e a identidade. Se por um lado o número de museus aumentou significativamente após a Segunda Guerra Mundial também o seu público se alterou significativamente deixando de ser concebido como uma massa anónima para educar e civilizar para, com mais poder económico, mais escolarização e tempo para o entretenimento e com mais escolhas para o lazer, passar a ter expetativas mais exigentes para o museu, desenvolvimentos que exigiram um aprofundamento da reflexão acerca do museu e das suas práticas (Hudson, 1975; 2004). Com todas estas alterações foi inevitável uma transformação na estrutura profissional do museu. Até aos anos 60 do século XX esperava-se que o seu diretor ou curador cuidasse da coleção, montasse uma exposição temporária e tomasse medidas para que o

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visitante tivesse uma conduta aceitável. Quando, a partir da segunda metade desse mesmo século, os interesses comerciais invadiram o espaço do museu e as suas práticas pediu-se aos seus responsáveis que atendessem não só a esses aspetos mas que colocassem em prática estratégias que, além de chamar um maior número de visitantes, os fizessem regressar para, além de contemplar arte, consumir na loja, no café ou no restaurante do museu. Nos anos 70 do século XX verificou-se, por parte da academia, um aumento do interesse pelo museu e pelo seu estudo, com a Universidade de Leicester no Reino Unido a qualificar os primeiros profissionais para trabalhar nos museus, conferindo os primeiros graus académicos nesta área. Esta mudança coincidiu com a emergência de uma Nova Museologia (Vergo, 1989) através da qual se procurou um novo mapa conceptual para a análise do museu passando de um paradigma que olhava para questões ligadas à administração, à educação e à conservação para outro que passou a questionar os modos de contextualizar os objetos, fazendo emergir uma crítica que passou a dar considerável atenção às questões de representação, ou seja, o modo como os significados são construídos e exibidos e como se perspetivam em relação a noções de arte e de cultura, a identidade (de género, etnia ou classe social). Mas foram, em grande parte, os caminhos abertos pelas críticas feminista e pós- colonial que contribuíram para desconstruir o modo como o conhecimento era transmitido pelo museu através de exposições que naturalizavam contextos históricos, políticos e sociais em detrimento de outros, discutindo os aparatos discursivos através dos quais o museu reconhecia ou ocultava identidades, histórias ou personalidades. Publicado em 1995, The Birth of the Museum de Tony Bennett é um marco no estudo do museu público europeu no qual é pedido ao leitor que o veja como uma estrutura discursiva e como uma tecnologia de poder do século XIX através da qual os objetos eram exibidos com o propósito de legitimar o Estado-nação como uma formação alicerçada na tradição, na autoridade do génio artístico e na criatividade, no progresso científico e tecnológico, e que consolidava uma visão imperialista e eurocêntrica do conhecimento e da cultura. Quase dez anos depois, em 2003, Andrea Witcomb, uma crítica da formulação de Bennett, propôs em The Museum Beyond the Mausoleum uma visão para esta instituição para além os limites do exercício do poder e da governamentalização da cultura, trazendo para a análise um conjunto de perspetivas em relação às quais o museu também se constituiu: o entretenimento, o consumo e a cultura popular, reconhecendo a 6

sua função para além de mausoléu e guardião de cultura, ou seja, não só como instrumento de exercício de poder mas também como um local de procura de prazer. Witcomb (2003: 10) considera que a visão de Bennett, muito colada à tendência dos Estudos Culturais para o estudo do exercício do poder e para ver o museu preso às metodologias disciplinares e disciplinadoras do século XIX, tem deixado o caminho aberto para o preconceito e para que seja por vezes considerado menos relevante para a análise contemporânea. A autora argumenta que o museu deve ser também analisado em função das respostas que deu a forças externas, nomeadamente a forças sociais contraditórias que ocorreram com a democratização da cultura. Reconhece, contudo, que está na abordagem multidisciplinar dos Estudos Culturais uma das únicas possibilidades de perspetivar o museu em relação a essas forças, contraditórias ou não, mas, seguramente, diversas e que o ligam ao mundo. Carbonell (2004: 2) considera igualmente que o estudo do museu deve ser feito no contexto das práticas culturais na medida em que apresenta características que proporcionam uma base sólida para análise cultural, tem uma existência material e oferece representações responsáveis pela produção de significados. Por estes motivos, e tendo o conceito de cultura no seu sentido abrangente de hábitos, crenças, artes e instituições, aponta os Estudos Culturais como o olhar teórico que melhor enquadra o museu, as suas práticas e as suas coleções. A cultura diz respeito a ideias e valores, modos de vida, expressão e comunicação partilhados entre os indivíduos em contextos definidos num determinado ponto da História. A cultura como promotora da interação social fornece um enquadramento para as diferentes formas de comunicação entre os membros de uma sociedade ajudando a compreender processos de definição da existência social dos indivíduos, de construção de identidade, de formação de relações de poder e de criação de valor. Pareceu-nos, por isso, fulcral ancorar a nossa abordagem nos Estudos Culturais, na medida em que, no campo das Humanidades, se apresentam como uma prática intelectual que permite analisar os fenómenos culturais sem a distinção entre cultura erudita e cultura popular e através de suportes tão diversos como o cinema, a música, a literatura, a arte, a publicidade, a tecnologia ou os media (During, 1993b; Hall, 1992). Essa diversidade é importante porque, oferecendo não só a teoria crítica mas também análises de contexto, os Estudos Culturais permitem examinar a natureza das relações entre a cultura e a sociedade, a história, a política e a tecnologia, fornecendo uma grande amplitude de análises para questões-chave da contemporaneidade como a criatividade 7

humana e a produção e consumo da cultura nos seus enquadramentos locais e globais. Esta é uma ancoragem importante do trabalho que se apresenta nesta tese, porque permite, através de um olhar multidisciplinar, mostrar como os objetos se desprenderam do mundo privado a que pertenciam, passaram a integrar o espaço do museu sujeito ao rigor disciplinar e aos objetivos reformistas do século XIX e como este passou a comunicar com a sociedade e com as forças que a moldaram. A metodologia abrangente e reflexiva dos Estudos Culturais (Hopper, 1995) parece-nos necessária e a mais propícia para estudar o museu e a Tate em particular como um lugar que reflete a evolução do processo histórico no qual se inscrevem transformações políticas, económicas e sociais a par de estimulantes debates ideológicos e estéticos que nos mostram que é uma instituição complexa no seu percurso mas um contributo importante para a história da cultura. Este é o enquadramento da presente tese, na qual pretendemos refletir acerca da origem do museu no contexto da formação do Estado-nação no século XIX e explorar, a partir daí, algumas transformações que foram cruciais para a evolução desta instituição como o emergir da sociedade de consumo e da esteticização do quotidiano, o desenvolvimento dos media, a transformação da cultura em pacotes comercializáveis ajustados ao gosto do entretenimento, a globalização e o avanço tecnológico e o interesse renovado no museu no contexto da regeneração urbana. Com o título A Tate Gallery – de Millbank a Bankside esta tese explora o percurso da Tate Gallery em Londres, desde o seu contexto de criação e posterior abertura em 1897 com o nome National Gallery of British Art até ao presente tendo como enquadramento as transformações sociais, económicas e culturais que marcaram os séculos XIX, XX e XXI. A escolha justifica-se por considerarmos a Tate uma das mais apaixonantes instituições no panorama cultural britânico para a análise da evolução do museu. A sua existência de quase cento e vinte anos apresenta uma fascinante diversidade de figuras, acontecimentos e escolhas para estudar como lidou com a visão inovadora do seu criador, com conservadorismo dos seus primeiros gestores, com as imposições que marcaram a definição da sua identidade, com a arte, com o Estado e as suas políticas para a cultura, com os públicos e com os fundos financeiros para gerir as suas necessidades. Sendo um trabalho realizado no âmbito de um programa de doutoramento na especialidade de Cultura e Comunicação, privilegia, obviamente, essas duas vertentes: a análise cultural e a abordagem das estratégias comunicativas usadas pela Tate para 8

divulgar a sua missão aos públicos e para a construção da sua identidade da marca. Por isso, a par da Teoria Cultural foi essencial recorrer a um corpo de leituras, também ele com uma forte componente interdisciplinar, os Estudos de Comunicação, para perspetivar as tendências de empresarialização das artes a partir dos anos 80 do século XX, para entender as especificidades do produto cultural e para clarificar os conceitos de branding e marketing e definir as suas estratégias no campo das artes. Foram igualmente essenciais o estudo e a investigação nesta área de conhecimento para abordar o funcionamento da arte e da cultura num sistema de mercado com a gestão centrada no visitante e problematizando os seus efeitos em instituições nas quais se articulam interesses públicos e privados. O caminho do museu, a partir do momento em que os objetos saíram do mundo privado do gabinete de curiosidades do príncipe ou do nobre, passou a fazer-se num espaço arquitetónico construído para o consumo coletivo da arte e de acordo com poderes e interlocutores que, até ao presente, submeteram esses mesmos objetos a enquadramentos ideológicos, sociais e económicos que alteraram a sua função inicial e os puseram ao serviço dos interesses dominantes de cada período. A crescente valorização comercial da cultura e o que hoje vemos como uma re-imaginação, uma reconfiguração ou até para alguns a emergência de um novo museu, traduz não mais do que uma convergência com tendências globais de investimento nos bens simbólicos e de comercialização do passado e da memória. Pretendemos demonstrar, através da Tate Gallery, que o percurso do museu público europeu, apesar de pautado por períodos de conservadorismo que o conduziram a alguma estagnação, também foi de fluidez, de flexibilidade e de diálogo com a sociedade e evidenciar a nossa convicção de que o museu não se encontra em crise na contemporaneidade. A par de continuar a mostrar objetos de arte e da ciência, funciona como pólo de desenvolvimento económico de zonas requalificadas e, em muitos contextos, é um íman para atrair turistas. Os que problematizam a gestão empresarial do museu oscilam entre os que abraçam a colaboração com a iniciativa privada e os que a demonizam e responsabilizam pela perda de qualidade e de autenticidade. Os que analisam as suas práticas variam entre visões mais conservadoras ou mais renovadoras, entre os que continuam a valorizar a experiência da contemplação do objeto autêntico e os que acreditam nas inúmeras possibilidades oferecidas pelo formato multimédia, entre a função de educar e a de entreter. Queremos defender através do exemplo da Tate que, apesar de muitas vezes ter sido 9

criticado pelos enormes custos de manutenção e pela transmissão de uma visão estática da cultura e da sociedade, o museu foi capaz de redefinir a sua identidade através de uma ligação com a sociedade e de uma reorientação da sua missão, renegociando a sua relação com os públicos e aprofundando a reflexão acerca do seu papel principalmente nas sociedades pós-industriais, pós-coloniais e globalizadas. A estrutura escolhida para esta tese segue a linha cronológica do percurso da Tate nos contextos de mudança social, económica e tecnológica dos séculos XIX, XX e XXI desde a sua origem como aparato ideológico do Estado-nação até às tendências contemporâneas do desenvolvimento do museu-marca. Assim, o primeiro capítulo apresenta as coordenadas teóricas que permitem analisar criticamente ao longo de todo o trabalho os contextos de formação e de desenvolvimento da Tate Gallery. Este capítulo tem como objetivo fornecer o quadro conceptual para os temas e perspetivas desenvolvidos nesta tese. Inclui o contexto histórico de criação do museu público europeu e uma revisão de estudos que configuram definições e perspetivas essenciais à análise multidisciplinar do seu percurso ao longo dos séculos XIX e XX e dos caminhos e desafios que para ele se abrem no novo milénio. Tendo uma base interdisciplinar de análise que abarca áreas como a Teoria Cultural, Estudos sobre Museus, a História Social, a Sociologia, o Planeamento Urbano, o Turismo, os Media, o Marketing e Comunicação, percorremos autores cujo contributo é fulcral para a análise das mudanças que mais marcaram o percurso do museu tais como o desenvolvimento das cidades no século XIX, o nascimento da sociedade de consumo e a sobreposição das lógicas económicas sobre outras formas de organização social, a crescente dominância dos media sobre a produção cultural e a vivência social e os impactes do desenvolvimento tecnológico nas práticas do museu. Começamos por, após questões ligadas ao vários âmbitos da sua definição ao longo do século XX, apresentar o museu como um campo privilegiado para estudar a representação e a produção de identidades. Olhamos com particular atenção o contributo do pensamento de Michel Foucault para uma abordagem discursiva ao estudo do museu que permite entender a criação do museu público europeu no século XIX no quadro da instrumentalização da cultura pelos governos e dos autores que como Tony Bennett e Eilean Hooper-Greehill, entre outros, desenvolveram uma reflexão importante nesta linha. Revemos brevemente o surgimento da Nova Museologia e do seu contributo para 10

perspetivar uma das mudanças mais significativas na reflexão sobre os museus na década de 70 do século XX decorrente da necessidade de se reposicionarem face a críticas crescentes relativas ao seu fechamento e a um certo distanciamento ou indiferença face a novos contextos sociais dos quais estavam a emergir novos públicos. Mostrou-se também importante recorrer à teoria pós-modernista para enquadrar o museu nas mudanças operadas nas últimas décadas do século XX, nomeadamente o fim das economias industriais, o enfraquecimento do Estado-nação e a emergência de uma sociedade com vivências mediatizadas e esteticizadas alicerçadas em economias de serviços com uma base cultural, tecnológica e informacional muito preponderante. A análise da pós-modernidade permite perspetivar o desenvolvimento do museu no contexto da ligação da cultura a lógicas económicas que passaram a ser dominantes na sociedade e que conduziram a que o museu tivesse de optar por uma empresarialização da sua gestão e por uma valorização comercial da sua coleção e das suas exposições, agora colocadas no mercado como produtos ou serviços através de estratégias comunicativas apoiadas por técnicas de marketing e branding. Também neste capítulo é feito o enquadramento do museu nos projetos de regeneração urbana e a sua centralidade no desenvolvimento do turismo, principalmente de um dos seus segmentos, o turismo cultural; e na promoção da imagem das cidades com o objetivo de atrair visitantes, residentes e investimento internacionais. Revemos também de que modo a internacionalização dos públicos das cidades tem desafiado o museu, agora mais focados no modo como organizam identidades a nível individual, nacional e global. No segundo capítulo são explorados em primeiro lugar aspetos contextuais relativos à sociedade vitoriana e ao enquadramento social, político e económico que deu origem a muitas galerias londrinas, nomeadamente a National Gallery criada como aparato ideológico ao serviço da consolidação do Estado-nação para regulação e educação das populações na cidade de Londres. De seguida é feito o enquadramento de origem da Tate Gallery, criada como National Gallery of British Art, um anexo da National Gallery para exibir arte britânica gerida sob a influência conservadora desta última e também da Royal Academy. São examinados neste capítulo as problemas e controvérsias criados na época relativamente à construção de uma galeria de arte nacional e aos interesses que em torno dela se revelaram e, no período após a sua abertura, as dificuldades em gerir a National Gallery of British Art, uma galeria de arte nacional moderna e contemporânea que 11

dependia da National Gallery, edificada para exibir a evolução da História da Arte desde 1250, sob a perspetiva de que a arte nacional poderia melhorar através da cópia dos Velhos Mestres europeus, principalmente do Renascimento italiano, cuja visibilidade e importância eram evidentes na sua linha de representação. Exploramos a difícil articulação de interesses entre as duas galerias em termos de prioridades aquisitivas e de disponibilização de fundos e como a National Gallery of British Art foi constituindo a sua coleção, sem fundo governamental para aquisições e com a obrigatoriedade, a partir de 1917, de coleccionar também arte moderna internacional, uma sugestão expressa no Curzon Report (1915), um documento cujas conclusões tanto contribuíram para lançar as bases para o processo de separação da National Gallery como para dar início a uma divisão da coleção e a uma identidade dual à Galeria. Também aqui revemos a importância de um outro documento importante para a organização das coleções nacionais, o Massey Report (1946), fundamental para ativar o processo de separação da Nationl Gallery e da já então Tate Gallery, que se concretizou na aprovação em 1954 do National Gallery e Tate Gallery Act e forneceu a moldura legal para que a Tate tivesse uma efetiva autonomia financeira, um fundo governamental próprio e um Board of Trustees com plena autoridade para gerir a coleção, os fundos e as prioridades da Galeria. No terceiro capítulo é explorada uma fase da Tate Gallery desde 1954-55 até ao final dos anos 70 do século XX, período durante o qual a sua identidade teve de ser (re)construída após a independência face à National Gallery. Pretendemos mostrar que o facto de, em 1917, a sua missão original de mostrar arte britânica contemporânea ter sido consideravelmente deturpada por lhe ter sido atribuída a obrigação de colecionar arte britânica ‘histórica’ a partir de 1500 e arte moderna internacional condicionou largamente a possibilidade de construir uma identidade alicerçada na sua missão inicial de mostrar arte britânica contemporânea. Realçamos neste capítulo o facto de a constituição da coleção ter sido um desafio permanente tanto de gestão de prioridades de aquisição de arte nacional e internacional como também de articulação das duas vertentes no espaço de Millbank. Também neste capítulo examinamos de que modo neste período a administração da Tate se posicionou relativamente ao facto de estarem a ocorrer mudanças sociais quer em Londres quer em contextos geográficos mais alargados que estavam diversificar e a alterar os públicos, fazendo-os muito mais conhecedores e aptos para consumir arte, e a 12

tornar o mercado cultural muito mais competitivo, diverso e complexo. O quarto capítulo diz respeito a uma fase do percurso da Tate que corresponde às décadas de 80 e 90, durante a qual começou a revelar uma postura inovadora relativamente a uma reconfiguração do museu que progressivamente deixava de tutelar a formação do cânone, abandonava a sua imagem de mausoléu e de guardião do conhecimento do passado para educar e civilizar as populações e passava a assumir novos papéis na sociedade como espaço de consumo, de entretenimento e de socialização Estas décadas, marcadas pela criação do Turner Prize em 1984, pela abertura das galerias de Liverpool em 1988 e de St Ives em 1993, sinalizaram um redirecionar do caminho da Tate não só no sentido de encontrar novos mercados para o consumo de arte como também de assumir a cultura como um motor de desenvolvimento regional e, com a criação do prémio, de abrir novos caminhos e plataformas para a divulgação de arte britânica contemporânea, agora numa sociedade na qual a arte e a cultura ficavam cada vez mais moldáveis aos interesses do entretenimento. É abordado aqui também, à beira das comemorações do seu centenário, o reposicionamento da Galeria para a viragem do milénio, apostada no aprofundamento de estratégias de internacionalização e de empresarialização dos seus serviços. A operar numa cidade com uma projeção global, a estratégia de desenvolvimento da Tate teve como objetivo criar as bases no fim da década de 90 do século XX para se colocar em patamares mais elevados de divulgação da sua imagem através de uma lógica de marca. O último capítulo do nosso estudo concentra-se nas primeiras décadas do século XXI e na evolução da Tate em Londres, cidade na qual abriu a sua quarta galeria, a Tate Modern dedicada à mostra de arte moderna e contemporânea internacional. Pela primeira vez depois de 1917 com a possibilidade de devolver à Tate em Millbank o espaço para exibir apenas arte britânica e após um processo de rebranding em 2000 que lançou definitivamente a Tate numa lógica de marca, analisamos que tipo de visões são propostas para o seu desenvolvimento num enquadramento de grande volatilidade de públicos, da mediação feita pelas tecnologias, de grande fragmentação de identidades e de mercados muito competitivos. Veremos qual a situação da Galeria relativamente aos desenvolvimentos urbanísticos a ocorrer em Londres e ao modo como se coloca em linha com os planos da cidade para promover uma identidade global através da cultura. Tentamos, por fim, perspetivar algumas linhas de desenvolvimento para a Tate no contexto das tendências de evolução 13

para museus e galerias de arte no terceiro milénio. A pesquisa de informação teve duas vertentes e foi conduzida em Portugal e em Inglaterra. As fontes bibliográficas necessárias à elaboração do enquadramento teórico deste estudo foram, em grande número, consultadas na Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A consulta de muitas obras que permitiram consolidar a reflexão acerca do colecionismo, das origens e das histórias do museu e das suas tendências de evolução foi feita na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, na qual também foi possível fazer a leitura dos relatórios de atividade da Tate Gallery relativos aos anos 60 do século XX assim como de um dos primeiros catálogos da National Gallery of British Art, publicado em 1897. Em Londres foram procuradas fontes documentais relativas à vida da Galeria no arquivo da Tate Gallery, em Millbank, e da National Gallery, em Trafalgar, onde foi possível consultar atas, relatórios, legislação, correspondência, memorandos, catálogos de exposições e artigos de imprensa essenciais à clarificação de muitos aspetos relativos à criação e evolução da Tate. Longos e importantes foram também os períodos passados na Tate Britain, na Tate Modern e na National Gallery a observar o interior e o exterior dos seus edifícios, as suas exposições, a organização e a renovação dos espaços, a circulação dos visitantes, as lojas, os cafés e restaurantes, essenciais para perceber o que Raymond Williams define como structure of feeling, ou seja, absorver as suas dinâmicas e observar a construção dos seus aparatos discursivos a partir da vivência do tempo e do lugar. Também a visita a outros museus e galerias londrinos como a Royal Academy, a Whitechapel Art Gallery, o British Museum, o Victoria and Albert Museum e a National Portrait Gallery foi fundamental porque, todos nascidos no mesmo contexto de exposição das populações às artes iniciado no século XVIII, constituiu um complemento precioso para construir uma visão de conjunto e para refletir acerca das articulações e dos nexos existentes entre estas instituições, a Tate e a National Gallery desde a sua origem até aos dias de hoje. Queremos com o desafio do estudo da Tate Gallery e dos seus contextos de evolução, muitas vezes pautados pela rebeldia das suas escolhas, pelo mediatismo dos seus eventos, pela comercialização da arte e pela ousadia de ambicionar colocar-se sempre em patamares que inicialmente não tinham sido planeados para ela, contribuir para explorar um percurso que não fique confinado aos limites do estudo aqui apresentado e que se possa abrir à reflexão tanto para comparar como para concordar ou divergir mas, 14

acima de tudo, para proporcionar caminhos para novas e estimulantes leituras e interpretações acerca da cultura, da Tate ou de outros museus e do seu papel na sociedade.

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1. Museu, cultura, representação e identidade

The movement of the museum from the inner recesses of the house into more permeable spaces that accompanied the Renaissance cabinet was also a movement from silence into sound… (Bennett, 2011: 267)

O museu é, desde o século XIX, um símbolo da sociedade ocidental e do seu legado histórico, científico e estético e um espaço de exercício de poder, de aprendizagem e de lazer e, através da sua arquitetura, coleções e exposições atuou ao longo do tempo como um barómetro da sociedade e um mediador dos seus valores. Na contemporaneidade pós-colonial, pós-industrial e global o museu, sujeito à pressão de muitas forças para democratizar o seu acesso, teve de mudar drasticamente e reinventar-se, incorporando novas funções, adotando um racionalismo económico para muitas das suas práticas e mediatizando os seus eventos para captar uma maior abrangência de públicos. Em 1946, após a destruição de património edificado, a pilhagem e o saque de milhares de obras de arte durante a Segunda Guerra Mundial, foi criado, sob a égide da UNESCO, o International Council of Museums (ICOM), que estabeleceu nos seus estatutos princípios ligados à preservação e exibição de legados artísticos, científicos e naturais a apresentou uma primeira definição de museu:

The word "museum" includes all collections open to the public, of artistic, technical, scientific, historical or archaeological material, including zoos and botanical gardens, but excluding libraries, except in so far as they maintain permanent exhibition rooms. (ICOM Constitution, 1946, section II, article 2)

Nas décadas seguintes, esta definição foi abrangendo uma maior diversidade de

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organizações e suas coleções e, principalmente a partir dos anos 70, verificou-se que o museu passou a ter em conta não só a função de preservar e exibir coleções mas também a de servir as comunidades e de comunicar com elas:

A museum is a non-profit making, permanent institution in the service of the society and its development, and open to the public, which acquires, conserves, researches, communicates, and exhibits, for purposes of study, education and enjoyment, material evidence of man and his environment. Article 4 a.conservation institutes and exhibition galleries permanently maintained by libraries and archive centres. b.natural, archaeological, and ethnographic monuments and sites and historical monuments and sites of a museum nature, for their acquisition, conservation and communication activities. c.institutions displaying live specimens, such as botanical and zoological gardens, aquaria, vivaria, etc. d.nature reserves. e.science centres and planetariums. (ICOM Statutes, adopted by the 11st General Assembly, Copenhagen, Danmark, 14 June 1974)

A definição atual, adotada em 2007 na 22ª Assembleia Geral do ICOM em Viena, continuando a contemplar as práticas de conservação, exibição e comunicação, passou a associar o conceito de museu não só à cultura material mas também ao património intangível da humanidade:

Article 3 - Definition of Terms Section 1. Museum. A museum is a non-profit, permanent institution in the service of society and its development, open to the public, which acquires, conserves, researches, communicates and exhibits the tangible and intangible heritage of humanity and its environment for the purposes of education, study and enjoyment. (ICOM Statutes, adopted by the 22nd General Assembly,Vienna, Austria, 24 August 2007, article 3, section 1)

As alterações verificadas na definição de museu dão conta das muitas adaptações que esta instituição foi fazendo durante os séculos XX e XXI e, com uma abrangência de práticas que se estende na atualidade à exibição do património intangível da humanidade, dos ajustamentos que tem de fazer à própria noção de colecionar. Estas alterações também tiveram reflexos no modo como se investigou sobre o museu e, principalmente, como se foram alargando e diversificando as perspetivas críticas que o olharam como objeto de estudo. Durante grande parte do século XX, os estudos sobre o museu viram-no sobretudo como uma instituição colecionadora e conservadora de objetos dos quais sobressaíram questões ligadas à biografia dos

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colecionadores, à história das coleções, à sua gestão e conservação. Contudo, e reflexo dos vários reposicionamentos a que o museu foi sujeito principalmente a partir das últimas décadas do século XX, foi necessário fazer novas abordagens ao seu funcionamento, estudar as suas estruturas discursivas e olhá-lo relativamente a questões como a representação, o poder e a identidade. Considerando este alargamento da análise um passo fundamental para que o museu passasse a ser visto como um objeto de estudo para mais disciplinas, no capítulo introdutório de A Companion to Museum Studies, Sharon Macdonald refere que os estudos sobre museus atingiram a maioridade. Por um lado, pelo aumento do número de museus em todos os continentes e pela oferta crescente de cursos, publicações e eventos cujo objeto de estudo e de discussão é o museu; por outro, porque se tornou um campo de debate estimulante para disciplinas que anteriormente lhes haviam dedicado pouca atenção. Por sua vez, o alargamento deste debate também aprofundou a noção de que esta é uma área que se abre cada vez mais a metodologias e abordagens que consolidam a sua natureza multi- e inter- disciplinar refletindo a diversidade de perspetivas que têm vindo a contribuir para estudar a complexidade do museu como uma estrutura ideológica, social e cultural ligada à coleção e à classificação dos objetos, à educação dos povos e na qual se cruzam práticas arquitetónicas, comerciais e estéticas1. Na verdade, foi a partir dos anos 80 do século XX que o museu passou a ser estudado nos contornos ideológicos inerentes às suas práticas e nas relações de poder que se

1 Para esta abertura do museu como objeto de estudo muito contribuíram os organismos criados para a regulação do seu funcionamento, para a salvaguarda das suas coleções e para a formação dos seus profissionais. A Museums Association, a mais antiga associação de museus do mundo foi fundada em 1889 em Inglaterra e a American Association of Museums (American Alliance of Museums, a partir de 2012) nasceu em 1906 e estas organizações e outras de menor dimensão foram essenciais à formação de uma consciência de partilha de conhecimento entre profissionais e do realce de papel do museu na sociedade que deu origem a um grande número de publicações. Destacamos The Museum News (publicada pela American Association of Museums, 1923), a Museum (publicada pela UNESCO a partir de 1948), The Museologist (publicada pela The Northeast Conference of Museums a partir de 1942), a Curator (publicada pela American Museum of Natural History, a partir de 1958), a Museum Report (publicada pela American Association of Museums, 1962), a Museum Studies (publicada pelo Art Institute of Chicago, 1966) ou, mais recentemente, a Museum Practice, (publicada pela Museums Association, a partir de 1996), a Museum and Society (publicada pela Universidade de Leicester a partir de 2002, em formato digital). Não especificamente ligadas à atividade dos museus mas dando considerável relevo ao colecionismo realçamos também a importância das revistas The Burlington Magazine (1903) Connoisseur (1901-1992) e Apollo (1925).

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articulam no exercício das mesmas, o que exigiu o cruzamento de perspetivas de mais disciplinas que permitiram estudá-lo fora das linhas convencionais ligadas à biografia dos colecionadores, à história das instituições e à conservação das coleções. Esta viragem na reflexão acerca do museu foi resultado da emergência de uma abordagem discursiva ancorada na teoria de Michel Foucault relativamente à construção e difusão do conhecimento, através da qual se conceptualizaram as práticas museológicas no quadro da instrumentalização e da governamentalização da cultura e das relações entre poder e conhecimento (Fisher, 2004; MacDonald, 1998a). O contributo de Foucault (1970; 1972; 1982) foi dado pelo desenvolvimento de ferramentas analíticas importantes para enquadrar os fenómenos sociais e culturais estando subjacente na sua análise que o conhecimento sobre as pessoas, os objetos ou as instituições não existe fora dos discursos que se produzem sobre eles. O conceito de ‘epistema’ por ele teorizado permite olhar cada momento histórico como uma formação discursiva produzida em instituições específicas com o objetivo de regular condutas sociais através da aplicação de técnicas disciplinares fazendo afirmar certos discursos que funcionam como regimes de verdade e que articulam elementos de natureza cultural, legal, política, científica e social. A partir deste enquadramento, a teoria crítica tem tratado principalmente a origem do museu público europeu como uma estrutura ideológica da cultura ocidental ligada ao projeto da modernidade através da qual práticas de colecionismo individuais tornadas coletivas são reveladoras de complexas articulações entre o poder e o conhecimento (Bennett, 1995). Nesta discussão, Hooper-Greenhill (1992) relaciona a noção de epistema com as transformações verificadas na formação do conhecimento e as suas consequências nas práticas museológicas e nas suas estratégias representacionais. A autora dá relevância ao museu nas práticas de colecionismo até ao século XIX e ao modo como este institucionalizou as coleções e (re)contextualizou2 os seus objetos num espaço que os relaciona por vezes com outros provenientes de outras coleções, construindo discursos e aparatos interpretativos nos quais a arte e a ciência eram hierarquizados e mostrados.

2 Não só o modo de exibir os objetos mas processos como o armazenamento ou a catalogação são responsáveis pela sua integração numa coleção ou numa categoria das quais não fazia parte inicialmente, o que reconfigura imediatamente a sua identidade. Miller (2007) apresenta o desenvolvimento da noção de artefacto e evidencia como o museu contribui para que a organização do conhecimento seja uma construção cultural.

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A abordagem textual e discursiva do museu remete também para uma noção de cultura como um sistema de significação socialmente construído e enraizada em interpretações simbólicas (Geertz, [1973] 1993) fazendo-a emergir como um sistema de práticas de representação através do qual um grupo social estrutura e regula a vida coletiva e individual. Nesta linha, Hall (1997) conceptualizou a cultura como um processo de troca de significados entre os membros de um grupo ou da sociedade através do qual os indivíduos atribuem significado a pessoas, objetos ou eventos de acordo com práticas simbólicas partilhados no enquadramento das interações sociais e presentes nas várias fases do circuito cultural:

The emphasis on cultural practices is important. It is participants in a culture who give meaning to people, objects and events. (…) It is by our use of things, and what we say, think and feel about them – how we represent them – that we give them meaning. In part, we give objects, people and events meaning by the frameworks of interpretation which we bring to them. In part, we give things meaning by how we use them, or integrate them into our everyday practices. (…) In part, we give things meaning by how we represent tem – the words we use about them, the stories we tell about them, the images of them we produce, the emotions we associate with them, the ways we classify and conceptualize them, the values we place on them. (Hall, 1997: 3)

Socorrendo-se da herança de Sausurre (1916), Hall coloca a linguagem no centro dos mecanismos de produção de sentido na medida em que é o sistema representacional privilegiado, com os seus símbolos e signos, para representar pessoas, objetos, conceitos e ideias e, daí, todas as práticas culturais poderem ser consideradas uma linguagem. O museu, uma instituição que exibe cultura(s), define e atribui valores e comunica significados nos seus vários contextos expositivos cuja interpretação surge maioritariamente em suportes linguísticos. Woodward (1997: 14-15) enfatiza que a relação entre os sistemas simbólicos da representação e a produção de identidades traz à superfície uma problemática importante para o estudo do museu que se prende com o pressuposto de que o exercício do poder está sempre subjacente a todas as práticas significativas envolvidas na produção, definição e representação de identidades. Macdonald (2003) e McLean (2005) estudam estas articulações no campo das diferentes identidades produzidas pelo museu, nomeadamente nacionais e transnacionais. O museu, como sistema representacional, produz significados acerca de grupos, acontecimentos ou lugares,

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podendo definir, excluir ou até criar novas identidades, o que o constitui como um campo particularmente apto não só para a contestação do conhecimento exibido mas também para a interrogação acerca dos mecanismos de produção da cultura e dos seus efeitos nas relações sociais. Realçando a ação do museu como construtor e reprodutor de uma identidade coletiva através das suas estratégias de representação e, por isso, um pilar importante na atribuição de conteúdo simbólico a essa identidade, trazemos a este debate a perspetiva de identidade explorada por Manuel Castells que destaca precisamente o papel e o poder das instituições responsáveis pela sua construção:

It is easy to agree on the fact that, from a sociological perspective, all identities are constructed. The real issue is how, from what, by whom, and for what. The construction of identities uses building materials from history, from geography, from biology, from productive and reproductive institutions, from collective memory and from personal fantasies, from power apparatuses and religious revelations. But individuals, social groups, and societies process all these materials, and rearrange their meaning, according to social determinations and cultural projects that are rooted in their social structure, and in their space/time framework. I propose, as a hypothesis, that, in general terms, who constructs collective identity, and for what, largely determines the symbolic content of this identity, and its meaning for those identifying with it or placing themselves outside of it. (Castells, 1997: 7)

A exibição da coleção apresenta-se como o sistema privilegiado para estudar o domínio da representação associado a estruturas discursivas através das quais se articulam narrativas que expõem o(s) poder(es) institucionais e simbólicos existentes no espaço museológico. Por sua vez, a exposição temporária apresenta-se como uma importante ferramenta para estudar as implicações sócio-políticas da representação cultural através das estratégias estéticas adotadas e das formas de persuasão que estão associadas aos materiais de apoio utilizados3. Os estudos de Karp (1991) e Lidchi (1997) têm permitido realçar noções de ‘poética’ e de ‘política’ nas práticas expositivas pelo modo como comunicam significados que contribuem para legitimar determinadas narrativas acerca de indivíduos, grupos ou ‘histórias’ em detrimento de outros. A ‘poética’ de uma exposição refere-se à produção

3 Alpers (1991) com um estudo do Musée d’Orsay e da National Gallery desenvolve o conceito de museum effect através do qual explora, baseando-se nas teorias que relacionam o poder e o conhecimento, o modo como as exposições e todos os seus dispositivos (textos, imagens, materiais de suporte como catálogos e brochuras, entre outros) condicionam a interpretação do visitante.

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de significados através da articulação de vários elementos como os painéis de texto, as imagens ou os catálogos e que fazem parte de uma ‘política’ que resulta no modo como o museu exerce o seu poder na produção do conhecimento moldando-o de acordo com os interesses dos que o administram ou patrocinam. A ‘política’ de uma exposição tem subjacente a noção de que o ato de representar grupos, culturas e identidades é tudo menos imparcial e que o museu, nas suas práticas de exibição (desde a escolha do tema ao material de apoio à mesma) expõe muito claramente o modo como pretende que os visitantes vejam e assimilem os conteúdos expostos. Do trabalho destes autores sobressai, obviamente, o caráter altamente contingente do ato de exibir na medida em que é possível verificar em qualquer contexto de exibição que a mostra dos objetos não se resume à sua colocação em expositores e que a sua organização espacial e a relação com o conjunto dos restantes objetos contêm múltiplas mensagens que visam consolidar representações sociais e identitárias nas quais se podem observar forças dominantes ou forças subalternizadas numa sociedade. Os estudos feitos por Althusser (1984) e Thompson (1984) sobre o conceito de ideologia assim como a definição de hegemonia de Gramsci (1971) fornecem o enquadramento analítico para entender a criação do museu no século XIX como uma parte do projeto ideológico das elites emergentes no modo como usaram a cultura para legitimar o seu lugar e o seu poder na sociedade direcionando ideologicamente as práticas do museu para a construção de um determinado conhecimento ligado ligado à tradição, à evolução e ao progresso científico, o que se concretizou em mecanismos de persuasão do público como as práticas de exibição mas também na própria constituição e classificação das coleções. O modo como esta questão tem sido tratada permite-nos dar relevância aos estudos que têm evidenciado como os objetos foram usados para construir coleções públicas que se constituíram como estruturas ideológicas de organização e de interpretação do passado (Lowenthal, 1985) e de exibição da memória (Crane, 2000) e cujas práticas de exibição fazem emergir a complexidade de práticas e de relações de poder existentes na sociedade:

We want to suggest that material culture can be considered to be an articulated and structured silent material discourse forming a channel of reified expression and being linked and bound up with local practices and social strategies involving power, interests and ideology. (Shanks e Tilley, 2007)

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Reconhecendo as contingências ideológicas do ato de exibir mas colocando o debate sob outro ponto de vista, Hopper-Greenhill (2000) enquadra o museu em práticas e métodos de representação visual, em que ‘mostrar’ e ‘ver’ se constituem como processos de mediação entre os objetos e o público através dos quais se estabelecem hierarquias e relações de poder baseadas na exibição do conhecimento histórico, artístico e científico. A visão da autora tem como base uma sociologia da visualidade (Sturken e Cartwright, 2001; Mirzoeff, 1999) na qual se assume que é necessário trazer uma dimensão visual à análise da cultura e o museu, atuando como uma poderosa tecnologia através do impacte visual dos seus modos de exibir, apresenta-se como um espaço privilegiado para estudar a articulação entre poder e conhecimento nas suas práticas visuais. Ainda um reflexo da influência da abordagem discursiva no estudo do museu, Preziosi (2004) examina-o como uma estrutura de enquadramento da modernidade, na medida em que oferece uma moldura narrativa da cultura, da arte e da história do Ocidente, através de um aparato de textos, artefactos, sistemas classificatórios e práticas, fazendo do estudo dos museus uma das mais completas atividades descritivas da memória social através da reinvenção da história dos objetos em função do presente. Debruçando-se sobre o que denomina por museological technology, analisa o modo como este processo de reinvenção foi posto ao serviço da construção do cidadão moderno:

Art thus comes to be an instrument of that (burgeois) self-fashioning in the sense that artworks, as museological objects of desire, are constru(ct)ed as objects whose style or grace is worthy of emulation; whose spirit and vivacity one might well admire; whose uniqueness is worthy of remembering. (Preziosi, 2004: 79)

Neste programa de construção de uma nova cidadania essencial ao surgimento da sociedade industrial, Bennett (1995) vê a emergência da cultura no século XVIII como um campo no qual instituições disciplinadoras da vivência social funcionavam como instrumentos ideológicos do poder do Estado4 e dos que o representam, nas quais se incluem não só o museu mas também as grandes exposições universais que atuavam como complexos exibicionários suportados por grandes aparatos visuais desenvolvidos

4 Bennett (1999) estuda a governamentalização da cultura não só no século XIX mas também no presente, em relação à qual refere que o domínio da representação continua a ser dominado pelos governos mas muito mais pela economia e pelo consumo

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para controlar as populações nas grandes cidades e para transmitir narrativas de autoridade, conhecimento e progresso. Neste contexto, defende que os museus públicos europeus emergiram como mediadores entre o poder político e os cidadãos, com o Estado responsável pela educação. Este processo tinha subjacente a noção de que a elevação cultural do indivíduo se podia fazer através da contemplação e conhecimento de um conjunto de obras canónicas com vista ao aperfeiçoamento moral e intelectual (Arnold, [1869] 1961). Importa neste ponto reconhecer que não só o desenvolvimento do museu mas também uma difusão mais generalizada da cultura se deveram ao alargamento da esfera pública (Habermas 1989; McGuigan, 1996) em grande parte pela expansão da imprensa e de uma maior abertura à participação social, contexto no qual o direito à cultura começou a ser também reclamado pelas classes mais baixas. Habermas explora o modo como se processou a autonomização da esfera pública e da esfera cultural ao longo do século XIX, com todo o ambiente de tertúlias, cafés e salões literários a dar origem a espaços de debate e de conversa propícios a uma maior informalidade de contactos e nos quais circulavam artistas, críticos, colecionadores e membros das classes privilegiadas que se interessavam por arte. O autor descreve a esfera pública como uma criação do capitalismo mercantil com antecedentes no florescimento da sociedade burguesa no século XVI e na sua capacidade de criar mercados alargados e, por isso também, de espaços abertos ao debate público. Ainda que excluindo do seu modelo de análise as mulheres e as camadas mais baixas da pirâmide social, a emergência de uma esfera pública, segundo o autor, surge sob a pressão dos novos mercados capitalistas, do alargamento da literacia, do desenvolvimento da imprensa e de um processo de desmantelamento de hierarquias sociais com base no estado que contribuíram também para a formação do que denomina de ‘sociedade civil’. Evidenciamos que a evolução e a afirmação da esfera pública, agora alicerçada nos media e nas tecnologias de informação, tem sido determinante na redefinição dos rumos do museu.

1.1. Origem: colecionismo, a criação do museu público europeu e a formação do Estado-nação

Perspetivar a criação e o desenvolvimento do museu público implica a revisão de um

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corpo de estudos sobre as práticas de colecionismo inerentes à origem dos museus europeus no século XIX, num período em que foram usados como símbolos da nação, da modernidade e da cultura ocidental como instrumentos de definição do gosto e de autoridade científica e um campo de expressão e de exercício do poder das elites sobre as populações. Podemos encontrar raízes do ato de colecionar em aspetos tão primitivos da vida do ser humano como nos seus primórdios como recoletor e, em configurações posteriores da vivência social, é possível articular as origens do museu com o fascínio do homem pelos objetos desde a Antiguidade Clássica (Bounia, 2004), período durante o qual a sua posse já constituía uma fonte de poder e de prestígio e também de conhecimento. Em Alexandria, por exemplo, a criação de um museion ao lado do Lyceum associou desde logo o conhecimento teórico à prática através da contemplação dos objetos (Abt, 2011). No entanto, terá sido no Renascimento que surgiram as primeiras práticas mais sistemáticas de colecionismo e que a ideia de museu como repositório organizado para a classificação de objetos terá começado a tomar alguma consistência (Pearce, 1999; Findlen, 2004). Reis, príncipes, nobres, membros da hierarquia religiosa, mercadores abastados, artistas e também farmacêuticos e cientistas tinham nos seus palácios e casas salas decoradas com pintura, escultura, mobiliário e peças decorativas reveladores da sua riqueza e do seu gosto pelo colecionismo, observando-se já nessa época uma evidente ligação entre as coleções privadas e o Estado5. Nos séculos XVI e XVII, a existência de câmaras e gabinetes de curiosidades6 nos palácios e casas nobres com objetos que os seus proprietários acumulavam revelava o seu gosto pela geografia, pela geologia ou pela história natural e eram apenas partilhados pelo grupo restrito dos seus convidados7, a quem eram mostrados como símbolos de riqueza, de conhecimento e de poder. Estes colecionadores gostavam de

5 A existência do studiolo de Francisco I de Medici no Palazzo Veccio, o edifício governamental em Florença, é uma evidência desta relação. Era mostrado aos visitantes quando iam tratar e assuntos de estado, o que conduziu à transformação das loggia no piso superior dos Uffizi num conjunto de galerias onde se exibia o poder e a riqueza da família Medici através da pintura, da estatuária dos instrumentos científicos e de objetos do mundo natural. 6 As várias denominações para estas salas incluem Wunderkammer (usada no norte da Europa, principalmente na Alemanha; studiolo (na Itália) e cabinet de curiosités (em França). 7 Fučiková (1985) aborda o uso diplomático das coleções particulares, documentado no caso particular do imperador Rudolfo II que convidava monarcas, diplomatas e políticos para audiências em salas onde se podia observar arte e objetos do mundo natural.

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exibir os objetos a quem tinha um gosto semelhante a nível estético ou científico (MacGregor, 1985; 1985a) e a sua organização obedecia a critérios que revelavam o domínio que o seu proprietário tinha sobre o conhecimento:

Collectors and their advisers typically based the organization of the cabinets on universalizing rubrics of the day, such as the four elements, the four continents and the seven virtues. Iconographic programs were kept secret so that only the collector himself (almost all of such collectors were male) could animate, and thus control, his world in miniature by asserting correspondences among objects. And as the collector reified – or made real – the universe through the objects he amassed, the curiosity cabinet personified the Renaissance conception of a world created by both humankind and God (Marstine, 2006 a: 23)

Quer os vejamos num contexto individual e privado, quer em contextos posteriores de exibição pública, o enquadramento discursivo destes objetos, através de princípios classificatórios rudimentares ou de modos particulares de exibir, articulavam construções históricas, sociais e individuais tanto em relação aos que os possuíam como aos que os transacionavam (Pearce 1995; 1997; 2007). Embora pudesse já estar subjacente uma classificação dos artefactos, as peças exibidas apelavam muito mais à curiosidade e a uma resposta emocional do que a um propósito educativo que se observará mais tarde com a criação do museu público e, organizando-se em torno de um príncipe, de um nobre ou de um alto representante da Igreja, estas coleções tornavam evidentes relações de poder que estabeleciam hierarquias muito precisas quanto ao funcionamento da sociedade e à organização e difusão do conhecimento (Arnold, 2006; McGregor, 2007). Durante o século XVIII8 verificou-se uma alteração significativa neste panorama com a abertura ao público dos palácios e casas senhoriais e coleções como as da Galeria Imperial em Viena (onde se pagava inicialmente para ver as obras), do Quirinal em Roma, do Escorial em Madrid ou do Palácio de Versailles em Paris (onde apenas 100 das obras existentes eram mostradas em dois dias da semana), ainda que com restrições

8 Marquemos, no entanto, um ponto importante na história da abertura dos primeiros museus anterior a este século, com a inauguração do em Oxford em 1683. Este museu era aberto ao público mas com entrada paga e dependente da Universidade de Oxford. Esta ligação fez emergir o museu como um instrumento de institucionalização do legado de um colecionador (JohnTradescant) integrando os seus objectos num complexo discursivo associado à pesquisa científica. MacGregor (1985) descreve a constituição da coleção de John Tradescant e da sua passagem, através de herança, para Elias Ashmole, que conduziu ao espólio original do Ashmolean.

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de entrada. Em Itália, as coleções dos Médici foram doadas ao Estado da Toscana em 1737 e na Áustria, o Albertina, em Viena, abriu com uma coleção nacional em 1781. A abertura das coleções reais começou a definir uma noção de público ao qual era necessário dar atenção através das medidas tomadas para regular a entrada, o modo de circular nas salas e de olhar para as obras expostas. A regulação do acesso através da restrição da entrada a horas e dias da semana específicos assim como a cobrança de entrada teve como objetivo configurar um determinado perfil de público que ainda era um grupo pouco numeroso e privilegiado. Ainda assim, junto deste público, começava a formar-se uma noção de arte ligada a um património comum que o governo, neste caso as casas reais e a aristocracia, punham ao dispor dos cidadãos. Antes deste período a noção de público para as artes era indefinida e as suas primeiras configurações estão associadas à realização dos Salons de Paris, a partir de 1737, e das Summer Exhibitions da Royal Academy em Londres, a partir de 1768, eventos nos quais o ‘público’ correspondia a um grupo alargado no qual estavam incluídos o amador interessado em arte, o comerciante e também uma faixa da população que procurava estes eventos como uma forma de entretenimento (McCllelan, 2003). Trazendo para o nosso foco o contexto britânico, quando o British Museum abriu em Londres em 1759, a partir de uma lei parlamentar de 1753 que regulou a doação testamentária da coleção de Sir Hans Sloane, a sua criação trazia consigo a tradição das coleções privadas que, embora confiadas ao Estado que delegava a administração num Board of Trustees, tinha uma gestão elitista dominada por aristocratas que apresentavam os objetos de acordo com o seu gosto e em edifícios cuja arquitetura tinha o traçado das suas próprias habitações, ou seja, imponente e palaciano. Os visitantes aos quais era permitida a entrada tinham um acesso ainda muito restrito e deles se esperava que admirassem os objetos expostos sem qualquer crítica, sentindo a visita ao museu como um privilégio e, acima de tudo, um espaço de contemplação e de estudo cuja utilização por especialistas, investigadores e pelo público em geral estava sujeita a um código de conduta muito preciso. Só no século XIX, com a visão do museu público como instrumento de educação e de reforma social, o público passa a ser configurado como uma massa a educar e a disciplinar9.

9 À criação do Victoria and Albert Museum, por exemplo, esteve subjacente um sentido de educação das populações através não só da regulação da entrada mas também dos modos de circular nas suas galerias

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É impossível neste ponto da nossa panorâmica não reconhecer a importância da criação do Louvre para contextualizar a criação do museu público europeu. O Louvre abriu em 179310 tendo como base uma coleção real. Com a nacionalização das coleções reais após a Revolução em 1789, os republicanos confiscaram as obras de arte do rei e a criação deste museu corresponde a um processo histórico complexo de modernização, por um lado, e por outro de enfraquecimento das monarquias e de emergência do Estado-nação europeu. Enquanto a galeria real exibia o poder do príncipe e o seu domínio sobre a nação, o museu público passou a legitimar a nação como Estado (McClellan, 1994). É importante distinguir a natureza diferenciada das práticas de ordenação dos objetos na galeria real e no museu. Na galeria obedeciam ao gosto e vontade do próprio príncipe ou rei e funcionavam em termos de acumulação: as salas de pintura tinham os quadros dispostos até ao teto para criar o efeito de um grande mosaico que impressionava os visitantes, muitas vezes com retratos do monarca e dos seus antepassados a formarem uma teia de relações importantes para a formação de uma narrativa acerca de si e da sua linhagem, validando assim o exercício do seu poder. Em muitas situações, nos tetos destas salas existiam alegorias da mitologia que funcionavam como o agradecimento do príncipe aos favores e proteção dos deuses. No museu, principalmente com a abertura do Louvre, as práticas expositivas obedeceram a regras completamente diferentes mas que já tinham sido postas em prática em galerias em Dusseldorf e no Belvedere em Viena. O Estado11 era o anfitrião que, com um sentido pedagógico, mostrava arte ao grande público, organizando a experiência da arte de acordo com uma classificação histórica. Cada obra ou conjunto de obras ilustrava momentos importantes da história da arte através da genialidade12 da cujo percurso estava organizado com painéis explicativos com o objetivo de que a observação dos objetos de arte e do design industrial viesse a contribuir para melhorar o gosto (McCllelan, 2003: 7-11). 10Abt (2011) realça que a abertura de alguns museus na Europa em territórios ocupados por Napoleão seguiu o modelo do museu do Louvre: a Galleria dell’Academia em Veneza em 1807, a Pinacoteca de Brera em Milão em 1809, o predecessor do Rijksmuseum em Amsterdão em 1808 e o Prado em Madrid em 1809. 11 Sherman (1989) perspetiva o modo como o Estado francês centralizou e orientou as políticas culturais tanto nos museus nacionais como municipais, estabelecendo diretivas relativamente a práticas de aquisição e exibição 12 A questão do génio artístico como construção do século XIX e a sua apropriação pelas práticas do museu e pelo Estado com os seus objetivos ideológicos é evidente em todo o programa do Louvre:

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criação artística e era oferecida ao visitante numa forma legível e mais acessível. Em simultâneo, o Estado mostrava que a história era a dos grandes feitos e das grandes personalidades e o público contemplava esta sequência num espaço que agora era seu e não pertencente a um senhor, a cujo gosto e poder já não se encontrava ligado por relações de privilégio ou de subordinação. O Louvre apresentava um programa13 que conduzia o visitante por vários momentos da história da arte desde a Antiguidade, mostrando-lhe o legado das grandes civilizações até ao triunfo da civilização francesa (Duncan e Walach, 2004: 59-61). A abertura do Louvre alargou contribuiu também para o alargamento da noção de público, que passou a ser constituído pela totalidade da população, que entrava gratuitamente, a par de turistas e viajantes que visitavam Paris e também de artistas aos quais era dada a oportunidade de copiar os Velhos Mestres (McClellan, 2003). Claramente, o Louvre é um exemplo que ilustra a passagem dos objetos do âmbito privado da galeria real do século XVI para o museu público do século XIX correspondendo a uma mudança de epistema que ocorreu nesse intervalo de tempo, durante o qual os princípios taxonómicos dos séculos XVII e XVIII passaram a ser aplicados num novo espaço com o objetivo de institucionalizar e universalizar o conhecimento e de legitimar as práticas de novas disciplinas, nomeadamente da História Natural, que os articulava em narrativas evolucionistas do passado para o presente, e da História da Arte (Whitehead, 2007; Preziosi, 2007). Para enquadrar os objetos relativos à História da Arte foi criada a galeria de arte, uma especialização do museu para exibir

What the visitor sees is the idea of civilization spelled out in terms of national schools and individual artists. (…) The idea of artistic genius has a long history but only becomes a dominant idea in the middle-class societies of the nineteenth-century. It is nineteenth-century individualism that inscribes the names and images of artist-geniuses on the Louvre’s ceilings. Individual genius is celebrated at the Louvre as perhaps nowhere else epitomized by the way Leonardo’s Mona Lisa is enshrined, and demonstrated, again and again, by the world-famous masterpieces made world- famous by the Louvre and by art history. (…) The museum environment faces the experience of art into its art-historical mould and generally excludes other meanings. (Duncan and Walach, 2004: 53) 13 Durante todo o século XIX e em grande parte do século XX não só os museus europeus mas também de outros continentes organizaram-se ideológica e espacialmente segundo o paradigma do Louvre que, no exterior apresentava uma traça neoclássica e, no interior, uma rotunda encimada por uma cúpula dava início à visita que terminava após um percurso por galerias que se encontravam quer à esquerda quer à direita. Nos EUA, por exemplo, o primeiro museu que foi construído segundo este modelo foi o Metropolitan em Nova Iorque, também para servir a narrativa nacional com base no legado civilizacional europeu, contudo, com o patrocínio privado. 29

pintura e escultura e que a afastava das práticas de acumulação relativamente desordenada que tinham vigorado no gabinete de curiosidades e, posteriormente, no museu universal (Finlay, 1977: 139-150). Ao longo dos séculos XVII e XVIII, nos palácios dos reis e nobres, o próprio studio ou a Wunderkammer já estavam a transformar-se numa galeria, um espaço muito mais aberto, com corredores de circulação e que pressupunha a possibilidade de os objetos serem observados por mais pessoas. Enquadrando-se nesta evolução epistemológica também ocorreram outros processos de passagem do conhecimento para o domínio público como uma maior abertura de bibliotecas universitárias e de igrejas a par do desenvolvimento da imprensa, que colocaram o livro num patamar mais acessível. Vendo a questão sob um outro prisma, mas não se afastando radicalmente da linha condutora desta discussão, Bann (2003: 119) considera que o museu não deve ser estudado puramente como uma evolução do gabinete de curiosidades, devendo ser dada atenção à mudança de paradigma de conhecimento e às formas institucionais de exibição em que os objetos foram introduzidos e nos quais adquiriram um novo estatuto epistemológico. Por sua vez, Bennett (2011) refere-se a esta mudança como uma passagem do silêncio para o som na medida em que evoluiu de um domínio privado para o domínio público com os objetos a serem subjugados a um contexto ritualizado e hierarquizado de conversa:

This hierarchical relationship was both social and epistemological. The curator and visitor were placed on opposite sides of a line separating those who had been trained to see the invisible order subtending nature’s rational classification and those untrained beholders who needed to be tutored into the right ways of seeing if they were to absorb the civic import of nature’s lessons correctly.” (Bennett, 2011: 268)

As implicações deste debate conduzem-nos inevitavelmente a questões relativas às relações entre os objetos, o museu e o público que os observava, sendo necessário entender a sua passagem de um espaço privado para um espaço público, removidos do seu passado e da sua história, muitas vezes associados a um indivíduo ou, se tanto, a uma família para passarem a estar sujeitos a uma moldura exibicionária com objetivos de educação coletiva e de construção das identidades nacionais que serviam de suporte à consolidação do Estado-nação, apoiada num discurso em que Europa surgia como

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herdeira de uma tradição que fazia dela o expoente máximo da civilização. A noção de tradição foi essencial para a construção de uma identidade nacional partilhada através da reabilitação de um passado comum com origem na Antiguidade, passando por narrativas sobre factos e heróis que unificaram a nação às quais se juntaram a comemoração de datas evocativas ou símbolos mais recentes como o hino e a bandeira e que foram essenciais à consolidação do recém-criado Estado-nação (Hobsbawm e Ranger, 1996; Anderson, 1999; Hobsbawm, 2000). Os museus e galerias nacionais selecionaram e reorganizaram um património ao qual atribuíram características valorativas e simbólicas através de narrativas unificadoras e coerentes para os cidadãos e a construção destas narrativas foi necessária à concretização de agendas políticas e sociais para as quais era importante criar discursos sobre um passado e uma tradição comuns e com referentes culturais importantes a partir dos quais a sociedade deveria evoluir no sentido do progresso e da modernidade. Assim, o museu público emergiu entre o final do século XVIII e o início do século XIX, a par da noção moderna de cultura e da formação do Estado-nação, como uma construção social, cultural e cívica em cujo espaço se exibiam objetos e, através deles, se encenavam ‘histórias’ cuja coesão e autoridade reforçavam também a unidade do Estado-nação. É importante realçar que, num período caracterizado pelo domínio imperial europeu, os museus públicos organizaram não só a história dos estados europeus mas também a dos territórios que estes tinham colonizado em África, na América do Sul e na Ásia. Os objetos relacionados com a etnologia e a história natural, a indústria e a ciência eram sujeitos a métodos classificatórios que se baseavam em cronologias evolucionistas e diferenças territoriais que estabeleciam hierarquias de conhecimento e critérios de universalidade para o gosto, o valor científico ou estético. Um impulso importante para as coleções de muitos museus europeus foi dado pela intensificação de expedições arqueológicas no final do século XIX e início do século XX que decorreram em praticamente todas as partes do mundo, principalmente nos territórios imperiais e os estados europeus mostravam o seu poder através da acumulação e organização da cultura material dos povos conquistados e colonizados exibindo narrativas nas quais se hierarquizavam povos, raças e territórios (Coombes, 1997; Gosden e Knowles, 2001; Bennett, 2004). A emergência do museu público também está historicamente ligada à modernização das cidades no século XIX. Com a formação de grandes aglomerações urbanas, fruto da 31

demanda de mão de obra para a indústria, houve a necessidade de democratizar a abertura dos espaços dedicados à arte e à cultura mas, principalmente, de regular o movimento, o lazer e o entretenimento das populações através da criação de espaços onde a conduta e a circulação eram organizadas no sentido de disciplinar um público para o qual era necessário construir uma nova civilidade. No final do século XVIII e início do século XIX, as novas condições sociais trazidas pela industrialização e pelo êxodo das populações para as cidades tornaram urgente a criação de espaços, como jardins públicos, salões de leitura, bibliotecas ou parques de diversões que, a par dos museus, se constituíram como lugares públicos de regulação de comportamento, de representação e de reprodução de formas de agir social14 que tinham como objetivo o de disciplinar as populações no modo de circular, de falar, de observar e de interagir. O museu público surgiu, assim, como um local de educação, uma instituição usada para minimizar questões de ordem social existentes nos recém-criados grandes aglomerados urbanos e um espaço de organização cívica do olhar:

As key sites for the performance of civic rituals, the organization of seeing that museums aim to effect has to be seen in relation to the more general ordering of the forms of self- presentation, social interrelation, and civic comportment that they construct as normative ideals for their visitors. (Bennett, 2011: 267)

Numa outra vertente também se definiam como um lugar privilegiado para a construção da identidade de uma classe média que estava a emergir e que procurava também ela afirmar-se através do consumo da cultura (Hill, 2005). As classes médias urbanas começaram a exigir um perfil mais cosmopolita e internacional para as cidades e a ligação à arte foi essencial para transmitir essa imagem de refinamento que fazia emular Paris, Viena, ou Berlim. Com a indústria e os seus lucros a marcar o bem-estar de uma parte considerável da população, a visão histórica de progresso estava ligada ao progresso material, ao individualismo e à iniciativa, bases ideológicas para a consolidação do sistema capitalista e dos valores da burguesia e da classe média (MacLeod, 1996).

14 Bennett (2004) aborda a relação entre os museus e noções de reforma cívica, controlando a população através da colocação em prática de novos conceitos da teoria social e política com a emergência de novas disciplinas baseadas no conhecimento do passado como a antropologia, a geologia, a arqueologia e a história natural. Analisando um conjunto de textos de teoria social explora com detalhe os processos que envolveram o museu na reforma das populações.

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O museu cumpria plenamente vários objetivos, principalmente através da construção de edifícios imponentes com uma arquitetura palaciana que veio a servir os interesses ideológicos de vários setores da sociedade e, por isso, importa sublinhar nesta contextualização o peso das questões arquitetónicas na defesa da posição do museu como um exercício ideológico de poder e de autoridade. A arquitetura é estudada como uma das vertentes de exercício não só de poder e de conhecimento mas também da dimensão civilizadora e reguladora de comportamentos do museu. Muitas vezes com um desenho de inspiração neoclássica, o espaço impunha uma relação com os objetos de dimensão quase religiosa e ritualística que, em muitos contextos, perdura até hoje, fazendo constituir o museu como um espaço de exibição onde se colocam em evidência não só práticas textuais mas também arquiteturais (Abt, 2011: 120). A arquitetura serviu a função ideológica do museu na medida em que, através da apropriação da traça tradicional dos templos, igrejas e mausoléus, transmitia à sociedade um conjunto de crenças e valores sobre a arte, a ciência e a história que o público absorvia através de um ritual organizado de percurso pelos seus espaços, interiorizando um conjunto de valores ligados à permanência e impostos pela imponência e solenidade arquitetónica do edifício. Pevsner (1976) atribuiu ao museu uma importância central na história da arquitetura pelo modo como articula dois paradigmas: o de monumento e o de contentor de objetos de arte e de ciência, ou seja, de instrumento para que, através de várias práticas de exibição, se estabeleçam considerações a nível histórico, estético e científico. Realça o facto de, por terem sido inicialmente exibidas nos palácios dos seus proprietários, as primeiras coleções foram mostradas ao grande público em edifícios que seguiram modelos arquitetónicos da tradição grega, romana e renascentista. A arquitetura do museu do século XIX teve assim como como objetivo simbolizar permanência e autoridade funcionando em simultâneo como instrumento da civilidade e da educação da população (Ritchie, 1994, Newhouse, [1998] 2006; Giebelhausen, 2011). Num estudo essencial para enquadrar este tema, Duncan (1995) propõe uma base importante para analisar a visita ao museu como um ritual através do qual se constroem significados a partir da combinação da arquitetura e da coleção de objetos, num espaço que é tudo menos neutral. O percurso dos visitantes obriga-os a mover-se numa espécie de dramatização da experiência estética com o objetivo de apropriarem valores através da arte e da sociedade que foram centrais na consolidação da identidade e da cultura ocidental. 33

Queremos também nesta contextualização olhar brevemente para a criação dos museus portugueses para estabelecer o contraponto com um enquadramento diferente e para evidenciar que o ritmo e os modelos de desenvolvimento dos museus na Europa foram muito díspares. Em Portugal, onde também se começaram a verificar práticas mais sistemáticas de colecioninsmo no Renascimento (Teixeira, 2000), o desenvolvimento do museu público, ainda que se possam vislumbrar algumas relações com o projeto da modernidade trazido principalmente pelos ideais liberais do século XIX, não se enquadra nos paradigmas de desenvolvimento da maior parte dos museus europeus e, principalmente a partir do início do século XX, evoluiu a partir de modelos corporativos distanciando-se de muitos dos processos de reforma e modernização que ocorriam no espaço ocidental (Pimentel, 2005). À semelhança de outros países europeus foram reformas decorrentes de condicionalismos sociais e políticos que conduziram à criação dos primeiros museus públicos em Portugal. Com a revolução liberal de 1820 deu-se início a um processo de extinção das ordens religiosas que conduziu à nacionalização das suas propriedades e riquezas, sendo que, a Igreja era detentora de grandes coleções. O primeiro governo liberal de 1834, no sentido de equilibrar a economia e visto que os objetos das ordens religiosas tinham passado a pertencer ao Estado, pôs à venda muitos tesouros que acabaram por ser adquiridos por membros da aristocracia que, juntamente com a Coroa, já detinham consideráveis coleções. Neste contexto, quando algumas destas coleções passaram para o domínio público ficaram sob a tutela de uma pequena elite e, contendo uma quantidade apreciável de objetos de arte sacra, deram origem a instituições como, por exemplo, o Museu Soares dos Reis, aberto no Porto em 1833 e nascido dos bens confiscados de conventos abandonados da cidade e também dos extintos mosteiros de S. Martinho de Tibães e de Santa Cruz de Coimbra. Na segunda metade do século XIX verificou-se uma grande influência das exposições industriais sobre a criação de museus em Portugal. O ministro das Obras Públicas, Indústria e Comércio visitou o museu de South Kensington em 1883 e, convencido de que era necessário mostrar à população os processos do design industrial, publicou um decreto que deu origem aos Museus da Indústria e Comércio de Lisboa e do Porto15, aos quais foi anexada uma Escola Industrial e Comercial.

15 Pimentel (2005: 108-109) realça a importância que o Governo deu a estes museus pelos horários que eram praticados, abrindo ao público diariamente, e que diferiam da maior parte dos museus nacionais que abriam dois dias por semana, às quintas-feiras e domingos.

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Entre o final do século XIX e o início do século XX a origem de alguns museus públicos portugueses teve a influência do desenvolvimento da arqueologia, um campo com limites ainda um pouco indefinidos no qual estavam interligados a etnografia, a antropologia e, por vezes, até a história natural, o que se refletia, por exemplo, na coleção do Museu Etnográfico Português, criado em 1893 sob a iniciativa de José Leite de Vasconcelos e alojado desde 1903 na ala ocidental do Mosteiro dos Jerónimos, hoje Museu Nacional de Arqueologia. Nos Estados Unidos16, os primeiros museus surgiram principalmente após 187017 graças à prosperidade trazida pelos lucros da expansão territorial, da exploração mineira e da indústria. Este contexto foi propício à formação de uma classe de financeiros e industriais cujo dinheiro e influência deram origem à criação de coleções de arte, manuscritos e antiguidades que posteriormente vieram a formar o espólio de museus e galerias. O modelo norte-americano do museu do século XIX evoluiu sempre numa tendência de investimento privado, ainda que se tivessem experimentado formas de ligação do museu à educação pública, como é o caso do Smithsonian. As coleções norte-americanas nunca mereceram o interesse nacional, federal ou municipal pelo que a criação de museus e o financiamento da cultura pertenceu sempre à iniciativa privada, estando o papel do Estado limitado à aprovação e legalização de estatutos (Burt, 1977; DiMaggio, 2004).

1.2. Reflexão e mudança: a Nova Museologia

Um aspeto mercedor da nossa atenção ao longo desta tese prende-se com o reconhecimento de uma viragem necessária à postura do museu relativamente às tendências que se estavam a verificar na produção e consumo da cultura, na educação e no lazer durante a década de 70 do século XX e, por essa razão, é importante descrever

16 Não estando obviamente no contexto europeu em que enquadramos a origem do museu público, decidimos incluir informação relativa ao museu norte-americano porque ao longo desta tese faremos várias vezes referência ao funcionamento e a práticas dos museus dos Estados Unidos que funcionavam em concorrência com os grandes museus da Europa. 17 Foram criados o Museum of Fine Arts de Boston em 1870, o Metropolotan Museum of Art em Nova Iorque, em 1870, o Art Institute of Chicago, em 1879, o Detroit Institute of Arts, em 1885, todos de iniciativa não-governamental.

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e explorar o contributo da Nova Museologia como uma nova moldura epistemológica para enquadrar o museu. As primeiras décadas do século XX tinham trazido para a definição de cultura a necessidade de um olhar coletivo sobre as respostas de uma comunidade aos diferentes contextos da sua experiência. Na tradição da análise antropológica (Tyler, 1871; Mead, 1928, Benedict, 1934), a noção de cultura passou a abarcar domínios como hábitos e crenças, arte ou leis, que revelavam a manifestação de capacidades adquiridas ou produzidas pelos indivíduos nas suas interações sociais, e preparou o caminho para que se considerassem outros aspetos da vida e da experiência humanas que não se identificassem apenas com o requinte do gosto e com o enriquecimento e refinamento intelectuais. Ainda que uma visão elitista da cultura continuasse evidente após a Segunda Guerra Mundial, nomeadamente com autores como T.S. Eliot em Notes Towards the Definition of Culture (1948), foi Raymond Williams, em 1958, com a obra Culture and Society e com a definição de cultura como a whole way of life, que consolidou uma abordagem que permitiu olhar para a complexidade das manifestações culturais numa era já dominada pelo cinema, pela música e pela televisão que estavam a influenciar o mundo do entretenimento e da cultura popular. O debate, até então muito polarizado nas questões que dividiam a alta cultura da cultura popular, passou a incluir na sua análise novas expressões produzida por faixas da população até então não consideradas dignas de reflexão. O museu público europeu, apesar de persistirem algumas resistências, viu-se obrigado a absorver este alargamento e complexificação do conceito de cultura, incluindo no seu espaço novas formas da experiência humana criativa e alargando as suas práticas a novos domínios da ciência e da tecnologia, o que também contribuiu para que se alterassem significativamente os modos de aproximação ao público de acordo com a diluição que começava a operar-se entre cultura erudita e cultura popular e entre cultura dominante e subculturas e contraculturas. No final da década de 60 e início da década de 70 do século XX o museu encontrou uma massa crítica que confrontou violentamente as suas práticas e o modo como se relacionava (ou não) com o público, o que o obrigou a rever criticamente o seu posicionamento e a sua missão. Os museus continuavam a ser uma forma de entretenimento de uma classe média educada e quem o geria era uma elite branca constituída por indivíduos com conhecimentos especializados em arte, principalmente 36

de arte ocidental que era mostrada de acordo com noções de tradição, cânone e genialidade. Era necessário abrir as instituições a faixas mais alargadas da população e trazer ao seu espaço visões mais inclusivas sobre a produção artística e científica e incluir outras vozes e outras narrativas dando conta de uma maior amplitude geográfica, social e étnica. Os níveis de visitantes dos museus tinham decrescido significativamente talvez por uma perspetiva que dominou as práticas de exibição nas primeiras décadas do século XX até sensivelmente à década de 40 e que questionou violentamente a normatividade do museu e o seu propósito educativo. Os profissionais dos museus começaram a considerar que a disposição das coleções deveria fomentar mais a contemplação das obras do que a distração das mesmas através de painéis informativos e de guias acreditando-se que deveria construir-se junto do público uma autonomia de pensamento sobre a arte. Para ajudar a consolidar ainda mais esta visão tinham contribuído, em grande parte, os movimentos vanguardistas através dos seus programas de defesa da arte pela arte. Na verdade esta ênfase na contemplação das obras sem a sua contextualização começou a ter consequências no número de visitantes dos museus, que foi descendo significativamente, não correspondendo ao gigantesco financiamento que o Estado estava a fazer para manter os museus a funcionar (McCllelan, 2003: 26-28). Era, por isso, necessário devolver o público aos museus através da renovação das suas práticas. Correspondendo a um abandono de premissas que haviam orientado toda a ação museológica até à década de 70, a Nova Museologia, com a Mesa Redonda de Santiago do Chile de 1972 organizada pela UNESCO, promoveu um debate sobre o estado dos museus na América Latina, sob o tema Papel dos Museus na América Latina Hoje, do qual viria a sair não só uma tomada de posição mas o início da construção de um aparato discursivo, ideológico e metodológico para o lançamento do ecomuseu, que teria de incorporar nas suas práticas aspetos associados à diversidade social, económica, étnica e política que transmitissem visões social e culturalmente diferenciadas da história e da cultura (Teruggi, 1973; Mayrand, 1985; Ross, 2004). A Nova Museologia pretendeu desenvolver novos modos de envolver os públicos, nomeadamente dando mais visibilidade às comunidades, a grupos e indivíduos que até então não eram representados no espaço do museu. A reflexão que percorreu esta conferência obrigou a um olhar para vários setores da sociedade que exerciam pressão para que o museu justificasse as necessidades crescentes de financiamento e para que se envolvesse e servisse os seus públicos e a 37

comunidade em que estava inserido. Existiam faixas da opinião pública que consideravam que muito do potencial educativo dos museus ainda estava por realizar, que a sua dimensão pública deveria ser muito mais visível e que o seu espaço e interpretação dos objetos deveriam tornar-se mais acessíveis. O museu passaria a competir com outras formas de entretenimento e consumo e pedia-se que se tornasse num lugar mais apelativo com capacidade para atrair públicos de diferentes segmentos da sociedade. Além de se requerer uma maior profissionalização do pessoal dos museus era também necessário desenvolver uma nova linguagem no sentido de atrair mais visitantes. Até aí, e por um lado, tinham estado ausentes do seu espaço transformações sociais e económicas que estavam a influenciar o consumo da cultura; por outro, os museus não podiam continuar indiferentes ao impacte dos media na difusão do conhecimento e do gosto, tendo de incluir nas suas práticas de exibição abordagens trazidas pelas possibilidades visuais e interativas oferecidas pela tecnologia e pela inclusão de maior diversidade de visões através do filme, da fotografia, da imprensa ou do documentário televisivo. A questão importante que marcou a crise dos museus prendeu-se com a adaptação à necessidade de flexibilizar critérios de valor estético, rigor científico e integridade arqueológica para grupos cada vez mais diversos a nível étnico, social, político ou cultural que constituíam os seus novos públicos. A instituição que tinha sido perspetivada como um símbolo da modernidade e do progresso viu-se, subitamente, numa crise de identidade e acusada de estar presa ao passado e com formas de comunicar ultrapassadas. Em 1984 realizou-se no Quebeque o primeiro workshop internacional sobre Ecomuseus e Nova Museologia do qual saiu a Declaração do Quebeque, um documento que juntava as conclusões da Mesa Redonda do Chile aos desenvolvimentos e princípios deste movimento. A Nova Museologia emergiu como teoria crítica e com princípios mais sistemáticos através de uma coletânea de textos publicada em 1989 por Peter Vergo, The New Museology, nos quais se reclama uma transformação nos discursos de análise do museu e que influenciou uma geração de teóricos que têm desenvolvido uma reflexão segundo a qual toda a representação é política e socialmente construída e é nesse enquadramento que o estudo do museu deve ser contextualizado. Vergo refere-se à necessidade de a museologia explorar as suas potencialidades para se afirmar como uma disciplina teórica e humanista que analisa, através de diferentes metodologias e abordagens, o 38

papel dos museus na sociedade. Os teóricos da Nova Museologia propõem uma desinstitucionalização das narrativas exibidas pelo museu, uma abertura a novas vozes e pontos de vista sobre a arte, a história e a cultura e o fim de uma visão do museu como um santuário para se transformar num espaço mais democrático e participativo, com um maior intervenção do público nas políticas de produção de significados (Marstine, 2006). Como campo de estudo começou a contestar uma tradição museológica muito presa às questões relacionadas com o valor estético e científico dos objetos e, por isso, confinando-os a sistemas de representação hegemónicos, e pouco aberta a mudanças que estavam a ocorrer na sociedade.

1.3. Rutura(s): pós-modernismo e globalização

Para abordar o posicionamento e a evolução do museu a partir dos anos 60 e 70 do século XX revemos a teoria pós-moderna por considerarmos que uma das suas linhas condutoras é o reconhecimento de uma base cultural nas mudanças ocorridas na segunda metade do século XX e uma forma de interpretar o museu é situando-o precisamente no campo das transformações da cultura. Com um mapa conceptual complexo, quer seja definida como post industrial society (Bell, 1976), la condition post moderne (Lyotard, 1979), the condition of post- modernity (Harvey, 1989), postmodernism (Jameson, 1984; Featherstone, 1991), risk society (Beck, 1986) ou liquid modernity (Bauman, 2000), a pós-modernidade apresenta características dominantes que ajudam a formar as linhas de um novo paradigma cujos alicerces sociais, ideológicos e institucionais passaram a ser dominados pelo capitalismo, por modos pós-Fordistas de produção (Amin, 1994) e por processos de massificação social e cultural possíveis pela ação das tecnologias e dos media. Estes fenómenos conduziram a uma diminuição progressiva do papel do Estado na regulação da sociedade, passando a economia, os media e as tecnologias de informação e comunicação a ser os principais produtores e mediadores dos bens simbólicos da sociedade contemporânea e a funcionar como elementos fundamentais na construção da verdade e do conhecimento, tendo um peso considerável nos modos de produção do tempo, do espaço e da informação. Observou-se também uma tendência para diluição de convenções sociais baseadas na família e na igreja, o que resultou em novas e mais fragmentárias, formas de interação social e de relacionamento interpessoal. 39

Interessa-nos particularmente a moldura de análise do pós-modernismo proposta por Jameson (1998) através da qual se reconhece a vitalidade de uma nova ordem política e económica com uma base cultural muito evidente. Num contexto capitalista e pós- industrial com a deslocalização da produção para zonas de mão-de-obra barata no Terceiro Mundo, o autor refere que uma lógica cultural do capitalismo tardio18 passou a dominar toda uma nova organização da produção, realçando que um dos princípios definidores do pós-modernismo é a articulação das novas formas de produção com a cultura popular. A crescente procura de bens de consumo determina a necessidade de inovar e esteticizar a produção. Não definindo o pós-modernismo como um movimento estético, Jameson apresenta-o como uma reconfiguração simbólica do espaço que se sobrepõe a noções anteriores de tempo ou de História. Com a progressiva substituição de uma dimensão temporal por uma dimensão espacial, a própria noção de História dilui-se em formas estereotipadas do consumo do passado baseadas no pastiche e na parodização dos acontecimentos trazidos pelos mass media sob forma de produtos que são mostrados ao grande público sem uma coerência quer cronológica quer de conteúdo. O modelo de análise proposto por Lash (1990) também descreve a mudança de paradigma da modernidade para a pós-modernidade como um processo de natureza essencialmente cultural. O autor dá conta da alteração de regimes de significação nestes dois paradigmas, passando-se de um modo de significação discursivo (com a dominância da palavra e a valorização dos textos culturais) para o modo de significação figurativo (através do qual o visual e o sensorial se sobrepõem ao textual e o efeito imediato do objeto cultural é mais importante do que uma visão racional e didática que se possa ter acerca dele). Um dos vetores da experiência da pós-modernidade reflete-se assim nos critérios de valorização dos objetos e na passagem de uma contemplação aurática dos mesmos (Benjamim, [1936] 1973), da sua raridade e singularidade para uma valorização funcional e prática associando-os a contextos representativos de vários grupos e indivíduos. A redefinição do programa do museu refletiu esta transição na medida em que a sua ação deixou de se circunscrever à exibição das qualidades excecionais da coleção para se concentrar em contextos mais alargados de intervenção que incluíssem uma representação mais abrangente de várias identidades e de pontos de vista.

18 Bell (1996) apresenta uma visão das contradições culturais do capitalismo principalmente no modo como este sistema económico alterou a própria noção de ética de trabalho.

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Por sua vez, Lash e Urry (1994) descreveram uma mudança na sociedade contemporânea ocidental de uma ordem sócio económica baseada nas economias nacionais e na produção industrial para uma forma de capitalismo ‘desorganizado’ que se caracteriza pelo fim do poder do Estado na regulação da produção e dos mercados, pelo aumento da produção industrial nos países do Terceiro Mundo resultando no declínio da manufatura nos países ocidentais e uma maior fragmentação e heterogeneização culturais. O enfraquecimento do Estado na sua função de educador abriu caminho ao surgimento de formas de entretenimento mais dinâmicas, interativas e sensacionalistas que obrigaram o museu e reestruturar as suas práticas, nomeadamente através da diversificação dos seus modos de exibir explorando novas possibilidades de interatividade e das tecnologias digitais (Prösler, 1996; Prior, 2002, 2011). Trazendo para a análise a perspetiva social, Urry (1990: 79-81) chama a atenção para a necessidade de se estudar as mudanças operadas nas diferentes classes sociais. Com a indústria a perder terreno e o setor dos serviços a expandir-se, também a estrutura social se alterou dando origem a ‘novas burguesias’ com uma situação económica confortável e ávidas de fazer aumentar o seu capital cultural. Com uma origem social mais móvel, estas novas classes revelam um gosto muito mais orientado para a representação e a espetacularização dos eventos, para o consumo da moda, dos festivais de música pop/rock, do cinema, da gastronomia e do design, desprezando formas habitualmente entendidas como mais tradicionais e intelectuais de consumo cultural. Urry chama a atenção para a emergência de um grupo importante nos novos padrões de consumo cultural: o dos celebrity intellectuals, que exigiram uma nova forma de olhar para a cultura e que servem muitas dinâmicas do sistema capitalista de consumo cultural:

In particular here I suggest that a number of middle-class groupings are indeed in a transformed situation and are having significant effects upon the wider society. These groups demonstrate the following: the central significance of symbolic work; the enormous increase in the importance of the media and of their contemporary role in structuring fashion and taste; the greater freedom and incentive of such groups to devise ever-new cultural patterns; the heightened prestige that accrues for the middle classes not from respectability but from fashionability;… (Urry, 1990: 82)

Importante para entender a reflexão de Urry é o conceito de capital cultural desenvolvido por Bourdieu (1984) em Distinction. A social critique of the judgement of taste, uma obra fundamental para a análise cultural, na qual enquadra o poder exercido

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entre as diferentes classes sociais como sendo de natureza essencialmente simbólica, ou seja, uma determinada classe social faz prevalecer os seus valores dominantes sobre outra(s) classe(s) quando demonstra possuir mais-valias em termos culturais e intelectuais que outras não possuem. Este capital caracteriza-se acima de tudo por um conhecimento académico e estético que permite a essa classe frequentar determinadas instituições culturais e apreciar diferentes manifestações de arte aí existentes. Tanto nesta obra como no seu estudo com Alan Darbel, The Love of Art (1991) Bourdieu argumenta que o gosto funciona como uma marca de classe e é construído de acordo com o acesso que cada classe tem aos referentes de uma educação cultural e aos mecanismos que possui para alargar essa educação e esse conhecimento. O autor avança no seu argumento defendendo que o desenvolvimento do gosto estético assim como a capacidade de entender a arte não dependem apenas do poder económico para investir na educação ou para frequentar lugares de consumo cultural mas principalmente de uma competência cultural para descodificar a arte adquirida através dos mecanismos que cada classe possui para aceder a esse conhecimento (a educação, o acesso a meios com pessoas que complementem essa informação, capacidade financeira para recrutar conhecedores de arte). O gosto não é uma sensibilidade individual e inata mas é construído de acordo com a posição que os indivíduos ocupam na escala social e o acesso que têm à educação artística sendo por isso a visita ao museu um indicador e também um diferenciador social e uma atividade muito restrita às classes mais cultivadas. O pensamento de Bourdieu tem evidenciado o modo como o acesso de determinados grupos à cultura funciona como um mecanismo reprodutor de diferenciação cultural e social que resulta em formas diversas de violência simbólica. Não colocando o enfoque da sua análise na produção de significados dominantes dentro de um sistema de significações como a televisão ou a publicidade, o autor examina o modo como o consumo de produtos culturais determina as relações de poder simbólico dentro do espaço social, na medida em que que os conflitos e lutas existentes no seu seio são resultado de uma economia cultural emergente e que os mecanismos divisores da sociedade operam e reproduzem diferenças fortemente alicerçadas na gestão e na definição do gosto. Ainda que observando a desconstrução da coerência e autoridade das narrativas que orientavam a universalidade da mundividência humana desde os séculos XVIII e XIX, a análise pós-modernista procurou evidenciar um modelo de realidade que se caracteriza 42

pela interpretação de novas formas de produção cultural influenciadas pela economia e pelos media, pela abordagem interdisciplinar do conhecimento e pela identificação das descontinuidades trazidas pelas mudanças tecnológicas e pela globalização. Essencialmente estudada na sua vertente económica, a globalização foi um campo de debate fértil nas últimas décadas do século XX quando começaram a descrever-se e a estudar-se processos de transnacionalização, deslocalização, homogeneização e fragmentação (Friedman, 1994) ou ‘americanização’ ou imperialismo cultural (Tomlinson, 1999; Bauman, 1998). Estes fenómenos deram origem a novas configurações de identidade, tempo, espaço, de centro e periferia, de nacional e regional (Appadurai, [1996] 2003) e de novas mobilidades (Urry, 2000) e trouxeram a diluição de noções tradicionais de cultura resultantes da circulação a larga escala de imagens, ideias ou opiniões que deixou de estar exclusivamente associada a uma identidade cultural nacional, não estando dependente das características específicas do contexto geográfico em que os indivíduos nasceram ou habitaram. Appadurai (1990), que descreve na globalização processos como a desterritorialização da produção cultural, a transnacionalização da esfera pública, o surgimento de novos espaços e instrumentos de produção da imaginação e o descentramento e reconfiguração das identidades, chama a atenção para o modo como, numa sociedade de fluxos e de redes, se articulam as tensões e as dinâmicas entre os processos de homogeneização global e os processos nacionais de heterogeneização. A cultura numa sociedade globalizada é configurada segundo as forças das correntes migratórias globais, dos media e dos padrões de consumo, que determinam novas formas de representação e criam novos sistemas e modalidades de fazer circular imagens, mitos e estilos de vida. A globalização cultural opera em grande parte com o desenvolvimento das tecnologias associadas aos mass media e a sua capacidade de produção e difusão imediata de informação em simultâneo para diferentes dimensões geográficas e para grandes audiências. Pode entender-se que a globalização tornou preponderante a tendência para a uniformização cultural massificando o consumo de determinados produtos e conteúdos; no entanto, também é possível reconhecer que, em certas situações, houve uma fraca dinâmica de afirmação de certos contextos locais (Tomlinson, 1999). Ainda assim, mesmo em processos de implantação global de produtos culturais como o cinema ou a música, surgem situações de resistência local e de diversificação em relação à dominância de modelos transnacionais. A globalização 43

da cultura não significa obrigatoriamente homogeneização cultural mas contém em si processos e instrumentos de homogeneização que são processados localmente (Appadurai, [1996] 2003: 42). Note-se que a teoria acerca da globalização cultural reflete uma aceção ainda mais abrangente da noção de cultura, vista agora como um conjunto partilhado de estilos de vida, de imagens, de conhecimentos e de objectos que circulam em escalas cada vez mais alargadas e que estimulam a transculturalidade e, beneficiando de uma maior abertura geográfica, reconstroem o modo de ser e de viver dos indivíduos e das suas identidades fazendo inclusivamente emergir fenómenos de afirmação social baseados na imposição de uma imagem ou imagens em permanente negociação e recomposição (Featherstone, 1990). Perspetivando o cenário evolutivo do espaço cultural e do museu na perspetiva da construção da vantagem competitiva num contexto global, Lampel e Chamsie (2006: 275-86) apontam para o aprofundamento das tendências de estandardização do gosto, de expansão da escala de um mercado cada vez mais diverso e segmentado, conseguidos através de processos de fusão como a tomada de controlo por clusters de produção cultural dominados por grandes grupos económicos. Por outro lado, e graças ao contínuo desenvolvimento tecnológico e da sociedade em rede, também existem processos de hibridização decorrentes da quebra de barreiras criativas anteriormente existentes no trabalho das diferentes comunidades. Parece-nos, acima de tudo, que as diferentes tentativas de definição e conceptualização do termo surgem como formas de descrever uma das características mais dominantes do processo evolutivo da história do século XX, no qual se verifica o aprofundamento das redes, tendências e dinâmicas de interdependência a larga escala (muitas delas já existentes por via de estruturas consolidadas por rotas comerciais, tratados e alianças), produzindo fenómenos complexos e por vezes contraditórios de integração e exclusão, aproximação e clivagem, homogeneização e fragmentação (Harvey, 1989) numa sociedade cujas identidades se formam cada vez mais através de redes e fluxos informacionais (Castells, 1996; 1997).

1.3.1. Media, tecnologia e entretenimento

Para o nosso estudo importa ter em consideração como o museu se posicionou 44

relativamente ao desenvolvimento e ao poder dos media e como se apropriou de alguns dos seus formatos e linguagem para comunicar com os seus públicos e projetar a sua imagem. O modo como os objetos são dispostos e interagem com os públicos no museu obedece muitas vezes a códigos de visualidade e de promoção de serviços e eventos que reconhecemos não só da publicidade como dos media. A própria noção de ‘formato’ televisivo, que tem vindo progressivamente a esbater o conceito de genre, responde às necessidades das economias de escala estandardizando a produção para uma mais eficaz distribuição a nível global e que conduz, por exemplo no museu, ao desenvolvimento de formatos difundidos ao grande público como a exposição blockbuster. Atuando graças às potencialidades e avanços da tecnologia, os media são agentes de mudança e de consolidação de processos de globalização, produzindo conteúdos que resultam em produtos com grande significado social, cultural e político (Golding e Middleton, 1992). Também são um elemento importante na construção e mediação da democracia, no sentido em que oferecem um espaço de debate para os vários intervenientes divulgarem informação e opinião (Curran, 2005). É importante vê-los como um dos espaços universais de definição de imagens e de construções sociais e culturais que constituem tanto a ‘realidade’ como a identidade partilhada, sendo também centrais na produção e reprodução de estereótipos, identidades e desigualdades a nível local, nacional e global e constituindo-se como meios privilegiados de socialização e de construção de significados sociais e de promoção de estilos de vida, padrões de gosto e instrumentos de expansão do consumo (Stevenson, 2003; Chada e Kavoori, 2005; Murdock, 2005). Focando-se nas várias narrativas associadas aos diferentes media e no modo como se constituíram inicialmente como meios independentes de poder e de formação de opinião mas com inevitáveis ligações a interesses no campo político e económico, Curran (2002) e Livingstone (2005) analisam o modo como quer os tradicionais (cinema, imprensa, TV e rádio) quer os novos media, nomeadamente a internet, se agregaram a poderes políticos e económicos, abrindo novos centros de poder com as consequentes tensões relativamente às já existentes estruturas de poder e de autoridade. O poder globalizador dos media foi inicialmente problematizado por McLuhan (1964) ao refletir acerca da capacidade de cobertura de acontecimentos a nível mundial proporcionada pela televisão. Presentemente a globalização mediática é possível graças ao desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, o cabo, a banda 45

larga, a fibra ótica, a digitalização, os satélites e a internet, que permitem a transferência de grandes quantidades de informação em escalas muito alargadas. Não só a tecnologia televisiva, mas mais recentemente a internet, são responsáveis pela proximidade e a integração de identidades globais que hoje se verificam. A um outro nível, a globalização dos media opera-se pela fusão e concentração de empresas em grandes grupos que difundem conteúdos a nível global e com responsabilidades a nível da disseminação de representações dominantes em termos de classe, género ou etnia, ou de formas de ideologia que ajudam a formar perspetivas dos públicos em relação à sociedade19. No entanto, não devemos deixar de constatar que, apesar de parecer que os públicos são uma massa homogénea a nível global por causa deste sistema de distribuição, a verdade é que a globalização é um processo dinâmico e que, a nível local, as audiências operam processos de transformação, hibridização e apropriação que redefinem conteúdos globais (Lull, [1995] 2008). Grande parte da atividade contemporânea dos media faz-se num contexto de performance de mercado e centra-se em agradar ao público, testando novas fórmulas de informar e entreter, arranjando maneira de fomentar equipas criativas, desenvolvendo talento e celebridades que ecoem os desejos das audiências e também para que as grandes empresas mediáticas não percam a sua posição dominante. Novos modos de consumir a realidade através de formas de esteticização do quotidiano (Featherstone, 1991; Finkelstein, 1989) e, por conseguinte, de consumir a cultura através de simulacra (Baudrillard, [1981] 1994), de fenómenos de híper-realidade (Eco, 1986) e de pseudo- eventos (Boorstin, 1961) e de espetacularização dos acontecimentos (Debord, 1967) e do culto das celebridades (Dyer 1993, 1998; Walker, 2003; Evans, 2005; Hesmondhalgh, 2005, 2005a) tiveram influência nas práticas do museu, que passou a procurar formas mais apelativas e dinâmicas de oferecer os seus serviços, de captar público e mecenas. A teoria da sociedade do espetáculo desenvolvida por Debord explora as relações sociais na contemporaneidade consideravelmente mediadas por imagens, através de um

19 O’Sullivan et al. (1994) abordam questões de natureza ideológica decorrentes da concentração de empresas mediáticas, na medida em que poderá desenvolver-se um estreitamento de vozes e perspetivas sobre a realidade, com consequências na configuração da esfera pública, e com uma tendência para conteúdos relacionados com o entretenimento e com uma subvalorização do debate imparcial sobre os acontecimentos ou do jornalismo de investigação. 46

sistema de produção das mesmas, que espetaculariza os eventos, que afasta os cidadãos da realidade e os impede de tomar posições de mudança. O museu atual tem sido visto como um espaço no qual se cruzam as técnicas da projeção cinematográfica com o tipo de entretenimento oferecido pelos parques temáticos e as oportunidades de consumo de um centro comercial, resultando tudo num contexto de aprendizagem de grande interatividade e espetáculo. As práticas mediáticas associadas à cultura trouxeram uma tendência para transformar em espetáculo muitos eventos oferecidos pelos museus em torno dos quais se criam atividades ou experiências propícias à exploração do prazer, do mito e da fantasia através de simulacra da história, da cultura e da arte, estratégias frequentes para facilitar a interpretação de conteúdos e para atrair mais visitantes. Novos conteúdos produzidos pelos meios de comunicação, entre os quais a reality TV e a imprensa tablóide, vão ao encontro de uma faixa de consumidores que McRobbie (1999b: 9) descreve como ‘tabloid loving’ generation, pronta a incorporar novas identidades através da apropriação de gestos, rituais e linguagens que copiam da televisão e da imprensa e que quer ver incluídos na linguagem e práticas do museu. Paralelamente ao alinhamento com a linguagem e com a força globalizadora dos media, os museus também procuraram inovação através do recurso às tecnologias de informação e comunicação. O conceito de pós-museu desenvolvido por Hooper-Greenhill (2000) reconhece na tecnologia uma das portas de abertura do museu a múltiplas vozes, não sendo apenas a exibição a única forma de comunicação com os públicos. A transmissão do conhecimento faz-se agora através de outras formas de comunicação que facilitam a interpretação e interatividade e expandem a imagem do museu em plataformas mais alargadas. O uso das tecnologias de informação e comunicação nos museus obedeceu obviamente às possibilidades oferecidas nas suas diferentes fases de desenvolvimento e, num momento inicial prendeu-se com a organização de bases de dados relativamente à coleção. Os primeiros museus que adotaram a automação fizeram-no nos anos 60 do século XIX e, nos anos, 70, surgiram os primeiros profissionais preparados para fazer uma gestão informacional dos museus (Williams, 2010). Nos anos 80 e 90 a emergência das redes locais, o advento do multimédia e os microcomputadores, a web, a massificação do digital e o desenvolvimento das redes sociais e dos media móveis trouxeram alterações profundas ao modo de exibir e de interagir com os públicos, dando um contributo essencial às estratégias comunicativas do museu. Com maior frequência 47

os museus expõem com recurso a ambientes digitais que transmitam por um lado uma dinâmica de modernização das suas práticas e dos seus espaços, por outro, uma interação com o visitante que diversifique e flexibilize os modos de interpretar os conteúdos que exibe. Têm sido discutidas as possibilidades oferecidas pela tecnologia para organizar as bases de dados dos museus digitalizando as suas coleções e documentação e tornando- as mais acessíveis a públicos mais alargados, mas levantando questões sobre a natureza das coleções digitais:

The open nature of the web as a medium (…) means that websites never have to be complete; and they rarely are. The sites always grow. (…) If new elements are being added over time, the result is a collection, not a story. Indeed, how can one keep a coherent narrative or any other development trajectory through the material if it keeps changing?” (Manovich, 2010; 66)

A definição de cultura passa a ser lida num contexto de redes largamente articuladas pelos media e por sistemas informáticos que colocam a comunicação simbólica entre os indivíduos a um nível mais flexível, fluído e efémero. Para além do mais, o facto de existirem mecanismos de criação de realidades virtuais contribui para alterar consideravelmente a mediação das formas culturais e das relações sociais fazendo com que a distinção entre realidade e mundo virtual seja mais difícil de estabelecer. O debate acerca da influência das tecnologias de informação e comunicação no funcionamento do museu, principalmente os novos media (Henning, 2011), tem-se debruçado sobre o modo como estas têm aberto as possibilidades para a criação do museu virtual (Huhtamo, 2010), que poderá ser vista como a formação mais próxima da concretização do museu imaginário de Malraux (Battro, 2010) e como têm formado novas comunidades de visitantes e dado origem à visita virtual (Bandelli, 2010; Jackson, 2010). Também as contingências do objeto digital têm sido alvo de estudo (Frost, 2010) na medida em que os ambientes digitais, na sua volatilidade, colocam questões relacionadas com a autenticidade e integridade dos objetos. Lynch (2010) tem dado particular atenção às limitações da comunicação digital, principalmente ao facto de o acesso intelectual aos objetos requerer fontes textuais e contextuais específicas para possibilitar uma interpretação correta a um visitante que só tenha acesso às coleções online. Questiona como deverão ser lidas a ‘origem’ ou a ‘essência’ do objeto num ambiente de disseminação massificada de cópias e no modo como o visitante-utilizador 48

pode manipular a informação do museu:

A major force in the dynamic of digital communities results from the ability of users to become creators as well as consumers of information objects. The self-publishing aspects of digital communication now make it possible for a wide and diverse set of users to create and distribute their works. Even relatively inexperienced computer users are able to create multimedia collages of sound, images, moving pictures, and text, and with hypertext linkages, users can place a document in a contextual setting. (…) Because digital information objects can be so easily altered, extended, and otherwise manipulated, a user may decide to add context to a work, reconfigure it, and use it for a different purpose. (Lynch, 2010: 239-40)

O uso de informação digital pode abrir novas portas de acesso aos recursos do museu, não só à coleção mas também a bibliotecas e arquivos ou a objetos que não são exibidos regularmente mas coloca desafios cada vez maiores relativamente às possibilidades de manipulação e recontextualização a que os objetos são sujeitos e ao próprio ato de exibir ou mesmo de colecionar.

1.3.2. Cultura e mercado: o museu-marca

Com estas alterações em perspetiva, importa rever abordagens críticas relativas à gestão da cultura imposta por uma nova ordem em que o económico passou a dominar todas as outras formas de organização da sociedade20. No século XX, com a viragem que ocorreu nas políticas culturais públicas, quer as forças do mercado quer o investimento privado começaram a atuar de forma mais evidente como reguladores da produção cultural. Na primeira metade do século XX, Adorno e Horkheimer ([1947] 2004) abordaram o inquietante alinhamento entre o simbólico e o económico nas políticas e práticas culturais. As reflexões de Throsby (2001), e Heilbrun e Gray, (2010) encontram uma base económica para a interpretação dos bens culturais que torna quase inevitável uma orientação económica na gestão da cultura. Com uma nova lógica social dominada pelo consumo (Campbell, 2007) e com a figura do consumidor a sobrepor-se à figura do cidadão e, dada a base cultural de muitas

20 Não devemos esquecer, no entanto, que a vertente económica nunca esteve afastada do mundo das artes Os objetos circulavam num sistema de mercado: alguém vendia ou comprava, os mecenas pagavam para se produzirem obras e, em leilões, algumas obras atingiam preços consideráveis pela mestria e renome do artista, por serem muito pretendidas por um particular ou museu ou pelas suas qualidades excecionais.

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transformações ocorridas na sociedade na segunda metade do século XX, também assistimos à emergência de uma economia cultural (Amin and Thrift, 2004). A cultura do consumo, por sua vez, trouxe aos museus um novo ordenamento marcado pelos imperativos do mercado, fazendo parte dos objetivos da sua gestão diversificar experiências para preencher interesses e expectativas dos visitantes; daí a preocupação dos responsáveis pelos museus em possuir um conhecimento profundo sobre os perfis dos seus públicos. Numa crítica nítida à supremacia dada aos públicos no planeamento de todas as suas atividades, Mastai (2007) refere que a gestão do museu subjugada às leis do mercado fez esquecer o ‘visitante’ passando a conceptualizá-lo como ‘consumidor’, ‘telespetador’ ou até ‘fan’. Hesmondhalgh (2002) colocou as indústrias culturais como o centro da ação económica em muitos países, contribuindo para uma circulação a larga escala de conteúdos relacionados com o texto, o som, a imagem e os objetos. Segundo o autor, o reconhecimento da importância das indústrias culturais21 trouxe um novo entendimento dos públicos, uma nova preocupação com o funcionamento do mercado e uma aposta nas estratégias de marketing cultural. É possível reconhecer na produção cultural contemporânea, nomeadamente a criação, manutenção e desenvolvimento de um museu, algumas características da produção industrial na medida em que há um investimento inicial que pode ter contributos públicos ou privados ou ambos e que a procura pelo produto ou serviços culturais, requerendo a produção contínua, fá-los integrar num sistema de circulação com mais estímulos para a procura, incluindo pesquisas de mercado para se conhecer informação atualizada acerca da sua performance e do grau de satisfação dos clientes/consumidores. Tendo em consideração estes pressupostos, verificamos que foi fácil para o mundo dos

21 Oferecendo uma abordagem aos vários percursos de conceptualização de ‘indústrias culturais’, Lampel, Shamsie e Lant (2006a: 6-8) chamam a atenção para as dificuldades que se colocam a uma definição do conceito sem que se veja demasiadamente o lado dos consumidores em detrimento do lado dos produtores e dos investidores. Colocam o foco da sua análise na complexidade de organizações, indivíduos, atividades e conhecimento que estão envolvidos na produção e que a fazem funcionar como uma indústria: The industrialization of cultural activity gave rise to the production of cultural goods with the intent of reaching a mass audience. This has a number of consequences that transform the processes of producing and consuming culture. The rise of cultural industries goes hand in hand with the emergence of new technologies such as printing, sound, recording, photography, film, video, and the Internet. These new technologies give advantage to economies of scale in production, distribution, and marketing. (Lampel, Shamsie e Lant, 2006a: 7). 50

negócios alinhar-se com a cultura dada a profusão de produtos culturais (TV, rádio, música, cinema, publicação, exposições) que necessitam de agentes e meios para serem postos em circulação. Analisando a atividade dos artistas, McRobbie (1999a: 4) questiona o que é cultura e o que é indústria e aponta para um fenómeno inevitável na cultura contemporânea, face à força exercida pelos media, e que denomina de tabloidização da arte questionando se os artistas contemporâneos estão a fazer arte pela arte ou por questões de patrocínio comercial ao seu trabalho, o que expõe as profundas contradições existentes na ligação entre a arte e o empresariado. Como consequência da relação entre a cultura e o mercado as questões críticas levantadas foram no âmbito do financiamento do museu, principalmente com a intervenção de empresas privadas, e da exploração comercial dos seus objetos e serviços. Na verdade os museus contemporâneos passaram a ter de gerir os interesses dos seus múltiplos financiadores que podem ser o Estado (a nível municipal ou nacional), empresas, fundações, mecenas ou particulares e a colaboração destes intervenientes não é isenta de interesses pois todos pretendem um retorno. O Estado poderá querer ver o museu a revitalizar uma comunidade, a empresa terá interesse em ver o seu logo em diversos pontos do espaço do museu ou em usufruir de benefícios fiscais, as fundações poderão querer que o museu ajude a complementar a sua missão e os particulares terão interesse em ver o seu nome dado a uma sala ou ala ou que os objetos doados sejam exibidos em condições especiais. As questões subjacentes a muitos apoios aos museus, quer públicos quer privados, são negociadas em termos de relativa confidencialidade, no entanto os meandros destas negociações revelam a natureza altamente comercial dos objetos do museu (Marstine, 2006a: 11). Uma das práticas com um formato fortemente mediatizado e enquadrado numa visão económica da arte é a exposição blockbuster, com regras muito precisas e servidas num pacote com uma linguagem entendível de forma mais abrangente, pronta a ser exportada para qualquer museu e associada a estratégias textuais e comerciais muito precisas:

Wall texts, also known as “scripts”, are usually limited to 75 words so as not to overly tax the visitor; controversial theories, so as not to offend, are saved for the accompanying catalogue, which has a limited readership. Crowds move quickly through the galleries and the objects become mere advertisements to sell reproductions on cards, coffee mugs,

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posters, and umbrellas. Temporary exhibitions bring in a significant portion of a museum’s income, not only through ticket and souvenir sales but also because grant money is usually tied to attendance levels, traditionally considered the measure of success. Some museums partner with airlines and hotels to offer package deals. (Marstine, 2006a: 12)

A exposição blockbuster atua como um fator importante na globalização do museu, transformando-se num veículo de merchandising e de identidade visual divulgado a nível global e responsável por novas relações entre a cultura, a nação e a identidade, reconfigurando o museu como local de consumo massificado de arte e de captação de elevados números de visitantes vindos dos fluxos de turismo global (Rectanus, 2011). O patrocínio de grandes empresas a muitas exposições blockbuster tem associado aos museus companhias aéreas, petrolíferas, de seguros e bancos, que pretendem assegurar uma imagem positiva junto do público através do mecenato cultural, mas sempre através do patrocínio de artistas ou temas consensuais que não comprometam ou confundam a sua imagem junto dos seus consumidores. West (1995) analisa o conceito blockbuster num contexto mais alargado de venda e de democratização da arte em geral e das suas consequências em termos de perdas para o valor único e estético do objeto e para a aquisição de capital cultural. A par desta estratégia outras se puseram em prática para atrair mais público, como a criação nos museus de áreas de restauração e lojas, cafés, livrarias, áreas para grupos escolares e para crianças, caixas de levantamento de dinheiro, zonas de depósito de malas e casacos, balcões de informação. Parece importante realçar que, apesar do repúdio causado pela mercantilização dos bens e serviços culturais, a visão económica não pode estar ausente do estudo do funcionamento dos museus, quer visem o lucro quer não, pelo facto de serem instituições que, além do seu valor social e cultural, produzem também valor monetário, criando emprego e gerando lucro (a partir das livrarias, lojas, restaurantes, cafés e exposições temporárias). Dada esta predominância económica na produção cultural contemporânea, tornou-se imperativo para as artes operarem segundo uma lógica de marca, partindo do pressuposto de que os produtos culturais circulam no mercado sujeitos a mecanismos de promoção económica e também cultural (a autoria, o valor estético), em concorrência com outros produtos principalmente ligados ao entretenimento. O alinhamento das artes com a linguagem e as práticas de promoção comercial de um produto ou serviço verificou-se ao considerar-se que a construção de uma marca não corresponde somente 52

à satisfação de uma necessidade material mas se relaciona também com o valor simbólico inerente à aquisição de um bem, nomeadamente no que ele pode proporcionar em termos de diferenciação social, de prestígio e de afirmação pessoal (Healy, 2008), o que pode estar implícito na visita de espaços como museus e galerias de arte. French e Runyard (2011) enquadram as primeiras práticas de marketing no século XIX com a produção industrial em massa a dar início a uma nova estrutura de mercado em que produtores criavam necessidades nos consumidores, junto dos quais era preciso promover os bens e serviços num contexto de competição. No entanto, foi no século XX nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, quando a indústria alargou ainda mais a escala da sua produção num contexto de prosperidade económica e de desenvolvimento dos media e da publicidade, que foi necessário pensar em formas mais organizadas e sistemáticas de colocação de produtos no mercado tanto nacional como internacional (Hill et al., [1995] 2003). Assim, o marketing foi constituído como um conjunto de práticas de planeamento estratégico que pressupõe um conhecimento de mercados internos e externos, de aplicação de estratégias de branding22 (construção e consolidação de marca através de processos de atribuição de valor e de criação de identidade visual), de conhecimento de outras marcas a operar no mesmo ramo, de técnicas de envolvimento dos media e de estratégias de colaboração com parceiros a vários níveis. Kotler e Keller (2012: 38) definem o marketing como uma atividade que tem como objetivo criar a procura de bens e serviços através da identificação de necessidades humanas e sociais através de um planeamento e estratégias para captar e fidelizar clientes criando e comunicando valor. Por sua vez, o branding prende-se com o conjunto de estratégias, atividades e mecanismos que são determinantes na criação de imagem e valor para uma marca, com uma forte aposta nas estratégias visuais para atingir os seus objetivos:

Brands are inherently visual; corporate websites, logos, marketing campaigns, packaging, and product design all draw upon visual materials to create distinctive brand identities designed to attract attention and stimulate the senses. Successful brand strategy mandates managing the brand’s meaning in the marketplace – the brand image. Images, then, provide a critical marker of economic value. (Schroeder, 2010)

22 Kotler et al. (2009) fornecem uma extensa abordagem da teoria e da prática do marketing, detendo-se igualmente na definição de marca (p. 425) nas técnicas de criação e desenvolvimento de uma marca (pp 431-454) e em aspetos mais específicos como o branding de celebridades (pp. 478-481).

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Considera-se que praticamente todos os aspetos da atividade humana estão sujeitos a práticas de marketing e de branding: bens, serviços, eventos, experiências, pessoas, lugares, a propriedade, organizações, informação e ideias23, e os estudos de Kotler ([1972] 1996), Kotler et al. (2008) e Kotler e Kotler (2007) são essenciais para reconhecer o museu e as artes como um campo específico de atuação para o branding e o marketing na medida em que também produzem bens, mas de natureza cultural, aos quais é atribuído um valor predominantemente social em detrimento do valor monetário (Scott, 2007; Kerrigan et al, 2004; O’Reilly e Kerrigan, 2010). O branding museológico é explorado numa linha mais normativa, com técnicas e estratégias24 de construção e de consolidação de marca (Wallace, 2006), e noutra que revê aspetos críticos ligados ao modo e aos efeitos da atuação das técnicas de branding no sistema representacional do museu como contribuem para atribuir valor a determinadas imagens por ele difundidas (Shroeder, 2010: 19). Relativamente a esta última e inerentes às problemáticas de colocação e de promoção de serviços culturais no mercado são relevantes as questões de comunicação e, no caso particular do museu, o modo como o museu produz sentido(s) tanto através das escolhas para uma identidade visual como de elementos textuais25 presentes no seu espaço físico ou nas várias plataformas em que divulga a sua mensagem. A comunicação é um processo dinâmico de relação das instituições com as pessoas e importa ver quais os impactes que essas estratégias têm sobre a instituição ou sobre um evento em particular (uma exposição, por exemplo):

Communication within a museum potentially encompasses all of an institution’s practices which make meaning – from the pragmatic effect of whether or not there is an admission

23 Nestes últimos dois casos em particular Kotler and Keller (2012: 29-30) apontam o exemplo de escolas e universidades que promovem a informação a pais, estudantes e comunidades. As ideias são promovidas através de marketing social, por exemplo, em campanhas como Don’t Drive and Text, que consiste na consciencialização para os perigos do uso do telemóvel para enviar mensagens escritas durante a condução. 24 Inclui todos os aspetos do funcionamento do museu: o modo de mostrar a coleção, as atividades dos vários departamentos, a programação, a loja, o website, as publicações, o modo de captar membros e voluntários, o edifício, os cafés e restaurantes, o staff e os trustees. 25 Ravelli (2006) defende que a organização textual do museu pode ser responsável por várias implicações a nível do acesso.

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charge (which makes meanings about what the institution is, and who may enter it), to the overall aesthetic impact of the building, to the organizational layout of the galleries, to the written texts pasted on walls or written in brochures, which support exhibitions. (Ravelli, 2006: 1)

Se por um lado existe a noção de que se pode ‘vender’ o museu e os seus serviços com as mesmas técnicas de um outro produto, na abordagem desta questão em particular surgem frequentes tensões entre as especificidades do produto cultural e as características do produto comercial (Mokwa et al, 1980; Dawney, 2008), vendo alguns autores a necessidade de uma atuação específica no marketing cultural e museológico por existir no produto cultural uma certa independência de produção fora das contingências de mercado dada sua relação com a individualidade da criação artística. É importante sublinhar que o museu sempre comunicou com os seus públicos através de aparatos textuais e visuais com o objetivo de consolidar e legitimar narrativas de autoridade e de conhecimento estético e científico. Mas a comunicação empresarial numa lógica de marca é um processo que só começou a entrar no campo das artes na segunda metade do século XX e os desafios que se colocam ao museu em termos de comunicação prendem-se com a especificidade do seu ‘produto’ e com as estratégias de atribuição de um valor social e cultural sem o distanciar da sua missão educativa. Os contextos que conduziram à gestão das artes sob um prisma organizacional deveram-se em grande parte ao desinvestimento do Estado nas atividades culturais que ocorreu a partir dos anos 60 do século XX, tendo o campo das artes de optar por técnicas e regras de construção de identidade de marca como qualquer outro bem ou serviço disponíveis no mercado26 para assegurar, por um lado, a sua visibilidade junto de outras formas de cultura e de entretenimento e, por outro, a sua sobrevivência financeira.

26 Robertson (2005 a,b) e Robertson e Chong (2008) apresentam uma visão económica da arte e o modo como funciona o mercado de arte que depende largamente dos mecanismos que atribuem valor a um objeto estético criado sem qualquer função utilitária. A arte esteve muitas vezes rodeada de interesses comerciais aos quais estavam associados colecionadores, museus, empresas, dealers ou leiloeiras. Com particular interesse o ensaio “Art, religion, history, money” no qual Robertson (2005b) apresenta uma contextualização histórica que explora o modo como no ocidente sempre houve uma relação estreita entre o dinheiro e a arte. Schroeder (2010) defende que, se analisarmos a relação da arte com o marketing tendo o artista como centro, verificamos que sempre houve uma interação entre os valores estéticos e económicos pois os artistas sempre se socorreram de estratégias para se promoverem e para promover as suas obras, que estiveram, por sua vez, sujeitas a forças do mercado. 55

São importantes os estudos de Chong (2002; 2010) para a descrição das origens e do desenvolvimento da gestão de artes e das indústrias culturais nos EUA e no Reino Unido, mas também para entender as complexidades desta área na qual se cruzam questões tão diversas como as definições de arte, os interesses de artistas e de negociantes de arte, os padrões de consumo, as ligações ou divergências entre público e privado, entre lucrativo e não lucrativo, o que lança desafios aos gestores de arte obrigando-os a desenvolver a sua atividade entre três campos de ação: gestão, economia e estética. Nos anos 60 do século XX, o marketing nas organizações culturais resumia-se a pouco mais do que tentar estabelecer uma relação com os media para publicitar um evento ou a atrair público com bilhetes a preço mais reduzido. Só nas décadas de 80 e 90 desse século começaram a ser postas em prática estratégias de marketing dentro de uma estrutura organizada e profissionalizada com objetivos muito orientados para a captação de público(s) e para financiamento, lançando as bases para uma cooperação cada vez mais estreita entre as artes e as empresas. McLean (1997), Rentschler (2007) e Kolb (2013) consideram que uma colocação bem-sucedida do museu no mercado como produto terá de ter em conta aspetos como as evoluções demográficas (estrutura e dimensão populacional), o desenvolvimento tecnológico e as atitudes da sociedade face a alterações na sua estrutura, nomeadamente em relação a certos grupos (mulheres, minorias étnicas, crianças e idosos), para que seja possível um melhor conhecimento dos públicos. Por sua vez, French e Runyard (2011: 26) apontam outras vertentes para a ação do marketing de artes: o estudo do mercado (tendências, perfis de consumidores e de consumo), previsão (análise de mudanças na estrutura populacional, nos padrões de consumo, nos fluxos de turismo); preço (preços de entrada nas exposições, do merchandising), promoção dos serviços (media convencionais, newsletter eletrónicos, redes sociais, publicações). Reconhecem igualmente a necessidade de desenvolvimento da profissionalização das Relações Públicas, principalmente na relação com os media (modos de os envolver, de os fazer conhecer a organização, de os manter atualizados); na atualização da informação junto dos públicos (nos vários suportes de divulgação), na relação com o staff e com o conselho de administração (conhecer o funcionamento da organização, conhecer seu planeamento, as suas estratégias). A par destes mecanismos, o museu ganhará em criar e manter vários canais de comunicação com os diferentes segmentos de público, com os críticos e outros formadores de opinião e deverá, como 56

organização, ter profissionais formados para a previsão de crises ou com capacidade de definir estratégias para lidar com elas. A análise do museu como um campo de aplicação de estratégias de branding e de marketing tem destacado a integração cada vez maior das práticas empresariais na gestão cultural mas também tem evidenciado as opiniões divergentes a que deu origem pelas inúmeras contradições encontradas nos mecanismos de promoção do museu público, um terreno de atuação caracterizado por muitas contingências, nomeadamente por ser uma organização que não visa o lucro mas cujo espaço está impregnado de práticas comerciais.

1.4. Reinvenção: museus, urbanismo e turismo

Muita da experiência da modernidade encontra expressão na vivência da cidade (Frisby, 2001) e uma revisão do estudo do museu não estará completa sem perspetivar a sua relação com as transformações no espaço urbano do século XX e sem olhar para a sua centralidade na regeneração de espaços e no desenvolvimento turístico das cidades (Richards, 2009). O museu passou a estar integrado em novos complexos arquitetónicos nos quais também existem espaços de consumo e de entretenimento, o que o obrigou a reestruturar a sua imagem, as suas práticas e o seu funcionamento. A ligação da cultura às cidades é histórica e em todos os modelos de desenvolvimento urbano (na Antiguidade, no Renascimento ou na era industrial) a economia das cidades (em geral centros de impérios, cidades-estado ou importantes entrepostos comerciais) promoveu o desenvolvimento das artes e da inovação, que lhes trazia competitividade territorial e reforço da identidade como cidades de cultura e de progresso. Em formações posteriores relacionadas com o Estado-nação do século XIX e até ao presente, as cidades capitais sempre representaram uma porta para o resto do país assumindo assim um papel importante na definição e projeção da identidade nacional para o mundo. Possuindo, à partida, vantagens simbólicas, políticas e económicas em relação a outras cidades, a concentração de marcos culturais, históricos e de celebração nacional traz-lhes responsabilidades acrescidas na representação simbólica da nação. Por outro lado, o facto de serem centros do poder político, permite-lhes receber mais atenção e dinheiro dos governos centrais para questões relacionadas com o seu 57

planeamento e desenvolvimento (Maitland, 2009). Importa ver o desenvolvimento do museu no contexto das transformações ocorridas na estrutura das cidades ocidentais principalmente a partir da segunda metade do século XX, com o decréscimo da produção industrial, agrícola e mineira após os anos 60 e com a deslocalização da produção industrial de bens de consumo alargado para países asiáticos com uma oferta de mercados laborais de mão de obra mais barata. Outras transformações demográficas e sociais ocorridas na Europa neste período, tais como a diminuição dos nascimentos, o envelhecimento da população, o aumento do divórcio e o crescimento da família monoparental, a entrada das mulheres para a universidade e para o mundo do trabalho também foram determinantes para a estrutura social e ocupacional das cidades tivesse sofrido alterações (Lever, 1991; Fielding 1994; Hall, 1993). As cidades europeias começaram assim a alterar-se mediante contextos caracterizados por uma lógica pós-Fordista surgida da dissolução das economias industriais (Esser e Hirsch, 1994) e com a emergência de uma economia de base cultural que, com o desenvolvimento tecnológico a aprofundar as tendências de globalização e a formação de redes de interdependência, aumentou o investimento transnacional no tecido económico urbano. Verificou-se igualmente que a terciarização da atividade económica nas cidades ligada à especulação financeira, ao desenvolvimento da banca e à gestão de negócios resultou num aumento médio dos salários que fez emergir novas classes médias com melhores rendimentos e prontas a investir na elevação do seu estatuto social através de estilos de vida sofisticados associados ao consumo, à fruição de atividades culturais e à procura de habitação integrada em projetos de requalificação da oferta imobiliária dos quais faziam parte não só áreas de consumo mas também equipamentos como museus, galerias de arte ou centros culturais e de espetáculos. Com o objetivo de dar resposta a esta procura, surgiram novas zonas residenciais, construídas de raiz ou através de projetos de reabilitação, situadas no centro histórico ou na sua proximidade, que se tornaram atrativas para estas novas classes sociais porque possuíam edifícios de elevada qualidade arquitetónica, próximas de zonas verdes e de pólos de cultura, consumo e entretenimento e de empresas de alta tecnologia. O investimento nestes projetos urbanísticos tem revelado interesses públicos e privados virados para a atração de elites empresariais e criativas com o objetivo de elevar o estatuto das cidades e de projetar a sua imagem numa dimensão global. A análise da organização dos espaços urbanos contemporâneos tem-se concentrado 58

na formação das cidades como centros financeiros globais onde operam em aglomeração grandes empresas de alcance transnacional essencialmente na área dos serviços. As cidades foram e são centrais para consolidação do projeto neoliberal de globalização (Massey, 2007) pelos potenciais de concentração humana e de negócios. O estudo das cidades mundiais (Friedmann e Wolff, 1982) ou globais (Sassen, 1991) tem acompanhado não só as geografias do dinheiro e do capitalismo (Leyshon e Thrift, 1997), mas também o modo como o desenvolvimento tecnológico tem contribuído para consolidar os sistemas de comunicação27 e de coordenação de operações a nível global (Graham, 1999). Numa abordagem mais recente à discussão acerca das cidades globais, Allen (2010) opta por conceitos como powerful cities ou dominant cities, colocando a análise não na formação da cidade como um centro de controlo mas no estudo do modo como constrói, preserva ou perde os mecanismos de comando que lhe permitem colocar os seus recursos ao serviço das redes a grande escala e continuar a manter-se numa posição de liderança28. Propondo uma análise inter-relacional das cidades, Taylor (2004) mostra que estamos perante uma nova lógica espacial global dominada pelas cidades e não pelos Estados e que deve ser analisada nas suas dependências e interdependências, no modo como se hierarquizam estabelecendo relações de poder e de influência, tendo como base a nova morfologia social das sociedades contemporâneas. Ainda que existam outros fatores propiciadores da aglomeração, como sejam os espaciais, políticos ou sociais, a cidade global, também na sua dimensão cultural, beneficia das economias de aglomeração (Moulaert e Djellal, 1995) que permitem que vários agentes culturais a operar no espaço urbano ganhem com a concentração de outros agentes na sua área de intervenção ou outras, atuando em rede num espaço densamente urbanizado. Os projetos culturais de grande envergadura, como museus, salas de espetáculos ou centros culturais, necessitam precisamente de espaços urbanos com uma densidade populacional considerável que lhes assegurem os níveis de público necessários para manter o funcionamento com uma programação de elevado perfil

27 Warf (1995) aborda a repercussão das inovações ocorridas na informática e nas telecomunicações no desenvolvimento do setor dos serviços, na medida em que estas tecnologias permitiram o seu funcionamento em rede, com um alcance a nível global e com uma significativa redução de custos no transporte de recursos e informação desde a sede às filiais. 28 Estes torrnam-se importante na medida em que a competitividade entre grandes centros urbanos se verifica nos seus frequentes reposicionamentos na hierarquia de cidades globais cujos mecanismos e critérios de ordenação são estudados por Alderson et al. (2010). 59

(Heilbrun, 1992). Para a análise que se propõe neste estudo, a ligação da cultura ao urbanismo prende- se com o facto de os modelos de desenvolvimento urbano dos anos 80 e 90 do século XX (Bianchini e Parkinson, 1993) terem colocado na agenda o modo como o planeamento das cidades e as artes poderiam interagir no contexto da regeneração urbana29. As cidades organizam-se em torno destes projetos tentando construir competitividade e diferenciação não só para fazer face às exigências da economia global mas também para contribuir para o desempenho da economia nacional. A governança das cidades passou a ter em conta a inter-relação entre as dimensões local, regional, nacional e supra nacional e sua capacidade de inovação passou a ser uma das vertentes do seu desenvolvimento e competitividade:

The specific emphasis on cities’ capacities relates to their continuing prowess as repositories and generators of knowledge, and specially of those entrepreneurial processes through which this is selectively transformed into marketable and commercially viable ‘innovations’ in goods and services. (Cooke e Simmie 2005: 97)

A competitividade das cidades passou a ser promovida através do clustering de atividades inovadoras principalmente relacionadas com o conhecimento, a criatividade e a tecnologia e com a sua capacidade de fomentar a interação e interconexão entre empresas e ideias. Bassett et al. (2005) abordam a viragem para a cultura como um dos principais vetores de competitividade e de crescimento das cidades, principalmente através da análise do alargamento da noção de cultura e que tem permitido a inclusão de várias atividades consideradas ‘culturais’ (cinema, musica, moda, publicidade) e que são essenciais à economia. Este aspeto conduz-nos às reflexões sobre a formação de

29 Usamos a tradução direta da expressão inglesa urban regeneration por ser a mais correntemente utilizada para designar este movimento, embora existam outros equivalentes. Tallon (2010: 4-5) explora algumas variantes e subtilezas de que se reveste a expressão urban regeneration, consoante o seu uso por académicos, governos ou planeadores. Nos anos 60 surge como urban renewal e era um setor maioritariamente financiado e dirigido pelo estado com o objetivo de desenvolver as zonas degradadas e sobrepopuladas do centro das cidades; urban regeneration foi o termo usado nos anos 80, com objetivos muito virados para o desenvolvimento imobiliário e para a colocação da propriedade a funcionar num sistema de mercado; o New Labour chamou-lhe urban renaissance nos anos 90 e direcionou os projetos colocando na agenda as prioridades da comunidade. Outros termos relacionados têm sido usados como urban revival, urban rebirth ou urban reconstitution.

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uma economia cultural, na medida em que se verifica que uma dimensão cultural da produção tem sido uma fonte de negócio nas cidades contemporâneas que passaram de um modo de produção de bens utilitários para a produção de bens estéticos e simbólicos. Scott (1997: 333; 2000) observa a complexidade de processos existentes na formação de uma economia cultural no tecido urbano contemporâneo apontando fragilidades no próprio conceito de economia cultural. Chamando a atenção para evidentes relações entre o lugar e o seu potencial de concentração de atividades e serviços para a produção cultural, investiga de que modo a cultura tem realmente beneficiado de uma cidade em rede e prefere descrever esta ‘economia cultural’ das cidades como a exploração de sistemas económico-culturais localizados com o objetivo de gerar complexos de produção de imagens. Assim, muitas cidades têm investido no desenvolvimento cultural e na exploração económica das infraestruturas tais como frentes ribeirinhas, distritos comerciais, museus e galerias de arte, monumentos, salas de concertos de teatro e dança e centros culturais. O estudo do impacte das políticas de desenvolvimento ligadas à criatividade e à cultura na coesão social das comunidades (Matarasso, 2001; Wiesand, 2004) principalmente através de projetos envolvendo as artes tem descrito benefícios como a redução da exclusão social e do isolamento, a cooperação, o entendimento intercultural e o desenvolvimento de novas competências. O capital competitivo de uma cidade parte da criação de infra-estruturas capazes de atrair investimento e pessoas que contribuam criativamente e com inovação para os diversos projetos de crescimento do espaço urbano a nível da habitação, do emprego, das telecomunicações, dos transportes e da cultura (Landry e Bianchini, 1995; Wood e Landry, 2008). Gabe e Abel (2011) realçam que a aglomeração de conhecimento traz inovação principalmente em grupos como artistas, engenheiros, executivos ligados à finança e informáticos. De modo idêntico, Florida (2002; 2005; 2008) apresenta uma visão sobre a regeneração das cidades assente no recrutamento global de fluxos de elites criativas para os centros urbanos reabilitados, defendendo um modelo de ocupação urbana constituído por grupos ligados às expressões artísticas, à cultura, à moda, ao design, às telecomunicações e às tecnologias de informação30.

30 Estudando e aplicando o que chama os índices boémio e gay, apresenta uma perspetiva que

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A crítica de Zukin (1996) aborda o desenvolvimento arquitetónico das cidades contemporâneas sob duas perspetivas: por um lado, o desenvolvimento das cidades relaciona-se com a melhoria das condições económicas das sociedades urbanas decorrentes das várias forças de desenvolvimento global e, por outro, prende-se com a emergência de novas formas de representação da cidade através da arquitetura, do design urbano e da publicidade e que são determinantes na formação de mecanismos de inclusão e exclusão de determinados grupos no espaço urbano31. A cidade do final do século XX e do início do século XXI já não opera apenas numa conjuntura nacional mas também em contextos em rede e, por isso, em constante construção de vantagem competitiva, o que se conseguiu graças a grandes alterações na legislação relativa ao uso da propriedade32. Healey e Williams (1993: 708-717) apontam para o modo como o planeamento urbano passou a ter uma importância vital na Europa, a nível não só económico mas também político, reavaliando as funções do Estado relativamente à habitação e a sua relação com os privados. Porém, não deverão ser ignoradas as consequências deste desenvolvimento, nomeadamente os fenómenos de suburbanização que afastaram populações do centro,

consideramos ambivalente, porque, a par da criação de uma cidade tolerante, aberta e criativa (porque aceita a orientação sexual de cada um, os modos de vida e a criatividade de todos os seus grupos) é inevitável a criação de um tecido social constituído por essa burguesia boémia, consumidora de requinte e cultura, geradora de grandes negócios ligados ao gosto e ao estilo de vida sofisticado que dominam agora a economia das cidades, o que conduzirá inevitavelmente a fenómenos de exclusão social. Comunian (2011) aprofunda a discussão acerca da ligação entre cidades e criatividade argumentando que os vários níveis de interação entre os diferentes agentes ligados à criatividade fazem com que o desenvolvimento cultural de uma cidade se opere através de um sistema de adaptação complexo que depende das abordagens a curto e longo prazo e que dependem da vontade política, do investimento económico e das dinâmicas de atração das classes criativas para uma zona urbana. 31 Sieber (1993) apresenta um interessante estudo acerca dos projetos de regeneração das frentes ribeirinhas no qual problematiza questões acerca dos diferentes níveis de acesso às vistas de água permitidos aos diferentes grupos sociais que residem no espaço urbano ou que dele usufruem., a começar pelas restrições impostas a muitos grupos pelo levado preço da propriedade construída ou reabilitada nessas zonas. 32 Frost e Spence (1993) descrevem o modo como o acréscimo de emprego no setor financeiro nos anos 80 e a prosperidade no setor imobiliário fizeram crescer muitos serviços e negócios nas cidades. Lienneman e Megbolube (1994) exploram como os modelos de privatização da habitação nos Estados Unidos e no Reino Unido visaram incentivar a procura de propriedade própria, de reduzir o investimento na habitação social e de abrir à iniciativa privada a oferta de habitação aos consumidores. 62

deixando-o por conta dos interesses do investimento privado que estabeleceu as suas próprias regras de exploração de propriedade sujeita a esquemas de forte especulação (Baley e Robertson 1997; Ley, 2003; Carpenter e Lees, 1995). Estas novas formas de exploração da propriedade tiveram efeitos no surgimento de fenómenos de recomposição do centro das cidades como a gentrificação33 e a polarização social (Glass, 1964; Hamnett, 1991, 1994; Smith, 1996; Lees, Slater e Wyly, 2008) e aprofundaram injustiças e assimetrias sociais que conduziram à marginalização de algumas franjas da população dificultando-lhes o acesso a serviços, espaços e mercados, nomeadamente a quem não possuía recursos económicos para manter a habitação no centro. A cultura apresenta-se assim como um motor de desenvolvimento do potencial económico das cidades e passou a estar enquadrada nas suas estratégias de promoção. Os bens culturais de qualidade apresentam-se como mais-valias para “vender” uma cidade. Ainda que o marketing de organizações que não visem o lucro se revista de características próprias, o marketing urbano é analisado no que poderá trazer de retorno económico para a cidade, esquecendo muitas vezes as implicações sociais de subjugar o seu o planeamento a objetivos de competição a nível nacional e internacional (Paddison, 1993). Mesmo que sejam muitos os ganhos a nível da visibilidade, da prosperidade económica e do crescimento, todos os processos de reconstrução da imagem de reinterpretação do espaço público e da arquitetura conduzem a novas leituras do espaço urbano e a redefinições da identidade desses lugares (Chaplin e Stara, 2009), tornando- os visitáveis pela construção de espaços visualmente atrativos com complexos edificados nos quais se integra o museu (Wiszniewski, 2012). Deste modo a cultura foi associada ao empreendedorismo urbano, colocando o museu numa posição central:

Our approach is based, in part, on the transformation which has taken place in the post- Fordist economy of cities and interprets the recent growth in the number of museums and visitors in terms of the growing importance accorded by city governments to new forms

33 Cameron (1992) e Bourne (1993) referem que a excessiva atenção e valorização das consequências negativas da gentrificação não deixam que seja visto como um processo de mudança social emergente nas cidades contemporâneas e, não sendo exclusivamente os fenómenos de gentrificação que estão a limitar o acesso de certas classes à habitação, devem estudar-se com mais profundidade as consequências do desemprego e das políticas para o centro das cidades muito concentradas no desenvolvimento urbanístico patrocinado por interesses privados. 63

of cultural consumption as part of a new regime of regulation. We also argue, however, that changes in the social structure of advanced capitalist societies particularly the growth of a new educated middle class with specific cultural demands, have also been important in enhancing the role of the museum. (Hamnett e Shoval, 2003: p. 234)

A projeção de quarteirões culturais (Mommaas, 2004) associou a regeneração urbana a espaços onde coexistem cultura e entretenimento através da construção de raiz ou da remodelação de edifícios (museus, galerias, teatros, cinemas, centros culturais) construindo perto deles espaços comerciais de qualidade, áreas residenciais e de serviços. Devemos aqui refletir sobre o modo como o museu também foi obrigado a reinventar-se face às novas transformações no espaço urbano, principalmente porque teve de faze uma abordagem espacial à sua gestão e às suas práticas e, inclusivamente ao seu edifício, agora a fazer parte de um aparato visual mais complexo, ligado ao consumo, ao entretenimento e ao lazer. A construção destes espaços nas cidades, que ligou o museu à regeneração urbana e à experiência turística formou um triângulo importante – cultura, urbanismo e turismo ̶ que tem sido um motor de desenvolvimento económico de muitas cidades e regiões. Por via deste reposicionamento o museu assumiu também uma centralidade importante na experiência turística porque, incluído nos roteiros e guias, passou a constituir um ponto importante na representação do passado e da história e no agrado às novas classes médias que procuram aumentar o seu capital cultural através da viagem a destinos com uma componente cultural. Muitas localidades tornadas “destinos turísticos” não pouparam esforços na renovação arquitetónica dos seus museus com o objetivo de melhorar o acesso e de modernizar os interiores mas também na revitalização de espaços circundantes no sentido de criar complexos visuais com impacte no olhar dos visitantes, muitas vezes com a criação de zonas de lazer e de consumo (Trulove, 2000). Também foram construídos novos museus em áreas urbanas económica e socialmente desvitalizadas tendo no turismo um dos focos principais de desenvolvimento de velhos centros portuários e industriais. Surgiram museus e galerias de arte em armazéns e fábricas que, por sua vez, estavam integrados em complexos de consumo cultural, reinventando para essas zonas uma identidade ligada à cultura e contribuindo como uma mais-valia para as estratégias de promoção desses locais. O desenvolvimento massificado do turismo a partir da segunda metade do século XX prendeu-se não só com a melhoria de rendimentos das classes médias mas também com

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novas conceções do espaço e da mobilidade e com um enfraquecimento da ética puritana do trabalho e da produtividade por oposição a um crescimento de formas de vida mais direcionadas para o prazer, o lazer e o consumo (Bell, 1996; Shaw e Williams, 2002). Harvey (1989) nota que a ênfase colocada no consumo de espaços resulta de uma das mudanças verificadas na condição pós-moderna que descreve como uma crise da nossa vivência do tempo e do espaço, na qual categorias espaciais dominam as temporais. Featherstone (1991), Lash e Urry (1994) descrevem a busca do prazer como uma das características mais marcantes da pós-modernidade, principalmente ao analisarem a emergência das novas classes médias, com mais capital cultural e económico, e com uma grande propensão para a esteticização da vida quotidiana, com uma igual devoção ao estilo e à moda, factores que trouxeram uma inversão dos antigos valores burgueses ligados à moralidade, à contenção e à vivência moderada do prazer. Estes novos grupos encontraram formas de representar a sua identidade na sua procura de bens simbólicos, no voyerismo, no culto do corpo e da forma física e nos prazeres do consumo, atividades que se traduzem na busca quotidiana do hedonismo. Estas características são importantes para o turismo na medida que as suas indústrias têm adequado os seus serviços aos interesses destas novas classes, com práticas direcionadas no sentido de proporcionar uma fruição lúdica dos espaços visitados, muitas vezes com jogos e encenações acerca dos lugares visitados que recontextualizam factos, eventos e figuras com o objetivo de agradar ao olhar de um turista que não procura informação profunda sobre os locais que visita mas sim um conjunto de experiências simples, dinâmicas e agradáveis, baseadas principalmente na perceção sensorial (Urry, 1995). É difícil perspetivar não só o consumo cultural mas também o turismo sem ter em conta a noção de experiência (MacCannell, 1976) e o modo como ela se constrói através do binário quotidiano/extraordinário. A configuração da experiência turística prende-se com fenómenos como o da imaginação e da antecipação de um prazer que, de certa maneira, possa fugir àquilo que é o quotidiano como, por exemplo, ver monumentos icónicos ou signos há muito desejados (uma aldeia medieval ou um castelo francês), ter uma experiência quotidiana ou familiar em contextos diferentes ou observar aspetos da vida social numa geografia diferente (Urry, 1990:12-13). Quando compram um serviço ou produto, os turistas procuram superar as experiências que, muitas vezes, durante anos, formaram na sua imaginação e no prazer que poderiam usufruir. Daí o trabalho 65

das indústrias turísticas em proporcionar experiências mais inovadoras e extraordinárias, que criam com um conhecimento profundo do mercado e com a ajuda especializada da publicidade e do marketing. A produção do tempo e do espaço de lazer para escapar ao quotidiano constitui-se assim como um fator importante na construção de novas sociabilidades, de novos sentidos e de novas configurações sociais. Daí a necessidade, para o turismo, do estabelecimento de fronteiras, quer físicas quer simbólicas, que delimitem os vários espaços de consumo, organizando as suas práticas segundo as várias aceções de experiência de cada grupo social e em torno do imaginário, da fantasia e do espetacular de modo a que cada indivíduo viva uma experiência que ele sinta como particular, ainda muito fabricada e monitorizada. Assim, os estudos acerca do turismo têm alargado a sua base interdisciplinar (que abarca a geografia, a sociologia, a psicologia social, os estudos culturais e a economia, entre outros) e investigam não só as questões ligadas à viagem de lazer, e às configurações e tipologias da experiência turística mas também um campo de análise que se tem debruçado sobre o turismo como um conjunto de práticas de busca de autenticidade (MacCannell, 1976) ou de procura de lugares simulados e encenadas para se tornarem um ‘destino’ fabricado para agradar ao turista/consumidor (Boorstin, 1961). A questão da autenticidade tem sido analisada de acordo com novos padrões de consumo do espaço, dos quais sobressai o caráter trivializado e superficial da experiência do turista mediada por formas de construção social dos espaços visitados através de imagens e de estereótipos que ‘correspondem’ ao que o turista quer ver. distingue o que é um lugar ‘natural’ daquele que é ‘agenciado’, ou seja, sujeito a uma intervenção simbólica conducente a uma certa artificialidade para atrair mais consumidores. Reconhecendo a existência de uma caraterística aurática dos objetos conceptualizada por Benjamin ([1936] 1973) e, alargando-a ao campo do turismo, dos lugares, esta característica terá o efeito de levar o turista ao local para verificar a realidade da sua existência. Não contradizendo este ponto de vista, Rojek (1997) aponta, no entanto, razões para uma diminuição do poder da aura, devido principalmente à ação dos media que reproduzem em massa as imagens veneradas pelos turistas, tornando objetos e lugares muito mais acessíveis e sujeitando a sua história e o seu simbolismo a interpretações mais redutoras. O autor considera importante perceber que o que constitui os lugares turísticos é um 66

conjunto de signos construídos e feitos circular através da ação da televisão, do cinema e da publicidade, podendo ser considerado uma indústria do escapismo com estratégias elaboradas para concretizar sonhos de evasão que são construídos à medida dos consumidores:

The beach, the hotel, the casino, the ocean, the mountains and a variety of other tourist motifs are presented in the advertising materials almost as clinics of oblivion where we can check-in and then check-out from the cares of everyday life. (Rojek, 1997: 58)

Reforçando esta posição, Ritzer e Liska (1997) defendem que uma das tendências do turismo atual aponta para a criação de atividades controladas e previsíveis que colocam o turista em zonas de conforto que não se distanciem muito do seu quotidiano. Tomando como ponto de partida o estudo de Ritzer (1996), no qual cunhou a expressão the McDonaldization of society, os autores referem que tanto o parque temático Disneyland como as lojas da cadeia de fast food McDonald’s proporcionam ao público entretenimento com padrões de experiências muito semelhantes, calculadas, temporizadas e estereotipadas34. Uma outra vertente de análise do fenómeno turístico tem-se concentrado no modo como as formas contemporâneas de mobilidade afetam as definições de cultura e o modo como a cultura associada aos modos de vida de um povo num determinado limite geográfico se dilui sendo a globalização a determinar novas formas de mobilidade espacial e novas definições de cultura nacional (Clifford, 1988; Tomlinson, 1999; Rojek e Urry, 1997). A noção de uma cultura associada a uma fronteira nacional perde-se nos fluxos contemporâneos de pessoas, objetos e imagens, o que determina que a experiência turística tenha de ser entendida como complexa e contraditória. Também as forças transnacionais de movimento do capital contribuíram para a heterogeneização do produto turístico, no qual o museu está incluído em pacotes de viagens com roteiros pré- definidos, alojamento e viagem. Ainda que a produção da diferenciação seja importante, a estandardização é um fator essencial para a expansão das indústrias a larga escala como é o caso do turismo, pois facilita a mobilidade de pessoas, serviços e capital (hotéis, viagens de avião, cartões de

34 As análises económicas do turismo têm permitido problematizar a relação desta atividade com o consumo padronizado e massificado de experiências para satisfazer as expetativas e preferências dos turistas, segmentando o mercado e categorizando os turistas para que possam ser ‘servidos’ num sistema de mercado e de consumo massificado (Wearing et al., 2010).

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crédito, transportes, restaurantes). É o discurso das estratégias do marketing turístico que faz esquecer o quanto todo o processo é estandardizado, conseguindo vender um local como único e capaz de satisfazer as espectativas de cada cliente individualmente. O lançamento da cultura e do património aliados à regeneração urbana como motores de desenvolvimento turístico traz à superfície um conjunto de práticas conduzidas por planeadores urbanos, patrocinadores privados e governos locais, operando numa arena muito competitiva onde se cruzam interesses políticos e empresariais e de propriedade com o objetivo de produzir experiências de revisão do passado através de discursos encenados sobre a memória desses lugares, havendo por vezes muito pouca abertura a visões alternativas sobre a exploração dessa memória (Hewison, 1987; Kirshemblatt- Gimblet, 1998; Dicks, 2003). Para o estudo do museu interessa-nos particularmente o desenvolvimento do turismo urbano, com grande expansão a partir dos anos 80 do século XX, quando os movimentos de regeneração urbana começaram a reconfigurar a paisagem de muitas cidades pós industriais (Law, 1992) com o objetivo de elevar o perfil dessas cidades num mercado global de oferta turística muito competitivo com o museu a assumir grande importância para tornar determinadas áreas da cidade mais atrativas culturalmente e para as tornar um ‘destino’:

Indeed museums - and the larger heritage industry of which they are part - play a vital role in creating the sense of “hereness” necessary to convert a location into a destination. (Kirshemblat-Gimblet, 1998: 7)

Heritage and tourism are collaborative industries, heritage converting locations into destinations and tourism making them economically viable as exhibits of themselves. Locations become museums within a tourism economy. Once sites, buildings, objects, technologies, or ways of life can no longer sustain themselves as they formerly did, they “survive” - they are made economically viable - as representations of themselves. (…) To compete for tourists, a location must become a destination. To compete with each other, destinations must be distinguishable, which is why the tourism industry requires the production of difference. (…) “Sameness” is a problem the industry faces. (idem: 151)

Outros desenvolvimentos nessa década como a expansão de várias formas de mobilidade, a democratização da viagem, principalmente com as ligações aéreas de baixo custo, e a multiplicação de redes e fluxos de informação entre pessoas permitiram uma difusão a nível global das experiências de viagem em cidades. Fainstein (1983) e Law (1994) realçam o grande crescimento do turismo urbano35

35 Page (1995) estuda as problemáticas associadas à conceptualização do turismo urbano. Havendo

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como um dos principais motores do grande investimento em projetos de regeneração urbana com o objetivo de promover as cidades como destinos turísticos sujeitas a técnicas de branding e marketing como se de um produto comercial se tratasse. A construção do branding de lugares é um processo que consiste em fazer do produto turístico um pacote de atrações e equipamentos que contribuem para a construção do valor associado a esse local e que o promove como destino turístico. É a combinação de fatores como o clima, o preço e a qualidade do alojamento e da restauração, as potencialidades dos equipamentos culturais e de entretenimento, a rede de transportes, os lugares históricos e as belezas naturais que contribui para a formação de imagens que conduzem à construção do valor de uma determinada cidade (Goodall, 1990). Através do design e da arquitetura, os planeadores concentraram-se na requalificação do centro das cidades atraindo para aí um conjunto de equipamentos como museus, centros culturais ou galerias de arte, desenvolvendo as frentes de água ou criando quarteirões culturais e comerciais que foram postos ao serviço do branding das cidades (Robinson e Picard, 2006) e da indústria turística. São recorrentes os estudos que abordam as pressões exercidas pelo turismo para que o marketing de cidades as promova como um destino turístico, ainda que sejam apontadas fragilidades e dificuldades na apropriação de conteúdos do marketing de produtos para promover lugares. O marketing de lugares encontra uma base nos estudos de Kotler ([1972] 1996), que reconhecem a possibilidade de aplicar técnicas de marketing a organizações que não visam o lucro, nomeadamente a organismos públicos ou semi-públicos que oferecem serviços numa cidade. Daqui se desenvolveram noções ligadas ao desenvolvimento do marketing social, ou seja, do reconhecimento que se pode promover as características de um produto não tangível tendo em vista o bem-estar do consumidor e, no caso do marketing turístico, o melhoramento das suas experiências (Ashworth e Voogd, 1990). Morgan et al. (2000: 6), Morgan (2004) e Kavaratzis (2004) definem destination branding como o processo de construção e de transmissão de experiências únicas com um impacte forte junto dos consumidores para que tenham a perceção de um produto de qualidade superior. Fyall et al. (2006: 75) acentuam que promover um lugar como destino obriga a pensar numa complexa teia de expectativas e de segmentos de dificuldades em definir a especificidade do turismo urbano, verifica-se que os turistas procuram as cidades com base na conjugação de fatores que funcionam como facilitadores para atrair visitantes: multiplicidade de funções em oferta, especialização e aglomeração.

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consumidores aos quais se pretende proporcionar um conjunto agradável de experiências conseguidas através de uma construção discursiva da cidade pela reinvenção de imagens e de símbolos com o objetivo de contar histórias desse lugar que articulem presente e passado de uma forma lúdica. A economia de muitas áreas urbanas direcionou-se assim para um conjunto de produtos e práticas para promover o que podemos denominar como turismo cultural36, especialmente virado para um público consumidor de arte e cultura cujos interesses se situam entre um passeio pelas zonas comerciais da cidade, a visita a museus e galerias de arte, lugares de património e a ida ao teatro, a um musical ou ao cinema. A viagem e o destino ‘culturais’ apresentam-se como uma mais-valia em termos de conhecimento histórico e estético que pode elevar o estatuto e o capital cultural das classes médias (Craik, 1997). Smith (2003) aponta para a necessidade de contextualizar o turismo cultural numa perspetiva histórica, geográfica, social e económica e configura-o não como um nicho ou uma especialização na oferta turística mas como uma vasta abrangência de experiências e atividades com uma ancoragem cultural. A autora considera que o turismo cultural se prende essencialmente com o consumo da história, do património e das artes de um local e dos modos de vida do seu povo. Embora inicialmente associado à visita de museus, galerias e monumentos, a definição de turismo cultural terá sempre inerente a complexidade e a volatilidade da definição do próprio conceito de cultura, razão pela qual são incluídas cada vez mais atividades numa perspetiva mais experiencial (ida a restaurantes, festivais, bares, concertos). Smith propõe, acima de

36 O ICOMOS (International Council on Monuments and Sites), a organização que trabalha na conservação e protecção da herança cultural e com um papel de aconselhamento da UNESCO relativamente às opções a incluir na lista de lugares de património da humanidade, publicou, em 1976, a Carta do Turismo Cultural (com um novo documento em 1999, a International Cultural Tourism Charter) na qual estabelece a sua posição e bases de ação relativamente ao desenvolvimento do turismo, numa perspectiva de informação e treino dos seus agentes através de uma abordagem multifacetada do fenómeno turístico com objectivos de preservação e conservação dos sítios e monumentos sem esquecer os benefícios económicos que o seu desenvolvimento adequado pode trazer às populações. Esta Carta propõe uma definição de turismo cultural: 3. Cultural tourism is that form of tourism whose object is, among other aims, the discovery of monuments and sites. (…) This form of tourism justifies in fact the efforts which said maintenance and protection demand of the human community because of the socio-cultural and economic benefits which they bestow on all the populations concerned (www.icomos.org). 70

tudo, que examinemos o turismo cultural como uma força global essencialmente dominada por nações do mundo ocidental, entendendo a sua existência como um resultado da diluição da diferença entre cultura e comércio o que, a nosso ver, faz com que o museu seja promovido na experiência turística no mesmo modo e em conjunto com a visita a um monumento, a ida ao restaurante, a um concerto ou às compras.

1.5. Antevisão: o(s) futuro(s) do museu

A contemporaneidade trouxe novas configurações para o museu: o desafio à noção de cânone pressupõe uma nova ordem social que problematiza a hierarquização de formas ‘superiores’ ou ‘inferiores’ de cultura e que pressiona o museu para incluir no seu espaço a representação da diversidade social. Os desafios colocados ao museu nos séculos XX e XXI prendem-se com a noção de que o objeto por si só não oferece as potencialidades pedagógicas do passado pelo que é integrado em exposições nas quais é mostrado em narrativas ou ‘histórias’ apoiadas em textos ou equipamentos audiovisuais que facilitam a sua interpretação e interação com o visitante numa necessidade de espetacularizar a arte para a tornar mais apelativa (Macdonald, 2011a: 88). Em 1947 André Malraux, em O Museu Imaginário, quase profetizava o fim simbólico do museu como instituição devido à facilidade técnica de reprodução e divulgação dos seus objetos. O seu museu imaginário corresponderia a um conjunto de objetos de arte canónicos difundidos em ampla escala, constituindo uma memória coletiva partilhada a nível mundial. Em On the Museum’s Ruins, Crimp (1993) apresenta o museu da pós-modernidade como uma instituição a emergir das ruínas do museu tradicional e a operar no entrecruzar de visões e identidades locais e globais, assumindo-se como um espaço de interrogação sobre o que é a arte ou o génio artístico, sobre o que é exibir, sabendo-se que o museu já não pode justificar-se apenas pela quantidade e excepcionalidade dos objetos que guarda. O museu acompanhou o processo de transformação da sociedade através de adaptações que não foram nem homogéneas nem lineares. A realidade museológica de hoje é composta pela visão tradicional do museu no seu edifício monumental e como guardião de objetos e pela visão do museu da pós-modernidade, mais inclusivo e aberto à representação de uma maior diversidade de expressões e de identidades servindo 71

comunidades locais, nacionais ou globais. Aproveitando os fluxos de pessoas, imagens e informação, o museu não parece ter perdido nem a sua identidade nem o seu significado, pelo contrário, aprendeu a funcionar num maior hibridismo sociocultural criando ambientes de exibição onde a transmissão de conhecimentos através de suportes textuais coexiste com formas de estimular os sentidos através dos meios audiovisuais e informáticos (Burton e Scott, 2007). Numa abordagem às principais tendências de desenvolvimento dos museus no futuro, Black (2012) apresenta uma linha de continuidade relativamente às transformações motivadas por dois aspetos que têm norteado a gestão dos museus: por um lado as necessidades de financiamento, por outro o impacte das tecnologias, aprofundando cada vez mais a centralidade do visitante:

We are living through a period of profound change in Western society, underpinned by the rise of new media and by a resultant fundamental shift in Western economies to a globally interconnected information economy. Both have had a profound impact on the skills individuals require to succeed in work and life. (…) It is also breaking down the barriers between formal and informal education, with a general recognition that learning is a lifetime pursuit. (Black, 2012: 1)

Para se manter aberto o museu será obrigado a reforçar os mecanismos de envolvimento dos públicos na arte e na cultura para que não se percam nem visitantes nem patrocinadores continuando a fazer sentido conhecer os perfis de visitantes o melhor possível para investir em técnicas de marketing eficazes para os atrair:

Now museums must face up to their next great challenges: in converting audiences from casual one-off visitors into regular users, and in re-establishing the relevance of museums to society as a whole in the twenty-first century. (Black, 2012: 75)

Considerando que a perspetiva comercial não irá ser abandonada nas visões para a administração do museu e que não diminuirá o investimento na diversidade de equipamento tecnológico disponível para facilitar a interpretação e para entreter (ou distrair) a visão do visitante, Saumarez Smith (2011) apresenta o definhamento do objeto como um dos aspetos mais negativos do desenvolvimento do museu na contemporaneidade e, a não ser restituída a sua função como repositório de objetos, a observação da coleção será um aspeto secundário da visita dado o espaço ocupado por tecnologias visuais, cafés, lojas, restaurantes e livrarias. A visita ao museu tenderá a ser

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cada vez mais a experiência do edifício e dos seus espaços comerciais e de socialização em detrimento da experiência da arte. O autor sugere que o museu deva cultivar o compromisso entre a representação do real, ou seja, dos objetos selecionados como património comum para fazer a ligação entre o presente e o futuro e as possibilidades de representação oferecidas pela tecnologia, sem que as suas práticas sejam completamente dirigidas pelo determinismo tecnológico e económico que tem orientado os museus. Deverá ser repensado o modo como a vertente comercial está a guiar o seu destino e não o conteúdo que preserva. Advoga ainda a necessidade de se fazerem escolhas entre o local e o global tendo em conta que a aparente força de homogeneização que domina as sociedades contemporâneas poderá e deverá ser contrariada por perspetivas de diferenciação para que se apreenda com rigor aspetos específicos da história de cada comunidade. Hudson (2004: 2) referia que os museus, na viragem para um novo milénio, não mostravam qualquer sinal de autodestruição. Na verdade esta afirmação, reveladora de uma imensa confiança no futuro do museu, contém em si a assunção de uma das suas mais positivas características: a resiliência. O museu reconfigurou-se até etimologicamente (cabinet, studiolo, Wunderkammer, Kunstkammer, museum), no entanto continua a ser um encontro de várias vozes, de nações (em formação, em declínio ou em adaptação) ou de regiões e cidades. Adaptou-se a novas contingências sociais e económicas mas preservou características do seu passado material e imaterial/espiritual: colecionar, preservar, educar, exibir, assim como o fervor enciclopédico de organização do conhecimento. Continua a ter valores ligados à mobilidade e ascensão social. As suas práticas continuam a estar ligadas a problemáticas de representação, de inclusão e exclusão que fazem do museu um campo privilegiado para o cruzamento de discussões a nível ideológico, ético, estético, político e social. Hoje em dia, o museu continua a explorar e a exercer formas de visão cívica dos objetos, desafiadas, no entanto por formas que, segundo Bennett (2011), distraem ou desviam a visão (distracted vision) influenciadas pelo consumo interativo e comercial do espaço do museu. Weil (1995: 122) considera que o museu já não é um instrumento de aperfeiçoamento moral nem um padrão universal do gosto estético, no entanto continuará sempre a ser um local de aprendizagem com práticas que continuam a estar impregnadas de parcialidade na transmissão de significados políticos, sociais e culturais 73

e, por isso, sempre sujeitos a contestação. A arquitetura do final do século XX e início do século XXI reabilitou a ideia do museu como monumento na medida em que, através da contratação de arquitetos de renome para os desenharem ou redesenharem, foram criados espaços cujo design justifica por si só uma visita, verificando-se que, hoje em dia, a noção de museu como monumento é uma das vertentes do sistema de representação a que ele está sujeito e a arquitetura continuará a constituir um dos seus grandes desafios e uma importante ferramenta de comunicação:

Architecture is drowning out the art that is housing – and it is doing so both when it speaks loudly and when it speaks quietly. (…) The great challenge that the new millennium will pose for art museum architecture may be precisely this – to create architectures that are in keeping with a narrowly defined view of art. The most effective refutation of Marinetti’s prophecy might be precisely to design and build museums that are neither dormitories nor entertainment centers, but instead sober, and, at the same time, poetic laboratories for pure sensory perception and unrelentingly rational critical thinking. (Lampugnami, 2011: 260)

Novas exigências trazidas por mudanças sociais continuarão a colocar o museu sob outros desafios de natureza arquitetónica. A exibição da coleção não chega, por si só, para captar visitantes, tendo de optar-se por adequar espaços para a realização de exposições temporárias. Por isso o desenho de novos museus e galerias continuará a adaptar-se às necessidades de diversificação, flexibilidade, adaptabilidade, assim como a possibilidade de expansão para que se possa fazer face a formas de exibição mais inovadoras. Rectanus (2011) considera que o funcionamento do museu global se caracteriza por processos como a internacionalização da programação, o intercâmbio e o empréstimo de obras a uma maior escala e a circulação de diretores e curadores entre vários museus. O que descreve como “meta-museu” prende-se com o desenvolvimento de plataformas online para disseminar produtos para comunidades virtuais alargadas, integrando-se em redes de partilha a nível global. Numa abordagem económica às questões culturais e às escolhas e prioridades dos museus na contemporaneidade, Frey e Meier (2011) consideram que nos encontramos na era dos museus superstar. Trata-se de uma formulação que tem em conta o modo de operar um museu no contexto da competição global, da massificação da viagem e da maior circulação de pessoas a nível internacional, que fazem com que se partilhem ideias, nomes, conceitos e imagens a uma escala muito mais alargada, fazendo com que 74

determinados museus tenham um impacte considerável no local onde estão implementados a nível do turismo e da revitalização económica. Prior (2011) defende que o museu poderá constituir-se como um ‘terceiro espaço’, mais democrático e mais desprendido do elitismo e das forças do consumo, no entanto, dificilmente se desprenderá das complexidades e contradições do seu percurso: santuário do passado, autoridade científica e estética e espaço de entretenimento popular, dever público e interesse privado, arte e consumo, reprodutor de desigualdades sociais e de democratização da cultura. Deixamos como nota de fecho deste capítulo uma reflexão que nos coloca perante os desafios impostos ao museu no século XXI mas que nos indica que o seu percurso será essencialmente de adaptação, o que não será muito diferente do que fez até agora:

In the twenty-first century, more, rather or less, controversy can be expected in museums, with fracturing of national identities and contention within nations. Some factors in these conflicts are old: religious extremism, intolerance, fundamentalist ideologies, economic deprivation, and ethnic conflicts. Other factors are old in new ways and degree: exponential population growth, environmental degradation, increasingly mobile populations (legal and illegal, and asylum seekers), instant and untrammeled worldwide communication, and a widening gulf in educational and economic opportunity, especially for women after decades of progress in many nations. And there is always the usual suspect, “globalization”, frequently blamed for all the above.”(Kaplan, 2011: 167)

Como conclusão, e dados os pontos de vista aqui apresentadas, perspetivamos o museu num caminho de ajustamento às novas realidades de uma sociedade em mudança simplesmente porque o contexto da sua criação foi esse mesmo: o de atuar como resposta às necessidades de uma sociedade na qual estavam em curso transformações profundas e, principalmente, a emergir um novo conceito de cidadão, ao qual era necessário dar consistência através de uma formação em várias vertentes, sendo uma delas a cultura. O museu seguirá o seu caminho nessa linha de adaptação à mudança que fará surgir novos tipos de visitantes e em relação aos quais continuará a mediar valores, a construir identidades e a fazer a ponte entre o passado e o futuro.

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2. A Tate Gallery: 1889-1954

In 1893 Mr. Henry Tate who had long been desirous of presenting to the nation his collection of 65 examples of the Modern British School, generously offered to erect at his own cost a public gallery for their reception, on condition that Her Majesty’s Government would provide a suitable site for the building. The offer was gratefully accepted. The site selected was in Grosvenor Road, Millbank, and the building (…) was formally opened by his Royal Highness the Prince of Wales on the 21st of July last, under the title of the “National Gallery of British Art”. (Annual Report of the Director of the National Gallery, for the Year 1897, 1898: 11)

A Tate Gallery, criada como National Gallery of British Art no final do século XIX em Londres, teve como contexto de origem a formação do Estado-nação e a emergência de uma classe média urbana, cosmopolita e próspera, cuja riqueza era originária da exploração industrial e da atividade comercial, e que estava a construir a sua identidade através do cultivo da modernidade, nomeadamente através do patrocínio da arte e dos artistas nacionais contemporâneos. A National Gallery of British Art nasceu da necessidade de construir um espaço para representar a arte britânica numa galeria em Londres que exibisse e dignificasse o trabalho dos artistas nacionais para os quais não havia espaço na National Gallery, em Trafalgar, construída para mostrar uma narrativa da História da Arte associada aos Velhos Mestres da pintura europeia, principalmente do Renascimento italiano cuja excelência e elevação deveriam ser copiados pelos artistas e admirados pela população. A criação da galeria de arte nacional, só chamada Tate Gallery a partir de 1932, esteve envolta num contexto caracterizado por alguma complexidade mas principalmente por grande controvérsia, no qual estiveram envolvidos Henry Tate, o 76

mecenas que doou em 1889 uma coleção de arte britânica aos trustees da National Gallery e o Tesouro. Henry Tate tinha interesse em ver a sua coleção de arte num espaço que afirmasse os valores de uma Escola de Pintura Nacional e os da classe que ele próprio representava, o Tesouro não demonstrava interesse em disponibilizar verbas para construir e financiar a manutenção de mais uma galeria pública e a National Gallery não desejava ver alteradas quer a sua missão quer a sua linha de representação caso viesse a ser obrigada a incluir arte britânica contemporânea. Veremos que esta teia de interesses, à qual se juntou uma opinião pública constituída por conhecedores e críticos de arte e os seus pontos de vista, largamente expostos nas páginas do The Times entre 1890 e 1892, ajudaram a ‘criar’ a futura galeria antes de ter existência concreta, ao discutir as condições em que iria ser construída e a sua localização, o seu financiamento e a constituição da coleção dos limites temporais aos artistas a incluir. Conciliadas as posições, a National Gallery of Britis Art abriu em 1897 em Millbank, junto ao Tamisa, como um anexo da National Gallery cujo Board of Trustees, a geriu com nítida inferioridade em relação às prioridades aquisitivas que também eram tuteladas pela Royal Academy, gestora do fundo Chantrey (Chantrey Bequest), criado para comprar arte nacional. Este contexto, que muito impediu o desenvolvimento da National Gallery of British Art quer a nível da constituição de uma coleção nacional de excelência quer de uma identidade ligada a ela, começou apenas a alterar-se com os resultados de dois documentos que examinaremos neste capítulo e que foram fundamentais para a construção de um percurcurso autónomo. O relatório Curzon (1915) e o relatório Massey (1946) cuja elaboração teve como objetivo reorganizar as coleções nacionais, principalmente as da National Gallery, da National Gallery of Britis Art, do British Museum e do Victoria and Albert Museum e cujas conclusões foram determinantes para a discussão e criação da moldura legal para a efetiva separação da National Gallery e da Tate Gallery em 1954.

2.1. Colecionismo e patrocínio de arte em Inglaterra nos séculos XVIII e XIX

Em Inglaterra, todo o século XVIII foi propício ao colecionismo, praticado por uma

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elite aristocrática que tinha nas suas mansões de cidade ou de campo coleções de pintura e de objetos das artes decorativas. Desde o século XVII que era conhecido o gosto do rei Carlos I pelo colecionismo, atividade que foi seguida por figuras como as do duque de Buckingham e os condes de Arundel e Pembroke e por outros membros da alta sociedade, tais como políticos e diplomatas que, através da aquisição de pintura, porcelana, bronzes, cerâmica e estatuária, faziam acrescer ao seu poder e riqueza o prestígio de possuírem o gosto pela arte. Os colecionadores ingleses desta época gostavam particularmente da pintura dos velhos mestres franceses, italianos e flamengos e o desenho, do qual apreciavam obras de Rafael e do barroco italiano e flamengo (Herrman, 1999). Um desenvolvimento importante para o colecionismo foi o aumento das viagens feitas por membros da nobreza não só para frequentar universidades em Paris ou Pádua mas, principalmente, para realizar o Grand Tour (Black 2003; 2004). Os turistas ingleses que viajaram pelo Continente, em França, Itália, Áustria e Países Baixos, trouxeram não só mais conhecimento sobre arte mas também uma quantidade apreciável de objetos para as coleções privadas britânicas. Um número considerável de políticos e de diplomatas possuía coleções constituídas quando da sua passagem por Roma e Veneza, cidades estas que eram, a par de Antuérpia, Hamburgo e Paris, centros importantes para transação de arte. Também artistas ingleses e escoceses viajaram para Roma cidade na qual recebiam cursos de arte ministrados por antiquários que os guiavam por igrejas, palácios, villas e ruínas com o objetivo de apreciar arte (Herrman, 1999: 24-25). Apesar de ser uma prática circunscrita a uma pequena faixa da sociedade, o número de pessoas envolvidas e o crescente interesse pela aquisição de objetos e pela constituição de coleções contribuíram para que o colecionismo tivesse tido um desenvolvimento importante que consistiu na formação de um mercado com alguma dimensão através do qual a transação de objetos era mediada por duas figuras que também começavam a especializar-se: o comerciante de arte e o perito em arte. O exercício das suas atividades baseava-se num conhecimento empírico da arte e no seu valor comercial que era sustentado por um número considerável de catálogos e de publicações que disponibilizavam informação sobre objetos e coleções (Herrman, 1999: 33-37). Já no século XIX, principalmente a partir de 1840, fruto da riqueza acumulada através do desenvolvimento agrícola e industrial surgiram, a par da tradição de colecionismo já 78

existente na aristocracia, coleções com obras adquiridas por uma classe média próspera de industriais e de comerciantes que começou a aplicar os lucros da sua atividade em arte e a ver na sua posse um meio de elevar o seu estatuto e de se aproximar da aristocracia. Estas obras tinham origens diversas: ou tinham sido compradas a artistas britânicos contemporâneos, ou em leilões onde se vendia arte francesa pertencente à aristocracia despojada pelo processo revolucionário, ou eram constituídas também com objetos trazidos das viagens feitas no Grand Tour. Nomes como o dos banqueiros Samuel Rogers e John Julius Angerstein (cuja coleção ajudou a fundar a National Gallery), o industrial têxtil John Sheepshanks, Lord Northwick37, o negociante de cavalos Robert Vernon ou o alfaiate militar John Jones, estavam associados a pequenas coleções das quais faziam parte algumas obras significativas de arte estrangeira e de artistas britânicos como Hogarth, Turner e Gainsborough. Estas coleções encontravam-se em mansões rurais ou em palacetes nas grandes cidades e a venda ou a doação de algumas estiveram na origem de algumas galerias londrinas no século XIX e início do século XX (Lorente, 1998: 100-112). O modo como as coleções privadas estavam organizadas revelava métodos ainda pouco sistemáticos. A maior parte não estava catalogada, inventariada ou estudada e os quadros eram dispostos pelo espaço vazio existente nas paredes das divisões das casas dos seus proprietários, mais com o intuito de impressionar os visitantes do que com o de informar relativamente ao artista, à data ou contexto de produção da obra. Mesmo posteriormente, com a passagem de muitas destas coleções para o domínio público, a disposição das obras de arte não se desviou muito deste padrão, que só se alterou quando cerca de 1830 se introduziu e começou a consolidar o método histórico e cronológico de organização das coleções, categorizando os quadros por escola e por data38. O grande envolvimento de muitos colecionadores privados na abertura da arte e da

37 Em Catalogue of the late Lord Northwick’s Extensive and Magnificent Collection of Pictures, Cabinet of Miniatures and Enamels, And Other Choice Works of Art, and the Furniture, Plate, Wines and Effects at Thirslestane House, Cheltenham é possível dar conta da dimensão da coleção de Lord Northwick cujo leilão se iniciou a 26 de julho de 1859 e se estendeu por vinte dias. 38 Waterfield (1995) contextualiza as primeiras práticas de organização das coleções e descreve as tentativas iniciais de elaboração de catálogos de museus e coleções privadas nos séculos XVIII e XIX, ainda com sistemas de classificação muito rudimentares e com informação muito reduzida sobre as obras ou os artistas.

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cultura às populações prendeu-se não só com uma ideia de contributo para o bem comum associado à filantropia mas, em grande parte, com os benefícios daí recolhidos em termos de notoriedade e influência, por vezes com a abertura de um caminho para a nobilitação e/ou para a política com a entrada no Parlamento onde adquiriam poder de decisão nas mais diversas questões nacionais e imperiais. Interessava-lhes, a par do controlo económico e político, também o controlo da difusão da cultura através do apoio a museus, galerias, hospitais, bibliotecas e universidades. Para alguns deles, principalmente aqueles cujas fortunas estavam ligadas ao desenvolvimento industrial e à exploração mineira, o patrocínio da cultura e da educação afastava um pouco a sua imagem das nefastas consequências a nível humano trazidas pelas más condições de trabalho nas fábricas e minas e pela extrema pobreza e falta de salubridade dos bairros operários, dando-lhes uma imagem pública ligada ao altruísmo e à respeitabilidade (Lorente, 1998: 35-39) e constituindo um fator de ascensão social através da aquisição de objetos e não através de privilégios associados ao nascimento (Macdonald, 2011: 85). Sendo o Board das galerias e museus maioritariamente dominado por membros da elite aristocrática que tomava decisões a nível do ensino artístico e do gosto nacional, estes novos patronos da cultura exerciam a sua influência noutras vertentes. Por um lado, através do dinheiro que possuíam e que patrocinou a abertura de muitas galerias de arte e museus; por outro, numa outra esfera de opinião pública que estava a desenvolver-se e a autonomizar-se, a imprensa, em cujas páginas expunham os seus padrões de gosto e de atuação e as suas divergências relativamente à gestão das coleções nacionais.

2.2. A sociedade industrial

Interessa-nos perspetivar alguns aspetos da sociedade industrial devido ao enquadramento que fornecem para entender a relação entre o Estado, as classes emergentes do lucro industrial e comercial e a criação de museus e galerias de arte. O século XIX britânico caracterizou-se por um crescimento económico sem precedentes a par de grandes reformas a nível político e social decorrente da transição de uma sociedade agrícola e comercial para uma sociedade industrial. Este crescimento deu-se pelo forte impulso trazido pela industrialização, processo que se iniciou pela

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exploração das potencialidades do carvão, do ferro e do vapor e que beneficiou, numa fase inicial, o desenvolvimento da indústria têxtil (Seaman, [1973] 1982: 28-32). Posteriormente, graças aos avanços técnicos e científicos que possibilitaram a criação de novos equipamentos para o trabalho nas fábricas, portos e minas, foi possível desenvolver outras áreas com um peso considerável na economia como a metalurgia, a cerâmica, o vidro, a extração mineira, a construção e reparação naval e a produção de químicos. Relativamente à obtenção de matérias-primas, a Grã-Bretanha beneficiava, apesar da perda da colónia americana, de um império em África e na Ásia cujas rotas controlava com uma poderosa frota mercante e que lhe asseguravam um domínio comercial a nível mundial e lhe garantiam segurança ao avanço territorial de outras potências como a França, a Holanda, a Alemanha e a Rússia que também pretendiam aumentar os seus impérios e as suas trocas comerciais. Na discussão dos efeitos sociais da industrialização sobressai a noção de que foi um processo rápido e violento para as populações com consequências não só a nível dos modos de produção mas também a nível da estrutura social, dando origem a uma classe média que prosperou graças à exploração de mão de obra que trabalhou em condições muito precárias e com salários muito baixos e, a par dela, uma classe trabalhadora com uma identidade associada à manufatura e, posteriormente, à associação sindical (Hobsbawm, [1968] 1999). Uma outra vertente de análise realça as alterações físicas na paisagem decorrentes do processo de industrialização e que alteraram formas de vida, de mobilidade e de trabalho. Devido à revolução agrícola, onde outrora existiam campos de cultivo abertos passaram a existir sistemas de divisão de propriedade como sebes, muros ou árvores, com consequências quer para as populações e suas formas de trabalho quer para a divisão e exploração da terra (Mantoux, 1961). Com a indústria, as localidades passaram a ser cortadas por estradas, canais ou aquedutos para facilitar o transporte de matérias-primas e bens manufaturados. Em muitos locais passaram a existir fábricas, armazéns e instalações de apoio à produção e, em muitas zonas marítimas e fluviais inóspitas, foram construídos docas e portos para facilitar a carga e a descarga de produtos. A própria mobilidade e a comunicação das populações também sofreram alterações profundas com o desenvolvimento da máquina a vapor, da ferrovia, do telégrafo e, no fim do século XIX, do telefone. As grandes transformações nos transportes em 81

particular trouxeram novas noções de território, que se expandiam à medida que era possível viajar a maiores velocidades e a mais longas distâncias (Seaman, [1973] 1982). Consideramos que, embora o desenvolvimento industrial seja dominante para providenciar explicação para muitas das alterações ocorridas durante o século XIX, a subjugação excessiva da análise a este processo tem inferiorizado o crescimento de um setor económico muito importante e com um peso considerável na economia que foi o dos serviços. Áreas como os transportes, a banca, os seguros e a bolsa já tinham um significado expressivo, principalmente da economia na cidade de Londres na qual estava centralizada grande parte da gestão dos negócios. Muitos dos proprietários de fábricas situadas no norte e centro de Inglaterra, eram também proprietários de terra tanto dentro como fora do país e tinham negócios não só na metrópole mas também nos territórios imperiais ligados ao comércio e à banca, que eram geridos a partir da capital. Toda a produção era estimulada por um mercado interno que crescia em procura de produtos da manufatura nas lojas e armazéns comerciais que começavam a instalar-se nas grandes cidades e que, com técnicas publicitárias ainda incipientes, tentavam atrair algum poder de compra de que a população começava a usufruir resultado de uma melhoria nas condições de vida que, comparadas com os Estados Unidos e com outros países europeus, não eram consideradas excecionais porque o rápido crescimento populacional também condicionou a distribuição de alimentos e de habitação (Thompson, [1950] 1987). Porque o museu emergiu como uma formação essencialmente urbana, a par do desenvolvimento das cidades é importante dar realce à urbanização como o fenómeno que mais se evidenciou no conjunto das transformações espaciais decorrentes da industrialização e que também se caracterizou por grandes ruturas. Com o crescimento populacional imparável, uma das alterações mais evidentes na Grã-Bretanha foi o desenvolvimento de muitas cidades com uma faixa da população considerável a habitar no seu centro ou periferia. , Manchester, Liverpool, Birmingham, Sheffield, Glasgow foram áreas que se desenvolveram consideravelmente e que chamaram a si grandes quantidades de mão de obra não só para a indústria mas também para criar infraestruturas para uma nova formação espacial para a qual foi necessário construir habitação, ruas, estradas, sistemas de esgotos, fornecimento de água e redes de transportes. Verificou-se, contudo, que estas primeiras áreas urbanas, surgidas sem planeamento e como uma resposta rápida à grande procura de mão de obra pela indústria, cresceram sem organização e, a maior parte delas, sofria de problemas 82

que, a prazo, se mostraram difíceis de resolver: grandes faixas de bairros operários cresceram sem condições em redor das fábricas e nos quais a sobrepopulação, a insalubridade, a doença (como a cólera, a tuberculose e a febre tifóide), a subnutrição, a promiscuidade e o alcoolismo eram prevalentes (Briggs, 1990). O olhar crítico de figuras como a do industrial Robert Owen alertou para os perigos de revolta decorrentes das más condições de trabalho associadas ao crescimento descontrolado das cidades sem estruturas de controlo da pobreza, da doença e das condições sanitárias de uma população analfabeta e com poucas perspetivas de vida. Só a partir de 1860 começou a ser produzida legislação no sentido de colmatar muitas das más condições em que viviam as classes mais desfavorecidas, principalmente a classe trabalhadora, para a qual foram feitas melhorias no sistema de esgotos e de fornecimento de água, pavimentação de ruas, criadas condições para escolarizar as crianças e retirá-las da exploração a que eram sujeitas nas fábricas e minas, e melhoradas as estruturas para que usufruíssem de cuidados de saúde. Todos estes melhoramentos só foram possíveis pelo envolvimento de indivíduos, de paróquias e de sociedades filantrópicas que perceberam que havia ganhos a nível social se as condições de vida nas cidades se tornassem mais saudáveis e dignas. Numa tentativa de atenuar as condições de vida difíceis da população trabalhadora e também para dar visibilidade a uma classe média que estava a construir a sua identidade, emergiu na vivência urbana, uma vertente cultural responsável pela alteração quer da paisagem quer de hábitos de vida. Por um lado para satisfazer essa nova classe que queria elevar o seu estatuto através do consumo da arte, por outro para criar estruturas de educação e entretenimento controlado de uma população crescente, foram construídos museus, teatros, galerias de arte, bibliotecas, sociedades artísticas e científicas através dos quais as classes dominantes exercia o seu poder através do conhecimento, muito dele patrocinado pelos lucros da indústria, legitimando as suas pretensões de prestígio e o interesse do Estado em criar narrativas de unidade nacional através da arte e da cultura. Politicamente, a influência da Revolução Francesa em 1789 tinha lançado as bases para a emergência do Estado-nação, com a redução dos poderes e influência da monarquia nas políticas nacionais, centralizando no Parlamento e nos partidos políticos a regulação do Estado e dando ao monarca um papel representativo. Na Grã-Bretanha, o poder continuava a ser exercido por uma aristocracia latifundiária que dominava as duas câmaras do Parlamento e que teve como principal desafio à sua ação e ao seu poder o 83

descontentamento da classe média que pretendia mais peso e representação políticas e também da classe trabalhadora que desejava reformas no sistema parlamentar para as quais lutou através do movimento Cartista, que se revoltou contra o modo como a representatividade parlamentar dependia de uma teia de leis antigas e de interesses associadas a direitos familiares e à posse de riqueza. A aristocracia só viu o seu poder começar realmente a enfraquecer com a deslocação em massa da população para as cidades deixando as terras que os senhores dominavam e, deste modo, a riqueza e a influência deixaram de ter uma ligação tão forte com a posse de terra. As várias reformas parlamentares ocorridas neste período e os desenvolvimentos feitos na construção de uma cidadania foram no sentido de lhe conferir um dimensão mais consistente através do direito ao voto e da representação no Parlamento. Em termos económicos o poder da Grã-Bretanha manteve-se até quase ao fim do século XIX e o início do seu declínio deu-se pela conjugação de vários motivos, sendo que um dos principais foi o facto de os Estados Unidos e a Alemanha se terem desenvolvido técnica e cientificamente e se terem industrializado a um nível que lhes permitiu fornecer os seus próprios mercados, reduzir as importações e terem passado a fornecer outros países, o que a Grã-Bretanha fazia até aí com total supremacia (Walter, 1983). A morte da rainha Vitória em 1901 marcou o fim de uma era, no entanto, a base industrial da economia, as estruturas sociais e mentais que caracterizaram esse período persistiram praticamente intocáveis até ao início da Primeira Guerra Mundial e, mesmo a partir daí, a estrutura da sociedade britânica, ainda que com alterações introduzidas pelo contexto de guerra, evoluiu numa linha de continuidade até 1939. A indústria continuava a ser o principal empregador do país e o seu grande motor económico, com setores ainda dominantes a nível mundial como os têxteis, o carvão, o aço, o ferro e a engenharia, áreas que continuavam a ser beneficiadas pelo desenvolvimento tecnológico e científico. Os serviços continuaram a prosperar e a assegurar os negócios necessários à consolidação de uma economia já muito orientada para o consumo e o império, ainda que em retração, tinha sofrido poucas alterações permitindo à Grã-Bretanha a manutenção de uma dominância considerável a nível económico, comercial e militar mas já a enfrentar a concorrência dos Estados Unidos, que estavam a emergir como potência económica e militar (Seaman, 1966; Clarke, 1997). A Primeira Guerra Mundial trouxe grandes transformações a nível social sendo que uma das mais evidentes foi, durante o conflito, a entrada das mulheres no mundo laboral 84

para ocuparem postos não ligados ao trabalho doméstico e, embora a situação tenha sido temporária, porque depois da guerra o regresso ao lar foi praticamente compulsivo, foi aberto um caminho para que, logo após a Segunda Guerra Mundial, essa integração fosse mais plena. A participação feminina no esforço de guerra teve como um dos seus resultados mais imediatos em 1918 a concessão do voto às mulheres com mais de 30 anos, direito pelo qual os movimentos femininos reivindicavam desde o final do século XIX e que contribuiu para que a sociedade se alargasse a novas faixas de participação cívica. Começaram a observar-se outros fatores de fragmentação da coesão social como a continuação da perda de poder da monarquia e da aristocracia. A criação do Partido Trabalhista e os sindicatos deram mais visibilidade e mais possibilidades de contestação à classe trabalhadora, que começava, através das suas reivindicações, a quebrar a hegemonia de um sistema de privilégios e de valores enraizados nas tradições da linhagem familiar embora as redes de poder e de influência da nação ainda fossem dominadas por uma classe que frequentava Eton, Oxford e Cambridge. A nível económico, o início do seculo XX trouxe desafios à Grã-Bretanha que se prenderam com a cada vez maior concorrência do desenvolvimento tecnológico por parte de outros países como a Alemanha mas, principalmente, com o crescimento da economia americana, que veio a ter consequências no aparecimento de formas de consumismo mais agressivas. O pensamento marxista, que dominou as primeiras décadas do século XX, ofereceu as possibilidades de um olhar crítico sobre a produção e o consumo em massa e como estavam a contribuir para a erosão dos valores assim como sobre as lógicas económicas estavam a impor-se sobre a vivência social e sobre a produção cultural. No entanto, na Grã-Bretanha industrial, a vida laboral dominava largamente o quotidiano das populações embora já se verificasse um aumento do tempo de lazer que era ocupado com formas de entretenimento em grande expansão como a rádio, o cinema, o teatro e a ficção ou em novos hábitos como as viagens e as férias de verão. A nível artístico os primeiros anos do século XX foram marcadas pelas vanguardas artísticas europeias trazidas pelo Modernismo. Embora o gosto na Grã-Bretanha estivesse sob a influência da Royal Academy, que controlava esteticamente o critério de muitas exibições, a guerra trouxe novas possibilidades de expressão através de pintores como Paul Nash, Stanley Spencer ou C.R. Nevison que, alinhados com as técnicas do movimento vorticista, colocaram a pintura nacional no caminho do abstracionismo 85

(Farr, 1978; Crompton, 1987). Alguns grupos tiveram um papel importante na quebra do cânone, da hegemonia da Royal Academy e do gosto britânico pela paisagem, dos quais se destacam o London Group e o Bloomsbury Group, tendo surgido deste último figuras importantes para a crítica de arte como Roger Fry e para a pintura como Vanessa e Clive Bell, cujas obras não tiveram aceitação imediata por parte de museus e galerias (Spalding, 1986). Não se verificou, no entanto, que em plena época de experimentalismo e de vanguardas, a arte britânica tivesse deixado uma grande marca no panorama artístico mundial, o que deixou os seus artistas sempre na condição de influenciados pelos grandes movimentos artísticos do século XX e nunca o contrário. Esta situação acabou por determinar algumas condicionantes na constituição de uma coleção de arte nacional e na organização e contextualização de exposições sobre artistas britânicos.

2.2.1. Arte, Estado e educação: a criação da National Gallery e da National Portrait Gallery em Londres

Saumarez Smith (2009) considera que a origem da National Gallery poderá situar-se em pleno período do Iluminismo, quando se começou a pensar na instrução dos povos através da arte e o rei George III, na senda desta ideia, deu o seu apoio à criação da em 176839, quando na Europa o modelo das academias de arte se encontrava já em decadência40. A Royal Academy, tendo como base de influência o poder da Coroa, foi investida desde o início da autoridade do Estado no delinear do gosto estético, no ensino e na divulgação da arte, num período em que a aquisição e contemplação de obras de arte estavam ainda confinadas às elites aristocráticas. Tendo como primeiro presidente o pintor Joshua Reynolds, o objetivo da Academia foi o de promover e elevar a qualidade da produção artística nacional nas artes visuais e na arquitetura. A Royal Academy reinava no panorama estético nacional sem grande concorrência e

39 A academia foi inaugurada a 2 de janeiro de 1769 e, ainda que tendo o patrocínio do rei, não esteve presente nenhum membro da família real. 40 Fenton (2006: 49) descreve como as academias artísticas tinham florescido nos séculos XVI e XVII em Florença, Milão e Paris tendo-se constituído como órgãos protetores dos artistas com o objetivo de elevar o seu estatuto e de promover o ensino das artes.

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com considerável poder e autoridade. Por um lado através da formação que dava a artistas nas áreas da pintura, da gravura e do desenho, acabando por formar toda uma geração de artistas num determinado cânone estético estabelecendo padrões de gosto e de qualidade artística. Por outro, porque os seus membros tinham grande influência na tomada de decisões sobre arte em vários museus e galerias, ou porque faziam parte de alguns Boards of Trustees, ou porque a Academia administrava obras, coleções ou fundos doados que estavam sob sua guarda, fazendo aumentar a sua coleção com uma quantidade considerável de obras doadas por artistas ou outros benfeitores 41. A gestão de fundos doados em testamento conferia-lhe grande poder nas decisões relativamente à aplicação das verbas, às aquisições com eles feitas ou às instituições para as quais iam as obras. Por ser uma escola nacional de arte, os seus métodos e práticas estavam alicerçados na contemplação e cópia de exemplos dos grandes mestres da pintura internacional, com particular relevância dada ao Renascimento italiano42, o que não lhe poupou críticas constantes de conservadorismo, que não censuravam apenas o modelo em que eram educados os artistas mas também os critérios de admissão dos seus membros43. A Academia realizava anualmente a Summer Exhibition que constituía uma oportunidade para que uma larga faixa de população que habitualmente não tinha acesso à arte pudesse ver pintura, ainda que com entrada paga44. Estas exibições eram um dos mais importantes eventos culturais da cidade de Londres e tanto o público em geral

41 Possuindo uma das maiores coleções do Reino Unido, constituída essencialmente por obras de artistas britânicos do século XVIII até ao presente, o acervo da Royal Academy inclui pintura, escultura, desenho, gravura, livros e fotografia. A coleção exibe obras de Reynolds, Gainsborough, Turner, Constable, Alma- Tadema, Millais, Leigton, Waterhouse, Singer Sargent e Hockney. Uma das suas peças mais emblemáticas é um tondo de Michelangelo, The Virgin and Child with the Infant St John, uma escultura em mármore doada em 1830 por Sir George Beaumont, colecionador e patrono e que era mostrada, na linha da tradição renascentista, como exemplo de excelência das escolas da Royal Academy (Hutchinson, 1986). 42 Ainda que os seus presidentes fossem pintores ingleses, como Joshua Reynolds, A.C. Eastlake ou John Everett Millais, a Escola Inglesa nunca foi verdadeiramente reconhecida como um modelo a seguir e a Academia foi muitas vezes criticada por negligenciar a arte nacional (Fenton, 2006: 104). 43 A admissão de mulheres, por exemplo, só se veio a verificar em 1922 com a pintora Annie Swynnerton a ser a primeira associada. A primeira mulher a ser membro pleno da Academia foi a artista , admitida em 1936, mais de 150 anos após a sua abertura. 44 A Royal Academy cobrava um shelim, ao contrário da política de entrada livre que já era praticada nos Salons parisienses (Lorente 1998: 101).

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como os especialistas aguardavam-nas com expectativa. Era um momento em que a Academia mostrava o melhor da produção dos seus alunos, aos quais era dado lugar privilegiado no espaço de exibição. Nos três dias de exibição havia mostras especiais para críticos45 e patronos assim como para a imprensa, para que pudesse com melhores possibilidades de visionamento, fazer apreciações favoráveis dos trabalhos produzidos e projetar uma imagem positiva da Academia e da qualidade do seu ensino (Lorente, 1998: 103). A Royal Academy começou apenas a sentir alguma concorrência na formação artística quando em 1837 foi criado o Government School of Design (em 1853, National Art Training School e em 1896, com o nome que preserva até ao presente, Royal College of Art) e, em 1868, foi criada a Slade School46, uma instituição importante na crítica e prática da arte que tentou desvincular-se dos métodos da Royal Academy, reclamando uma base académica alicerçada na universidade47. Apesar da qualidade e representatividade da sua coleção, a Royal Academy não dava o espaço adequado e a visibilidade merecida à pintura britânica, o que constituía uma lacuna no contexto de exibição da arte nacional. Faltava numa cidade com a dimensão e o poder de Londres um espaço público para exibição dos grandes mestres da produção artística nacional e internacional quando, já no século XVIII e durante as primeiras décadas do século XIX, tinham aberto o Louvre em Paris, o Belvedere em Viena, o Zwinger em Dresden, algumas galerias em Düsseldorf e em Potsdam (Berlim) e até o Prado em Madrid48.

45 Fenton (2006), no capítulo 14 “Ruskin as Arbiter of Taste” (pp. 213-232), apresenta uma curiosa abordagem às anotações feitas por John Ruskin, no período entre 1855 e 1859, aos quadros das exposições da Academia, tanto aos que se salientavam pela má qualidade como pela excelência. É conhecido o modo como tratou com desprezo e dura crítica a obra Beatrice do então presidente da Academia A.C. Eastlake, que considerou uma mera imitação da escola veneziana. 46 Abriu oficialmente em 1871 com a aplicação dos fundos doados por Sir Felix Slade (1788-1868) para a criação de três cátedras de arte nas universidades de Oxford, Cambridge e no University College, em Londres; às quais foram atribuídas seis bolsas de estudo. 47 Postle (1991) faz o tratamento de correspondência entre Samuel Palmer e Edwin Field no periodo da fundação da Slade, da qual sobressai a necessidade de desvinculação da Royal Academy para, com uma agregação a uma estrutura universitária, se constituir como uma verdadeira Faculdade de Belas Artes, com Field a considerar que a arte britânica tinha lacunas que só uma base académica poderia colmatar. 48 Lorente (1998: 28-30) faz um percurso pelas primeiras coleções públicas europeias nos séculos XVIII e XIX.

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Com um panorama institucional de exibição de arte limitado, começaram a surgir timidamente, desde o início do século XIX, modos de fazer circular objetos e de exibir coleções de arte privada em pequenos grupos de apreciadores e entendidos mas com formas de acesso relativamente restritas. Começamos por fazer referência a um grupo de políticos e colecionadores privados que fundou em 1805 a British Institution49, com o objetivo mostrar as obras de artistas contemporâneos em exibições ocasionais de Velhos Mestres que eram realizadas nas instalações de uma residência em Pall Mall, em Londres, e, por isso, era conhecida como Pall Mall Picture Galleries ou British Gallery. A galeria exibia principalmente artistas do século XVII (Rembrandt, van Dyck, Teniers, Velasquez, entre outros) dos quais dos quais a British Institution patrocinava também a elaboração e publicação de catálogos. Dos fundadores faziam parte Sir George Beaumont, Charles Long e o negociante de arte e conservador William Seguier50, John Julius Angerstein, William Carr e Abraham Hume, um grupo que exerceu mais tarde uma influência importante na criação da National Gallery. A galeria de Pall Mall exibia os velhos mestres da pintura, É importante notar que estava enraizado na comunidade artística, principalmente através do pensamento do pintor Joshua Reynolds que marcou muito do debate artístico ao longo do século XIX, que o aperfeiçoamento estético só era possível através da cópia. No entanto, o contacto com as obras dos velhos mestres só era possível se os artistas tivessem acesso a coleções privadas ou viajassem para Paris ou Roma e, em certa medida, a formação da British Institution surgiu como uma resposta a dificuldades de acesso a essas obras (Pomeroy, 1998). Os seus membros patrocinavam artistas britânicos vivos e exibiam as suas obras, principalmente se seguissem o cânone defendido pela Institution (Conlin, 2006: 40-45). Apesar de a entrada ser paga e limitada a poucos dias da semana, este grupo conseguiu, apesar do conservadorismo dos seus critérios e das suas práticas, quebrar um pouco da hegemonia da Royal Academy na mostra de arte em Londres, principalmente de arte nacional. Consideramos que, apesar das restrições de acesso e da aplicação de critérios apertados para a aceitação de obras, deve ser realçado o pioneirismo deste grupo na divulgação da arte no início do século XIX e entender a sua ação no contexto de uma

49 De nome completo British Institution for Promoting the Fine Arts in the . 50 William Seguier veio a ser o primeiro Keeper da National Gallery quando abriu em 1824.

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primeira fase de abertura da arte ao grande público e da emergência de alinhar a arte e a cultura à consolidação do Estado-nação, colocando sobre Londres a pressão de aí fundar uma galeria com uma coleção de arte digna da capital de um império intercontinental. A British Institution nasceu de um sentimento patriótico posterior à vitória em Trafalgar e da necessidade de afirmação dos valores nacionais através da criação de instituições que representassem e reforçassem as narrativas de superioridade imperial britânica através posse e exibição de obras representativas da história da arte internacional, a par também de uma defesa da arte nacional. Faltava, no entanto, uma galeria nacional que, através de uma coleção representativa da excelência da produção artística europeia, exibisse uma narrativa responsável pela criação de uma identidade coletiva associada ao passado e à tradição. Na discussão acerca da inexistência de uma galeria nacional em Londres sobressai uma questão importante: porque é que na Grã-Bretanha a passagem de coleções privadas para o domínio público não ocorreu mais cedo, quando essa tendência já se verificava na Europa desde o final do século XVIII? Na verdade, não houve nos séculos XVIII ou XIX em Inglaterra nenhum evento político ou social de peso que tivesse propiciado cedo a passagem de uma ou mais coleções privadas para um espaço público, não se verificando nas elites aristocráticas um sentimento de partilha coletiva. Apesar de a França ter sido tomada pelo poder republicano e de estar em curso uma liberalização e modernização nas monarquias europeias, em Inglaterra o poder da aristocracia assente nos lucros da terra e na manipulação de poder no Parlamento, estava relativamente intocável e as suas coleções nunca foram postas ao serviço ideológico do Estado nem tão pouco vistas como símbolos unificadores de uma narrativa nacional. As coleções de arte da aristocracia eram vistas por um círculo restrito de visitantes e de conhecedores, representavam elevação espiritual e material mas, ainda que houvesse a ideia de que deveriam ser partilhadas por um coletivo, esta tinha uma concretização limitada (Duncan e Wallach, 2004). Deste modo, com uma sociedade muito estratificada e cujo topo detinha um poder praticamente intocável havia pouco interesse numa galeria nacional. Por um lado para que a sua criação não suscitasse ligações à república, por outro para que não se formasse a ideia de uma monarquia em decadência e a precisar de reabilitar o seu prestígio através da exibição pública das suas coleções. Só no século XIX é que esta estrutura social e esta mentalidade se começaram a 90

alterar com a formação de uma classe emergente de industriais e de comerciantes e também com a existência de alguns radicais e reformadores51, que começaram a desafiar a própria autoridade da cultura aristocrática e a reclamar um acesso público às suas galerias ou através da criação de novos espaços para exibir arte. Assim, podemos assumir que não foi através de um acontecimento político de natureza revolucionária, mas de um processo de contestação de natureza social e política que se deu uma redefinição do conteúdo da coleção privada para uma noção de coletivo e de nacional que estava a tomar mais consistência nas primeiras décadas do século XIX, o momento mais propício para a criação da National Gallery, durante o qual a arte estava a ser usada como um dos vetores de construção de uma identidade coletiva. A criação de uma galeria nacional em Londres acabou por ser determinada pelo desencadear de acontecimentos que ocorreram num contexto no qual o Estado, ainda que com relutâncias relativamente ao seu papel no patrocínio de arte, viu interesse na apropriação das coleções privadas para construir narrativas de identidade nacional. A investigação desenvolvida no âmbito da origem da National Gallery em Londres tem dado relevo a uma sequência de acontecimentos que passamos a descrever sumariamente. Uma das primeiras ocorrências que conduziram à criação de uma coleção nacional deu-se em 1807 com a morte de Noel Desenfans, um comerciante e colecionador de arte francês a viver em Londres que, deixando a sua coleção a um amigo, Sir Francis Bourgeois, determinou que esta fosse tornada pública se fosse construído um edifício para a mostrar. Bourgeois pensou em doá-la ao British Museum mas abandonou a ideia por não concordar com o modo como era gerido acabando por, no seu testamento feito em 1810, deixar as obras à viúva de Desenfans com a condição de que, a seu tempo, viesse a ser doada ao Dulwich College. Bourgeois morreu em Janeiro de 1811 e a primeira galeria pública abriu na Grã-Bretanha em Dulwich em 1817, num edifício52 desenhado por Sir John Sloane, no interior do qual foi construído um mausoléu com os restos mortais de Desenfans e de Bourgeois.

51 Principalmente seguidores de Jeremy Bentham e do Utilitarismo. 52 Recordando o seu pioneirismo e a tradição que iniciou, a Dulwich Picture Gallery dedicou em 1991 uma exposição dedicada à edificação das primeiras e também de algumas das mais recentes galerias de arte pública, comparando as diferentes conceções de arte, de gosto e de público que estiveram subjacentes à construção dos edifícios. Cf Waterfield (1991) Palaces of Art – Art Galleries in Britain, catálogo da exposição com o mesmo nome patente na Dulwich Picture Gallery em Londres entre 27.11.91 e 1.03.92 e na National Gallery of Scotland entre 12.03.92 e 3.05.92.

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Por sua vez, Sir George Beaumont, um proprietário de Lancashire e também uma figura importante na pressão junto do Parlamento para a criação de uma galeria de arte, mostrou interesse em doar as suas obras à nação caso existisse uma galeria nacional. Por fim, outra figura fulcral no processo foi a de John Julius Angerstein, filho ilegítimo de um comerciante inglês em S. Petersburgo. Angerstein era uma figura importante da banca (tinha sido um dos fundadores do Lloyd’s) e dos seguros navais e era um grande colecionador quer de arte contemporânea, quer de arte antiga. Possuía a série Marriage à La Mode Hogarth e, quando da venda da coleção Orléans, comprou The Raising of Lazarus de Sebastiano del Piombo, o primeiro quadro da coleção da National Gallery. Tinha também The Woman Taken in Adultery de Rembrandt. Tanto Beaumont como Angerstein tinham beneficiado da abertura de um mercado internacional de pintura antiga causado pelas Guerras Napoleónicas e pela deslocalização de pintura das igrejas francesas durante o período revolucionário, pelo que tinham tido a oportunidade de adquirir obras representativas da arte europeia a preços baixos. Angerstein morreu em janeiro de 1823 e a sua coleção esteve em risco de ser vendida ao estrangeiro quando, em setembro desse ano, o Primeiro-Ministro, Lord Liverpool, firmemente convencido de que se deveria criar uma galeria nacional, contactou o filho de Angerstein, expressando a vontade de o Estado adquirir a coleção do seu pai. Em dezembro desse ano os executores do testamento de Angerstein concordaram em vender ao Estado 38 quadros da sua coleção (Saumarez Smith, 2009) e, quando tomaram conhecimento da compra das obras de Angerstein, Sir George Beaumont e o Reverendo William Holwell Carr decidiram oferecer as suas coleções à nação, com o objetivo de que se providenciasse uma galeria para as exibir. A 23 de março de 1824 foi anunciada ao Parlamento a compra da coleção de Angerstein e, a 30 do mesmo mês, William Seguier foi nomeado como Keeper da coleção. A 2 de abril desse ano foi aprovado um subsídio de £60.000 para a compra da casa de Angerstein e do seu recheio no nº 100, Pall Mall, e a Galeria abriu aí ao público em maio de 182453. A transferência da coleção para Trafalgar Square, edifício no qual se encontra até hoje, só veio a acontecer em 1838 (Whitehead, 2005). Foi este o contexto da criação da National Gallery que, ao contrário de outras

53 Decidiu-se que abriria 4 dias por semana das 10h às 17h e, às sextas e sábados abria apenas para os artistas que vinham copiar as obras de arte.

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coleções públicas europeias, não teve nos seus alicerces uma coleção real, mas sim um pequeno conjunto de obras adquiridas por vários proprietários (as obras de Angerstein eram trinta e oito e as de Beaumont apenas dezasseis) e compradas pelo Parlamento ou doadas ao Estado, e que foi aumentada ao longo do tempo pelas sucessivas aquisições dos vários diretores e pela doação de artistas e de outros colecionadores. As obras refletiam acima de tudo o gosto dos seus donos e pertenciam essencialmente à escola renascentista italiana, mas também figuravam na coleção obras da escola holandesa com quadros de Cuyp, Rembrandt e van Dyck (Potterton, 1977: 9). Neste ponto queremos sublinhar que apesar de ultrapassados os obstáculos iniciais de construção de um edifício e de constituição de uma coleção, um dos desafios a enfrentar foi o de gerir uma instituição relativamente recente. Na sua fase inicial, não existia um enquadramento definido para a sua administração, que dependia do Board de um subcomité do Departamento de Pintura, Gravura e Desenho do British Museum e, até 1831, não era claro que tipo de instituição se tratava e quem verdadeiramente a tutelava. Aparentemente passou a ter um estatuto mais independente quando foi nomeado um Committee of Superintendence of the National Gallery of Pictures at Pall Mall constituído por trustees do British Museum. Até 1855 o presidente da Royal Academy, o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças eram trustees ex officio e o Tesouro foi responsável pela autorização de aquisições, pelos salários do pessoal e pela nomeação do Keeper e, apesar de os trustees se autodenominarem directors, o primeiro diretor com um estatuto e responsabilidades regulamentadas foi Sir entre 1855-65 (Conlin, 2006: 56-7). Os fundadores da National Gallery exerceram de várias maneiras a influência do seu gosto ao longo das primeiras décadas da sua história. Thomas (1999: 223) nota que num dos primeiros catálogos, de 1832, a coleção estava dividida em quatro partes, de acordo com os donos e doadores das obras: Angerstein, Beaumont, Carr e outros (nomeadamente o Governo e particulares), e que as práticas de aquisição e exibição dos primeiros cinquenta anos da National Gallery foram direcionadas para o estabelecimento de um cânone artístico associado à definição de regras de valor estético partilhadas por um grupo de colecionadores privados que moldavam o gosto público54.

54 Deles partiam diretrizes relativamente ao modo como os quadros, principalmente do Renascimento italiano, eram dispostos (luz, distância, lugar), ainda não cronologicamente, mas por mestres, e a relação que tinham uns com os outros estabelecendo relações hierárquicas de importância e de influência.

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Em 1832 a galeria tinha 107 quadros que estavam listados numericamente sem qualquer referência à sua origem, à data de entrada na coleção ou ao contexto da sua produção ou aquisição. Suspeita-se que a numeração não correspondia a outro critério senão o modo como os quadros estavam dispostos nas paredes o que, por sua vez, também não correspondia a nenhum critério em particular que não fosse a dimensão dos mesmos e o modo como se enquadravam uns nos outos como um mosaico, do rodapé até ao teto. Só quando John Lock Eastlake assumiu a direção da Galeria em 1855 é que a coleção foi exposta sob um método que permitia, através de um quadro de grandes dimensões rodeado por outros mais pequenos, a comparação de estilo, técnica e escala (Thomas, 1999: 233-234). É importante evidenciar a forte intervenção do Estado na atividade da National Gallery ao longo de todo o século XIX, principalmente no estatuto que foi dada à pintura com objetivos sociais e políticos muito evidentes através da ação dos vários Select Committees que, no período 1850-5555, organizaram as coleções nacionais de pintura no sentido de dar a esta expressão artística um espaço especial no contexto museológico principalmente através das coleções do British Museum e da National Gallery. O objetivo era não amalgamar as obras consideradas a excelência da pintura numa coleção de um museu universal para não lhes retirar um valor transcendente e superior que era necessário transmitir e que estava subjacente ao melhoramento moral dos cidadãos. O grande escrutínio que continuou a ser feito à constituição da coleção até 1861 foi no sentido de definir as suas fronteiras temporais e geográficas e de ancorar a excelência da produção artística europeia em Itália e no cristianismo. Na segunda metade do século XIX, a National Gallery gozava de um poder considerável na gestão de coleções doadas ao Estado, que foi criando condições56 e legislação57 no sentido de aumentar e reforçar o âmbito de ação dos seus diretores e

55 Whitehead (2007: 50) realça que, em 1853, influenciados pelas orientações dessas comissões, Eastlake e Ralph Wornum, secretário da Galeria, elaboraram um documento com o objetivo de estabelecer os parâmetros de desenvolvimento da coleção de acordo com uma linha diacrónica, baseada na evolução da pintura, com uma biografia dos artistas e as relações de influência de uns sobre os outros 56 Numa Treasury Minute Reconstituting the Establishment of the National Galery de 27 de março de 1855, dá-se conta de uma reestruturação de várias funções na Galeria: alargavam-se as competências do diretor (que passava a comprar, selecionar e recomendar obras, e também a organizar, descrever, documentar e catalogar a coleção) dos trustees e do Keeper (que supervisionava a segurança do edifício e também participava na catalogação) 57 Em National Gallery Loan Act de 10 de abril de 1883, confere-se poder aos trustees e diretor da

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Trustees:

III. Al Pictures and Works of Art which have already been or may hereafter be from Time to Time given or bequeathed to the Public or to the Nation, or given or bequeathed by Words showing an intention that the Gift or Bequest should enure to or for the Benefit of the Public or the Nation, shall (unless the Donor or Testator shall have made other Provision for the Case thereof) vest in and be under the Care and Ordering of the said Trustees and Director of the National Gallery, … (Victoriae Reginae 19º & 20º, An Act to extend the Powers of the Trustees and Director of the National Gallery, and to authorize the Sale of Works of Art belonging to the Public 23rd June 1856)

A National Gallery foi assim incluída num aparato nacional de construção de uma identidade institucional relacionada com a História e com a Arte à qual se juntou, em Londres também e em 1856, a National Portrait Gallery, imbuída da necessidade de conferir ao Estado uma ancestralidade ou uma ‘família’ que representasse as figuras mais importantes do reino através do retrato. Hooper-Greenhill (2000: 23-48) refere como a leitura dos debates no Parlamento relativamente às especificidades inerentes ao estabelecimento de uma galeria dedicada à mostra do retrato dá conta das articulações históricas que se pretendiam dar a esta narrativa e das decisões tomadas relativamente a que figuras seriam expostas nas suas paredes para a consolidar. Quando abriu, a National Portrait Gallery representava no seu espaço mais uma grande narrativa da identidade e do poder britânicos através de quadros de indivíduos pertencentes à família real, ao topo da hierarquia religiosa e de alguns membros da aristocracia latifundiária, que eram tidos como exemplos a seguir, todos brancos e do sexo masculino cujo poder e influência estavam essencialmente concentrados em Londres. Vincadamente marcados pelo desenvolvimento de práticas ligadas à história social e à biografia, os fundadores do projeto, principalmente Thomas Carlyle, acreditavam que o aperfeiçoamento moral do ser humano passava pela contemplação dos feitos das grandes figuras que tinham marcado a sociedade e, daí, a justificação para a criação de uma galeria com estas características (Cannadine, 2007). Por sua vez, a National Gallery, inscrita também no projeto ideológico que enquadrava as relações sociais no espaço urbano, cumpria um papel como educadora das populações assumindo-se como um lugar de instrução e de lazer no qual se regulavam práticas do corpo como o tom e o volume de voz, a higiene, a postura e o vestuário (Trodd, 1994). A noção de que tinha um papel na regulação dos

Galeria para fazer empréstimo de obras a outras galerias públicas no Reino Unido.

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comportamentos nos espaços públicos está patente, por exemplo, num relatório de 24 de maio de 1850, no qual se justificava a decisão de colocar vidro para proteger os quadros:

The admission of the whole of the public for four consecutive days in the beginning of the week (the other two days being appropriated to students) is not accompanied by any restrictions as to age or otherwise. It appears that the National Gallery is frequently crowded by large masses of people consisting not merely of those who come for the purpose of seeing the pictures but also of persons having obviously for their object the use of the rooms for wholly different purposes; either for shelter in case of bad weather, or as a place in which children of all ages may exercise and play, and not unfrequently as one where food and refreshments may conveniently be taken. (…) On the days on which the guard after being changed returns to St George’s Barracks, the numerous crowds of persons, without apparent calling or occupation, who on such occasions follow the military band, are stated to come in large bodies, immediately after it has ceased playing, and fill the rooms of the National Gallery. The position therefore of the building, possessing as it does from its central nature the very great advantage of making the pictures accessible to the whole of the public who desire to see them, would seem also to lead to its being frequented by great numbers of persons who come with other objects, and add largely to those results, which may be supposed to affect the atmosphere of the rooms and he surface of the pictures.” (Report on the Protection of the Pictures in the National Gallery by Glass, 24th May 1850, 1-2)

A National Gallery funcionava assim como um símbolo do prestígio do Estado oferecido às populações num edifício que era propriedade nacional no qual a arte era de todos mas para ser vista num espaço de visita ritualizada e de comportamento reverencial para com os seus mestres e suas obras, escolhidos por uma elite58. A noção de cultura da época, além de influenciada pelo pensamento de homens como Carlyle, também teve o contributo de Matthew Arnold que em Culture and Anarchy (1869) defendeu uma visão do Estado como guardião do gosto e da tradição cultural grega, através da qual imporia um sistema de educação universal para conduzir as populações a um estado de iluminação e de aperfeiçoamento intelectual. Comparada com o Louvre ou com outras galerias europeias, quer na magnitude do seu edifício quer na dimensão da sua coleção, a National Gallery apresentava limitações nomeadamente no modo de exibir, ainda muito de acordo com os princípios da galeria real. A Royal Academy exercia uma influência determinante sobre a ação desta Galeria,

58 O seu enquadramento institucional, a dominância que gozava em termos de divulgação da arte e a popularidade que tinha em Londres permitiu aos seus responsáveis nunca terem sentido a necessidade de identificar a galeria com o nome na fachada do seu edifício, o que só veio a ser feito em 2005 (The National Gallery Review 2005-2006, 2006: 43).

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validando muitas das suas escolhas a nível estético e algumas opções a nível da sua gestão. Por um lado porque alguns dos membros da Royal Academy tinham estado ligados à criação da National Gallery e vieram a ser seus diretores, tendo assento no seu Board of Trustees, por outro porque, em termos geográficos, entre 1838 e 1868 as duas instituições ocupavam edifícios contíguos em Trafalgar Square, numa proximidade que propiciava uma maior interferência. Na discussão sobre a importância da abertura de uma galeria nacional tinham pesado dois importantes argumentos: o melhoramento do gosto público e a expectativa de que, com o estudo dos Antigos, os artistas britânicos contemporâneos elevassem o seu nível técnico e a sua criatividade. Estes argumentos, vindos principalmente da parte de Beaumont, sustentavam a sua convicção de que os novos artistas, ao admirarem os artistas antigos, pintariam como Sir Joshua Reynolds, o seu pintor favorito, o qual muito aprendera ao contemplar os mestres. A sua visão da arte passava pela crença de que a pintura britânica iria evoluir através do estudo do passado e não apreciava Turner, que considerava muito radical e subversivo e pouco permeável à influência do passado. Veremos o quanto esta ideia conservadora de arte, enraizada nas fundações da National Gallery, veio a influenciar as escolhas que viriam a ser feitas para as obras a incluir na futura galeria de arte nacional a ser construída em Londres, a National Gallery of British Art, Tate Gallery a partir de 1932. A ligação da National Gallery a esse projeto prende-se com o facto de, no seu espaço, a arte britânica ter uma fraca representatividade e, ainda que incluísse obras de pintores importantes como Turner e Gainsborough, apresentava nomes que eram considerados menores e que eram relegados para segundo plano quer em número quer em visibilidade, o que motivou artistas, críticos de arte e figuras com interesses no mundo da arte a chamar a atenção relativamente à negligência e ao esquecimento a que era votada a Escola Inglesa na galeria nacional, por considerarem que a proeminência da Grã-Bretanha no mundo a nível económico, científico e industrial não era coerente com a fraca representação dos seus artistas em Trafalgar Square (Rothenstein, 1962: 9). Uma das primeiras tentativas de conferir à arte nacional alguma visibilidade e importância foi através do Chantrey Bequest que consistiu na doação da obra e da fortuna do escultor Sir Francis Chantrey para aquisição de obras de artistas de mérito reconhecido que tivessem produzido ou viessem a produzir obras no espaço da Grã- Bretanha e que aí residissem. Chantrey foi, na verdade, uma das primeiras figuras a pensar numa coleção nacional de arte britânica e a sua doação contemplava também a 97

vontade de que se viesse a constituir uma coleção nacional de arte britânica59. O escultor morreu em 1842 e deixou a quantia de £3.000 para a compra de obras de pintura e escultura britânicas, fundo cuja administração foi deixada a cargo da Royal Academy, que só teve autorização para começar a aplica-lo após a morte da esposa do escultor em 1876. Entre 1840 e 1876 verificaram-se outros progressos no sentido de se constituir uma coleção de arte nacional. Foram doadas ao Estado três importantes coleções de arte britânica: a do Robert Vernon Gift60 (feita em 1848 e constituída por 157 quadros e um conjunto de esculturas); a do Turner Bequest61 (feita em 1856 e que fez transitar para a National Gallery62 282 óleos e mais de 19000 aguarelas de Turner) e a do Sheepshanks Gift63 (em 1857, uma doação de cerca de 230 obras de pintura britânica feita ao museu de South Kensington), o que significava que existiam obras em número suficiente para

59 Fyfe (1995) aborda a complexa gestão das obras e do fundo de Sir Francis Chantrey e estudado o modo como o poder do Estado foi exercido através das várias tentativas de classificação da coleção e, simultaneamente, como o museu se define como um complexo campo de interesses de artistas, diretores, curadores e mecenas. 60 Cf Copies of Correspondence between the Trustees of the National Gallery and the Lords of the Treasury respecting the Gift made by Mr Vernon of his Collection of Modern Pictures and other Works of Art, onde se pode ler o Deed of Gift da coleção de Robert Vernon redigido em 1848. 61 Cf Copies of the Will and Codicils of the late Mr. Turner, R.A.; and of the Decree of Vice-Chancellor Kindersley, establishing the Right of the Nation to the Pictures of Mr. Turner given by him to the Public; and also of the Representations lately made by the Trustees of the National Gallery to the Treasury upon the Subject of Mr. Turner’s Gift of his Pictures to the Nation 62 Contudo, a falta de espaço em Trafalgar fez com que muitas obras desta doação viessem a dispersar-se por outras galerias londrinas. 63 John Sheepshanks (1787-1863) nascido em Leeds e com uma fortuna de família com origem nos têxteis, retirou-se da atividade em industrial e, após ter vivido Hastings e Blackheath, instalou-se em Knightsbridge tendo-se dedicado ao patrocínio da arte através da aquisição de arte nacional. Com algum ressentimento por a National Gallery não privilegiar a mostra de arte britânica ofereceu a sua coleção ao museu de South Kensington, no qual foi criada uma denominada National Gallery of British Art. Esta ‘galeria’ teve contornos e uma existência algo conturbados e, mesmo com a criação da National Gallery of British Art em 1897 em Millbank com o patrocínio de Henry Tate, as obras de arte nacional de South Kensington surgiram nos seus catálogos associadas às salas do edifício sob esta denominação até 1908 (Burton, 1999: 97). Para os detalhes sobre a doação das obras cf Deed of Gift by John Sheepshanks, Esq. of his Collection of Pictures and Drawings, in Trust, to form the Nucleus of a National Gallery of Art in connexion with Her Majesty’s Department of Science and Art and Minute of the President of the Board of Trade thereon-, redigido em 1857.

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uma coleção pública de arte nacional. As obras de Sheepshanks atraíam grande número de visitantes a South Kensington, o que colocava o recém-inaugurado museu em competição com a National Gallery e o British Museum, mostrando que a arte nacional gozava de grande popularidade junto do público. A doação de Robert Vernon desencadeou uma verdadeira polémica64 relativamente à representação da arte nacional na National Gallery, quando esta decidiu relegar para segundo plano as suas obras alegando falta de espaço (Lorente, 1998: 105-6) e, a partir desta decisão, começou a considerar-se a hipótese de usar o museu de South Kensington65, aberto em 1857, e que estava a conseguir conquistar um público numeroso através de práticas de exibição às quais já estava subjacente um sentido educativo com catálogos, painéis informativos e palestras que eram acessíveis à maior parte dos visitantes. Para além disso a entrada era livre durante o dia às segundas, terças e sábados, paga nos restantes dias e no horário entre as 19h e as 22h.66. A única questão problemática colocou-se a nível da acessibilidade porque não gozava do benefício da localização no centro da cidade e a linha do metro só aí chegou em 1868. Apesar de haver vários pontos em Londres nos quais era possível ver arte nacional, a situação continuava a não ser satisfatória principalmente devido à dispersão das obras. As obras do Sheepshanks Gift estavam em South Kensington, onde também se encontravam as de Sir Francis Chantrey, enquanto o património de Turner se dispersava pela National Gallery e por South Kensigton, com muitas obras em pouco espaço, o que as tornava pouco visíveis e exibidas sem coesão. Além deste levantava-se um outro

64 A compra de arte tinha sido possível a Vernon pelos lucros do seu próspero negócio de venda de cavalos ao exército durante as guerras com a França e, quando em 1847 anunciou a vontade de ceder a sua coleção ao Estado, o percurso errático das obras demonstra bem a indefinição que existia relativamente ao que fazer com a arte nacional. Uma parte das obras ficou em sua casa, depois foram transferidas para Malborough House, o edifício da Royal Academy, posteriormente estiveram no museu de South Kensington e só em 1876 é que foram para a National Gallery. 65 Burton (1999) apesenta uma história detalhada do Museu de South Kensinton, posteriormente Victoria and Albert Museum, e a sua ligação ao desenvolvimento da arte, do design e da indústria. 66 Era uma política óbvia de diferenciação social que operava a outros níveis também, nomeadamente na escolha de eventos para ambos os públicos, ainda que o período vitoriano tivesse ficado conhecido por se terem feito várias tentativas para democratizar o acesso aos museus e galerias (Burton, 1999: 76-78). A maior parte dos museus e galerias, nomeadamente o British Museum, impunha modalidades de acesso às suas coleções muito condicionadas, como por exemplo, a necessidade de fazer reservas ou a prática de preços mais baixos a horas em que a maior parte da população estava em horário de trabalho.

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problema que se prendia com o facto de não haver possibilidade de as mostrar numa linha coerente, estando ao critério de cada museu ou galeria o enquadramento estético e histórico das mesmas. Em 1886, fazendo surgir mais um foco cultural no coração de Londres, abriu, na City, a Guildhall Art Gallery67, com uma ação local porque se tratava de uma oferta da City of London, com abertura e entrada livre aos domingos, com uma coleção constituída essencialmente por obras de artistas londrinos contemporâneos, o que lhe trazia vantagem na exibição de arte nacional68.

2.2.2. Cidade, cultura e poder: a Londres imperial

O museu público emergiu, no século XIX, no contexto não só de consolidação do Estado-nação mas também dos processos de urbanização e é por isso importante explorar o modo como a cultura, a arte e o museu contribuíram para reforçar a imagem de Londres como uma cidade imperial. Na Grã-Bretanha as cidades industriais prosperaram ao longo de todo o século XIX e Londres, já com uma dominância alicerçada em séculos anteriores por via das transações comerciais e por ser sede da Coroa e do Parlamento69, afirmou-se

67 Ficava perto do Bank of e o seu público regular era tanto o funcionário dos serviços da City como o trabalhador dos bairros operários do East End, o que lhe deu desde o início um caráter bastante diverso, ainda mais porque fechava às 19h, permitindo que mais visitantes da classe trabalhadora tivessem acesso ao seu espaço. 68 Em 1902 conseguiu captar uma importante doação de pintura vitoriana, o Gassiot Bequest, inicialmente destinada a ir para a Tate, graças ao conhecimento e perícia negocial de Alfred Temple, seu curador e reconhecido como um dos melhores do seu tempo 69 Como cidade capital e sede do poder político Londres já se afirmava a nível internacional pela considerável proporção do movimento do seu porto e, com uma população crescente a partir do século XVI, por ser um dos maiores mercados da Grã-Bretanha. Também aí se encontrava uma grande concentração de oficinas e pequenas manufaturas (principalmente no tratamento de couros, no processamento do açúcar e na construção naval) que a tornavam competitiva por possuir trabalhadores mais qualificados e um maior conhecimento a nível industrial. Com a corte aí estabelecida a cidade também tinha um mercado próspero na produção e consumo de artigos de luxo como relógios, vestuário e livros. Shepard (1998) realça que esta dinâmica comercial foi responsável pela grande expansão do setor dos serviços com agências de seguros, bancos e despachantes a gerir redes de negócios com uma dimensão considerável, fazendo com que Londres, a partir do século XVIII, tomasse a dianteira em

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mundialmente, consequência dos lucros e desenvolvimento da indústria e do comércio70. O século XIX londrino correspondeu a um período de grande desenvolvimento, com aumento do bem-estar e da prosperidade para as classes médias mas também com grandes contrastes e desigualdades. Tendo sido a primeira cidade a formar-se de acordo com as necessidades da economia industrial, essa matriz permaneceu até quase ao fim do século XX (Buck et al, 2005). O melhoramento das vias de comunicação, da iluminação pública71 e dos transportes, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, trouxe não só a esta mas também a outras cidades inglesas mais oportunidades de consumo e de entretenimento, diversificando as experiências e tornando mais acessíveis alguns bens materiais e conforto. As transformações na cidade deram-se por fases que coincidiram sensivelmente com avanços introduzidos a nível dos meios de transporte que revolucionaram a mobilidade dos cidadãos e que captaram atividades e residentes para novos espaços. A partir de 1836 a ferrovia transformou Londres com a abertura de um terminal de comboios que circulavam da London Bridge até Greenwich e, a partir de 1863 a rede de metro foi inaugurada com a Metropolitan Line. Um pouco mais tarde, cerca 1870, o carro sobre carris puxado por cavalos operou mais uma transformação na cidade conseguindo transportar mais passageiros do que o omnibus e dar resposta a uma crescente classe trabalhadora que procurava formas rápidas e baratas de se deslocar dentro da cidade (Shepard, 1998). O desenvolvimento dos transportes resultou não só num aumento de tráfego em Londres mas também em novas formas de mobilidade e de circulação, no entanto foi, acima de tudo, responsável por um fenómeno que não mais parou e que alterou de modo permanente os limites e a dimensão da cidade: a suburbanização. Principalmente a sul

relação a Amsterdão a nível naval, comercial, bancário e financeiro. 70 Briggs (1990) descreve o desenvolvimento das cidades de Manchester, Leeds, Birmingham e Middlesborough e faz a história da emergência de Londres como uma cidade mundial e o modo como os valores da cidade vitoriana foram transplantados para Melbourne, na Austrália. 71 Bouman (1987) explora o modo como a experiência do centro da cidade se alterou com a instalação da iluminação pública fazendo emergir novos hábitos como o passeio ao fim da tarde para fazer compras transformando a noção utilitária da luz numa possibilidade comercial. 101

da cidade estavam a ser urbanizadas várias zonas para uma classe média72 que procurava propriedade a preços mais acessíveis e com qualidade. Surgiram áreas residenciais73 com habitações à volta de pequenas praças ou a formar crescentes e rodeadas por espaços verdes, com uma população cujos modos de vida contribuíram para estabelecer identidades de classe muito próprias (White, 2008a). Demograficamente Londres cresceu74 e tornou-se mais heterogénea. Sucessivas migrações em busca de melhores condições de vida vieram de vários pontos da Grã- Bretanha, com a Irlanda a representar o maior contingente, mas também a destacarem-se comunidades de Judeus, Chineses, Italianos, Franceses e Alemães que davam à cidade um cunho multicultural através da abertura de negócios que traduziam marcas da sua cultura75. As novas vagas de londrinos procuravam oportunidades de trabalho no porto e na manufatura, que era o principal empregador da cidade, o que contribuiu para o aumento muito rápido de uma larga faixa de população pertencente à classe trabalhadora para a qual não houve capacidade de resposta em termos de habitação e que teve, por isso, de alojar-se em bairros sem quaisquer condições (White, 2008a). A par destas atividades, os seguros e o comércio cresceram a um ritmo considerável, e principalmente a finança, desenvolveu-se a partir da exploração dos negócios a nível nacional e internacional de um império que se estendia por todos os continentes. O rápido crescimento urbano, com a perda de coesão de uma cultura artesanal do século XVIII, trouxe desafios a nível da administração76 da cidade. A construção e

72 Waharman (1995) explora a formação social e política da classe média e a sua relação com a urbanidade e o modo como, principalmente através da imprensa, mobilizou e construiu representações do seu caráter e da sua identidade para se diferenciar de outras e para se integrar no complexo processo de transformação cultural, social e económica a ocorrer na Grã-Bretanha. 73 Greenwich, Kensington, Chelsea, Bloomsbury, Camberwell, Lambeth, Brixton, Stockwell, Pimlico, Clapham, Battersea ou Paddington foram algumas das áreas que mais transformações sofreram neste processo. 74 A população londrina aumentou de 2 milhões em 1841 para quase 5 milhões em 1881 (Hobsbawm, [1968] 1999: 137) 75 Eram famosos os vendedores de gelados italianos, os restaurantes abertos pelos franceses ou os produtos das pequenas manufaturas ligadas à alfaiataria, ao calçado e à produção de charutos geridas pelos judeus. 76 Antes do século XIX, a cidade não tinha um corpo governante responsável pela sua administração. O City of London Corporation controlava a sua área de jurisdição desde o final do século XII, ao qual se juntou em, 1855, o Metropolitan Board of Works. Contudo, muitos dos poderes de governo da cidade 102

reconstrução de muitas áreas da cidade tinham afastado alguns focos de crime, delinquência e pobreza para zonas mais afastadas do centro ou para a margem sul do Tamisa como Southwark, mas colocavam-se problemas como revoltas e motins, que a ação de Sir Robert Peel tentou controlar ao organizar a Metropolitan Police em 1829 (Hoppen, 1998: 50-51). O aspeto físico da cidade alterou-se a um ritmo rápido com a indústria da construção a expandir-se consideravelmente, empregando grandes quantidades de mão de obra, necessária para construir edifícios públicos, lojas, escritórios, teatros, museus, bibliotecas, habitações, para instalar a iluminação pública ou para melhorar o sistema de esgotos. Muitas ruas foram construídas ou remodeladas, tais como Regent Street, New Oxford Street ou Victoria Street, que sofreram obras profundas entre 1830 e 1850, trazendo à cidade uma dimensão comercial e uma modernidade que foram essenciais à consolidação do estatuto de cidade imperial (Shepard, 1998). Também a zona portuária sofreu alterações com a construção de docas, cais e outros equipamentos para melhor servir o comércio fluvial e a construção naval, alterando significativamente a frente do rio. Além de postos de trabalho e de mais diversificadas possibilidades de consumo, a cidade oferecia oportunidades infindáveis de cultivo do conhecimento e de usufruto de cultura e de entretenimento nos museus e galerias de arte, nas palestras das sociedades académicas e artísticas, nos saraus das bibliotecas e clubes literários, no teatro, nas performances nos jardins e espaços públicos, no jardim zoológico, ou no circo, o que funcionava como um íman para quem procurava quer novos estímulos intelectuais, através do cultivo da literatura, da cultura e do espírito científico, quer de uma vida dinâmica e mundana. Mas não foram apenas o espaço edificado e as vias de comunicação a alterar Londres. Novos espaços verdes de passeio público como parques e jardins funcionaram como pulmões da cidade mas também como tentativas de impedir o avanço avassalador da construção. No fim do século Londres tinha um perímetro consideravelmente maior, era mais bem iluminada, tinha mais qualidade ambiental e uma fachada arquitetónica mais moderna. A Great Exhibition, realizada em 1851 foi o marco cultural da metade do século em eram exercidos pelas paróquias e pelos condados de Meddlesex, Surrey e Kent. O London County Council foi criado em 1889 como a primeira grande autoridade municipal para a governança de Londres, tendo sob a sua jurisdição uma área que corresponde hoje à designação de Inner London. 103

Londres e foi determinante para o desenvolvimento de uma ideia de museu quer através da arquitetura quer do modo de expor os objetos da indústria e das conquistas do império, constituindo-se como um ‘complexo exibicionário’ (Bennett, 1995) e uma demonstração do imperialismo britânico (Witcomb, 2003) que mostrou a Grã-Bretanha numa narrativa de progresso técnico, científico, económico e industrial e de domínio imperial. Uma quantidade apreciável de objetos da exposição deu origem, à criação do museu de South Kensington (mais tarde Victoria and Albert Museum) que, guiando os visitantes pelas maravilhas produzidas pela manufatura e pelo design britânicos, se associou a uma ideologia de progresso baseada no utilitarismo e na educação através da arte e da técnica. O seu edifício, o Crystal Palace, uma estrutura pré-fabricada facilmente montável e desmontável, trouxe ao museu noções importantes como a de impermanência e de flexibilidade com a necessidade de criar espaços temporários de exibição (Giebelhausen, 2011). As suas práticas de exibição também influenciaram modos de mostrar os objetos contribuindo para educar o olhar do público num certo modo de ‘ver’. Já na cidade, os grandes armazéns comerciais que começaram a surgir entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, com as suas montras, iluminação e espaços preparados para agradar ao olhar e receber grandes quantidades de consumidores, criavam cenários, quer nas montras quer no interior, orientados para práticas visuais de consumo, tanto de bens utilitários nas lojas como de objetos do domínio estético e científico nos museus e galerias de arte. O museu, a exposição universal e, posteriormente, o armazém comercial foram essenciais à nova vivência da cidade e à formação da sociedade de consumo, apoiada em tecnologias de perceção visual (Witcomb, 2003), fazendo-nos entender a origem da ligação entre cultura e consumo muito anterior à segunda metade do século XX. Estas três estruturas discursivas visuais tiveram enorme importância, em conjunto, para a consolidação de práticas de consumo visual que foram úteis ao modo de ver os objetos no museu e foram um apoio ao uso que o Governo e as elites estavam a fazer do museu para educar as populações no sentido de disciplinar o olhar e de ensinar a circular em espaços públicos fechados. A Great Exhibition, a par de outros equipamentos culturais que estavam a ser construídos na cidade, trouxe uma nova dimensão à vida urbana ligada ao lazer, à arte, à modernidade, à prosperidade, ao dinamismo e ao refinamento, imagem de que Paris gozava há algum tempo. Embora Londres não superasse a capital francesa na tradição 104

de ligação às artes, havia uma geração de artistas nacionais que necessitava de espaços públicos de exibição, uma elite urbana com dinheiro para aplicar no patrocínio de arte e que queria cultivar um estilo de vida cosmopolita e sofisticado que a associação à cultura podia proporcionar e um público que estava mais preparado para frequentar espaços de cultura e que gostava de contemplar as obras dos velhos mestres mas também de artistas contemporâneos as quais não eram dadas a visibilidade e elevação necessárias numa galeria nacional.

2.3. A oferta de Henry Tate: uma visão para a arte nacional

A 23 de outubro de 1889 Henry Tate endereçou uma carta aos trustees da National Gallery na qual expressou a intenção de oferecer à Galeria cerca de sessenta quadros da sua coleção77 de pintura inglesa avaliada em £75.00078, com o objetivo de serem exibidos em Trafalgar Square. A carta propunha a doação das obras mediante condições que também expôs nessa carta e que transcrevemos na íntegra:

My Lords Gentlemen, For some years past I have been forming a Collection of Pictures which I believe fairly represent most of the best Masters of Modern English School of Painters. I am desirous that they should become the property of the Nation. Therefore, conditionally upon a room or rooms in the National Gallery being devoted exclusively to their reception and upon the said room or rooms being provided or erected within two, or at most three years from the date of the acceptance of my offer; I am therefore prepared to execute a deed of gift presenting the pictures named in the accompanying list – to the Trustees of the National Gallery for the time being. Another condition to be that the Collection be called “The Tate Collection”. I shall be glad to see any or all of your Body who may desire to inspect the pictures when mutually convenient, or if you prefer to send some one to see them first report to you on the subject; I will, on hearing from, arrange accordingly. Henry Tate To the Trustees and

77 Esta encontra-se inventariada em Catalogue of Pictures at Park Hill October 1889, o pequeno caderno de notas pautado no qual está manuscrita a lista dos quadros de Henry Tate, numerados de 1 a 65, com o título da obra e o nome do autor e sem qualquer outra informação. A lista ocupa as primeiras páginas do caderno no qual mais nada foi registado. 78 Carta de Henry Tate à National Gallery de 13.01.1890 e uma anterior, de Henry Tate a Charles Eastlake de 4.11.1889, na qual apresenta uma sugestão para a área desejável da galeria para exibir as suas obras (“…70 feet long 35 feet width 13 feet high”).

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Director of the National Gallery (Letter from Henry Tate to the National Gallery Trustees offering a collection of British pictures, 23 October 1889)

Nascido na região de Lancashire em 1818, foi em Manchester que Henry Tate iniciou a sua atividade de assistente de merceeiro aos 13 anos. Aos vinte era dono da sua própria loja e aos 35 tinha cerca de seis lojas na área de Liverpool. Em 1859 tornou-se sócio da John Wright & Co. na refinação de açúcar, companhia que passou a pertencer-lhe em 1869 com o nome Henry Tate & Sons e, mais tarde, Tate and Lyle79. A sua fortuna consolidou-se graças às inovações que introduziu na refinação e na purificação do açúcar mas, principalmente, por ter conseguido os direitos de uso de um método de corte que permitiu criar e, posteriormente, comercializar açúcar em cubos. Quando abriu uma nova refinaria em Londres, em Silvertown, nas margens do Tamisa, decidiu mudar-se para a cidade, para uma residência em Park Hill, Streatham na qual tinha construído uma galeria de arte que abria a visitantes aos domingos (Lorente, 1998: 128) e onde organizava um jantar anual para artistas. A sua ação como mecenas é conhecida e estendeu-se ao financiamento de hospitais, universidades e bibliotecas, tendo sido patrono da Universidade de Liverpool e ajudado a fundar a biblioteca de Brixton. O seu interesse pela arte fê-lo adquirir obras como Lady of Shallot, de Waterhouse, e Ophelia de Everett Millais, ou outras que comprou em muitas Summer Exhibitions da Royal Academy, instituição à qual estava ligado através não só do seu interesse por arte mas também pela amizade que o unia a John Everett Millais, diretor da Royal Academy. Este gosto também se materializou através do apoio a artistas e pela constituição de uma coleção formada por um conjunto apreciável de obras de pintores e escultores britânicos seus contemporâneos que acabariam por fazer parte da sua doação (Jones, 1960). Apesar de na sua coleção figurarem algumas obras de artistas nacionais de renome como Constable, nenhuma delas fez parte da sua oferta que, em termos temporais, contemplava a contemporaneidade artística britânica. Os trustees da National Gallery e o diretor consideraram a oferta merecedora de atenção e ponderaram a possibilidade de quebrar a tradição de não aceitar obras de autores vivos:

…the munificent nature of Mr. Tate’s proposed gift (the approximate pecuniary value of which had been estimated at 75,000l.), comprising as it did many important examples of

79 Jones (1960) descreve com algum detalhe a atividade comercial de Henry Tate.

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the Modern British School, left this Board no alternative but to accept the proposal, provided that Her Majesty’s Government enabled it to comply with the conditions prescribed by the owner. In reference to those conditions, the Board pointed out that a structural extension to the National Gallery was absolutely necessary not only for the accommodation of Mr. Tate’s pictures, but because the present limited area of the building was insufficient, even for its present contents. (Annual Report of the Director of the National Gallery to the Treasury, for the Year 1890, 1891: 4)

Apesar de terem tido indicações do Tesouro80 para analisar a proposta de Henry Tate e para ter em conta a importância da mesma para a projeção da arte nacional, os trustees da National Gallery consideraram difícil ter espaço para alojar as obras de Tate e argumentaram que no horizonte da galeria nacional não seria prioritário o reconhecimento e inclusão da pintura britânica a par dos grandes mestres da pintura europeia81. Ante a resposta da National Gallery, Henry Tate escreveu a J. G. Goschen, Chanceller of the Exchequer, a 17 de junho de 1890, propondo a doação das suas obras à Nação e mantendo as mesmas condições de exibição:

Sir The offer of my Pictures to the National Gallery having been declined for want of Space, many of the suggestions which have been made from time to time respecting the establishment of a National Gallery exclusively confined to Works by British artists, lead me to the consideration of the special and particular lines on which such an Institution should be founded and the functions it should be established to perform, whether the Work is to be affected by Government or by private action and enterprise, or by a judicious combination of both. If the Lords of the Treasury acting for the government sanction the establishment of such Institution on the lines indicated and laid down in the schedule attached, and the Lords of the Treasury agree to render reasonable pecuniary assistance by means of annual grants for the purpose of enabling the Administration to assist provincial Museums by loans of paintings, Water colours, Drawings, Sculpture, etc, on a system similar to that adopted with so much usefulness and success with objects of industrial and decorative Art by the circulation department of the South Kensington Museum, or if the Government will grant sufficient aid for the maintenance of the Gallery and its Administration alone leaving to the future the sending of some portion of the Collections on loan to provincial Museums, - Upon these conditions I am prepared to present to the Nation a selection of Pictures out of my collection as specified in the annexed list, numbering 57 and further to allow the Committee of Selection to take any of the others which I possess and which they may think it desirable to have included in my gift.

80 Carta de W. L. Jackson (do Tesouro) ao diretor e trustees da National Gallery de 3 de maio de 1890. 81 Na correspondência trocada entre os Trustees da National Gallery quando da oferta de Henry Tate, algumas das suas obras foram consideradas muito modernas para integrarem o espaço da National Gallery, que já era escasso para exibir os Velhos Mestres (carta de 31 de Outubro de 1889 do conhecedor de arte A. Hardinge para John Eastlake).

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It is however to be understood that I will only consent to allow these pictures to be taken out of my possession when a suitable and separate Gallery shall have been erected or an existing one prepared for their reception, the structure and situation of which shall have previously met with my approval and the Lords of the Treasury having undertaken to complete the same, at the least by 30th June 1892. I have the honour to be, Sir, Your Obedient Servant, Henry Tate.” (Letter from Henry Tate to J. G. Goschen, Chancellor of the Exchequer, 17 June 1890)

A 20 de junho W.L. Jackson, do Tesouro, escreveu a Tate pedindo que compreendesse os motivos da recusa da National Gallery, assim como a missão da mesma, e propondo- lhe um espaço em South Kensington:

“(…) My Lords desire to point out that the non-acceptance of your offer by the Trustees of the National Gallery was solely due to the want of space. The condition you desired to attach to the gift was that the pictures should be kept together in a room or rooms devoted entirely to their reception. This condition, however, to which no limit of time is assigned, would have violated the historical and educational system on which the works in the National Gallery are arranged, and would have set a precedent for breaking the Gallery up into a series of smaller and independent collections. (…) The proposal to establish such a Gallery on the general lines of the Luxembourg Museum at Paris is not new to my Lords. Various suggestions to this general effect have been made to Them, and They have been for sometime past in communication with the Directors of the National Gallery, the President of the Royal Academy, and the Commissioners of the 1851 Exhibition on this subject. All the results of these communications, My Lords are disposed to belive that the Eastern and Western Galleries at South Kensington, now temporarily assigned to other purposes, might be devoted to the establishment of a representative collection of modern British pictures, in which the works that are at present scattered in various institutions might be brought together. My Lords are satisfied that these Galleries, which are fireproof and would afford a good light, could be adapted to the purpose – at any rate for a number of years – and might attract gifts from other donors stimulated by your example. (…) (Letter from W. L. Jackson, from the Treasury, to Henry Tate, 20 June 1889)

Henry Tate visitou as galerias em South Kensington e respondeu à proposta numa carta enviada a J. G. Goschen a 1 de dezembro de 1890:

(…) I think it desirable to inform you that after inspecting the proposed Galleries several times and having consulted many of my Friends well versed in the Art matters, I have come to the conclusion that those Galleries are not suitable or worthy and consequently would not be likely to attract such works of British Art as it might be expected would soon be presented to a modern and disconnected Building, and I therefore think I shall best be

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serving the cause of Art by refusing my consent to this makeshift scheme.” (Letter from Henry Tate to J. G. Goschen, 1 December 1889)

A sugestão de envio das obras da doação de Tate para South Kensington tinha sido uma tentativa de prolongar a coleção de Sheepshanks e de alargar uma já aí existente National Gallery of British Art. Muitas das obras aí expostas enquadravam-se numa linha de pintura vitoriana e, por isso, parecia não haver razões para separar estas das de Henry Tate. Com o Estado ainda a assumir uma posição ambígua relativamente às suas responsabilidades de criação e manutenção de uma galeria de arte nacional, era mais barato alojar e manter as obras numa galeria já existente do que construir um edifício de raiz para o efeito. A recusa de Tate em não juntar as suas obras à coleção de Sheepshanks, apesar de esta ter conseguido atrair um número considerável de visitantes, prendeu-se também com o facto de South Kensington não conseguir rivalizar com o estatuto e a centralidade da National Gallery82, à qual o magnate tinha efetivamente feito a sua doação. Se por um lado estava criado um impasse relativamente à nova galeria de arte nacional, por outro, estava também aberto um caminho para a discussão pública acerca da mesma e a oferta de Henry Tate tinha-o envolvido numa complexa teia de interesses e influências manipuladas pelo diretor e trustees da National Gallery, pelo Tesouro e pela imprensa. Quando Henry Tate fez a sua proposta de doação o objetivo era o de que as negociações decorressem de forma discreta e dentro de algum secretismo, contudo, ante a relutância da National Gallery e as controvérsias que se geraram quer no mundo da arte quer na imprensa, a questão foi tornada pública arrastando-se durante cerca de dois anos e mobilizando opiniões de críticos e conhecedores de arte, artistas e parlamentares, que debateram publicamente na imprensa, muitas vezes em cartas e artigos publicados no jornal The Times, a possível localização da nova galeria, do seu financiamento e da constituição da coleção (Lorente, 1998: 129-135). Analisando em pormenor o papel que a imprensa desempenhou nas origens da galeria de Henry Tate, Woodson-Boulton (2003) examina os contornos do debate

82 Lorente (1998: 129) nota que a galeria nacional em Trafalgar tinha associado à ‘boa’ pintura uma tradição católica, renascentista e italiana que mostrava cenas bíblicas (e também mitológicas) enquanto em South Kensington se exibiam obras para um gosto mais popular com cenas domésticas, retratos e paisagem. Henry Tate considerava, por isso, que o envio das suas obras de arte para South Kensington não lhes dava a dignidade e a projeção merecidas.

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publicado nos jornais entre 1890-92, ao longo das quais foi possível acompanhar as inúmeras questões que se discutiram na época como as condições em que a doação era feita, a pertinência da constituição de uma coleção de arte nacional, o edifício que a iria alojar e o seu financiamento. Quando as negociações com o Tesouro começaram colocaram-se inúmeras questões na imprensa que Woodson-Boulton enumera:

Should works by living artists enter the National Gallery? Should a separate National Gallery of British Art be modeled on the Palais de Luxembourg in Paris? Should the new gallery be built with private or public funds? Would South Kensington, with its purposes of improving industrial design, be an appropriate place to site a gallery of fine art? Who should administer the new gallery? If it were to be primarily a collection of works by living artists, what would prevent corruption among the Royal Academy, art dealers, artists, and the gallery? (Woodson-Boulton, 2003: 148)

A autora evidencia que, quando Henry Tate ofereceu a sua coleção aos trustees da National Gallery, já havia um debate na imprensa que tinha ‘criado’ a galeria ou uma galeria de arte nacional, definido o âmbito da sua coleção e estabelecido que as obras estrangeiras dos velhos mestres iam para Trafalgar Square e que o que era contemporâneo e britânico faria parte da coleção da nova galeria e, por isso, a nova galeria de arte britânica seria também uma galeria de arte moderna sendo que a noção de escola nacional era jovem e moderna e começava no pintor William Hogarth, nascido em 1697. Argumenta ainda que essa discussão foi responsável pela construção de uma galeria com uma identidade dual que acabou por surgir do compromisso entre uma coleção de arte histórica e uma de arte moderna e teve de manter essa dualidade durante mais de um século. Corroborando os argumentos de Woodson-Boulton, queremos realçar que esta galeria, logo antes da sua criação, se defrontou com problemas de representação nomeadamente com a dificuldade em definir arte britânica moderna e os seus limites temporais. A verdade é que, nunca tendo a noção de ‘moderna’ sido definida, deixou um caminho aberto para que nela se viesse a incluir a arte moderna internacional cuja aquisição passou a ser da responsabilidade da National Gallery of British Art a partir de 1917, o que influenciou os modos de exibir, de colecionar, de produzir conhecimento sobre a arte nesta galeria e fez com que a sua vocação como colecionadora de arte britânica só viesse a ser efetivamente concretizada em 2000.

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Uma das linhas a explorar ao longo deste estudo será o de que a questão mais problemática para o percurso da Tate foi de natureza representacional, responsável pela produção de muitas condicionantes nomeadamente nas políticas e prioridades de aquisição, na gestão de espaço e na definição de identidade. Em 1891, na Câmara dos Comuns, um Committee on the British Art Gallery reuniu por quatro vezes (a 4 e 16 de junho e a 6 e 21 de julho) com o objetivo de refletir sobre a criação de uma galeria de arte britânica, principalmente no que dizia respeito aos seus corpos governantes, verificando-se que, acima de tudo, estavam em causa questões de poder relativamente à sua gestão. Na ata da reunião de 4 de junho83 era clara a vontade de assegurar a posição da Royal Academy, atribuindo-lhe quatro trustees no Board da futura galeria. Acrescentado mais um ponto à discussão, Sir William Gregory redigiu um British Art Gallery Memorandum, em julho de 1891, no qual fez uma proposta para que existissem dois representantes da National Gallery no Board da nova galeria, sendo o Diretor um deles (dado o seu conhecimento de pintura), e para que fosse dado poder à National Gallery para reter os quadros da Escola Inglesa logo que estes se enquadrassem no seu período cronológico de exibição:

In my opinion, a rule should be laid down that no pictures should be hung in the National Gallery until at least twenty-five years after the artist’s death. (…) All pictures bequeathed to the National Gallery should be lent to the Gallery of British Art until the prescribed limit had been reached, when he National Gallery Trustees should have the power of reclaiming much of them as they might require. In fact, the British Gallery should become, as it were, a kind of Luxembourg of English painting. (British Art Gallery Memorandum, 1891: 4)

O que extraímos da leitura dos argumentos apresentados pelas várias partes desta discussão é que quando Henry Tate entrou com a sua oferta no debate acerca do patrocínio de arte britânica, já várias forças se confrontavam pela criação de uma galeria de arte nacional, fazendo vir à superfície duas visões opostas sobre a arte com origem em dois grupos que pretendiam afirmar-se, um que queria ganhar poder e estatuto na sociedade através do patrocínio de cultura e outro que não desejava perder o controlo que já tinha sobre as instituições culturais:

83 A meeting of the Committee on the British Art Gallery was held in No. XVI Committee of the House of Commons on Tuesday, the 16th June, 1891, at 4 p.m.

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The new interest in the British School came from a new class of collector: middle class art-buyers preferred modern and contemporary (that is, by living artists) British art, as opposed to aristocratically acceptable Old Masters. (Woodson-Boulton, 2003: 147)

Parece-nos evidente que uma classe média que estava a afirmar-se tinha todo o interesse na existência de uma Escola Inglesa ou Britânica e na criação de uma galeria pública para a exibir e para servir o desenvolvimento de um mercado de arte contemporânea nacional. Essa classe, cujo projeto de ascensão estava apoiado num estilo de vida e numa narrativa associados ao progresso e à modernidade, colecionava arte contemporânea a apoiava os artistas que a produziam (Macleod, 1996). Estes, por sua vez, viam na emergência de uma escola nacional de pintura e na criação de espaços de exibição não só em Londres mas também em muitas galerias regionais uma oportunidade de divulgação das suas obras, o que acabou por revelar a arte como um importante campo de negociação da influência de vários grupos sociais:

Middle-class patrons had moved from Old foreign to modern British Masters in their collecting habits, and the formation of the National Gallery of British Art announced both their political ascendance and the role of contemporary art as an important means of class definition in a moment of high nationalism. (Woodson-Boulton, 2003: 162)

A par desta teia de influências verificou-se também que algumas dúvidas levantadas em relação à proposta de Henry Tate surgiram devido ao facto de se temer que a galeria que pretendia criar viesse a ser um posto avançado da Royal Academy (Rothenstein, 1962: 15), pelo facto de Henry Tate ser amigo de membros da Royal Academy, nomeadamente de John Everet-Millais, que apoiou a criação da galeria de arte britânica84 desde o início. A controvérsia arrastou-se até meados de 1892, quando o The Times anunciou que esta seria erigida em Millbank no local outrora ocupado por uma prisão, demolida em 1890. A prisão de Millbank concebida pelo arquiteto Robert Smirke a partir do modelo

84 Everett Millais foi presidente da Royal Academy entre fevereiro e agosto de 1896 para onde tinha sido admitido aos 10 anos. O pintor acompanhou as intenções de Henry Tate e os projetos para a criação da galeria de arte britânica. Em 1896, ano da sua morte, ainda lhe foram mostrados os desenhos do edifício, que receberam o seu agrado e concordância. Uma das obras emblemáticas de Millais na coleção da Tate é Ophelia, um símbolo da pintura pré-Rafaelita. Em 1905, e através de fundos angariados por um comité liderado pelo Príncipe de Gales (depois rei Edward VII), foi instalada uma estátua do artista em frente à Galeria em Millbank e que hoje pode ser vista perto da Manton Entrance, uma entrada lateral da Galeria.

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octogonal de Jeremy Bentham, tinha sido construída entre 1812 e 182185 e funcionou como plataforma de partida de condenados para a Austrália. Contudo, por o seu modelo ter ser considerado obsoleto e por não satisfazer as necessidades tinha sido desativada. Apesar de terem sido consideradas as zonas de Whitechapel e South Kensington, com uma tradição cultural muito mais consolidada, Millbank foi o local escolhido para a construção da Galeria em 1892, com um projeto do arquiteto Sidney R. J. Smith, do qual o núcleo principal se mantém edificado até hoje. Smith, sempre com o apoio de sugestões feitas pela Royal Academy, apresentou vários planos para a Galeria, cujo desenho definitivo seria publicado no The Art Journal (Taylor, 1994). A construção da Galeria nessa área ganhou maior adesão quando foi anunciado que ia ser utilizada mão de obra anteriormente desempregada. A origem da Tate prendeu-se assim, não só com um projeto independente de salvaguarda de arte nacional, mas também com um projeto de cultura associado à reabilitação de uma zona em decadência na cidade de Londres, aspeto que foi explorado em todas as situações em que a Tate veio a construir novas galerias em Liverpool em 1988, em St Ives em 1993 e em Londres em 2000. A 10 de agosto de 1893 foi assinado o acordo de compromisso entre Henry Tate e os Commissioners of Her Majesty’s Works and Public Buldings, no qual o primeiro se comprometia a custear na totalidade a construção de uma galeria de arte britânica:

Whereas the said Henry Tate has proposed to erect at his own cost a suitable building as a National Gallery of British Art in all its branches provided a site for the same to be supplied and to present certain pictures forming part of his collection to the Nation to be preserved in such a Gallery (Agreement as to Erection of a Gallery of British Art 10th August 1893)

Tate tinha recomendado ao Governo que a Galeria não tivesse o seu nome e foi, por sua sugestão, chamada National Gallery of British Art, at Millbank e a sua construção tinha como objetivo a criação de um espaço para a exibição de arte britânica não numa linha histórica mas sim a sua produção moderna. A 6 de novembro de 1894 foi assinado o Deed of Gift86, ou seja, o contrato de

85 Ciezskowsk (1986: 38-43) faz um percurso pela história da penitenciária de Milbank quer em termos do desenho arquitetónico inspirado nas conceções panópticas de Jeremy Bentham, quer em torno das problemáticas que se geraram em redor deste modelo de prisão. 86 Deed of Gift of a Collection of Pictures. Henry Tate, Esq to the Trustees and Director of the National

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doação das obras de Henry Tate ao Estado, neste caso, ao diretor e trustees da National Gallery, documento do qual consta uma lista de 61 obras de pintura e uma estatueta. No ano seguinte, a 6 de Setembro, foi lavrado o documento87 de alocação das terras de St George’s Barracks em Millbank para a construção da Galeria e as obras avançaram a um ritmo que permitiu mostrar o edifício a responsáveis da Architectural Association e, no final de Maio de 1897, estava concluído, numa área que permitia alargamentos futuros88.

2.4. A National Gallery of British Art

A Galeria abriu oficialmente a 21 de julho de 1897, na presença do Príncipe de Gales, futuro rei Edward VII, e para o público em geral a 16 de agosto desse mesmo ano, com o nome The National Gallery of British Art. Henry Tate assistiu à abertura da Galeria à porta da qual ofereceu ao futuro monarca uma chave em ouro para que este a abrisse (Spalding, 1998: 21). Sidney Smith tinha dado continuidade à linha arquitetónica da National Gallery e, com a entrada enquadrada por um pórtico e uma cúpula central, a sua arquitetura assemelhava-se a um palácio ou a um templo, o tipo de edifícios que transmitiam tradição, permanência e autoridade, valores essenciais a uma galeria nacional. A presença, no topo, da estátua de Britannia rodeada pelo leão e o unicórnio reforçavam o caráter nacional da sua missão. A coleção exposta era constituída por 63 quadros a óleo, 2 aguarelas e 2 esculturas doadas por Henry Tate, às quais ainda juntou mais 2 óleos e uma estatueta em mármore.

Gallery, 6 November 1894. 87 Memorandum of Arrangements made with the consent of the Lords Commissioners of Her Majesty’s Treasury for the transfer of land at Millbank to the Secretary of State for the War Department and the surrender of Her Majesty of part of St Georges Barracks 6 September 1895 88 As principais intervenções para alargar e melhorar a Galeria em Millbank iriam verificar-se imediatamente após a sua abertura e ao longo de todo o século XX: logo em 1899 uma primeira intervenção criou mais oito salas (para quase duplicar o seu espaço); em 1910 foi construída a Turner Wing; em 1926 foram construídas as galerias para exibir arte internacional; em 1937 novas galerias foram criadas para alojar a coleção de escultura, em 1979 deu-se a construção do North East Quadrant, em 1987 a construção da Clore Gallery teve com o objetivo proporcionar um espaço mais digno para a obra de Turner; em 2001 foi concluída a construção de mais 10 salas no âmbito do Centenary Development e em 2013 o Millbank Project, com mais espaços para os Members e para exibição.

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Em 1900 a sua esposa doou mais uma pintura a óleo. Também continha cerca de 85 obras do Chantrey Bequest, algumas delas adquiridas nas Summer Exhibitions da Royal Academy, 19 obras da doação do artista G.F. Watts e 44 obras da doação Vernon e um conjunto de noventa e seis quadros de pintores ingleses nascidos após 1790, o limite temporal que o diretor e os trustees da National Gallery tinham acordado para considerar as obras ‘modernas’ (National Gallery Board Minutes, 4 May 1897: 393- 397). No entanto, por vontade de alguns trustees, obras de Constable, Turner e David Wilkie foram cedidas por empréstimo à nova Galeria para que esta pudesse atrair visitantes no início do seu funcionamento, mas na condição de voltarem a Trafalgar sempre que fosse necessário. Possuía também quadros importantes como Ophelia de Everett-Millais e outros de Ford Madox Brown, Cecil Lawson, Dante Gabriel Rossetti, Constable e Watts, mas não existia qualquer representação da obra de Wiliam Turner (Rothenstein, 1962: 9). Todas estas obras estavam dispostas em separado, o que permitia perceber que ainda não existia uma visão intergrada de coleção tentando manter-se a ligação aos seus anteriores proprietários e preservar o caráter filantrópico da origem das mesmas que, no fundo, foi a matriz de criação não só desta mas de uma grande parte das galerias de arte e museus britânicos no século XIX. A sua limitada coleção permitiu, no entanto, a elaboração de A Popular Handbook to The Tate Gallery: National Gallery of British Art (Cook, 1898), o primeiro guia da Galeria publicado pela MacMillan, que já começava a tirar partido do crescente número de visitantes que visitava Millbank. A tentativa de criar uma coleção nacional de arte britânica surgiu assim de uma amálgama de obras provenientes do gosto de diferentes colecionadores particulares e, em boa medida, não tendo grandes obras de vulto, foi sendo constituída por tudo o que era doado à National Gallery e que era rejeitado sob o argumento de que não havia espaço suficiente para exibir ou que não se incluía na sua missão ou na sua linha cronológica. Sob a administração da National Gallery, cujo Board passou de seis para oito elementos dada a responsabilidade de gerir duas galerias, e com grande influência da Royal Academy, prevaleceu nas escolhas para a National Gallery of British Art uma visão limitada para uma coleção de arte nacional moderna e contemporânea e sem coordenadas sólidas a nível geográfico, artístico e temporal, o que diminuiu as possibilidades de desenvolvimento de uma identidade para Millbank como galeria de arte britânica por falta de uma coleção coerente e representativa da arte nacional. 115

Um problema muito evidente desde o início foi o número de visitantes, que excedeu as previsões e que enchia a Galeria diariamente exceto às terças e sextas-feiras, dias reservados aos estudantes e com entrada paga para o restante público, o que acabava por afastar um grande número de visitantes que vinha ver as obras nos dias com horas de entrada gratuita. Logo no ano de 1897 o número de visitantes em Trafalgar foi de 423.421 nos dias úteis (mais 32.876 nos 26 domingos em que a Galeria esteve aberta); o número de visitantes em Millbank foi de 104.275 nos dias úteis desde 16 de agosto (mais 19.955 nos 6 domingos desde a sua abertura (Annual Report of the Director of the National Gallery to the Treasury, for the Year 1890, 1891: 13). Henry Tate continuou a patrocinar a Galeria, que visitava regularmente aos sábados à tarde, contudo, não sobreviveu à primeira extensão da mesma tendo falecido a 8 de dezembro de 1898. Para permitir que mais visitantes fossem a Millbank, muitas obras da National Gallery foram para aí transferidas logo no ano de abertura, deixando mais espaço para as que ficavam em Trafalgar, nomeadamente obras da escola francesa e espanhola. Nesse ano foram para Millbank 91 obras de pintores ingleses nascidos após 1790 e os relatórios da National Gallery relativos à primeira década da galeria em Millbank dão conta, acima de tudo, de transferências de obras. Um memorando89 não datado, anexo a documentação do ano anterior ao da abertura da National Gallery of British Art, apresentava os critérios tidos em conta para a transferência de obras, salvaguardando nitidamente a posição de Trafalgar:

It seems to us that there are three principles by which we should be guided. 1.That we should so far as possible avoid denuding the wall of the Trafalgar Square Gallery of the great masterpieces which have until now hung there. 2.That only the pictures which belong clearly to the British modern school should be removed. 3.That we should endeavor to avoid a section, which upon the face of it, bears the appearance of having been dictated by a desire to send only inferior works of art to the new Gallery. (…) In order however to assist the Millbank Gallery we see no reason why it should not be allowed to have a certain number of Constables, and some Wilkies. Constable is numerously represented and the loss of a few of his works would not be felt. The Gallery is also rich in Wilkies, and his later works are generally admitted to have a greater affinity, than his earlier ones, with the modern school. With this proposal we couple the suggestion that of the Landseers, of which there are a

89 Redigido por Lord Landswone, A. Rotschild e Sir Charles Tennaud ao qual foi anexada uma lista dos quadros a enviar para Milbank, da qual constam 6 de John Constable, 7 de Edwin Landseer e 2 de David Wilkie.

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large number, some should, in spite of the fact that Landseer is undoubtedly modern, remain in Trafalgar Square.

Podemos considerar que, no início, as tentativas de construir uma identidade para a National Gallery of British Art foram no sentido de a articular por oposição às instituições que a tutelavam, principalmente a National Gallery em Trafalgar, em relação à qual dependia para a nomeação do Keeper, a aquisições ou transferência de obras e, não menos importante, a Royal Academy, que administrava o Chantrey Bequest e tinha membros seus no Board da National Gallery que exerciam poder decisório a vários níveis, nomeadamente estético, o que definia limites apertados no campo das aquisições, e consequentemente da representação, em Millbank. O fundo Chantrey para compra de arte nacional constituía um enorme constrangimento porque como a sua gestão estava a cargo da Royal Academy as obras eram adquiridas sem que alguém em Millbank fosse chamado a pronunciar-se sobre a matéria, contudo, quando adquiridas elas passavam a ser propriedade desta Galeria, independentemente de concordar ou não com a sua compra. A par deste conflito de interesses e poderes, a National Gallery of British Art também se confrontou com desafios colocados pelo facto de outros museus e galerias em Londres exibirem arte britânica em coleções mais completas, em projetos mais consolidados e com um prestígio conquistado há mais décadas. A Tate tinha dificuldade em competir com o British Museum90 e o Victoria and Albert Museum91 cujas coleções tinham obras representativas da arte britânica que atraíam visitantes em número considerável. Além desta vantagem gozavam de maior autonomia de gestão e usufruíam de apoios consideráveis do governo para aquisições. Ambos tinham uma localização privilegiada na cidade, o que facilitava a deslocação de visitantes. O Victoria and Albert Museum gozava da proximidade do Science Museum e do Natural History Museum,

90 O British Museum abrira 150 anos antes da Tate e captava grandes quantidades de visitantes atraídos pela sua coleção, principalmente pelas peças da cultura egípcia e, na visita, contemplavam também arte britânica. 91 O Victoria and Albert Museum, com este nome a partir de 1899, existia, ainda que com outra configuração, desde o início do século e, com um enquadramento mais próximo do habitual, desde 1851, com os objetos da Great Exhibition e com uma vocação para as artes decorativas, que atraía o público para o design e a arte nacionais. Integrava-se inclusivamente no projeto de apoio às artes decorativas e de modernização do design industrial britânico, recebendo considerável apoio do Estado a nível financeiro para o seu desenvolvimento. 117

numa área de South Kensington que se estava a constituir como um quarteirão de museus; o British Museum tinha uma localização privilegiada quer em relação à rede de transportes quer em relação a outras atrações. Não ficava muito longe de Covent Garden, uma zona tradicionalmente ligada ao entretenimento, ou até da National Gallery e tinha por perto Oxford Street e Regent Street, já a afirmarem-se como artérias da cidade ligadas ao consumo. Em 1901 abriu a Whitechapel Art Gallery92, que se afirmou como um novo foco de cultura, com práticas de exibição mais inovadoras e mais aberta à arte britânica contemporânea e, nas primeiras décadas do século XX, às vanguardas artísticas europeias. Teve luz elétrica muito antes da National Gallery of British Art, o que lhe trouxe vantagens a vários níveis: por um lado permitia uma melhor visibilidade nos dias mais nublados e, por outro, e como consequência deste melhoramento, podia alargar o seu horário de entrada e atrair mais visitantes. A sua programação concorria com a de outras galerias que ofereciam a possibilidade de admirar arte de elevada qualidade como a Whitechapel Art Gallery. O seu mentor, o clérigo Samuel Barnett, fazia valer as boas relações que tinha com amigos influentes para apoiarem os eventos da galeria tornando possível ver nesse espaço quadros dos pré-Rafaelitas como Edward Bourne-Jones e Dante Gabriel Rossetti, que eram muito do gosto do grande público e cuja aquisição não era viabilizada pelo Board da National Gallery. As implicações de uma gestão conservadora e centralizada numa instituição da qual dependia verificavam-se obviamente na disponibilização de fundos para adquirir obras, questão que constituiu um dos pontos de maior fricção entre a National Gallery of British Art e a instituição que a tutelava. Um fundo para aquisições (purchase grant) só veio a ser concedido à Tate em 1946, pelo que Millbank sobreviveu essencialmente pela condescendência financeira da National Gallery e com os fundos do Chantrey Bequest93.

92 Foi mais uma galeria a contribuir para que a arte britânica contemporânea e internacional chegassem a uma zona desfavorecida. Abria das 10h às 22h e aos domingos das 14h às 22h, o que permitia o acesso à classe trabalhadora. Foi uma das primeiras galerias londrinas a mostrar Picasso, Rothko e Pollok e uma das principais divulgadoras de artistas africanos, indianos e sul-americano (Lorente, 1998: 12-121). Uma das exposições que marcou a sua programação foi Twentieth Century Art (1914). 93 A administração do Chantrey Bequest pela Royal Academy foi tudo menos isenta de controvérsia. O conservadorismo das escolhas foi sempre um dos pontos mais criticados assim como os critérios de

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O National Arts Collection Fund, criado em 1903 por D. S. MacColl e o crítico de arte Roger Fry, entre outros, teve um efeito pacificador nas fricções financeiras entre a National Gallery, a National Gallery of British Art e a Royal Academy na medida em que angariava fundos para ajudar museus e galerias a adquirir obras de coleções privadas que estavam em risco de ser vendidas a colecionadores ou instituições estrangeiros. A ação dos vários responsáveis nos seus primeiros anos também foi consideravelmente condicionada devido ao fato de não terem qualquer autonomia de decisão, sendo as suas funções praticamente confinadas ao zelo pelas obras e pelo edifício, o que era feito por um funcionário da National Gallery que ocupava o cargo de Keeper. , o primeiro Keeper, conseguiu exercer alguma influência no aumento da coleção com a aquisição94 de um conjunto de obras de arte de Alfred Stevens, um artista que tinha alcançado alguma projeção no contexto da arte vitoriana. Também a ele se deveu a supervisão de uma primeira extensão do edifício para mais nove salas, que ficou completa em novembro de 1899, fazendo desta Galeria a maior de Londres na época e gozando de grande popularidade junto do público, que já a tinha denominado ‘Tate Gallery’. Um fator que com o tempo se mostrou determinante na captação de visitantes foi a localização da Galeria, muito periférica em relação a outros pontos de visita da cidade, e que se acentuou quando uma ponte provisória que terminava praticamente em frente ao seu edifício foi demolida para a construção da Vauxhall Bridge. Ainda assim, foi tomada a decisão de instalar uma zona de refeições ligeiras, o que começava a revelar a noção de que o melhoramento do espaço era vital para atrair mais público. A coleção progredia a um ritmo lento porque os trustees da National Gallery se distribuição das obras pelas várias galerias. A National Gallery of British Art foi particularmente afetada por esta gestão, principalmente nos anos em que, dependente apenas do subsídio disponibilizado pela National Gallery, só teve verbas extra provenientes deste fundo, sob o qual não tinha qualquer poder decisório pois a disponibilização e uso das mesmas estavam dependentes da autorização do presidente e do conselho da Royal Academy. Só em 1922 a Tate teve possibilidade de intervir mais ativamente nesta matéria e apenas em 1949 conseguiu um acordo de gestão dos fundos muito mais favorável. 94 Nesta aquisição de obras de um artista pouco conhecido podemos já verificar uma marca que caracterizará muitas das escolhas da Tate ao longo do seu percurso, nem sempre presa à autoridade dos ‘mestres’ da pintura e na tentativa de divulgar nomes menos proeminentes da arte britânica mas que contribuíram para representar o seu tempo.

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mostravam relutantes em canalizar fundos para a aumentar e porque a sua formação e gosto estético direcionavam as suas escolhas para os Velhos Mestres da pintura e da escultura, não permitindo a nova Galeria evoluir no sentido da contemporaneidade tal como Henry Tate a tinha entendido, ou seja, através da mostra da atualidade da produção artística nacional. Ainda durante o período em que a Tate só tinha responsabilidades de colecionar arte britânica a dimensão histórica da coleção foi-se consolidando apenas com as transferências de obras da National Gallery enquanto a sua vertente moderna e contemporânea dependia da doação de Henry Tate e das aquisições feitas com o fundo Chantrey. D. S. MacColl, o segundo Keeper, teve uma consciência muito profunda de que o seu cargo não representava mais do que um braço da National Gallery a exercer a sua ação num espaço diferente, sem dinheiro para adquirir obras de arte e, como assistia às reuniões em Trafalgar ex officio, não tinha qualquer voto na política de aquisições. Durante a vigência do seu cargo um dos marcos mais importantes foi a abertura da Turner Wing em 1910 dedicada às obras de Turner, uma sala já a funcionar com luz elétrica que contrastava com as restantes onde só se podiam observar as obras com luz natural. A questão relativa à gestão das suas obras já tinha sido alvo de discussão pública através de cartas95 publicadas no Times entre 1906 e 1907 no sentido de respeitar o desejo do artista de as manter juntas e de se considerar que Millbank seria o melhor local para a sua exibição. MacColl tomou uma decisão importante no contexto da organização espacial das obras que consistiu na integração, pela primeira vez e com o consentimento da sua viúva, da doação de Henry Tate na coleção geral ao longo das várias salas e, já com uma noção muito clara que era importante dar destaque aos artistas do agrado do público, dedicou secções separadas a Alfred Stevens e aos Pré-rafaelitas (Report of the Director of the National Gallery for the Year 1907, with Appendices, 1908: 8). , o terceiro Keeper, iniciou funções em março de 1911 e, vindo da Whitechapel Art Gallery, da qual tinha sido diretor, já com iluminação elétrica, mostrou-se perplexo com o facto de na National Gallery of British Art o mesmo ainda

95 Em cartas dirigidas ao Times a 26 de junho de 1906, Lionel Cust (diretor da National Portrait Gallery), lamentava que o governo não apoiasse as obras de extensão da Tate para mostrar Turner que estava a ser negligenciado pela National Gallery por falta de espaço; de Sir W. B. Richmond, professor da Slade de 13.08.06 apoiando Cust; carta do colecionador de arte britânicaSir Hughes Gilzean-Read na qual referia que finalmente o Governo iria disponibilizar verba para as obras na Tate.

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não se verificar, o que afastava os visitantes da galeria muito cedo em dias com más condições de luminosidade, principalmente os pertencentes à classe trabalhadora, que vinham às horas de entrada gratuita, quase ao fecho, e tinham fracas condições para observar os quadros. Numa tentativa de fazer face às imensas restrições financeiras propôs também que o dinheiro obtido através das entradas e da venda de gravuras e catálogos fosse usado em aquisições. No sentido de colmatar as várias lacunas da sua coleção e de chamar mais visitantes, a National Gallery of British Art deu início em 1911 a uma tímida programação temporária, com a realização de uma ou duas exposições anuais, praticamente todas com obras cedidas por empréstimo. O programa não tinha nomes representativos da arte, mostrava obras em suportes considerados menores como a aguarela, o esboço, o desenho ou a gravura, mas foi possível ver exposições dedicadas aos pré-Rafaelitas em 1911 e 1913 e, também neste último ano, William Blake. Assinalamos neste ponto um desenvolvimento importante para a National Gallery of British Art que foi determinante para as suas práticas de aquisição e para a sua linha de representação e que se prendeu com a obrigatoriedade de integrar arte estrangeira na sua coleção a partir de 1917, apenas duas décadas após a sua criação como galeria de arte nacional. A questão já tinha um contexto delineado pela pressão surgida para a exibição de arte moderna estrangeira nas galerias nacionais e o principal problema colocava-se porque surgiam com mais frequência doações de obras às duas galerias não se sabendo exatamente que destino dar-lhes. Por um lado não se integravam nos limites temporais da National Gallery, em Trafalgar, por outro, deturpavam o sentido nacionalista que Henry Tate desejava para a Galeria que tinha fundado. Contudo foi difícil para a National Gallery of British Art, a partir do século XX, continuar a afirmar o caráter da sua coleção através de limites nacionais muito definidos com a vanguardas artísticas europeias a conduzir a arte para uma internacionalização através da experimentação de uma linguagem e códigos universais que não se enquadravam em definições nacionalistas de arte. A questão acentuou-se quando o comerciante e colecionador de arte Sir doou uma grande parte da sua coleção ao Estado (à Dublin Corporation), da qual faziam parte obras de Renoir e Manet, com o objetivo de ser construída uma galeria para exibir arte estrangeira. Entre 1913 e 1917 as negociações sobre o lugar onde as obras deveriam ser expostas tiveram um percurso acidentado entre a quebra do 121

compromisso de as exibir na Irlanda e a decisão final de as trazer para Londres para a National Gallery em 1917, espaço onde deveriam ser mostradas, mas no qual não lhes foi dada a visibilidade adequada (Spalding, 1998: 38-39). Esta controvérsia veio a chamar a atenção para o facto de se estar a tornar urgente a criação de um espaço para exibir arte moderna internacional, o que também tinha sido sublinhado nas sugestões feitas no relatório Curzon, iniciado em 1912. A ideia de atribuir à National Gallery of British Art a responsabilidade de integrar na sua coleção arte moderna e contemporânea estrangeira foi consequência de pressões várias de uma sociedade que estava a abrir-se à nova produção artística europeia e que revindicava um espaço em Londres para a sua representação e exibição vendo nesta Galeria o único espaço que oferecia a possibilidade de uma ligação à modernidade e contemporaneidade estrangeiras. Contudo, os planos para mais uma extensão da galeria foram interrompidos pelo início da Primeira Guerra Mundial e as prioridades tiveram de ser direcionadas para a salvaguarda das obras de arte. Antes do conflito algumas obras foram levadas de Millbank para galerias de província e a Galeria manteve-se aberta ao público até 1916 e um número maior foi retirado a partir de 1917 quando da intensificação dos ataques dos Zeppelin. Em março de 1918, o Governo requisitou o uso de espaço para pessoal e documentação, o que conduziu à transferência de mais obras. Durante o período do conflito o subsídio para aquisição de obras de arte foi suspenso e tanto a National Gallery como a National Gallery of British Art apenas conseguiram fazer crescer as suas coleções através de ofertas e donativos.

2.5. O relatório Curzon

Em 1915 foi publicado o relatório Curzon, um documento fundamental no qual se propôs que a National Gallery of British Art se tornasse uma instituição independente. O comité, nomeado em 1911, tinha como missão refletir e encontrar mecanismos relativos à retenção de obras de arte consideradas importantes para o país. Partindo de uma metodologia baseada no inquérito a vários diretores e conservadores de galerias, na análise dos benefícios fiscais às doações e nas condições de venda de quadros a compradores estrangeiros, o comité propôs uma racionalização das políticas de aquisição para as coleções da National Gallery, do Victoria and Albert Museum, do 122

British Museum e da National Gallery of British Art principalmente em relação à arte nacional e avançou com a proposta para esta última se tornasse sede de duas coleções: uma de arte britânica numa perspetiva histórica, ou seja com um alargamento temporal ao passado, e outra de arte moderna internacional. Os trustees da National Gallery, que também fizeram parte do comité, não viram com bons olhos a proposta relativa à coleção de arte estrangeira, argumentando que a influência das escolas modernas europeias sobre os artistas nacionais não seria benéfica. Com o título Report of the Committee of Trustees of the National Gallery appointed by the Trustees to enquire into the retention of important pictures in this country and other matters connected with the National Art Collections, with Appendices96, foi elaborado por um comité que incluiu os seguintes elementos: Earl Curzon of Kedleston (Chairman), Sir Edgar Vincent e Mr R. H. Benson (Trustees) e Sir C. Holroyd (Director), cujo trabalho envolveu reuniões com os responsáveis pelas principais coleções do país (British Museum, V&A, Tate Gallery, National Portrait Gallery, National Gallery of Ireland), e também com outros interessados nas coleções nacionais:

In the autumn and winter of 1912 we proceeded to take evidence, both orally and by means of written questions and answers from a number of gentlemen holding prominent positions in the art world and possessing a personal or official interest in the national collections. (Curzon Report, 1915: 3)

Os seus elementos fizeram propostas também noutros sentidos: revisão das medidas de restrição à saída de obras de arte do país, aumento do subsídio para aquisições, nomeadamente para a National Gallery, que geria duas coleções, revisão dos impostos relativos à posse e doação de obras de arte. Numa posição inovadora, o relatório já oferecia uma reflexão relativamente à colaboração do setor privado no patrocínio dos museus públicos:

So far we have been discussing increased Government assistance in various forms. We are conscious however, that the question may be asked whether private effort should not be invited to play its part in a policy of extended activity, and to provide a portion at least of the necessary funds. (Curzon Report, 1915: 17)

Foi sugerida a elaboração de um registo nacional confidencial de obras de arte sob a

96 Para efeitos de simplificação será tratado pelo título através do qual sempre foi conhecido, Curzon Report.

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guarda dos Trustees e do diretor da National Gallery (Curzon Report, 1915: 19) e, referindo-se especificamente ao caso da Tate, a comissão apontou os escassos meios financeiros canalizados pelo Estado para o alargamento da coleção:

The most striking feature of these calculations is undoubtedly the exiguous and almost inappreciable contributions that have been made by the State. (…) This has been due to a number of causes: partly to the extreme inadequacy of the Parliamentary grant at present made to the Trustees of the National Gallery; partly to the complete dependence of the Tate upon the latter, and the natural and perhaps inevitable subordination of the interests of modern painting to the claims of older art and classical masterpieces;… (Curzon Report, 1915: 27-28)

Num excerto da entrevista com Sir Charles Aitken, chamado ao comité no dia 26 de novembro de 1912, lia-se a opinião de quem já reconhecia a necessidade de separar a administração das duas galerias:

216. Now we come to questions on which you are peculiarly well qualified to advise. Are you in favour of separating the administration of the National Gallery from that of the Tate Gallery and placing the latter under a Board of Trustees of its own? – In view of the large amount of business connected with the Tate Gallery, an amount which is growing, and if the gallery is to advance, should increase very largely, it is essential that there should be a separate Body of Trustees for the Tate Gallery. (…) 217. When you recommend, as you have done, a separate Board of Trustees of the National Gallery, have you considered that the present Trustees of the National Gallery should supply a certain proportion of that Board? – Yes, a committee of them with additions to their number is what strikes me as desirable. 218. Is it your idea that the Director of the National Gallery would still remain in complete control of the Tate Gallery as he is now, or would the Keeper of the Tate Gallery blossom into a Director? – It would depend on the amount of the business connected with the National Gallery. (…) I think it advisable that there should be separate Directors. (Chairman.) Have you formed any definite idea as to that, Sir Charles? (Sir Charles Holroyd.) Yes, I have. I think it would be a great advantage if there were a separate Director of the Tate Gallery. I do not think the Director of the National Gallery can give as much time as he would wish. All the six years I have been Director, I have not been able to give as much time to the Tate Gallery as I should wish. (Curzon Report (annex with interviews), 1915: 21-22)

Um dos resultados práticos do relatório foi a criação do cargo de diretor da Galeria e do seu próprio Board of Trustees (ao qual ainda pertenciam três Trustees da National Gallery), que reuniu pela primeira vez a 3 de abril de 1917, depois de o Tesouro ter determinado a sua composição e competências:

The First Lord calls the attention of the Board to the letter dated 22nd September, from the

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Trustees of the National Gallery recommending the establishment of a separate Board of Trustees for the National Gallery of British Art, Millbank (Tate Gallery). He is further of the opinion that it would be advisable to inaugurate the new system without further delay as recent gifts and bequests have materially increased the importance of the collections at the National Gallery of British Arts. In Mr Lloyd George’s opinion the new Board should consist of not more than ten members of whom the Director of the National Gallery for the time being and the Keeper of the National Gallery of British Art for the time being. (…) There should also be on the new Board no less than three representatives from among the Trustees of the National Gallery (…). For the other places on the Board the First Lord considers that a selection should be made of gentlemen with a knowledge of or interested in modern and contemporary art (…). The new Board should, the First Lord recommends, have authority t acquire British paintings produced within a limit of 100 years before the date of acquisition as well as British drawings and sculpture of any period. All the existing property and future acquisitions of the National Gallery of British Art will remain, as now, vested in the Trustees and Director of the National Gallery who will continue to have the right both to requisition any pictures at Millbank which may desire to exhibit at the National Gallery, Trafalgar Square and to transfer any pictures of the British School from Trafalgar Square to Millbank. (Treasury Minute dated March 24th, 1917)

Numa ata97 posterior, de 6 de julho de 1917, o Tesouro propôs que, para que houvesse maior representação de artistas no Board, este passasse de 10 para 12 trustees. O novo Board passou a ter a seu cargo a gestão da galeria e do pessoal, mas, financeiramente, continuava dependente da National Gallery, à qual continuava a pertencer a coleção e a sua administração. Três membros do Board da Tate eram trustees da National Gallery. Uma outra consequência do relatório foi a decisão de alargar a linha temporal da coleção nacional dando-lhe uma vertente ‘histórica’, passando a começar em 1500, o que contribuiu para uma perda da identidade da Galeria ligada à contemporaneidade nacional. Graças aos efeitos produzidos por este relatório mais de 200 obras de arte foram transferidas em 1919 de Trafalgar para Millbank, incluindo Marriage à la Mode de Hogarth, uma obra importante para a coleção permanente. Consideramos que uma consequência positiva deste documento foi uma maior visibilidade dada a Milbank nos relatórios anuais do Board de Trafalgar. No relatório de 1918 da National Galery deu-se pela primeira vez destaque à National Gallery of British Art, numa secção mais detalhada e em separado em cuja introdução existem referências às conversações com os membros da Royal Academy98 no sentido de conceder uma

97 Treasury Minute dated 6th July 1920. 98 A Royal Academy, exercia o seu poder e influência através da National Gallery. Por ser administradora

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maior autonomia à Galeria:

Conferences were held between Members of the Board and representatives of the Royal Academy to consider provisional arrangements for dealing with Works of art purchased by the Council of the Royal Academy under the Chantrey Bequest. A temporary arrangement was agreed to under which the Council will in future, before exercising its powers of purchase, invite the Board to express its opinion on any proposed acquisition. The Board will further, from time to time, suggest to the Council works by living or deceased artists which they regard as desirable acquisitions; and periodical meetings of the Chantrey Trustees, the Academy Council, and the Tate Gallery Trustees, will be held to consider the position and progress of the collection. (Report of the Director of the National Gallery Report, for the Year 1918, 1919: 9)

Em 1920, num passo importante para a reconstrução da identidade, a Galeria passou a chamar-se National Gallery, Millbank99. A remoção de ‘British Art’ justificou-se devido à sua nova responsabilidade de colecionar arte estrangeira, ainda que a distribuição das obras estrageiras entre as duas galerias fosse confusa e as frequentes transferências entre elas resultassem, em determinados períodos, numa localização incerta das obras. Apesar destes pequenos passos no sentido de adequar o nome da Galeria às reconfigurações da sua missão, o desenvolvimento da coleção de arte moderna internacional progredia a um ritmo lento e pouco linear, não só devido à escassez de fundos mas principalmente devido a um conservadorismo estético que persistia nas políticas de aquisição da National Gallery. Em 1918, por exemplo, quando a coleção de Degas em Paris foi posta à venda, C. J. Holmes, o então diretor da National Gallery, recusou comprar Cézanne, o que revelou a considerável resistência em aderir às correntes artísticas modernas e ao abstracionismo. De notar que, e de acordo com o termo que também é usado nos relatórios da Galeria até bem depois dos anos 50, usamos o termo ‘coleção de arte moderna internacional’ porque não havia uma noção definida de uma coleção com várias vertentes. Havia sim o pressuposto de que a National Gallery of British Art era uma galeria de arte britânica à qual o Estado tinha pedido também que constituísse uma coleção de arte internacional e outra de escultura. Consideramos que os conflitos relacionados com a criação de uma identidade para a Galeria a partir da sua coleção tiveram origem neste periodo pelas

do fundo Chantrey, continuava a ter direito de veto em muitas decisões do Board da Tate. Considerava, no entanto, algumas possibilidades de inovação na gestão da Tate e, numa reunião de 6 de junho de 1920, chamou a atenção para a necessidade de integração de artistas no seu Board. 99 Report of the Director of the National Gallery for the Year 1920, With a Supplement, 1921, p. 6.

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dificuldades em defini-la e por esta nova atribuição ter tido efeitos que resultaram num ‘afastamento’ da sua missão nacional. A aquisição de obras passou a ter em conta mais vertentes e, e por resistências várias, nunca partiu da noção de uma coleção mas sim de três (nacional, internacional e escultura), que eram tratadas de forma distinta e não de acordo com uma visão integrada das obras. A ideia de ‘coleção’ só veio a concretizar-se cerca da década de 70 quando foi possível consolidá-la em termos de número e de representatividade, no entanto, as inúmeras dificuldades em exibi-la nomeadamente através de práticas que oscilaram entre separar a vertente nacional da internacional ou de as colocar em diálogo, demonstra que a questão nunca se mostrou pacífica. Alguma resistência também se verificou por parte da viúva de Henry Tate, que não se mostrou muito recetiva à inclusão de arte estrangeira na Galeria por estar a desvirtuar a vontade do marido de exibir arte nacional, no entanto, as cláusulas de doação da coleção não comprometeram as galerias construídas em 1920 por Sir Joseph Duveen para mostrar arte estrangeira, porque eram extensões do edifício original. Depois da Guerra, a Galeria abriu em pleno em 1921 com uma renovação do espaço, sem a decoração com brocados, com a exibição das obras sob fundos mais neutros (Spalding, 1998: 40) e com uma maior representação de pintura estrangeira, principalmente do Impressionismo, o que não significou obrigatoriamente uma adesão plena à modernidade por parte quer do Diretor quer dos Trustees. Nesse mesmo ano C.J. Holmes, agora Diretor da Tate, rejeitou o empréstimo de dois Cézanne da colecionadora Gwendoline Davies e, posteriormente, continuou a recusar comparar ou receber obras deste artista que só em 1929 foram expostas nas paredes de Millbank. A situação relativa à pintura francesa moderna só começou a alterar-se com a pressão exercida por patrocinadores de arte que insistiram em dar-lhe visibilidade, quer através da disponibilização de fundos para aquisições quer do empréstimo das suas coleções. Em primeiro lugar, o Courtauld Fund100, criado em 1923 pelo industrial têxtil Samuel Courtauld, para financiar arte impressionista e pós-impressionista para as coleções nacionais, e que permitiu à Tate adquirir obras de Manet, Monet, Cézanne, Bonnard, Sisley, Renoir, Pissarro, Toulouse-Lautrec, Degas e Utrillo, além de um dos Girassóis de Van Gogh e de uma obra-chave do Pós-Impressionismo, Bathers, Asnières, de Seurat. Em segundo lugar através da coleção de arte francesa de William Burrell, que foi exposta na Tate em 1924.

100 A lista de artistas que deveriam ser contemplados pelo fundo está inventariada em Korn (1996: 256).

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Estas iniciativas mostraram grandes fragilidades na representação de arte internacional. Por um lado persistiam resistências, apesar do determinado no relatório Curzon, em relação à aceitação da modernidade internacional e das suas tendências abstracionistas, o que limitou mais as decisões aquisitivas do que propriamente as contingências financeiras. Por outro, a grande pressão de um público que exigia mais arte estrangeira nas suas galerias obrigava a Tate a organizar exposições que dependiam consideravelmente de outras instituições assim como de fundos e obras de patronos e colecionadores para poder apresentar alguma inovação na sua programação. Em 1926 abriram no edifício em Millbank as Sargent Galleries, para exibir arte moderna estrangeira, o que permitiu com obras do Courtauld Fund e do Lane Bequest, apresentar uma perspectiva mais alargada e completa dos movimentos artísticos internacionais do final do século XX e do início do século XX quebrando um pouco do conservadorismo assumido pelo Board da Tate na década anterior. Queremos realçar que a abertura destas salas foi o início de uma série de tentativas para fazer face à difícil questão de exibir uma coleção com duas vertentes tão diferentes. Os vários esquemas de exibição postos em prática ao longo de quase um século demonstraram a dificuldade em articular no espaço existente dois sistemas de representação tão distintos. Apesar deste acontecimento, as suas políticas de aquisição ao longo de toda a década de 30 continuaram a revelar uma tímida capacidade de aceitar a arte moderna e contemporânea nacional e internacional no seu espaço, assumindo a constituição de uma coleção subjugada a uma noção de cânone associada à representação do figurativo. Este compromisso com a figuração estava patente nas suas escolhas quer para a mostra permanente quer para o programa temporário, que teve como exposições de maior sucesso a que foi dedicada a Richard Wilson em 1925, a que comemorou o centenário do nascimento de Edward Bourne-Jones em 1933 e o da morte de Constable em 1937. Era sistemática a recusa de obras de arte quer modernas quer contemporâneas, tanto por empréstimo quer por doação, o que conduziu, por exemplo, à não aceitação de obras de aristas internacionais como Matisse, mas também dos britânicos Henry Moore, William Coldstream e Frances Hodgkins. Os resultados do relatório Curzon, a Primeira Guerra Mundial e os desenvolvimentos que se lhe sucederam a nível social, económico e cultural foram determinantes para que na Tate Gallery se reconhecesse a necessidade de mudar o rumo de algumas das suas práticas principalmente devido às transformações que estavam a ocorrer na cidade de Londres, em plena reconstrução e com o foco das galerias direcionado para a exibição 128

das vanguardas. A Guerra tinha fragmentado comunidades e identidades urbanas e a cidade estava a emergir dos destroços de forma consideravelmente diferente. Um dos fatores mais evidentes da experiência urbana durante o conflito foi o alargamento das perspetivas de relação da cidade com o Estado e com o país e da dimensão estratégica e internacional de muitas cidades, nomeadamente de Londres (Winter and Robert, 2007). A subordinação à National Gallery não permitiu à Tate uma evolução satisfatória para fazer face às exigências da sociedade e da cidade do pós-guerra. Tinha dificuldades em adquirir obras importantes e sofria a competição de outros museus e galerias que gozavam de mais autonomia para aquisições, gestão de pessoal101 e programação. Para além destes aspetos, o panorama cultural começou a sofrer transformações com o desenvolvimento de novas formas de entretenimento com a cultura, a informação e o entretenimento a tornarem-se bens mais acessíveis a setores mais amplos da população. A imprensa com seu apogeu nos anos 30 (Rance, 1997), a rádio, principalmente com o monopólio da BBC, atingiu um nível de difusão massificada do entretenimento e da informação nos anos 20, 30 e 40 (Giddings, 1997), e o cinema estava atrair milhões de espectadores que afluíam às salas para ver uma oferta apelativa e comercial de filmes produzidos em Hollywood com a qual o cinema britânico tinha que competir (Cooke, 1993). Com efeito, a National Gallery continuava a decidir os limites temporais da coleção de arte da National Gallery of British Art e, em 1927, num novo ajustamento da linha cronológica em Millbank, um acordo entre os trustees de ambas as galerias definiu que pintura britânica ‘moderna’ passava a ser constituída por obras de artistas nacionais nascidos depois de 1870, o que mantinha os quadros de Turner e Constable em Trafalgar Square. Quando James Mason entrou para a Tate em 1930 para assumir a direção olhou com preocupação para a pobreza da coleção, que a colocava em visível desvantagem em relação a outros museus e galerias nacionais e internacionais, nomeadamente os americanos. O boom de museus norte-americanos tinha dado origem ao Museum of Modern

101 Uma das principais preocupações relativas ao pessoal prendia-se com o facto de muitos funcionários serem ex-combatentes, o que representava uma força de trabalho pouco dinâmica e com problemas físicos e psicológicos. 129

Art102 (1929), ao Whitney Museum of American Art (1930) e ao Frick Museum (1931), o que representava uma enorme capacidade aquisitiva por parte dos americanos principalmente em arte do século XX, e um acréscimo de prestígio para o panorama cultural norte-americano, desviando a atenção do público para aquele país. Noções de flexibilidade trazidas pelas exposições universais estavam a ser postas em prática nos Estados Unidos, nomeadamente pelo MoMA, com o objetivo de mostrar arte contemporânea sob formas inovadoras fora da arquitetura palaciana dos museus europeus do século XIX. A estética do “cubo branco”, uma nova prática de exibição, permitiu criar espaços neutros no qual a concentração na obra de arte era o principal foco e não as características arquitetónicas da sala onde era exibida (Giebelhausen, 2011, 232-233) Em Londres, várias galerias estavam a exibir Cézanne, Matisse, Picasso e Van Gogh enquanto os Trustees da National Gallery os continuavam a ignorar. Manson observava também que a intransigência dos trustees estava a comprometer a atualização da coleção de arte britânica ao recusar por várias vezes obras de Henry Moore e de outros artistas contemporâneos, que estavam a desenvolver um trabalho inovador. A arte internacional, apesar da abertura das galerias de arte estrangeira, ainda tinha uma representação muito reduzida em Millbank. Foi, no entanto, possível ver pintura e escultura jugoslavas em 1930, ano no qual também se mostraram obras de Bernardo Quirós sobre a vida gaúcha e de Camille Pissarro. Em 1932 a galeria passou a chamar-se oficialmente Tate Gallery, nome pelo qual sempre fora conhecida. Em correspondência enviada para J.B. Manson, Keeper e diretor da National Gallery of British Art, dá-se conta da mudança de nome para “Tate Gallery”, nomeadamente uma nota do Keeper da National Galery, de 17 de novembro de 1932, na qual informa da decisão do Board:

Dear Mr Manson, At the Meeting of the Board of the National Gallery on November 8th last I communicated to the Trustees the decision of your Board that the National Gallery of

102 Lorente (2011: 127-162) descreve o contexto de criação do MoMA que correspondeu a um período em que os museus europeus de arte contemporânea, nomeadamente o Musée do Luxembourg em Paris, estavam em decadência e que, nos Estados Unidos, patronos abastados e ligados aos frutos do desenvolvimento industrial, estavam a adquirir arte moderna e contemporânea financiando a construção de museus e de galerias de arte, no sentido de projetar Nova Iorque como uma capital de arte a nível mundial.

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British Art, Millbank, should, henceforth be known as the Tate Gallery. My Board heard the decision with much satisfaction. (Note from the Keeper of the National Gallery, 17 November 1932).

Já circulava entre os Trustees a ideia de que o nome da Galeria não era conveniente, não dignificava a doação de Henry Tate e causava confusão entre a National Gallery em Trafalgar e a National Gallery em Millbank103, no entanto, a decisão não foi mais do que a legitimação de uma situação que se verificava desde a sua abertura104. Um outro desenvolvimento importante deu-se no ano de 1935 com a instalação da luz elétrica em todo o edifício, o que permitiu alterar a hora de encerramento para as 17h, abrindo a possibilidade à população que trabalhava até mais tarde de visitar a Galeria. A necessidade constante de melhorar serviços e condições de exibição colocava-se aos Trustes da Tate Gallery através da criação de opções de mostra de arte na cidade que estavam a dividir o público por mais espaços. Em 1932 abriu o Courtauld Institute of Art105, especializado no ensino da história de arte e sua galeria, a Courtauld Art Gallery, oferecia uma coleção de obras impressionistas e pós-impressionistas que a Tate não tinha e da qual faziam parte quadros de Manet, Monet, Pissarro, Degas e Cézanne. Também eram exibidos van Gogh, Gauguin, Seurat, Toulouse-Lautrec, Rousseau e Modigliani, precisamente os artistas que representavam lacunas na coleção de arte internacional da Tate. Fazendo aumentar a desvantagem em que a Tate já se encontrava,

103 Documentado em cartas para Manson de D’Abernon de 30 de julho de 1932 e de Lee para D’Abernon de 28 de julho de 1932. Curiosamente, numa carta enviada a Henry Tate por James Balfour a 5 de junho de 1897 já surgia o nome “Tate Gallery”. 104 Na ata da reunião do Board da National Gallery de 6 de julho de 1897 as referências à Galeria no texto alternam entre ‘National Gallery of British Art’ e ‘Tate Gallery’, o que dá conta do que era a denominação oficial e o nome pela qual era identificada e que estava associado ao seu patrono (Minutes of a Meeting of the National Gallery Board held on a Tuesday 6th of July 1897, pp. 5-6). 105 Foi constituído pelos esforços, dinheiro e obras do filantropo, industrial têxtil e colecionador Samuel Courtauld, do diplomata e colecionador Lord Lee of Fareham e do historiador de arte Sir Robert Witt. Esteve até à década de 80 no nº 20, Portman Square em Londres e só em 1989 veio para o edifício atual em Somerset House. O Courtauld Institute foi responsável pela formação de muitos diretores que assumiram funções em vários museus e galerias londrinos como o Victoria and Albert Museum, o British Museum, a National Gallery e a Tate Gallery, sendo Nicolas Serota, o atual diretor, um dos seus ex- alunos. Em Samuel Courtauld’s Collection of French 19th Century Paintings and Drawings (1976), publicada pelo Arts Council, além de uma biografia de Samuel Courtauld está descrita a constituição da sua coleção e a sua visão sobre o colecionismo.

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o crítico de arte Roger Fry morreu em 1934 e o Courtauld Institute of Art recebeu a sua coleção de arte assim como outras doações que contemplaram obras de Cranach, de Rubens e alguma pintura italiana renascentista, Brueghel, Van Dyck e Tiepolo. Entre a década de 70 e a atualidade a coleção do Courtauld Institute of Art foi enriquecendo em obras dos séculos XIX e XX e sempre constituiu uma oferta de arte internacional em concorrência tanto com a Tate como com a National Gallery. No sentido de promover e publicitar a Galeria, iniciaram-se em 1932 conversações com o London Underground para que surgissem cartazes alusivos à Tate no metro, o que revelou da parte dos seus responsáveis a consciência de que divulgar a sua imagem era essencial para que conseguisse visibilidade numa cidade onde os museus e galerias mais procurados e os locais de entretenimento não estavam próximos de Millbank (Spalding, 1998: 65). Para reforçar a posição da Tate como colecionadora de escultura, abriram em 1937 as galerias de escultura patrocinadas por Lord Duveen, para as quais foram transferidas por empréstimo obras de Rodin vindas do V&A assim como de um torso de Ivan Meštrović (Spalding, 1998: 68). Esta foi uma das últimas intervenções feitas em Millbank antes de um longo período sem obras que só foi interrompido no final da década de 70 com a extensão possibilitada pela disponibilização de espaço do Queen Alexandra Military Hospital. A chegada de para assumir a direção da Galeria em 1938 constituiu um momento de mudança. Com raízes familiares ligadas à arte, principalmente através do seu pai, William Rothenstein, autor de Jews Mourning in a Synagogue, quadro que faz parte da coleção da Tate, tinha uma experiência consolidada por um trabalho em galerias fora de Londres, principalmente em Leeds e Sheffield. Quando iniciou as suas funções na Tate, o novo Diretor reorganizou o alinhamento dos quadros de arte britânica, dando-lhes uma lógica mais coerente e mais visibilidade. Ainda assim, e não escondendo o seu apreço pela arte nacional na qual investiu mais, mostrou maior resistência em incluir mais arte abstrata estrangeira na coleção (Rothenstein, 1966). Nesse mesmo ano, e com a sombra da guerra a pairar, a Tate foi novamente obrigada a enviar muitas das suas obras para fora de Londres106, acabando posteriormente por ser

106 Os lugares iniciais foram casas senhoriais ou castelos: Eastinton Hallem Upton-upon-Severn; Helens at Much March em Gloucestershire e Muncaster Castle em Cumberland, este último o que menos

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encerrada. Durante a Guerra o edifício em Millbank sofreu graves danos causados pelos bombardeamentos nomeadamente nas paredes laterais e na cúpula. Em meados de 1940, a extensão dos estragos e a impossibilidade de manter a Galeria aquecida inviabilizou qualquer hipótese de aí se trabalhar, fazendo deslocar a base administrativa e a Direção para o castelo de Sudeley, de onde a atividade passou a desenvolver-se nas poucas vertentes possíveis: controlar as condições de conservação das obras nos refúgios temporários e administrar a crescente quantidade de obras doadas, o que estava a fazer com que a coleção aumentasse mais do que em qualquer período anterior (Spalding, 1998: 87-88). Em 1939 ainda foi possível realizar em Millbank uma exposição fotográfica sobre pintura mural na Grã-Bretanha entre 1919 e 1939 mas, a partir a partir de 1941, a programação cingiu-se a pouco mais do que uma exposição por ano, realizada num espaço cedido pela National Gallery em Trafalgar ou transformada em exposição itinerante a circular por várias cidades, eventos apoiados pelo CEMA, Council for the Encouragement of Music and the Arts, uma organização criada em 1940 com o objetivo de elevar o moral da população através da arte e da cultura. Foi feita uma mostra dedicada a Walter Sickert em 1941; em 1942 foram feitas duas exposições sobre aquisições recentes; em 1943 uma dedicada a William Steer; em 1944 foram mostrados desenhos da coleção da Tate e também as suas mais recentes aquisições. A vertente nacionalista explorada na programação deste período justificou-se pelo contexto em que o país se encontrava mas foi abandonada logo após o conflito abrindo o seu programa temporário em 1945 com uma exposição dedicada a Paul Klee, realizada no espaço que lhe tinha sido cedido em Trafalgar, que resultou num enorme sucesso. Não interessava à Tate nem esquecer a sua missão relativa à arte internacional, nem o público que a apreciava nem as tendências de internacionalização das sociedades que o contexto geopolítico, económico e social do pós-guerra começava a criar. A Galeria reabriu parcialmente a 10 de abril de 1946 com seis salas reconstruídas e já com uma grande focagem na mostra de arte internacional, principalmente nos impressionistas franceses, aos quais tinha sido reservada uma sala. A sua programação também emergiu problemático se mostrou porque nas outras habitações o perigo de incêndio e as dificuldades em manter estáveis os níveis de humidade e a temperatura viriam a determinar a mudança para outras casas e também para os túneis da estação de metro de Piccadilly Circus.

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com outro folego: em 1946 realizaram-se exposições dedicadas a James Ensor, Braque, Roualt e Cézanne e, em 1947, a van Gogh e verificou-se que, foi a partir da segunda metade da década de 40 que a Tate começou a investir efetivamente num programa de exposições temporárias com alguma dimensão, quer em qualidade quer em quantidade. Entre 1946 e 1955, e excetuando o ano de 1949, a Galeria ofereceu, em média, cerca de seis exposições anuais, nas quais foi possível ver, a nível internacional, a obra de Chagall, Léger, Munch, Degas, Matisse, Renoir, Manet, Cézanne e Gauguin e, a nível nacional, a obra de William Blake, Turner, Paul Nash, Henri Moore, Graham Sutherland, Gainsborough, Ben Nicholson, os Pré-Rafaelitas e Hogarth (Spalding, 1998: 302-303). A realização destas mostras, ainda com muitas obras emprestadas, foi possível com o apoio logístico e financeiro do Arts Council, o organismo que substituiu o CEMA após a Guerra e através do qual a Tate viu concretizar a totalidade ou grande parte da sua programação temporária até 1968.

2.6. O relatório Massey

Não queremos terminar este capítulo sem fazer referência ao relatório Massey, um documento fundamental para o processo de autonomia da Tate Gallery e que reforçou muitas das propostas feitas no relatório Curzon. Elaborado em 1946, o novo relatório teve como objetivos os de, mais uma vez, reorganizar as coleções nacionais e refinar os mecanismos de articulação da atividade das respetivas galerias. Com o título The Report of the Committee on the Functions of National Gallery and Tate Gallery and, in respect of Paintings, of the Victoria and Albert Museum together with a Memorandum thereon by the Standing Commission on Museums and Galleries107, constituiu um dos primeiros passos das negociações conducentes ao National Gallery and Tate Gallery Act de 1954 e recomendava que a Tate fosse uma instituição independente, com a coleção à guarda do seu Board of Trustees, que não deveria estar subordinada à National Gallery e que deveria ser dividida em dois departamentos: The National Gallery of British Art of all periods e The National Gallery of Modern Art (Massey Report, 1946: 6-10). Com menor

107 À semelhança do Curzon Report, simplificamos o título deste documento no corpo do texto e nas referências das citações para Massey Report.

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benefício para a Tate, referia que deveriam ser transferidas todas as obras de pintura internacional da sua coleção para a National Gallery quando deixassem de ser ‘modernas’ e de escultura para o Victoria and Albert Museum. O relatório referia dois aspetos problemáticos na gestão da Tate: a subordinação à National Gallery e, decorrente dela, a própria relação entre as duas instituições:

The present situation of the National Gallery Board in relation to that of the Tate is the indefensible one of responsibility without knowledge, a situation that is not only wrong in theory, but totally impracticable. The dependent position of the Tate principally derives from the fact that the legal ownership of all works of art at Millbank is vested in the Trustees of the National Gallery. This fact has, in the recent past, proved an embarrassment to both Boards… (Massey Report, 1946: 10-11)

Realçamos que este relatório referia com alguma veemência a necessidade de uma maior representação da arte britânica e internacional nas coleções nacionais, criticando o fraco envolvimento do Estado na aquisição de arte. A partir das conclusões e sugestões nele apresentadas começaram a tomar forma os procedimentos que conduziram à separação das duas Galerias, principalmente uma intensificação das transferências de obras de arte, processo que foi pautado por uma difícil gestão de interesses e de competências. Em documentação108 elaborada a partir de 1947 é possível encontrar um número considerável de rascunhos e de notas com propostas para a comissão parlamentar que estava a redigir a proposta de lei para a separação das duas Galerias, verificando-se que uma das questões principais se prendia com a divisão das obras de arte britânica entre a National Gallery, a Tate e o V&A. Numa carta de 20 de Setembro de 1947 para John Rothenstein, o Diretor do V&A, Leigh Ashton, exigia que fossem feitas alterações ao texto na lei de modo permitir a retenção de miniaturas, desenhos e aguarelas na instituição que dirigia, sob pena de, se essa sugestão não fosse respeitada, não dar a sua concordância à versão final da proposta de lei, adiando a sua redação final e, consequentemente, a sua aprovação:

If we cannot come to an arrangement of this kind I shall have to withdraw my consent to the Bill as worded which will, of course, hold it up considerably. (Letter from Leigh Ashton to John Rothenstein, 20 September 1947)

108 Cf pasta TG 1/1/8 Tate Gallery Archive.

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A discussão atingiu níveis de pormenor que dão conta das tentativas das várias galerias para não perderem obras, chegando a ser discutida a definição de picture (numa carta de Leigh Ashton para Rothenstein, 24 de Setembro de 1947), ou, num documento “Points for consideration at a Meeting on 16 September 1947 at the Treasury”, terem sido debatidos pontos de vista sobre as definições de modern. A par da discussão relativamente ao seu futuro, o facto que marcou a sua atividade no fim da década de 40 foi a sua reabertura ao público, completamente reconstruída, em 1949, ano em que apenas realizou três exposições: uma emprestada pela City Museum and Art Gallery, de Birmingham, dedicada a Richard Wilson; uma sobre os tesouros artísticos de Viena e a última sobre a obra de James Pryde. A década seguinte veio a revelar-se plena de desafios decorrentes de uma gestão autónoma, da necessidade de inovação e da criação de uma nova identidade num contexto social e cultural que encorajava novos compromissos com a arte e grandes desafios para os museus e galerias.

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3. Construir a autonomia: 1955-79

The most important event of the year was the enactment of the National Gallery and Tate Gallery Bill, whereby the Tate Gallery became an independent institution. (Tate Report 1955-56, 1956: 1)

Com a publicação do National Gallery and Tate Gallery Act em 1954 e com a sua entrada em vigor em 1955 as duas galerias passaram a ser independentes. A lei tinha fornecido a moldura legal para a autonomia mas havia a consciência, por parte dos Trustees da Tate de que esta teria de ser construída a partir da definição de uma identidade para a Galeria que a posicionasse no mundo da arte como colecionadora de arte britânica e de arte internacional, o que se mostrou problemático logo de início. As dificuldades que se colocaram à definição de uma identidade ancorada na coleção prenderam-se com a articulação das várias vertentes da mesma, que eram tratadas em separado. Verifica-se na leitura de relatórios, atas e outros documentos referentes às décadas de 50, 60 e 70 que os Trustees assumiam que a Tate tinha duas ou mesmo três coleções para gerir, às quais era necessário dar coerência através da aquisição de um número representativo de obras. É regular o uso do termo ‘coleções’ em vez de ‘coleção’ para distinguir precisamente a ‘coleção britânica’, a ‘coleção internacional’ e, também, a ‘coleção de escultura’, o que revela as dificuldades em apresentar uma visão de conjunto para as obras e, em certa medida, em definir a própria identidade da Galeria. Acresce a este facto que a vertente ´britânica’ da coleção tinha uma parte ‘histórica’, e outra ‘moderna’ e ‘contemporânea’, o que não permitiu também que a identidade da Galeria fosse construída com base nos princípios de exibição da contemporaneidade que tinham estado na sua origem. Originalmente construída para representar a modernidade e a contemporaneidade da Grã-Bretanha através da mostra da produção pictórica e escultórica dos seus artistas, a

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Tate viu uma linha cronológica e um espaço geográfico de representação definidos na sua criação serem alterados em 1917 para passar a ter de incorporar arte estrangeira nas suas práticas de coleção e de exibição, o que, no fundo, acabou por obriga-la a exibir com critérios muito próximos da National Gallery só que noutro âmbito temporal. O facto de ter a responsabilidade de colecionar arte estrangeira produzida a partir de 1900 trouxe ainda um outro problema que consistiu na disputa de obras entre duas Galerias, principalmente de artistas do início do século XX, e que continua a representar um conflito de interesses latente sempre que a National Gallery estende os limites temporais da sua coleção. Pretendemos mostrar que, no período imediatamente após a separação da National Gallery, os grandes desafios para a Tate foram o de aumentar a qualidade e a representatividade das ‘coleções’, o de gerir a divisão entre estas e o de exibi-las no mesmo espaço com alguma coerência representacional sem se distanciar demasiadamente da vocação nacional para a qual tinha sido criada. Neste período, o desenvolvimento das ‘coleções’ ainda tinha subjacente uma noção de museu como espaço de representação do cânone e, por essa razão, o grande esforço de aquisição de obras de arte foi feito no sentido de mostrar a evolução dos principais movimentos e tendências artísticas que marcaram a história da arte nacional e internacional através dos artistas mais representativos. Uma das linhas de ação tida em conta na construção de um percurso e de uma identidade autónomas foi a programação, para a qual se mostrava necessário profissionalizar equipas e trazer conhecimento especializado para Millbank. A noção de que a mostra permanente não era, por si só, um recurso suficiente para atrair visitantes foi crucial para que se olhasse com preocupação para as limitações da Galeria quer em relação à representatividade das obras das suas ‘coleções’ quer em relação ao seu espaço, insuficiente e pouco flexível para realizar exposições de grande dimensão. A esta visão esteve subjacente o facto de a cidade de Londres estar a transformar-se económica, social e culturalmente, o que estava a dar origem a públicos muito mais heterogéneos e exigentes em termos de consumo de arte para os quais era necessário repensar as ofertas da Galeria, principalmente no campo da arte estrangeira. A nível internacional estava a emergir, após os constrangimentos económicos e o racionamento do pós-guerra, um contexto de maior prosperidade e de maior disponibilidade para o consumo da cultura e do entretenimento com públicos especialmente interessados na arte internacional. Estes novos públicos, com mais poder 138

económico para viajar, estavam a ter uma resposta mais inovadora por parte dos museus dos Estados Unidos que, com grande poder aquisitivo, tinham constituído grandes coleções. O trabalho realizado na Tate ao longo do período contemplado neste capítulo foi o de articular o crescimento das suas ‘coleções’ com grandes constrangimentos financeiros dentro das complexidades de uma identidade dual, num contexto social e cultural de grande mudança para o qual era necessária uma visão social e geograficamente mais alargada da produção, da exibição e do consumo da arte.

3.1. O National Gallery and Tate Gallery Act, 1954-55

Os resultados do relatório Massey, que davam conta de que o desenvolvimento da Tate não se operava devido à dependência da National Gallery, tinham sido uma base importante para a criação dos mecanismos legais que conduziram à autonomia da Tate. Os anos imediatamente após a Segunda Guerra Mundial não foram particularmente fáceis para a Galeria, marcados pelos trabalhos de reconstrução do edifício, que tinha sofrido danos consideráveis com os bombardeamentos. A partir de 1950, com o edifício completamente reconstruído e com as condições económicas do país a libertarem-se progressivamente do clima de austeridade, verificou-se uma tendência para o retorno às questões culturais do país, foi possível regressar à reflexão acerca da situação da National Gallery e da Tate Gallery e que se traduziu no agilizar do processo negocial de separação de ambas. Em documentação109 existente relativa ao período entre 1952 e 1967 (correspondência, memorandos, atas, rascunhos de vários textos para a redação da lei), é possível ver a complexidade do processo de negociação e de regulação relativamente à implementação da National Gallery e Tate Galley Bill que envolveu o Tesouro e os Trustees de ambas as Galerias. Através da leitura destes documentos verifica-se que eram inúmeras as fricções e divergências no que dizia respeito a transferência de obras e as competências do novo Board. Foi frequente, entre 1952 e 1953, a troca de correspondência entre as duas Galerias para emendar o texto da proposta de lei, nomeadamente antes da segunda leitura da mesma, feita a 24 de novembro de 1953 e que dizia respeito essencialmente à

109 Disponíveis nas pastas TG 1/1/10 e TG 1/1/13 do Tate Gallery Archive.

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transferência das obras. Também a correspondência com o Tesouro dá conta da discussão de questões relacionadas com as competências financeiras (carta para John Rothenstein de 16 de maio de 1953 e de 23 de dezembro de 1953) e com o empréstimo de obras para o estrangeiro (carta para John Rothenstein de 9 e junho de 1952). No final de 1953, a um ano da leitura do texto definitivo da lei, ainda não estavam clarificadas algumas questões que opunham as duas partes:

VII. National Art Collections Bill (…) Sir Colin Anderson expressed his concern about the lack of a clear definition of the Gallery’s purposes and scope, when the Bill, should, in effect, represent a Bill of Rights for the Tate. (…) It was argued that the provisions about transfers of works between the National Gallery and the Tate, which had been the main point of difficulty in drafting the Bill, were satisfactory. It was agreed that no action should be taken by the trustees about the Draft Bill, although the Director could let the Treasury, if occasion arose, that they could have liked the Bill to contain a straightforward broad statement of the scope and purpose of the Tate Gallery” (Minutes of a Meeting of the Trustees of the Tate Gallery Held on Thursday 15th October, 1953, at 2.30 p.m., não paginada)

O projeto de lei foi apresentado à Câmara dos Lordes a 4 de novembro de 1953 com o título National Arts Collection Bill e colocada na Câmara dos Comuns a 14 de abril de 1954110. Numa ata da reunião do Board of Trustees da National Gallery de 21 de janeiro de 1954 estes continuaram a considerar que o texto da lei não definia com clareza o âmbito das suas competências. O processo de negociação da lei no Parlamento durou mais de um ano até se concretizar no National Gallery and Tate Gallery Act de 25 de novembro de 1954 com extensas discussões quanto à redação do texto, à definição das competências dos Trustees das várias galerias e ao âmbito de cada coleção. Durante todo ano de 1954 há referência nas reuniões do Board da National Gallery ao estado da discussão no Parlamento do projeto de lei, o National Gallery e Tate

110 Em Tate Report 1954-55, p. 1, pode ler-se uma exposição mais detalhada da tramitação do processo assim como nas atas das reuniões da National Gallery: “Minutes of the National Gallery Board Meeting, Thursday 11th February 1954, at 2.15 p.m.” (pp 155-158); “Minutes of the National Gallery Board Meeting, Thursday 11th March 1954, at 2.15 p.m. (pp 163-167, onde se dá conta do debate na Câmara dos Comuns) e em “Minutes of the National Gallery Board Meeting, Thursday 8th April 1954, at 2.15 p.m.” (pp 168-171).

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Gallery Bill, e surgem também menções a condições de transferência e manutenção de quadros em cada uma das galerias, como se verifica na ata da reunião de 8 de Abril de 1954:

51. List of Pictures at the Tate Gallery to remain vested in the National Gallery after the passage of the Bill. (Minutes of the National Gallery Board Meeting, 8th April 1954, p. 170)

A 9 de dezembro de 1954 foi anunciada em reunião do Board a promulgação da lei que separou as duas galerias:

171. The National Gallery and the Tate Gallery Act The Chairman said that the National Gallery and Tate Gallery Act had now received the Royal Assent. 1 January 1955 was the probable date to putting it into operation, but as yet no instructions had been received for the Treasury. (Minutes of the National Gallery Board Meeting 9th December, 1954: 209)

A lei determinou a passagem da gestão da coleção de Millbank dos tustees da National Gallery para os da Tate e, para salvaguardar conflitos de interesses, regulou a relação entre as duas galerias no que dizia respeito a atribuição de responsabilidades relativamente às obras de arte, transferências e empréstimos111:

1– (1) The responsibility for the collection at the Tate Gallery shall on the date of the coming into operation of this Act pass from the National Gallery Trustees to the Tate Gallery Trustees and the Tate Gallery Trustees shall thereafter be independent of the National Gallery Trustees. (2) There shall vest in the Tate Gallery Trustees all the pictures and other works of art which on the said date form part of the collection at the Tate Gallery and which immediately before that date were vested in the National Gallery Trustees. (3) The Tate Gallery Trustees shall have the like powers and duties in relation to the pictures and other works of art vested in them by the foregoing provisions of this section as apart from those provisions would have been exercisable by and incumbent upon the National Gallery Trustees. (The National Gallery and Tate Gallery Act, 1954: 1)

111A página Arrangements of Sections mostra os capítulos da lei, através dos quais é possível acompanhar as várias questões que estavam em causa no processo de separação das duas galerias:1. Transfer from National Gallery Trustees to Tate Gallery Trustees of responsibility for Tate collection; 2. Powers of transfer between the National Gallery and Tate Gallery collections; 3. Allocations of gifts and bequests; 4. Powers of lending exercisable by National Gallery Trustees and Tate Gallery Trustees; 5. Powers to transfer works of art from Tate Gallery for display elsewhere; 6. Abrogation of power to sell works of art in National Gallery; 7. National Gallery collection to be vested in the Trustees without their director; 8. Short title, repeals and commencement (National Gallery and Tate Gallery Act, 1954, i)

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Mantendo a ligação de 57 anos entre as duas galerias, dado o facto de ambas colecionarem arte britânica e internacional, o National Gallery and Tate Gallery Act não afastou a continuidade do relacionamento entre as duas instituições e regulamentou responsabilidades relativamente às obras de arte, transferências e empréstimos:

2.-(1) Either of the said two bodies of Trustees may lend or transfer any picture or other work of art to the other. (2) The said two bodies of Trustees shall from time to time consult together to consider whether any loans or transfers should be made under this section; and in exercising their powers under this section the said two bodies shall have regard the desirability – a) of maintaining in the National Gallery a collection of pictures of established merit or significance, b) of maintaining in the Tate Gallery a collection of British pictures and a collection of modern pictures, and c) of securing that each picture is in that collection where it will be available and on view in the best context. (National Gallery and Tate Gallery Act, 1954: 2)

Este passo da lei revela que quer o Estado quer a própria National Gallery tinham interesse em que obras da coleção da Tate pudessem continuar a ser transferidas para Trafalgar para serem mostradas no contexto da arte internacional e sempre que houvesse ajustamentos aos limites temporais da coleção da National Gallery. Isto revela que a autonomia da Tate em relação às suas obras não era plena e que a National Gallery continuava a poder assegurar a sua função de guardião de uma coleção nacional de arte, que podia constituir retendo quadros da Tate. Já prevendo a eventualidade de surgirem conflitos nesta matéria ou noutras, também foram assegurados mecanismos para a sua resolução, nomeadamente através da criação de um comité com membros das duas partes:

1– (…) (4) The committee shall consist of – a) a chairman appointed by the Treasury after consultation with both bodies of Trustees, b) the director of the National Gallery and the director of the Tate Gallery, and c) two persons to be nominated by each of the said two bodies of Trustees from among themselves; and neither of those directors nor any of those Trustees shall be qualified to be appointed, or to act as, chairman of the Committee. (National Gallery and Tate Gallery Act, 1954: 2)

Também estavam contemplados aspetos relacionados com doações, ofertas e condições para empréstimos112, e determinava que nenhuma obra anterior a 1700 poderia ser

112 A considerável margem de manobra dada aos Trustees da Tate para gerir empréstimos e transferências, principalmente da coleção britânica não deixou de suscitar uma consideração no relatório de 1955-56 da

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emprestada, a não ser com a aprovação do Tesouro e com o conhecimento do Parlamento113. No sentido de reforçar a sua função educativa e de divulgação pública da arte estava previsto que os trustees criassem condições e oportunidades para que as obras pudessem ser mostradas a quem, estudante ou investigador, as solicitasse114. Numa ata do Board da National Gallery de 10 de fevereiro de 1955 apontava-se para a necessidade de um acordo escrito entre as duas Galerias que estabelecesse os termos de gestão e de transferência das obras de pintura internacional, (o que já tinha sido feito em relação à pintura britânica), visto ambas a colecionarem e exibirem:

37. Agreement with the Tate Gallery about the transfer of foreign modern pictures The Board considered an offer from the Trustees of the Tate Gallery to draw up an agreement for the transfer of modern foreign pictures between the two Galleries similar to that already signed as regards the transfer of British pictures. It was agreed to accept the offer and the Keeper was authorized to arrange accordingly. (Minutes of the National Gallery Board Meeting 10th February 1955: p. 219)

Before the National Gallery and Tate Gallery Act became law, the relationship between the two collections of British paintings had already been defined by a written agreement between the two Boards made in August 1954. By this agreement the Tate Gallery Trustees recognized that the British School must be represented in the National Gallery by an adequate selection of paintings of established merit or significance, and undertook to transfer to the National Gallery Trustees such British pictures as the National Gallery Trustees might require for exhibition in the National Gallery. In consideration of this, the National Gallery Trustees recognized that a comprehensive collection of British paintings should be exhibited in the Tate Gallery, and undertook to lend or transfer such British pictures not required from time to time for exhibition in the National Gallery as the Tate Gallery Trustees might wish to exhibit in the Tate. (Tate Report 1954-55, 2)

A lei entrou em vigor a 14 de fevereiro de 1955 e até essa data observou-se um período de transição de poderes e de passagem de obras para cada uma das Galerias. A 5 de fevereiro de 1955 uma ata do Tesouro determinou a constituição do Board of Trustees da Tate Gallery e a administração de fundos:

National Gallery: The new power to lend abroad pictures by foreign artists has made it advisable to consider carefully the principle on which such loans should be made. The Trustees wish to record their intention to limit these to exhibitions serving a definite art-historical or technical purpose and to lend only pictures which would be essential to them and would not be a notable loss to the public at home during their absence. (The National Gallery. Director’s Report, January 1955-June 1956: 60). 113 Section 4, (2) National Gallery and Tate Gallery Act, 1954: 3 114 Section 4, (6) National Gallery and Tate Gallery Act, 1954: 4

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1.The First Lord calls the attention of the Board to the provisions of the National Gallery and Tate Gallery Act, 1954, whereby the Tate Gallery will be established as an independent institution. It will constitute the National Collections of British Painting, of Modern Foreign Painting, and of Modern Sculpture. 2.(…) Constitution of the Board of Trustees 3.The First Lord is of the opinion that the Board of Trustees of the Tate Gallery, in whom will now vest the Tate Gallery Collections and Trust Funds, should consist of not more than ten members, including four practicing artists, with representation of the National Gallery Trustees on the Tate Gallery Board and of the Tate Gallery Trustees on the National Gallery Board; and their term of office should be seven years, any retiring Trustee being ineligible for immediate re-appointment. (…) 5. The Trustees will be responsible for the administration of the Gallery, including its Trust Funds and Grant-in-Aid, and for decisions on all matters of policy concerning the Gallery, including those relating to: (a) Acquisitions (b) Loans to the Gallery (c) Loans for the Gallery (d) Exhibitions (e) Publications and reproductions 6. On the Appointed Day, the Director of the Tate Gallery will succeed the Director of the National Gallery as Accounting Officer for the Vote of the Tate Gallery; and he will then be responsible to the Trustees of the Tate Gallery in financial matters as well as for day- to-day administration of the Gallery. (Treasury Minute dated 5th February, 1955)

A Tate passava assim a ter o seu próprio Board of Trustees, agora sem o diretor da National Gallery presente como Trustee ex-officio, e um responsável próprio pelas finanças. Ao ver formalmente reconhecida a sua responsabilidade de constituir uma coleção de pintura britânica, pintura moderna estrangeira e escultura moderna, e havendo sobreposições nas coleções das duas galerias, cabia a cada Board o poder de decisão sobre empréstimos e transferências de obras tendo sempre em conta que deveria ponderar-se qual o melhor contexto para uma determinada obra ser exibida. Em agosto de 1954, num acordo escrito entre os Trustees de ambas as galerias anterior à aprovação da lei, tinha definido o âmbito de representação de cada coleção115. A pintura nacional ficaria representada na National Gallery através de artistas e obras de reconhecido significado e para aí seriam transferidas logo que os Trustees da galeria nacional os requisitassem. O inverso também se verificaria, quando obras da coleção histórica britânica tivessem de ser transferidas para a Tate Gallery. O processo de separação das

115 A delimitação das coleções das duas galerias ainda hoje é coordenada em conjunto através da nomeação de um Liason Trustee para cada uma das galerias. Em Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 18 March 2009, é referida não só a presença deste elemento nas reuniões mas também a aprovação de um acordo entre as duas galerias relativamente à definição dos limites temporais das respectivas coleções.

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galerias envolveu inclusivamente a criação de uma nova numeração das obras de arte adquiridas a partir de 14 de fevereiro de 1955, pois ambas as galerias partilhavam o mesmo sistema (Tate Report 1954-55, 1955: 2)116. Sendo embora as Galerias independentes uma da outra, um dos aspetos que mais desconforto continuou a causar à nova administração da Tate prendia-se com o facto de que a National Gallery podia continuar a exercer o poder de requerer a transferência117 das obras sempre que necessitasse delas a título permanente ou de empréstimo, o que significava que a Tate iria perder obras de pintura britânica mas também de pintura francesa do século XIX, uma área na qual fazia grande investimento para alargar a coleção. Dando um tratamento de igualdade às duas galerias, a lei continha ambiguidades que permitiam à National Gallery ter uma posição dominante nas situações de empréstimos e transferências e, em atas de reuniões do seu Board realizadas ao longo de 1955 verifica-se a persistência de alguns pontos de discussão relativamente à transferência de quadros e aos graus de competência na gestão das duas coleções mas, em anos posteriores, as referências à Tate Gallery em atas e relatórios da National Gallery serão esporádicas.

3.2. A sociedade do pós-guerra: cultura e massificação

É importante desenhar uma breve panorâmica das tendências de desenvolvimento social e cultural do pós-guerra para perspetivarmos o posicionamento dos museus e galerias de arte relativamente a uma sociedade na qual o Estado e o indivíduo assumiram novos papéis, os media passaram a atuar com maior dominância na educação e no entretenimento dos cidadãos e o consumo começou a alargar-se e a instituir-se como uma prática de lazer.

116 Dada a extensão dos títulos dos relatórios da Tate Gallery nas décadas de 50 e 60 e ao facto de, ao longo do tempo, não se ter adotado sempre o mesmo título, optámos por simplificar a sua referência quer no texto quer junto às citações para Tate Report acrescida da data a que diz respeito, consoante seja relativo à atividade anual ou bianual, o que também foi irregular desde a sua abertura. A referência completa encontra-se disponível na bibliografia. 117 Veio a verificar-se que este movimento de obras entre as duas instituições resultou não só em perdas para a coleção mas também teve efeitos a nível da elaboração dos catálogos que tinham de ser atualizados sempre que as obras passavam para Trafalgar (Spalding, 1998: 123). 145

Após a Segunda Guerra Mundial a sociedade britânica foi marcada pela reconstrução, a descolonização e a desindustrialização e tanto o período durante o qual durou o conflito como as suas consequências foram responsáveis por mudanças consideráveis nas noções de identidade nacional, de família, de mercado e de Estado. O fim da guerra fez emergir um contexto que não foi mais do que o aprofundar de tendências que já estavam a desenvolver-se desde o início do século, como o declínio dos valores associados ao casamento e à família, a integração das mulheres no mundo laboral, a liberalização dos padrões de comportamento social, o abandono do culto religioso anglicano, a desvalorização da monarquia e uma progressiva desvinculação do sindicalismo (Rosen, 2003). Paralelamente também se verificou uma aceleração dos processos de urbanização e suburbanização e um movimento em direção uma sociedade mais tecnológica e também mais comercial e, no contexto das políticas sociais do pós- guerra, com maior intervenção do Estado na vida dos cidadãos (Sinfield, 1989; Halsey, [1978] 1995). A sociedade que emergiu após 1945 foi marcada por grandes transições, principalmente a nível económico e social, que tiveram impactes no campo da produção e do consumo da cultura. Em primeiro lugar queremos destacar a criação do Welfare State como um dos desenvolvimentos mais marcantes na redefinição da relação do indivíduo com o Estado, na qual este último passou a intervir em matérias como a segurança social, o emprego, a habitação, a saúde e a educação e também na nacionalização de setores que foram considerados estratégicos como os transportes, o carvão e o aço (Powell, 2002). Na cultura, a ação estatal concretizou-se através da criação do Arts Council no final de 1946, que definiu políticas de aquisição e de exibição para as galerias e museus nacionais. Sem nunca se ter instituído na Grã-Bretanha um Ministério da Cultura e com a Governo a assumir uma posição ambígua em relação ao patrocínio das artes, o Arts Council representou uma das primeiras iniciativas no sentido de estabelecer uma política cultural estatal defendendo, no entanto, uma noção de cultura ligada às belas- artes, pelo menos até à década de 70. A sua ação foi conduzida no sentido de levar o teatro, o ballet, a música clássica e a arte às várias regiões do país, democratizando o acesso à cultura mas resistindo quer à integração de formas mais populares ou alternativas de produção cultural quer às forças do mercado, criando espetáculos,

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exposições ou outros eventos dentro de uma linha convencional118 ligada aos grandes nomes da produção artística (McGuigan, 2004: 62-63). Em segundo lugar, um outro fator com repercussões para a sociedade britânica foi a concessão de independência às colónias a partir de 1946, processo que deu origem não só à Commonwealth of Nations mas também a uma vaga de imigração massiva para o país, o que lançou as bases para a formação de uma das sociedades europeias com mais diversidade étnica e cultural tornando emergente a reflexão sobre o que era ser ‘britânico’, o que era e qual era a cultura dominante e que desenvolvimentos poderia ter uma sociedade tão diversa. A diplomacia britânica, até então concentrada nas relações com o império, foi forçada a reorganizar-se e a procurar parceiros europeus em relação aos quais tinha prestado menos atenção embora com eles tivesse estabelecido alianças decorrentes dos períodos de guerra. Ao longo das décadas de 60 e 70, a viragem para o Continente concentrou-se em questões relacionadas com a defesa mas, principalmente, na procura de parcerias comerciais propícias à consolidação económica após o contexto depressivo do pós-guerra, a perda das colónias e a desvitalização da indústria. O fim do domínio imperial e industrial teve consequências decisivas para o enfraquecimento da liderança económica, política e diplomática da Grã-Bretanha a nível mundial e foi necessário construir outros pilares sobre os quais pudesse regressar a uma posição dominante (Butler, 2002). Com grande cepticismo por parte da população e da própria classe política, a adesão ao Mercado Comum em 1975 acabou por ser uma decisão mais pautada pela vantagem económica do que um compromisso dos britânicos com uma identidade europeia. Em terceiro lugar, realçamos o declínio da indústria nas décadas de 60 e 70 como uma das alterações com consequências mais profundas a nível económico e social conduzindo ao aumento dos níveis de desemprego, que afetou uma larga faixa da população em muitas áreas do país, e à decadência e ruína de uma grande quantidade de edifícios de equipamentos de apoio à indústria e à exploração mineira como fábricas, armazéns e infraestruras ligadas aos transportes. Este contexto acabou por abrir o caminho para que os serviços se afirmassem como um setor económico em expansão

118 Nesta área o Estado contava ainda com a BBC, detentora do monopólio da rádio e da televisão que difundiam a música, o cinema e o teatro de acordo com padrões de gosto e de qualidade que ainda estavam alinhados com uma noção de “alta cultura”.

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ocupando novos espaços com escritórios nas grandes cidades e atraindo uma mão de obra mais qualificada da qual se começaram a formar novas faixas da classe média com rendimentos mais elevados, com mais horas semanais para o lazer e com mais dias de férias, condições propícias para o desenvolvimento de hobbies, para o entretenimento, a cultura e o consumo. A formação de condições para a instituição do consumo como uma prática da vivência quotidiana teve o contributo da publicidade, da imprensa e da televisão que, a partir do fim dos anos 50, colocaram ao dispor dos cidadãos uma imensa variedade de artigos, como automóveis e eletrodomésticos, que embora não estivessem ao acesso de todas as classes sociais, já atraíam uma larga faixa da população. Não foram necessários muitos anos para que, ao longo de toda a década de 60, com os bens no mercado a um preço cada vez mais baixo e com a banca a implementar mecanismos mais fáceis de concessão de crédito, a maior parte dos lares estivesse relativamente bem equipada e uma quantidade considerável de famílias possuísse um automóvel, uma televisão e telefone. Com a sociedade a abrir-se a interesses económicos e de consumo e com os media a desempenhar um papel importante na mediação das interações sociais119, os jornais passaram a dar maior ênfase a uma componente cultural da vida, dedicando mais espaço à crítica de livros, filmes e de peças de teatro, o que dava conta também de um aumento e diversificação da oferta cultural. Embora o gozo do lazer estivesse de acordo com os padrões de rendimento de cada classe social, verificava-se um acesso maior por parte das classes mais baixas à leitura, ao cinema e, principalmente, à televisão, que se tinha afirmado a partir dos anos 40 como o maior difusor de informação e de entretenimento e que passou a transmitir modelos sociais vindos dos Estados Unidos, principalmente através de filmes, séries e concursos que estereotipavam estilos de vida baseados no espetáculo, no conforto material e no consumo. O efeito que os media exerciam na massificação do gosto foi responsável pela abertura de acesos debates entre os intelectuais, divididos entre os que temiam a degradação de uma ‘cultura’ baseada nas mais elevadas obras da literatura e da arte face à força com que a produção televisiva e cinematográfica norte americana se impunha

119 Marwick ([1982] 1996: 260) aponta inclusivamente que um fator de declínio da vivência social se deveu à grande dificuldade em manter os critérios da imprensa rigorosos nomeadamente no que dizia respeito a questões ligadas à invasão da privacidade, característica que iria pautar o trabalho jornalístico e constituir fonte de receita para aumentar o lucro da imprensa. 148

sobre o gosto dos britânicos e os que defendiam uma identidade para as formas mais ‘populares’ e massificadas de produção cultural. Persistindo ainda uma diferenciação notória entre alta cultura e cultura popular, a polémica já tinha sido aberta com a publicação da obra Mass Civilisation and Minority Culture (1930) de F.R. Leavis e posteriormente com The Great Tradition (1948), e continuou a ser alimentada com a publicação de Notes Towards the Definition of Culture (1948) de T. S. Eliot, através das quais se questionavam os efeitos da cultura americana na educação e no gosto da população. Com a estrutura social a ser ameaçada por algumas ruturas, e com o vislumbre de uma tradição cultural alicerçada na literatura, na arte e na religião a fragmentar-se devido à força dos modelos sociais e culturais norte-americanos, a visão de Eliot para a cultura, além de diferenciar com evidência as elites das outras classes, partia do sentimento de que deveriam ser as primeiras que a deviam defender e controlar as instituições intelectuais que sustentavam o seu poder e a sua influência, através dos quais essa tradição seria preservada. Em 1957, e voltando o foco para as classes populares, foi publicado The Uses of Literacy, obra na qual Richard Hoggart reconhecia uma identidade cultural ligada à classe trabalhadora ameaçada de corrupção pela produção cultural norte-americana. Seria no entanto Raymond Williams, com a obra Culture and Society publicada em 1958, que estabeleceu um novo patamar de análise ao definir cultura como um modo de vida abrangendo não só as formas consideradas de alta cultura mas também as produzidas pelo povo, reconhecendo o contributo da classe trabalhadora para a cultura nacional. Williams defendia que a abertura da educação não conduzia, por si só, à deterioração da cultura e que a identidade cultural dessa classe social se caracterizava por uma ética de cooperação dentro da comunidade ao contrário da cultura das classes dominantes que era marcada pelo individualismo. Relativamente ao panorama artístico do pós-guerra, a produção e a mostra de arte oscilaram entre a tentativa de não perder a identidade britânica ligada à paisagem, às cenas domésticas e ao retrato e as tendências modernas para o abstracionismo. Esta dualidade permitiu, por um lado revelar o trabalho de um grupo de artistas denominado Kitchen Sink que produziu quadros realistas com cenas da urbanidade e da vida doméstica da classe trabalhadora britânica. Por outro, e paralelamente, uma postura mais inovadora era posta em prática por artistas como Jacob Epstein, Henry Moore, Barbara Hepworth e Ben Nicholson que, tendo viajado pela Europa, tinham contactado com outros panoramas artísticos e que admiravam o trabalho de Picasso, Arp, 149

Mondrian, Giacometti, Brancusi, e Gaudier-Brzeska. O Surrealismo também veio a ter uma influência profunda no trabalho de artistas britânicos como Edward Burra, Roland Penrose, Tristram Hillier e Graham Sutherland, a Pop Art forneceu um enquadramento importante para uma nova noção de arte e de cultura, com colagens dos media e da publicidade que pretendiam retratar a sociedade de consumo e que teve expressão no trabalho dos artistas Richard Hamilton, Eduardo Paolozzi e William Turnbull (Spalding, 1986). A inclusão de obras destes artistas, quer nacionais quer estrangeiros, nas galerias de arte e museus nacionais foi encontrando resistências principalmente pela necessidade de formar consensos após as tensões do período da guerra e de agradar a um público que era grande admirador da pintura figurativa nacional. No entanto, esta linha de atuação, profundamente condicionada por uma noção de cânone ligada aos mestres do passado e também à defesa de uma identidade nacional, estava a ser ameaçada pelas necessidades de uma nova classe média consumidora de cultura que começava a apreciar visões mais inovadoras sobre a arte e que, com mais dinheiro para viajar, tinha uma oferta de arte moderna e contemporânea acessível noutros museus europeus e norte-americanos. E, precisamente no final da década de 50, o panorama museológico internacional foi marcado pela abertura, em 1959, do museu Guggenheim em Nova Iorque, no qual era exposta uma representativa coleção de arte contemporânea com práticas de exibição inovadoras que começaram a pôr em causa a excessiva neutralidade das práticas do ‘cubo branco’ usadas na maior parte dos museus como o modelo de exibição de arte contemporânea por excelência. Frank Lloyd Wright, o seu arquiteto, transformou o edifício numa escultura trazendo à exibição de arte uma dimensão arquitetónica que passou também a fazer parte do seu sistema de representação e que com a assinatura do seu autor, era também uma obra de arte, justificando quase por si só a visita e funcionando como um enquadramento para os objetos. O interior conduzia o visitante por um percurso através de uma rampa em espiral e desafiava-o a descobrir não só as obras de arte mas também o próprio edifício, cujo design se desviou da linha arquitetónica da cidade e conseguiu, com as suas características distintivas, conferir uma identidade à coleção e transmitir a forte personalidade do colecionador Salomon Guggenheim e a visão do arquiteto (Lampugnani, 2011: 247-249). A emergência dessas classes médias prósperas representou uma das transformações sociais mais marcantes para que se operassem ruturas no funcionamento dos museus europeus principalmente na sua relação com os públicos e nas suas estruturas de 150

representação, que teriam de ser mais flexíveis e abrangentes. Com uma sociedade a formar uma estrutura cada vez mais multicultural, com o cinema, a publicidade e a fotografia a ganharem espaço como expressões da criatividade os museus foram obrigados a repensar não só sobre que conceito de arte teria de ser integrado no seu espaço e em que suportes mas também que identidades deveriam de ser representadas. A formação de setores de uma classe média mais alargada com rendimentos vindos do trabalho nos serviços e com interesses direcionados para o consumo começou efetivamente a alterar uma estrutura social muito hierarquizada que vinha da época vitoriana e que, com poucas oscilações, tinha persistido nas estruturas mais profundas da sociedade e da mentalidade britânicas até à Segunda Guerra Mundial:

By 1960 perhaps a quarter of the population belonged to this group of white-collar workers, salaried and professional classes, which had expanded continuously during the twentieth century, increasingly replacing the typical Victorian ‘middle’ and ‘lower middle’ classes which had consisted essentially of shopkeepers, small entrepreneurs and men living off ‘fees and profits’ (to quote the income tax classification) and not wages or salaries. (Hobsbawm, [1968] 1999: 259-60)

Estes setores da população, com uma economia de mercado a desenvolver-se começaram a definir o seu estatuto e a sua identidade através da aquisição de bens materiais e simbólicos para aumentar o seu capital cultural tais como livros, idas ao cinema, a museus e a outros eventos culturais como concertos ou festivais, o que fomentou uma economia ligada à atividade cultural promovida pela publicidade e difundida pelos media numa escala mais alargada. E, com importância para que os museus começassem a definir estratégias para captar novos públicos, começou também a formar-se uma cultura associada aos jovens e aos adolescentes, uma geração com mais poder aquisitivo e menos vinculada aos rigores e responsabilidades do mundo do trabalho do que as antecedentes, muito por via da moda, da música pop e rock, da fotografia e da publicidade, que se estavam a afirmar como expressões da cultura. Este contexto social acabou por ter reflexos no alargamento do próprio conceito de cultura que passou a incluir um número muito mais abrangente de expressões consideradas ‘culturais’ e que acabou não só por redefinir o conceito de arte mas também o de museu que, a partir da década de 70, já não era visto um templo de conhecimento e de rituais civilizadores passando a ser-lhe exigido um envolvimento mais ativo com os visitantes e com o mercado de ofertas culturais que incluía a televisão, o cinema, a música e, com uma componente mista de entretenimento e de

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consumo, os primeiros centros comerciais. A ideia do museu ou da galeria de arte como contentores de conhecimento e repositórios de interpretação da memória coletiva estava a fragmentar-se a favor de uma perspetiva centrada no visitante120. Representar o passado ou o presente teria agora de ter em conta a diversidade social por meio de práticas redefinidas em função de um mercado cultural de oferta mais diversificada e acessível, dos diferentes tipos de visitantes, de novos organismos que começavam a financiar o museu e, em alguns casos, das políticas do governo nacional e local. Com uma maior expansão do empresariado a ajuda das companhias privadas começou a competir com os donativos das grandes famílias que ao longo de mais de um século tinham patrocinado os museu públicos e, tal como tinha acontecido com os grandes mecenas, o patrocínio empresarial também começou a exercer as suas influências nas práticas de colecionismo, de gestão e de exibição. A era do amadorismo no museu estava prestes a terminar e, com o Board muitas vezes a reconhecer a importância do empresariado e das suas técnicas, começaram a desenhar-se as primeiras tentativas de incorporar estratégias ligadas às relações públicas para promover os serviços dos museus. A profissionalização dos serviços conduziu à contratação de especialistas em angariação de fundos, em contabilidade e em venda e o grau universitário passou a ser uma exigência para ocupar muitos postos de trabalho no museu, nomeadamente na gestão financeira, na curadoria e nos serviços educativos (Finlay, 1977). Para fazer face a tendências de modernização, também os edifícios foram sujeitos a

120 Ian Finlay, aposentado do cargo de diretor do Royal Scottish Museum em 1971, descreveu, com alguma mágoa e controvérsia, as transformações a que assistiu na gestão dos museus e o tipo de exigências que agora se colocavam aos seus diretores e administradores: The domination of museums by the collecting tradition is reached with the coming of what might be called the tycoon type to the director’s chair. This is perhaps primarily an American phenomenon. It involves the appointment of someone – it goes without saying, someone of excellent taste and long administrative experience – whose main job is to persuade people of wealth and good will to perpetuate their names by donating masterpieces or money, or both. (Finlay, 1977: 14) We came a long way from the day when the visitor to the museum was privileged and required to sign a visitor’s book (…). The visitor has to be made to realize that the museum exists for him, not merely for an unseen priesthood of specialists, that it is something in which he himself can participate. (Finlay, 1977: 18) Lectures and films are growing in importance, with a vast potential of usefulness in enlarging the dimension of the museum collections by animating them and setting them in their own proper environments, and the public will not accept standards in these things will fall below those they are accustomed to in the commercial cinema. (Finlay, 1977: 46) 152

remodelações e novas extensões construídas nos museus passaram a incorporar elementos que transmitissem flexibilidade, racionalidade e funcionalidade, contrários à arquitetura cerimonial dos edifícios do século XIX que, construídos para serem guardiões dos feitos da civilização e do génio artístico ocidentais, transmitiam autoridade, reverência para com o passado e permanência. Essa noção de permanência acabou por ser perturbada, precisamente com o objetivo de abrir uma nova direção no já competitivo mercado da cultura e do entretenimento, com a abertura do Centro Georges Pompidou121 em 1977, recolocando o foco em Paris como uma capital da arte. Em termos arquitetónicos o Centro trouxe uma nova noção de museu pela inclusão de uma perspetiva multifuncional, com espaços para exposições temporárias, para performance e teatro, livraria e café. Nos três pisos superiores foi instalado o Musée National d’Art Moderne e instalada uma biblioteca na qual era possível não só a consulta de livros mas também de filmes e vídeo. Nas primeiras semanas o centro recebia cerca de 20000 visitantes por dia e quase mais do dobro aos domingos. A sua estrutura em vidro e as suas cores revolucionaram a noção tradicional de museu e a entrada através de escadas rolantes conferia ao edifício uma dinâmica de circulação semelhante à das grandes superfícies comerciais. Paralelamente, a diversidade de atividades culturais a ocorrer no seu espaço (peças de teatro, mostras de arte, projeção de filmes) transmitia uma ideia de participação coletiva na cultura (Giebelhausen, 2011: 233) e de dessacralização da arte (Davies, 1990: 42) O centro, construído entre 1971 e 1977 com um projeto dos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers, teve nos objetivos da sua criação uma base não só cultural mas também ideológica pois fazia parte de uma tentativa do governo conservador para acalmar os efeitos dos movimentos estudantis do final dos anos 60 através da visão de que a participação democrática na cultura poderia gerar forças unificadoras e consensuais na sociedade (Lampugnani, 2011: 250-252). Afirmando-se como um marco que revolucionou a arquitetura dos museus e o modo de exibir arte contemporânea, o Centro surgiu também como resposta à grande perda de população que se verificava no centro da capital e, implantado numa área que estava a

121 Lorente (2011: 231-257) explora a criação e a gestão do Centro e o modo como fez re-emergir Paris como capital internacional das artes, colocando o mundo da arte atento à necessidade de se encontrarem novas formas de acesso à arte e à cultura.

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sofrer alterações a nível urbanístico, o seu edifício atraiu desde logo um grande número de visitantes fascinados pela possibilidade de circular livremente por um espaço de cujo interior se podia ver o exterior e vice-versa e no qual se experimentava uma visão mais democrática da exibição de arte e da gestão de equipamentos culturais122. Num contexto social em mudança e com este desafio vindo de França, muitos museus e galerias estavam a procurar formas de renovação arquitetónica dos seus edifícios que, através de extensões e de reestruturações, se integrassem nas alterações sociais e urbanísticas a ocorrer em seu redor e chamassem a atenção do público:

As time passes when new structures are generated on open urban and suburban plots, the museum turns organic, adding arms, legs and – in its newfound appetite for cafes and restaurants – even stomachs. (Davies, 1990: 134

Mas a arquitetura, por si só, e a remodelação de espaços não eram suficientes para captar a atenção do público. Com novas formas de cultura e de entretenimento a tornarem-se mais acessíveis e populares, era preciso colocar o museu no mercado a competir com a ficção barata, com programas televisivos para todos os gostos, com ateliers e pequenas galerias de arte alternativa, com bares, restaurante e lojas. Foi este o contexto que determinou o início do que podemos caracterizar como a empresarialização do funcionamento dos museus públicos, o que também revelou o modo como o sector cultural entendeu que era necessário integrarem-se numa cultura de empresariado que estava a consolidar-se nas cidades. Escolheram-se novos logótipos, passaram a promover-se os serviços segundo novos meios, construíram-se ou remodelaram-se lojas, restaurantes e livrarias, apostou-se na publicidade em vários suportes e nas estratégias de marketing, na implementação de um planeamento estratégico tendo em conta a racionalização dos recursos, os indicadores de performance e a análise de resultados. As práticas de curadoria (colecionar, catalogar, conservar e exibir), que até aí tinham dominado as preocupações da gestão do museu, passaram a ser exercidas sob a influência desta visão e os seus serviços passaram a ser orientados sob a perspetiva do visitante e do que nas coleções era comercializável, o que

122 O Centro Pompidou também trouxe inovações na sua administração estranhas à cultura nacionalista francesa, convidando estrangeiros para participar na sua gestão e permitindo que olhares de fora participassem no panorama cultural francês, o que abriu um caminho para que muitas instituições começassem a procurar outras formas de gerir as suas instituições nomeadamente através do convite a diretores e curadores estrangeiros. 154

dava conta do quanto as contingências de financiamento estavam a afetar a identidade do museu não só na alteração das práticas de aquisição mas também nos modos de representar os objetos, que passaram a ser reproduzidos não só nos convencionais catálogos e postais mas também em canecas, blocos de notas, sacos e porta-chaves. O uso de meios áudio visuais nos ambientes expositivos passou a ser feito de forma mais intensiva sob o pretexto de melhorar a contextualização dos objetos e de facilitar a sua interpretação quer na coleção permanente quer nas exposições temporárias e a exploração de uma maior interatividade através da introdução de conteúdos em filmes, em registos sonoros ou com mecanismos manipuláveis obedeceu a critérios de mercado que não tinham outro propósito senão o de satisfazer o visitante e fazê-lo regressar, ou seja, de cumprir um objetivo muito empresarial de atrair e fidelizar clientes.

3.2.1.Cidade, media e moda: Swinging London

Numa análise do século XX londrino, White (2008b) aponta os fatores mais determinantes que começaram a transformar a cidade após a guerra: por um lado a reconstrução de edifícios e o desenvolvimento urbanístico e, como consequências desse processo a gentrificação e a suburbanização; por outro a internacionalização da população com as sucessivas vagas de imigrantes123 a chegar à cidade ao longo da segunda metade do século XX. Recuando um pouco ao período imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, a reconstrução de Londres tinha sido uma oportunidade para replanificar muitas áreas da cidade e, sob a liderança de Patrick Abercrombie e William Holford, foi posto em prática um vasto plano de e construção de Londres. Abercrombie elaborou o County of London Plan (1943) e o Greater London Plan (1944-45) nos quais foi dada primazia à descentralização através da construção de circulares à volta da cidade. Holford elaborou o City of London Plan (1947), no qual traçou as diretrizes para a reconstrução do centro da cidade, muito danificado pelos bombardeamentos (Diendorf, 1989). Logo no início da década de 50 o processo de reconstrução deu origem à criação de

123 Devido à descolonização, Londres recebeu asiáticos e população das Caraíbas nos anos 50 e 60 e africanos no final dos anos 60 e anos 70. Uma vaga de árabes, turcos, gregos e vietnamitas instalou-se na cidade nos anos 70 e 80. Posteriormente, e devido a tumultos políticos ou guerras civis na Europa, chegaram curdos nos anos 80 e jugoslavos e romenos nos anos 90 (White, 2008b:138-44).

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um novo espaço dedicado à cultura e ao entretenimento que ofereceu uma oportunidade de mostra de arte com a realização do Festival of Britain em 1951, em South Bank, canalizando público para um novo ponto de consumo cultural na margem sul do rio Tamisa. O festival foi um evento criado pelo governo trabalhista para comemorar a vitória na Segunda Guerra Mundial, o centenário da Great Exhibition de 1851 e para levantar o moral de uma população esgotada pelo esforço de guerra, pela austeridade, pelo racionamento e pelo luto. Construído numa zona deixada em completa ruína pelos bombardeamentos, o festival mostrou novas possibilidades de mostrar arte e cultura num espaço renovado arquitetonicamente e no qual foi possível ver a produção da Grã- Bretanha não só a nível industrial, científico e tecnológico mas também a nível artístico. Com o cinema a afirmar-se como uma forma de cultura massificada, o British Film Institute deu-lhe uma projeção que não era habitual em eventos culturais e, a nível da arte, estiveram patentes exposições de artistas britânicos contemporâneos como Barbara Hepworth, Henry Moore, Lynn Chadwick e Jacob Epstein, cujo trabalho ainda não tinha grande visibilidade nas galerias da cidade. A administração da Tate temeu obviamente os efeitos da ida de visitantes para a zona de Southbank para ver artistas dos quais não tinha obras na sua coleção e constatou que os planos para o desenvolvimento desta zona de Londres continuariam a constituir um problema porque, após o festival e a desmontagem dos edifícios temporários, este espaço iria continuar a ser requalificado com construção de novos equipamentos culturais, que vieram a incluir o Queen Elizabeth Hall e o Purcell Room em 1967 (para concertos e dança) e a Hayward Gallery em 1968, sede do Arts Council, um edifício cuja dimensão permitia montar três ou quatro grandes exposições anuais de arte contemporânea. Este conjunto de equipamentos deu origem ao Southbank Centre, uma nova valência cultural dentro da cidade com equipamentos que ofereciam uma considerável variedade de escolha e com uma vista para o rio e para os monumentos da margem norte que justificavam a deslocação de visitantes a essa zona. Em 1965, foi criado o Greater London Council (que substituiu o London County Council, o órgão responsável pela gestão da cidade desde 1889) a denominação administrativa da cidade passou a ser Greater London, com o objetivo de dar uma resposta mais eficaz a um efetivo crescimento da cidade não só a nível populacional e dos seus limites geográficos mas também de um desenvolvimento de uma rede empresarial que estava a criar empregos e a internacionalizar Londres como líder nas 156

atividades ligadas à gestão de negócios. Este crescimento era, em parte, resultado da grande vaga migratória vinda das ex- colónias britânicas que estava a dar origem a grandes transformações sociais na cidade nomeadamente através da formação de uma identidade multicultural. Áreas como Notting Hill, Brixton, Stockwell, Finsbury Park, Paddington, North Kensington, Tower Hamlets, Hackney, Ealing, Lambeth e Southwark constituíram-se como grandes comunidades de imigrantes, que pouco a pouco foram fazendo de Londres uma sociedade multirracial e multicultural, na qual, simultaneamente, se verificaram mudanças nas estruturas de vizinhança, de comunidade e nos estilos de vida. A imigração afetou os padrões de vida individuais e coletivos: a mistura de culturas deu origem a novas formas de socialização e de entretenimento através dos festivais e festas de rua124 e a grande diversidade étnica125 trouxe grande variedade de restaurantes, alterando os hábitos alimentares e as práticas de jantar fora. A passagem de uma economia industrial para uma economia baseada nos serviços alterou também imagens que tinham marcado muito da identidade social laboral da cidade até então. Devido à desvitalização da indústria, ao declínio do porto e à emergência de um novo empresariado, a imagem convencional do londrino começou a transformar-se: o operário vestido de ganga, o estivador e o funcionário de fato escuro, gravata e chapéu de coco estavam a ser substituídos por uma nova massa laboral constituída por jovens empregados da banca, dos seguros e da finança assim como uma faixa da população que começava a ganhar espaço e expressão através de um estímulo dado à economia da cidade com negócios ligados à música, à moda, à fotografia e ao cinema. No centro da cidade, a exploração da propriedade começou a direcionar-se para a construção, venda e arrendamento para escritórios, uma resposta à procura de muitas firmas que pretendiam ter aí as suas sedes e também à de novos edifícios para os serviços públicos. Pela primeira vez após a guerra a cidade viu os preços da propriedade subirem significativamente assim como os esquemas de especulação imobiliária absorverem grandes propriedades em zonas nobres da cidade que pertenciam a famílias

124 Sendo o carnaval de Notting Hill (realizado pela comunidade das Caraíbas) e a festa do Ano Novo Chinês dois dos exemplos mais visíveis no panorama de festivais de rua da cidade. 125 Não será de esquecer, no entanto, que a sociedade multicultural trouxe múltiplas ruturas e que as tensões existentes foram visíveis nos conflitos em North Kensington em 1958 e em Brixton em 1981. 157

aristocráticas126 as quais, sob o peso do imposto sucessório e do baixo lucro vindo de rendas baratas, se viram obrigadas a vendê-las para recuperar financeiramente. A procura crescente de edifícios para os serviços também foi responsável pelo crescimento da cidade em altura, sendo Centre Point (construído entre 1963 e 1967) o símbolo de uma vertigem especulativa que deu origem a um bloco arquitetonicamente descontextualizado e com uma altura completamente desproporcionada em relação aos edifícios que o rodeiam. Em termos habitacionais, o arrendamento ainda era, nas décadas de 60 e de 70, a forma de exploração de propriedade predominante e, no centro, embora existisse alguma diversidade étnica, vivia uma maioria branca, essencialmente pertencente à classe trabalhadora e politicamente alinhada com o Partido Trabalhista, ao qual pertencia também a maioria das autoridades do governo local. Uma das consequências mais marcantes do desenvolvimento urbanístico foi a gentrificação127 que alterou significativamente a composição social do centro de Londres e foi responsável, juntamente com a expansão rodoviária circular da cidade, pelos grandes movimentos para a periferia, quer da população imigrante, quer de alguma classe média e trabalhadora que, não podendo suportar o aumento dos preços da propriedade, se estavam a deslocar para os arredores onde existia uma oferta de habitação mais barata e boas ligações rodoviárias e ferroviárias com o centro da cidade. Fruto de uma viragem no desenvolvimento da cidade para uma economia com base nos serviços financeiros e jurídicos e na cultura e publicidade e no entretenimento, o centro começou a ser ocupado por uma faixa da população que Ruth Glass descreveu em London. Aspects of Change em 1963 e que pertenciam a uma classe média alta, apreciavam bairros tradicionais do centro e procuraram áreas como Paddington, Lambeth e Kennington nos quais reconstruíram velhos apartamentos. Muitas destas

126 White (2008b: 49) refere exemplos como os de Portman Estate em Marylebone, com Grosvenor Estate em Pimlico e com propriedades do duque de Bedford em Bloomsbury, perto do British Museum. 127 Moran (2007) caracteriza os gentrifiers deste período (que considera significativamente diferentes dos eu absorveram grandes lucros do capital e que ocuparam nos anos 90 a área das Docklands) que promoveram nos media uma identidade muito própria através da divulgação do seu estilo de vida (cozinha, design das casas, o entretenimento e um modo muito urbano de socializar em casa) e que contribuiu para o desenvolvimento de uma economia urbana que oferecia os produtos para o estilo de vida e casas desta classe média. A decoração de interiores, por exemplo, foi uma das atividades que maior impulso teve nesta fase.

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pessoas tinham atividades ligadas à televisão, ao jornalismo, à vida artística e ao entretenimento (músicos e atores) e cultivavam um estilo de vida boémio através da frequência de cafés, bares, restaurantes e teatros e de eventos ligados à arte e à moda. Ao contrário das classes médias que ocuparam o centro de Londres na prosperidade dos anos 80 e 90, estes novos habitantes da cidade ainda viviam sob os ideais de rejeição da massificação e da vida suburbana, cultivando o fascínio pelos edifícios antigos do centro da cidade e o consumo em lojas de antiguidades ou a compra de artigos em segunda mão de Camden Lock ou de Portobello Road. Se, por um lado, contribuíram para a reabilitação de espaços decadentes situados no centro da cidade, por outro, estes ‘colonizadores’ e os seus modos de vida tiveram efeitos nefastos para os habitantes que, pressionados pelos proprietários ou por agentes imobiliários, não tiveram outra escolha senão deixar as casas. A quantia em dinheiro oferecida a muitos arrendatários da classe trabalhadora que ocupavam essas casas foi uma aliciante para adquirir habitação nos subúrbios e, além do abandono das casas, também muitos laços de vizinhança e de família acabaram por quebrar-se por muitos dos seus elementos não continuarem a viver no mesmo bairro ou sequer na mesma zona da cidade. Paradoxalmente, os filhos da classe trabalhadora que estavam a abandonar a cidade, foram os motores de uma das mais marcantes revoluções sociais e culturais para a Londres do século XX. Um dos primeiros sinais dessa revolução tinha sido, em 1955, a abertura da boutique Bazaar de Mary Quant em King’s Road, Chelsea, na qual vendia o seu estilo inovador, principalmente a icónica minissaia, para Londres e para o mundo e que lançou as bases para que outros designers divulgassem as suas criações num mercado que procurava novidade e extravagância após as limitações do período da guerra. Na mesma década, Tony Armstrong-Jones (mais tarde Lord Snowdon pelo casamento com a princesa Margarida, irmã da Rainha Isabel II) publicou em 1958 o livro de fotografia London, no qual apresentou uma interpretação pictórica da cidade, que surge cinemática, vibrante e pautada pela moda, pelos grupos de artistas, pela música pop, pelos clubes e lojas de roupa, imagens e mitificações de uma cultura urbana aprofundadas pela publicidade e pelo marketing. A experiência metropolitana e visual da cidade passou para arte através da fotografia, da colagem e da pintura com imagens em movimento através da reabilitação de ícones como o autocarro vermelho de dois andares, a cabine telefónica e edifícios emblemáticos como o Big Ben: 159

The foundations for the visual mythology of ‘Swinging London’ were laid early on and it was the artists and photographers who first formulated its particular brand of metropolitan romance and modernity. Indeed new myths about London – pictorial and literary ones – were pouring as early as the end of the fifties. (Mellor, 1993: 43)

Um outro sinal foi dado pela atividade da estação de rádio clandestina Swinging Radio que, distanciando-se do conservadorismo da BBC, transmitia música dos Rolling Stones, dos Kinks e dos The Who, grupos que estavam a emergir na cena musical londrina. O seu nome inspirou o título da edição da revista Time de 15 de abril de 1966, Swinging London, que definiu com precisão o ambiente de liberdade e de criatividade que se vivia em Londres, um movimento de renovação da vida da cidade, de natureza essencialmente cultural com grande ênfase na projeção da contemporaneidade através da música, da moda, da fotografia. Este enquadramento foi propício ao surgimento de uma grande diversidade de profissões como modelos, atores, cabeleireiros, designers, fotógrafos e músicos que emergiram num contexto de optimismo e prosperidade e com uma população com mais tempo livre para a diversão e para os cuidados pessoais fazendo surgir na cidade lojas de roupa, de venda de música, estúdios de gravação, ateliers de fotografia, galerias de arte, bares, cafés, restaurantes e clubes noturnos que trouxeram a Londres uma imagem dinâmica e renovada (White, 2008b: 342-343). Figuras provenientes da classe trabalhadora londrina como o fotógrafo Terence Stamp, o ator Michael Caine, os músicos dos Rolling Stones, os The Who e dos Kinks, a cantora Sandy Shaw e a modelo Twiggy alimentavam novas atividades ligadas ao entretenimento através da realização de eventos divulgados pela publicidade, uma área a florescer graças à expansão da fotografia e da televisão que promoviam passagens de modelos, estreia de filmes, exposições, concertos musicais ou a publicação de livros. Mesmo os Beatles, nascidos em Liverpool, viram as suas possibilidades de carreira aumentarem por se mudarem para Londres. A cultura, a criatividade e o entretenimento devolveram à cidade uma atmosfera de liberdade de expressão individual que não existia desde o fim da guerra, o que atraiu jovens criadores de outras regiões do Reino Unido e de outros países. Carnaby Street era a rua das lojas de roupa com a qual a juventude se identificava, West End era o local de encontro dos artistas avant-garde e a zona de Soho era um local de entretenimento muito popular.

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Nos museus e galerias de arte, e na Tate em particular, esse movimento cultural começou a despertar a consciência para o facto de arte estar a democratizar-se e a ser exibida em locais alternativos atraindo público nacional e internacional que visitava a cidade em busca de novidade. Londres oferecia uma grande diversidade de lugares de entretenimento e de socialização que dispersavam o público por vários pontos, o que contribuiu para que nas estratégias de desenvolvimento da Tate estivesse sempre presente a preocupação com a qualidade e a diversidade da programação e com a beneficiação do edifício para que a Galeria não perdesse visibilidade num conjunto de ofertas tão atraentes. Um dos maiores legados da década de 60 londrina foi esta abertura da cidade como espaço de livre expressão da criatividade deixando uma marca muito especial na moda e na música. No entanto este clima iria mudar consideravelmente na década seguinte com a crise petrolífera e a depressão económica, o desemprego e conflitos sociais marcados por questões raciais.

3.3. A Tate sem a National Gallery - comunicar uma nova identidade

Com a separação da National Gallery, a Tate concentrou-se na construção de uma imagem que a demarcasse do peso institucional daquela que havia sido a sua galeria de origem. Para o fazer foi necessário reforçar as competências do seu Diretor e do Board mas, acima de tudo, conseguir articular na sua identidade o facto de colecionar e exibir arte britânica e também arte moderna internacional, duas linhas com desenvolvimentos estéticos, limites temporais e fronteiras geográficas diferentes. Marcada por mais de cinquenta anos de uma relação com a National Gallery que a inferiorizou nas suas prioridades aquisitivas, a Tate procurou, apesar dos constrangimentos financeiros da economia recessiva do pós-guerra que resultavam num magro subsídio governamental para os museus, colmatar as muitas falhas das duas vertentes da sua coleção através de compra, donativos financeiros de particulares e de doações de obras feitas por colecionadores e artistas com o objetivo de constituir uma coleção mais vasta, mais coesa e mais representativa da evolução da História da Arte guiado ainda por uma noção de museu como definidor do cânone.

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Colecionar não foi o único desafio das primeiras décadas da Tate autónoma. Foi necessário articular várias vertentes de uma coleção em crescimento com um edifício palaciano do final do século XIX preparado para práticas de exibição e de circulação que não estavam de acordo com exigências dos novos perfis de um público que exigia espaços mais dinâmicos, flexíveis e com mais áreas de socialização. Velhos e novos museus na Europa e nos Estados Unidos renovavam ou construíam espaços com novas técnicas de iluminação, com práticas de exibição mais flexíveis e menos lineares e com mais opções para socialização, o que se mostrava difícil de concretizar em Millbank. No seu espaço foram sendo experimentadas várias formas de organizar a distribuição das obras de modo a mostrar o maior número possível: a arte britânica numas salas e a internacional noutras, a arte britânica em diálogo com a internacional sobrepondo artistas, nacionalidades e movimentos. No entanto, o facto de estarem no mesmo espaço tornava prevalente a ideia de perda de identidade da Tate como galeria de arte nacional na qual os Trustees ainda se concentravam com alguma determinação. Mas o facto de, na verdade, a Tate ter deixado de ser uma galeria de arte nacional logo em 1917 colocou-a perante dois problemas que pautaram o seu desenvolvimento durante as duas décadas seguintes. Por um lado aprofundou as suas dificuldades financeiras pois o subsídio governamental não tinha em conta que, se os preços da arte nacional já eram avultados, o mercado de arte internacional começava a atingir valores incomportáveis para o orçamento dos museus públicos europeus. Por outro, colocou a Galeria numa ‘deriva’ identitária cuja dualidade foi difícil de gerir. A responsabilidade de colecionar arte nacional e estrangeira pesava sobre a afirmação de Millbank como uma galeria de arte nacional e as dificuldades em gerir o espaço e definir estratégias de exibição e de representação revelaram-se um dos maiores desafios à evolução da Galeria até 2000, quando as duas ‘coleções’ foram separadas geograficamente em Londres.

3.3.1. Desenvolver a coleção, a programação e o edifício

Nos anos 50, a Tate possuía um número de obras que quase duplicava as da coleção da National Gallery e, com a autonomia, tinha o caminho aberto para se afirmar como uma oferta cultural importante a nível da arte britânica e internacional, ainda que as dificuldades a nível financeiro e a falta de espaço e de pessoal limitassem as condições 162

para evoluir. Após a separação da National Gallery as preocupações do novo Board direcionaram- se para a organização de uma coleção que possibilitasse à Galeria começar a construir uma dimensão mais internacional e, embora a arte britânica constituísse um foco de investimento importante, foi na coleção de arte moderna e contemporânea internacional que se fizeram mais esforços de crescimento. Esta estratégia partiu de uma consciência muito clara relativamente à necessidade de projetar uma imagem da Galeria ligada à contemporaneidade e à arte internacional pensando não só nos fenómenos de internacionalização de Londres através da cultura mas também na crescente importância de Nova Iorque ou Paris que estavam a atrair público em grandes números:

…the foundations have been laid of a collection of foreign modern paintings appropriate to the requirements of a great capital city. But compared with collections available elsewhere it is still very inadequate, and must necessarily remain so while the funds at the disposal of the Trustees are so limited. (…) There is no room for complacency about the number of foreign masterpieces owned by the nation either here or at the National Gallery. (Tate Report 1953-54, 1954: 6)

Nesse período, foi frequente os Trustees reportarem a existência de lacunas na coleção de arte britânica mas, principalmente, na de arte internacional e só foi possível mostrar obras de Manet, Seurat, Kokoschka, Bacon, Gris, Klee, Picasso, Miró, Blake, Holman Hunt e Henry More por empréstimo. Nos relatórios repetiam-se as referências às lacunas na coleção de arte internacional, faltando obras consideradas representativas de Picasso ou Léger, e havia um número apreciável de artistas dos quais não existia um único exemplar, tais como Mondrian, Marquet, Vlaminck, Soutine, Gleizes, Delaunay, Villon, Feininger, Nolde, Franz Marc, Beckman, Permeke, Dali, Carrà, Boccioni, Severini, Lehmbruck, Barlach, Lipchitz, Laurens, Calder, Brancusi. A coleção britânica foi ganhando mais corpo com obras de artistas consagrados como John Banting, Edward Burra, Paul Nash, William Holman Hunt, Blake e Francis Bacon e também de novos valores tais como Clive Barker, Tom Phillips, Keith Millow e David Hall. A urgência em adquirir obras do início do século XX prendia-se com o facto de a National Gallery ir estendendo os seus limites temporais para o século XX e a Tate ter interesse em garantir a compra de algumas delas a preços acessíveis (Tate Report 1956- 57, 1957: 2). Na verdade, o acordo entre as duas galerias obrigava a constantes transferências de obras do impressionismo para a National Gallery e a Tate perdeu quadros de Seurat, Degas, van Gogh, Monet, Pissaro, Renoir, Sisley e Toulouse-

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Lautrec, o que contribuía para um enfraquecimento da posição da Tate no contexto da arte moderna internacional. Ainda assim, a Tate viu passar pra o seu para o seu espaço obras de Constable, Turner, Wilson, Gainsborough e Bonington que reforçaram a coleção histórica britânica. No final da década de 50, com o número de visitantes a aumentar128, tornou-se também prioritária a necessidade de melhorar os espaços de exibição principalmente para exposições temporárias, eventos aos quais a Galeria estava a dar cada vez mais importância para captar mais visitantes. Esta preocupação foi recorrente ao longo das duas décadas seguintes com referências regulares nos relatórios à urgência em melhorar as condições do edifício para alargar o espaço de exibição, diversificar os serviços, melhorar o acesso e a circulação dos visitantes e proporcionar uma melhor visibilidade das obras de arte (Tate Report 1960-61: 1961 7). Contudo, um obstáculo que impediu consecutivamente o planeamento de grandes linhas de desenvolvimento foi a escassa quantia do subsídio governamental que, além de não permitir grandes decisões a nível aquisitivo impediu a concretização de muitos projetos, nomeadamente a criação de novos serviços. A par das questões de capacidade financeira que eram persistentes e com as quais se lidou das mais diversas formas129, a falta de espaço era um dos fatores que mais pressão exercia sobre a organização das ‘coleções’ e foram as práticas de exibição que mais desafiaram os curadores em Millbank, em sucessivas tentativas de dar coerência às duas vertentes da coleção, exibidas no mesmo espaço. No biénio de 1965-66, por exemplo, a disposição das obras foi feita em justaposição, abandonando a separação estanque entre a arte nacional e a internacional e colocando algumas obras da pintura britânica em diálogo com obras estrangeiras suas contemporâneas (Tate Report 1965-66, 1966: 6), o que resultava na exibição de um maior número de obras e, em simultâneo, numa internacionalização da arte britânica, mostrando-a ao lado de grandes artistas estrangeiros. Os Trustees começaram a olhar com persistência pra o investimento a fazer numa programação temporária de mais qualidade considerando que permitia alargar redes de colaboração com outros museus e galerias, mostrar os artistas da coleção permanente

128 O relatório de 1958-59 apresenta pela primeira vez a passagem do meio milhão de visitantes, 524.334 (Tate Report 1958-59: 1959: 7). 129 Em 1958, a criação do Friends of the Tate Gallery teve precisamente como objetivo angariar fundos que pudessem compensar a falta de dinheiro governamental para aquisições.

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sob outras perspetivas e preencher falhas existentes nela através da possibilidade de mostrar temporariamente obras emprestadas. Entre 1959 e 1960 a Tate recebeu um dos maiores aumentos do subsídio estatal, o que permitiu adquirir obras de Soutine, Lipchitz, Brancusi e Archipenko. Nesse período era praticamente a única galeria na Grã-Bretanha que possuía obras de Klee, Ernst, Picasso e Braque, o que colocava o país numa posição de grande desvantagem em relação à mostra de pintura do século XX, com falhas graves principalmente na representação do Cubismo e do Surrealismo. No decurso da década de 60 continuaram a realizar-se esforços para o aumento quer das obras de pintura nacional, principalmente dos séculos XVI, XVII e XX (com os séculos XVIII e XIX parcialmente estagnados), quer das de escultura do século XX que cresceram em número, graças a pequenos aumentos do subsídio para aquisições e por via de doações quer de dinheiro quer de quadros. No que tocava à componente ‘histórica’ da coleção britânica, os problemas colocavam-se com o aumento da procura de arte britânica do século XVIII nos mercados de arte por galerias e colecionadores particulares norte-americanos (Tate Report 1961-62, 1962: 2-3). Em relação à vertente contemporânea foi possível adquirir obras de artistas britânicos vivos como Henry Moore130, Ben Nicholson, Francis Bacon ou David Hockney. Verificamos também que a representação da arte britânica era um foco importante do desenvolvimento da coleção e da construção da identidade da Galeria e o esforço em fazer afirmar a importância desta vertente foi visível na veemente tomada de posição dos Trustees quando na opinião pública foi sugerido que a Tate distribuísse parte das suas obras por galerias regionais:

To the extent that these views are based simply on the feeling that the provinces should have more and the capital less, there is no answer to that. But in some cases at least this feeling is based on a simple misunderstanding of the purpose and functions of the great national collections. (…) Having said this, it is undoubtedly true that the Tate collections are sufficiently rich to allow more works to be lent, whether to provincial galleries or, it has been suggested, to country houses. But there are real difficulties, most of which could be solved by energetic action and the expenditure of large sums of money. It is the latter which is missing. One difficulty is that the power of the provincial galleries to borrow from the national collections is limited by their inability to pay for the insurance and for the care and

130 Em Tate Report 1966-67, 1967, p. v, os Trustees dera conta da oferta de obras de Henry Moore à Tate pelo próprio artista e cuja transferência estaria pronta para que fossem incluídas na exposição comemorativa do 70º aniversário do escultor em 1968.

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security of the works. Our power to lend is limited by the capacity of our conservation staff to put works into a fit condition to travel. (…) Two points need to be made clear about the scope of the Historic British collection in relation to the interests of the National Gallery. The fact that British art is represented both at the National Gallery and at the Tate Gallery leads some people to suppose that the masterpieces in this field are the responsibility of the National Gallery while the Tate, in a sort of supporting role, is concerned only with lesser works. Nothing could be further from the truth. A few of the masterpieces of British painting are shown at the National Gallery to establish the presence of a British School in the context of European art as a whole. But this does not mean that every British masterpiece is therefore a ‘national Gallery picture’. The Tate Gallery is the national collection of British painting and as such has a responsibility to show the greatest achievements in this field as well as the lesser contributions. It is particularly vital that the master-works of individual artists be seen in the context of their other work. (Tate Report 1972-74, 1974: 11)

Também nesta década a Tate foi obrigada a refletir acerca da necessidade de fazer mudanças nas práticas da Galeria e a questão que mais emergiu nesta reflexão foi precisamente a necessidade de investir nas exposições temporárias:

The Trustees believe that no museum of modern art can perform its full function through its permanent collection alone. (…) A museum of modern art must, in fact, as an integral part of its work offer experience of a much wider range of art than any one museum can possess. In the modern world it is through the museum that most people participate in the artistic life of their time. (…) This view has been accepted for many years in comparable museums abroad. The trustees have in mind such institutions as the Stedelijk Museum in Amsterdam and its counterparts in Germany and Switzerland, the Museum of Modern Art in New York and the American museums with which it often collaborates, and the Musée National d‘Art Moderne in Paris. These museums are not only distinguished by their collections; they are distinguished equally by the continuous contribution that they make, through the medium of temporary exhibitions, to the life of the communities they serve. However rich the collection, the temporary exhibitions which are shown beside it remain the very breath of a museum of modern art. (Tate Report 1963-64, 1964: 2-3)

Havia a consciência de que estas exposições, quer fossem monográficas, retrospetivas ou temáticas além de chamar a atenção para pontos-chave da coleção, atraíam mais visitantes, receitas extra e promoviam a imagem da Galeria. Se para a Tate a elaboração de um programa temporário já entrava no seu planeamento praticamente desde o início do século, para a National Gallery a questão só teve concretização no início dos anos 60, quando a concorrência de outras ofertas culturais e a diminuição do subsídio estatal começaram a configurar a necessidade de novas políticas para Trafalgar, que também via o publico dispersar-se por outras opções de entretenimento. Na verdade, na década de 50 a reflexão dos Trustees da National Gallery revelava a consciência de que as circunstâncias culturais e sociais se tinham alterado e que era necessário alterar práticas: 166

In normal times it has not been the policy of the Trustees to hold temporary exhibitions, for these would become feasible only if special accommodation for them was added to the preset building. The war, however, created exceptional obligations and opportunities. (National Gallery Report 1938-54, 1955: 41)

Contudo, só em 1961 é que a National Gallery começou a fazer exposições temporárias mostrando, obviamente, o melhor do cânone artístico e inaugurando o seu programa com From Van Eyck to Tiepolo e Masterpieces of French Painting from the Buhrle Collection. Porém, em 1962 não realizou qualquer exposição e em 1963 mostrou Ucello e Renoir. Só a partir de 1965, iniciou uma programação mais regular mostrando, ao longo desse ano, Rembrandt e Vermeer, Veronese e Corot, à qual foi dada continuidade ao longo das décadas seguintes. Uma das estratégias de planeamento da programação na Tate começou por incidir sobre a arte internacional, contudo, dificuldades em obter muitas das obras condicionavam uma programação mais consistente nesta área e, com frequência, a Tate foi obrigada a recorrer a empréstimos de coleções privadas ou de fundações para complementar a interpretação da sua coleção de arte internacional e as exposições dedicadas a grandes figuras não estavam ao nível das de outros museus e galerias europeus ou norte-americanos131, o que, temiam os Trustees, continuaria a desencorajar o público. Por sua vez, a arte britânica, com uma representação muito mais substancial e consolidada, não sofria de falhas tão evidentes, pelo que foi possível realizar exposições de grandes nomes da arte nacional com grande destaque dado a Turner, com mostras quase anuais dando conta da imensa coleção que a Tate possuía do artista e da diversidade da sua obra.

131Weil (1995: 81-123) explora as grandes transformações ocorridas nos museus norte-americanos após a Segunda Guerra Mundial e a sua qualidade constituía uma concorrência a ter em conta e estava a ter efeitos na programação e nos serviços. Apesar de terem sido criados a partir da tradição europeia da democratização do conhecimento e da educação das populações, os museus norte-americanos tinham implementado mudanças nas suas práticas decorrentes das transformações sociais, económicas e culturais do pós-guerra. Principalmente com a expansão da economia de mercado, do consumo e a democratização da cultura a sua gestão direcionou-se, também numa tentativa de demarcação do modelo de funcionamento europeu, para duas vertentes: o foco das suas exibições afastou-se um pouco das artes visuais convencionais para incluir outras formas de produção artística, e a performance dos seus serviços passou a ter muito mais relevo no conjunto das suas atividades.

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Numa das primeiras tentativas para quebrar um ciclo de nomes menos emblemáticos da arte internacional e com a Pop Art a dominar o panorama artístico, a Tate realizou, entre 1967 e 1968, uma grande exposição dedicada a Roy Lichtenstein que atraiu cerca de 152.000 visitantes132 (Tate Report 1967-68, 1968: 27). Posteriormente, e ao longo de toda a década de 70, realizaram-se grandes exposições dedicadas a Léger (1970), a Claes Oldenburg (1970), a Andy Wharol (1971), a Constable (1971), a Caspar David Friedrich (1972), a Turner (1974, 1977, 1979), a Duncan Grant (1975), a George Stubbs (1976), aos artistas britânicos dos anos 60 (1977), a William Blake (1978), entre inúmeras outras que realçaram percursos individuais ou panorâmicas sobre movimentos artísticos, colocando aspetos particulares da obra de um artista ou de uma corrente em diálogo com as várias vertentes da coleção133. Importa realçar que um grande impulso para a promoção de muitas destas exposições se deu com a entrada de Norman Reid para a direção da Tate em 1965. A ação de Reid foi orientada pela noção de que era necessário dar mais visibilidade à Galeria através de novas estratégias de comunicação com os públicos e com os próprios artistas. Sendo um grande admirador das vanguardas, no entanto não apreciava a Pop Art, o que não beneficiou a Tate que, através da exibição de arte contemporânea, poderia atrair o público mais jovem. Através dele foi também aprofundada a noção de que a programação tinha de ser muito mais dinâmica refletindo não o gosto particular do Diretor mas colocando em evidência as várias vertentes das ‘coleções’, intercalando grandes figuras com nomes menos conhecidos ou em início de carreira em exposições temáticas ou retrospetivas individuais. Com uma consciência muito clara relativamente ao poder dos media, Reid projetou a imagem da Galeria por vezes não só através da arte, mas também através de eventos que mediatizaram as suas atividades e a tornaram mais visível134, e que a começaram a

132 É notória, no relatório de 1967-68, a satisfação dos Trustees com o sucesso desta exposição junto do público mais jovem, o que estava em linha com os objetivos da Galeria de transmitir uma imagem mais dinâmica, de acordo com a renovação populacional e urbanística que estava a ocorrer em Londres 133 Spalding (1998:302-10) inclui uma listagem completa de todas as exibições organizadas pela Tate desde 1911 até 1997, por ano. 134 Nos anos de Reid verificaram-se alguns episódios que trouxeram a Galeria para a ribalta mas que pouco tiveram a ver com a sua coleção. O artista conceptual John Lathan queimou livros na sua escadaria, atraindo a imprensa para o evento. Também esse espaço foi disponibilizado para a rainha Isabel dar as

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colocar num patamar de visibilidade junto do público que ainda não tinha sido experimentado. Foi também com este Diretor que houve uma aposta clara no exercício das relações públicas através da organização de jantares com artistas, principalmente na inauguração de exposições, sabendo que isso poderia resultar mais tarde em doações de obras de arte para a Galeria (Spalding, 1998: 154). A noção de que o subsídio estatal seria sempre insuficiente para fazer mais do que uma ou duas aquisições de grandes obras por ano consciencializou os Trustees para a necessidade de ajuda de outras entidades com o objetivo de aumentar as ‘coleções’, o que abriu o caminho para que em décadas posteriores o patrocínio empresarial entrasse em força como fonte de financiamento:

Unfortunately the high price of most works of this type means that it is usually impossible to buy more than two or three in any one year. Progress is therefore rather slow, alarmingly so in view of the fact that the works themselves are becoming more expensive and more difficult to get all the time. We are well aware that time is not on our side. If we are to make a great museum of modern art in this country at this last stage it is clear that we shall need much help. (Tate Report 1966-67,1967: 5)

Pouco mais de dez anos após a separação da National Gallery, esta reflexão demonstra que o interesse em autonomizar os mecanismos de aquisição de obras se sobrepôs a qualquer vínculo permanente com o setor público e que a Tate desejava manter-se independente de outras instituições para empréstimo de obras135. A questão financeira136 constituiu sempre um problema para a gestão da Galeria e

boas vindas ao rei saudita Faisal tendo a comitiva daí partido para Buckingam sem terem visto uma única obra de arte, o que revelava da parte dos responsáveis pela Tate que não seria apenas a coleção a atrair o olhar do público numa sociedade mais virada para a espetacularização dos eventos. 135 Para preencher muitas lacunas, quer na exibição permanente quer nas temporárias a Tate estava muito dependente ou de outras instituições ou de particulares que emprestavam obras, o que, segundo os Trustees, dava uma falsa aparência de completude e de não acelerar a urgência de novas aquisições (Tate Report 1966-67, 1967: 5). Uma das marcas dessa autonomia deu-se com a decisão de terminar o vínculo com o Arts Council no início da década de 60, organismo em relação ao qual os Trustees já não viam benefício nem perspetivas de evolução porque as suas práticas estavam demasiado presas a práticas muito canónicas e elitistas de exibição de arte (Tate Report 1963-64, 1964: 5). 136 Contudo, realçamos que, apesar dos constrangimentos financeiros nunca se colocou a possibilidade de optar por um regime de entrada paga na Tate, que apenas foi posto em prática de janeiro a março de 1974 por imposição do Governo Conservador a todos os museus e galerias públicos e revogado imediatamente após eleições nas quais venceu o Partido Trabalhista.

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fonte de indignação do Diretor e dos Trustees, principalmente no que tocava à participação do Estado. No relatório de 1967-68, por exemplo, Norman Reid respondeu com apurada argumentação à pergunta: Why must we so often concern ourselves with money? (Tate Report 1967-68, 1968: 5), texto no qual, embora se congratulasse pelo facto de o subsídio para aquisições passar a ser atribuído por períodos de cinco anos, o que permitia um planeamento a médio-prazo e com menos incertezas, continuava a ser difícil fazer face à volatilidade do mercado de arte, que não se regia por preços fixos. Embora fosse possível pedir um subsídio suplementar ao Parlamento, o que muitas vezes gerou grande controvérsia, a aceitação ou recusa desse pedido dependia em grande parte da visão e sensibilidade dos parlamentares e do ministro das finanças, que nem sempre decidiram a favor da Tate137. A verdade é que, ao longo de toda a década de 60 continuaram a faltar obras importantes de Mondrian, Kirchner, Vlaminck, Dali, Severini, e tinha-se perdido um Braque importante por o Tesouro não ter concedido a verba necessária. O primeiro Mondrian só entrou para a Tate em 1964, Composition with Red, Yellow and Blue, ano em que o fundo governamental, apesar de ter subido para £60.000, continuou insuficiente para comprar obras representativas da pintura internacional. À falta de fundos para comprar obras acrescia o facto de as responsabilidades inerentes ao cumprimento do estipulado no National Gallery and Tate Gallery Act de 1955 continuarem a empobrecer a ‘coleção’ internacional da Tate devido a transferências importantes para a National Gallery, essencialmente dos impressionistas Seurat, Degas, Van Gogh, Monet, Pissaro e Renoir, mas também de obras de Sisley e Toulouse-Lautrec. Em 1975 a National Gallery alargou o seu limite temporal de aquisições para 1915 com a intenção de, a breve trecho, se estender até 1925, o que antevia um período de novas negociações entre as duas galerias no que dizia respeito a transferências (Spalding, 1998: 185). As dificuldades em adquirir obras para uma coleção com varias vertentes prendiam- se sempre com o facto de o subsídio estatal concedido à Tate poucas vezes ter tido em consideração essa particularidade, ou seja, que a Galeria tinha de gerir duas ou três ‘coleções’ que competiam pelo mesmo dinheiro. No entanto, o que acabava por

137O Diretor lamentou a má vontade do Parlamento em atribuir verbas para comprar arte moderna. Por exemplo, quando da aquisição da obra L’Escargot de Matisse em 1962, o Parlamento recusou um subsídio suplementar para o efeito alegando dificuldades financeiras. No entanto disponibilizou £350.000 para comprar uma obra de Leonardo que estava a ser vendida pela Royal Academy.

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acontecer era que a ‘coleção’ britânica, por grande parte das obras se encontrar no país138, era ‘sacrificada’ em termos de aquisição de obras em favor da ‘coleção’ internacional (Tate Report 1964-65, 1965: 6). A par da coleção e da programação um terceiro vetor merecedor de atenção neste período incidiu sobre o melhoramento do edifício em Millbank com o objetivo de compensar a sua localização periférica:

It is no longer, in our view, enough to put a number of paintings in each gallery, numbered and catalogued, and to let the public do the rest. The Gallery of today must provide a setting where the visitor will feel inclined to spend some time. And this is doubly important where the Tate, with its geographically unpropitious situation, is concerned. (Tate Report 1964-65,1965: vi)

Todas as tentativas para melhorar as instalações visaram adequar os espaços ao crescente número de visitantes e às suas necessidades de circulação e de acesso à coleção (Tate Report 60-61: 1961: 7). Com um número crescente de visitantes durante toda a década de 60, que se situou na ordem dos 500,000 e atingiu um milhão em 1968 (Tate Report 67-68: 1968: 77), melhorar o espaço existente ou aumentá-lo tornou-se uma necessidade urgente, porque o maior investimento nas exposições temporárias estava a ocupar galerias necessárias para a exposição permanente, o que já estava a acontecer desde a década anterior:

In addition to the increasing pressure on exhibition space through the growth of the permanent collection, three, and sometimes more rooms are in continual use for the special exhibitions which have become an extremely popular feature of the Trustees’ policy since the war. (Tate Report 1958-59: 1959: 7)

Só no final dos anos 60 foi possível aos Trustees anunciarem que tinha sido cedido parte do espaço ocupado pelo Queen Alexandra’s Military Hospital139, para alargamento da

138 Ainda assim os Trustees continuavam a chamar a atenção para o facto de, por ter surgido um interesse internacional pelos séculos XVIII e XIX britânicos, as obras desses períodos estarem a deixar o país e a dispersar-se, principalmente por mãos americanas. Uma coleção americana com pintura desse período fora exibida em 1964 pela Royal Academy em Burlington House, despertando grande interesse junto público que não poderia vê-las nas galerias nacionais (Tate Report 1964-65, 1965: 6). 139 O hospital, aberto em 1905, estava construído a norte do edifício da Tate e forneceu um apoio fundamental aos feridos durante as duas guerras mundiais na medida em que se especializou em cirurgia militar tendo sido construído um centro de formação nesta área que abriu em 1907, numa zona adjacente à parte sul da Tate.

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Galeria, o que veio a acontecer em 1979 com a criação de novas salas com mais espaço de circulação e melhores condições de iluminação. Um outro projeto de desenvolvimento importante em Millbank foi a renovação do restaurante feita não só na perspetiva de aumento das receitas mas também devido ao facto de a Tate se encontrar num ponto de Londres no qual existiam poucos restaurantes e cafés (Tate Report 1970-72, 1972: 47). A consciência de que a falta de uma cafetaria ou restaurante poderia afastar visitantes revelava já uma visão clara da redefinição do espaço do museu e de que, com as transformações que estavam a ocorrer no tecido social da cidade, era necessário encontrar outras formas de atrair uma classe social mais aberta à arte e ao consumo e que não visitava os museus e galerias só para observar as obras de arte. O acesso à Galeria continuava a representar um problema pois a Tate encontrava-se (e ainda se encontra) relativamente isolada numa zona residencial e visitá-la representava um desvio, que ainda hoje persiste, a quem, por exemplo, circulasse pela zona de Westminster para visitar o Big Ben, o Parlamento ou a abadia de Westminster. Millbank, além de continuar situada numa zona onde não se implementaram outras atrações culturais, encontra-se relativamente distante das rotas convencionais dos principais museus visitados pelos turistas na cidade. Em 1972, a abertura da estação de metro de Pimlico, um prolongamento da Victorian Line, atenuou as escassas ligações por transporte público à Galeria e, neste contexto, foram feitos esforços por parte da Tate para dar à estação o nome ‘Tate Gallery’, no entanto os responsáveis pela gestão da linha consideraram que ele não era representativo da identidade da área. Pensou-se também em colocar junto da zona das bilheteiras da estação de metro uma peça de escultura da coleção, ideia que acabou por ser posta de parte por questões de segurança (Spalding, 1998: 166). As tentativas de ligação da Galeria à identidade da zona através da sua associação à rede de transportes nunca se mostraram totalmente eficazes e apesar de hoje podermos ouvir na gravação de alguns autocarros da carreira nº 88 (das poucas que servem aquela área de Millbank) a frase Alight here for Tate Britain antes da paragem para a Tate, a estação de metro de Pimlico não oferece de modo muito evidente uma ligação à Galeria. Nas duas décadas abrangidas por este capítulo a questão do espaço não se colocou de modo tão agudo como em décadas posteriores porque o foco da ação dos Trustees esteve, de facto, concentrado no alargamento das ‘coleções’ e nas tentativas de definição da imagem da galeria a partir das mesmas. Contudo, como exploraremos na 172

análise das duas décadas seguintes, o aumento da capacidade aquisitiva da Tate acabou por colocar à sua administração sérios dilemas que foram responsáveis pela tomada de decisões determinantes para muitas mudanças. A nosso ver a ação dos Trustees e do Diretor foi pautada por muitas dúvidas quanto à linha representacional a dar àquela que já era, de facto, uma só coleção e não várias e, esta interpretação acabou por condicionar muitas decisões aquisitivas e muitas opções para definir a identidade da Galeria. Em termos de construção dessa identidade, a atividade da Tate Gallery até ao final da década de 70 pautou-se por uma evolução marcada pela aquisição de obras para as suas ‘coleções’, tentando nunca esquecer-se ou distanciar-se da sua missão original como galeria de arte nacional, dividida entre a necessidade de engrossar o número de obras de arte britânica e a de adquirir também arte estrangeira, importante para atrair novos públicos. Sentimos que, o facto de a Tate ter tido a responsabilidade de colecionar e exibir arte estrangeira constituiu sempre numa tarefa difícil para os Trustees, e que foi sentida como o deturpar de uma identidade nacional para a qual a Tate tinha sido inicialmente criada. No entanto, dada a dualidade desta identidade, julgamos que não restou à Tate outra hipótese senão a de, mediante as circunstâncias, reconfigurar a sua missão inicial, esquecer temporariamente o desejo do seu fundador e manter-se mais fiel aos princípios que definiram a origem da galeria de arte do século XIX, ou seja, representar e exibir a excelência da História da Arte, dentro dos períodos temporais e dos limites geográficos que lhe tinham sido fixados por lei, preocupando-se em construir uma coleção de referência para o grande público e também para os artistas.

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4. A Tate ‘fora’ de Millbank: 1980-1997

The measure of a society is determined by its relation to the culture and the thought of its time. (Tate Report 1986-88, 1988: 7)

Nas últimas duas décadas do século XX, a Tate passou por um período de desenvolvimento que caracterizou também outros museus públicos europeus que tinham tido origem no século XIX e que foi marcado por uma grande necessidade de renovar e de inovar para fazer face não só à construção de outros complexos dedicados à cultura e ao entretenimento mas também à grande proliferação de museus que se deu a partir dos anos 80 fruto de um alargamento do espectro de narrativas (feminista, social, militar, étnica) representadas pelos museus. A renovação arquitetónica dos edifícios, a procura de inovações para a programação, a crescente colaboração com o setor privado para patrocínio de atividades e serviços, o aprofundamento dos mecanismos de conhecimento do mercado para captação de novos públicos e a promoção de exposições e outros eventos numa lógica mediática foram as vertentes mais exploradas num processo de reinvenção com o objetivo de reposicionar os museus numa sociedade que estava também a passar por alterações decorrentes do desenvolvimento tecnológico, de uma vivência cada vez mais subjugada às lógicas do consumo e de uma tendência dominante para a globalização. Consideramos que, embora as escolhas para a evolução da Galeria no sentido de a adaptar às transformações sociais, económicas e culturais que estavam a ocorrer possam ter dado a perceção de um avanço considerável relativamente a anos anteriores, este período correspondeu a uma certa dispersão no percurso da Tate. Os conflitos mais impeditivos à sua afirmação como uma galeria de qualidade internacional estavam centrados na gestão da coleção em Londres e a opção por abrir novos pontos de exibição em Liverpool e St Ives só adiou um problema em relação ao qual era necessária uma posição firme e determinada.

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Em janeiro de 1980 iniciou as suas funções como Diretor da Tate e o seu respeito pelo conhecimento histórico da arte trouxe à Galeria uma noção mais inovadora relativamente à responsabilidade científica dos curadores no aconselhamento dos Diretor e dos Trustees em termos de aquisições e na organização da mostra permanente e de exposições temporárias. Com um maior conhecimento sobre arte moderna internacional que os seus antecessores, tinha também um maior apreço por ela e acreditava que os objetivos de desenvolvimento desta vertente da coleção deveriam estar direcionados para rivalizar com a coleção do MoMA (Spalding, 1998). Bowness chamou a atenção para falhas na representação do Modernismo, do Surrealismo, do Expressionismo alemão, do Abstracionismo russo e da Pop Art, pelo que foram feitos esforços para adquirir obras de Ludwig Kirchner, Max Beckmann, Gertler, Picasso, Brancusi, Miró, Ernst, Dalí, Duchamp, Léger, Kokoschka e Derain. Em relação à arte nacional, este Diretor concentrou-se na pintura do século XIX que tinha sido relegada para segundo plano na década anterior e, sob sua proposta, adquiriram-se quadros de Constable, Gainsborough, Blake, Millais e Ramsay Wilson. Paralelamente, também foram compradas obras importantes da produção artística britânica do século XX, como por exemplo, o icónico A Bigger Splash de David Hockney. A coleção crescia mas o espaço de exibição em Millbank continuava a ser o mesmo e as várias tentativas que foram sendo feitas no sentido de organizar as obras traziam constantemente à superfície velhas questões: dispor as duas vertentes da coleção em separado no mesmo espaço criava problemas de organização e de definição do percurso nas salas e, mostrá-las em conjunto e numa perspetiva de influência entre movimentos e artistas, além de levantar mais dificuldades de interpretação transmitia a ideia de que a Tate seguia uma linha de exibição muito próxima da que era posta em prática na National Gallery. Na verdade verificava-se que, com muitas galerias a investirem cada vez mais numa construção de identidade associada às especificidades e excelência das suas coleções para se evidenciarem no competitivo mercado cultural londrino e internacional, Millbank continuava a ter dificuldade em afirmar uma identidade relacionada quer com a arte nacional quer com a internacional. No entanto, as decisões relativamente ao que fazer relativamente a Millbank foram sendo adiadas até ao início da década de 90, momento até ao qual a Tate acabou por desenvolver-se noutras direções nas quais foram exploradas estratégias de diversificação da sua oferta e de descentralização para outros 175

pontos de Inglaterra procurando novos mercados para a arte e associando a construção das suas duas novas galerias ao desenvolvimento económico de áreas empobrecidas ou arquitetonicamente desvitalizadas. Com uma noção muito clara de que a sociedade estava a passar por alterações profundas decorrentes de processos de internacionalização e de globalização das economias e dos mercados e que uma das consequência desses processos era a criação de públicos mais diversos, voláteis e com uma grande apetência para o consumo, os responsáveis pela Tate entenderam, apesar de tudo, que ainda não era o momento certo para dar um novo rumo à Galeria em Londres. Dando prioridade a tendências de diversificação que começavam a estar cada vez mais integradas na gestão empresarial dos museus, foram procuradas novas plataformas, públicos e pontos de consumos para a arte, o que se veio a concretizar na criação do mediático Turner Prize em 1984 e da construção de duas galerias fora de Londres, em Liverpool em 1988 e em St Ives, na costa de Cornwall, em 1993. Apesar de uma nítida capacidade para continuar a fazer crescer a coleção, para criar novas infraestruturas e para inovar em termos de práticas de exibição de arte, a projeção que os Trustees pretendiam para a Tate em Londres não estava a ser atingida e foi sofrendo com a concorrência quer de galerias londrinas que estavam a captar o interesse dos visitantes como a quer por parte de galerias estrangeiras de arte internacional como o museu Guggenheim em Bilbao aberto em 1997, cujo moderno edifício e coleção estavam a desviar turistas para a cidade basca, a renascer de um passado industrial como uma cidade cultural. Com o fim do milénio a aproximar-se, persistia junto dos Trustees e do Diretor da Tate a noção de que a estratégia para a Galeria em Londres teria de ser repensada e que só seria possível fazer brilhar as duas vertentes da sua coleção separando-as geograficamente dentro da cidade, em espaços autónomos e adequados às especificidades e identidades quer da arte histórica britânica quer da arte moderna e contemporânea internacional. A frequente sobreposição de obras nacionais e estrangeiras em Millbank e o facto de o seu espaço condicionar a mostra de muitas obras contemporâneas com o devido realce, estavam a afastar novos públicos, marcadas por uma identidade que cultivava o gosto por uma dimensão internacional e global da vida quotidiana e que procurava grandes eventos artísticos e diversidade de opções (pintura, performance, cinema, instalações), de consumo e divulgação massificados e mediatizados, o que foi possível concretizar com a abertura da Tate Modern em 176

Bankside, na margem sul do Tamisa.

4.1. A sociedade pós-industrial: cultura e reinvenção do passado

Durante a década de 80 a sociedade britânica foi profundamente marcada pelas políticas do governo do Partido Conservador, principalmente pela liderança de Margaret Thatcher, que governou entre 1981 e 1990, e que era totalmente favorável à exposição da atividade económica às forças do mercado. No seu discurso não existia ‘sociedade’ mas sim ‘indivíduo’ e a iniciativa individual deveria ser o foco principal do desenvolvimento pessoal. A ação levada a cabo pelo seu governo centrou-se no enfraquecimento do papel do Estado, principalmente a nível local, na diminuição do poder negocial dos sindicatos, na privatização de empresas públicas ou empresas nas quais o Estado tinha participação e na desregulação do setor público privilegiando as parcerias com o setor privado. A sua política concentrou-se na redução da despesa pública e na procura de parcerias privadas para financiar grandes projetos, principalmente ligados à reabilitação do património e à regeneração e valorização urbanas, na qual se viu uma saída para a decadência e crise económica em que se encontravam muitas áreas urbanas das quais a indústria tinha sido desvitalizada. Foi posto em prática um processo massivo de privatização quer de empresas públicas quer de empresas nas quais o Estado tinha participação e a subsidiação estatal da saúde, da educação, da investigação e da cultura sofreu uma redução considerável. As medidas tomadas no sentido de desvitalizar a indústria e a exploração mineira resultaram em níveis elevados de desemprego principalmente nas zonas que dependiam destas atividades e fizeram emergir uma nova força laboral mais qualificada, afastada da indústria e da cultura sindical, ligada aos serviços (finança, seguros, tecnologias de informação e comunicação e criatividade), com outros valores sociais e políticos e com uma identidade muito ligada ao consumo e ao lazer:

Thatcher believed strongly in the need to cut (and indeed in the value of cutting) personal taxation, seeing this as a way to return money to those who had earned it and thus to provide economic incentives and to help strengthen personal freedoms. (…) Spending became a major expression of identity and a significant leisure activity. The move to twenty-four-hour shopping and the abolition of many restrictions on Sunday trading were very symptomatic of this shift… (Black, 2010: 298-9)

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O entretenimento e as compras passaram a fazer parte da vida dos cidadãos, atividades que foram estimuladas com o aparecimento de grandes centros comerciais construídos com linhas arquitetónicas modernas, situados na periferia das grandes cidades, com acesso fácil de transporte público ou de automóvel, cuja oferta atrativa, diversificada e com boas opções de preço fez entrar em declínio o comércio no centro de muitas cidades. No que toca às políticas para a habitação, e com uma grande ênfase na iniciativa individual, o Thatcherismo apoiou a compra de casa própria, a par da criação do próprio emprego, como vetores de desenvolvimento pessoal. As casas pertencentes às municipalidades, através de incentivos à compra dados seus arrendatários, em breve passaram do Estado para proprietários individuais140, o que veio a resultar em alterações significativas na estrutura residencial das cidades, principalmente a nível de um novo processo de recomposição ocupacional do centro. Em termos de políticas para a cultura o facto mais evidente ao longo dos anos 80 e 90 foi a considerável redução do financiamento estatal que se verificou não só nos subsídios para manutenção dos museus nacionais mas também no apoio a pequenos projetos que mantinham vivos centros culturais ligados às municipalidades. Paradoxalmente, a cultura foi usada como o motor de desenvolvimento de muitas cidades britânicas que, com a necessidade de se erguerem do fecho de fábricas e minas, do desemprego e da exclusão social, focaram-se na preservação e reinvenção do património através de grandes projetos de regeneração urbana, aos quais se aliaram interesses ligados ao turismo e ao consumo (Hewison, 1987; Hoelscher, 2011: 198- 211). Esta visão ganhou consistência e adeptos, em 1987, com a publicação do documento A Urban Renaissance: The Role of the Arts in Regeneration – The Case for the Increased Public and Private Sector Co-operation, elaborado pelo Arts Council, no qual foram traçadas cinco vertentes a desenvolver na transformação das zonas urbanas: empreendedorismo, renascimento, cultura, imagem e comunidade. Num contexto emergente de competitividade a uma escala cada vez mais alargada,

140 A sua política de venda de habitação social pertencente aos municípios, aumentando o poder do capital na privatização e administração da propriedade, fez com que a opinião discordante de Ken Livingstone (do Partido Trabalhista) na liderança do Greater London Council viesse a resultar na extinção deste organismo em 1986.

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tratava-se de dar um novo rosto às cidades, principalmente as que estavam economicamente deprimidas com o fim da indústria, através de um novo planeamento tendo como uma das bases mais importantes a cultura e o património, trazendo novas identidades às comunidades urbanas e ao espaço público com o objetivo de captar fluxos de investimento e de dinamizar o consumo e o turismo através de estratégias de branding e marketing para promover esses locais nacional e internacionalmente. Assim, identidades territoriais, origens míticas, edifícios históricos, narrativas tradicionais, formas de vida doméstica e de trabalho do passado foram integrados em projetos de regeneração urbana que os reinventaram e re-imaginaram através de novas intervenções no espaço, na arquitetura e no design, sustentados por discursos de diferenciação e particularização dos lugares, e oferecendo os lugares como um recurso a ser explorado (Robins, 1993; Dicks, 2003). Cidades como Cardiff, Liverpool, Londres ou Birmingham viram o seu passado industrial, portuário ou mineiro sujeito a intervenções profundas, reinventado em museus, centros de interpretação, lojas de souvenirs, visitas guiadas e integrados em complexos arquitetónicos de compromisso entre a tradição e a contemporaneidade, rodeados de restaurantes, bares, lojas, centros comerciais e construção em altura para escritórios e habitação. O museu foi colocado no centro destes projetos como mais um equipamento cultural para associar prestígio e sofisticação aos novos quarteirões culturais que estavam a ser construídos nas zonas urbanas, o que aconteceu com os projetos da Tate para as suas novas galerias em Liverpool e em St Ives e, esta associação do museu a projetos de regeneração urbana revela a capacidade de adaptação desta instituição secular, agora obrigada a repensar a sua imagem e práticas devido à inclusão em novos complexos arquitetónicos e sujeita a novos padrões de consumo do espaço urbano. Se Paris já tinha dado um sinal claro destas alterações com a construção do Centro Georges Pompidou, foi novamente desta cidade que veio um dos reflexos mais marcantes com o anúncio dos planos de renovação do Louvre nos anos 80. O presidente François Mitterrand selecionou o arquiteto I.M. Pei para remodelar a entrada do Louvre que ficou pronta para abrir em 1989, no bicentenário da Revolução Francesa. A pirâmide fazia uma ponte entre o passado e o presente e o visitante entrava, através dela, para um hall imenso no qual monitores e painéis de parede mostravam os conteúdos do museu (Davies, 1990: 47), conferindo ao seu espaço, através da colocação de escadas rolantes, o ambiente de uma grande galeria comercial. As alterações feitas no 179

Louvre acabaram por marcar também a mudança de um paradigma para os museus públicos europeus na medida em que se verificou que em toda a estratégia de gestão do espaço estava subjacente uma viragem para as necessidades do visitante e para a exploração comercial da arte e da cultura.

4.1.1 Cidade, empresariado e regeneração urbana: a Londres yuppie

As décadas de 80 e 90 do século XX trouxeram grandes mudanças à cidade de Londres principalmente a nível do aumento da sua população141, da sua estrutura ocupacional, da diversidade étnica, da orientação política dos seus habitantes e governantes e das bases de desenvolvimento da sua economia. Apesar dos níveis de desemprego142 que se verificaram na Grã-Bretanha a partir dos anos 70, a cidade viu o setor dos serviços expandir-se e, com esta expansão, o enriquecimento de uma geração de jovens trabalhadores que ganhou, ao longo de toda a década de 80, com a bolsa, com a especulação imobiliária e com os projetos de construção e reconstrução das docas dando origem a uma nova classe média que pretendia exibir um estilo de vida urbano ligado ao consumo, nomeadamente de cultura e de arte (Short, 1989), e que procurava novos espaços para ver artistas britânicos contemporâneos. A geração yuppie143 transmitiu a imagem de que, logo que se dominasse a bolsa, os mercados e a informática, o dinheiro surgia quase automaticamente, alcançando-se uma prosperidade individual que as gerações anteriores nunca tinham experimentado e muitos negócios surgiram na cidade para fazer face à procura desta classe social por espaços de habitação, refeição, entretenimento e consumo, associados ao cultivo de um

141 Depois de um pico atingido em 1939 (8,6 milhões) que não voltou a verificar-se devido ao contexto de guerra e posteriormente ao fim da indústria (apenas 6,8 milhões em 1981), a população voltou a aumentar na segunda metade dos anos 80, com a perspetiva de chegar aos 8 milhões em 2020 (Hamnett, 2003: 4). 142 Green (1986: 37) explora a dramática evolução nos níveis de desemprego na Grã-Bretanha resultado da recessão dos anos 70: em 1970 havia 1.3 milhões de desempregados que subiu para 3.1 milhões em 1984. 143 Ou yuppy, termo que resulta da junção das primeiras letras da expressão young urban professionals, usada para designar a classe profissional que prosperou principalmente com os negócios especulativos da bolsa nos anos 80.

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estilo de vida com uma dimensão internacional e cosmopolita. Londres começava a transformar-se numa cidade pós-industrial e a passagem de uma economia com base na indústria para uma economia com base na finança, na gestão de negócios e nas indústrias culturais e criativas144, teve efeitos na sua geografia cultural, na sua estrutura de rendimentos, na arquitetura e na distribuição da propriedade. A cidade consolidou as suas estruturas de operação e controle económico a nível global ao conseguir atrair sedes ou filiais de grandes empresas para o seu espaço posicionando-se ao nível de Paris, Tóquio e Nova Iorque. Desde o final da década de 80 do século XX tinham começado a ser lançadas as bases para que Londres mantivesse a sua liderança económica a nível mundial e afirmasse o seu estatuto de cidade global através de um considerável número de projetos ligados à criação de infraestruturas como estradas e vias rápidas, ao melhoramento da rede de transportes e de telecomunicações, à regeneração de zonas degradadas e à criação de zonas comerciais e de serviços, espaços culturais de qualidade e áreas de habitação com o objetivo de captar fluxos de investimentos globais assim como mão- de-obra empreendedora e qualificada, novos residentes e mais turistas (Hoggart e Green, 1991; Imrie et al, 2009b). Graham (1999) analisa como Londres beneficiou da liberalização do mercado de telecomunicações em 1981 para consolidar a sua posição de cidade global e a sua vantagem competitiva no mundo dos negócios, operando a mais baixo custo do que Nova Iorque:

The fact that the financial services sector accounts for 15 per cent of the UK telecommunications market has meant that the City of London has been the prime beneficiary of this shift to competition attracting intense infrastructure investment and localized competition from all the main global telecommunication players. (Graham, 1999: 940)

A abolição do Greater London Council em 1986, que tinha uma orientação Trabalhista e uma intervenção muito nítida a nível local, conduziu a uma centralização que,

144 Hamnett (2003: 21-47) refere que em 1961 apenas um em dez trabalhadores londrinos estava empregado nos serviços mas, em 1988, esse mesmo setor empregava um terço da mão de obra da cidade e a indústria apenas 8%. As áreas laborais que mais se desenvolveram a partir da segunda metade da década de 80 foram, além destas, os seguros, a gestão de fundos, o imobiliário, o transporte, a distribuição e as comunicações e o sector dos hotéis, catering e restaurantes. No final dos anos 90, a par destas atividades, cresceu o emprego ligado à informática, à publicidade, à arquitetura e engenharia e à investigação.

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paradoxalmente, acabou por resultar em fragmentação e descoordenação dos organismos de controlo da cidade, o que serviu os objetivos do Governo conservador de beneficiar o setor privado chamando-o a intervir no planeamento:

Fragmentation has paradoxically been centrally controlled. Government has achieved this control through institutional reforms, hierarchical planning regulation and the rules governing urban regeneration initiatives. However this centralisation has been used in a particular way. Rather than develop a central government strategic policy, the centralized power has been used to set out a framework for ensuring the implementation of government’s objectives and he involvement of the private sector. As a result, the private sector has acquired a stronger role in the planning of London in the 1990s, including a major involvement in the setting of new London-wide and sub-regional priorities. (Newman e Thornley, 1995: 967-8)

Com a terciarização da atividade económica (Graham e Spence, 1995), o desenvolvimento da cidade centrou-se no compromisso com projetos arquitetónicos de design sofisticado para atrair o setor empresarial, com o Estado a aliar-se aos privados na procura de iniciativa, inovação e lucro. A aglomeração de atividades de que Londres já usufruía facilitou e aprofundou processos de comunicação e de formação de redes, assim como de dinâmicas de atração de negócios que reconfiguraram o espaço da cidade (Crampton e Evans, 1992). Com uma ancoragem na finança, na banca, nas firmas de consultoria informática, jurídica e financeira e no desenvolvimento tecnológico, beneficiando da proximidade de universidades e centros de investigação e da aglomeração de pontos de cultura e de património, Londres esteticizou a sua paisagem urbana, reconfigurando-a para a cultura, o conhecimento e o empresariado (Hubbard, 1996; Massey, 2007). A nível da habitação, e fomentada pelas políticas do Partido Conservador, Londres seguiu modelos de privatização da habitação em prática nos Estados Unidos e na Europa (Healey e Williams, 1993) que incentivaram a procura de habitação própria reduzindo os investimentos do Estado na habitação social e abrindo à iniciativa privada a oferta de habitação, através da produção de legislação para facilitar e agilizar a compra de casa própria (Linneman e Megbolube, 1994). As políticas para o desenvolvimento habitacional da cidade durante este período revelaram alguma insensibilidade para com situações problemáticas que existiam no centro em pontos de implantação da classe trabalhadora, como o desemprego, os salários baixos, a habitação degradada e a prevalência de crime e delinquência. O investimento no centro ficou a cargo de privados que, estabelecendo as suas próprias

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regras e visando a obtenção de lucro (Frost e Spence, 1993), exploraram novos focos residenciais de elevado perfil e de luxo tentado captar os novos profissionais da área dos serviços, não só nacionais mas também estrangeiros, contribuindo para uma internacionalização da estrutura social da cidade, principalmente das classes médias, mas, em simultâneo, dando origem ao afastamento da população para zonas suburbanas (Carpenter e Lees, 1995) e consequentes fenómenos de gentrificação e polarização social no centro da cidade (Hamnett, 1994). Uma das diretrizes com marcas mais evidentes na renovação da cidade foi o desenvolvimento urbanístico de toda a faixa ribeirinha, envolvida num grande projeto de regeneração que pretendia renovar os seus edifícios decadentes, através da construção de equipamentos culturais, de escritórios e de novos pontos de consumo, o que resultou não só no enriquecimento de quem especulou com a propriedade nessa área e mas também no afastamento de muitos residentes da classe trabalhadora que aí habitavam retirando à cidade um dos últimos redutos de uma identidade laboral ligada ao porto e também à manufatura. Algumas das atividades relacionadas com o rio tinham-se perdido com os bombardeamentos alemães a Londres durante a Segunda Guerra Mundial, que atacaram a atividade económica britânica num dos seus núcleos mais produtivos e muitos dos edifícios destruídos nesse período já não vieram a ser recuperados. Nos anos 50 do século XX o porto ainda se encontrava em atividade e as indústrias localizadas nas zonas suburbanas ainda tinham níveis de produtividade consideráveis. A crise do Suez em 1956 e as mudanças económicas daí decorrentes vieram a ser responsáveis pelas alterações na posição da Grã-Bretanha no mundo e, consequentemente, da sua capital, que começava a assistir ao declínio do porto e da manufatura. Nas décadas seguintes, o declínio da atividade portuária aprofundou-se com a deslocalização da indústria para a periferia que, em rigor, já tinha começado no início do século XX e também com o desenvolvimento do tráfego ferroviário e rodoviário. Contudo, o fator determinante para a desvitalização das atividades do porto foi a contentorização do transporte de carga feita em embarcações maiores cuja navegação não era possível no Tamisa, que tem águas pouco profundas. Paralelamente, outra das razões para o fim das docas diz respeito ao facto de, em termos laborais, a mão de obra do porto londrino ter deixado de ser competitiva quer a nível nacional quer internacional principalmente devido à frequência com que os serviços foram interrompidos devido a 183

greves145. Em 1981 foi criada a London Docklands Development Corporation (doravante LDDC), um organismo dependente do governo central e criado pelo Secretário de Estado do Ambiente, Michael Haseltine, com o objetivo de desenvolver urbanisticamente uma área que se estendia de Newham até Southwark, que estava desvitalizada social, económica e arquitetonicamente. Embora não recebesse fundos muito alargados do governo o LDDC era proprietário da terra que estava sob a sua jurisdição e, por isso, tinha uma grande margem de manobra para negociar com os construtores civis. Além do mais, tinha poderes relativos ao planeamento, o que lhe permitia agilizar muitos procedimentos em relação à autorização para construção, passando por cima dos governos locais. Em 1982 a área foi declarada isenta de impostos sobre a propriedade usada para criação de negócios, o que promoveu uma intensa procura de terra para desenvolver espaços comerciais e de escritórios, fazendo da zona das docas a que mais se expandiu em Londres em termos imobiliários. Canary Wharf, um projeto residencial e de escritórios construído na área de uma das mais dinâmicas docas do mundo ao longo do século XIX, tornou-se um dos símbolos da regeneração das docas londrinas, tendo os primeiros edifícios sido aí construídos em 1991. Graças a um plano de desenvolvimento urbanístico de construção em altura com atrativos edifícios em vidro e de design moderno, esta zona conseguiu captar escritórios de grandes empresas globais como Aviva, BT Group, Lloyd’s Banking Group, Old Mutual Unilever ou firmas de advogados como DLA Piper, Clifford Chance ou Allen & Overy, tornando-se o segundo pólo de serviços financeiros em Londres, depois da City. A cidade viu, assim, uma parte do seu poder económico ser transferido para um novo distrito financeiro com os seus escritórios no centro e as residências de luxo com vista

145 O porto já tinha dado sinais de grande perturbação a nível laboral nomeadamente entre 1945 e 1955 período durante o qual houve 37 greves, o que causou, logo nessa época, uma procura de serviços de manutenção e de reparação de barcos nos portos de Folkstone, Dover e Southampton e, inclusivamente, noutros pontos da Europa. O porto de Tilbury, a este de Inglaterra na margem norte do Tamisa, estava a ganhar importância com a divulgação de planos para aí se abrir um terminal de cargueiros dando-lhe um papel determinante nas atividades portuárias a partir de 1980. Entre 1966 e 1981 houve novamente um período durante o qual se verificaram 12 greves relacionadas direta ou indiretamente com as atividades do porto e, no início dos anos 80, as docas londrinas tinham encerrado deixando uma faixa de 21 quilómetros de terreno sem aproveitamento e com bolsas de desemprego e de pobreza (White, 2008b: 203-6).

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para o rio. A atuação do LDDC não foi pacífica e, muitas vezes marcada pela controvérsia, foi responsabilizada pelo favorecimento dos negócios de especulação imobiliária e pelo consequente amento de preços da propriedade, por descaracterizar as zonas intervencionadas e por fazer crescer bolsas de uma elite próspera na cidade esquecendo a habitação social e o desejável equilíbrio de classes no espaço urbano. O desenvolvimento da zona portuária não foi, por isso, isento de tensões a nível social devido ao facto de as comunidades de residentes terem sido obrigadas a lidar com novos habitantes pertencentes a uma classe social mais rica e com modos e estilos de vida muito distantes da vivência das docas. Com a criação de espaços residenciais muito atrativos em frente ao rio, os projetos da LDDC atraíram para a zona ribeirinha uma classe média que também acabaria por lhe conferir uma identidade nova, baseada no consumo, na experiência de estilos de vida e no espetáculo proporcionados pelos novos espaços comerciais, restaurantes, bares e equipamentos culturais, com inevitáveis processos de gentrificação146. Presentemente o porto de Londres, não tendo o volume de negócios nem a importância a nível nacional e internacional do passado, serve um conjunto considerável de atividades económicas. Vários cais são abrigo de pequenos barcos de cruzeiro que passeiam diariamente milhares de visitantes pelas principais atrações londrinas situadas nas margens do rio e que são ícones da cidade: a Torre de Londres, o Big Ben, o Palácio de Westminster, o Globe Theatre, Tower Bridge, o London Eye ou a Catedral de S. Paulo. Quer a navegação de recreio quer desportos como a pesca, o remo e a vela organizaram-se em torno dos equipamentos existentes no porto e deram origem à remodelação ou construção de marinas e cais. Todo o processo de regeneração desta e de outras zonas e Londres foi tido em conta na decisão tomada pela administração da Tate relativamente à escolha de uma localização para uma galeria para exibir a arte internacional e, optou criar em

146 Ainda que com uma ação conturbada, o LDDC atraiu população para as docas e foi responsável pela criação de infraestruturas de transportes que melhoraram a ligação com o resto da cidade, que sempre tinha sido pobre. Criou o Docklands Light Railway e, numa vasta zona das Royal Docks, criou o London City Airport. A sua atividade cessou num processo faseado entre 1994 e 1998, que coincidiu com o enfraquecimento e queda do governo conservador, durante o qual se fez regressar ao governo local muitos dos poderes de decisão sobre o planeamento urbano da zona portuária. 185

Southwark a sua nova Galeria, esta ficou enquadrada num vasto espaço no qual já se concentravam negócios, espaços comerciais, atividades culturais e monumentos. Na margem norte do rio situava-se Canary Wharf, com os seus modernos edifícios de lojas e escritórios, e a City com a bolsa e o Banco de Inglaterra. Também aí se encontram a Catedral de S. Paulo, o centro cultural de Barbican e o Museum of London. Na margem sul e, não muito longe, o South Bank Centre e o London Eye. No alinhamento com outros pontos de interesse e de consumo turístico ao longo do rio encontravam-se Tower Bridge e o navio da Segunda Guerra Mundial HMS Belfast.

4.2. Procurar parcerias e descentralizar o consumo cultural

Depois de duas décadas e meia de consolidação da sua coleção e de reforço dos mecanismos para levar a cabo uma gestão autónoma, tornou-se evidente para o Board da Tate que a Galeria precisava de evoluir num sentido que lhe permitisse captar mais públicos e mais receitas. Paradoxalmente, num período em que Londres gozava de grande prosperidade e onde existiam públicos mais abertos ao consumo de arte contemporânea, a Tate apostou em projetos fora da capital para atingir os seus objetivos e construiu duas galerias num dos períodos em que a subsidiação da cultura sofreu mais reduções por parte do governo. Verificou-se que o Estado estava a afastar-se cada vez mais das suas responsabilidades em relação à manutenção dos museus e galerias nacionais. Entre 1984 e 1985 foi elaborada legislação no sentido de constituir os museus como grant-assisted bodies permitindo-lhes reter o dinheiro de receitas próprias sem ter de o devolver ao Tesouro o que, na prática, a Tate já fazia ao canalizar os lucros do café, do restaurante, da loja e das publicações para diversificar os seus serviços, que já operavam sem custos para os contribuintes. Em 1988 os edifícios dos museus passaram para a tutela do Board of Trustees tendo sido até essa data propriedade da Coroa e mantidos pelo Government Property Services Agency. Entre 1980 e 1988 o diretor Alan Bowness foi quem mais diretamente lidou com o decréscimo dos fundos governamentais para a cultura, com a emergência do patrocínio empresarial das artes e com a discussão em torno da ligação, tomada como ‘pouco saudável’, entre o mundo das artes e as multinacionais e que, no caso da Tate em particular, agudizaram opiniões com a criação do Turner Prize, que discutiremos mais à 186

frente neste capítulo. Bowness e os Trustees da Tate, já dando conta de uma relativa abertura em relação a esta matéria, reconheciam no patrocínio das empresas a única via para a concretização da grande maioria dos seus projetos nomeadamente melhorar a programação e a qualidade das publicações147. Esta visão e algumas alterações necessárias à evolução da Galeria acabaram por ser aprofundadas e concretizadas com os planos de desenvolvimento trazidos pelo Diretor que lhe sucedeu. entrou para a direção da Tate em 1988 com um currículo conhecido principalmente no campo da exibição de arte contemporânea no Museum of Modern Art de Oxford e na Whitechapel Art Gallery, em Londres. Usando um termo da área da gestão, Chong (2002: 68-69) descreve Serota como uma ‘térmita estratégica’, ou seja, um gestor que entra numa organização num momento crucial do seu desenvolvimento e que, fazendo o entendimento perfeito das necessidades de transformação da mesma, traz uma estratégia virada para a mudança. Com base na sua experiência anterior tornava-se óbvio que o seu olhar e o seu conhecimento iriam ser direcionados para um dos principais problemas da Tate: arte moderna e contemporânea internacional presa aos constrangimentos espaciais de Millbank e em conflito permanente com a vertente ‘histórica’ da coleção britânica. Uma das suas primeiras decisões foi a de, através de um patrocínio da empresa petrolífera BP, inaugurar em 1990 a iniciativa New Displays, que permitiu renovar anualmente a disposição da coleção permanente lançando-a para o grande público numa operação de marketing como se fosse temporária e permitindo colocar em diálogo as vertentes que estavam demasiado estanques como ‘britânica’ e ‘estrangeira’ e ‘histórica’

147 A ajuda empresarial privada tinha permitido, entre 1982 1984, a realização de todas as grandes mostras temporárias desse biénio como por exemplo a dedicada ao pintor Edwin Landseer em 1982, que inaugurou na Tate o patrocínio empresarial de exposições. As mostras sobre os Pré-Rafaelitas e sobre George Stubbs em 1984 e que, as exposições dedicadas a Kokoschka a realizar em 1986 e outra acerca da pintura britânica na era de Hogarth em 1987 iriam realizar-se porque estava assegurado financiamento privado, o mesmo que tinha tornado possível a elaboração de um catálogo sobre o pintor Richard Wilson em 1982 e um livro sobre as aguarelas de Turner em 1986 (Tate Report 82-84,1984: 44). Segundo Bowness a possibilidade de divulgar estas exposições a nível internacional assim como a realização de um número considerável de atividades em torno delas resultou num retorno muito visível quer em receitas quer em número de visitantes. A exposição dos Pré-Rafaelitas, por exemplo, tinha recebido 225.000 visitantes, um número só atingível pela possibilidade de a promover nos media com o dinheiro do patrocínio privado.

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e ‘moderna’. Embora se conseguisse transmitir que o espaço em Millbank permitia esta gestão das obras com uma regularidade anual, para Serota esta iniciativa foi apenas o primeiro passo para concretizar uma necessidade óbvia que era a de separar, em Londres, as duas vertentes da coleção. Sob a sua direção, e durante toda a década de 90, continuou a haver um apelo muito claro à reflexão profunda sobre as condições e benefícios da colaboração com o setor empresarial privado para cumprir objetivos de desenvolvimento e de crescimento e no contributo que este já dava a projetos de investigação, à conservação de obras de arte, ao melhoramento do edifício e à organização das exposições temporárias (Tate Report 1992-94, 1994: 31-34). Esta visão, uma quase inevitabilidade para a sobrevivência da Tate, dá conta do início do abandono de uma forma de mecenato ligada às grandes fortunas que, por exemplo, através da família Duveen e da fundação Clore, tinham apoiado as artes e que, no caso da Tate, tinham contribuído para a beneficiação do edifício e para a aquisição de obras desde a sua criação. Também se começaram a aprofundar neste período as visões relativas à necessidade de comunicar com os públicos de uma forma mais especializada e tendo em conta os seus vários segmentos e de apostar em estratégias de relações públicas para projetar uma imagem moderna e dinâmica tendo como alvo principal o público jovem:

A key element in creating a distinct and dynamic image lies in the field of public relations. The role of the Tate Gallery is to provide the maximum service to the general public, key figures in the art world, the younger generation and the media. (…) Studies of international museums and cultural institutions are being carried out with regard to the benefit gained by the provision of new and overlapping services so as to maximize public interest and participation. The Trustees consider that the Tate should draw on the international market in relevant areas. Only through greater communication between Trustees, Director and staff and those with specialist skills can this be achieved and to this end meetings have been and will continue to be organized. (Tate Report 84-86, 1986: 8-9)

Estas foram linhas importantes na estratégia de Serota para o desenvolvimento da Tate tendo em conta uma gestão mais profissionalizada e mais empresarial que já tinha em vista a elevação do seu estatuto e a projeção da sua imagem numa dimensão mais internacional. Havia a noção de que as condições para atingir esse patamar estariam em Londres, no entanto, não sendo ainda possível dar um passo arrojado na capital, a Tate virou temporariamente as suas prioridades para outros pontos de Inglaterra onde encontrou condições mais favoráveis para abrir duas novas galerias. Aproveitando a maré de fundos governamentais, privados e comunitários que 188

estavam a reabilitar o centro, zonas portuárias e industriais de muitas cidades britânicas, a Tate escolheu projetos de regeneração do centro de Liverpool e da frente de mar em St Ives para reconverter velhos edifícios do passado industrial em galerias de arte. Em Liverpool, a par da ligação de Henry Tate a este local, a Tate viu o seu nome associar-se a um projeto de reconstrução da área portuária da cidade para se reinventar como espaço de consumo cultural, comercial e de entretenimento no qual existem outros equipamentos culturais, de restauração e recriação cujo objectivo foi o de desenvolver a cidade economicamente através do consumo e do turismo. Em St Ives, a Tate pretendeu estabelecer uma relação com uma zona ligada à produção artística desde o século XIX e muito procurada por artistas nos períodos durante as duas Guerras Mundiais. Com a oferta do espólio e estúdio da escultora Barbara Hepworth à Tate após a sua morte em 1980, mais se acelerou o processo de construção de uma galeria. Nascida da reconversão de uma estação de produção de gás desativada, a nova galeria proporciona um espaço moderno e flexível para exibição de arte com uma esplêndida vista para a praia, captando os fluxos de um turismo sazonal através de uma programação que conjuga a contemporaneidade com a tradição artística do local.

4.2.1. A Tate Liverpool, 1988

O Barbican Centre, uma oferta da City of London à cidade em 1982, integrado num projeto de desenvolvimento da propriedade com uma vertente residencial e uma vertente cultural, representou quer a resposta quer um dos primeiros sinais dados às mudanças sociais que estavam a ocorrer em Londres, tentando cativar uma classe social próspera que trabalhava nos serviços da City e que procurava habitação de qualidade no centro da cidade. Verificava-se, em termos gerais, um acréscimo de público para a arte, mas que ao mesmo tempo era mais diverso e de gosto menos previsível, o que trazia grandes desafios à Tate. Com uma gestão condicionada ainda por algum conservadorismo, com fundos escassos para reforçar a coleção e com contingências de espaço para exibir arte nacional e internacional, a Tate apresentou um programa de exposições temporárias que apostou em nomes consagrados da arte com o objetivo de conquistar mais visitantes, que estavam a dispersar-se por outras ofertas culturais da cidade. Os grandes marcos da 189

década foram as exposições The essential Cubism: Braque, Picasso and their friends 1907-1920, em 1983; The Pre-Raphaelites, em 1984 e a retrospetiva Francis Bacon, Touring to Stuttgard and Berlin, em 1985, figuras de proa da arte nacional e internacional que conseguiram trazer à Tate um retorno positivo em termos de úmero de visitantes mas não foram o suficiente para projetar a imagem pretendida para a Galeria. A redução do fundo governamental para aquisições em 11% no período de 1985-86 colocou questões de independência e de sobrevivência da Galeria, às quais os Trustees reagiram:

Taking into account the effect of inflation, the loss in the exchange rate between the pound and the dollar, and the further ‘loss’ of the historic annual increase in the level of Grant-in-Aid, the acquisition fund has been reduced, in real terms, by over 50% since 1980. This does not take into account the exceptional increase in the cost of works of art, or the limitations in the Government’s budget for funding works of art which can be accepted in lieu of tax. It is our strongly held belief that the Government has an obligation to meet the full cost of running the national museums. (…) It must be accepted as fundamental that in the effort to raise funds, the Tate’s independence must be guarded not be swayed against its beliefs by money or politics. (Tate Report 1984-86, 1986: 7)

Foi precisamente este contexto de dificuldades económicas e também de uma certa estagnação que determinaram que uma renovação da Tate teria de partir da captação do interesse privado para financiar muitas das suas ambições e que uma reconfiguração da sua imagem passaria pela construção de uma nova galeria fora de Londres. Em 1980, o Diretor Alan Bowness lançou as bases para a criação de uma galeria de arte contemporânea no norte de Inglaterra com o objetivo de mostrar arte internacional fora de Londres e de promover o gosto pela arte junto de uma nova geração através de uma consistente programação dos serviços educativos. Consideraram-se potenciais localizações como Leeds, Manchester, Sheffield, Newcastle e Liverpool. Ainda que, a princípio, Liverpool não tivesse parecido tão atraente para o novo projeto, acabou por ser nesta cidade que a nova galeria Tate foi construída. Depois de visitados alguns edifícios passíveis de regeneração e reconversão foi na zona de Albert Dock que um velho armazém se tornou uma proposta atrativa para a criação da galeria. Liverpool, tal como outras cidades do norte de Inglaterra, atravessava uma conjuntura problemática a nível económico e social resultante da deslocalização da produção industrial para mercados laborais mais competitivos fora da Europa, com o desemprego, as deficientes condições de habitação, a pobreza e os conflitos raciais e sociais a fazerem parte do dia- a-dia da gestão da cidade. 190

Liverpool tinha-se desenvolvido significativamente a partir do século XVIII com o aumento do comércio com as Índias Orientais e o porto a dar apoio às rotas de comércio de escravos, contudo, a sua importância económica atingiu o apogeu com o desenvolvimento industrial no século XIX. Já no século XX, à semelhança de Londres e de outras cidades industriais e portuárias, Liverpool sofreu as consequências económicas e sociais da desindustrialização e, no porto, a contentorização das cargas tornou as docas inadequadas ao transporte fluvial e marítimo, que entraram em declínio a partir dos anos 70. Para fazer face a um contexto de depressão económica e social a cidade entrou num processo de regeneração a partir dos anos 80 recriando a sua identidade industrial e portuária através da cultura principalmente com o objetivo de estimular a economia captando fluxos turísticos. Também reabilitou personalidades da cultura popular que se cruzaram com o seu passado recente ligado à música pop, como os Beatles. Liverpool e apostou numa vertente da sua imagem ligada ao futebol através dos clubes Liverpool FC e Everton, com os seus estádios a fazer parte do património desportivo da cidade. Outros vetores da identidade e do património foram usados para reinventar Liverpool como uma cidade cultural tais como a sua ligação à literatura, ao teatro e à universidade. Atualmente a economia de Liverpool está alicerçada nos serviços, principalmente ligados à banca, à finança, aos seguros e à administração pública e também às indústrias culturais e ao turismo. A zona portuária foi um dos principais focos de intervenção, seguindo uma tendência europeia de requalificação de zonas ribeirinhas, tornando-as espaços de passeio, de consumo e de entretenimento. As docas de Liverpool tinham sido inauguradas pelo príncipe Alberto em 1846, quando no auge do desenvolvimento industrial e imperial da Grã-Bretanha o seu porto tinha uma localização estratégica para o comércio com o Extremo Oriente, guardando-se nos seus armazéns produtos como chá, seda, tabaco e álcool. Esta área entrou em declínio com o fim da atividade portuária na primeira metade do século XX e durante vários anos esteve sem qualquer perspetiva de desenvolvimento; no entanto, novos interesses económicos sujeitaram-na a um processo de regeneração e reconversão que elevou o seu estatuto como um dos principais legados do passado mercantil da cidade. O Merseyside Development Corporation, um organismo governamental criado em 191

1982 com o objetivo promover a regeneração de áreas degradadas do centro da cidade, tinha as docas como um dos principais pontos a desenvolver porque se encontrava num estado de acentuada ruína e decadência. Desde o final da década de 70 do século XX, com necessidade absoluta de combater a pobreza e a exclusão social, a regeneração urbana tinha sido uma aposta no sentido de revitalizar economicamente o centro da cidade, com as frentes de água como uma prioridade. Este projeto de ‘renascimento’ de Liverpool agradou a Alan Bowness assim como o facto de haver uma ligação de Henry Tate à cidade aumentou o interesse pelo desenvolvimento de um pólo da Tate (Tate Report 1980-82, 1982: 8). O edifício escolhido datava de 1848 e a intervenção arquitetónica esteve a cargo do arquiteto James Stirling, que respeitou o desenho exterior mas remodelou totalmente o interior de modo a torná-lo funcional para a exibição de arte moderna. Albert Dock, uma das zonas intervencionadas em termos urbanísticos, é um local no qual existem vários edifícios de interesse cultural: o Merseyside Maritime Museum, dedicado à história do porto; o International Slavery Museum, aberto em 2007 e exibindo as diferentes dimensões do tráfico transatlântico de escravos e as suas consequências; a Tate Gallery e o Beatles Story (um espaço dedicado ao percurso do grupo), enquadrados por espaços de consumo como bares, cafés, restaurantes e lojas. A Tate in the North, como foi inicialmente chamada, foi inaugurada pelo príncipe Carlos a 24 de Maio de 1988, fazendo apelo não só ao prestígio que este poderia trazer à galeria mas também por serem conhecidas as suas posições relativamente à arquitetura e à necessidade de revitalizar o centro das cidades com o envolvimento das populações. Nos primeiros sete meses de abertura a Galeria conseguiu conquistar cerca de 500.000 visitantes, mais do que o inicialmente previsto. A adesão do público e a aceitação local do projeto deram origem novos melhoramentos passados dez anos da sua abertura no sentido de criar mais espaço para exibição e circulação. A realização do Turner Prize no seu espaço em 2007 e a integração da Galeria nos projetos de desenvolvimento local, deram um contributo importante para que a cidade tivesse sido Capital Europeia da Cultura em 2008, iniciativa que lhe permitiu uma projeção internacional como cidade cultural e ano no qual a Tate Liverpool atingiu um recorde de visitantes. Atualmente o projeto Tate Liverpool permanece associado à contínua regeneração da cidade e a aposta numa vertente de divulgação de arte internacional fora de Londres promovendo a arte junto do público jovem e de adultos. Em termos de práticas de 192

exibição esta Galeria pretende apresentar-se como um projeto dinâmico concentrando- se na criação de um programa de sucessão de exposições e não na mostra de uma exposição permanente. O desenvolvimento de pequenos projetos de renovação do edifício em Liverpool têm sido essenciais para realçar não só o seu dinamismo mas, principalmente, para não perder visitantes e continuar a usufruir das potencialidades de Albert Dock como destino turístico e como ponto de consumo, fatores essenciais à sobrevivência económica da Galeria.

4.2.2. A Tate St Ives, 1993

A decisão de construir uma galeria Tate em St Ives prendeu-se largamente com o legado artístico da escultora Barbara Hepworth e a relação desta com a Tate e com a tradição artística associada à região de Cornwall, na costa sudoeste de Inglaterra. St Ives é uma pequena localidade piscatória que começou a atrair pequenas comunidades de artistas no século XIX devido às boas condições de luminosidade e também porque a linha ferroviária aí chegou em 1877, o que tornava o local muito mais acessível para quem desejava um ponto de recolhimento e descanso fora dos centros urbanos (Tooby, 1993: 16). Alguns artistas tinham com a localidade uma ligação permanente ou temporária e nomes como Whistler, Walter Sickert ou Mortimer Menpes passaram o inverno de 1883-4 em St Ives, mas artistas como Walter Langley, Stanhope Forbes, T.C. Gotch estabeleceram-se de uma forma mais fixa criando a Newlyn School entre 1882-6. Em 1888 foi criado o St Ives Arts Club, uma estrutura organizada e com edifício próprio em 1890 e, sensivelmente por essa época, abriram os Porthmeor Studios com uma escola/atelier. No início do século XX tinha-se constituído entre St Ives e Newlyn uma colónia artística com estruturas que ajudavam a criação de ateliers e a exibição do trabalho dos artistas, consolidada pelas ligações e influências profissionais que os artistas tinham com escolas e galerias de Londres, o que lhes permitiu, em 1902, fazer parte do programa de abertura da recém-criada Whitechapel Art Gallery (Tooby, 1993: 17). Nas primeiras décadas do século XX também muitos artistas do movimento avant- garde se sentiram atraídos por St Ives e alguns foram ficando durante o período entre as duas guerras fazendo com que, nos anos 40, o número de artistas aí residentes fosse

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considerável. O caráter remoto de St Ives era propício à introspeção e à criação, a paisagem marinha era motivo de inspiração e a vivência comunal era apreciada e cultivada. Havia uma vivência artística do local com galerias, ateliers e pequenos estúdios alugados por pescadores que conferiam uma marca distintiva ao trabalho de pintores e escultores fazendo surgir uma tradição pictórica denominada St Ives School, à qual a Tate em Millbank veio a dedicar uma ampla exposição em 1985. Desde os anos 60 do século XX havia propostas para que fosse criada uma galeria para expor a arte produzida em St Ives. A ligação da Tate a esta localidade forma-se, em grande parte, com a gestão da obra da escultora Barbara Hepworth, que veio para a localidade com o marido Ben Nicholson e os filhos em 1939 aí permaneceu atá à data da sua morte, em 1975. O Trewyn Studio, onde trabalhava, tinha vista para o jardim por ela concebido e cuidado e para o qual idealizava muitas das peças que criou. Em 1980 as obras foram doadas à nação e colocadas ao cuidado da Tate Gallery, que passou a gerir o Museum and Sculpture Garden. No museu estava incluído o estúdio da pintora com desenhos, pintura e material de arquivo e nos seus jardins estavam expostas 27 esculturas em bronze, pedra e madeira (Axten, 1995). Em 1985, Alan Bowness, Diretor da Tate e genro da escultora, tinha sido auscultado no sentido de apoiar a criação de uma galeria em Cornwall, concordando em emprestar algumas obras da coleção da Tate na eventualidade de essa galeria vir a ser construída. Das várias localizações, foi escolhida a estação/fábrica de gás de Porthmeor que estava em ruínas e pronta para uma intervenção arquitetónica e que acabaria por ser comprada pelo Cornwall County Council em 1988. Importantes para a captação de fundos foram o St Ives Tate Action Group (STAG), criado em 1989, que conseguiu donativos consideráveis de particulares a nível local. Grandes montantes financeiros para o avanço do projeto foram doados pela Henry Moore Foundation e, o maior, da Comunidade Europeia, do Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional. Em 1990 a Tate e o Cornwall County Council chegaram a acordo relativamente à gestão da galeria, sendo a câmara responsável pela manutenção do edifício e a Tate pelas exposições, pelo pessoal e pelo programa de educação sempre em linha com os objetivos da municipalidade para a cultura e para preservação da identidade de Cornwall ligada à arte. Nesse mesmo ano, o casal de arquitetos Eldred Evans e David Shalev desenharam a nova galeria aproveitando as potencialidades da vista para a praia de Porthmeor e para o Atlântico. Tendo preservado a estrutura cilíndrica do depósito de gás para que não se 194

perdesse a associação à memória industrial do edifício, adicionaram-lhe elementos que lembrassem o legado modernista, transformando cada ida à Galeria num prolongamento da visita a St Ives com todas as suas influências artísticas:

Tate St Ives was designed to show works of art in the place in which they were and will be created. It relates to the works it exhibits in that both are often inspired by St Ives and the surrounding landscape. The art, the building, the townscape and landscape form part of the experience. (Shalev e Tooby, 1995: 6)

Evans e Shalev eram conhecedores da zona de Cornwall por razões familiares e profissionais e usaram a luz, a paisagem e o ambiente dos estúdios dos artistas, como elementos de inspiração para o espaço que criaram estabelecendo uma relação entre natureza, a arte e arquitetura148. Para mostrar a importância de uma abordagem territorial para a conceção da galeria, o edifício foi associado a um projeto de regeneração através do qual se evidenciaram as características locais e a identidade da produção artística de St Ives:

The coastal landscape of the surrounding area was also a great influence on the architects. They stated their wish to create a ‘dialogue’ between the building and its environs, creating exhibition spaces that reflected the very landscape that had provided the inspiration for much of the artwork displayed on its walls. (http://www.tate.org.uk/archivejourneys/historyhtml/bld_stiv_architecture.htm)

A participação dos artistas locais foi assinalada através da colocação de um vitral na entrada principal, executado por Patrick Heron, Window for Tate Gallery St Ives, o que revelou uma estratégia interessante de valorização do edifício através da integração das obras de arte na sua estrutura. A galeria abriu a 23 de Junho de 1993, inaugurada também pelo príncipe Carlos, com uma mostra permanente de trabalhos da coleção da Tate que evidenciavam o caráter da Escola de St Ives, ou seja, a abstração com inspiração nos elementos locais da paisagem marinha. Em simultâneo esteve patente uma exposição temporária com desenhos de Barbara Hepworth. Nos seis primeiros meses de atividade registou a visita de cerca 120.000 visitantes, um número acima do previsto, tornando St Ives num destino turístico para os

148 Shalev e Tooby (1995) fornecem uma visão aprofundada e documentada fotograficamente sobre a conceção (com reproduções dos desenhos dos arquitetos) e o processo de construção da Tate St Ives (entre junho de 1991 e junho de 1993).

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apreciadores de arte. O crescente número de visitantes e o contributo da Galeria para a economia de Cornwall fez rever a necessidade de desenvolvimento do edifício no sentido de oferecer mais espaço para exibições e para circulação. Este projeto de desenvolvimento da Galeria, Tate St Ives, Phase Two, estava em linha com outros a decorrer em Cornwall como The Leach Pottery, The Porthmeor Studios e a St Ives Society Studios, com o objetivo não só de evidenciar a herança artística da região, mas principalmente com o propósito de projetar Cornwall internacionalmente como destino turístico com oferta para os 365 dias do ano, tentando contrariar uma economia sazonal só virada para o verão, como aliás estava patente nos objetivos do programa:

In order to judge the options for further development of the Gallery, Cornwall County Council, Tate and Penwith District Council agreed that the project should: - Ensure Tate St Ives and Cornwall to be distinctive, quality tourist destinations - Improve the local and regional economy and increase year-round employment - Attract new local and regional audiences, and build the involvement of the local community with the Gallery (…) - Confirm Penwith as a contemporary creative location supporting the development of the creative industries in the area (…) (http://www.tate.org.uk/stives/building/phase-two/project-aims.shtm)

A leitura do projeto permite ver que, tal como noutros momentos, a captação de apoios para a Galeria Tate fez-se enquadrando-a no desenvolvimento económico e cultural da sua área de implantação e, neste caso particular de cariz nitidamente mais regional, com o objetivo de integrar e aprofundar a sua vocação local articulando a coleção e a programação com a cultura, a arte e a história da região. Não estando aberta durante os meses de inverno a sua programação é reflexo de uma estratégia preparada para atrair os turistas que se deslocam ao local durante a época balnear. Ao longo das últimas décadas a Tate St Ives tem visto crescer o seu número de visitantes e tem reforçado a sua missão de mostrar a arte local e colocar-se ao serviço do desenvolvimento de Cornwall estando em curso mais uma fase de renovação do seu edifício.

4.3. Arte e espetáculo: o Turner Prize - revolução e rebeldia

Foi na exploração de alguns aspetos controversos relacionados com as suas aquisições e 196

com o seu modo de mostrar arte que a Tate captou por várias vezes a atenção da imprensa e do público. Um dos exemplos no historial da Galeria prendeu-se com a arte minimalista e conceptual, face à qual o público sempre havia mostrado algum ceticismo e os Trustees sempre haviam tido grande reserva, nomeadamente em incluí-la na coleção. Contudo, e revelando alguma abertura, no início dos anos 70, os Trustees assumiram o compromisso em incluir mais trabalhos de arte conceptual na coleção da Tate, o que viria a verificar-se ao longo de toda essa década. Em 1973 uma exposição de artistas minimalistas intitulada A Child of Six Could Do It! mostrou, no entanto, que o preconceito ainda existia. Foi uma obra de arte em particular, e o que no jornal Sunday Times foi escrito sobre ela, que acabou por chamar muito mais atenção para a arte minimalista do que todas as anteriores intenções ou estratégias para a promover. Em 1972 a Tate comprou Equivalent VIII do artista minimalista Carl Andre, uma instalação de 120 tijolos alinhados de forma retangular. Esteve incluída em exposições em 1974 e 1975 sem que tivesse chamado grande atenção, mas um artigo do Sunday Times publicado em Fevereiro de 1976 acabou por desencadear uma projeção inédita junto da opinião pública, ridicularizando o artista pela sua arte e criticando a Tate pela decisão de comprar o que já era chamado ‘um monte de tijolos’ (Bricks)149. O episódio acabou por trazer mais benefícios para a Tate do que prejuízos mas acabou por servir de barómetro para medir o poder e o alcance que os media tinham junto do grande público. Sem ter sido uma manobra de marketing planeada, foi possível ver que aproveitamento poderia fazer-se das potencialidades dos jornais e televisão para promover a Galeria e fazer chegar a arte a públicos mais alargados. Também foi visível que a exploração de alguma controvérsia relativamente a campos menos consensuais da ligação do público com a arte poderia ser feita sem ferir significativamente a imagem da Galeria. No entanto, o golpe que acabou por trazer à Tate uma projeção mediática sem precedentes prendeu-se com a criação do Turner Prize e a onda de controvérsia que se gerou em torno dele. A relação da Tate Gallery com a obra de Turner deve-se ao facto de grande parte do

149 O interesse do público e o escrutínio da imprensa acabaram por transformar Equivalent VIII numa das obras mais conhecidas da coleção de arte moderna e a Tate esteve como nunca sob a ribalta, recebendo um número de visitantes bastante acima do habitual (http://www.tate.org.uk/archivejourneys/historyhtml/people_public.htm). 197

legado do artista se encontrar sob a sua guarda. As obras do Vaughn Bequest tinham alargado ainda mais o espólio, fazendo com que uma parte considerável da coleção da Tate seja formada pelas obras deste artista embora algumas muito representativas pertençem à National Gallery em Trafalgar para que o seu trabalho seja mostrado num contexto internacional. A Galeria tentou, desde cedo, dignificar a obra de Turner dando-lhe visibilidade em salas construídas especialmente para os seus quadros, o que teria uma primeira forma em 1910 com a Duveen Wing, patrocinada pelo filantropo e negociante de arte Sir Joseph Duveen. Consideravelmente mais tarde, em 1987, abriu uma nova extensão em Millbank, a Clore Gallery150, maioritariamente patrocinada pela Clore Foundation, que geria o legado financeiro do filantropo Sir Charles Clore e que foi construída com o objetivo de exibir as obras de Turner, num edifício que incluía uma estrutura em aço com painéis em vidro e que se integra na estrutura de pedra do edifício original da Tate, estabelecendo uma ligação com a contemporaneidade. Por ser um artista largamente conhecido pelo grande público, por representar um modelo de excelência a atingir e por também ter significado inovação no seu tempo, a Tate decidiu criar um prémio com o seu nome em 1984, sendo um dos desenvolvimentos que mais contribuíram, nos anos de 80 e 90 do século XX, para tirar a Galeria de um certo ‘adormecimento’ junto do público que estava a ser atraído para outros espaços que proporcionavam formas de apreciar arte fora do circuito das grandes galerias e museus e que estavam a exibir uma classe de jovens artistas britânicos que começava a emergir e a transformar Londres num ponto mais visível da arte contemporânea (Button, 1997, 2003). Esta nova vaga de criatividade nacional, em parte alimentada pela reinvenção do conceito de Britishness151 fez surgir denominações para a música ou para a literatura

150 Logo que abriu, a Clore Gallery foi alvo de grande contestação na imprensa regular e especializada, o que se estava a tornar habitual para a Tate, principalmente nos periódicos de arquitetura. Praticamente todos os aspetos da sua conceção sofreram fortes ataques: da dimensão dos espaços à luz, da cor das paredes ao alinhamento das obras. Até mesmo o modo como se chegava à Clore Gallery através dos outros espaços foi criticado realçando-se a inadequação do edifício às obras para as quaisl fora construído. O arquiteto James Stirling foi acusado de esquecer o artista e de não ter concebido um espaço à altura da genialidade e da importância de Turner. 151Clarke (1997: 383) faz a revisitação dos valores nacionais, baseados no período vitoriano e no império,

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como Brit Pop, Brit Lit enquanto para a arte o trabalho dos (YBAs)152 trouxe à superfície uma geração de nomes como Martin Creed, e (que venceram edições do Turner Prize), cujas carreiras muito devem a obras, eventos153 e a exposições arrojadas (ou, em alguns casos, tocando o escandaloso) que, também com um impulso dos media, rapidamente conquistaram não só o público mas também o patrocínio do publicitário e colecionador Charles Saatchi154, que aplicou muitas das estratégias de marketing do mundo empresarial na promoção do trabalho desta geração artística (Timm et al., 1999; Booth-Clibborn, 2011). A atividade destes artistas ganhou visibilidade através da realização de uma primeira exposição, , organizada em 1988 por Damien Hirst na qual se exibiram obras de , , Fiona Era e Simon Pattison. Sucederam-se outras exposições como East Country Yard Show e Modern Medicine (1990), Brilliant! (1995) e, a que teve maior projeção, Sensation, mostrou a coleção de arte de na Royal Academy em 1997 e esteve patente em Berlim entre 1998 e 1999 e em Nova Iorque entre 1999 e 2000.

foi largamente explorada quer em termos televisivos, através das séries Brideshead Revisited (1981) e A Jewel in the Crown (1982), quer cinematográficos com os filmes Passage to India (1984), A Room with a View (1986), Maurice (1987) ou Howards End (1992). Numa defesa da identidade e dos valores nacionais, a expressão Cool Britannia, que definiu muitas das opções culturais para a década de 90, correspondeu a um movimento de revivalismo da cultura britânica que, à semelhança do que ocorreu nos anos 60, fez emergir uma onda de criatividade a nível da música, da moda e da arte através da reinvenção de alguns símbolos, como por exemplo a bandeira, tornada um ícone de estilo e comercializada em acessórios ou no vestuário. Esta reinvenção da imagem da Grã-Bretanha foi visível no trabalho de nomes como os do designer de moda Alexander McQueen, das modelos Kate Moss e Naomi Campbell, do artista Damien Hirst ou dos grupos musicais The Verve, Oasis, Pulp e Spice Girls, que exportavam a imagem do Reino Unido para todo o planeta. 152 Collings (1997) faz uma panorâmica sobre o modo como emergiu esta geração de artistas cujo trabalho tinha uma vertente muito mais comercial e ligada aos media do que em períodos anteriores. 153 Bracewell (2007) aborda o modo como a exposição Freeze, organizada em 1988, por Damien Hirst trouxe um novo fôlego à arte britânica assim como uma cobertura mediática estranha ao universo da cultura. 154 A Galeria Saatchi, um projeto do publicitário Charles Saatchi, fez-se valer de técnicas de marketing e de uma forte colaboração com os media para trazer à superfície o trabalho de muitos artistas do final da década de 80 e da década de 90. Nomes britânicos como os de Damien Hirst, Tracey Emin, a dupla Gilbert and George e Sarah Lucas, ou outros de origem norte-americana como Julian Schnabel ou R.J. Kitaj emergiram num panorama de prosperidade nos mercados de arte contemporânea.

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A inovação que imprimiram à cena artística londrina artistas deu-se não só porque produziam arte contemporânea mas porque as exposições eram realizadas em locais pouco convencionais, como armazéns ou espaços de velhas fábricas, em eventos para os quais conseguiram chamar a atenção não só dos media e do grande público mas também do milionário Charles Saatchi que, com os seus negócios no mundo da publicidade, ajudou a lançar não só os eventos mas a carreira de muitos artistas. Parece-nos importante dedicar alguma reflexão acerca da atividade de Saatchi como colecionador e patrocinador de arte não só nas suas ligações com a Tate mas também como representou uma viragem relativamente a modelos de mecenato artístico que vinham do século XIX e que estavam associadas à fortuna de grandes famílias da aristocracia. As grandes alterações verificadas neste contexto foram resultado do grande desenvolvimento dos serviços ligados à gestão de negócios e da emergência de um patrocínio com uma base social mais alargada, com a inclusão na cultura de dinheiro e interesses com origem no empresariado. Charles Saatchi e o seu irmão Maurice fundaram em 1970 a companhia de publicidade Saatchi and Saatchi, cuja estratégia tinha sido um importante alicerce da vitória do Partido Conservador em 1979. Charles Saatchi colecionava arte contemporânea há vários anos e fazia parte do grupo Patrons of New Art155, criado pela Tate para elevar o perfil e a especialização dos mecanismos de angariação de fundos. Um dos episódios que deu forma às várias controvérsias surgidas deste novo tipo apoio cultural prendeu-se com uma das primeiras exposições do artista Julian Schnabel na Tate em 1982, patrocinada por este grupo. Com nove quadros de Saatchi do total de onze expostos, a exposição revelou os complexos contornos da ligação de colecionadores particulares às estruturas de financiamento das instituições públicas, tendo em conta que não só este colecionador mas outros elementos do grupo tinham particular interesse no lançamento comercial deste artista. No entanto, realçamos que, as exposições apoiadas pelo seu dinheiro e conhecimento ao longo das décadas de 80 e 90 mostraram que o seu empreendedorismo não estava muito longe da iniciativa da pequena burguesia industrial e comercial do

155 A criação em 1982 do Patrons of New Art (constituído por galeristas, colecionadores e outros agentes com interesses no ou pelo mundo da arte) dava início à criação de um subgrupo dentro dos já existentes Friends of the Tate capaz não só de captar fundos privados para a aquisição de arte moderna mas também de promover o interesse pelos novos desenvolvimentos no campo artístico e pela aquisição de obras de arte para a coleção.

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século XIX, desligada das convenções da aristocracia e pronta para iniciar as populações num novo gosto estético ligado à contemporaneidade. Para Saatchi, um promotor de produtos mas também de eventos, a construção de um gosto pela arte contemporânea britânica e a sua promoção tinha de fazer-se em circuitos mediáticos com ligação à publicidade e ao espetáculo. E, uma das características mais evidentes da influência da publicidade na visão de Saatchi para uma galeria de arte contemporânea foi, quando da criação da sua Saatchi Gallery em 1985, a opção de mostrar a individualidade de cada artista e explorar a projeção da sua imagem no panorama artístico e mediático com o objetivo de alcançar um valor de mercado e uma carreira comercialmente lucrativa (Kent, 2003). Referindo-se ao modo como a Tate explorou a excentricidade e as visões heterodoxas sobre a arte de Hirst e Emin, Phillips e O’Reilly (2007: 190) realçam a importância que o culto do artista-celebridade teve no processo de branding da Tate associando à sua imagem uma certa rebeldia e inconformismo relativamente ao cânone artístico. Concordamos com este ponto de vista e defendemos que o Turner Prize possa ter representado o início de uma efetiva independência de espírito, de mostra de contemporaneidade e de modernidade que tinham estado subjacentes à criação da National Gallery of British Art e à sua separação da National Gallery mas que não tinha ainda tido uma concretização prática. O Turner Prize tinha um formato e regras que foram um alvo permanente de críticas quer na imprensa geral quer especializada e foi difícil, durante toda a década de 80 e início dos anos 90, criar uma identidade e um percurso regular para o prémio. Dos patrocinadores ao modo de anunciar os nomeados, da escassez de meios e espaço para exibir as suas obras à transmissão televisiva do evento no Channel 4, todas as vertentes do prémio foram criticadas nos media (Buck, 2007) e, na imprensa especializada, a crítica mais incisiva156 atacou principalmente as contingências do patrocínio da arte por dinheiro de entidades privadas. Já sob a presidência de Nicholas Serota, e sob o fogo cruzado da imprensa, o Turner Prize foi suspenso em 1990 devido à falência da empresa americana de investimentos Drexel Burnham Lambert, o então patrocinador. Após um ano de reflexão e

156 Simon (1992a), num incisivo artigo publicado na revista de arte Apollo, reclama o retorno ao velho mecenato e à tradição dos patronos da cultura, vendo nas parcerias privadas da cultura um recurso das empresas apenas para obter benefícios fiscais e para as galerias e museus um meio de promoção mais barato do que uma campanha publicitária.

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reformulação, o prémio regressou em 1991, enquadrado numa nova era na qual a Tate se lançava estrategicamente na captação de mais fundos privados. O Channel 4 passou a ser o patrocinador até 2003 e a mediatização do evento na televisão lançou a Galeria num patamar de celebrização dos artistas e das suas obras inédito até então no mundo da cultura. Esta chamada de atenção para a arte britânica contemporânea através da renovação do Turner Prize consistiu também numa estratégia da Tate para fazer face a dois grandes desafios colocados pelo panorama cultural internacional e também londrino aos quais foi necessário responder com inovação: a abertura do Musée d’Orsay em Paris e da Sainsbury Wing, um dos maiores projetos de extensão da National Gallery. Nascido da remodelação da gare d’Orsay, o Musée d’Orsay recebeu pintura do século XIX francês, com grande dominância para o impressionismo do século XIX, mas também escultura e artes decorativas (Davies, 1990: 45-46). A gare d’Orsay, erigida no final do século XIX para funcionar como uma alternativa à gare de Austerlitz, mais afastada do centro da cidade, representava a modernidade em termos de materiais e de design. Já tinha sido ameaçada de demolição várias vezes para no seu lugar se construir um hotel, no entanto, em 1977, por iniciativa governamental, foi tomada a decisão a usar ao serviço de uma estrutura museológica depois de, em 1978, ter sido classificada como edifício histórico. A intervenção foi da autoria do arquiteto italiano Gae Aulenti que organizou os espaços interiores de modo a preservar a decoração da época permitindo um diálogo com a história do edifício fazendo da visita ao Musée d’Orsay uma oportunidade para ver uma abrangente coleção de pintores impressionistas num edifício do património industrial. Em 1991 a abertura, na National Gallery, da Sainsbury Wing, além de ter contribuído para a modernização do seu espaço, adicionou um novo elemento arquitetónico à cidade, fazendo o público concentrar-se mais uma vez em Trafalgar Square. Construída entre 1985 e 1991, com um desenho dos arquitetos Robert Venturini e Denise Scott Brown, veio trazer uma extensão ao edifício neo-clássico, respeitando muito do seu traçado e dos seus materiais, permitindo que o espaço de exibição se alargasse e que se proporcionassem condições mais favoráveis para a mostra de algumas obras quer em termos de iluminação quer em espaço disponível para a sua disposição. O facto de a sua escadaria oferecer vista para Trafalgar Square permitiu continuar a integrar o edifício na área da cidade que lhe confere a sua identidade e autoridade como galeria nacional, com a coluna imperial de Lord Nelson no centro da praça e à sua frente 202

Whitehall, onde se situam edifícios governamentais e a residência do Primeiro-Ministro, e uma panorâmica para os edifícios do Parlamento e para o Big Ben. O Turner Prize acabou por trazer benefícios à Tate. Por um lado, tendo a Galeria comprado obras dos nomeados ou vencedores, foi possível cumprir o seu compromisso com a divulgação da arte contemporânea britânica expondo as obras dos artistas sem ter de as adquirir. Por outro, o prémio também posicionou a Tate como uma das galerias que apresentaram uma aposta mais “agressiva” no poder dos meios de comunicação social para divulgar a sua marca:

Over the course of the prize’s history, the work of the shortlisted artists and winners have provided a lucid commentary on the changing fashions, unpredictability, and mysterious ways of contemporary art. But the Turner Prize has also, through its exposure to and refection in the increasingly ravenous forces of the media, done much to make eloquent parallel shifts within the wider cultural sensibility. (…) The populist convergence of celebrity and consumerism that would become so beloved of magazines and supplements across the entire demographic span of twenty-first century media, and in which contemporary art has become an increasingly vivid strand, was many years distant. (Bracewell, 2007: 75)

Discutido na imprensa, transmitido pela televisão e apresentado por estrelas da música pop como Brian Eno (1995), Madonna (2001), Yoko Ono (2006) ou do cinema como Jude Law (2012), o prémio não teve, na verdade, um percurso facilitado pela crítica, que considerou que a espetacularização da cultura e dos artistas sujeitavam a arte a uma abordagem comercial, superficial e acrítica157. Independentemente das questões mais controversas em seu redor, como o seu financiamento ou os critérios de seleção dos artistas, que continuam a persistir em maior ou menor grau, consideramos importante realçar que a criação do Turner Prize representa uma das vertentes da mudança de posicionamento da Tate Gallery nos anos 80, sendo pioneira, a nível das galerias públicas, em mostrar uma geração de artistas que estava a emergir no panorama artístico e que não tinha muitas possibilidades e espaços para exibir a sua produção. Esta aposta na contemporaneidade britânica estava em linha com os objetivos de Henry Tate que presidiram à criação da Galeria e a Tate conseguiu fazer emergir novas formas de ver, falar e escrever sobre ela, não apenas circunscritas às práticas convencionais da exibição num museu ou do exercício da escrita especializada. Não fosse o Turner Prize não seria conhecido o trabalho de Tracey Emin ou Anish

157 Em http://www.tate.org.uk/britain/turnerprize/history/critics.htm encontra-se disponível uma recolha de excertos de artigos e de ligações para artigos publicados na imprensa sobre o Turner Prize.

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Kapoor, Howard Hodgkin ou Martin Creed. Queira-se ou não, com os comentários inflamados da imprensa a determinar muitas alterações e ajustamentos, o prémio tem sido importante para problematizar questões sobre o que é que, ou como é que, deve ser um prémio de arte: quem o deve financiar, qual deve ser a composição do júri, o que significa uma competição no campo da arte e da criatividade, como deve ser divulgado o vencedor. A criação do prémio alinhou definitivamente a Tate com uma nova configuração de museu, com desafios à noção de cânone que partem também de uma nova ordem social menos recetiva à hierarquização de formas ‘superiores’ e inferiores’ de cultura e que pressionou o museu a incluir no seu espaço a representação da diversidade social e, consequentemente, da produção artística. O prémio trouxe à superfície novas problemáticas colocadas também ao colecionismo nos séculos XX e XXI, e que se prendem com a noção de que o objeto por si só não oferece as potencialidades pedagógicas do passado e, por essa razão, passou a estar integrado em discursos mediáticos e em aparatos exibicionários com recurso à interatividade e às tecnologias que facilitem a sua interpretação, numa necessidade de o espetacularizar para o tornar mais apelativo.

4.4. O centenário, 1997 – transição e internacionalização

A pressão exercida pelo facto de o panorama cultural londrino estar em renovação permanente exigia da administração da Tate um esforço constante de aquisição de obras, de atualização das suas equipas de curadores e de reinvenção das suas práticas. Em 1989 o Courtauld Art Institute mudou de instalações para um novo edifício, Somerset House, oferecendo ao grande público uma coleção de arte com obras representativas do panorama artístico internacional da viragem do século, situada num eixo central da mobilidade da cidade, o Strand, junto de espaços comerciais e reforçando um cluster de equipamentos culturais e de entretenimento relativamente próximos, como Trafalgar Square e Westminster, Covent Garden e o British Museum. Na Tate, numa estratégia para tornar a galeria mais visível nomeadamente naquilo que tinha de melhor, a arte nacional, procedeu-se a mais uma reorganização do modo de exibir a coleção optando-se, em 1990, por uma disposição diferente da coleção

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histórica158, intitulada Past, Present, Future, na qual era dada ênfase a artistas a quem não estava a ser dado o destaque devido e estabelecendo ligações entre a arte britânica e a produção artística em Paris, Nova Iorque e Europa ocidental, fazendo aumentar o número de quadros do século XX em exibição e cortando com a grande narrativa histórica de arte britânica (Spalding, 1998: 256). Esta nova disposição das obras em Millbank foi uma nova tentativa de dar coerência a duas vertentes da coleção que tinham de ser exibidas no mesmo espaço, com as pressões existentes a vários níveis (público, imprensa, críticos) para que a Tate não esquecesse, por um lado, a arte britânica e, por outro, não ficasse para trás em relação a outras galerias londrinas e internacionais na exibição de arte moderna e contemporânea. Em 1992 um novo quadro legal alterou a gestão dos museus e coleções nacionais, trazendo mais autonomia de meios e de ação e, no fundo, um enquadramento mais empresarial. O Museum and Galleries Act de 1992, que revogou o National Gallery and Tate Gallery Act de 1954, permitiu uma nova transferência de poderes para o Board of Trustees of the Tate Gallery, denominação que tem até hoje, dando-lhe o estatuto de um corpo empresarial com poder para adquirir e transacionar propriedade e fazer contratos de gestão e de ocupação do espaço da galeria159. A lei também determinou que o Board, aconselhado e coadjuvado por subcomités, passava a ter como funções estabelecer as diretrizes de desenvolvimento estratégico da Galeria e de decidir toda a política de aquisições, salvaguardando sempre o interesse público. A partir dessa data a Tate passou também ter um estatuto de uma fundação (exempt charity) de acordo com o Charities Act de 1960, o que significa que não lhe são cobrados impostos pelas doações feitas por particulares160. Esta lei redefiniu também as atribuições do Board da Tate:

158 A coleção histórica seria reestruturada em cinco células e coordenada por um curador senior e por um ou dois curadores juniores: 1. Tudor and Stuart Painting;2. 18th century painting;3. early and mid- nineteenth-century art; 4. Turner; 5. Late nineteenth-and twentieth-century art 159 Esta autonomia em relação ao Estado viria a ter mais um avanço legal quando, em 1996, os termos de contratação de funcionários passaram a ser da responsabilidade dos Trustees, ainda que sob orientação do Tesouro e com aprovação posterior do Departament of National Heritage, o organismo governamental que tutelava a atividade cultural. 160 Este estatuto faz também com que a Tate tenha estado sempre tutelada, em termos públicos, por organismos do Governo e não pela Charity Commission. Atualmente a Tate depende do que no Reino Unido mais se aproxima de uma da Secretaria de Estado da Cultura, o Department for Culture, Media and Sport, criado em 1997 pelo governo de Tony Blair após a dissolução do Department for National Heritage.

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definir a política de atuação e fornecer as diretrizes estratégicas para o desenvolvimento da Galeria, tomar decisões sobre aquisições e edifícios, supervisionar a gestão da Tate e salvaguardar o interesse público; vigiar a performance da Galeria em relação a objetivos traçados e fazer uso do seu conhecimento para aconselhar o Diretor. Também nesse ano foi publicada a legislação relativa à criação da lotaria nacional e cujos lucros seriam direcionados para obras de apoio social, para o desporto, para as artes, para o Heritage Lottery Fund e para o Milennium Fund, o que representou um acréscimo de fundos para apoiar museus e galerias quer em aquisições quer em projetos de desenvolvimento e, no caso da Tate, na construção da Tate Modern. O fim do milénio trouxe novas necessidades de mudança orientadas pela globalização do consumo da arte, pelo crescimento de redes de interdependência a nível económico e cultural, pela expansão das plataformas digitais e pelo mercado cultural a tornar-se cada vez mais competitivo, com a abertura ou remodelação de museus em vários pontos do mundo apoiados em projetos arquitetónicos de ponta. Em 1997 abriu o Guggenheim em Bilbao161, num edifício com desenho do arquiteto Frank O. Ghery, que fazia parte de um projeto alargado de regeneração desta cidade basca no qual se incluía uma extensão do aeroporto e novas estações de metro. A implantação do museu contribuiu significativamente para colocar Bilbao na rota das cidades culturais da Europa e do mundo e a sua projeção a nível internacional prende-se com uma nova dimensão dada à vocação da cidade, agora virada para a cultura e para o turismo, suportado pelos voos baratos e pela proximidade com outros países europeus, dos quais chega a maior parte dos visitantes (González, 2011). O museu, com obras de arte contemporânea internacional, atraiu logo de início cerca de um milhão de visitantes por ano, deslocando para o seu imponente e curvilíneo edifício um público internacional ávido de novas experiências de contemplação de arte. O Guggenheim em Bilbao abriu a porta para um modelo de marca cultural em regime de franchising dando a este museu uma dimensão global com filiais que presentemente se encontram também em Berlim, Las Vegas e Veneza. Nesse mesmo ano, no centenário da Tate, foi anunciado o Centenary Development para a Tate Britain, um plano com o objetivo de tornar o espaço da Galeria mais

161 Bruggen (1998) explora aspetos como a conceção e construção tendo em conta a sua vocação para exibir arte moderna e contemporânea assim como o impacte que se pretendia na paisagem e no plano de regeneração de Bilbao.

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moderno e atrativo, mas que tinha em conta novos desenvolvimentos nos museus e galerias londrinos, nomeadamente a National Portrait Gallery, que também anunciou um grande projeto de remodelação e alargamento do seu espaço com inauguração prevista para 2000, integrado nas comemorações do milénio e a coincidir com a abertura da Tate Modern em Bankside. O projeto para Millbank contemplava a inauguração de uma nova entrada, a Manton Entrance, e de dez novas salas para uma melhor exibição das obras de arte das quais cinco seriam remodeladas. Em janeiro desse ano, e marcando o início das comemorações do centenário, o horário da Galeria foi alargado a domingo de manhã, passando a abrir 7 dias por semana, 362 dias por ano. Um outro desenvolvimento importante foi o de alargamento das plataformas de divulgação das atividades e serviços da Galeria com o lançamento do website em 1997162 que, num primeiro balanço da sua atividade no relatório de 1998-2000, registou cerca de 22 milhões de visitas por mês feitas por pessoas de mais de 150 países, oferecendo o acesso a mais de 25.000 obras da coleção, o percurso virtual por várias salas da Galeria e a ‘visita’ à loja (Tate Report 1998-00, 2000: 36). Com o início do novo milénio a aproximar-se a Tate reforçou também a sua vertente de consolidação de imagem, com o marketing, a publicidade e a ligação aos media como ferramentas de comunicação merecedoras de atenção crescente:

In June 1999, the corporate identity created by Pentagram in 1993 was replaced with a new identity created by Wolff Olins. This, designed to promote Tate as the world brand for experiencing art, covers all printed, electronic and other material produced by Tate. New printed material has been produced for Tate Modern and Tate Britain, with Tate Liverpool and Tate St Ives coming on stream in July 2000. Public response to the new materials has been very favourable. Tate’s advertising agency, TBWA continued to produce award-winning work for the exhibitions programme and for the launches. The advertising campaign for Tate Britain and Tate Modern was the largest ever conducted by Tate and included large format advertising on the London Underground, in railway stations and in the national press. Tate has enjoyed an extremely positive image in the press during the past two years and has received extensive coverage for the launches of Tate Britain and Tate Modern nationally and internationally. Tate continues to employ an external Public Relations consultancy to complement the work of the press office, and also employed press associates in Paris and New York. GJW continued to provide pro bono help with Tate’s high level advocacy and political lobbying activities. Relations with broadcasting were extended during the period with major collaborations with Channel 4 and the BBC…(Tate Report 1998-00: 2000: 35-36)

162 Gansallo, (2010: 344-350) explora, a partir do exemplo da Tate, as complexidades da curadoria digital (com decisões importantes a tomar a nível do grafismo, da cor, da imagem e da linguagem) e as resistências do Departamento de Marketing que previa uma perda de visitantes do museu.

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Muito desde esforço de renovação da Galeria foi também uma resposta às transformações que estavam a ocorrer na cidade de Londres, sujeita a novas orientações no seu planeamento e tendo no empresariado e na cultura vetores importantes de desenvolvimento. A Tate alinhou as suas decisões de construção de uma nova Galeria com os planos de renovação cultural da zona ribeirinha do Tamisa e escolheu Bankside, a área norte de Southwark, que estava a ser reabilitada segundo um projeto para o qual convergiam interesses que ligavam a cultura à exploração imobiliária e à promoção turística. Londres estava a reconfigurar-se como cidade mundial, centrada na especialização da oferta em serviços financeiros e consultoria e também no desenvolvimento das indústrias criativas e culturais reposicionando a sua economia para uma dimensão global. Através de estratégias de rebranding abandonou a sua imagem de cidade imperial explorando esse passado através da afirmação da multiculturalidade como uma marca da sua identidade, agora mais internacional e cosmopolita (Massey, 2007). Numa nova fase de desenvolvimento do setor dos serviços, agora associado ao controlo de operações a nível global, Londres conseguiu criar mais emprego nessa área e atrair uma elite empresarial e criativa abastada quer nacional quer internacional que tem contribuído para trazer à cidade um enquadramento económico muito competitivo e para cumprir objetivos de elevação do estatuto da cidade através da construção de imagens de prosperidade e sofisticação. Londres construiu assim mais uma vertente da sua identidade internacional assumindo-se como um grande centro de comando e de controlo da economia mundial na qual se continuam a instalar sedes e filiais de grandes empresas globais coadjuvadas por uma grande diversidade de serviços de apoio à sua atividade que contribuíram para o aumento de postos de trabalho:

Advertising, research and development, accounting, auditing and taxation, legal services, market research and consultancy and technical consulting, investigation and security…all these and many more have grown rapidly as part of London-global-city. (Massey, 2007: 47)

Uma outra vertente de construção da imagem da cidade no fim do milénio teve uma base criativa e cultural muito evidente que fez prosperar o desenvolvimento de quarteirões culturais nos quais se construíram ou reabilitaram espaços nos quais surgiram ateliers, museus, galerias de arte, lojas, centros de espetáculos que atraem milhares de consumidores, principalmente dos fluxos de turismo global.

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Tendo no horizonte a abertura da galeria de arte internacional, o final dos anos 90 voltou a juntar a Tate e a National Gallery com o objetivo de gerir as duas coleções principalmente no que dizia respeito às transferências, permutas e empréstimos no sentido de consolidar a representação de pintura estrangeira do século XIX na National Gallery e de consolidar a arte do século XX na Tate (Spalding, 1998: 290). Todos os projetos de evolução da Tate em Londres em curso no final do século XX demonstraram claramente que a entrada no novo milénio seria feita em patamares completamente diferentes de todo o seu percurso anterior e dentro de grandes expectativas de crescimento. Verificamos que o caminho feito até este momento, ainda que pautado por alguma dispersão, acabou por resultar em atos de ajustamento que mediram a sua capacidade de ousar e arriscar e que, além de reforçar as suas lógicas e estratégias de gestão, deram a uma nova dimensão à Galeria, agora com um posicionamento de marca que lhe iria proporcionar um lugar de destaque no panorama cultural nacional e global.

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5. A Tate no novo milénio: 1998-2015

Regional work forms a core part of Tate’s public mission. We have a public duty to care and maintain the collection, provide access and education to all those who desire it, and to engage in cultural diplomacy on behalf of the United Kingdom. We do that with pride, but increasingly on private money to fulfil our public duties. (Tate Report 2013-14, 2014: 3)

Quando a National Gallery of British Art abriu em Millbank em 1897 a sua coleção de arte britânica moderna, com pouco mais de 60 obras, e a administração estavam a cargo dos Trustees da National Gallery, em Trafalgar Square. Os fundos para aquisição de obras nacionais dependiam do orçamento desta e do Chantrey Bequest, um fundo gerido pela Royal Academy que exercia um poder considerável sobre as escolhas da National Gallery. Em 1917 Millbank passou a ter o seu próprio Board of Trustees assim como a responsabilidade de colecionar arte moderna internacional e arte britânica a partir de 1500. Contudo, tanto a coleção como os assuntos financeiros continuaram a ser da responsabilidade da Galeria em Trafalgar. Só a partir 1955, com o estatuto de uma instituição independente, foi possível ao Board da então já Tate Gallery assumir a administração da coleção, do edifício e de um fundo governamental autónomo. Presentemente a Tate, e apesar de no Museums and Galleries Act de 1992 constar que a coleção se encontra sob a guarda do Board of Trustees of the Tate Gallery, já não é apenas uma galeria de arte e tem um estatuto, capacidade financeira, autonomia e dimensão consideravelmente diferentes dos enunciados nos parágrafos anteriores na medida em que opera numa lógica empresarial cujo conselho de administração é responsável pela gestão de uma coleção pública de cerca de 70.000 obras distribuídas por duas galerias em Londres, uma em Liverpool e outra em St Ives. De acordo com uma adenda feita ao estipulado na lei de 1992, o Board da Tate é 210

atualmente composto por 14 Trustees163, 13 dos quais são nomeados pelo Primeiro- Ministro e um pertence à administração da National Gallery, tendo uma ação de ligação entre as duas galerias. Inversamente, também um membro do Board da Tate se senta nas reuniões da administração da National Gallery como Liaison Trustee. A nomeação do Diretor, por sua vez, é proposta pelo Board e sujeita à aprovação do Primeiro-Ministro. O Diretor, que responde hierarquicamente ao Board of Trustees, é responsável pela gestão corrente das galerias, pelo pessoal e pelo cumprimento das orientações do Board relativamente à operacionalização das linhas de desenvolvimento das galerias. Por nomeação do Department for Culture, Media and Sport também o Diretor assume a gestão financeira da Tate. Em 1955, o primeiro ano da sua gestão autónoma, o fundo governamental para a Tate foi de £7.500, presentemente é da ordem dos £24.000.000164 numa operação financeira total que no biénio 2013-14 se situou em cerca de £78.000.000 e que inclui o subsídio estatal e as receitas da atividade comercial, o patrocínio empresarial, as doações testamentárias e de particulares, as entradas nas exposições temporárias, as quotas dos Tate Members e os fundos angariados. Uma parte dos fundos também é conseguida através do Heritage Lottery Fund, do National Arts Collection Fund, do The American Fund e do Latin American Acquisitions Committee. Quando abriu em agosto 1897 recebeu nesse primeiro ano incompleto 124.232 visitantes mas, no ano seguinte foi visitada por 259.739 pessoas. No biénio 1955-56, o primeiro em que foi totalmente independente da National Gallery recebeu 498.202 visitantes. No biénio de 2013-14 foi visitada por mais de 7.000.000 de pessoas na suas quatro galerias e cerca de 12.000.000 acederam ao seu website. A dimensão que a Tate tem atualmente deve-se em grande medida às estratégias de desenvolvimento que começaram a ser postas em prática a partir dos anos 90 do século

163 A lei determina que três dos membros da administração sejam artistas em atividade e as propostas para recrutamento e nomeação dos membros do Board, com um mandato de quatro anos, sigam as práticas fixadas para a função pública. 164 No relatório que dá conta da atividade da Galeria entre abril de 1955 e março de 1956 é referida esta quantia que subiu para £10.500 no biénio seguinte. No relatório anual de contas relativo à atividade de abril de 2012 a março de 2013 consta a quantia de £24.394.000 disponibilizada pelo governo, o que revela uma descida considerável relativamente a anos anteriores: 29,881,000£ (2004-05); 34,124,000£ (2006-07); 53,954,000£ (2008-09); 55,987,000£ (2009-10); 2010-11: 54,729,000£ (2010-11) e 45,105,000£ (2011-12). Cf http://www.tate.org.uk/about/who-we-are/funding/financial-state.

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XX e que, principalmente com a abertura da Tate Modern em 2000, lhe permitiram nas primeiras décadas do século XXI alcançar a pujança de números que projeta a marca Tate e as suas galerias para lugares cimeiros do panorama cultural global. A transição para o terceiro milénio fez a Tate voltar a concentrar-se em Londres e na abertura da sua quarta galeria, Tate Modern, em Bankside, para a qual transitou toda a arte moderna e contemporânea internacional. Por sua vez a galeria em Millbank, ao fim de quase cem anos, regressou à sua missão inicial de exibir arte britânica tal como Henry Tate tinha determinado. A Tate Modern abriu em 2000 integrada no projeto de desenvolvimento urbanístico de Southwark, a área da margem sul do Tamisa em frente à Catedral de S. Paulo sujeita a um plano de regeneração e de reinvenção de identidade através da cultura com o objetivo de captar o interesse de novos residentes, investidores e turistas. Para que Millbank não fosse ofuscada por toda a atenção dada à nova galeria de arte internacional, o seu edifício também passou por trabalhos de renovação para abrir nesse mesmo ano com uma mostra apenas de arte britânica e, através de um processo de rebranding da identidade das duas galerias em Londres, com o nome Tate Britain. As duas vertentes da coleção estavam finalmente divididas, o que não significou a resolução imediata de muitos problemas sentidos anteriormente. Millbank perdeu visitantes e ficou com a complexa tarefa de reconstruir a sua identidade assim como de devolver à Galeria a sua missão inicial de representar a arte nacional sem perder o interesse do público, o que tem vindo a revelar-se um caminho com algumas dificuldades. Com quatro galerias em três pontos de Inglaterra e metas de evolução centradas na consolidação de uma grande estrutura empresarial na área das artes e da cultura, toda a gestão da marca Tate é apoiada numa relação estratégica com os media, numa grande especialização nos mecanismos de geração de receitas e de captação de patrocínios e nas novas plataformas e redes digitais de divulgação da sua imagem e atividades, tais como o seu website e as redes sociais. Dando conta de um grande conhecimento do funcionamento do mercado da arte e da cultura, a Tate, principalmente através da Tate Modern, atingiu uma posição cimeira no panorama cultural britânico e internacional que a colocou pela primeira vez no lugar para o qual sempre projetou as suas expectativas, principalmente após a sua autonomia da National Gallery, com a qual competiu pela supremacia na atração de visitantes na cidade de Londres nos primeiros anos da sua existência. 212

5.1. Sociedade em rede e cultura blockbuster

É importante para o nosso estudo esboçar as tendências de evolução da sociedade do início do terceiro milénio que consideramos mais marcantes para a produção cultural e para o funcionamento de museus e galerias de arte e que permitem enquadrar as opções de desenvolvimento da Tate, agora a funcionar numa lógica de marca ligada às artes. Nas duas primeiras décadas do novo milénio destacamos, por um lado, a expansão de uma sociedade de redes informacionais com impactes a nível da organização do tempo e do espaço e, principalmente, com os media e as tecnologias de informação e comunicação a regularem as interações sociais e a produção e o consumo da cultura. Por outro, realçamos a dominância cada vez maior de uma lógica económica sobre a vivência quotidiana e sobre a gestão das organizações, o que, no caso dos museus e galerias de arte, obrigou a um planeamento estratégico subjugado a modelos empresariais e às exigências do visitante-consumidor. Cada vez mais, e fruto não só do desenvolvimento tecnológico mas também das migrações e de novas mobilidades, a aquisição e mostra de arte passaram a estar marcadas por tendências contemporâneas de desterritorialização da produção artística e de diluição de identidades nacionais e, por sua vez, as instituições culturais passaram a ter índices de mercado como indicadores de sucesso, o que as conduziu a uma exploração mais intensiva dos seus recursos como bens comercializáveis. A sociedade britânica tem evoluído de acordo com estas tendências, num contexto geográfico mais abrangente e com a sua economia a encontrar uma ancoragem segura no setor dos serviços, integrados em relações de interdependência a uma escala global e centralizados em Londres, cidade a partir qual grandes multinacionais estão sediadas e gerem os seus negócios, sendo a City um centro importante para as operações de controlo financeiro a nível global (Harrison, 2010: 8-9; Powell, 2002: 248). Sob outra perspetiva, e sendo uma sociedade que absorveu plenamente os efeitos da globalização, verificou-se que não só o progresso tecnológico mas também os movimentos migratórios internacionais fizeram da multiculturalidade uma das suas marcas mais distintivas e responsável por uma profunda reconfiguração da identidade nacional, agora mediada por fluxos, narrativas e mobilidades globais que continuam a pôr em causa (ou em total declínio) a definição de British, cada vez mais sujeita à 213

(re)interpretação feita por culturas, comunidades e identidades que coexistem no espaço global. A noção de Britishness unificada por uma língua, uma religião, uma estrutura social, a comunidade e a família não encontra uma ancoragem segura na sociedade atual, tendo de funcionar num mundo marcado pela cultura global e por uma lógica transnacional que tornam difusos o papel do Estado e as relações do indivíduo com a cidadania e com a nacionalidade (Powell, 2002: 249). Levando o que foi mencionado em consideração, a Grã-Bretanha é hoje uma sociedade que espelha a complexidade das sociedades pós-industriais, pós-coloniais e globalizadas na qual coexistem múltiplas comunidades e identidades. A vivência social marcada pelos fluxos de tecnologia e pelas suas múltiplas interdependências exerce uma inegável influência na produção cultural contemporânea que, por sua vez, revela um compromisso nítido com esta complexidade e que passa pela aceitação de novos desafios à representação da identidade nacional, da história e da arte colocando museus e galerias sob a pressão de novos modos de ver. Reconhecendo a influência do multiculturalismo na sociedade britânica e noutras sociedades contemporâneas assim como os seus reflexos na produção e no consumo de arte, as galerias e museus passaram a adotar uma postura mais inclusiva relativamente a políticas de aquisição e a práticas de exibição com o objetivo de espelhar essa diversidade na sua programação, eventos e atividades. Por sua vez, as tecnologias de informação e comunicação têm tido impactes óbvios nos modos de exibir arte e nas estratégias de comunicação da imagem de museus e galerias de arte junto dos públicos numa sociedade que funciona em redes de partilha e na qual está democratizada a opinião e expressão individual, fragilizando muitas vezes a autoridade do museu e dos seus objetos. A tecnologia trouxe um novo enquadramento ao conhecimento transmitido pelo museu dadas as potencialidades do acesso instantâneo e a rápida conectividade num contexto global de comunicação e de conhecimento, o que fez emergir questões ligadas à representação, à organização de informação e às próprias práticas de colecionismo (Bayne et al., 2009). Na verdade, a criação de bases de dados digitais abriu novas possibilidades de acesso às coleções e passou a dar uma maior relevância ao visitante-utilizador, que pode descentrar e relocalizar os objetos. O uso da tecnologia, pelo que permite fazer em termos de manipulação, cópia, reprodução e (des)formatação, passou a levantar questões ligadas à materialidade e à virtualidade dos objetos e também à representação 214

das coleções agora sujeitas a mais um processo de descontextualização, desta vez feito não só por quem organiza a informação nas plataformas digitais mas também por quem as consulta. A natureza aberta da web, com múltiplas possibilidades de edição de conteúdos e de adição de ficheiros, trouxe novos modos de exibir narrativas, menos lineares e com uma maior volatilidade relativamente à habitual permanência associada à informação transmitida pelo museu (Manovich, 2010: 66). A par dos impactes do desenvolvimento tecnológico na reorganização do museu no início do milénio, tem sido visível um aprofundamento da visão e da gestão empresarial para a cultura, nomeadamente para os museus, para os quais se tornou fulcral a aquisição de conhecimento comercial e de estratégias comunicativas para colocar os seus serviços e produtos no mercado. Com a diminuição da subsidiação pública da cultura, aprofundou-se a ideia de que é impossível pensar em política cultural sem pensar em mercado e a opção dos museus e galerias por uma gestão empresarial continua a apresentar-se como uma inevitabilidade quer para complementar apoios estatais quer para sobreviver à competição de outras formas de cultura e de entretenimento. As instituições culturais, completamente integradas na economia e vistas como um motor de desenvolvimento de comunidades, cidades e regiões, passaram a funcionar sob um prisma organizacional e sujeitas aos fenómenos de transnacionalização da produção, distribuição e difusão que alteraram não só a própria noção de cultura mas também a forma de a produzir e de a fazer chegar ao público. Organizando-se segundo estas coordenadas, o museu passou a oferecer serviços e a comercializar produtos através de técnicas de branding e marketing para os fazer chegar ao mercado e ao público de modo mais eficaz fazendo com que uma das tendências mais marcantes no funcionamento dos museus e galerias de arte no início do terceiro milénio, tenha sido uma concretização mais efetiva da noção de cultura como um serviço e a comercialização dos seus produtos em pacotes ou formatos facilmente reconhecidos e interpretáveis em qualquer parte do mundo ajustando-se às necessidades de simplificar a experiência de consumo de arte e principalmente aos fluxos do turismo global. Uma das estratégias com mais responsabilidades pela atração de grandes números de visitantes continua a ser a realização de grandes exposições dedicadas a artistas de renome quer do passado quer do presente, para as quais é construída uma identidade através de um código visual de imagens-chave reproduzidas em vários suportes, de um título sonante e de uma linguagem facilmente descodificável, apoiados por uma boa 215

projeção nos media e pela venda de um catálogo, de merchandising e pela realização de eventos associados como workshops e palestras. Paradoxalmente, no período em que o museu se encontra mais distante da representação do cânone, é o recurso a ele, à genialidade dos grandes nomes da tradição artística e às vanguardas que mais tem contribuído para trazer visitantes e gerar receitas através das exposições blockbuster. Dada a dimensão dos eventos não foi difícil fazer com que os media, o mundo da publicidade e do entretenimento mostrem cada vez mais interesse pelas artes apoiando as atividades das galerias, museus e outras instituições culturais encenando espetáculos para públicos massificados. Daí a razão para muitas destas exposições serem publicitadas como grandes eventos culturais, através de cartazes colocados na fachada do edifício do museu ou da galeria ou nas suas proximidades, com grande visibilidade no seu website ou em meios complementares de comunicação como a newsletter ou em publicações periódicas, reportagens na televisão e ampla cobertura na imprensa. A noção de formato blockbuster associada à cultura prende-se com transformações do conceito de arte, principalmente quando se distanciou da tradicional ligação às belas artes e às mais elevadas obras da pintura e da escultura ocidentais, no que poderiam servir como modelo para atingir os mais altos patamares da produção artística. A arte estava integrada num enquadramento discursivo em que o valor estético dos objetos estava associado a genialidade e originalidade e, por si só e pela excelência da sua criação, conseguia dialogar com o visitante e transmitir valores universais. As práticas museológicas contemporâneas têm desligado o objeto destas potencialidades e tem-no incorporado em narrativas ligadas ao consumo e ao entretenimento. Wallach (2003: 105) destaca os anos 60 como o momento chave no desenvolvimento deste formato com exibição da Mona Lisa em 1963 no Metropolitan Museum de Nova Iorque, um evento amplamente coberto pelos media e que atraiu mais de um milhão de visitantes, numa época na qual o autor refere coincidirem a prosperidade do pós-guerra com um grande aumento dos níveis de educação superior assim como de cursos e publicações de história de arte para o grande público, que estava a consumir arte de modo consideravelmente diferente das décadas anteriores:

Structurally, a visit to a major art museum is not very different from a trip to a mall or to Disneyland or Colonial Williamsburg. Visitors choose from a variety of possible activities and experiences: visiting the permanent collection or a special exhibition, shopping for souvenirs, reproductions and books, eating a meal in a cafeteria or more upscale museum restaurant. (Wallach, 2003: 107)

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Em Londres, o British Museum exibiu em 1972 The Treasures of Tutan Khamum que recebeu mais de um milhão e meio de visitantes em nove meses e, a partir da década de 80 os grandes museus e galerias europeus e norte-americanos recorreram a este formato de exibição com mais frequência para captar o interesse dos media, aumentar o número de visitantes e o volume de receitas. Barker (1999) refere que, apesar de apresentar arte como entretenimento, os ganhos para os museus são consideráveis em visibilidade, receitas e capacidade de fidelizar os patrocinadores privados, acrescentando que as exposições blockbuster trouxeram, com a associação ao mundo editorial, um aumento da qualidade dos catálogos. A autora defende que, em geral, estas exposições exibem artistas ou movimentos pertencentes ao cânone artístico por serem consensuais e de mais fácil entendimento e de captarem o patrocínio privado com mais facilidade mas, no caso das exposições monográficas, colocam os artistas num patamar de veneração que obscurece complexidades da sua produção artística:

More generally, any monographic blockbuster can be said to reinforce the mystique of genius by offering up the work of a single canonical artist as an object of veneration. (Barker, 1999b: 138) In general, the problem with the blockbuster phenomenon is that, in presenting high art as popular entertainment, it glosses over the complexity of many works of art and the difficulties that they can present to uninitiated viewers. As such, the blockbuster show can be seen as an aspect of the commercialized culture of spectacle, one that turns people into blind worshippers at the shrine of art. (…) In other words, enjoyment cannot be entirely separate from understanding. In so far as most blockbusters do not adequately acknowledge this, this contribution to the democratization of art is necessarily a limited one. (Barker, 1999b: 144)

Assim, verifica-se que a programação de muitos museus e galerias de arte se tem concentrado na produção destas exposições que, com estratégias de marketing calculadas, se transformam em grandes eventos mediáticos aos quais afluem grandes números de visitantes. Contudo, consideramos que a aposta recorrente em figuras proeminentes da História da Arte como da Vinci, Rafael, Rubens, Miguel Ângelo, Rembrandt, Velasquez, Matisse, Manet, Monet, Picasso ou outros representa segurança em termos de receitas mas tem revelado, além de pouca abertura para que outros artistas sejam mostrados, um desinvestimento na capacidade de oferecer perspetivas que tragam algo de novo ou que surpreendam o visitante. A programação da Tate, a par de outras galerias nacionais londrinas, não dispensa a realização anual de algumas exposições blockbuster, anunciadas com antecedência na imprensa, no seu website e nas redes sociais e nas quais se concentram atenções

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redobradas em termos de divulgação, de identidade visual, de merchandising e de projeção nos media. Tem sido transversal ao planeamento estratégico da marca Tate a noção de que o museu do século XXI se encontra numa nova fase da sua evolução, pautada pelo aprofundamento dos processos de globalização e pelos seus efeitos a nível da fragmentação de identidades, da diluição de fronteiras geográficas, consequência do progresso continuado das tecnologias de informação e comunicação e da complexificação dos sistemas de controlo, mediação e disseminação de informação. As práticas de exibição passaram a ter em conta as especificidades de uma sociedade multicultural, menos hierarquizada, mais fluída, mais diversa e sujeita a fluxos de ideias, imagens e símbolos, na qual a procura da identidade, seja coletiva ou individual, assume um grande significado social. A Tate Modern, em particular, é um exemplo de uma grande atração turística assim como de um grande valor económico associado à cultura que funciona pela interseção de uma vertente estética marcada pela globalização, pelos media e pela tecnologia com uma vertente comercial à qual se associam empresas que têm interesse em incorporar os seus valores numa marca cultural que circula nos fluxos contemporâneos de consumo cultural e de capital simbólico.

5.1.1. Cidade, cultura e fluxos: a Londres global

Perspetivamos as tendências de desenvolvimento da cidade de Londres no terceiro milénio na medida em que o museu, como uma construção essencialmente urbana, sempre evoluiu em linha com as transformações das cidades e a Tate, desde a sua criação em 1897, até à abertura da Tate Modern em 2000, sempre se afirmou como uma infraestrutura cultural importante para a regeneração e melhoramento das áreas das cidades onde construiu os seus edifícios. Londres reinventou-se como cidade global a partir da década de 90 do século XX através de um planeamento feito não só de acordo com questões espaciais mas tendo em conta um novo enquadramento que deu origem a novas representações mentais, sociais e culturais que subjugaram as cidades às exigências da economia global e da sociedade em rede. Para facilitar a consolidação desta dominância a cidade agrega fatores vários tais como o facto de ser sede do governo, de negócios de controlo de mercados a nível 218

global, e de ter aí localizados centros importantes dedicados às artes, à cultura e à educação e de ser um destino turístico icónico. Não sendo um processo de gestão fácil, o seu desenvolvimento tem sido feito nas tensões entre as necessidades de uma agenda global e as pressões sentidas para satisfazer as comunidades e o cidadão que incluem aspetos como a habitação ou os serviços públicos e, como capital do Reino Unido, também pesa sobre ela a influência que exerce na economia do Reino Unido e na sua posição global. No entanto tem sido lembrado que o facto de a identidade de Londres ter vindo a ser construída a partir de uma visão para a cidade como centro de controlo e comando global privilegia a sua ligação a redes e fluxos internacionais e secundariza o seu contributo para a sociedade e economia britânicas (Cochrane, 2009: 313). A construção de uma imagem como centro de controlo global de fluxos culturais e financeiros tem sido feita de acordo com tendências que foram responsáveis pelas principais transformações nas últimas décadas: o fim da indústria pesada e dos seus meios de transporte que deixaram muitos locais devolutos e disponíveis para reabilitação; o crescimento da área financeira e dos negócios que fez crescer a procura de espaços modernos para escritórios, a alteração da estrutura social e de rendimentos da cidade que aumentou a demanda por espaços residenciais de qualidade e um contexto político nacional e local propício ao envolvimento das comunidades em projetos de regeneração urbana de alta qualidade sob a promessa da inclusão social (Butler e Hamnett, 2009: 40-42). Uma das facetas mais visíveis da dimensão global de Londres verifica-se acima de tudo na sua composição multiétnica (Powell, 2002: 243). Constituindo um importante mercado laboral, funciona como íman para os fluxos migratórios tanto nacionais como internacionais, que continuam a trazer novos habitantes tornando a cidade ainda mais diversa etnicamente165 com novas comunidades de estrangeiros a formarem-se, com compromissos de aceitação da diversidade muito mais consolidados do que após a

165 Hamnett (2003- 103-127) analisa a evolução da composição étnica de Londres desde o final do século XIX e sublinha o crescimento das minorias étnicas e a sua maior diversificação, principalmente no acolhimento de população de vários países da Europa, o que não se verificou nas primeiras vagas de estrangeiros chegados nos anos 60 após a descolonização, que vieram essencialmente de países do império britânico. Refere igualmente que o nível de qualificação de alguns grupos étnicos também melhorou não sendo possível associar com uniformidade a ideia de imigrante a trabalho pouco qualificado.

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descolonização. A organização da cidade, os seus projetos de regeneração urbana e de construção de habitação, os edifícios para serviços, os espaços comerciais, os equipamentos culturais e de entretenimento construíram-se ou renovaram-se em linha com objetivos traçados para a cidade apoiados por estratégias de branding e marketing para dar visibilidade a Londres num contexto de grande competitividade a nível global para captar fluxos de investimento, de tecnologia, de criatividade, de conhecimento e de turismo. Muitos projetos urbanísticos para a cidade continuam a ter como objetivo, ao construir edifícios residenciais de alta qualidade arquitetónica e integrados em complexos culturais e comerciais, atrair uma elite internacional para elevar o estatuto da cidade a nível global. Daí que um eixo fundamental para a economia da cidade tenha sido o consumo/propriedade/cultura, através do qual áreas como o West End, a City, e toda a margem sul do Tamisa têm sido regeneradas. A cultura tem sido um dos vetores mais importantes no planeamento da cidade com a renovação ou construção de museus e galerias e a sua implantação em complexos arquitetónicos nos quais foram criadas zonas residenciais, espaços comerciais e de serviços com o objetivo de associar Londres a valores como a sofisticação e o refinamento trazidos pelo consumo da arte. Na verdade, está implícito nas visões sociopolíticas para o desenvolvimento da cidade desde 2000 que a regeneração urbana associada à cultura é um dos motores mais importantes para sua competitividade económica166. A Tate tem gerido as suas duas galerias em Londres justificando muitos projetos de renovação dos seus edifícios e o continuado esforço de actualização da sua coleção com a necessidade de criar uma marca de qualidade internacional que contribua para reforçar a imagem da capital como um grande centro urbano ligado às artes e à cultura.

166 Contudo, como lembram Butler e Hamnett (2009: 53), esta dominância global a nível dos negócios não representa obrigatoriamente prosperidade para todos a nível da distribuição de rendimentos e verifica- se que, em termos sociais, a cidade continua muito polarizada na medida em que persistem postos de trabalho mal remunerados para mão de obra pouco qualificada enquanto o emprego qualificado oferecido pelos serviços nas empresas multinacionais, na banca, na consultoria legal e financeira, na informática e na publicidade fazem prosperar uma classe que tem acesso a bens e serviços e primeira qualidade localizados no centro. A promoção da inclusão social a par da competitividade económica dos lugares tem provado ser um fonte de tensões na medida em que o resultado final parece ser efetivamente o patrocínio estatal da gentrificação e do abandono do centro pelas classes mais desfavorecidas.

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5.1.2. O London Plan e a visão estratégica para o século XXI

Antes de avançar na nossa discussão com a explicitação de algumas vertentes do desenvolvimento urbanístico de Londres nas primeiras décadas do século XXI, queremos focar a nossa atenção no documento que enquadra o planeamento estratégico da cidade e toda a sua reorganização espacial, o London Plan167 (2004), publicado pela Greater London Authority168 e da responsabilidade do Mayor da cidade, principalmente nos pontos em que se verifica o contributo da cultura para a projeção da imagem da cidade como world city. No London Plan o Mayor Ken Livingstone apresentou uma visão para o desenvolvimento da cidade para um período de 15-20 anos, focando-se nas várias estratégias e dimensões do desenvolvimento da cidade. O plano, por um lado, funciona como um enquadramento de diretivas nacionais e europeias169 de desenvolvimento e tem três vertentes essenciais: a saúde dos londrinos, a igualdade de oportunidades e o contributo da cidade para o crescimento do Reino Unido. Por outro, é também o enquadramento para todos os outros planos de desenvolvimento a nível local que dizem respeito aos transportes, à habitação, à biodiversidade, ao ruído ou à cultura. O documento é claro quanto às mudanças operadas globalmente que exigem novas estratégias para a cidade: a globalização de setores-chave para a economia, nomeadamente o dos serviços; o avanço tecnológico; a crescente interdependência entre grandes economias com a internacionalização do investimento; os transportes e as

167 No seu título completo, The London Plan Spatial Development Strategy for Greater London. Foi elaborado num processo faseado em que se redigiu o Towards the London Plan em 2000, o qual foi sujeito a um tempo para consulta pública e revisão. Em 2002 foi publicado o Draft London Plan e só em 2004 foi divulgada a versão final do documento com a visão estratégica para Londres até 2020. 168 O Greater London Authority (GLA) foi criado em 2000, após o Greater London Authority Act de 1999, e engloba os 32 boroughs e o Corporation of London e é responsável, através da direção do Mayor e sob o escrutínio de uma assembleia eleita, pelo governo estratégico da grande Londres e pela promoção do desenvolvimento da cidade a nível económico, social e ambiental. 169 Com óbvios interesses por parte do governo de Londres em captar financiamento da UE para concretizar alguns dos seus projetos de desenvolvimento. Aliás, no plano, Londres coloca-se como um interveniente privilegiado na ambição europeia de se tornar ruma das economias do conhecimento mais competitivas do mundo em 2010 (The London Plan, 2004: 16).

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telecomunicações a tornarem menos distantes os mercados, os decisores e as populações; mais rápidos e mais complexos fluxos de pessoas, ideias, culturas e competências; maior crescimento nos setores da criatividade, do turismo e do entretenimento; maiores preocupações com a proteção ambiental e com a sustentabilidade do uso dos recursos (The London Plan, 2004, 1-2). No primeiro capítulo, “Positioning the City”, é visível a necessidade de reforço da posição de Londres como world city, tornando-a atraente para o investimento e, tendo em conta os inúmeros desafios trazidos pela globalização, colocando-a em linha com outras cidades:

London is a world city and acts as one of a very small number of command and control centres in the increasingly interactive network of transactions across the world economy. World cities have very distinctive strategic needs. Although separated by thousands of miles, they are intimately linked as a virtual global entity by the transactions of markets and communications systems to reflect these links, the Mayor has begun to develop a collaborative relationship with New York and Tokyo. (The London Plan, 2004: 17)

Reconhecendo como setores estratégicos da cidade a cultura, o entretenimento, o ensino e o conhecimento e apoiando-se em previsões de crescimento populacional para 8.1 milhões de habitantes para 2016 (The London Plan, 2004: 24), o desenvolvimento da cidade também tem em conta as alterações na estrutura da população e nas suas aspirações pessoais, profissionais e culturais:

An increasingly youthful population is likely to wish to live in places with higher levels of social and working activity. The move to a higher density, more urban, intensive, continental lifestyle is already evident. People are less likely to be content with a sharp separation of work and home and many may want more mixed environments – both where they live and they work. (The London Plan, 2004: 30)

…there has been a long-term shift away from values associated to the post-war need for shelter, stability and survival and the consequent need for authority and control. Instead values today are based more on integration, diversity, social and environmental concerns. (The London Plan, 2004: 31)

Para captar esta população, é prioritário desenvolver espaços que promovam a socialização e o consumo (The London Plan, 2004: 331-339) através de equipamentos para o comércio, o turismo, o desporto e a cultura, pelo que a criação de quarteirões culturais será um objetivo estratégico a atingir, reconhecendo que um dos principais motores do crescimento económico será o vetor criatividade-cultura-conhecimento:

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Cultural Quarters 3.234 Designation, development and management of cultural quarters can help address the need for affordable workspace for creative industries, provide flexible live/workspace, encourage clusters of activity and provide a trigger for local regeneration. Cultural and creative activities are sometimes priced out of traditional areas. Where they contribute to wider regeneration and mixed-use policies, they should be sustained by the planning system and supported by wider economic and cultural development strategies. (The London Plan, 2004: 137)

As zonas prioritárias para criação ou reforço de estruturas ligadas à cultura são a zona ribeirinha de Greenwich, Wembley, o complexo de museus de South Kensington, Barbican, South Bank e o eixo West End/Soho/Covent Garden, no sentido de contribuir para o reforço da posição de Londres na sua vertente cultural, num conjunto de outras atrações (monumentos, teatros, museus) que há muito contribuem para que Londres tenha um reconhecido estatuto internacional a nível da cultura e do património (The London Plan, 2004: 137). Interessa realçar que Southwark surge no plano como uma zona prioritária para a regeneração urbana, vista como uma área onde a mudança poderia ser concretizada através da cultura. O reconhecimento deste potencial foi fundamental para que os responsáveis pela Tate vissem nesta área a localização perfeita para construir a segunda galeria em Londres, associando-se mais uma vez a um projeto de regeneração urbana. O plano prevê que, após o seu período de vigência, 2004-2020, o futuro das políticas espaciais para a cidade acompanhe o desenvolvimento de outros centros urbanos de dominância global, ou seja, que dêem resposta aos efeitos que a globalização continuará a exercer: a estimular o crescimento destas cidades, a captar grandes volumes de investimento, a liderar a inovação tecnológica e a atrair pessoas seduzidas pela prosperidade e pela qualidade de vida (London Plan, 2004: 315).

5.1.2.1. A requalificação da margem sul do Tamisa e a regeneração de Southwark

A valorização da zona londrina da margem sul do rio Tamisa sempre foi encarada como um potencial para arquitetos e urbanistas e apresentou ao longo do século XX um historial de tentativas de regeneração urbana com compromissos de equilíbrio entre os interesses das municipalidades e os da cidade, pressionada a projetar-se numa dimensão

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global para não perder competitividade. A regeneração de South Bank, uma área a sul do Tamisa que se estende de Lambeth a Southwark, passou por várias fases desde o fim da Segunda Guerra Mundial, num processo marcado por conflitos entre vários intervenientes: os privados, o poder local e a população (Butler e Robson, 2000; Newman e Smith, 2000). As primeiras propostas de desenvolvimento urbanístico da zona surgiram pouco depois da Segunda Guerra Mundial, com o Festival of Britain em 1951, que teve como um dos objetivos aí construir um conjunto de equipamentos culturais que mudassem o rosto a uma área desfavorecida e com pouca visibilidade em relação à dominância de alguns núcleos de consumo de cultura a norte do rio, o que não teve uma concretização imediata. Ainda assim, a margem sul do rio nunca deixou de ser vista como um foco de desenvolvimento imobiliário, principalmente para serviços, tendência em relação à qual sempre se opuseram os residentes através da realização de várias iniciativas a favor do desenvolvimento de habitação social (Baeten, 2009: 240-41). A zona de South Bank não viu, de imediato, os interesses dos investidores virarem-se para ela devido às inúmeras resistências do poder local (de filiação trabalhista) e dos residentes170, mesmo enquanto se assistia a uma grande perda de população, ao desaparecimento de lojas e de escolas e ao rio que continuava a funcionar como uma barreira em relação ao norte da cidade:

...it remained relatively detached from and untouched by, London’s economic, cultural, political centres north of the river. The river continued to act as both a physical and socio- cultural barrier between north and south. Throughout the 1980’s and 1990’s, the run- down areas on the South Bank remained largely perceived as unattractive places. (Baeten, 2009: 242)

A estratégia de captação de investimento e de promoção do desenvolvimento através da cultura para South Bank começou a ser posta em prática com mais intensidade a partir dos anos 80 do século XX quando, seguindo a tendência de outras zonas de Londres, os níveis de desemprego na indústria e no porto aumentaram significativamente e a zona tinha perdido população e o seu parque residencial estava decadente e por conservar.

170 Consideravam que todo o investimento não iria verdadeiramente a servir a comunidade nem resolver os seus problemas, além de considerarem que a transformação num quarteirão cultural se afastava muito da sua identidade relacionada com o trabalho na indústria e no rio. 224

Empresas privadas com interesses na zona estavam a usar as artes e os artistas que se haviam implantado na área de Butler’s Wharf para construir habitação de luxo e escritórios, elevando o perfil da área para atrair uma classe média de profissionais dos serviços (Newman e Smith, 2000: 16-17). Presentemente considera-se que, ao cabo de quase um século de projetos para esta área, a visão de South Bank como uma parte integrante da cidade começa a ter uma concretização mais visível (Baeten, 2009: 252). Na zona ribeirinha, Southwark foi um dos pontos no qual incidiu mais um dos focos de desenvolvimento no sentido de construir a ligação entre as duas partes da cidade. Tendo estado sempre associada à circulação de viajantes entre o norte e o sul da cidade, Southwark emerge na Idade Média com a construção da London Bridge171, que permitiu a travessia do rio. Para satisfazer as necessidades desse percurso, estabeleceram-se na zona sul inúmeras pousadas172, sendo as mais conhecidas a Tabard, a George, a White Hart e a Queen’s Head. Em Bankside, a sua área mais a norte, proliferaram bordéis, que existiam ao longo de todo o rio para satisfazer o prazer dos que trabalhavam no porto ou dos que aí passavam. No período isabelino a construção de teatros iniciou uma tradição cultural e de entretenimento nesta zona. Eram conhecidos o Swan, o Hope, o Rose e o Globe, fundado por William Shakespeare em 1599 e destruído num incêndio em 1613. A partir do século XVII também se formou uma associação desta área ao crime. Existiam nela sete prisões173, para as quais eram enviados os participantes em muitos motins, desavenças e conflitos que assolavam a cidade. Não só Southwark mas toda a margem sul do Tamisa foram áreas nas quais se estabeleceram atividades que

171 A ponte foi construída em 1136 e nela foram construídas casas a partir de 1201 e também uma capela. Até 1750 foi a única ponte que o rio tinha na zona de Londres, até à abertura da Westminster Bridge.Entre 1823-31 a velha London Bridge foi demolida e substituída por outra, não muito distante, da construção original, aberta em agosto de 1831. Depois de um longo período com apenas uma ponte para fazer a ligação com o norte da cidade, hoje, Southwark tem as suas margens ligadas com a outra margem através da Blackfriars Bridge (1769), da Southwark Bridge (1891), da nova London Bridge e da Tower Bridge (1894). 172 Em Canterbury Tales, Geofrey Chaucer refere o descanso dos peregrinos na Tabard. Há outras ligações de Southwark à literatura nomeadamente através da obra de Charles Dickens com algumas das suas personagens imortalizadas na toponímia local como: Pickwick Street, Dorrit Street, Copperfield Street. 173 Sendo que as mais conhecidas eram the Clinck, the Marshalsea e The King’s Bench.

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reforçaram durante alguns séculos uma imagem de ilegalidade, libertinagem e criminalidade. No final do século XVIII, algumas indústrias mais poluentes, quer a nível dos resíduos, quer do cheiro ou do ruído, como tinturarias, colas, tratamento de couro e destilarias, situavam-se a sul do rio, o que contribuiu para que esta zona da cidade fosse durante muitos anos também associada à insalubridade e à falta de condições de habitabilidade. Southwark atingiu o seu apogeu no período vitoriano com a atividade portuária e com a manufatura associada à destilaria, ao tratamento do couro, à imprensa e ao processamento alimentar (compotas, condimentos), que conseguiram aí manter-se até às primeiras décadas do século XX. Já no século XX, em 1931, esta era a zona mais populosa de Londres, com seus residentes a subsistir do trabalho nas docas e nas várias indústrias existentes na área, o que já não se verificava em muitas zonas de Londres. A grande concentração populacional junto do local de trabalho propiciava um ambiente de proximidade e união que era favorável a uma atividade sindical participada, apoiada desde os primeiros anos do século XX pelo Partido Trabalhista, que acompanhou questões como as condições de trabalho ou o desemprego (Goss, 1988: 12-15). Nos anos 50 do século XX a indústria começou a ser deslocada para fora de Londres e, apesar de Southwark ser uma área ainda ativa em termos industriais, nomeadamente na imprensa, nos couros, no papel, no processamento da madeira e na indústria naval, começou a verificar-se, a partir da década de 60, um crescimento de profissões relacionadas com os serviços, principalmente na zona norte do município (Goss, 1988: 38). O processo de encerramento das docas trouxe tempos difíceis com o aumento dos níveis de desemprego, o que afetou a zona durante os anos seguintes. Nos anos 70 verificou-se efetivamente a perda da maior parte das indústrias. Em 1978 só havia oito manufaturas e em 1986 apenas uma (Goss, 1988: 83), tendo-se assistido a uma das reduções mais rápidas da indústria no centro da cidade. A população também decresceu significativamente, tendo, em 1971, diminuído 20% em relação a 1951 e, até 1981, descido mais 16% (Goss, 1988: 84). Muitas famílias estavam a mudar-se para áreas fora do centro da cidade, para habitação própria e com espaços envolventes mais agradáveis, o que fez com que, no início dos anos 80, Southwark fosse uma das zonas mais pobres de Londres, com uma população ou envelhecida ou desempregada 226

Southwark tinha tido maiorias trabalhistas desde os anos 70 e, durante o governo conservador174 de Margaret Thatcher, não foi uma zona particularmente beneficiada pelo desenvolvimento, ainda que apresentasse uma das maiores densidades de habitação social da cidade de Londres com casas em muito mau estado de conservação. Só na década de 90 do século XX é que começou a ser alvo de um processo de reinvenção através da regeneração dos seus espaços e edifícios. Numa tentativa de captar investimento para construção de equipamentos culturais, esta área foi integrada nos projetos de valorização de toda a margem sul do Tamisa como uma nova oferta cultural para a cidade. Southwark tentou assim afastar-se do declínio, das bolsas de pobreza e do desemprego. A sua parte norte, mais alinhada com a economia do centro de Londres, mostrava-se mais próspera e capaz de captar o interesse de empresas e de investimentos na área da cultura. Numa área geograficamente mais alargada, existiam outros equipamentos que poderiam constituir a aglomeração necessária para atrair visitantes como a Southwark Cathedral, a Dulwich Picture Gallery, a Peckham Library e a London South Bank University. Além do London Plan de 2004, vários documentos enquadraram a visão e os objetivos de desenvolvimento para Southwark. O Southwark Plan (adotado em 2007) e o Southwark 2016 mostraram as estratégias concertadas para áreas como a educação, a habitação, o desemprego, a saúde, a cultura, o ambiente, a segurança, a exclusão social. A leitura dos vários documentos permite perceber que há preocupações no sentido de criar espaços públicos (praças, jardins, parques de estacionamento) agradáveis e acessíveis para permitir passeio e zonas de socialização. Todo o projeto de regeneração de Southwark, com um forte apelo ao setor privado, tem em vista elevar o estatuto e a qualidade de vida, oferecendo equipamentos de alta qualidade para implantação de serviços na área, com o objetivo de criar emprego e de melhorar o parque habitacional captando novos investimentos imobiliários através da oferta de habitação de alta qualidade. O London Plan inclui Southwark nos projetos de regeneração da cidade vendo-a como uma área onde a mudança pode ser operada através da criação de espaços de

174 A nível da governança da cidade de Londres, havia pressões do governo conservador para quebrar a influência do London County Council (com forte apoio trabalhista), o que se veio a concretizar através da criação de um outro organismo, o Greater London Council, que não favoreceu o desenvolvimento de Southwark.

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promoção do consumo, da cultura e do turismo (London Plan, 2004: 96) e no documento Southwark Plan é visível o modo como esta área se apresenta como um ponto atrativo para o investimento, tendo no setor cultural um motor de desenvolvimento agregado ao turismo:

The council has plans to attract major investments in certain key regeneration areas where it is desperately needed. (Southwark Plan, p. 1)

SP7 Arts, culture and tourism All developments should, where appropriate, support regeneration and wealth creation through arts, culture and tourism uses. (Southwark Plan, p. 12)

No documento Southwark 2016, a municipalidade e os seus parceiros estratégicos apresentam um contexto de expansão propício ao investimento numa zona que se encontra em situação de crescimento demográfico (com uma previsão de 257.000 habitantes em 2005 para 286.000 em 2016):

Seek creative partnerships that bring investment in the ‘bricks and mortar’ of our rich heritage of public buildings, conserving the best of the past whilst creating more user- friendly environments for learning, culture, leisure and sports. (Southwark 2016, p. 37)

Our best evidence at the moment is that both London’s and Southwark’s economies will continue to grow. The main growth could be in the better paying jobs that will need people with creative, interpersonal and flexible skills, together with technological literacy. (…) The north of the borough is likely to continue as a place where multi-national and other large businesses want to have prestige buildings. Elsewhere in the borough, our proximity to central London makes us an ideal location for small specialist businesses to start-up. (Southwark 2016, p. 40)

Southwark apresentou-se assim aos Trustees da Tate como tendo um grande potencial para aí implementar a galeria de arte internacional dados os planos de desenvolvimento para essa zona terem uma ancoragem cultural e também dada a proximidade de pontos de interesse turístico como a Catedral de S. Paulo e o Shakespeare’s Globe que iriam atrair visitantes para a nova Galeria.

5.2. A Tate Modern: abertura e impacte

As origens da Tate Modern situam-se nos anos 80 do século XX quando uma série de projetos de remodelação para Millbank revelou que o espaço para exibir a coleção era 228

nitidamente exíguo e, embora existissem planos para uma expansão175, o que fosse feito em relação ao edifício nunca seria suficiente para as necessidades. A Tate continuou a ter grandes dificuldades em assumir adequadamente a sua responsabilidade de exibir arte num espaço de qualidade internacional, tendo os Trustees reconhecido a necessidade de se encontrar um outro local em Londres, ainda que durante algum tempo tivesse persistido a vontade de não dividir a coleção em termos geográficos dentro de Londres. A galeria não era sujeita a grandes remodelações desde 1937 e a extensão feita em 1979 tinha sido direcionada para exposições temporárias, o que não resolveu os problemas de espaço da exposição permanente. Face à persistência deste contexto foi inevitável regressar aos planos para construção de uma nova Galeria que ficaram a cargo de um grupo de trabalho, o The Tate Gallery Masterplan Group, que operava dentro de grande secretismo e cuja documentação se encontrava classificada como confidencial. O projeto é, em muitos dos documentos do grupo, denominado Moby Dick e incluía a construção de uma nova galeria de arte moderna, um edifício na zona de parqueamento da Clore Gallery em Millbank, e um novo armazém. Os locais estudados em Londres para a implementação da nova galeria foram vários176 e, na época, a hipótese vista com mais potencial foi o espaço do recém- convertido Billingsgate Market (um antigo mercado de peixe) na City, situado entre a Torre de Londres e a London Bridge com uma boa vista para o rio. O local estava alugado ao Citybank que terminava o contrato de leasing com uma empresa de exploração de propriedade (St Martins Property Corporation) em 2001. O Citybank estava a pagar a esta empresa £ 2.5 milhões por ano pelo aluguer e viu vantagens

175 Existiam planos arquitetónicos para a extensão do edifício em Millbank que consistia na construção dos New Museums, uma denominação coletiva para um conjunto de edifícios e que incluía um Museum of Modern Sculpture (para a coleção de escultura que continha um número considerável de obras de Henry Moore, Barbara Hepworth, Giacometti, Naum Gabo, Brancusi e Lipchitz) e um New Art Museum para exibir arte moderna e contemporânea (Tate Report 1984-86: 1986: 25-28) e que representavam um significativo acrescento ao edifício em Millbank mas, cuja integração no mesmo já fazia adivinhar, mais uma vez, problemas de circulação e de articulação das várias vertentes da coleção, o que acabou por ser decisivo na decisão de não o concretizar. 176 Numa ata de 10 de fevereiro de 1992 do grupo de trabalho com o diretor da galeria dá-se conta de várias visitas à zona das docas para potenciais lugares para a galeria. (Meeting 10 February 1992, 4.15 p.m., Director’s Office)

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associadas ao prestígio em subalugar o espaço à Tate177, que, por sua vez estudou a questão não só em termos da renda a pagar mas também em termos das despesas que teriam de ser feitas para adaptar o espaço à exibição de arte. Num documento deste grupo de trabalho é possível ler o tipo de questões que guiou a procura do local para nova galeria, com uma dominância para a parte financeira do projeto:

Is Docklands being considered? Yes, along with locations in other parts of London. Docklands has communications problems. The depressed state of the property market provides us with an opportunity to acquire a building on favourable terms (but not Canary Wharf!). (…) What are the anticipated sources of finance? The Government has not been specific on its funding plans. It has stated that it would like to see all its buildings put in good order by the year 2000, and in its Forward Plan the Tate has submitted its schedule for achieving this, and has bid for the funds to achieve it. At the same time, the Government will expect us to obtain some funding from the private sector. (Masterplan Staff Presentation 2 July 1992, Summary of Questions and Answers, pp 2-3)

A direção da Tate anunciou, em 1992, a decisão de abrir um novo espaço, a Tate Gallery of Modern Art, lançando o concurso internacional para a execução do projeto arquitetónico assim como as estratégias para captação de fundos privados, que constituiriam uma parte razoável do financiamento. Perspetivada para exibir obras numa linha de continuidade cronológica em relação à coleção da National Gallery em Trafalgar (visto esta também colecionar arte internacional), a nova galeria foi tratada como um novo marco na cidade e no panorama dos museus de arte moderna:

The Tate Gallery of Modern Art will be the national gallery of modern art, taking up the story of art where it leaves off art at the end of the nineteenth century at the National Gallery in Trafalgar Square. (…) The new Gallery of Modern Art will be an exciting new landmark in the centre of London enhancing the city’s position as a world centre, bringing cultural, social and economic benefits to millions of people. It is expected that the new gallery will attract about three million visitors each year, of whom roughly 40 per cent will come from outside London and 30 per cent from abroad. (…) The project will also bring considerable benefits to the local community for transforming a derelict site into an important public building and regenerating a central stretch of the South Bank and the River Thames. (…) The Tate aims to set the pattern for the next generation of museums with the creation of the new Tate Gallery of Modern Art. (Tate Report 94-96,1996: 24)

177 Interim Museum of Modern Art, p. 1

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Afastadas as hipóteses de Billingsgate e das Docklands a escolha incidiu sobre a desativada estação elétrica de Bankside178, situada na margem sul do Tamisa, em Southwark, em frente à Catedral de S. Paulo, não muito longe da Tate Britain:

During 1993 a number of potential sites were considered for the new Gallery. Starting with the presumption that they would wish to commission an entirely new building to celebrate the achievements of modern art and to mark the millennium, the Trustees looked at many empty sites. However, the claims of the former Bankside Power Station, Giles Gilbert Scott’s magnificent post-war building on a large site opposite St Paul’s Cathedral, were strong. Eventually the balance swung in favour of Bankside because of the scale of the opportunity, the amount of space available (which will allow for the future growth of the Collection well into the next century), the improvements to public access which will follow the opening of the Jubilee Line in 1998 and the likely creation of a new bridge associated with other improvements to river and pedestrian access. Beyond these factors the Trustees were influenced by the crucial support and interest of the London Borough of Southwark and the City Corporation. Nuclear Electric Plc. (Tate Report 1992-94, 1994: 9)

A estação elétrica de Bankside, da autoria do arquiteto Giles Gilbert Scott, faz a Tate Modern emergir na linha urbana graças à dimensão do seu edifício e à chaminé, que foi mantida da construção original. Quando a estação elétrica começou a ser construída em 1948 este tipo de infraestruturas não era visto com bons olhos no centro da cidade, que já estava a ter algumas indústrias deslocadas para a periferia. A sua linha arquitetónica era muito simples, semelhante a uma caixa, para alojar caldeiras, turbinas e outros equipamentos. A chaminé tinha como limite de altura a cúpula da Catedral de S. Paulo em relação à qual teria de ficar num plano inferior. Após um processo de construção demorado, com acréscimos e extensões em 1952 e 1959, ficaria completa em 1960, época em que o seu desenho era considerado antiquado (Stamp, 2000: 182-86). Em anos posteriores a estação eléctrica foi considerada obsoleta, poluente e pouco eficiente, acabando por fechar definitivamente a 31 de outubro de 1981. O destino a dar ao edifício manteve-se incerto durante alguns anos porque era muito jovem para poder ser classificado como monumento nacional mas era-lhe reconhecido potencial para reconversão, possivelmente para um museu, o que veio a acontecer. O espaço tinha os requisitos necessários para viabilizar o projeto em termos arquitetónicos: era central, tinha bons acessos através dos transportes públicos, tinha a área necessária e era um edifício a necessitar de intervenção arquitetónica com potencial

178 Stamp (2000) faz um breve perfil do arquiteto Gilles Gilbert Scott, responsável não só por esta estação eléctrica mas também pela de Battersea e por outros edifícios importantes em Inglaterra como a catedral de Liverpool. É também da sua conceção a icónica cabine telefónica vermelha.

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para futuras expansões. Além do mais, beneficiava da proximidade da Catedral de S. Paulo, um ponto importante para os turistas em Londres que, na rota da visita à catedral, procurassem um ponto de visita relacionado com a arte, que a nova galeria ofereceria. À semelhança da Tate St Ives, foi encontrado um edifício industrial com condições para exibir arte pretendendo a Tate Modern preservar a estação elétrica como uma componente da memória da cidade. A indústria tinha sido uma das vertentes da modernização das sociedades, sendo a fábrica um símbolo poderoso na paisagem urbana, pelo que fazia todo o sentido aproveitá-la para fazer parte dos planos de desenvolvimento urbanístico de Southwark. A estrutura industrial da estação de Bankside, não sendo particularmente elaborada, não impunha ao olhar a fachada principal, como acontece com o traçado dos museus do século XIX, obrigando o visitante a entrar e a concentrar-se na multifuncionalidade do seu espaço interior. Ainda durante a reconstrução tanto os arquitetos179 como o Diretor, Nicholas Serota, já reconheciam a vasta área das turbinas como o espaço mais emblemático e com mais potencial para projetar a imagem da Galeria:

Nicholas Serota: Herzog and de Meuron realised that the turbine hall was essentially a street that ran through the building and that it had both a north façade and a south façade, formed not just by the building we are developing at present but also the building that will be developed over the next five years using the switch house and the oil tanks. Rowan Moore: So are the most important decisions to do with leaving it alone and putting the doors in the right place? Jacques Herzog: I think the ramp was very important. We still don’t know if it will work; we’ll have the answer soon. The success of that space has to do with how art, people, the shop and so on go together, …(Moore, Herzog e Serota, 2000: 38)180

As obras de reconversão começaram em 1997 com a remoção de todos os materiais e equipamentos pertencentes à estação elétrica, mantendo-se, no entanto, a estrutura do edifício sem grandes alterações. A modificação mais relevante seria feita através de uma

179 Em 1996, após um concurso internacional, a firma suíça de arquitetos Herzog & Meuron divulgou o projeto, que pouco alterava a estrutura exterior da estação de Bankside e que introduzia mais luz através do teto, remodelado. Os trabalhos de reconstrução duraram até ao fim de 1999 e, de janeiro a maio de 2000 foram instaladas as obras de arte distribuídas por três pisos, dois para a coleção permanente e o terceiro para exposições temporárias. A firma tem continuado a ser chamada para todas as intervenções arquitetónicas na Tate Modern até ao presente. 180 Excerto de uma entrevista feita em 1999 por Rowan Moore a Jacques Herzog e Nicholas Serota reproduzida em “Conversation” in Moore, Rowan and Raymund Ryan (2000: 37-57).

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extensão em vidro colocada a partir de uma parte do telhado. O chão em madeira de carvalho com um ar gasto tinha como objetivo conferir ao interior a dureza do ambiente de uma fábrica. A vastidão de Turbine Hall recorda o espaço grandioso da estação elétrica, mas a subida para os pisos superiores através de escadas rolantes e a chamada apelativa para o consumo nas lojas fazem lembrar os modos de ver e de circular num centro comercial. Em cada piso, um pavimento de madeira pouco tratada dá acesso às galerias de exibição de arte, nas quais as obras estão expostas sobre o fundo branco das paredes. Coexistindo no mesmo espaço, a arte, o consumo e o passado industrial estabelecem elos de ligação entre o passado e o presente e formam um enquadramento que revela plenamente as novas estruturas discursivas em que o museu está integrado: cultura, renovação arquitetónica e urbanística e consumo. O sétimo andar do edifício oferece vistas panorâmicas para o Tamisa, para a Catedral de S. Paulo e para a Millenium Bridge181, que funciona como um corredor pedestre fundamental de chegada de visitantes vindos da zona norte da cidade, nomeadamente da Catedral. A Tate Modern abriu a 11 de Maio de 2000, com a presença da Rainha Isabel II, incluída num projeto mais abrangente, o Millenium Project, que consistia num pacote de fundos para uma série de equipamentos como a roda gigante junto ao Tamisa (London Eye) ou o Millenium Dome especialmente construídos para receber os festejos do ano 2000 e integrados numa estratégia para projetar Londres como uma cidade do século XXI, uma world class city, nas palavras do Mayor Ken Livingstone. Os fundos para a construção vieram também de parceiros como o English Partnerships London, The Arts Council of England (com dinheiro da Lotaria Nacional) e o Southwark Council. A Tate Modern abriu com entrada livre182, seguindo a política das outras três

181 Construída entre a Southwark Bridge e a Blackfriars Bridge, abriu a 10 de junho de 2000 e foi fechada dois dias depois porque se detetou uma trepidação na sua estrutura. Depois das devidas análises à condição da ponte e feitas as alterações necessárias, reabriu novamente em fevereiro de 2002. 182 Verifica-se que em todos os seus espaços há referências às fontes de financiamento que permitem manter este regime de entrada e que possibilidades se abriram através da Tate Modern para o sucesso comercial da marca Tate (Tate Report 2000-2002, 2002: 30). Na Tate Modern, tal como na Tate Britain, a questão do dinheiro está presente em muitos pontos do seu percurso, exceto onde se expõe arte, e acompanha o visitante desde o convite ao consumo nas lojas, passando pelos múltiplos pontos para fazer donativos, até aos anúncios e agradecimentos às empresas patrocinadoras.

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galerias, quando a maior parte dos museus de arte moderna e contemporânea cobram a entrada a preços consideráveis, como o MoMA ou o Centro Georges Pompidou. No comunicado de imprensa saído em Maio de 2000, quando da abertura da Galeria, era claro o impacte que a Tate Modern desejava criar na sua zona de implantação (a partir de um estudo realizado pela empresa McKinsey & Company):

Summary of benefits: Tate Modern will: -bring direct economic benefits to London of between £50 and £90 million a year -help create 2,400 jobs in London -help generate between £16 and £35 million of direct and indirect economic benefits in the London borough of Southwark -act as a catalyst for the regeneration of a key area of central London, by encouraging public and private investment and highlighting Southwark as a desirable place to live and work (…) -create a new focus for visitors to London, and act as a powerful draw for tourism to the south , (…) (Press release, May 2000; on the launch of Tate Modern)

Um ano depois da abertura da Galeria, após uma reavaliação das previsões, a Tate lançou uma informação para a imprensa onde deu conta do impacte do seu projeto, principalmente a nível económico:

In only one year Tate Modern has become the third most visited tourist attraction in Britain and the anchor attraction on the South Bank, drawing attention and people to a previously undiscovered and underdeveloped area. The economic impact on this area has significantly exceeded expectations. (…) Tate Modern itself has created 467 jobs in addition to 283 during the construction phases. Currently 30% of those employed at Tate Modern come from the local area. The number of hotel and catering businesses in the local area has increased by 23% from 1997 – 2000. This has led to an estimated 1800 new hotel and catering jobs in the Southwark area. (Press information “The economic impact of Tate Modern, 11 May 2001)

Muito do desenvolvimento em torno da Tate Modern tem-se relacionado com o imobiliário através de construção em altura, principalmente pela empresa NEO Bankside, de apartamentos e escritórios de gama alta que ‘cercaram’ a Galeria e que se integram em vários projetos ou ‘visões’ para a zona da qual tiram partido arquitetos, investidores imobiliários e a própria municipalidade de Southwark e que em muito têm contribuído para o aumento do preço da propriedade (Press information, “The Economic Impact of Tate Modern”, 11 May 2001).

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A Tate divulgou também, num comunicado de imprensa em 11 de maio de 2001, os resultados de um estudo sobre soluções criativas para o desenvolvimento da área de Bankside encomendado à firma do arquiteto Richard Rogers, Richard Rogers Partnership, do qual se destaca a necessidade de continuar a criar espaços de socialização com uma componente comercial úteis ao estilo de vida de uma classe social que procura espaços de alta qualidade com ligação à cultura e ao consumo:

In the area immediately to the south of Tate modern, three alternative schemes are outlined and co-ordinated approach to development by the key players, the Council, the community, landowners and other interested stakeholders, is strongly recommended. This would result in the development of exciting new community facilities including a new car-free public square, surrounded by restaurants and shops, to the south of the gallery. This piazza would create a community focus, providing space for performance and art, and enhance future development of the area. (Press Release “Richard Rogers’s vision for Bankside”, 11 May 2001)

No ano de abertura as entradas na Tate Modern ultrapassaram os 5 milhões, número que não conseguiu manter até ao presente. No entanto, com visitas anuais acima dos 4 milhões, a renovação e a extensão dos espaços são linhas de desenvolvimento tão importantes como a aquisição de obras para a coleção. A abertura, em 2012, da área dos tanques de combustível da antiga estação eléctrica, The Tanks, e as obras de remodelação de Turbine Hall em 2014 são o reflexo quer das potencialidades de expansão do edifício quer de uma perspetiva que passa por, periodicamente, apresentar algo de inovador e de surpreendente que faça os visitantes deslocarem-se pela primeira vez ou regressarem à Galeria. Como foco principal da mostra de arte contemporânea em Londres a abertura da Tate Modern teve implicações no funcionamento de muitas outras galerias na cidade a começar pela Saatchi Gallery que, não querendo perder visibilidade e a primazia que tinha tido até então na mostra da contemporaneidade artística, se mudou de Boundary Road para South Bank em 2003 (Stourton, 2007: 340). A Tate Modern ajudou a consolidar a zona de South Bank como um quarteirão cultural na medida em que, como infraestrutura cultural dedicada à mostra de arte moderna e contemporânea capaz de elevar o estatuto da sua área de implantação, funcionou como um pólo de atração de investimento privado e um promotor de regeneração urbana fortemente apoiado não só pelo setor imobiliário mas também pela construção ou remodelação de outras estruturas ligadas à cultura na margem sul do Tamisa (Newman e Smith, 2000). 235

5.2.1. Exibir arte moderna e contemporânea com inovação

Uma das opções que definiu a identidade da Tate Modern foi a de exibir arte sem obedecer a uma sequência cronológica e por ter escolhido uma organização temática e sem hierarquias explorando as relações de influência entre artistas e movimentos (Blazwick e Wilson, 2000). As práticas de exibição de arte contemporânea têm sido um foco de discussão, revisão e reformulação por várias razões nomeadamente com a dimensão de muitas obras, a diversidade dos seus media, a complexidade dos seus suportes e os valores que quer transmitir. Por sua vez, a exibição de arte moderna e contemporânea internacional apresenta ainda desafios de representação, nomeadamente no que a distancia das narrativas ligadas às identidades nacionais, às noções de génio artístico ou de cânone. Esta especificidade colocou grandes problemas à Tate porque nunca tinha sido possível dar coerência a uma identidade representacional da coleção da Galeria pela dificuldade em articular as narrativas associadas a uma linha nacional de pintura ‘histórica’ e uma linha moderna e contemporânea internacional. A exibição de arte ‘moderna’ ou ‘contemporânea’ internacional na Tate esteve durante muitas décadas presa às limitações do edifício em Millbank, no qual se encontravam também expostos os artistas da coleção britânica desde o século XVI o que, em muitos momentos, abriu perspetivas confusas ou sobrepostas sobre as duas vertentes da coleção:

Tate Modern is the realisation of a long-held intention to resolve the schizophrenic nature of the old Tate Gallery. (…) The logic of this arrangement was never strong, with George Stubbs’s horses in one half of the gallery and the work of Marcel Duchamp in the other. As the Tate was also short of space, and never able to show more than 20 per cent of its collections at any one time, the case to build a new, separate Tate gallery of modern art became compelling. (Ryan, 2000: 15)

Esta natureza dupla da missão da Galeria tinha levantado, por várias vezes, questões relativas aos modos de exibir duas coleções em Millbank. Em 1992, por exemplo, a Tate tinha estado envolta numa controvérsia entre visões do Diretor e de especialistas precisamente em relação a esta problemática. No número de abril da revista Apollo The International Magazine of the Arts Robin Simon escreveu um editorial criticando o

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modo como a organização de pequenas exposições temporárias deturpava a missão da galeria e tornava confusa a interpretação das coleções:

The much more urgent question is what is to happen to the historic British collection as a whole. The most recent of the Director’s ingenious temporary hangs which have turned the place into a vast exhibition space rather than a permanent museum display, has strengthened the feeling that the Tate is in danger of not carrying out any of its contradictory tasks properly. The mongrel nature of the museum – a cross between historic British and international modern and contemporary – came about through a series of accidents, including the torpedo that hit the Lusitania. (Simon, 1992b: 207)

Simon acentuava o facto de a escassez do espaço da Galeria não permitir esquemas muito complexos de exibição porque limitava o número de obras a exibir e obrigava à compressão de informação sobre o artista, conduzindo inevitavelmente a omissões como, por exemplo, de influências entre artistas e correntes. Este texto viria a merecer uma resposta, na edição de junho, do Diretor da Tate, Nicholas Serota:

The first has been to provide a proper survey of twentieth-century European and American art, equivalent to the museums of modern art in New York or Paris. The second has been to do justice to the achievements of British artists in the absence, at Millbank, of crucial chapters which remain for reasons of accident or history in other national collections: masterpieces of eighteenth-century painting at the National Gallery, Constable and much Victorian painting at the Victoria and Albert Museum and British watercolours and drawings at the Victoria and Albert and British Museum. (Serota, 1992: 393)

Poucos anos antes da abertura da Tate Modern, o Diretor Nicholas Serota, apoiando-se nas tendências contemporâneas de exibição que evitam as narrativas por escola ou por artista, tinha defendido que não existiam respostas fáceis e concretas para a exibição de arte sem que se levantassem problemas relativos ao modo de contextualizar aspetos como o diálogo e a influência entre artistas e correntes ou de apresentar a arte como prática social. Tinha o exemplo do Centro Georges Pompidou em Paris, do Kunstmuseum em Bona ou do Guggenheim em Nova Iorque, que haviam explorado outras linhas de exibição de arte moderna fugindo à disposição linear, cronológica, por escola que, convencionalmente, mantinha as obras consideradas mais importantes ligeiramente acima do nível do olhar e que dominou as práticas de exibição até aos anos 80 do século XX na maior parte dos museus. Não retirando importância à exibição de arte moderna por escola, Serota realçou a

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necessidade de dar relevo à experiência do artista e ao modo como a sua obra pode relacionar-se com ou refletir sobre as convenções do museu (criando, por exemplo, peças que não podem ser expostas de modo convencional). Referiu inclusivamente que a intervenção de muitos artistas no espaço museológico pode afetar o modo de exibir as obras de arte (alguns doaram obras que desejavam ver expostas de determinado modo, outros criaram peças para determinado enquadramento), o que acaba por envolvê-los na conceção de muitos espaços de exibição, transformando o curador num colaborador com o trabalho do artista (Serota, 1996: 36). Por estas razões considerava a exibição cronológica uma prática a abandonar, o que o levou a apresentar outras perspetivas de exibição baseadas em justaposições, espaços geográficos de criação ou clusters de criatividade, sempre no sentido de promover novos modos de mostrar a experiência artística:

Our aim must be to generate a condition in which visitors can experience a sense of discovery in looking at particular paintings, sculptures or installations in a particular room at a particular moment, rather than find themselves standing on the conveyor belt of history. (Serota, 1996: 55)

Esta visão acabou por influenciar a opção pela representação de uma narrativa temática na Tate Modern onde a exposição permanente foi distribuída por quatro áreas de criação: Landscape Matter Environment; Still Life Object Real Life; History Memory Society e Nude Action Body183. Com cortes temáticos na sequência cronológica ou estética pretendeu-se mostrar que nada é neutro a uma obra de arte quando a vemos e tudo a pode influenciar desde o modo como é exibida ao aparato narrativo em que é mostrada e inclusivamente à localização do edifício (Nittve, 2000: 10-11). Com a nomeação em 1998 de Lars Nittve para diretor da Tate Modern e Iwona Blazwick para coordenadora de exposições, a Galeria deu início ao processo de recrutamento e formação de pessoal no sentido de cortar com uma longa tradição de exibir arte por escolas e/ou movimentos:

183 Esta disposição não é estática nem permanente sendo os temas sujeitos a reformulações periódicas no sentido de dinamizar a coleção e de exibir as obras com maior rotatividade. Em 2012, por exemplo, os temas eram Structure and Clarity (dedicado à arte abstrata dos anos 20 e 30); New Transformed Visions (com obras dos anos 40 e 50); Poetry and Dream (com o movimento surrealista) e Energy and Process (dedicado ao vigor da arte italiana dos anos 60 e 70).

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The curatorial team of Iwona Blazwick and Frances Morris decided to abandon the chronological displays traditional in museums of modern art throughout the world. (…) The alternative was to trace significant themes across the whole body of modern art: but what themes? Their final choice was a scheme that was clear and simple, but flexible and rich in potential. They took four of the great traditional subject areas of art – history, the nude, landscape and still life, and divised four sets of displays… (…). Each set of displays was given a three-word title, the first word of which was the traditional subject category, the other two reflecting some of the ways in which this has been transformed through the twentieth century. (Tate Report 1998-00, 2000: 23)

A exibição de abertura Tate Modern: Collection 2000 expôs nas quatro salas temáticas uma parte da coleção de arte moderna, com uma explicação que foi apresentada à imprensa no dia anterior à sua abertura ao público, a 12 de Maio de 2000:

In a radical break with the tradition of exhibiting works chronologically and by school, Tate Modern will show the Tate collection of modern art in four themed groups, each of which spans the twentieth century. Radical as the scheme is, it is also rooted in tradition. Collection 2000, in association with BT, takes as its basis the major subject categories of art, or genres, that were established by the French Academy in the seventeenth century, namely landscape, still life, the nude and history painting. It traces the ways in which these genres have both survived and been radically transformed through the modern era. (Press Release, 11 May 2000)

Demos (2009) considera que a narrativa temática levanta questões relacionadas com a dificuldade em estabelecer conexões históricas entre o trabalho dos artistas na medida em que a falta de linearidade temporal transmite uma perceção a-histórica da produção artística e em que a organização dos objetos transmite a ideia de que os movimentos artísticos ocorreram em vários pontos do tempo. O mesmo autor critica o modo como a narrativa temática internacionalizava a arte britânica:

On the one hand, Tate Modern institutionalizes a national definition of artist practice, despite the purportedly universal associations of the category of international modern art. In its permanent collection, British contemporary art is strategically integrated into a narrative of modern art history, building lineages that lead – as if teleologically – from American and European modernism towards contemporary British practices. In the exhibition area titled Idea and Object, for example, the work of British artist Martin Creed hangs near a Carl Andre minimalist sculpture, while in Readymade Revisited, pieces by British artists Sarah Lucas, , and Ceal Floyer extended a trajectory beginning with Duchamp’s Fountain, 1917, traced through Manzoni’s Can of Artist’s Shit, 1961. (Demos, 2009: 258-9)

Por um lado a Tate Modern confere à arte britânica contemporânea um estatuto internacional ao colocá-la a par de artistas consagrados, por outro esquece as suas

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características regionais e específicas, dá-lhes uma representação mais diminuída porque, apesar de os artistas britânicos estarem na exposição permanente, poucos tiveram, desde a sua abertura, uma exposição a solo. Também considera que a categoria “internacional” se encontra demasiado vinculada à produção europeia e norte-americana e que a Galeria tem mostrado pouco empenho em exibir outros campos de representação artística. Nicholas Serota levanta uma questão fundamental e sem resposta à vista para o museu como estrutura de representação: será seu papel o de dar uma lição de história de arte aos visitantes numa narrativa canónica com uma ordenação cronológica ou de lhes proporcionar experiências estéticas impactantes e de descoberta através da mostra de ruturas, justaposições ou clusters de criatividade integrados numa narrativa temática? Parece-nos, acima de tudo, que a exibição de arte moderna e contemporânea continuará a estar rodeada de controvérsias e dilemas sem que uma visão ou modelo se sobreponham aos demais e que caberá a cada museu ou galeria fazer as suas escolhas explorando o espaço disponível e as próprias convenções associadas à exibição de arte. Presentemente, e já não estando na posição em que se encontrava quando abriu em que as visitas superaram os 5.000.000, a Tate Modern continua a atrair um elevado número de visitantes que se situou, em 2014, nos 4.884.939 e, além de ocupar lugares cimeiros na Grã-Bretanha a par do British Museum (6.701.036)184 e da National Gallery (6.031.574), é de realçar que também compete internacionalmente com o Louvre em Paris (9.333.4359), com o Metropolitan Museum of Art (6.226.727) e com o Museum of Modern Art (3.066.337) em Nova Iorque, tendo sido um dos museus mais visitados do mundo. A comparação com base nos números de visitantes não deixa de constituir informação relevante para um estudo comparativo mais aprofundado que não é o objeto da presente tese mas parece-nos importante realçar que o facto de a Tate Modern ser um ponto cultural capaz de atrair um número de visitantes tão alargado obrigou outras galerias e museus a repensarem no seu funcionamento e, principalmente na sua programação. Verificou-se que após a abertura da Tate Modern não só os museus londrinos como o British Museum ou o Victoria and Albert Museum mas também galerias como a National Portrait Gallery, a Saatchi Gallery ou até a Royal Academy passaram a investir

184 Os números apresentados neste parágrafo dizem respeito ao ranking dos museus e galerias mais visitados em 2014 e analisados em Pes e Sharp (2015) num artigo do Art Newspaper.

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não só em formas mais inovadoras e atrativas de mostrar e de promover as suas coleções permanentes mas principalmente numa programação com mais qualidade e na produção de exposições dedicadas a grandes figuras e temas, eventos apoiadas por grandes operações de comunicação com o objetivo de continuar a captar o interesse do público e de não perder o financiamento do Estado nem o patrocínio das empresas. Em 2012, por exemplo, aproveitando um pico excecional de milhares de turistas em Londres devido à realização dos Jogos Olímpicos, a programação de alguns destes espaços mostrou, num posicionamento visivelmente concorrencial, a pujança da arte britânica contemporânea: David Hockney na Royal Academy, os retratos de Lucien Freud na National Portrait Gallery e Damien Hirst na Tate Modern. E não só em Londres mas também noutros pontos importantes para a mostra de arte foram visíveis os impactes da abertura da Tate Modern. Em França, por exemplo, verificou-se uma reorientação nas programações do Louvre, do Grand Palais ou mesmo do Musée d’Orsay e, em Nova Iorque, o MoMA185, instituição que serviu de barómetro de qualidade e excelência para a Tate durante muitos momentos do seu percurso, não tem conseguido que a sua coleção e programação atraiam mais visitantes do que a Tate Modern.

5.3. A Tate em Millbank: regresso à origem

Super-Tate opens as new home for the art of Britain” (Milmo, 2001: 13)

Tate Britain is back on course”, (Worsley, 2001: 19)

Estes são apenas dois exemplos dos títulos surgidos na imprensa por ocasião da abertura ao público das novas salas do Centenary Development186 na Tate em Millbank a 1 de

185 Segundo o ranking do Art Newspaper que referimos na nota anterior, nos 20 primeiros museus mais visitados no mundo em 2014, o Louvre surge em 1º lugar, o British Museum em 2º, o Metropolitan Museum, N.Y. em 3º, a National Gallery em 4º, os Museus do Vaticano em 5º e a Tate Modern em 6º. O MoMA surge em 13º lugar e a Tate Britain em 38º. 186 O Centenary Development foi iniciado em 1997 com um fundo estatal inicial de £18.750.000 do Heritage Lottery Fund e com donativos de privados nomeadamente os de alguns nomes tradicionalmente associados ao patrocínio de arte como Lord Sainsbury e Lord Manton (que mereceu ver o seu contributo retribuído na Manton Entrance, uma das entradas laterais da Galeria).

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novembro de 2001 depois de uma abertura oficial com a presença dos media a 30 de outubro de 2001. O projeto estava em curso desde 1997 e com uma reorganização das obras de arte britânica fez a Galeria regressar à sua vocação inicial e ao estipulado por Henry Tate quando doou dinheiro e obras de arte ao Estado para a construção de uma galeria para exibir arte nacional. A remodelada Galeria tinha agora um espaço mais adequado para mostrar não só a coleção de arte nacional mas também para dinamizar todo um conjunto de atividades relacionadas com a interpretação da mesma. Apesar de condições melhoradas a Tate Britain começou a perder visitantes187, situação que era previsível dado o facto de muitos visitantes passarem a deslocar-se à Tate Modern para ver as obras de arte internacional (Tate Report, 2000-02: 2002: 7). Morris (2003) explora o modo como a Tate em Millbank inaugurou este novo plano de desenvolvimento (que só veio a estar completo em março de 2001) com uma nova disposição da arte britânica, jogando com a temporalidade ao colocar em diálogo artistas do passado e contemporâneos e, de certo modo, internacionalizando a produção artística nacional, ao juntar artistas nacionais com artistas estrangeiros a viver e trabalhar na Grã-Bretanha, lançando o debate relativamente à representação da nação e da identidade nacional através da arte e do conceito de Britishness. A organização das obras em Millbank, à qual foi dado o título Representing Britain 1500-2000, constituiu uma rutura com a linearidade cronológica (método que também estava a ser posto em prática na Tate Modern), num arrojo curatorial para surpreender o visitante colocando na mesma sala Hogart e Damien Hirst ou noutra Turner e a artista Lubiana Himidi, originária de Zanzibar mas a trabalhar na Grã-Bretanha. A opção por uma disposição temática retirou algum peso histórico ao museu como construtor do cânone a partir de linhas de evolução, hierarquia e progresso, dando maior liberdade e mais autoridade individual ao curador que recontextualizou a pintura britânica num moldura não linear e não canónica. Esta disposição da coleção, a par da atribuição a Millbank do nome ‘Tate Britain’ fez emergir o conceito de Britishness num mundo pós-industrial e pós-colonial no qual a nação e o moderno são conceitos muito mais fluidos num contexto caracterizado pela multiculturalidade, pelo poder das

187 A partir da sua abertura, o número de visitantes da Tate Modern foi notoriamente mais elevado do que o da Tate Britain: no ano de 2002-03 a Tate Britain teve 1.208.000 visitantes e a Tate Modern 4.358.000; no ano de 2003-04 os números foram de 1.121.000 visitantes para a Tate Britain e de 4.226.00 visitantes para a Tate Modern (Tate Report 2002-04, 2004: 70).

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tecnologias e dos media e longe de uma identidade nacional una, marcada pelo império e pela indústria (Hobsbawm, [1968] 1999). Em termos de desenvolvimento arquitetónico do edifício foi aberta a Manton Entrance numa das paredes laterais da Galeria, com o objetivo de providenciar um acesso à Galeria semelhante à entrada em Turbine Hall na Tate Modern, um espaço amplo e mais acessível do que a entrada pela porta frontal, e, constituindo mais um símbolo do patrocínio privado, foi uma homenagem a Sir Edwin Manton, um dos patronos mais generosos da Tate desde os anos 80 que tinha doado milhares de libras para o projeto do centenário. Queremos realçar que, apesar de Millbank poder disponibilizar um espaço para exibir somente arte britânica, tal não significou obrigatoriamente o fechamento numa postura nacionalista e um exemplo disso foi a exibição Picasso-Bacon patente na Tate Britain em 2012 mostrando o trabalho de Bacon com uma ancoragem internacional. Com este exemplo queremos evidenciar que as questões de representação de arte nacional continuam a ser problemáticas para Millbank e que, não tendo a arte britânica produzido um número significativo de figuras de proa a nível da pintura que se tivessem tornado ícones dos principais movimentos artísticos que marcaram a História da Arte, não restam à Tate Britain grandes possibilidades para atrair grandes números de visitantes senão enquadrar os artistas nacionais numa dimensão internacional. Apesar de ter regressado à sua vocação de exibir arte nacional, Millbank funciona agora num enquadramento consideravelmente diferente da sua origem na medida em que o museu contemporâneo passou a ter de se posicionar em relação não só aos mercados regionais de cultura mas também aos globais tendo de adotar práticas de internacionalização da programação e da imagem para assegurar o número de visitantes necessário à sua sobrevivência.

5.4. A Tate como marca cultural

Com o início do milénio e a abertura da Tate Modern, a Tate assumiu definitivamente uma identidade de marca e entrou numa nova fase de desenvolvimento. Um processo de rebranding consolidou definitivamente a noção de uma gestão de marca através da criação de uma nova identidade visual com um logótipo que dava conta da renomeação da marca, passando de the Tate para Tate, denominação escolhida para comunicar uma 243

imagem unificada das quatro galerias através do elo de ligação às suas origens e ao seu patrono como símbolos permanência, de tradição, prestígio e valor. Nas duas galerias em Londres o processo passou por um reforço de identidade dando-lhes nomes que as ligassem imediatamente às suas coleções, Tate Britain, em Millbank, e Tate Modern, em Bankside e, paralelamente a estas alterações foi posta em prática uma estratégia de comunicação e de marketing e de reforço de contactos com os media e de colocação da imagem da nova marca nas principais plataformas digitais (Tate Report 2000-02, 2002: 8). A Tate é hoje uma organização complexa na medida em que é gerida numa lógica de marca cultural com especificidades inerentes ao facto de possuir uma coleção pública de arte, exibida em edifícios que não são propriedade do Estado e que, tanto a coleção como os edifícios, são geridos por um Board of Trustees nomeado pelo Governo que, legalmente, tem a autonomia e os estatutos de um conselho de administração empresarial. O aprofundar desta lógica pressupõe que são seguidas regras de planeamento empresarial conducentes à colocação de um produto no mercado. Em primeiro lugar o estudo dos públicos com o objetivo de melhorar a sua experiência de visita às galerias e a sua fidelização, em segundo lugar o uso de técnicas de branding para criar identidades visuais fortes que associem as exposições, os produtos de merchandising ou os edifícios à missão da Tate, em terceiro lugar o uso de estratégias de marketing, em colaboração com os media, para colocar os produtos e serviços das galerias no mercado, sejam exposições temporárias, novas publicações ou eventos. Consideramos que, no sentido de assegurar a sua sobrevivência, foi fundamental para a Tate o entendimento que fez do funcionamento da arte num sistema de mercado, do reconhecimento das suas regras e da gestão das suas valências numa lógica empresarial mas sem deixar de desempenhar as suas funções públicas como guardiã de uma coleção que exibe com entrada gratuita. O constante aperfeiçoamento da sua gestão tem tido resultados positivos na captação de parceiros estratégicos no campo empresarial e nos media. A atualização e a diversificação de serviços, a renovação de práticas de exibição, a utilização das tecnologias de informação têm permitido à marca Tate comunicar a sua grande capacidade de se envolver em processos de transição essenciais à renovação da sua imagem e à sua permanência no mercado de oferta cultural numa posição de liderança a nível nacional e internacional. 244

5.4.1. Museu-empresa: planeamento, marketing e comunicação

Interessa-nos neste ponto dar algum relevo às várias linhas de desenvolvimento da Tate que refletem que há muito que deixou de ser uma convencional galeria de arte para se tornar num negócio188 grande e bem-sucedido de serviços relacionados com as artes: exibir uma extensa coleção, vender exposições e merchandising, captar patrocínios e gerar receitas. A Tate gere cuidadosamente as estratégias de manutenção dos seus parceiros empresariais189 porque neles reside um forte apoio a programas educativos, à aquisição e conservação de obras, à formação do pessoal, à manutenção dos arquivos e biblioteca e à criação e desenvolvimento da marca nas várias plataformas digitais como o website ou as aplicações para os media móveis. Através da leitura das atas das reuniões do Board of Trustees (realizadas em janeiro, março, maio, julho, setembro e novembro de cada ano) verifica-se a ênfase dada à análise dos relatórios financeiros anuais e às previsões dos orçamentos que são elaboradas para cada ano, sendo dada grande atenção aos números de visitantes das exposições temporárias e aos lucros por elas proporcionadas nas lojas, assim como é analisada a performance da Tate Enterprises Limited190, uma subsidiária da Tate

188 O progressivo alinhamento das suas práticas com as lógicas empresariais e a procura do patrocínio privado não devem ser olhados como uma perversão da missão publica dos museus mas sim, e segundo McClellan (2003: 2) como uma prova de que estas instituições nunca tentaram verdadeiramente distanciar-se da sua ascendência privada e aristocrática porque na verdade sempre contaram com o dinheiro dos mecenas e com as obras por eles doadas, patrocínio que retribuíram muitas vezes com salas às quais era dado o seu nome. 189 A lista de parceiros empresariais encontra-se em http://www.tate.org.uk/join-support/corporate- support/corporate-members/current-corporate-members. Realçamos que a Tate tem conseguido assegurar o apoio de empresas de grande dimensão no empresariado como a BP, o Deutsche Bank, a HSBC Holdings plc, a Morgan Stanley, a Unilever ou a Wolff Ollins. A BP, por exemplo, apoia há 23 anos a rotatividade da mostra da coleção britânica em Millbank, agora Tate Britain, e a Unilever tem permitido montar na área de Turbine Hall grandes instalações das quais destacamos a monumental Marsyas de Anish Kapoor em 2003 e Sunflower Seeds do artista chinês Ai Wei Wei em 2010-11. 190 A performance destas empresas é sujeita a um cuidadoso escrutínio quer pelo Board que por auditores externos e, com regularidade e estando o seu Diretor presente nas reuniões do Board, são dadas diretrizes

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responsável pela atividade comercial relativa ao catering, merchandising e publicações, à Tate Online Shop e ao aluguer de espaços interiores e exteriores das galerias para produção de filmes e de programas de televisão e de sessões fotográficas. O seu trabalho, muitas vezes envolvendo a colaboração com os artistas, pressupõe o desenvolvimento de produtos (tanto os que são vendidos nas lojas como os acessórios ou decoração dos espaços de refeição) que transmitam conceitos essenciais à interpretação de aspectos da coleção permanente ou de exposições temporárias. Periodicamente o Board elabora, em conjunto com o Diretor e os vários departamentos, planos estratégicos para o desenvolvimento das Galerias enquadrados nas grandes tendências de desenvolvimento nacionais e globais dos museus, principalmente tendo em conta as contingências191 que poderão resultar de previsíveis ou anunciados cortes no subsídio governamental:

It was reported that the strategy reflects Tate’s adaptation to longer term changes in the broader environment, in museums, and to shorter-term challenges such as the economic situation, cost uncertainty, and public finances. (…) It was stated that an emphasis on broader global perspectives, commercial acumen, collaboration, and greater consistency is evident across each of the six strands. (Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 21 January 2009: 6)

A captação de públicos para a arte, principalmente contemporânea, continua a ser uma prioridade na gestão da Tate através de estratégias comunicativas que têm envolvido principalmente a Tate Media, responsável pelo desenvolvimento de plataformas de disseminação da imagem e das atividades das Galerias nos seus vários canais:

para que a sua gestão tenha em conta aspetos como um maior envolvimento do staff e dos artistas, um mais aprofundado conhecimento dos públicos no sentido de melhorar uma mais atempada e eficiente planificação do desenvolvimento dos produtos e serviços e para que haja um equilíbrio entre o preço, o conteúdo e os públicos-alvo. Cf Minutes of the Meeting of the Board of Tate Gallery, 19 January 2011, p.7. 191 Em 2010 o Board fez o planeamento para o período 2011-2014 tendo em conta o corte do subsídio estatal para os museus nacionais que seria da ordem dos 3%, o que obrigaria a Tate a reforçar as suas estratégias de geração de receitas próprias desenvolvendo ao máximo o potencial das suas empresas. Também perspetivando as medidas governamentais de diminuição do setor público os Tustees, apesar de verem como favorável uma maior independência de atuação em relação ao Estado, consideram que a tutela da Coleção deverá sempre ser pública.Cf Minutes of the Meeting of the Board of the Tate Gallery, 14 July 2010, pp. 2-4.

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In response to a query, it was reported that the top three priorities for Tate Media overall are selling exhibitions and memberships, the growth and development of Tate Online, and the development and delivery of the Audience Strategy. It was noted that the audience strategy needs to be balanced correctly, taking into account both revenue and reach. (Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 21 January 2009: 7)

A relação com os públicos é sujeita a um escrutínio atento pelos Trustees e Diretor da Tate e, periodicamente, são definidas linhas de ação conducentes à captação e fidelização de visitantes através do esforço contínuo de melhoria de serviços e da experiência do visitante192. A estratégia internacional da Tate para os próximos anos também tem sido objeto de reflexão e desenvolve-se no sentido de captar visitantes, de se integrar em redes de partilha de conhecimento sobre arte (mercados, artistas, museus e galerias) e de estabelecer parcerias e laços de colaboração para chegar a públicos internacionais. A visão para 2015 propunha que a Tate fosse mais internacional, uma perspetiva de desenvolvimento baseada na ambição da liderança da marca em vertentes como o conhecimento sobre a arte e a geração de lucros mas sem perder de vista a volatilidade dos públicos, a diminuição do subsídio estatal e as oscilações na captação de patrocínios das empresas e doações de particulares. Apesar de se ter expandido por quatro galerias em Inglaterra e de ter atingido o patamar atual em termos da qualidade e dimensão da sua coleção, de número de visitantes e de receitas, e ao contrário do Guggenheim, por exemplo, a Tate não tem nos seus objetivos mais próximos qualquer intenção de desenvolver a marca num sistema de franchising:

Trustees were reminded that Tate’s preferred international model is partnership and knowledge change and not franchise. (Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of Tate Gallery, 16 January 2013: 10)

Os objetivos de desenvolvimento da Tate estão centrados na consolidação da marca e, desde a primeira década do milénio todas as ações de comunicação têm sido orientadas para tornar mais visível a marca Tate. Uma das mais inéditas começou por ser o lançamento, em maio de 2003, do Tate Boat, um catamaran com desenhos interiores e exteriores do artista Damien Hirst para fazer uma ligação de 18 minutos pelo Tamisa

192 Na reunião do Board de 16 de Setembro de 2009, p.6, há uma referência explícita à imagem que se pretende que os visitantes levem da Tate, “dynamic and vibrant” e que, para que esta se concretize deveria ser dada grande atenção a mecanismos de conhecimento e envolvimento do público como estudos demográficos e de mercado, comentários deixados pelos visitantes e observação direta.

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entre a Tate Britain e a Tate Modern tirando partido das vistas proporcionadas pelo rio e das beneficiações feitas nos cais e áreas circundantes (Tate Report 2002-04, 2004: 296). Numa outra vertente, e colocando-se em redes de conhecimento, a Tate tem colaborado com as universidades de Essex e Manchester, com a Open University, com o Royal College of Art e com o Goldsmith’s College com o objetivo de colocar a coleção e a arte no foco de projetos de investigação e também de dar formação aos seus curadores e a outros profissionais. A iniciativa Tate Papers é uma publicação online que proporciona a divulgação de artigos relativos à Tate e às suas coleções e, com vista à diversificação das visões sobre a programação e a coleção193, a revista TATE ETC publica artigos acerca dos artistas, obras e exposições que marcam a atualidade da marca Tate. A ligação ao meio universitário tem servido objetivos vários: colocar a coleção da Tate ao serviço do estudo da arte, da cultura e das suas práticas, associar o nome da marca à academia e ao seu prestígio e ganhar com isso credibilidade e valor, o que contribui para o reforço da marca e para a elevação do nível de formação do seu pessoal e da qualidade dos seus serviços194. Os edifícios têm sido usados como uma ferramenta de comunicação essencial e o seu desenvolvimento é pensado periodicamente para fazer face a necessidades de renovação de imagem. Assim, no ano de 2008-09 foi aprovada uma nova fase do desenvolvimento da Tate Modern, a remodelação dos depósitos de petróleo pertencentes à estação elétrica, o que veio a permitir a abertura de uma saída na parte sul do edifício e a concretização de um corredor que ligasse, através da Tate, a zona norte e sul de Southwark. O projeto de reconstrução deste espaço, ao qual foi dado o nome The Tanks, com a conclusão das obras programada para o verão de 2012, foi feito com vista à apresentação das novas instalações a tempo de serem usufruídas por muitos dos milhares de visitantes que estiveram em Londres para assistir aos Jogos Olímpicos desse ano e de colocar a Tate no roteiro dos turistas que visitaram a cidade. Por sua vez, os planos de expansão da Tate Britain, aprovados pelo Westminster City Council em 2010, deram início ao Tate Millbank Project em 2011 que ficou concluído

193 A consulta encontra-se disponível em http://www.tate.org.uk/research/tateresearch/tatepapers. 194 Consolidando a sua valência ligada à investigação, a Tate disponibiliza um centro de recursos documentais e bibliográficos sobre arte através do centro de pesquisa Hyman Kreitman, sediado na Tate Britain, no qual se encontram o arquivo e a biblioteca com todo o material relativo à vida da Galeria e à sua coleção assim como obras de referência

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no verão de 2013, dando continuidade a um conjunto de melhoramentos no edifício em Millbank iniciado nos anos 90, com o objetivo de criar novos espaços de exibição, melhorar a circulação dos visitantes e abrir ao público o primeiro andar da galeria pela primeira vez desde 1928. Todas as iniciativas aqui mencionadas tiveram como objetivo principal não perder visibilidade e, simultaneamente projetar a imagem de uma organização dinâmica que procura constantemente a diversificação de plataformas para divulgar a sua missão e os seus serviços. Também revelam o reconhecimento de que, cada vez mais, o funcionamento numa lógica de marca exige uma gestão que tenha uma visão articulada da identidade da mesma e que surge da conjunção de vários fatores: a grande diversidade de projetos em curso, a performance dos pontos de consumo, as várias vertentes da coleção, a programação e as particularidades dos seus edifícios e, todas estas facetas, desde a sua conceção ao seu desenvolvimento, são perspetivadas não só tendo em conta a oferta cultural londrina mas também nacional e internacional.

5.4.2. Uma lógica digital

Uma das estratégias da Tate tem sido a de colocar a marca nos fluxos de tecnologia através da conceção de uma visão para os serviços das galerias segundo uma lógica digital. Presentemente, a visão da Tate para a sua gestão pressupõe uma geração com mais poder económico, com mais apreço pela vida social e, por isso, muito orientada para as atividades em grupo. Por ser digitalmente mais apta, tem características de flexibilidade, de diversidade e de adaptabilidade superiores a gerações anteriores, gosta de estar envolvida em comunidades de conhecimento e em redes de networking social, aprecia comunidades virtuais e gosta de eventos. Os novos públicos são experience seekers e, com uma base tenológica dominante na sua vida quotidiana, depositam grande confiança na informação veiculada na web, gostam do modo como várias plataformas multimédia/informáticas/digitais personalizam a experiência do visitante de acordo com os vários segmentos de público (Leask e Barron, 2013). Na visão estratégica do Board para 2023 reforça-se este aspeto, nomeadamente o objetivo de criar uma literacia digital junto de todos os funcionários e que esteja subjacente a toda a estrutura organizacional da Galeria, a par de uma lógica digital que 249

encontre eco na gestão dos serviços e na conceção da programação195. A atividade da Tate Online tem sido aperfeiçoada no sentido de disponibilizar a maior quantidade possível de informação e conteúdos online a começar pela digitalização de obras de arte, principalmente do catálogo completo da obra de Turner, e de documentos do arquivo. Sob outra vertente também têm sido desenvolvidos o serviço de compra de bilhetes para exposições e os recursos para preparação da visita ou de visitas guiadas a par de simpósios e cursos e da newsletter, enviada mensalmente aos subscritores. Quer em 2012 quer em 2013, nas reuniões do Board nas quais foi reavaliada a estratégia digital para a Galeria, foi reforçada por várias vezes a necessidade de fazer do digital um foco de desenvolvimento comercial e uma plataforma de expansão e comunicação da marca a nível global:

11. (…) It was discussed that, in the future, all departments need to engage with digital media and this will require a suitable governance structure. In particular, it was noted that care needs to be taken in respect of editorial control and social media and that discussion in this space needs appropriate management. It was also commented that the informal voice is important in building community, and there are opportunities around this in the commercial space. (Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 21 November 2012: 10)

10.Digital Strategy 2013-15: Digital as a Dimension of Everything. (…) Trustees discussed the normalization of digital media in audiences’ lives and the context that sets for Tate’s ambition to become a brand for a global community as well as an authority. (Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 20 March 2013: 5)

Nesta mesma reunião avançou-se com a proposta de que deveria haver continuidade entre a experiência digital dentro da Galeria e fora dela através de aplicações e dos media móveis. As oportunidades de expansão da Tate Enterprises são vistas a este nível quer através das publicações digitais quer a nível das vendas online. Daí um dos focos estratégicos mais importantes para a Tate ser assumidamente a comunicação com os públicos através de plataformas digitais, principalmente através da atividade da Tate Online, cujo objetivo principal tem a ver com o desenvolvimento de software de tradução para disponibilizar a informação em várias línguas. Acreditando

195 Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery 16 January 2013, ponto 13. Digital Strategy-the Future Roadmap, pontos f, g, p. 9.

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que há um grande potencial de expansão na área digital, foram lançadas, em 2012, as bases para a Tate Digital Strategy 2013-2015 Phase 1, que prevê a digitalização da Coleção, o relançamento do website e uma colocação mais eficaz dos conteúdos da Galeria nas redes sociais, principalmente no Facebook e no Twitter. Também se acentuou a necessidade de criar blogs que acompanhem as grandes exposições ou grandes temas sobre a arte (Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 21 November 2012, p. 8). Tanto a Tate online como a Tate Media196 criam conteúdos e plataformas com o objetivo de comunicar e amplificar as atividades da Galeria abrindo novas vias de acesso através do website e de aplicações multidimensionais e multifuncionais que, pela diversificação, facilitam um acesso mais inclusivo aos conteúdos disponíveis. O facto de a Tate oferecer o download de visitas guiadas para leitores de MP3, o diálogo com artistas através de vídeos interativos, a frequência de cursos online sobre temas da coleção, conteúdos digitais para crianças sobre arte e sobre as Galerias através de jogos, imagens ou histórias assim como informação no website em Língua Gestual Britânica demonstra o grande investimento feito pela marca no sentido de envolver a maior diversidade de públicos possível capitalizando as possibilidades oferecidas pela tecnologia para comunicar a sua flexibilidade e a sua capacidade de oferecer experiências no competitivo mercado da cultura e do lazer.

5.5. Que rumos para a Tate?

A Tate tem vindo a reforçar muitas linhas de atuação que a definem como uma instituição ligada às artes mas também como uma marca cultural. Por um lado continua a fazer crescer a coleção, proporciona uma maior ajuda aos artistas, alarga geograficamente as perspetivas sobre a arte dando-lhe uma dimensão global, potencia as suas múltiplas valências a nível da conservação, da pesquisa e investigação sobre arte e cultura através de projetos de parceria com várias instituições a nível nacional e internacional. Por outro, desenvolve novas fontes de financiamento, capta e conhece públicos e encontra estratégias para os fidelizar, assegura a continuidade do patrocínio

196É da sua responsabilidade a criação de filmes e outro material audiovisual que acompanha as grandes exposições.

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empresarial e elabora um planeamento estratégico para as galerias enquadrado nas grandes tendências de evolução da sociedade, dos mercados e dos museus. A conjugação destes aspetos configura-a como um museu da era da globalização – com múltiplas funções (entretenimento, conservação, educação), a atuar em diversas plataformas e num espaço onde se entrecruzam interesses políticos, financeiros e estéticos e com repercussões diversas resultantes das novas realidades, principalmente no plano tecnológico. Consideramos que esse será o enquadramento para o seu funcionamento e para a sua evolução nos próximos anos. Uma vertente importante para o futuro da Tate será obviamente a continuidade da ligação e mediação com a National Gallery. A Tate tem no seu Board, desde 1955, um Trustee de ligação, que articula muitos assuntos entre as duas instituições dado o facto de ambas colecionarem e exibirem arte nacional e internacional e de haver a necessidade de concertar consensos relativamente a períodos temporais de coleção e a aquisições. Podemos perguntar se hoje a Tate poderia continuar a ser um anexo da National Gallery e em que moldes estariam a ajustar as suas linhas de atuação, a definir os limites cronológicos da coleção ou ‘coleções’ e a gerir o subsídio governamental. Julgamos que, desde o início, foi muito evidente que a National Gallery daria sempre à National Gallery of British Art um tratamento marginal por esta, logo à partida, não se integrar no seu âmbito temporal e na sua linha representacional. Por outro lado a National Gallery of British Art tinha um compromisso com a contemporaneidade nacional, a nosso ver, não partilhável com a National Gallery, cuja criação teve como objetivo mostrar a história da arte numa sequência cronológica e evolutiva a partir de 1250, tendo nos Velhos Mestres da arte internacional exemplos de excelência. A obrigatoriedade de a National Gallery of British Art colecionar arte moderna internacional a partir de 1917 poderia ter trazido à National Gallery a possibilidade de dar continuidade à sua coleção e à sua linha cronológica, no entanto julgamos que se abririam ruturas principalmente em relação à gestão do espaço e à visibilidade a dar aos artistas nacionais. A partir de um determinado ponto do seu percurso, ainda na primeira metade do século XX, a Tate reconheceu que tinha vantagens em mostrar quer artistas nacionais menos conhecidos quer as vanguardas europeias para atrair novos públicos, o que se desviava nitidamente da missão da National Gallery e do gosto dos seus administradores. Com uma identidade marcada pela dualidade, só a partir da independência em 252

relação à National Gallery foi possível criar uma coleção que, pela sua diversidade, representatividade e número de obras, permite refletir sobre as inter-relações existentes no mundo da arte e das forças que o foram reconfigurando. É através dela e da sua diversidade que a Tate, uma marca britânica com uma dimensão global, pretende continuar a consolidar e a projetar a sua imagem exercendo a ‘diplomacia cultural’ referida na introdução a este capítulo. Nunca rejeitando a sua função pública de divulgação da arte, os objetivos de desenvolvimento da Tate estão centrados na projeção do seu nome e o do Reino Unido em patamares cada vez mais alargados geograficamente através da mostra do dinamismo da produção artística nos seus vários centros de produção e nas suas diversas articulações a nível nacional e global, funcionando como um barómetro das mudanças sociais e assumindo um papel importante em atos de ajustamento social no quadro dos contextos complexos, e por vezes contraditórios, que caracterizam a pós-modernidade. A coleção continuará a ser o centro a partir do qual todos os produtos e serviços da marca serão desenvolvidos. Ancorada numa perspetiva transnacional da arte e da cultura a coleção cresceu com o investimento em expressões artísticas que não contemplassem apenas a pintura e a escultura (tendo-se adquirido mais fotografia, vídeo, cinema e conteúdos digitais) e em obras provenientes de domínios geográficos não europeus ou norte-americanos, tendo-se comprado arte da América Latina, de África e do Médio Oriente (Tate Report 2008-09, 2009: 13), o que tem permitido à Tate alargar a abrangência geográfica de representação e comunicar uma imagem mais inclusiva197 através da constituição de uma coleção mais global e menos centrada no Ocidente. A programação tem contribuído para, em muitos momentos, comunicar essa perspetiva não só através de exposições monográficas de artistas não ocidentais como de exposições temáticas que mostram o modo como uma corrente artística foi explorada

197Em outubro de 2010 a Tate Modern realizou o simpósio Curating in Africa que permitiu reunir curadores do continente africano para refletir sobre práticas de exibição de arte africana e em 2012 criou um fundo para adquirir arte africana cumprindo um dos seus objetivos de expandir a coleção a geografias não ocidentais. Em 2013 exibiu pela primeira vez, numa grande exposição durante o período de pico de turismo, o verão, o modernismo africano.O programa Illuminating Cultures, uma colaboração entre o Reino Unido, a Jordânia e a Síria, forneceu a professores britânicos recursos e informação para ensino aos estudantes sobre a arte e a cultura do Médio Oriente. Com a colaboração de seis escolas londrinas, quatro professores participaram numa viagem de investigação à Síria e à Jordânia para melhor contextualizar a informação sobre a arte e a cultura da região (Tate Report, 2009-10: 2010: 40).

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em contextos geográficos fora da Europa e dos Estados Unidos. A exposição The World Goes Pop com abertura prevista para 17 de Setembro de 2015 na Tate Modern reflete claramente essa dimensão da coleção e mostra a Pop Art produzida em vários continentes através de obras que já fazem parte do acervo da Tate. Persistirá a necessidade de uma reflexão acerca da identidade da coleção nas suas diferentes vertentes: britânica histórica (de 1500 a 1900), britânica moderna e contemporânea (de 1900 até ao presente) e moderna e contemporânea internacional (desde 1900), assim como a coordenação entre estas vertentes nas quatro galerias. A arte britânica merecerá uma atenção especial na medida em que é exibida quer em contexto nacional em Millbank quer em contexto internacional em Bankside:

Trustees discussed the issue of monographic exhibitions by British artists at Tate Modern. It was stated that there is a need to balance both public understanding and the needs of the different galleries. It was discussed that the character of each gallery and the role each plays within the whole of Tate is an important consideration and that the same artist can be shown in different ways across different Tate galleries. (Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 18 March 2009: 5)

Um foco muito particular de atuação diz respeito à relação entre as duas Galerias em Londres e à necessidade de as colocar em diálogo mas também de as diferenciar:

It was noted that both synergy and differentiation would be important, and that the two galleries should continue to build on their different kinds of space and sense of place. The broad temporal view of Tate Britain was contrasted with Tate Modern’s broad geographical view of the modern and contemporary period. (Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of Tate Gallery, 6 July 2011: 6)

As estratégias de desenvolvimento da coleção para o futuro passam não só por um cuidado com a aquisição de obras mas também com o reforço das equipas de curadores, principalmente com a formação destes que deverá contemplar visões mais abarangentes sobre os contextos de produção de arte. Na ata de uma reunião do Board de 18 de março de 2009198 chamou-se a atenção para a necessidade de os curadores adquirirem um conhecimento geograficamente mais alargado da produção artística, nomeadamente da arte asiática e latino-americana. Numa outra reunião, de 20 de maio do mesmo ano, pediu-se que uma das reflexões mais importantes a fazer pelos curadores fosse relativa ao conceito de arte, a raiz da qual devem partir as hipóteses de diálogo entre artistas,

198 Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 18 March 2009, p. 5

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entre épocas e movimentos, o que irá beneficiar tanto a conceção de muitas atividades e eventos das galerias como um reforço dos valores da Tate enquanto marca ligada às artes. Uma das estratégias de desenvolvimento da marca é precisamente a de colocar o conhecimento das suas equipas de curadores ao serviço da criação de uma programação diversificada e da conceção de exposições que, sejam monográficas ou temáticas, fiquem na memória do visitante como grandes acontecimentos. Sendo uma das faces da identidade da Tate a de colecionadora de arte britânica, as diretrizes de desenvolvimento para a Tate Britain apontam para a necessidade de reflexão permanente acerca do modo como as atividades relacionadas com essa vertente da coleção a podem tornar mais legível para os públicos. O Tate Millbank Project colocou de novo a arte nacional numa linha cronológica, uma opção sobre a qual o Board já tinha refletido em 2011199, e que considerou não comprometer a mostra da diversidade e a justaposição de práticas artísticas na Grã-Bretanha. Esta reorganização da coleção permite uma estrutura mais flexível e propícia a alterações pontuais e envolvendo um ou outro artista em particular do que quando os artistas estão encadeados numa sequência por escolas ou temas. No entanto verificamos que a representação da arte nacional em Millbank continua a ser um desafio para os curadores e, não se tendo encontrado um modelo que tenha vigorado com maior permanência, oscilará entre a exibição das obras numa narrativa linear e cronológica e a justaposição ou encadeamento de épocas, artistas e influências. É objetivo dos Trustees200 que a galeria em Milbank continue a reforçar a sua identidade através do envolvimento no debate nacional sobre arte britânica e que consolide a sua imagem através de uma maior ênfase colocada nas vertentes histórica e moderna devendo através de novas aquisições, reforçar o período 1500-1900 tentando mostrar e elevar o estatuto de obras menos exibidas e comunicando a sua vocação e o seu trabalho com a arte britânica201. Relativamente à identidade da Tate como colecionadora de arte internacional, essa terá que ver principalmente com trabalho realizado pela Tate Modern, que deverá incidir numa programação diversificada que reflita e responda a uma sociedade em constante mutação e a temas contemporâneos a nível internacional como sejam as

199 Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of Tate Gallery, 21 September 2011, p.7. 200 Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 17 November 2010, p.6. 201 Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 3 July 2013, p.9

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mudanças no Norte de África e no Médio Oriente ou a questões levantadas pelos conflitos raciais ocorridos na Grã-Bretanha em 2011 e 2012202. Questionamos se nas opções para a programação da Tate Modern num futuro próximo não deveria estar a ser perspetivada a inclusão de artistas britânicos a cujo trabalho poderia ser dada mais visibilidade e uma dimensão internacional através de uma grande exposição monográfica. No entanto reconhecemos que a integração da arte nacional na Tate Modern poderá contribuir para transmitir perceções confusas sobre a sua missão e identidade e contrariar um caminho de muitos anos no sentido de separar efetivamente as duas vertentes da coleção. Atualmente, e em larga medida, a Tate é a Tate Modern, e podemos atribuir às várias transformações ocorridas no campo da cultura ao longo do século XX, e descritas ao longo deste trabalho, o surgimento dos fenómenos que contribuíram para que a noção de contemporaneidade que Henry Tate quis imprimir à Galeria viesse a ser concretizada e acabasse por trazer-lhe mais visibilidade através da mostra de arte internacional do que da arte britânica, que tinha dado origem à criação da National Gallery of British Art no século XIX. A Grã-Bretanha da Tate Modern e da Tate Britain é consideravelmente diferente, muito mais multiétnica e multicultural, marcada pelas forças da globalização e do consumo. A Tate Modern em particular, através das suas práticas de exibição inovadoras ou do uso multifuncional do seu edifício, da exibição da sua coleção numa perspetiva temática e não cronológica, inscreve-se na narrativa contemporânea de diluição de hierarquias, de questionação do cânone e de descentramento das identidades. O modo como organiza as suas exposições, já numa lógica transnacional, e como comunica os seus eventos, revela o alinhamento com práticas culturais contemporâneas marcadas pela subjetividade da experiência transcultural, pela interdependência e pelas redes de informação e por novos modelos de comunicação online. A conceção dos seus produtos desde exposições a eventos paralelos e as perspetivas subjacentes à organização do espaço de lojas, restaurantes e cafetarias com uma ênfase contemporânea no consumo de experiências, demonstram bem a passagem de métodos tradicionais de exibição para uma perspetiva ligada à comunicação com o público e uma abertura à sua participação. No século XIX, a National Gallery of British Art emergiu a partir de conceitos de

202 Cf Minutes of the Meeting of the Board of Trustees of the Tate Gallery, 21 September 2011, p.7

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modernidade e de nação então dominantes. A modernidade estava associada à arte nacional contemporânea e a nação, uma formação recente, criava uma imagem da Grã- Bretanha como uma nação poderosa e imperial enquadrada por narrativas de progresso apoiadas na tradição artística ocidental. A identidade nacional era monolítica e encimada pela figura do monarca e a sociedade tinha divisões claras entre as classes sociais, entre ricos e pobres, entre rural e urbano. O museu estava ligado a narrativas de autoridade na transmissão de conhecimento e de permanência de valores e tinha uma origem aristocrática alicerçada numa relação de hierarquia do conhecimento segundo a qual as classes com poder exibiam objetos aos quais eram atribuídas qualidades excecionais para educar as populações. A Tate abriu como National Gallery of British Art e, desde a sua criação, esteve envolta em inúmeras complexidades no campo da representação, nomeadamente da arte britânica e, após 1917, na relação desta com a arte internacional, que também passou a fazer parte da coleção. Na verdade, logo no início do século XX, com a obrigatoriedade de adquirir arte internacional, a Tate começou cedo a ‘despir-se’ de uma dimensão nacional quando em 1926 lhe foi retirada palavra British e, em 1932, a denominação national, para passar a chamar-se Tate Gallery. O processo de rebranding ocorrido em 2000 manteve as denominações Tate Liverpool e Tate St Ives, mas atribuiu a variante Britain a Millbank devolvendo-lhe a identificação com a vertente nacional da coleção e reforçou a vocação de Bankside com Modern. A Tate Britain não perdeu assim a sua vocação nacional mas, integrada num conjunto de galerias unificadas através do nome Tate, adquiriu uma dimensão global que começou a ser construída precisamente na transição do milénio com a gestão e comunicação de imagem da Tate uma lógica de internacionalização da marca. A nosso ver que o que permitiu, na transição do século XX para o século XXI, a Tate fazer a viragem que resultou nos números que hoje apresenta quer em receitas quer em visitantes, foi questionar, desde o início dos anos 90, o valor do museu nacional e o modo como se relacionava com a contemporaneidade e com as novas reconfigurações políticas e identitárias da sociedade global. Os seus Trustees perceberam também que insistir demasiadamente numa dimensão nacional para as suas práticas e para a comunicação da sua imagem poderia transmitir uma perceção incorreta dos fenómenos sociais e culturais. A criação da galeria de arte internacional, com mais espaço de exibição e com a possibilidade de incluir mais vozes, mais expressões e mais geografias, foi fundamental para internacionalizar a marca Tate. 257

A Tate é agora uma marca global sem deixar de ser nacional e, tendo ao seu dispor uma coleção que oferece múltiplas possibilidades de explorar espacialidades, temporalidades e movimentos criativos, a sua programação e atividades podem e devem refletir, quer através da sua vertente nacional quer da internacional, a natureza diversa e as contingências das nações contemporâneas atraindo públicos através de práticas que recontextualizem e reinterpretem questões universais como a identidade, o sentimento de pertença ou de diferença e até o próprio conceito de arte. A capacidade de renovação e de reinvenção da marca Tate no futuro próximo deverá aprofundar o modo como continuará a incorporar nas suas práticas as exigências de uma sociedade em permanente mudança, com especial atenção a ser dada à economia, à tecnologia e aos media e aos crescentes movimentos migratórios. A partir destes factores tornar-se-à importante perspetivar as necessárias redefinições da sua imagem em articulação com a diversidade e a pluralidade e como interpretará a identidade nacional, global ou qualquer outra que se venha a desenhar. Parece-nos certo que uma tendência de evolução da Tate será a de continuar a desafiar as enormes controvérsias e contrariedades que se geram em torno da sua ação e das suas escolhas, o que marcou o seu percurso desde a sua criação. Polémica desde o início, julgamos que os maiores desafios se continuarão a colocar à exibição de arte nacional na Tate Britain, em Millbank envolta em mais uma questão imposta pelas suas escolhas tal como a que, em 2015, conduziu à demissão da sua diretora, Penelope Curtis, que falhou na obtenção dos resultados desejados para a Galeria, com uma quebra no número de visitantes que a distancia consideravelmente da Tate Modern e de outros museus londrinos. Num acutilante artigo publicado a 1 de abril de 2015 no Guardian, o colunista cultural Jonathan Jones, um crítico da atuação de Curtis, avançava com um tom de ultimato para a Tate em Millbank continuar aberta: era preciso encontrar um diretor que trouxesse à Tate Britain um novo fôlego e o fun factor que devolvesse à Galeria o interesse dos visitantes (Jones 2015a). No mês seguinte, e num artigo relativo aos primeiros 15 anos da Tate Modern, o mesmo jornalista criticou o modo como esta construiu a dimensão atual através da transformação da arte contemporânea num espetáculo e num divertimento (Jones, 2015b). Subitamente sentimos um regresso ao tempo em que o destino da National Gallery of British Art era discutido abertamente no The Times por vários setores da sociedade nos anos 90 do século XIX, delineando os contornos da coleção e da sua gestão e abrindo 258

fissuras na sua identidade por perceções contraditórias sobre o que era arte ‘britânica’, ‘nacional’ ou ‘moderna’. A Galeria, no entanto, abriu e sobreviveu às polémicas desenhadas na imprensa desse tempo. Não devido a perceções sobre arte mas já abrindo o caminho para a discussão acerca da sua transformação em espetáculo, a Tate soube também responder à polémica criada pela abertura das suas portas a uma sessão fotográfica para a revista Illustrated com a atriz Zsa Zsa Gabor em 1952 para promover o filme Fake (Spalding, 1998: 107-109). Na década de 70 do século XX acabou por superar também as controvérsias criadas nas páginas do Sunday Times em 1976 com a compra e exibição de Equivalent VIII, uma instalação com tijolos do artista Carl Andre. Conduzindo o público num ato de descrença relativamente à arte conceptual, o jornal, questionou as opções estéticas da Tate assim como os fundos disponibilizados para a adquirir (Spalding, 1998: 182-4). Em 2015, novamente perceções sobre a arte e o modo como deve ser mostrada, parecem estar a ocupar o debate mediático e as escolhas da Tate: deve ser exibida num contexto sério e contido ou num ambiente de comércio, festa e espetáculo? Deve educar ou divertir e entreter o público? Voltamos a questões levantadas por Tony Bennet (2011) quando menciona os distratores de visão existentes nos museus contemporâneos e pela perspetiva de Saumarez Smith (2011) que considera o definhamento do objeto uma das maiores regressões na missão do museu. Na verdade ao visitar qualquer das galerias Tate em Londres o visitante tem a sensação de que muito do que o rodeia tem uma relação pouco direta com a arte. Rodeado por cartazes a anunciar exposições, balcões de venda de bilhetes, sinais a indicar o caminho para lojas, pontos para doar dinheiro, cafés e restaurantes, o visitante quase que é levado a esquecer que se encontra num espaço de mostra de arte. Consideramos mesmo assim que a arte está presente e que é o centro, ou pelo menos o grande pretexto, para todas as atividades das galerias, só que está adaptada a novas formas de consumo de cultura e, principalmente, a novas formas de aquisição de conhecimento e de organização da própria cognição, agora influenciadas por uma tecnologia que oferece informação essencialmente através de imagens em movimento, do interface com monitores, da abertura constante de janelas, da divulgação e reprodução quase instantânea de imagens e texto e do consumo de conteúdos em zapping, processos através dos quais o conhecimento não se organiza de forma linear mas sim através de justaposições, sobreposições e hiperligações. A Tate, principalmente a Tate Modern, mostra como a informação no museu deixou 259

de ter essa estruturação sequencial e alinhada fazendo com que, na loja, o visitante não esqueça as obras ou os artistas que o levaram a este espaço, passe depois por uma das salas para os ver, suba posteriormente a outro piso em busca da cafetaria para fazer uma refeição ligeira e consultar o seu correio eletrónico e divulgue no momento a sua experiência da Galeria no Facebook, no Twitter ou no Instagram. Podemos questionar se este é o modo certo de ‘ver’ arte e o que é que fica efetivamente na memória do visitante, se o café, a loja ou os quadros, que deveriam ser o principal motivo da sua deslocação à Galeria. A nosso ver a experiência de arte proporcionada pela Tate, principalmente na Tate Modern, encontra-se excessivamente espetacularizada e subjugada a interesses comerciais e os percursos para as salas de exposição estão demasiado saturados de informação e de pontos de consumo que, na verdade, podem contribuir para distrair a visão do visitante. No entanto não podemos esquecer que a Tate em todas as suas galerias pratica um regime de entrada livre ao qual se associa uma estratégia de captação de receitas que permite o acesso aos visitantes tanto para ver uma exposição como para fazer um refeição ou comprar um livro ou uma lembrança, assumindo que a arte é uma valência importante dos seus espaços, a par de outras como as lojas e os restaurantes. Por estas razões julgamos que uma outra vertente que continuará a ser explorada no desenvolvimento da marca refletirá uma das características mais dominantes da gestão moderna das organizações culturais que é a exploração do valor económico da cultura e a subjugação crescente das suas práticas à economia da experiência (Pine e Gilmore, 1999) alicerçada em padrões de lazer com uma base no consumo de experiências caracterizadas por uma forte componente emocional, por alguma superficialidade, pela fragmentação e pelo espetáculo. Quando, em 1996, Nicholas Serota descreveu o dilema dos museus de arte moderna entre a experiência e a interpretação já mostrava o que mais tarde foi posto em prática através da justaposição de temporalidades e temáticas na Tate Modern e do uso multifuncional do seu edifício, ou seja, que a direção do museu na contemporaneidade seria no sentido de proporcionar ao visitante uma grande amplitude de experiências, quer fosse através da observação das obras de arte, da frequência de uma palestra, da compra do catálogo de uma exposição ou da simples circulação pelos diferentes espaços. Na Tate Modern, têm sido amplamente exploradas as características quase orgânicas do seu edifício, que não para de crescer, através de projetos de alargamento que têm como objetivo expor os visitantes a novas experiências de consumo de arte. O 260

Tate Modern Project, com conclusão prevista para dezembro de 2016, fará surgir a sul da estação elétrica um edifício de onze andares que poderá tornar-se, com a sua forma piramidal e com as vistas panorâmicas que proporcionará, mais um ícone arquitetónico da cidade de Londres e uma nova componente de branding da marca Tate. Como conclusão propomos um pequeno e último exercício de regresso ao passado, aos primórdios do museu e ao gabinete de curiosidades que, no fundo, já tinha uma natureza multifuncional entre o laboratório de experiências de taxidermia, o repositório de espécimes do mundo natural e a galeria de arte, enfim, uma câmara repleta de maravilhas acumuladas pela sensibilidade e curiosidade dos príncipes e nobres renascentistas para impressionar ou distrair o olhar através da excentricidade, da raridade e do exotismo. Talvez os museus e galerias de arte contemporâneos, impregnados de outras lógicas de acumulação, capitalistas e consumistas, não se encontrem tão longe assim da sua origem e tenha encontrado um modo de reinventar-se, ou melhor, de fazer a ponte entre o passado e o presente ligando a ancestralidade da arte a uma nova realidade tecnológica num espaço não de esqueletos animais, conchas ou pedras mas sim de experiências. Que tipo de experiencias deverá ou poderá o museu proporcionar nas próximas décadas? Stephen Greenblatt (1991: 42) defende, através das noções de resonance e wonder, que o museu deve trabalhar no sentido de maravilhar e encantar o visitante, fazendo-o apreciar as características únicas do objeto em detrimento de uma excessiva contextualização. Julgamos que, depois de se ter reconfigurado relativamente a tantas forças externas como os públicos, a economia e a tecnologia, falta ao museu, no século XXI, devolver-se a ele próprio através da experiência que marcou a sua origem: o encontro do visitante com o objeto. Gostaríamos que a Tate, com um percurso de mais de um século durante o qual consolidou experiência, conhecimento e capacidade de assumir riscos, pudesse vir a dar um contributo inovador para esse regresso que consideramos necessário para que a tecnologia e a vertigem comercial nas suas várias dimensões não apaguem os objetos e as suas histórias.

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