ano 30 n.º 149 Abril | 2014 Mensal | 2€

Ajustamentos, modificações e fusões no CHUC e outras unidades da região centro pág. 24

Amadora-: Uma urgência saturada, complexa e desgastante para médicos e doentes pág. 36

sumário

Revista da Ordem dos Médicos Ano 30 N.º 149 Abril 2014 s € ano 30 n.º 149 Abril | 2014 Mensal | 2

PROPRIEDADE: Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos

SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 151 1749-084 Lisboa Telefone geral da OM: 218427100 Ajustamentos, modificações e fusões no CHUC e outras unidades da região centro pág. 24 Presidente da Ordem dos Médicos: editorial José Manuel Silva Amadora-Sintra: Uma urgência saturada, complexa e desgastante para médicos e doentes 06 O exemplo da Madeira pág. 36 Director: José Manuel Silva informação 08/05/2014 10:54:20 149_C.indd 1 Directores Adjuntos: 11 Plano transitório de formação Jaime Teixeira Mendes, Carlos em Medicina do Trabalho Cortes e Miguel Guimarães 12 Impossibilidades Informáticas 42 Contratualização em serviços Directora Executiva: no Distrito de Beja de Saúde Paula Fortunato 14 Equiparação do interno 48 Reunião Geral de Colégios E-mail: [email protected] do 5º e último ano a especialista - anestesiologia 50 Colina de Santana: Redactora Principal: à descoberta do património Paula Fortunato 15 A insubstituível demagogia do Ministério da Saúde entrevista Dep. Comercial: Helena Pereira 17 Manutenção do serviço 54 Médicos têm papel fundamental de Cirurgia Cardiotorácica no apoio às vítimas Designer gráfico e paginador: no CHVNG/E António José Cruz opinião 18 Segredo Médico e Doentes Foto de capa: com HIV 59 A incongruência dos deputados Paula Fortunato 21 PEM e SAM: 60 Egkrateia e Burnout Redacção, Produção apelo formal ao bom senso 62 Recursos Humanos e Cuidados e Serviços de Publicidade: 23 Crítica sobre Prescrição de Saúde Primários Av. Almirante Gago Coutinho, 151 Eletrónica de Medicamentos 1749-084 Lisboa 64 A escolha de Angola para um Tel.: 218 427 100 – Fax: 218 427 199 actualidade estágio opcional - uma aposta no presente Impressão: 24 Ajustamentos, modificações AGIR produções gráficas, e fusões no CHUC e outras 66 Refundar a Emergência Médica unipessoal, lda unidades da região centro – opção estratégica inadiável Rua Particular, Quinta de Santa Rosa - Edifício Agir 32 IOGP: falta investimento 67 Porque não um plano para 2680-458 Lisboa em recursos humanos o fígado português? e financiamento Depósito Legal: 7421/85 70 Terapêutica da Hepatite C Preço Avulso: 2 Euros 36 Amadora-Sintra: Os verdadeiros desafios que Periodicidade: Mensal Uma urgência saturada, se impõem ser considerados complexa e desgastante para nos tempos que correm Tiragem: 46.000 exemplares médicos e doentes (10 números anuais) 75 Efeito placebo negativo e o consentimento informado Isento de registo no ICS nos termos do contextualizado nº 1, alínea a do artigo 12 do Decreto Regulamentar nº 8/99 80 Colina de Santana e História da Medicina Portuguesa

Nota da redacção: Os artigos assinados são da inteira responsabilidade dos autores, não representando qualquer tomada de posição por parte da Revista da Ordem dos Médicos. Relativamente ao acordo ortográfico a ROM escolheu respeitar a opção dos auto- res. Sendo assim poderão apresentar-se artigos escritos segundo os dois acordos.

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3 A 5 a ES no U s G a U p T r o R PRESIDENTES DOS COLÉGIOS DAS ESPECIALIDADES m O

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ANATOMIA PATOLÓGICA: Pedro Oliveira v

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ANESTESIOLOGIA: Paulo Ferreira de Lemos a

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ANGIOLOGIA/ CIRURGIA VASCULAR: José Fernandes e Fernandes c i

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CARDIOLOGIA: Mariano Pego i

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CARDIOLOGIA PEDIÁTRICA: José Monterroso m

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CIRURGIA CARDIOTORÁCICA: Manuel Antunes c CIRURGIA GERAL: Pedro Coito CIRURGIA MAXILO - FACIAL: Paulo Coelho CIRURGIA PEDIÁTRICA: Paolo Casella CIRURGIA PLÁSTICA RECONSTRUTIVA E ESTÉTICA: Vítor Fernandes DERMATO - VENEREOLOGIA: Manuela Selores DOENÇAS INFECCIOSAS: Fernando Maltez ENDOCRINOLOGIA - NUTRIÇÃO: Mário Rui Guerreiro Mascarenhas ESTOMATOLOGIA: Rosário Malheiro FARMACOLOGIA CLÍNICA: Henrique Luz Rodrigues GASTRENTEROLOGIA: José de Almeida Berkeley Cotter GENÉTICA MÉDICA: Jorge M. Saraiva GINECOLOGIA / OBSTETRÍCIA: João Silva Carvalho HEMATOLOGIA CLÍNICA: Alexandra Mota IMUNOALERGOLOGIA: Elza Tomás IMUNOHEMOTERAPIA: Luísa Pais MEDICINA DESPORTIVA: Paulo Beckert Rodrigues MEDICINA FISICA E DE REABILITAÇÃO: Cecilia Vaz Pinto MEDICINA GERAL E FAMILIAR: José Silva Henriques MEDICINA INTERNA: António Martins Baptista MEDICINA LEGAL: Francisco Corte Real MEDICINA NUCLEAR: Maria do Rosário Vieira MEDICINA DO TRABALHO: António Lopes Pires MEDICINA TROPICAL: José Lopes Martins A AMP no seu tablet! NEFROLOGIA: João Ribeiro Santos NEUROCIRURGIA: Nuno Maria Salema Pereira dos Reis NEUROLOGIA: José Fernando da Rocha Barros NEURORRADIOLOGIA: João Abel Marques Xavier OFTALMOLOGIA: Rui Daniel Mateus Barreiros Proença ONCOLOGIA MÉDICA: Maria Helena Gervásio ORTOPEDIA: Paulo Felicíssimo OTORRINOLARINGOLOGIA: Artur Condé PATOLOGIA CLÍNICA: Manuel Cirne Carvalho PEDIATRIA: José Lopes dos Santos PNEUMOLOGIA: Henrique Queiroga PSIQUIATRIA: Luiz Carlos Viegas Gamito www.actamedicaportuguesaapps.com PSIQUIATRIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA: Pedro Monteiro RADIOLOGIA: Maria Amélia Ferreira Estevão RADIONCOLOGIA: Ângelo Oliveira REUMATOLOGIA: José António de Melo Gomes SAÚDE PÚBLICA: Pedro Serrano UROLOGIA: José Palma dos Reis

COORDENADORES SUBESPECIALIDADES CARDIOLOGIA DE INTERVENÇÃO: Vasco Ribeiro . Acesso gratuito e universal a todos os artigos publicados em 35 anos de Acta Médica Portuguesa; CUIDADOS INTENSIVOS PEDIÁTRICOS: José Filipe Farela Neves ELECTROFISIOLOGIA CARDÍACA: Pedro Adragão . Guarde os seus artigos favoritos para leitura posterior; EEG/NEUROFISIOLOGIA: Maria Regina Brito . Partilhe com os amigos através de e-mail, Facebook ou Twitter. GASTRENTEROLOGIA PEDIÁTRICA: Jorge Amil Dias HEPATOLOGIA: Rui Tato Marinho MEDICINA INTENSIVA: Rui Paulo Moreno MEDICINA DA REPRODUÇÃO: Carlos Calhaz Jorge NEFROLOGIA PEDIÁTRICA: Fernando Rosa Consulte também: NEONATOLOGIA: Daniel Virella - Normas de Publicação NEUROPEDIATRIA: José Carlos da Costa Ferreira ONCOLOGIA PEDIÁTRICA: Maria José Ribeiro - Processo de Submissão ORTODONCIA: Teresa Alonso - Orientação para autores e revisores COORDENADORES COMPETÊNCIAS - e mais... ACUPUNCTURA MÉDICA: João Pires EMERGÊNCIA MÉDICA: Carlos Mesquita GESTÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE: José Pedro Moreira da Silva ... em: www.actamedicaportuguesa.com HIDROLOGIA MÉDICA: Luís Cardoso Oliveira MEDICINA DA DOR: Beatriz Gomes MEDICINA FARMACÊUTICA: Ana Maria Nogueira MEDICINA HIPERBÁRICA: Oscar Camacho

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4 | Abril | 2014 Brevemente disponível na plataforma Android. iPad 11:16

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O exemplo da Madeira

Em são cada vez mais No triénio que este ano prin- dos médicos, ouvir os seus pro- os problemas que cipiou, foi possível a Ordem blemas, responder às questões iniciar um ambicioso progra- colocadas, dialogar, conviver, assolam a saúde, em geral, e a ma de visitas aos Distritos procurar soluções e definir es- medicina e os médicos, em parti- Médicos, cujos relatos já co- tratégias. É extremamente grati- cular. Neste momento, a Ordem meçaram a ser publicados na ficante, produtivo e informativo. Revista, sendo antecipada- Só é pena não ser possível ir a dos Médicos tem várias frentes mente enviados ao Ministro todo o lado. em aberto. Destas complexas da Saúde para conhecimento Da visita à Região Autónoma da questões iremos dando conta aos formal do competente conte- Madeira, cuja narrativa será pu- údo. blicada num dos próximos nú- Colegas, mas desde já As visitas são efectuadas em meros da Revista, pretendo sa- deixamos a nota para que conjunto pelo Bastonário, lientar agora apenas um dos as- estejamos todos em estado de Secção Regional e Distrito pectos mais surpreendentes que Médico respectivo. A Ordem nos foi relatado e dado observar, alerta máximo e sai da sua torre de marfim e pela enorme relevância que tem prontidão total vai até ao local de trabalho para a política nacional de Saúde

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País: Portugal Cores: Cor País: Portugal Cores: Cor

Period.: Diária Área: 5,66 x 30,75 Pe cm²riod.: Diária Área: 5,54 x 30,71 cm²

ID: 51584218 ID: 5182501502-01-2014 Â16-01-2014mbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1

e para alguns processos legislati- vos em curso. A Ordem verificou que, salvo ra- ras excepções, nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) da Ma- deira não há equipas de Saúde, com óbvios e inegáveis prejuízos para os madeirenses e um enor- me e indesmentível desperdício para o SESARAM! De facto, por razões históricas várias que estão a ser progressi- vamente corrigidas e das quais a tutela tem plena consciência, há In “ Correio da Manhã” - 2 de Janeiro 2014 três estruturas que funcionam In “ Correio da Manhã” - 16 de Janeiro 2014 em paralelo e sem interligação nem coordenação eficaz, os ad- ministrativos, os enfermeiros e os médicos! Esta situação é agra- vada pela ausência da figura de Director do Centro de Saúde e por ainda não haver directrizes sobre as Equipas de Saúde. É o exemplo (um mau exemplo, com maus resultados) do que a Ordem dos Enfermeiros preten- de importar para o Continente, defendendo uma filosofia desa- justada para figura de “Enfer- meiro de Família”. A Ordem dos Médicos concor- da com a criação do Enfermeiro de Família, uma função que be- neficia de uma especialização própria, mas exercendo as suas vastas competências integrado na Equipa de Saúde e de acordo com a sua missão actual nos CSP, que tão bons resultados tem pro- porcionado. Naturalmente sob coordenação médica. Não por mero exercício de poder ou de afirmação profissional do médi- co, mas sim, pensando no doen- te, por questões de organização do trabalho, por uma hierarquia de competências clínicas e cien- tíficas e, sobretudo, pela com-

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País: Portugal Cores: Preto e P Brancoaís: Portugal Cores: Cor

Period.: Diária Área: 5,51 x 31,26 Perio cm²d.: Diária Área: 6,12 x 30,95 cm² ID: 52076037editorial ID: 5233179130-01-2014 13-02-2014 Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1

plexa e exigente responsabilida- de médica e jurídica de decisão, sem desprimor para qualquer outro profissional. Não é isto que acontece na Ma- deira, na maioria dos Centros de Saúde. Na Madeira, a institucionaliza- ção desvirtuada do Enfermeiro de Família desarticulou comple- tamente os cuidados. O Médi- co de Família tem uma lista de utentes e os vários Enfermeiros de Família têm listas diferentes e

divergentes, elaboradas por cri- In “ Correio da Manhã” - 30 de Janeiro 2014 de 2014 In “ Correio da Manhã” - 15 de Fevereiro térios geográficos, podendo cada Enfermeiro de Família ter uten- tes de mais do que um Médico de Família, mesmo havendo muito mais Enfermeiros de Família do que Médicos de Família. Os Enfermeiros chamam os utentes quando querem, de for- ma totalmente desintegrada das consultas médicas, obrigando os utentes a duplicação de des- locações ao Centro de Saúde, totalmente desnecessárias, com claro prejuízo das pessoas, mas também com total ausência de um mínimo de organização de cuidados. Há enfermeiros que recusam va- cinar as crianças, ainda que den- tro do programa nacional de va- cinação, se não for marcada uma consulta de enfermagem, obri- gando a mais uma deslocação. Quando o Médico de Família necessita da colaboração do En- fermeiro, nem sempre está dis- ponível, porque se encontra a re- alizar consultas de Enfermagem autónomas, desinseridas de um programa global de prevenção da Saúde e acompanhamento do Doente. O Médico é obriga- do a despender tempo em actos

8 | Abril | 2014 que poderiam e deveriam ser de- respeito pelos ou- Na Madeira, a institucionalização sempenhados por outros profis- tros profissionais desvirtuada do Enfermeiro de Família sionais. e pelas competên- Quando os Médicos Internos de cias que lhes são desarticulou completamente os MGF necessitam de gabinetes próprias, só pode cuidados. O Médico de Família tem uma para as consultas e para o seu ser médica. lista de utentes e os vários trabalho, e normalmente até há Finalmente, não Enfermeiros de Família têm listas muitos gabinetes, não conse- pode haver alte- guem dispor dos mesmos, por- ração dos horários diferentes e divergentes, elaboradas por que permanentemente ocupados administrativos critérios geográficos, podendo cada por múltiplas consultas de Enfer- sem coordenação Enfermeiro de Família ter utentes de mais magem. com o Médico de Não obstante as excelentes ins- Família, como é do que um Médico de Família, mesmo talações, por vezes claramente fácil de entender. havendo muito mais Enfermeiros de sobredimensionadas, e as deze- Esperemos que os Família do que Médicos de Família nas de Centros de Saúde, agora erros da Madeira, em excesso face às novas vias que parece existirem também análise de exemplos concretos de comunicação, os cuidados de nos Açores, não sejam reprodu- proporciona, é uma forma de in- saúde que se prestam aos madei- zidos no Continente. Os preju- teligência. renses, nos CSP, são de inferior ízos para Doentes e para o SNS qualidade e geradores de imenso seriam enormes e dificilmente desperdício quando comparados reparáveis. com o Continente. Precisamente Agora que a Madeira e todo o Nota: Chamo a atenção para dois pela ausência de Equipas de Saú- país estão a muito poucos anos importantes textos sobre Hepati- de. de ter Médicos de Família em nú- te C. Desejamos que, nesta como É completamente surreal este mero suficiente para uma cober- noutras matérias, o Ministro da funcionar “de costas voltadas” tura nacional de 100%, a melhor Saúde saiba olhar os médicos de Enfermeiros e Médicos de Fa- forma de potenciar positivamen- como aliados, que o são e que só mília, alimentado por razões que te o binómio Qualidade/Custo é não o são mais porque o Ministé- ferem a Ética da Saúde, os inte- através da prestação de CSP por rio disso prescinde, e não como resses dos Doentes e a boa ges- Equipas de Saúde devidamente inimigos, que o não são. Os Mé- tão do SNS. É por isso que tem integradas e coordenadas. dicos não defendem a indústria de existir uma Equipa de Saúde, Aprender com a experiência e, farmacêutica, defendem o direito cuja coordenação, com todo o neste caso, com os erros, que a dos doentes ao tratamento. Agenda de eventos científicos

A ROM vai passar a ter uma secção de agenda. Os pedidos deverão ser enviados através do site oficial (www.ordemdosmedicos.pt), mediante o preenchimento do respectivo formulário (quese encontra no separador "Revista da Ordem dos Médicos"). Só serão aceites eventos científicos que tenham obtido previamente o patrocínio científico da Ordem dos Médicos através do seu Conselho Nacional da Avaliação da Formação sendo obrigatória a informação da data e número do despa- cho concessão desse patrocínio. Só serão considerados para publicação os eventos cujo pedido seja enviado com uma antecedência mínima de 45 dias em relação à data do encontro. Os pedidos que cumpram estes requisitos serão publicados por ordem de chegada podendo não ser incluídos por razões editoriais, sem qualquer pré-aviso e sem que isso implique qualquer juízo de valor qualitativo em relação aos eventos excluídos.

Abril | 2014 | 9 Nascido para ser ativo

Nós nascemos ativos, cheios de energia, com vontade de correr e saltar. Ao longo da sua vida cuide da sua saúde. Faça uma alimentação saudável e pratique actividade física. E continue a ter uma vida ativa.

Um conselho da Fundação Portuguesa de Cardiologia para Maio, Mês do Coração.

APOIOS:

10 | Abril | 2014 informaçãoi Nascido para ser ativo

Plano transitório de formação em Medicina do Trabalho O Conselho Nacional Executivo na sua reunião de 28 de Fevereiro de 2014, homologou o novo Regulamento do Plano Transitório de Formação em Medicina do Trabalho, do qual damos nota em seguida.

O documento aprovado em CNE e agora divulgado constitui uma revisão do regulamento do Plano Transitório de Formação (PTF) em Medicina do Trabalho (MT), para obtenção do título de especialista em Medicina do Trabalho pela Ordem dos Médicos (OM), definindo as regras e orientações para a frequência do exercício orientado de Medicina do Trabalho, elaboração dos relatórios de estágio e da monografia científica, assim como da avaliação final.

O documento define igualmente os pré-requisitos para acesso ao PTF: - Frequência com aprovação de Curso de Medicina do Trabalho reconhecido pela Ordem dos Médicos, concluído até 31 de Outubro do ano anterior ao do início do PTF. - Pleno gozo dos direitos estatutários, reconhecido pela Ordem dos Médicos.

O plano transitório de formação em Medicina do Trabalho inclui as normas para formalização da ins- crição no PTF, os critérios de admissão, a descrição das componentes prática e científica, bem como as competências do orientador de estágio no exercício orientado em Medicina do Trabalho. Toda a informação complementar relativa a candidaturas e requisitos do Exame de acesso ao título Nós nascemos ativos, cheios de energia, com vontade de correr e saltar. Ao longo da sua vida cuide da sua saúde. Faça uma alimentação de especialista, o modelo de requerimento, o modelo de monografia científica, o modelo de resumo saudável e pratique actividade física. E continue a ter uma vida ativa. curricular, etc. fazem parte integral do Regulamento do Plano Transitório de Formação em Medicina Um conselho da Fundação Portuguesa de Cardiologia para Maio, Mês do Coração. do Trabalho e devem ser respeitados pelos candidatos.

O regulamento pode ser consultado integralmente no site nacional, na área reservada ao Colégio da Especialidade de Medicina do Trabalho.

APOIOS:

Abril | 2014 | 11 iinformação

Impossibilidades Informáticas no Distrito de Beja - a transformação progressiva dos médicos em burocratas informáticos -

A implementação de novas e da integração desta aplicação agravamento das disfunções aplicações informáticas nome- de receituário com as restantes atrás mencionadas. adamente SAM, SAPE, etc..., aplicações informáticas. No sentido de assegurar, res- decorreu razoavelmente bem Isso traduz-se numa sobrecar- ponsavelmente, a assistência até ao último ano, com a par- ga técnica (tendo em conta que, médica à população em moldes ticipação empenhada dos pro- para efectuar o mesmo número aceitáveis e tendo em conta que fissionais, apesar de algumas de atendimentos, a demora glo- o atendimento de situações ur- imperfeições, quer na operação bal ao fim do dia de trabalho gentes pode ser realizado sem informática quer no excessivo atinge frequentemente mais do recorrer a meios informáticos, volume de dados a registar que que uma hora, com evidente di- os médicos da UCSP de Beja a implementação das NOC e a minuição do tempo disponível (Sede e Extensões) suspende- imposição de contratualização para interagir com o doente), ram a partir do dia 27 de Ja- obrigam. mas também uma inaceitável neiro os atendimentos depen- Porém, um pouco por todo o sobrecarga emocional, pela dentes de registo informático, país, actualmente os médicos consciência de se poderem co- na sequência de decisão da sua reportam uma progressiva e meter erros iminentes, dada a Coordenadora, mantendo a as- importante diminuição do tem- dispersão da atenção e a ansie- siduidade total ao serviço e as- po disponível para a interacção dade daí decorrentes. segurando todas as situações com o doente para poder sa- Em muitas instalações dos Cui- de doença aguda e receituário tisfazer a catadupa de registos dados de Saúde Primários, a premente. inerentes a cada programa e reduzida largura de banda in- Deram desta decisão conhe- cada consulta. formática para os Centros de cimento ao Conselho de Ad- A aplicação PEM veio agravar Saúde, por activação de mais ministração (CA) da Unidade dramaticamente o problema, postos de trabalho e maior com- Local de Saúde do Baixo Alen- sendo reportado um enorme plexidade dos programas infor- tejo (ULSBA) e aguardam que aumento do tempo necessário máticos, e a desadequação do estes constrangimentos sejam para a prescrição médica e fre- hardware levou a uma situação resolvidos de modo a poderem quentíssimas falhas do sistema de ruptura total, pelo extremo retomar logo que possível a ac-

12 | Abril | 2014 tividade clínica em moldes nor- link directo para o portal C.i.T., quanto isto: escrevemos a ob- mais e em que a qualidade dos mas que no momento actual servação, pedimos exames e da- seus actos seja integralmente simplesmente não funciona. mos alta/internamos doentes da reposta, assim pretendendo ver No que concerne as certidões urgência com o sistema ALERT preservados, também, o res- de óbito, é “obrigatório” o mé- mas, se precisarmos de passar peito devido à sua dignidade dico conhecer o nome dos pais uma receita do que quer que profissional e o respeito pelos e o estado civil do doente, pois seja, a qualquer doente da ur- utentes. caso não indique estes dados e gência, temos que abrir o SCli- Sublinhe-se, por fim, que, com opte pela opção de filiação e es- nic, assumir esse mesmo doente contornos diversos é certo, estas tado civil desconhecidos (opção pelo SClinic e passar as receitas dificuldades não se confinam esta que está disponível selec- pelo SClinic porque o programa ao Concelho de Beja: idênticos cionar) o que acontece é que, no ALERT permite, efectivamente, problemas se vivem na USF dia seguinte, o encarregado da passar receitas, mas a actuali- Alfa Beja e no Hospital José Jo- casa mortuária anda o dia in- zação do formato das receitas aquim Fernandes, desta cidade. teiro atrás do médico para que neste programa não foi feita. Em relação a este, transcreve- este corrija a certidão de óbito Resumindo, todo e qualquer -se o que um Colega hospitalar, e coloque o nome dos pais e o doente da urgência tem que ser pertencente ao Conselho Distri- estado civil do doente. Caso assumido no Alert e depois no tal de Beja, informou: contrário, a certidão de óbito é SClinic para passar qualquer «Em termos hospitalares, as inválida. Provavelmente, dito receituário. “Coisa fácil” se ti- principais queixas prendem- desta maneira, não parecem vermos 10 ou mais doentes por -se com a utilização do portal grandes problemas, mas se às 3 ver.» de C.I.T. (Certificados de Inca- da manhã, com 2 politraumati- Em face deste panorama, cada pacidade Temporária), com o zados graves que chegam à sala vez mais complexo, difícil, S.I.C.O (Sistema de Informa- emergência, temos o cirurgião stressante e obrigando a maio- ção dos Certificados de Óbito) de urgência desesperado a ten- res perdas de tempo, a Ordem e com uma muito interessan- tar preencher uma certidão de dos Médicos apela ao Senhor te particularidade do sistema óbito, que não consegue porque Ministro da Saúde para que não ALERT. não sabe o estado civil de um transforme os médicos em bu- Em relação aos CIT, é neces- doente, já se conseguirá per- rocratas informáticos, para que sário sair do portal “Sclinic”, ceber melhor. Ou então quan- não sobreponha os indicadores entrar no portal específico do do temos 20 doentes á espera às necessidades dos Doentes e C.I.T., introduzir a password, na consulta e mais 5 altas para da boa Medicina, para que obri- de seguida introduzir o número dar no piso e a maior parte do gue a SPMS a resolver todos os de beneficiário do doente, espe- tempo é passada a esperar que constrangimentos informáti- rar que esteja tudo bem inseri- o portal de certificados de inca- cos do SNS e para que não faça do no que aos dados do doente pacidade temporária se digne a mais cortes no SNS e invista o diz respeito, e só de seguida abrir, compreende-se bem por- que for necessário para dar con- se pode começar a preencher o que é que cada vez os médicos dições aos Médicos para obser- certificado para a incapacidade perdem mais tempo com buro- varem e tratem os Doentes com temporária. Tal situação impli- cracias informáticas do que a Qualidade e Humanismo. ca perca de tempo e é, no mí- observar e a tratar doentes! nimo, caricata, pois no Sclinic, Quanto à “particularidade do CNE, Lisboa, 5 de Fevereiro de existe, para cada doente, um sistema ALERT” é tão simples 2014

Abril | 2014 | 13 iinformação

Equiparação do interno do 5º e último ano a especialista - anestesiologia Divulgamos em seguida o parecer do Colégio de Anestesiologia sobre o internato da especialida- de e a potencial equiparação do interno do 5º e último ano a especialista, parecer esse que foi aprovado pelo Conselho Nacional Executivo na sua reunião de 28 de Fevereiro de 2014.

O Colégio de Anestesiologia seu programa de formação fosse - ser contra a vontade do próprio tomou conhecimento de várias alargado para uma duração de interno, que deve sentir-se com situações anómalas relativas à 60 meses, para os internos que competência suficiente para as atribuição de funções aos inter- iniciaram a formação específica tarefas que lhe são atribuídas nos do 4º e último ano do Inter- em Janeiro de 2011. nesse contexto, aliás de acordo nato de Anestesiologia regido com o artigo 36º do Código De- segundo o programa de forma- 2- Ainda que nunca definido ontológico; ção da especialidade de aneste- de forma clara, mas preconiza- - devendo ser desempenhada siologia que foi aprovado pela do pela Ordem dos Médicos, sob a tutela e responsabilização Portaria nº 616/96, de 30 de Ou- considerou-se no novo progra- dum especialista em Aneste- tubro, e em vigor para os inter- ma de formação em Anestesio- siologia, que se disponibilizará nos que frequentam o actual 4º logia, publicado na Portaria nº para auxiliar o interno sempre ano do Internato, e que abusiva 49/2011 de 26 de Janeiro, que que este necessitar, e incorrectamente têm desempe- os internos do 5º e último ano nhado as funções de especialis- desempenham as funções de es- 4– Os internos que assumem tas em anestesiologia. pecialistas. funções de especialistas devem ser supervisionados por médi- Assim e nesse contexto, o Colé- 3- Contudo, a situação anterior- cos especialistas, na relação de gio de Anestesiologia vem escla- mente descrita não pode em si- um interno por cada especialis- recer que: tuação alguma: ta. 1- O grande desenvolvimento - pôr em causa a realização dos registado na última década na diferentes estágios tutelados, 5– Como se compreenderá as especialidade de Anestesiologia, sob pena dos objectivos defini- funções de especialista não são com a diferenciação em múlti- dos para cada um dos estágios atribuídas aos internos do últi- plas áreas para as quais é con- não poderem ser atingidos; mo ano cujo programa de for- siderada perita (Medicina Peri- - ser realizada contra parecer do mação tenha apenas 4 anos. -Operatória, Medicina de Emer- Director de Serviço, responsável gência, Medicina Intensiva e máximo pela formação dos seus Medicina da Dor) fez com que o internos;

14 | Abril | 2014 informaçãoi

A insubstituível demagogia do Ministério da Saúde Divulgamos em seguida o comunicado do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos sobre as notícias com as quais, "pelo terceiro ano consecutivo, a comunidade médica foi con- frontada através da comunicação social com a possibilidade dos enfermeiros verem reforçadas as suas competências profissionais. Essa hipótese foi formulada pelo Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde quando, em entrevista ao Diário de Notícias divulgada a 30 de Março, refere que os médicos, em determinadas circunstâncias, “podem ser mais ajudados no desempenho das suas funções [ajudados pelos enfermeiros, bem entendido], criando condições para que façam tarefas onde são verdadeiramente insubstituíveis”. Neste comunicado o Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos lamenta e reafirma a sua oposição clara à "tentativa de aumen- tar números e diminuir custos prejudicando seriamente a qualidade dos cuidados de saúde".

Comunicado o Director-Geral da Saúde disse, te leviano dizer-se que há um con- no mesmo órgão de comunicação junto de actividades desempenha- Recentemente, pelo terceiro ano social, que “estão a ser estudadas das pelos médicos que não o de- consecutivo, a comunidade mé- estas matérias, não só no caso da veriam ser. Ou mais grave ainda, dica foi confrontada através da saúde materna e obstétrica, mas afirmar-se na praça pública que os comunicação social com a possi- também noutras áreas”, seguindo- médicos apenas devem assegurar bilidade dos enfermeiros verem -se o habitual cardápio de funções: tarefas onde são verdadeiramente reforçadas as suas competências “seguimento das gravidezes de insubstituíveis, sugerindo que, no profissionais. Essa hipótese foi baixo risco, renovação de receitas limite, todos os médicos são subs- formulada pelo Secretário de Esta- e a prescrição de exames que este- tituíveis ou dispensáveis assim se do Adjunto do Ministro da Saúde jam sujeitos a protocolos escritos, encontre um profissional – enfer- quando, em entrevista ao Diário de respeitando as normas”. meiro, ou quem sabe um especia- Notícias divulgada a 30 de Março, O Conselho Regional do Norte da lista em terapêuticas alternativas refere que os médicos, em deter- Ordem dos Médicos (CRN) não – capaz de o fazer. Dessa forma se minadas circunstâncias, “podem pode deixar de lamentar, uma vez cumpriria o sonho do Ministro da ser mais ajudados no desempenho mais, o recurso a argumentos de- Saúde: extinguir encargos salariais das suas funções [ajudados pe- magógicos para tratar um tema com os médicos, apertar (ainda los enfermeiros, bem entendido], tão complexo e que influencia di- mais) o orçamento do ministério e criando condições para que façam rectamente a saúde dos cidadãos atribuir um ‘profissional de saúde’ tarefas onde são verdadeiramente portugueses. a cada português. insubstituíveis”. Por outro lado, Em primeiro lugar, é absolutamen- Um raciocínio tão maniqueísta

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como o que nos é, frequentemen- 11 a 13 anos. As suas competências sob a supervisão de um obstetra. te, apresentado pelos responsáveis estão ampla e consistentemente 4. De acordo com o relatório da da tutela merece esta caricatura. definidas do ponto de vista técni- OCDE de 2013, a taxa de morta- Evidentemente, ninguém imagi- co e científico e, enquanto profis- lidade infantil em 2011 em Por- na que a prestação de cuidados sionais, ocupam uma posição pri- tugal foi de 3.1 por mil nados vi- de saúde possa ser realizada sem mordial e nuclear no nosso serviço vos. Como termo de comparação, o contributo e a competência téc- público de saúde. refira-se que na Holanda, no Rei- nico-científica dos médicos. No 2. As competências adquiridas no Unido, na França e na Espanha, entanto, alguns idealistas preten- durante o curso de Medicina e du- países citados pelo Secretário de dem que uma parte da população rante a frequência dos internatos Estado Adjunto do MS, a taxa de aceda a médicos altamente espe- médicos não são possíveis de ob- mortalidade infantil em 2011 foi cializados e outra, menos capaz ter de outra forma. Um médico e de 3.6, 4.3, 3.5, e 3.2 por mil nados financeiramente, seja atendida e um enfermeiro têm naturalmente vivos, respectivamente. acompanhada pelos enfermeiros. competências diferentes e respon- 5. Em 2012, a taxa de mortalida- A Ordem dos Médicos não quer sabilidades distintas. A eficácia do de neonatal, de acordo com o por- doentes de primeira e segunda ca- seu trabalho conjunto nas diferen- tal PORDATA e o Instituto Nacio- tegoria em Portugal. tes unidades de saúde resulta do nal de Estatística, foi de 2.2 e a taxa Igualmente lamentáveis são as respeito devido a cada profissão de mortalidade perinatal de 4.2. declarações do Director-Geral da e a cada profissional. E não é por Estes valores colocam o nosso sis- Saúde (DGS). O exemplo das gra- acaso que nas equipas multidis- tema de saúde no primeiro lugar videzes de baixo risco (como é que ciplinares a legislação existente relativo ao declínio da mortalida- ele sabe que são de baixo risco?), consagra o médico como coorde- de infantil. da renovação de receitas e da pres- nador. 6. Estes excelentes resultados crição de exames no cumprimento 3. Um estudo científico prospec- decorreram de reformas imple- de “protocolos escritos”, diz bem tivo datado de Novembro de 2010, mentadas no passado, que permi- do objectivo final que pretende publicado pelo British Medical tiram o acesso universal de todas dar às Normas de Orientação Journal, sobre a morte perinatal na as mulheres grávidas a consultas Clínica (NOC) que a Ordem dos Holanda, país pioneiro na legisla- e acompanhamento médico du- Médicos tem validado. Nesse sen- ção que prevê a possibilidade de rante toda a gravidez, e o acesso tido, por considerar que existem haver enfermeiros-parteiros a as- ao parto em unidades hospitala- consequências perniciosas no seu sistirem partos em casa, concluía res com serviços especializados, cumprimento, o CRN irá propor o seguinte: “Recém-nascidos de garantindo a qualidade das condi- em Conselho Nacional Executivo mulheres que preferiram o acom- ções assistenciais para a mulher e a renúncia imediata do protocolo panhamento de uma parteira a um o recém-nascido. existente entre a DGS e a Ordem obstetra durante o trabalho de par- 7. Os médicos especialistas em dos Médicos. to registaram um risco 3.66 vezes Medicina Geral e Familiar são par- Perante a gravidade e a ligeireza superior de morte perinatal, quan- ticularmente questionados nesta dos argumentos repetidamente do comparado com recém-nasci- reiterada posição dos nossos go- colocados na comunicação social, dos cujo trabalho de parto foi su- vernantes. Será oportuno lembrar o CRN não pode ter outra atitude pervisionado por obstetra”. Mais que estes médicos especialistas que não a de os refutar publica- ainda, o mesmo estudo, concluiu têm desenvolvido um excelente mente e repudiar, de forma vee- que recém-nascidos de grávidas trabalho ao nível das várias uni- mente, a campanha inaceitável de de baixo risco cujo trabalho de dades de saúde em todas as suas desqualificar e descredibilizar os parto foi supervisionado por uma áreas de intervenção, que incluem médicos e desmantelar a qualida- enfermeira-parteira tinham um naturalmente a saúde da mulher de do nosso Serviço Nacional de risco mais elevado de morte peri- e da criança e a vigilância de do- Saúde. natal durante o parto e o mesmo entes crónicos. De resto, a criação, 1. Os médicos especialistas, nos risco de admissão em unidades em Portugal, da especialidade quais estão incluídos os médicos de cuidados intensivos neonatais, de Medicina Geral e Familiar foi de Medicina Geral e Familiar, são quando comparado com recém- rapidamente acompanhada por profissionais que cumpriram uma -nascidos de grávidas de alto risco uma melhoria da qualidade dos formação pré e pós-graduada de cujo trabalho de parto decorreu cuidados de saúde e de vários dos

16 | Abril | 2014 principais indicadores a ela asso- respeite de forma clara as compe- dicando seriamente a qualidade ciados. tências próprias dos médicos e dos dos cuidados de saúde. 8. É claro e inequívoco, para to- outros profissionais de saúde. O Ministério da Saúde tem o de- dos os intervenientes no SNS, que A violação de competências médi- ver de publicamente clarificar esta existem muitos serviços necessi- cas nunca transferiu qualquer be- matéria e dizer a verdade aos por- tados de mais enfermeiros para nefício objectivo para os doentes. tugueses. Nós estaremos atentos e prestar aquilo que é da sua estrita Quer a nível nacional com a Lei disponíveis para defender até às competência e responsabilidade. da prescrição por DCI quer a ní- últimas consequências o reforço Será na amplificação desta neces- vel internacional com a atribuição da relação médico-doente e o di- sidade que os representantes desta de competências médicas a outros reito dos doentes a uma Medicina classe profissional devem concen- profissionais de saúde. Os indica- de qualidade. trar esforços, respeitando o carác- dores de qualidade existentes não Aceda ainda à participação do Pre- ter multidisciplinar e complemen- nos deixam mentir. Os médicos sidente do CRNOM no programa tar das equipas de saúde. têm o maior respeito pelo trabalho Testemunho Directo do Porto Ca- 9. De acordo com o relatório da e pelas competências dos outros nal sobre «Reforço das competên- OCDE de 2013, Portugal em 2011 profissionais de saúde. Acredita- cias dos enfermeiros» em https:// tinha 4.0 médicos por 1000 habi- mos que os melhores resultados vimeo.com/90649088. tantes, mais do que a média dos em saúde são obtidos quando se Países da ODCE (3.2), e 6.1 enfer- estabelecem relações de trabalho O Conselho Regional do Norte da meiros por 1000 habitantes, núme- em equipa multidisciplinar e em Ordem dos Médicos ro claramente inferior à média dos complementaridade, respeitando Países da OCDE (8.7). as competências próprias de cada 8 de Abril de 2014 O CRN tem defendido de forma profissional. persistente e continuada a exis- Não deixamos, porém, de lamen- tência de legislação que proteja o tar e de nos posicionar abertamen- Nota: Poderá aceder à notícia do Diário direito dos doentes ao acesso a cui- te contra a tentativa de aumentar de Notícias sobre este assunto através do dados de saúde qualificados que números e diminuir custos preju- link que colocámos no site nacional.

Manutenção do serviço de Cirurgia Cardiotorácica no CHVNG/E O Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos tomou conhecimento da posição do ministro da Saúde, Dr. Paulo Macedo, de garantir a manutenção do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Centro Hos- pitalar Vila Nova de Gaia/Espinho (CHVNG/E), contrariamente ao que determinava a Portaria n.º 82/2014, de 10 de Abril. Entendemos que esta garantia dada pelo ministro na última audiência da Comissão Parlamentar de Saú- de é, em primeiro lugar, um sinal de responsabilidade institucional ao admitir que a classificação do CHVNG/E não pode ser estanque e deve atender a critérios como a competência dos serviços e a sua expe- riência acumulada. Em segundo lugar, vem confirmar que as críticas à Portaria n.º 82/2014 são legítimas, na medida em que a grande maioria dos seus pressupostos não podem ser aplicáveis. Vemos como positivo este sinal transmitido pela tutela e esperamos que não só se concretize a manutenção do serviço, como também a melhoria generalizada das instalações e condições de trabalho que actualmen- te se verificam no CHVNG/E. Finalmente entendemos que, a Portaria nº 82/2014, indevidamente fundamentada, mais não faz do que comprometer os cuidados de saúde de proximidade, acentuar as assimetrias no acesso aos cuidados de saúde já existentes no território nacional e criar condições para que o país tenha doentes de primeira e de segunda categoria, ao configurar o encerramento previsível de dezenas de unidades e serviços essenciais para o funcionamento regular do SNS. Por isso, deve ser revogada de imediato. O Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos - 2 Maio de 2014

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Segredo Médico e Doentes com HIV Divulgamos em seguida um parecer do Departamento Jurídico da OM que indica, do ponto de vista da Deontologia Médica, quais as precauções que não violam o segredo médico, quando estão em causa situações clínicas que envolvem Doentes com HIV.

Foi colocada ao Departamen- Em 11 de Novembro de 2000 o soas em risco, caso as conheça, após to Jurídico a questão de saber CNE da Ordem dos Médicos de- comunicar ao doente que o vai fazer.” se “após tentativas de persuadir liberou em sentido consonante Tendo em atenção o preceito o doente, sem qualquer sucesso, o com os sobreditos pareceres. deontológico supra transcrito é médico tem o poder de quebrar a No Código Deontológico, publi- de concluir liminarmente que a confidencialidade médica e avisar cado no Regulamento 14/2009, resposta à primeira questão que o parceiro sexual de portador de ficou consagrado o seguinte: nos é colocada pela consulente HIV, nos casos em que este não o “Artigo 89.º só pode ser afirmativa, ou seja, o queira fazer e tendo prática sexual (Precauções que não violam o segredo médico após ter tentado persua- não protegida, quando é médico de médico) dir o doente a modificar o com- ambos os utentes?”. portamento de risco e a revelar às 1 - A obrigação do segredo médico pessoas que possam efectivamen- não impede que o médico tome as pre- te ser prejudicadas na sua vida ou Questiona-nos ainda a consu- cauções necessárias, promova ou par- saúde, sem que tenha logrado a lente se é preciso pedir autori- ticipe em medidas de defesa da saúde, adesão do doente ao seu aconse- zação à comissão de ética antes indispensáveis à salvaguarda da vida lhamento, deve informar aquelas do médico informar as pessoas e saúde de pessoas que possam con- do perigo em que incorrem. em risco. tactar com o doente, nomeadamente No que atine à segunda questão Sobre a primeira questão que dos membros da família e outros con- não vemos necessidade ou sequer nos é colocada pronunciou-se viventes. sentido do médico ter de comu- o Departamento Jurídico em 2 - Sendo a preservação da vida o nicar às comissões de ética para Abril do ano de 2000, nos ter- valor fundamental, deverá o médico, a saúde os factos ora em apreço mos do parecer que se encontra em circunstância em que um doente já que em nosso entender não se junto a esta informação. tenha um comportamento que traga trata de uma questão ética con- Subsequentemente e a pedi- um risco real e significativo para a trovertida podendo-se, antes pelo do da Ordem dos Médicos vida de outra pessoa, tentar persuadi- contrário, considerá-la como ma- pronunciou-se ainda, de forma -lo a modificar este comportamento, téria assente na deontologia mé- coincidente com aquela que por nomeadamente declarando que irá dica. nós foi propugnada, o CNECV revelar a sua situação às pessoas inte- através do seu parecer 32/CNE- ressadas. Se o doente não modificar o O Consultor Jurídico CV/2000 (vide http://www.cne- seu comportamento, apesar de adver- Paulo Sancho cv.pt/pareceres.php). tido, o médico deve informar as pes- 2014-02-24

18 | Abril | 2014 PARECER DO a) Os factos revelados directamen- problemas que se nos colocam. DEP. JURÍDICO DE ABRIL te pelo doente, por outrem a seu A questão está em encontrar um 2000 pedido ou terceiro com quem te- justo equilíbrio entre os inte- nha contactado durante a presta- resses de respeito pelo indiví- Assunto: Segredo médico ção de cuidados ou por causa dela; duo e da solidariedade social, SIDA b) Os factos apercebidos pelo Mé- mormente o direito à saúde e vida Parecer dico, provenientes ou não da ob- de outrém. Foi-nos apresentada, para análise servação clínica do Se o indivíduo tem direito a e informação, a seguinte situação: doente ou de terceiros; não ser discriminado, ao sigilo Uma médica tem um doente, toxi- c) Os factos comunicados por ou- sobre a sua vida privada e so- codependente, seropositivo para o tro Médico obrigado, quanto aos bre o seu estado de saúde, não vírus HIV, que vive com a mãe e mesmos, a segredo há dúvida também que a socie- com a mulher. profissional. dade tem o direito e o Estado A progenitora tem conhecimento 2. e 3. (...).” a responsabilidade, de tomar do seu estado, mas a cônjuge ape- Não obstante o dever de sigilo, im- medidas de prevenção que evi- nas sabe que o marido é toxicode- pendem sobre os médicos outras tem a propagação de doenças pendente e que está a ser medica- obrigações, como sejam as previs- como a SIDA. mente acompanhado. tas no artº 72º do sobredito Có- Todavia, regra geral, as medidas O doente, apesar de conhecer o digo Deontológico. de que o seropositivo seja alvo, só risco de transmissibilidade e as Com efeito, o artº 72º, inserido serão admissíveis em nome duma formas de transmissão do vírus, no Capítulo do Segredo Profis- necessidade objectiva de sal- nunca informou a mulher da sua sional, prescreve o seguinte: vaguarda de terceiro, e na me- doença1 não prevenindo por “A obrigação do segredo profis- dida do estritamente indispen- qualquer meio a possibilidade sional não impede que o médi- sável. de contágio, nem autorizando co tome as precauções necessá- Se o princípio da igualdade impli- que a sua médica assistente o rias, promova ou participe em ca o tratamento igual de situações faça. medidas de defesa sanitária, iguais, o seropositivo e o perigo Coloca-se, assim, a questão de indispensáveis à salvaguarda efectivo de contágio que ele repre- saber se a sobredita médica pode da vida e saúde de pessoas, no- senta criam uma situação especial convocar a mulher do doente para meadamente dos membros da a justificar medidas próprias. Só lhe comunicar a seropositividade família e outras que residam que essas medidas terão que do marido, sem ser susceptível de ou se encontrem no local onde ser, além de necessárias, ade- vir a ser condenada por violação estiver o doente.” quadas e proporcionadas à de sigilo profissional. Ou seja, o médico está colocado prossecução do seu objectivo. Importa, ainda, saber se caso a perante um conflito de valora- Por isso é que a contenção dos médica não actue da forma refe- ção de normas deontológicas, direitos individuais do sero- rida, pode, mais tarde, vir a ser em que são considerados funda- positivo será inadmissível, se acusada de ter possibilitado a pro- mentalmente dois tipos de in- feita em homenagem a um ris- pagação de uma doença com prog- teresses, por um lado os do co meramente remoto de con- nóstico fatal. indivíduo, da sua liberdade e tágio. Analisemos, então, as normas de- privacidade e, por outro, os da Neste caso concreto, é posto em ontológicas aplicáveis ao caso em família do doente, principal- causa o direito à saúde e à vida, o apreço. mente a mulher, que corre sérios que releva para a ponderação dos Dispõe o art.º 68º do Código De- riscos de ser por ele contagiada se direitos fundamentais em jogo. ontológico da Ordem dos Médicos, não forem tomadas as medidas E não há dúvida que o direito à sob a epígrafe adequadas no que atine à sua saúde e à vida, por serem bens ju- “Âmbito do segredo profissional”: protecção. rídicos superiores merecem uma “1. O segredo profissional abrange Nesta matéria, cabe antes de mais salvaguarda maior, ainda que tal todos os factos que tenham chega- esclarecer que não existem parâ- implique o sacrifício de um direito do ao conhecimento do Médico no metros definidos que permitam protegido, como o é o da reserva da exercício do seu mister ou por causa uma abordagem com as certezas intimidade. dele, e compreende especialmente: com que gostamos de enfrentar os Deste modo, atento o exposto, en-

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tendemos que a obrigação de 1 - Bastaria um dever geral de respeito pelos direitos de personalidade de todas as outras pessoas para fundamentar a necessidade jurídica de um portador do vírus ou de um doen- segredo médico cessa, nestas te, tomar medidas de protecção para não transmitir a infecção. circunstâncias específicas, e Para quem vive em comunhão de vida, os riscos de transmissão são grandes, aproximando- -se da certeza. na estrita medida do necessá- No âmbito do casamento pode-se, inclusive, dizer que existem obrigações de cada cônjuge rio para salvaguardar o direito correlacionadas com o dever de coabitação e com o dever de respeito. Em primeiro lugar impõe-se que cada um tome as precauções recomendadas para não ser à saúde e à vida da mulher do contaminado – para além do seu próprio interesse de auto conservação, ou seja, conservar doente seropositivo. a saúde para cumprir os típicos deveres conjugais. Em segundo lugar, impõe-se a obrigação de cada um se sujeitar aos testes necessários para sossegar o outro, ao menos quando se Este é, salvo melhor, o nosso pa- apresentarem circunstâncias objectivas que justifiquem uma dúvida razoável. Em terceiro recer. lugar impõe-se que o cônjuge revele ao outro uma probabilidade de ter sido infectado ou a certeza da sua contaminação; ainda que a revelação não vá a tempo de evitar o contágio, O Consultor Jurídico sempre permitirá uma terapêutica mais precoce. Por último o regime matrimonial impõe Paulo Sancho que o cônjuge infectado tome todas as precauções para evitar a transmissão do vírus. Neste sentido, ver “Temas de Direito da Medicina”, do Prof. Guilherme de Oliveira, que Abril de 2000 aborda esta situação na perspectiva civilista e no âmbito das relações da família. notícia

Exposição: O GABINETE DAS MARAVILHAS atlas e códices dos ATLAS E CÓDICES DOS MELHORES ARQUIVOS E BIBLIOTECAS DO MUNDO melhores arquivos e Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa bibliotecas do mundo 29 ABRIL - 21 JUNHO DE 2014

A exposição “O gabinete das maravilhas: —HORÁRIO: atlas e códices dos melhores arquivos e DE SEGUNDA A SEXTA-FEIRA DAS 9h30 ÀS 19h30 SÁBADOS DAS 9h30 ÀS 12h15 bibliotecas do mundo” (Arquivo Nacio- nal da Torre do Tombo, de 29 de Abril a 21 de Junho) é uma viagem por oito sé- culos de história através das principais jóias da cartografia portuguesa da época dos descobrimentos e dos manuscritos iluminados mais relevantes do Patrimó- nio histórico europeu de entre os séculos VIII e XVI, que atualmente se encontram nos arquivos e bibliotecas mais impor- tantes do mundo: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Museu Fundação Calouste Gulbenkian, Metropolitan Museum of Art, Morgan Library & Mu- seum, The British Library, Bibliothèque nationale de France, Biblioteca Nacional da Rússia, etc.. Entre as três dezenas de obras incluídas na exposição, destacam- -se especialmente as joias relacionadas com a medicina, como o Tractatus de Herbis, um belíssimo tratado médico de 1440 com ênfase na botânica; o Tacui- num Sanitatis, cujas tabelas de saúde, muito difundidas na Idade Média, foram escritas no séc. XI pelo médico cristão nascido em Bagdade Ibn Butlân; o Theriaka e Alexipharmaka de Nicandro, cujos textos sobre venenos de origem animal, vegetal e mineral datam do séc. II a.C.; o Splendor Solis, o mais belo tratado de alquimia alguma vez pintado; ou o Livro da Felicidade, realizado por ordem do sultão Murad III, uma compilação de tratados de índole científico-médica e astrológica em torno do conceito da Felicidade.

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PEM e SAM: apelo formal ao bom senso A Ordem dos Médicos remeteu, em nome do normal e eficiente funcionamento dos Cui- dados de Saúde Primários, em nome dos Médicos e em nome dos Doentes, um apelo formal ao Ministro da Saúde para que seja reactivado o link que permitia que, via SAM, todos os Médicos tivessem acesso à prescrição electrónica anteriormente utilizada. Este apelo surge na sequência das múltiplas queixas de colegas sobre os muitos problemas diários que a PEM continua a dar, definindo como "um inexplicável absurdo e uma injus- tificável obstinação" o facto da PEM estar a ser imposta sem previamente se encontrar completamente operacional. Divulgamos aqui igualmente a carta subscrita pelas unidades funcionais do ACeS do Baixo Vouga, sobre as dificuldades que essa aplicação informática tem provocado.

“Exmo. Sr. Ministro da Saúde, A PEM continua a dar múlti- subscrevem solidariamente, Assunto: PEM (Prescrição Elec- plos problemas diários, pelo através dos seus coordenado- trónica Médica) e SAM (Sistema que é um inexplicável absurdo res, a presente reflexão sobre a de Apoio ao Médico) e uma injustificável obstinação imposição de utilização da apli- a PEM estar a ser imposta sem cação informática de prescri- Conforme documento anexo, previamente se encontrar com- ção, habitualmente designada que confirma e ilustra todas as pletamente operacional. Tudo pelo acrónimo PEM. chamadas de atenção já efectua- o que pedimos é que haja bom Assim: das por inúmeros Colegas e por senso e que deixem os médicos 1- Consideram que a PEM, várias organizações médicas, trabalhar. apesar de haver aspectos a me- incluindo a Ordem, a Ordem lhorar na óptica do utilizador, dos Médicos, em nome do nor- Lisboa, 9 de Abril de 2014” é uma aplicação informática mal e eficiente funcionamento com uma arquitectura interes- dos Cuidados de Saúde Pri- sante, integrando um conjunto mários, em nome dos Médicos Carta dirigida pela UF do de princípios que visa o apoio e em nome dos Doentes, vem ACeS Baixo Vouga ao Presi- à prescrição médica, o que se fazer um apelo formal a V. Exa. dente do Conselho Directivo saúda. para que seja reactivado o link da ARS Centro 2- Consideram contudo, que não que permita que, via SAM, to- estão reunidas todas as condi- dos os Médicos tenham acesso à “As equipas das unidades fun- ções técnicas para que o progra- prescrição electrónica anterior- cionais (UF) do ACeS Baixo ma possa ser utilizado de forma mente utilizada. Vouga, abaixo identificadas, eficiente nas nossas UF.

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3- As equipas que têm a PEM do algumas situações de confli- seriamente comprometida na como única alternativa de pres- to, sem que as equipas possam actual situação. crição, porque lhes foi cortado ultrapassar o problema. Outros 8- É do nosso conhecimento que o acesso à prescrição anterior- solidarizam-se com os médicos, no nosso ACeS muitas das suas mente integrada no SAM, vêem oferecendo-se para passar nou- UF continuam poupadas a este comprometida de forma ine- tra altura para levarem o seu cenário, mantendo os seus ní- quívoca a sua produtividade, receituário, inclusive em situa- veis de eficiência e de conforto com tempos de prescrição que ções de doença aguda. habituais, porque lhes é permi- correspondem no mínimo a cer- 6- Os profissionais estão a ficar tida a prescrição via SAM. ca de 20% do tempo atribuído emocionalmente exaustos com 9- É do nosso conhecimento que a cada consulta. Mas em muitas os sucessivos atrasos em que in- na ARS que Vexa superiormen- ocasiões aquele tempo é lar- correm, com o desdobrar de pe- te dirige, há ACeS onde em ne- gamente excedido sem que os didos de desculpas por respon- nhuma UF foi imposta a utiliza- profissionais o possam aprovei- sabilidades que não são suas, ção exclusiva da PEM e logo as tar executando outras tarefas de exasperam por ver a impaci- suas equipas igualmente pou- registo, porque o écran no SAM ência dos utentes, o tamborilar padas ao desgastante quotidia- fica bloqueado. Se desbloquea- dos seus dedos na secretária, a no que alguns de nós vivem. do antes do fim da impressão antevisão de mais um conflito 10-É igualmente do nosso co- causa erros com má formatação para o qual não contribuíram. nhecimento que noutras ARS no receituário que tem de ser 7- Temos reportado superior- opção semelhante foi tomada, inutilizado e sendo necessário mente estas questões, sem ter- havendo acesso a ambas as apli- repetir o procedimento. Trata- mos qualquer resposta às nos- cações de prescrição. -se de uma efectiva perda de sas preocupações, assistindo 11-Parece-nos que esta decisão tempo. impotentes à degradação da de manter o acesso à prescri- 4- Também a frequência com condição do exercício da nossa ção via SAM a múltiplas UF no que a aplicação não permite o actividade, com graves impli- nosso ACeS, na nossa ARS e em acesso à medicação crónica dos cações na produtividade, na outras, indicia o reconhecimen- utentes, ou duplica medica- eficiência e sobretudo na quali- to pela hierarquia da existência mentos, ou os omite é assusta- dade da assistência aos nossos de problemas técnicos na im- doramente frequente. Quando utentes. Consideramos que a plementação da PEM. Quando o acesso é possível a desespe- segurança do acto médico está emitir uma receita manualmen- rante lentidão com que a PEM faz o carrega- mento dos dados, gera mais uma vez novos tempos improdutivos excessivos na nossa opi- nião. 5- Resumindo, todo o processo de prescrição está repleto de múlti- plos pequenos passos que duram longos mi- nutos originando no seu conjunto um enorme desperdício de tempo, causando prejuízo aos utentes que ao longo de um período de consulta são sujeitos a atrasos su- cessivos, e manifestam o seu desagrado, geran-

22 | Abril | 2014 te é muito mais rápido do que 13-As equipas subscritoras de condições a todos os profis- fazê-lo por via informática nos disponibilizam-se para in loco sionais e utentes do ACeS e as- utilizadores da PEM, significa demonstrarem a quem Vexa en- sim seja travada a progressiva que algo está mal com o proces- tenda as razões aqui alegadas. degradação do serviço e a sua so, seja por razões de hardware, Face ao exposto, as equipas repercussão na qualidade do seja por razões de software. E subscritoras, solicitam a Vexa atendimento dos nossos utentes estamos convictos que recome- informação sobre o cronogra- e na saúde dos vossos profissio- çar a prescrever manualmente ma previsto para o processo de nais. não pode ser a solução. implementação das condições As UF voltam a reunir para 12-Face aos considerandos pré- técnicas para que a PEM possa acompanhamento da evolução vios, temos dificuldades em ser utilizada de forma eficiente. da situação no próximo dia 17 compreender tendo em conta o Solicitam que com a máxima de Março, esperando poder ter princípio da igualdade de tra- urgência e até estarem reunidas nessa data o conhecimento da tamento dos profissionais e dos essas condições, seja reactivado sua decisão. utentes, quais os critérios sub- o link para que via SAM, todas jacentes à selecção das equipas as equipas do ACeS Baixo Vou- Com os nossos melhores cum- para uma ou outra das condi- ga tenham acesso à prescrição primentos.” ções do seu exercício profissio- electrónica anteriormente uti- nal. lizada, repondo a igualdade

Crítica sobre Prescrição Eletrónica de Medicamentos Em resposta a uma solicitação de análise da PEM, a Direcção do Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar emitiu um parecer que transcrevemos em seguida

“Relativamente ao assunto em médico nas aplicações em prejuízo de aperfeiçoamento destas tecno- epígrafe, a Direção deste Colégio da relação com o doente. logias. Está a passar-se para uma de Especialidade após a análise da Não nos move qualquer animosi- Medicina centrada no sistema in- documentação recebida, emite o dade contra a aplicação de novas formático e não no paciente, com seguinte parecer sobre Aplicações tecnologias, pelo contrário, mas claro prejuízo para os interesses informáticas em cuidados de saú- desde que estas sejam facilitadoras dos doentes. de primários: da boa prática clínica. Os Médicos de Família têm sido Este tipo de estrutura informática confrontados com o aparecimen- associada a uma rede lenta e não to em catadupa1 de aplicações in- dimensionada para este tipo de Com os melhores cumprimentos. formáticas destinadas a satisfazer utilização gera nos profissionais O Presidente da Direcção, diferentes procedimentos de con- de saúde exaustação, desmoti- José Maria Silva Henriques" sulta. vação e má comunicação com o Acresce a inexistência de forma- paciente que se repercutem na ção adequada à sua utilização. qualidade assistencial. Afeta ainda Para além disso verifica-se que as negativamente a formação médica aplicações não se articulam de- pré e pós-graduada que se faz nas vidamente entre si, obrigando a unidades de medicina geral e fa- uma duplicação de registo de da- miliar. 1- ALERT, TAO, SICO, MEDSOFT, VITACARE, MEDICINONE, SIMA dos e complexificação de proce- As unidades de saúde não se po- RASTREIOS, PEM, MIM@UF, RCCI, dimentos, centrando a atenção do dem transformar em laboratórios SIARES, ATHIS

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Visita à Unidade de Cirurgia de Ambulatório (Covões) Ajustamentos, modificações e fusões no CHUC e outras unidades da região centro Num esforço de perceber as necessidades e situação atuais de hospitais e centros de saúde da região centro, o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), José Manuel Silva, acompanhado pelo presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos (SRCOM), Carlos Cortes, e pelo presidente do Conselho Distrital de Coimbra, José Luís Pio de Abreu, dedicou dois dias a visitar alguns dos locais onde se fala e se trata de saúde a nível local. As primeiras impressões indicam alguma dificuldade de comunicação e organizacional que implica um vai e vem de doentes: os HUC transferem para os Covões por falta de camas disponíveis e os Covões recorrem aos HUC porque precisam de complemento de diagnóstico. São três anos de ajustamentos, modificações e fusões no CHUC que ainda não deram os frutos desejados, especialmente na urgência.

Visita ao serviço de médicos em prol do doente. urgência do Hospital “Com o empenho de todos esta é Geral do Centro Hospi- uma boa solução, difícil, mas que talar e Universitário de vale a pena, competindo-nos rea- Coimbra lizar este projecto bem e de forma estruturada”, afirmou o vogal do Os Hospitais da Universidade Conselho de Administração do de Coimbra (HUC) e o Hospital CHUC, António Pedro Araújo dos Covões são, desde Março de Lopes, para quem esta fusão tem 2011, um só. Com a constituição dois pontos fundamentais: melho- do Centro Hospitalar e Universi- rar a qualidade dos cuidados pres- tário de Coimbra (CHUC) mui- tados, mantendo a qualidade da tas foram as funcionalidades acessibilidade dos utentes, sem es- destas duas unidades de saúde quecer a parte financeira. “Se não vítimas de ajustamentos, modifi- for esta vertente, não vale a pena cações e fusões com vista a uma fazer fusões”, defendeu. José Manuel Silva e Carlos Costa Almeida melhor prestação de serviços Com alguns serviços a não serem

24 | Abril | 2014 Ciro Costa, Enf. Carlos Mesquita, Carlos Costa Almeida Visita ao Serviço de Urgência do Hospital Geral - CHUC

O Serviço de Urgência dos Covões possui dois dispensadores de medica- mentos informatizados que permitem reduzir os erros e os custos

Adriano José Carvalho Rodrigues

José Luís Pio de Abreu, José Manuel Silva e Carlos Cortes em reunião com CA do CHUC Pedro Lopes e Pedro Roldão - CHUC

totalmente concentrados num úni- de Urgência dos co sítio (como é o caso da Otorri- HUC, à distância nolaringologia) e outros a serem de sete quilóme- suprimidos, é na Urgência que tros dos Covões, reside o maior busílis desta fusão. todos os utentes Agora, todos os utentes menores que até então se que procuram o serviço de urgên- dividiam pelas cia e consultas de Otorrinolarin- duas unidades. gologia, Oftalmologia, Cirurgia “Antes tínha- Plástica ou Cirurgia Maxilofacial, mos uma média Enfermeiro Diretor António Manuel Marques, são encaminhados para o Hospital de 400 doentes Diretor Clínico José Pedro Henriques de Figueiredo e Vogal Pedro Lopes - CHUC Pediátrico de Coimbra. na Urgência do Foi no dia 28 de Maio de 2012, para HUC e agora rapidez dos serviços prestados é desagrado de muitos utentes, que esse número aumentou para bem inevitável. “Podemos fazer uma a Urgência do Hospital Geral do perto dos 800”, lembrou Antó- Urgência deste género mas não é o Centro Hospitalar e Universitário nio Pedro Araújo Lopes. Com o que pretendemos e por isso estão de Coimbra começou a encerrar número de utentes a duplicar, programadas obras significativas às 20h. Tal facto levou ao Serviço o decréscimo na qualidade e na na Urgência dos HUC”.

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Por outro lado, as Urgências dos médicos experientes”, afirmou o pode ser uma das características Covões recebem utentes entre as director deste Serviço, Carlos Ma- distintivas do CHUC a nível na- 09h e as 20h, mas apenas duran- galhães. Na sua opinião, o ideal cional. te os dias de trabalho da semana. seria que “todos os serviços cirúr- Neste momento, a lista de espera Reduzidos aos serviços de Car- gicos possuíssem um núcleo de é grande, com mais de 700 doen- diologia, Pneumologia e Medici- profissionais que fizessem o servi- tes a aguardar consulta, espera na Interna, há uma necessidade ço completo”, isto é, que existisse essa que pode ser de meio ano. O constante de recorrer aos servi- um corpo clínico próprio e com aumento da lista de espera deve- ços dos HUC para complemento todas as especialidades cirúrgicas -se precisamente à concentração de diagnóstico. Tal facto origi- essenciais a uma boa prestação de da Medicina do Sono num mes- na movimentação do utente de cuidados aos utentes. mo local. A Unidade dispõe de um lado para o outro e, no final, quatro camas, que funcionam to- uma duplicação (ou até mesmo dos os dias, ”enquanto os HUC, triplicação) do número de entra- Medicina do Sono passa a com cerca de 300 doentes em lis- das “porque cada vez que vão e unidade funcional ta de espera, têm duas camas na voltam há lugar a uma nova re- autónoma com o processo Pneumologia e não estão disponí- quisição em cada uma das urgên- de fusão mas espera obras veis diariamente”. cias”, explicou o Director da AGI desde 2012 Agora a vontade de Francisco II – Área de Gestão Integrada II Moutinho passa por ter pessoal do Centro Hospitalar Universitá- Primeiro foi um sector com auto- médico próprio, “deixando de vi- rio de Coimbra (CHUC), Ciro Cos- nomia mas ligado ao serviço de ver das boas vontades dos outros ta. A somar a esta situação, pouco pneumologia, depois um servi- serviços”, para, assim, aumentar confortável para profissionais e ço autónomo, desde 1998; com o a capacidade de resposta. “Com utentes e potencialmente mais dis- processo de fusão deixou de ser a criação do Laboratório do Sono pendiosa, “não há concentração de “serviço” para passar a Unida- irão nascer mais quartos e, dessa informação porque aqui [urgência de Funcional Autónoma, ficando forma, ficamos com salas livres dos Covões] o processo é electró- localizado junto ao Hospital dos no edifício actual para gabinetes nico e nos HUC é em papel”. Covões tudo o que é Medicina do de consulta”. Ainda assim, “pre- Apesar do número limitado de Sono. “Não acho que tenha sido vê-se que fique resvés com as re- especialidades em funcionamento a decisão mais acertada mas foi ais necessidades, porque este será no Hospital Geral do Centro Hos- a ideia do CHUC”, desabafou o um sector de fim de linha, isto é, pitalar e Universitário de Coim- Director deste Serviço, Francis- virão todos os casos que forem de bra, são muitos os doentes transfe- co José Moutinho. Concordamos patologia de sono mais complexa. ridos dos HUC para os Covões por que, pelas suas especificidades, As obras de adaptação estão pre- falta de vagas no primeiro. “Este ecletismo e multidisciplinarida- vistas desde 2012, num investi- hospital acaba por ser uma espécie de, deveria ser um Serviço, que, mento total de 200 mil euros, mas de copa do HUC”, lamentou Ciro pela sua experiência e qualidade, ainda não foram concretizadas”. Costa. Para isso, a justificação é só uma: área de influência tendo em Francisco José Moutinho, José Luís Pio de Abreu, Carlos Cortes, Ciro Costa e José Manuel Silva conta a residência dos utentes. Depois das urgências, e antes de seguir viagem até à Medicina do Sono, a comitiva da Ordem dos Médicos teve ainda oportunidade de conhecer outros Serviços do Hospital Geral do CHUC, nome- adamente a Unidade de Cirurgia de Ambulatório. Trata-se de um serviço permanente, por onde passam alguns internos, embora “a política da cirurgia ambulató- ria é a de que deva ser feita por

26 | Abril | 2014 Formação pós-graduada de 800 internos “sabemos que o formação não retira proveito ne- preocupa Ordem número dos que pedem para es- nhum”, diz. E continua: “Se o foco dos Médicos tar mais que dois ou três meses da formação feita no estrangeiro no estrangeiro é diminuto, o que passasse a ser depois do médico A formação dos internos foi um significa que a prática adoptada é se tornar especialista, teria uma dos assuntos centrais na reunião correta”, esclareceu. aplicação directa. O esforço finan- com o Conselho de Administra- Carlos Cortes insistiu na relevância ceiro nacional seria recompensado ção do CHUC, tendo Carlos Cor- da formação médica noutros cen- porque estaria assegurado o apro- tes, presidente da Secção Regional tros de excelência fora do CHUC veitamento dessa diferenciação”. do Centro, e José Manuel Silva, e para o bastonário da Ordem dos Pedro José Duarte Roldão defen- bastonário da Ordem dos Médi- Médicos, José Manuel Silva, este é deu mesmo que seria importante cos, manifestado preocupação e um assunto muito importante, de- alterar a legislação de forma a po- apreensão quanto à qualidade da fendendo mesmo que “devia ser der direcionar a formação no es- formação que está a ser dada aos obrigatório os internos irem para o trangeiro para os especialistas do jovens médicos. estrangeiro alguns meses”, subli- quadro, algo que o deixaria “mais Sobre esta questão, o director clí- nhou, referindo a sua experiência confortável” em relação à despesa nico, José Pedro Henriques de Fi- pessoal e quão enriquecedor foi, que esse tipo de formação acarreta gueiredo, começou por afirmar em termos de formação pós-gra- para as instituições. que, no que diz respeito à for- duada, ter tido a possibilidade de, Perante esta questão, o Bastonário mação pré-graduada, “uma das durante o seu próprio internato, da Ordem dos Médicos declarou grandes vantagens desta fusão é a fazer estágios no estrangeiro. Para não haver nada “neste momen- capacidade de passar o ensino uni- além das vantagens em fazer for- to que obste a que as instituições versitário para o Hospital Geral”. mação fora do país, o bastonário enviem os seus especialistas para Diríamos nós, para o pouco que realçou ainda a importância de ha- formação no estrangeiro”, decisão resta do Hospital Geral... ver maior mobilidade nessa fase, que “apenas depende das institui- Por outro lado, na formação pós- com colocação dos internos nou- ções e de mais ninguém”. Contu- -graduada, defende o DC não ter tros hospitais nacionais (centrais do, os constrangimentos finan- havido qualquer alteração rele- ou distritais) como complemento ceiros dificultam a promoção da vante da prática do CHUC. “O à formação por ser uma experiên- formação, em si mesma, mas tam- comportamento dos últimos dois cia que permite aos jovens profis- bém, e sobretudo, “o investimento anos é disso ilustrativo e elimina- sionais o conhecimento de várias na tecnologia para aplicação dos ria qualquer dúvida que houvesse realidades. “É fundamental pro- conhecimentos adquiridos”, re- quanto à nossa preocupação com mover a formação descentrada e flectiu. a formação”, disse, acrescentan- as instituições devem aproveitar do que se a Ordem dos Médicos as skills que os internos desenvol- atribui capacidade formativa aos verem”. USF Briosa - serviços do CHUC “é porque en- Aproveitando a presença dos ele- Médicos reformados tende que temos competências mentos da Ordem dos Médicos, e regressam ao serviço para tal”. dado que o assunto era a forma- No entanto, o director clínico as- ção, o vogal do Conselho de Ad- Com poucos anos de vida, a Uni- sumiu que a preocupação mani- ministração do CHUC, Pedro José dade de Saúde Familiar (USF) festada poderia ter a ver com um Duarte Roldão, convidou à refle- Briosa tem dado provas de que erro de dactilografia numa delibe- xão sobre uma questão que o preo- está no bom caminho no apoio ração do Conselho Geral e que se cupa enquanto cidadão e que tem que se propõe dar aos seus uten- prendia com a saída dos internos a ver com a formação dos médicos tes. A satisfação com os serviços para o estrangeiro. Tal redacção le- e não só dos internos. “Parecia-me que presta e com os incentivos vantava dúvidas, porque limitava mais útil assegurar formações, que tem conquistado ao longo esse tipo de formação a um mês mesmo que no estrangeiro, para dos tempos – “temos ganho 100% por internato. “Queremos que os médicos dos nossos quadros do de incentivos”, congratula-se a internos sejam bem formados para que, como tem sido até agora, isto Directora desta USF, Conceição bem deles próprios, do hospital é, com esforços para a fase do in- Maia – bem como o envolvimen- e do país”, defendeu. Dos cerca ternato, dos quais a instituição de to em projectos de acreditação, é

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transversal a toda a equipa. Uma pamento de Centros de Saúde “Gostava que me entrega e dedicação tão grandes (ACES) local, para além de ter au- deixassem contratar os que até os médicos reformados mentado o número de consultas profissionais que preciso” regressam ao trabalho… gratui- médicas e a percentagem de con- tamente. sulta sem utente ter diminuído, Na visita ao Instituto Portu- “É uma atitude louvável e que 75% dos utentes esperam menos guês de Oncologia de Coimbra deve ser valorizada e tida em de 15 dias para conseguir consul- (IPOC), o bastonário da Or- conta pela sociedade ta com médico de família, o tem- dem dos Médicos em geral mas sobre- Reunião com equipa médica do CS Briosa e o presidente da tudo pelo Ministro da Secção Regional do Saúde no que se refere Centro foram con- a resolver parcialmen- frontados com um te o problema da falta conjunto de preo- de médicos de família cupações e ambi- aproveitando a dispo- ções manifestadas nibilidade dos espe- pelo presidente do cialistas reformados Conselho de Ad- que estão ainda aptos ministração deste para trabalhar mas organismo, Manuel retribuindo-os de uma António Leitão Sil- forma condigna e com va: começando na flexibilidade de horá- falta de colaboração rio, permitindo-lhes, recíproca dos Hos- desta forma, gozar a pitais da Universi- reforma ao mesmo dade de Coimbra tempo que são úteis à com o IPOC – rela- comunidade”, ressal- ção feita no sentido vou José Manuel Silva. IPOC – HUC e não “Fico satisfeito por ha- o inverso –, pas- ver médicos que tra- sando pela longa balham graciosamen- espera para poder te, alguns com listas aumentar o núme- de dois mil utentes, ro de especialistas, mas a sociedade deve Projecto de remodelação aprovado no Manuel Leitão Silva reconhecer o valor do dia da visita da Ordem dos Médicos acabou mesmo por seu trabalho”, salien- verbalizar o desejo tou. de “possuir auto- Apesar do esforço de todos os profissionais da USF Brio- Actualmente com 12 nomia para contra- sa, no sentido de tornar o espaço aprazível, funcional e internos, e outros tan- tar” os recursos hu- confortável para os seus utentes, a verdade é que as neces- tos que já saíram es- manos de que pre- sidades vão além disso. Com sete anos de existência, esta pecialistas desta USF, cisa. “O problema USF começou, em 2013, a realizar planos de melhoria e a equipa USF Briosa reside no facto de ampliação do espaço. “Neste momento temos um projecto orgulha-se de ser uma sermos uma enti- que foi aprovado pelo Secretário de Estado esta manhã [4 unidade Modelo B. dade empresarial”, de Março] o que nos deixa bastante satisfeitos”. Agora só “Em quase dois anos lamentou. Como faltam as verbas para a sua concretização… de actividade nestas nos explicou, nin- condições consegui- guém diz que não mos manter o nível”, congratula- po de espera para consulta pro- pode contratar mas o assunto é -se Conceição Maia. gramada é inferior a 30 minutos, adiado sine die o que acaba por E os números falam por si: de e 92% das consultas realizadas ao representar uma impossibilida- acordo com o estudo de satisfa- utente são feitas pelo seu próprio de prática para a resolução do ção realizado em 2013 pelo Agru- Médico de Família. problema da contratação.

28 | Abril | 2014 Por outro lado, a espera – de há destinado às pessoas que vivem “Não podemos esperar três anos a esta parte – de obras longe desta unidade e precisam que a indústria de fundo para remodelação de de fazer radioterapia. “Criámos farmacêutica seja uma alguns serviços, como o Hos- este espaço para não terem de misericórdia” pital de Dia e o Serviço de Ra- ocupar as camas de interna- dioterapia, para melhoramento mento e para não necessitarem A medicação inovadora que das casas-de-banho, salas de de ir para um hotel”, elucidou o chega ao mercado para o trata- internamento e mento de doenças do de operações “de foro oncológico está forma a propor- actualmente no centro cionar condições da controvérsia entre mais dignas aos institutos portugueses doentes”, preocu- de oncologia, Infarmed pa o presidente do e utentes. IPOC que lamenta “Há um medicamen- o arrastar da situ- to em particular que ação. E não é por começou a ser dado falta de dinheiro em Vila Nova de Gaia. que as obras não Como viram que era são feitas: “Não es- Visita ao hospital de dia, Serviço de Oncologia muito caro deixaram tou à espera do di- de dar e encaminharam nheiro do Estado. doentes para o IPO do Nunca fechámos Porto que, por sua vez, contas a negativo também deixou de o fa- e por isso temos zer, concentrando o IPO dinheiros próprios de Coimbra os oito do- para a interven- entes que iniciaram tra- ção”, explicou Ma- tamento”, explicou Ma- nuel Leitão Silva. nuel Leitão Silva. Neste “Ter dinheiro para momento são muitos os obras necessárias doentes a precisar deste José Manuel Silva, Rui Silva e Paulo Figueiredo, e não conseguir responsável do Serviço de Anatomia Patológica tipo de medicação mas fazê-las, só acon- o tratamento não será tece mesmo neste Ranking coloca IPOC como me- iniciado “porque a ní- país”, ironizou e vel nacional somos os lamentou José Ma- lhor… em ouvidos, nariz e garganta únicos a administrá-lo nuel Silva. e não podemos aceitar Apesar de tudo, O ranking nacional de avaliação dos hospitais coloca o todos os utentes”, las- o Instituto Portu- Instituto Português de Oncologia de Coimbra como o timou. “Trata-se de um guês de Oncologia melhor do país nas patologias de ouvidos, garganta e medicamento que está de Coimbra faz um nariz, mas não aparece mencionado no que toca à onco- autorizado mas cuja le- esforço constante logia. “Quem fez este estudo não tem direito de falar da gislação precisa de ser para proporcionar saúde”, indigna-se Manuel Leitão Silva, uma vez que clarificada e aplicada o melhor serviço e em Coimbra é o CHUC que se destaca nesta especia- de igual forma em todo o máximo conforto lidade. “Como é possível essa classificação se somos o país”, acrescentou. aos seus doentes. nós que mandamos uma médica para fazer as poucas Perante o que foi dito, Foi a pensar nisso sessões de Decisão Terapêutica que lá se realizam?”, in- o Bastonário da Ordem que que criou, na dagou. dos Médicos alertou Unidade de Palia- que “não podemos es- tivos, “o Hotel de perar que a indústria farma- Doentes”. Trata-se de um es- presidente do Conselho de Ad- cêutica seja uma misericórdia paço com óptimas condições e ministração do IPOC. por isso têm que existir orga-

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nismos públicos que promo- humanos suficientes para as ne- vam os necessários estudos de cessidades atuais e a boa rela- farmacoeconomia de forma ção que se sente neste serviço é independente e transparente” contagiante. “Este é um serviço e que determinem os que são atípico, no bom sentido. Temos verdadeiramente inovadores e, muito trabalho mas com muito quando for esse o caso, devem bom ambiente e camaradagem ser aprovados e prescritos. Há entre todos os profissionais”, várias formas de limitar os cus- admitiu uma das internas do 3.º tos, como a partilha de risco e ano presente no encontro com a o pay back, não sendo legítimo Ordem dos Médicos. deixar morrer doentes sem po- O reverso da medalha está mes- derem usufruir da terapêutica mo nos programas informáti- inequivocamente inovadora. cos que os médicos necessitam Infelizmente, neste processo a de usar enquanto atendem um Ordem dos Médicos tem sido utente. “Numa consulta normal absurdamente ostracizada pelo temos quatro programas aber- Ministério. tos e não dispomos de nenhu- ma aplicação clínica”, referiu Radioterapia é a única no Gilberto Melo, reiterando uma país com internamento queixa que se tem ouvido em todas as zonas e instituições do Com uma média de 180 doen- país. tes por dia e com uma lista de espera “controlada”, o Serviço Centro de Saúde de Radioterapia do IPOC está a de Mortágua quer agir na Ana Paula Cordeiro e José Manuel Silva funcionar a um bom ritmo, ao comunidade contrário do que seria previsí- as suas mais-valias e os pontos vel. “Já ouvi a sentença de mor- No segundo dia de visita, a co- que procuram melhorar, paula- te deste serviço antes do meu mitiva da Ordem dos Médicos tinamente. Internato e ainda cá estamos”, não podia ter terminado de Revelando os dados de um in- afirmou o director do Serviço melhor forma a incursão pela quérito de satisfação realizado de Radioterapia, Gilberto Melo. região centro: a Unidade de de 23 a 27 de Setembro de 2013, Um serviço que está tão bem Cuidados de Saúde Persona- aos utentes maiores de 18 anos, que é o único do país com inter- lizados (UCSP) Juiz de Fora/ a coordenadora, Filipa Falcão namento. Centro de Saúde de Mortágua Bernardes, congratulou-se pelo Com nove especialistas e seis abriu portas ao bastonário e facto dos seus utentes se mos- internos, o director deste Ser- elementos da Secção Regional trarem 100% satisfeitos com o viço considera haver recursos do Centro da OM, mostrando serviço de enfermagem e com o tempo médio de atendimen- to pelos administrativos. Para além disso, “os nossos dados revelam que 92% dos utentes conseguem ser consultados no próprio dia pelo seu Médico de Família”. Os resultados são bons mas há muito trabalho para fazer: em Mortágua a po- pulação envelhecida precisa de um maior acompanhamento e por isso a coordenadora des- Visita ao Serviço de Radioterapia te CS quer ir mais além. “Esta

30 | Abril | 2014 Filipa Falcão Bernardes mostrou as instalações da Unidade de Cuidados de Saúde Primários Juiz de Fora, Centro de Saúde de Mortágua unidade ainda não está a agir mas todos fundamentais e em- unidade, e depois de uma visita na comunidade e por isso preci- penhados neste programa de pelas instalações, José Manuel samos de fazer mais, temos que mudança”. O presidente da SR- Silva enalteceu o esforço e em- ser nós a mudar mentalidades e COM recordou os colegas que penho de toda a equipa como atitudes com a ajuda das enti- encontrou por toda a região sendo de “louvar” por ser “algo dades que nos governam”. centro que, tal como os que in- que não se vê em todo o lado”. O apoio necessário foi garanti- tegram este centro de saúde, “O que falta é uma outra cul- do pelo presidente da Câmara “trabalham porque gostam dos tura das pessoas e a nível da Municipal de Mortágua, Paulo doentes, da sua profissão e de política de Saúde, porque o Oliveira, pelo director executi- servir a comunidade. Esta é a entendimento do que é o ver- vo do Agrupamento de Centros essência de ser médico e por dadeiro papel dos médicos já de Saúde do Baixo Mondego, isso penso que em conjunto existe e reflecte-se na postura e António Morais, e pela Ordem vamos conseguir dar esse salto trabalho, por exemplo, dos co- dos Médicos. “Percebi que há qualitativo”, concluiu. legas deste centro de saúde”, dificuldades mas depois desta frisou o presidente da Ordem reunião vão ter a vida facilita- “Temos Serviço Nacional dos Médicos, relembrando que da porque todos vão ajudar. Te- da Doença e não Serviço alguns Xeques Árabes só pa- mos de saber ser criativos e as Nacional de Saúde” gam aos seus médicos quando diversas entidades têm de saber estão com saúde e não enquan- colaborar umas com as outras”, Um dos aspectos que esta uni- to estão doentes, e que este é o afirmou o presidente da SR- dade pretende mudar prende- verdadeiro cerne da profissão COM. Carlos Cortes sublinhou -se com a crescente e habitual médica: preservar a saúde. “Te- ainda que teve a oportunidade procura de consultas de agu- mos que mudar os paradigmas de visitar muitos Centros de dos quando, na verdade, as da medicina”, e muito especifi- Saúde durante o processo de pessoas deviam cultivar uma camente dos cuidados de saúde candidatura à Secção Regional, ida regular ao Médico de Famí- primários, “fazendo uma medi- visitas nas quais, apercebendo- lia para prevenirem a doença. cina mais preventiva em que se -se que “todos têm as suas difi- “Mas para isso precisamos de evite que as pessoas adoeçam”. culdades”, houve uma unidade tempo e de mais recursos hu- Até que essa mudança seja que se destacou: “retive sempre manos para podermos atingir abrangente, “acabamos por ter este CS porque há aqui um pro- esse objectivo de forma eficien- um Serviço Nacional da Doença cesso de mudança importante, te”, lembrou Filipa Bernardes. e não um Serviço Nacional de com uma equipa de médicos Perante o que foi dito e apresen- Saúde”… novos, outros com mais idade, tado pela Coordenadora desta

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IOGP: falta investimento em recursos humanos e financiamento Numa visita a convite da administração da instituição, o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, e o presidente do Conselho Regional do Sul, Jaime Teixeira Mendes, estiveram no Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, onde foram recebidos pela presidente do conselho de ad- ministração e directora clínica, Luísa Coutinho Santos, pela administradora delegada, Marina Peres, pela enfermeira directora, Cristina Carvalho e por Hélder Almeida, administrador hospitalar do IOGP. O Instituto tem uma história que o dignifica, mas, mais do que isso, tem ainda um presente de importante e reconhecida actividade no âmbito da Oftalmologia, mesmo com constrangimentos provocados pelo seu subfinanciamento e pela artificial falta de profissionais o que condiciona a sua produtividade. Na reunião inicial foi feito um viria a tomar o nome do seu fun- geral de Oftalmologia, incluindo enquadramento histórico. Com dador, Gama Pinto. diferentes valências como retina, 125 anos de existência, o Institu- Após diversas intervenções para glaucoma, estrabismo, cirurgia to Gama Pinto é o único Instituto ampliação das instalações, as refractiva/superfície ocular ex- de Oftalmologia público existen- quais, no princípio do século XIX terna, genética ocular, diabetes te no país e a sua criação remon- se traduzem em “obras de raiz”, ocular e subvisão, entre outros. ta ao século XIX, nos reinados de a dado momento do seu percurso O quadro médico da instituição D. Luiz e D. Carlos I, mais pre- o instituto chega a ter 100 camas é composto por 37 profissionais, cisamente ao dia 8 de Agosto de de internamento, mas em 2009 já dos quais 33 são oftalmologistas, 1889, quando foi criado por de- só tinha 14 camas e, actualmen- 3 anestesiologistas e 1 especialis- creto o curso teórico e prático de te, promove apenas a cirurgia de ta em Medicina Interna, havendo patologia e clínica oftalmológica, ambulatório. actualmente 7 internos da espe- abrindo efectivamente as suas O Instituto dispõe de um vasto cialidade de oftalmologia (existe portas a 30 Março de 1891, tendo conjunto de gabinetes de con- idoneidade do instituto nas es- mudado para o Palacete de Pe- sulta, salas de exames e salas de pecialidades de Oftalmologia e namacor (actuais instalações) em tratamentos médicos e de en- Anestesiologia para estágio par- 1894. Só em 1929 é que o instituto fermagem, e dispõe da consulta celar de Oftalmologia).

32 | Abril | 2014 Luísa Coutinho dos Santos recebeu e acompanhou a delegação da OM

O IOGP tem também actividade no Hospital de Santa Maria, com balho na urgência equivalia a 7 formativa pré-graduada relativa a qual o IOGP tem “uma boa li- Oftalmologistas a 35h por conta à prática clínica tutoral do Mes- gação”, instituição onde também desse hospital e, em 2014, prevê- trado Integrado em Medicina os internos fazem 12h de urgên- -se que venha a corresponder a 5 da Faculdade de Medicina de cia semanais. Estas são tarefas oftalmologistas. Lisboa. A directora clínica refere ‘não visíveis’ dos médicos do Relativamente à formação, o que é preciso só mais um anes- IOGP pois, ao efectuarem as 12h instituto tem acordos, tanto no tesiologista, pois âmbito da forma- em meados de Marina Peres (Administração) Cristina Carvalho ção pré como pós- 2013 recebeu um -graduada, com novo elemento outras instituições após concurso. nacionais e estran- Nesta altura um geiras. novo concurso Com mais de 59 é difícil devido mil consultas por às verbas limi- ano, 50% das quais tadas. Outra sendo primeiras preocupação é, consultas, o IOGP naturalmente, o tem uma activida- envelhecimen- de que inclui, além to potencial da das consultas, exa- equipa se não se mes complementa- programar a en- res de diagnóstico, trada de médicos acompanhamento mais novos. “É e definição de pla- preciso renovar, pois só 9 colegas de urgência no Hospital de Santa nos terapêuticos e cirurgia. Esta estão neste momento com menos Maria, os colegas vêem esse tra- última valência, que se situa em de 50 anos”. balho reflectir-se apenas na pro- números acima das 4 mil inter- No IOGP não há serviço de ur- dução daquele hospital e não no venções por ano, tem estado gência, no entanto, os médicos instituto; não são números de ne- abaixo da capacidade instalada, deste instituto fazem urgências gligenciar, pois em 2013 esse tra- essencialmente por falta de anes-

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menta-se o excelente equipamento disponível e como “com quatro salas é uma pena só trabalharmos até às três e meia”. Para alargar o horário, facto que nos pareceu ser desejado pela equipa, faltam en- fermeiros e administrativos, para além de anestesiologistas. É dada uma ideia geral da produção do IOGP e sobre a possibilidade de aumentar os índices dessa produ- ção é referida a existência de mui- tos obstáculos. Jaime Teixeira Mendes, presiden- te do Conselho Regional do Sul, Ao adentrarmos o instituto, passámos pelo espaço musealizado do questionou como se processam no antigo balneário que possui interessantes elementos históricos instituto os cuidados pediátricos, tesiologistas, visto que o instituto mento mesmo de acordo com o nomeadamente qual o circuito, tem, actualmente, apenas três co- contrato que existe e se fossemos tendo sido explicado pela presi- legas com essa especialidade. De EPE, a nível de hospital central, dente do conselho de adminis- notar que o Gama Pinto recebe a receberíamos mais 1,4 milhões”. tração que há um dia reservado lista de espera do Hospital Fernan- Ao contrário do que nos tem sido para esse atendimento específico, do Fonseca. relatado na maior parte das ins- fazendo-se, portanto, a concen- Também ao nível do financiamen- tituições de saúde, o IOGP está a tração das crianças à sexta-feira, to houve cortes drásticos. “Se o cumprir a lei dos compromissos e que é permitido o acompanha- IOGP fosse financiado como um mas, em 2014, prevêm-se grandes mento dos pais mesmo na sala de hospital EPE, pela produção teria dificuldades: “quando chegarmos recobro. Dada a ideia que tem sido recebido em 2012 - 13,960 milhões ao final do ano, ou não teremos di- veiculada de agregação do IOGP a euros , em 2013 - 6,100 milhões de nheiro para pagar os consumíveis Santa Maria, foram-nos expressas euros e em 2014 seis milhões de ou os ordenados…”, situação que legítimas preocupações de que “se euros. Como é financiado como assinalamos como caricata pois a o processo de eventual reestrutu- SPA recebeu de subsídio de explo- instituição tem “três milhões ca- ração for feito sem o devido cuida- ração em 2012 - 6,722 milhões, em tivos” – resultado de poupanças do e planeamento, corre-se o risco 2013 - 4,8 milhões e em 2014 - 4,68 de anos anteriores – mas “não nos de desmantelar o instituto”. milhões”, explica Luísa Coutinho deixam mexer neles”. Segundo Luísa Coutinho Santos Santos. A instituição orgulha-se de uma se não se quer perder o conhe- A redução de verbas foi agravada gestão muito racional em que, por cimento e know-how instalado é a certa altura por um inevitável exemplo, “pequenas obras de con- essencial que se preserve uma aumento de despesas: quando em servação como pinturas, sempre gestão local, próxima e com co- 2012 se dá a transferência das com- foram feitas dentro do orçamento, nhecimento no terreno. A indefi- petências do Centro Oftalmológi- sem qualquer recurso a verbas ex- nição quanto ao futuro – “desde co de Lisboa (COL) para o Instituto tra. Vigiamos as nossas contas e se 2000 que paira sobre a instituição de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, o dinheiro chega fazemos as obras. a ideia de que se pretende encer- “a nossa despesa aumentou por- Mas agora, com cortes constantes, rar a mesma” – é um elemento de que transitaram quase todos os re- é impossível”. Relativamente à fu- desmotivação para os profissio- cursos humanos para o IOGP. (…) são com o COL houve várias coi- nais. Jaime Teixeira Mendes re- Em 2013 aumentámos a produção sas positivas, desde logo a vinda lembrou que no polémico plano mas, pela primeira vez o financia- dos recursos humanos, bem como arquitectónico para a Colina de mento não chegou para os gastos”. o facto de o IOGP ter aproveitado Santana se prevê que o IOGP se Além das regras de financiamento todo o equipamento. mantenha como centro de inves- poderem ser discutíveis e discuti- Enquanto somos levados numa vi- tigação e museu. das, “falta 2 milhões no financia- sita virtual ao bloco operatório, co- A visita efectiva às instalações co-

34 | Abril | 2014 “Em 2000 o terceiro andar foi todo remodelado. Gostamos de fazer coisas novas mas preservando a memória do passado…” meçou pela consulta geral. A de- são feitas em ambulatório, foi-nos Possui uma biblioteca de oftalmo- legação da OM seguiu o percurso explicado que o recobro, quando logia – com bibliotecário – aberta do doente, tendo sido explicado muito, funciona até às 20h e que ao público e com acesso via inter- que os doentes começam por ser em caso de alguma complica- net. O instituto tem certificação observados num pré-exame feito ção o doente é transferido para internacional para a realização de por ortoptistas. Foi-nos mostrado, Santa Maria. Actualmente só são ensaios clínicos e também da sua com o orgulho de quem, mesmo usadas duas salas para recobro. farmácia, que tem agora melhor numa situação de subfinancia- “A enfermaria foi diminuindo e segurança e circuitos bem defini- mento, produz obra, como tinha sendo ‘ocupada’ por gabinetes de dos. O arquivo, que em tempos sido tudo pintado e a adaptação consulta”, o que se explica pela foi apenas um armazém e onde que foi feita para se possibilitar o necessidade de espaço para o que antes se infiltrava a água da chu- acesso a doentes de mobilidade foi em 2013 uma média diária de va, foi todo remodelado com o reduzida, nomeadamente em ca- 244 consultas. A média diária em devido isolamento e reconverti- deira de rodas. 2013 foi de 19 cirurgias por dia. do num arquivo com muito boas Foi abordada a questão da proli- Da parte informática foram refe- condições. “Fomos aproveitando feração de técnicos na área da óp- ridas algumas queixas resultantes o pouco dinheiro que fomos con- tica e os riscos para a saúde ocular das dificuldades recorrentes pro- seguindo poupar em anos idos, caso esses técnicos ultrapassem as vocadas pelas falhas dos progra- para fazer melhoramentos”, subli- suas competências. José Manuel mas. nha Luísa Coutinho Santos e con- Silva relembrou que essa é uma O IOGP tem uma relevante im- clui: “Estamos cientes dos tempos dificuldade que se tem colocado plantação na comunidade envol- de mudança em que vivemos, com vários tipos de técnicos, ten- vente, cedendo os seus espaços estamos abertos a novas formas do citado, a título de exemplo, os – como o auditório – às escolas e de gestão embora mantendo a podologistas. “Há outros países fazendo rastreios visuais às crian- individualidade e independência europeus, como é o caso de Es- ças da . Outra parceria financeira da Instituição de modo panha e Bélgica, que reconhecem com a Junta de Freguesia é em a que esta não se extinga a médio esse tipo de profissionais como relação ao jardim do instituto, prazo. Mas seria bom preservar a ‘mais do que técnicos’. Mas a im- que se mantém público e aberto ‘marca’ IOGP por constituir uma portação dessa realidade para o à população, com a contrapar- mais valia reconhecida como uma nosso país não faz sentido porque tida de ser a Junta a assegurar a referência em Oftalmologia”. nós não temos verdadeira falta de manutenção desse lindo espaço especialistas”, sublinhou. arquitectónico, que até árvores de Relativamente às cirurgias, que fruto tem.

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Amadora-Sintra: Uma urgência saturada, complexa e desgastante para médicos e doentes No dia em que visitámos o Hospital Fernando Fonseca (também designado, Hospital Amadora- -Sintra), terça, 11 de Fevereiro de 2014, à nossa chegada, cerca das 14h30m, os visores indicavam 97 doentes inscritos, 11 a aguardar triagem e uma previsão de 2 horas de tempo de espera. Às 16h21m, quando voltámos a passar junto dos mesmos monitores, os números haviam evoluído para 105 inscritos, 16 doentes à espera de triagem e 55 minutos de tempo de espera previsto para a triagem. Comparativamente ao que sucedeu em alguns dias de Dezembro e Janeiro, tudo indica que terá havido de facto um número muito elevado de doentes, que ultrapassou as capacidades da unidade hospitalar e que originou os tais tempos de espera de 20h. Mais doentes e, é claro, menos médicos com equipas subdimensionadas, quer pela saída de profissionais para outras instituições ou para o estrangeiro, quer pelas dificuldades nas novas regras de contratação, numa urgência complexa e desgastante, saturada e saturante, como é a deste hospital.

Primeira urgência da área metro- tempos de espera que chegaram gas sobre qual a real situação que politana de Lisboa, em termos de às 12 horas, para os casos urgen- levou à demissão da direcção do afluência, o Hospital Professor tes e muito urgentes, e às 20 ho- Serviço de Urgência deste hos- Doutor Fernando Fonseca, EPE, ras, para casos menos graves. pital e quais as dificuldades que serve a população dos concelhos Considerando que as condições ainda se estão a sentir. de Sintra e Amadora totalizando de trabalho nesses serviços po- Na reunião com a administração cerca de 600 mil habitantes. Na deriam estar a colocar em risco foi feita uma análise da activi- sequência de vários incidentes, a qualidade mínima no atendi- dade do hospital onde foi fácil nomeadamente o facto de se te- mento e até a vida dos doentes, percebermos a evolução dos nú- rem registado neste Inverno pi- o Bastonário da Ordem dos Mé- meros: a urgência básica registou cos na afluência aos serviços de dicos, acompanhado pelo pre- 38.008 atendimentos em 2012 e urgência, que originaram maio- sidente do Conselho Regional 46.847 em 2013. Com a alteração res tempos de espera, o que, no do Sul, Jaime Teixeira Mendes, de horário do ACES de Sintra, caso do Hospital Fernando Fon- visitou esta unidade hospitalar que passou a fechar ao fim de se- seca, significou um dia com mais onde, além de uma reunião com mana, fruto dos cortes na Saúde, de 600 pessoas no atendimento a administração, visitou a urgên- a média de atendimentos ao do- urgente, o que se traduziu em cia, inteirando-se junto dos cole- mingo duplicou. Já a urgência pe-

36 | Abril | 2014 diátrica, desde 2009 que mantém Reunião com o CA o número anual de episódios de urgência acima de 60 mil. Quan- do se analisam em conjunto os números da urgência geral, pe- diátrica e obstétrica, na semana de 27 de Janeiro a 2 de Fevereiro deste ano registam-se mais de 5 mil episódios de urgência. Como nos foi explicado na reunião com a administração, “o Fernando da Fonseca é o hospital com maior número de verdes, porque exis- tem na nossa área de cobertura cerca de 130 mil utentes sem mé- áreas como a violência doméstica abandono na urgência seja bai- dico de família”, uma área de co- e a mutilação genital, com traba- xíssima, como salientou um dos bertura que é muito extensa em lhos que pretendem ter uma ac- membros do conselho de admi- termos geográficos. ção preventiva”. nistração, referindo como posi- Esta situação dificulta o trabalho Apesar dessa forte ligação en- tiva a confiança que a população do hospital mas, como explicou tre os dois níveis de cuidados, tem no hospital, mas acrescen- Luís Marques, presidente do não tem sido possível eliminar tando que existem diversos casos conselho de administração, não é os muitos casos, sem gravidade, sociais de internamento. por falta de ligações com a comu- que recorrem à urgência, como “A população procurará sempre nidade: “Há uma grande proxi- nos explicou o director clínico, as instituições onde será melhor midade do Hospital com o ACES Nuno Alves: “A afluência de atendida”, frisou o bastonário da Amadora, com reuniões men- doentes com menor grau de ur- da OM, José Manuel Silva, “os sais entre as duas entidades, em gência traduz, na verdade, con- cuidados continuados não es- que se definem, por exemplo, sultas não programadas porque tão a ter capacidade de resposta protocolos de referenciação; o são, muitas vezes, casos de doen- porque foram mal projectados hospital faz parte do conselho tes auto-referenciados que recor- e subdimensionados, mas a so- geral das escolas da Amadora, o rem à urgência para não ter que lução não pode ser o interna- que permite que possamos dar o faltar ao trabalho”. O que nos mento nos hospitais”, prosse- nosso contributo para a definição leva a uma conclusão evidente: guiu, lamentando que se esteja das políticas de saúde; Também os horários do SNS deveriam a desintegrar a rede de cuidados temos um trabalho profundo na adaptar-se a esta realidade. hospitalares, com o fecho inex- comunidade ao nível da Psiquia- Teresa Branco, assistente gradua- plicável de camas hospitalares, tria e outras especialidades tam- da em Medicina Interna, directo- que em Portugal já estão muito bém vão aos centros de saúde, ra do Serviço de Urgência desde abaixo da média da OCDE. Além como é o caso de Gastroentero- o início de Fevereiro de 2014, ex- disso, o facto de terem colocado logia e Cardiologia, onde fazem plica outros factores agravantes os cuidados continuados desen- consultoria”. Ortopedia foi uma dessa situação: “a população que quadrados da rede hospitalar, só especialidade que nos foi referi- servimos não confia muito e nem veio agravar o problema. Sobre do “estar em estudo” o aprofun- sequer vai aos Cuidados de Saú- o peso económico que as situa- dar da ligação da especialidade de Primários; mais de 40% dos ções de internamento social têm, com os centros de saúde e a Pe- doentes com HIV são imigrantes. foi evidenciada a necessidade de diatria mereceu um lamentável Temos uma população com tra- rever a legislação para garantir destaque: “há evidências da exis- balho muito precário e desenrai- que, se o doente fica internado tência de casos de mutilação ge- zados, que vêm ao hospital a pé, no hospital, então a sua reforma nital em algumas comunidades porque não têm dinheiro para os não deverá ser recebida pela fa- residentes na região; os colegas transportes”… mília que não pode cuidar dele, participam nas mais diversas Estas serão igualmente razões mas sim pelo hospital que o está iniciativas da sociedade civil, em que fazem com que a taxa de a acolher.

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José Manuel Silva, Fernanda Louro e Teresa Branco, Jaime Mendes justifica a sua existência através e Francisca Veiga Frade do reforço da burocracia”. Peran- te a afirmação da administração de que até para adquirir um sim- ples equipamento é necessária “imensa papelada”, José Manuel Silva afirmou que não defende nem o visto nem a auditoria pré- vias: “as pessoas têm que ser res- ponsabilizadas e caso, à posterio- ri, se verifique o incumprimento, deverá haver consequências sé- rias para o mesmo”. Especificamente sobre as dificul- dades ocorridas no serviço de O hospital tem 208 internos da diferenciados para médicos e urgência em Dezembro, o direc- formação específica e 45 do ano enfermeiros, mas não deixaram tor clínico, Nuno Alves, explicou comum, tendo sido explicado de ser assinalados os constran- que o número médio de atendi- pelo presidente do conselho de gimentos induzidos pela falta de mentos situa-se, normalmente, administração que existem espe- largura de banda. “A única coisa entre as 4 e as 5 centenas, mas, cialidades em que é impossível que nos pode/deve condicionar nos dias que deram origem aos abrir mais vagas para internato. é o doente, não o sistema infor- relatos de tempos de espera su- “Os internos fazem neste hos- mático”, frisou Luís Marques, periores a 20 horas, a afluência pital um currículo que não con- explicando que “o sistema clíni- aumentou para cerca de 600 epi- seguem em mais lado nenhum: co é muito bom e sustenta a in- sódios de urgência diários, o que temos diversidade de patologias, vestigação clínica que o hospital levou a esse acréscimo nos tem- como existe em poucas institui- produz” mas que é esse também pos de espera. “Só entre as 12h e ções”, esclareceu Teresa Branco. o princípio subjacente à mudan- as 16h, num desses dias, foram O Hospital assegura o funciona- ça de processo administrativo admitidos na urgência 200 doen- mento de três urgências médico- de registo que se está a preparar tes”. “Não é aceitável baixar a ní- -cirúrgicas (obstétrica-ginecoló- pois pretende-se “um sistema de veis mínimos as equipas. Os ser- gica, geral e pediátrica) e ainda registo orientado para os doen- viços de urgência têm que estar de uma urgência básica que fun- tes”. O presidente do conselho dimensionados para os picos e é, ciona em Algueirão-Mem Mar- de administração defendeu que obviamente, necessário o reforço tins. Segundo foi explicado nes- a unidade hospitalar que gere é das equipas no Inverno”, afir- ta reunião, o Hospital Fernando sustentável, havendo apenas um mou José Manuel Silva, lembran- Fonseca faz muitos ensaios clíni- ano menos positivo a assinalar, o do que “as médias escondem os cos e é o segundo maior centro ano de 2013, e que tal facto coin- picos” e que o planeamento es- de colheita de córneas na região cidiu com a passagem a EPE. So- tratégico tem que ter em conta de Lisboa e Vale do Tejo; é igual- bre a lei dos compromissos, Luís essas realidades sazonais. O pre- mente a 2ª maior urgência obs- Marques assumiu que, dadas as sidente do conselho de adminis- tétrica/ginecológica, a 2ª maior necessidades assistenciais, não tração garantiu que é isso que se urgência pediátrica da ARSLVT, foi possível cumpri-la no ano an- pretende. “Nunca tivemos recur- a 2ª maior área de referenciação terior. José Manuel Silva realçou sos humanos em excesso. Tínha- primária; em termos de urgência que há um excesso de burocracia mos equipas geridas no limite, geral, é a maior da região de Lis- e que os hospitais não têm ver- quer quanto aos médicos, quer boa e Vale do Tejo. dadeira autonomia, sublinhando aos enfermeiros, por isso, quan- Relativamente à informática, o que o facto de que chamar EPE - do saem alguns elementos…”, sistema foi elogiado, pois exis- Entidade Pública Empresarial – é elucida o presidente do Conselho te um sistema próprio, com um eufemismo. “Precisamos de de Administração. Nesses dias um processo clínico electróni- autonomia de decisão”, referiu, de maior afluência, resultado de co implementado com acessos lembrando que “um burocrata só maior incidência das patologias

38 | Abril | 2014 típicas deste período, agravada Nuno Alves pelo facto de haver uma popula- ção mais envelhecida, havia ape- nas 18 médicos escalados, o que era reconhecidamente insuficien- te para a anormal afluência de doentes às urgências. “Perdemos colegas para instituições priva- das e também para o estrangeiro e sentimos dificuldades no recru- tamento para reforço da equi- pa. Neste momento existem 22 elementos mas desejamos uma equipa fixa na urgência com 26 Luís Marques (CA) elementos e já temos a devida Francisco Rocha Pires autorização para a contratação de quatro internistas”, referiu o director clínico, acrescentando que 20 médicos chegariam para um atendimento adequado e de profissionais, ao referir que com qualidade aos 400 utentes “num ano e meio perdemos 11 que, normalmente, acorrem à anestesistas”, tendo 2012 sido o urgência do Hospital Fernando pior ano em termos de saída de Fonseca mas que é precisamente profissionais. Fernanda Louro, para precaver as situações de pi- directora do Serviço de Medicina cos de afluência que pretendem I e adjunta da direcção clínica, re- ter uma equipa com 26 elemen- fere, com orgulho, que também tos. Outra explicação que nos foi há casos de colegas que saíram referida para a situação anómala mas que agora querem voltar e que se verificou em Dezembro exemplifica com o caso de dois do doente, tendo sido explicado foi o facto de estarmos em perío- especialistas em Medicina Inter- que, por falta de espaço, só exis- do de “feriados e pontes”, o que na. No mesmo sentido, Francisco tem dois computadores/postos fez com que, estando os cuidados Rocha Pires, também adjunto da para triagem, área por onde ini- de saúde primários fechados, as direcção clínica, refere a situação ciámos o percurso. pessoas tivessem ido à urgência de um médico interno que – sen- O Hospital Fernando Fonseca hospitalar. “Até 2012 os núme- do o melhor classificado – saiu dispõe de assistente social e gabi- ros da urgência tinham baixado, para um hospital privado mas já nete de apoio ao utente. Existem mas, pelo menos no que se refere voltou para o Amadora-Sintra, o 23 boxes para observação mas a à urgência básica, em 2013 houve que reflecte algumas das vanta- área de observação dos doentes um aumento de 8 mil episódios”, gens já anteriormente referidas, estende-se pelo corredor, com acrescentou. Luís Marques ex- como seja o facto de existir nes- macas a ocupá-lo em toda a sua plicou que foram criadas comis- te hospital uma diversidade de extensão. “Várias especialidades sões de inquérito internas para patologias que não é comum nas vêm a esta área e temos psiquia- avaliação e análise das situações outras instituições. tria em permanência, mas num que não correram bem, mas que gabinete à parte”. foram já desenvolvidos mecanis- O Serviço de Urgência Geral mos para evitar que se repitam, Os corredores da urgência desenvolve a sua actividade as- independentemente do que vier sistencial nas vertentes de inter- a resultar desses inquéritos, e As médicas Fernanda Louro e namento (possuindo uma Uni- explicou que entrou de imediato Teresa Branco acompanharam a dade de Internamento de Curta em contacto com a IGAS. Refor- visita à urgência, onde percor- Duração com 29 camas), exames, çou igualmente a ideia da perda remos, sensivelmente, o circuito pequena cirurgia, reanimação,

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No corredor contámos mais de 12 macas numa fila, situação recorrente nesta urgência

triagem e área de balcões (a qual drena o suficiente, quer por camas. “Talvez seja pouco para tem a actividade repartida pelas causa dos casos sociais quer das este hospital e quando se esgota especialidades de Medicina Ge- patologias crónicas. A média de a capacidade recorremos ao SO5 ral, Ortopedia, Cirurgia Geral, tempo de internamento nesta e SO6”. A única coisa que permi- Oftalmologia e ORL). zona são 2 dias e meio”, refere te fazer face ao excesso de solici- De referir que nos balcões fal- Teresa Branco. tações é o empenho das equipas, tam especialistas em Medici- Como nos foi explicado, o servi- explicam-nos. Passamos pela na Interna e Medicina Geral ço de urgência está dependente reanimação, que tem uma média e Familiar, sendo contratados das vagas das enfermarias e um diária de 14 doentes, e pela uni- prestadores se serviço para as- aumento da demora média dos dade de internamento de curta segurar os balcões. Seguimos serviços de Medicina reflecte-se duração, em que os doentes são para o S.O. onde existem quatro de maneira negativa na Unida- vistos pela equipa fixa que está salas, novamente com recurso de de Internamento de Curta na urgência. Quando passamos ao aproveitamento do corre- Duração. Traduz-se assim o de- por uma sala de internamento dor: “Aqui cabem 55 doentes, sequilíbrio entre a capacidade onde estão seis pessoas à espe- contando com o corredor”, de resposta das enfermarias e a ra para cirurgia, é-nos explica- refere-nos a médica internis- pressão do Serviço de Urgência, do que no Amadora-Sintra não ta Francisca Veiga Frade, com o que resulta em longos tempos há neurocirurgia e, consequen- uma naturalidade que não dei- de permanência no SU, períodos temente, não recebem grande xa margem para dúvidas que o durante os quais alguns doen- traumatologia. Visitámos a UCIP corredor é sempre uma exten- tes ficam internados em macas, - Unidade de Cuidados Intensi- são do S.O. e que a ocupação por tempo superior ao que é de- vos Polivalente, que se integra que verificámos é, mais do que sejável. Quando é ultrapassada no departamento de Anestesia comum, uma constante. Verifi- a capacidade de internamento, e Reanimação, unidade que pos- camos, ainda assim, que todos é inevitável o internamento de sui 10 camas, das quais: duas os doentes estão devidamente doentes em macas nos corredo- são de isolamento, duas de monitorizados, mesmo os do res da urgência. pneumologia, duas de infecto- corredor. “O internamento não Em Medicina Interna existem 12 -contagiosas e 2 de pediatria.

40 | Abril | 2014 Em busca de soluções

Perante a falta de camas, especialmente durante os picos de afluência de Inver- no, a administração do Hospital Fernan- do Fonseca, mesmo antes das conclu- sões dos inquéritos às situações concre- tas, tomou algumas medidas: - Abertura de uma ala com 32 doentes, com equipa médica dedicada, para res- posta exclusiva a doentes provenientes Jaime Mendes e José Manuel Silva do Serviço de Urgência e que se destina Existe uma grande prevalência O que acaba por ser de- a substituir o internamento na área am- de tuberculose multirresistente sesperante perante a bulatória (SO5 e SO6). na população que recorre a este falta de médicos é que - Já foram contratados médicos, enfer- hospital. Enquadrada na UCIP existem colegas que fo- meiros e auxiliares (embora a visita da há também uma Unidade de ram para outros hospi- Ordem dos Médicos tenha determina- Alta Dependência com 4 camas, tais, querem regressar do, como se pode ler nesta reportagem, que é especialmente dedicada “e não temos como os que todos – profissionais e administra- aos doentes vítimas de AVC. contratar”. “Mesmo al- ção – reconhecem que ainda há falta de “Temos aqui um bom ambiente guns colegas do quadro contratação de especialistas). entre colegas”, referem-nos. do hospital estariam dis- - Reforçaram o número de camas de Me- As equipas são as mesmas há postos a fazer mais horas dicina Interna em outros serviços e de- muitos anos, o que, por um extraordinárias mas não senvolveram regras para, neste período, lado, facilita o trabalho, mas, são aceites/aprovadas. haver um internamento electivo, dentro por outro, significa que muitos Não há falta de médi- de critérios clínicos, nas especialidades dos profissionais têm mais de 50 cos… nem de soluções”, médicas. anos de idade. Fernanda Louro desabafam os colegas. - Para garantir que as camas hospitala- explica-nos que dos 27 especia- Na verdade, parece ha- res seriam ocupadas apenas por situa- listas em Medicina Interna, um ver apenas falta a vonta- ções agudas, foram contratualizadas 20 terço tem mais de 50 anos mas de e autorização superior camas no exterior, para onde se encami- “aqui ninguém pediu isenção de para implementar as di- nharam casos de doentes que estavam horário nocturno”, permitindo, versas soluções possíveis internados, mas com alta clínica, e que assim, continuar a assegurar a e conhecidas para a reso- permaneciam nos serviços de interna- prestação de cuidados. Uma ou- lução da falta de recursos mento apenas por razões de natureza tra preocupação que nos foi ma- humanos numa urgência social. nifestada pelos colegas foi o re- que é, mesmo sem esses - Foram ainda implementadas medidas curso a prestadores de serviços problemas, muito des- para reduzir a demora média, tais como e a médicos contratados através gastante. É um claro sinal a referenciação precoce para a Rede de de empresas e a potencial falta de insensibilidade da tu- Cuidados Continuados e a agilização do de qualidade que daí pode ad- tela relativamente ao dra- agendamento dos MCDTs. vir. “Até às 15h a equipa fixa do ma da urgência do HFF, O Hospital tem actualmente uma capa- S.O. é composta por internistas que tem óbvias respon- cidade de internamento de 772 camas, que gostam da urgência. Após sabilidades no conges- com reforço, nesta altura, de camas de essa hora, vêm os internistas dos tionamento vivido nesta medicina interna, uma das medidas re- serviços” ou os contratados mas urgência. feridas. quanto a estes: “só com currí- culos e, mesmo assim, alguns já sabemos que não queremos”…

Abril | 2014 | 41 aactualidade

Contratualização em serviços de Saúde A Ordem dos Médicos promoveu no passado dia 9 de Abril um debate sobre a Contratualiza- ção em serviços de Saúde. Nele participaram: Ricardo Batista Leite (Deputado da Assembleia da República - PSD), Bernardo Vilas Boas (Representante da USF-AN), Jorge Roque da Cunha (Secretário Geral do SIM), Alexandre Lourenço (Representante da ACSS) e Pedro L Ferreira (Fac Economia UC/ Econ da Saúde). Das conclusões do debate infere-se que todos os in- tervenientes concordam com a necessidade de fazer da contratualização um processo com credibilidade, que incorpore uma negociação séria e que tenha em conta a realidade local na escolha dos indicadores aplicáveis, sem esquecer a necessidade de obter ganhos em saúde, sem negligenciar a relação médico/doente nem promover a medicina defensiva, ou, como alguns a apelidaram, uma ‘medicina de indicadores’...

num período que este orador Alexandre Lourenço, Pedro Lopes Ferreira e Diamantino Cabanas definiu como sendo “tempos re- formistas em que se apostava na refundação democrática da ad- ministração pública”. Implemen- tava-se então uma contratualiza- ção baseada em princípios, em que “objectivos, modelo de ava- liação do desempenho e metodo- logia de avaliação final eram as- pectos a definir por negociação”, explicou. Tudo isto verificava-se num contexto em que se preten- Pedro Lopes Ferreira, professor deste processo. “Em 1996 foram dia reforçar a ideia de uma pres- da Faculdade de Economia e in- criadas as agências de contratua- tação de saúde orientada para as vestigador do Centro de Estudos lização, primeiro em Lisboa. (…) necessidades. “Enquadrava-se a e Investigação em Saúde, am- Em 1998 foi criado o sistema de contratualização numa governa- bos da Universidade de Coim- informação para a contratualiza- ção ética do sistema de saúde”. bra, falou sobre os aspectos da ção, um sistema desenhado con- Mas aquilo que foi criado num génese da contratualização que juntamente pelos responsáveis contexto e com contornos pro- considera ainda hoje como váli- dos serviços, das agências e das missores, segundo Pedro Lopes dos, apresentando um resenha ARS. No ano seguinte, cria-se o Ferreira, começa a ser destruído histórica do desenvolvimento conselho nacional das agências”, em 2000 quando, no que se pode

42 | Abril | 2014 Pressupostos da contratualiza- mação e aprendiza- negociação entre duas partes gem”, tendo concluí- com os mesmos direitos e que se ção: “determinação das necessi- do a sua intervenção deve traduzir num consenso”. dades em saúde da população parafraseando Salt- Relembrou igualmente que as abrangida; desenvolvimento de man ao reafirmar que USF têm autonomia funcional e os cidadãos são accio- que devem ter responsabilidade uma estratégia regional de saú- nistas do SNS, ou seja, compatível com essa autono- de enquadrada na estratégia são eles que pagam. mia, com recursos humanos e “É preciso zelar pelos instalações/equipamentos que nacional; planeamento estraté- seus interesses”. lhes permitam cumprir a sua gico dos recursos humanos; di- Bernardo Villas Boas prestação junto da população. vulgação pública da produção da USF-AN referiu- Bernardo Villas Boas referiu a -se na sua intervenção evolução das USF entre 2009 e e dos resultados e ganhos em especificamente à con- 2013 explicando como houve saúde obtidos pelos cidadãos tratualização enquan- uma evolução na “orientação por to um dos eixos da objectivos dos planos de acção e que recorrem a esses cuidados; reforma dos cuidados por processos com impacto em negociação transparente” de saúde primários, o resultados de saúde”. Nestes 4 qual é necessário me- anos em análise a contratualiza- chamar de tempos negros para lhorar: com uma “con- ção tem sido muito centrada nos a contratualização, “dá-se a dis- tratualização focada no cidadão, indicadores e tem-se traduzido solução das agências de contra- em ganhos de saúde e constituir numa “imposição de metas cada tualização (…)” as quais viriam um compromisso social”, orien- vez mais elevadas aumentando a “renascer” em 2001 mas trans- tada pelo Plano nacional de Saú- o risco de induzir uma prática formando-se em departamentos de e ao nível local pelos planos centrada em indicadores e não de contratualização sem auto- locais e nas USF pelos planos na pessoa”. O orador explicou nomia, restando do modelo an- de acção, explicou, acrescentan- os efeitos potencialmente perni- terior apenas a contratualização do que além dos indicadores, a ciosos de metas excessivamente externa. “Só com o aparecimento contratualização deve incluir to- elevadas e os condicionamentos das USFs é que em 2006 renasce dos os compromissos entre USF, que podem originar reforçando a contratualização nos cuidados ACES e administração, nomea- a existência do risco de os pro- primários”, frisou explicando em damente o que se refere aos re- fissionais de focalizarem excessi- seguida os pressupostos da con- cursos humanos, equipamentos vamente nas metas. “O processo tratualização: “determinação das e instalações. “É fundamental de contratualização necessita necessidades em saúde da popu- que os departamentos de con- de evolução e aperfeiçoamento, lação abrangida; desenvolvimen- tratualização e as ARS percebam como processo de negociação to de uma estratégia regional de que a contratualização é uma transparente e como processo saúde enquadrada na estratégia Bernardo Vilas Boas nacional; planeamento estratégi- A contratualização tem co dos recursos humanos; divul- sido muito centrada nos gação pública da produção e dos indicadores e tem-se resultados e ganhos em saúde obtidos pelos cidadãos que recor- traduzido numa “impo- rem a esses cuidados; negocia- sição de metas cada vez ção transparente”. Pedro Lopes Ferreira defendeu a necessidade mais elevadas aumen- de “discutir e repensar publica- tando o risco de induzir mente toda a estrutura de admi- uma prática centrada em nistração da saúde” e relembrou que “a implementação com êxito indicadores e não da contratualização depende em na pessoa” particular dos sistemas de infor-

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Roque da Cunha pacho” que viria definir o pedo sistemas de informação, etc.) ex- dos indicadores nacionais, por plicou e que, quando o consenso exemplo, e mantém-se os atra- não for possível, deverão mesmo sos na informação disponibili- assim ficar bem espelhadas as zada às equipas e dificuldades posições das equipas. de compreensão, dando como Alexandre Lourenço, do Conse- exemplo os intervalos de metas lho Directivo da ACSS começou que alguns estão a interpretar por relembrar a importância da como obrigatórios e que estão, separação formal das funções de consequentemente, a ser impos- prestador e pagador e que, neste tos às equipas. A agravar esta sentido, o processo de contratua- situação, de um modo geral, os lização teve alguns avanços. Um intervalos de metas definidos processo que já é longo e que tem implicam taxas de esforço dema- evoluído em termos técnicos. siado elevadas. Também se man- Subjacente à contratualização há tém os constrangimentos e erros uma lógica de responsabilização nos sistemas de informação. Ber- dos actores da prestação de cui- nardo Villas Boas recordou que dados. Lógica que já se denotava o aumento das metas também também em 2006 com a criação irá implicar o aumento dos cus- das USF, equipas com as quais se “Há indicadores e exigências tos o que entra em contradição pretende precisamente descen- com as propostas de baixar por tralizar e responsabilizar. “Des- completamente absurdas” e utilizador 5% em MCDT e me- de essa altura, houve uma gran- a ARS não pode “fazer tábua dicamentos. “A contratualização de evolução, nomeadamente em deve ser um dos instrumentos relação aos indicadores e à forma rasa” do que está definido com para a afirmação das boas práti- como são medidos”. Alexandre o Ministério quanto aos con- cas e de melhoria contínua. Deve Lourenço também destacou a sensos necessários para a con- ser mais inteligente, simples, portaria que criou as comissões mais realista, mais transparente de acompanhamento. “entre os tratualização. e seguindo uma lógica de win to desejos normativos e a realidade, win” e relembrou que o racional às vezes passa algum tempo mas orientado para servir as pessoas das metas deve definir-se por em breve teremos as comissões a e para gerar ganhos em saúde”. “um padrão de desempenho de- funcionar e com representantes No ano de 2014 “com o alarga- sejável e aceitável de qualidade, das duas partes”. Especificamen- mento dos números de indicado- baseado na melhor evidência te sobre as metas explicou que, res e alteração da portaria havia científica e definido interpares”. “naturalmente, e com a devida expectativas positivas quanto à O orador definiu como funda- justificação, as metas poderão evolução do processo de contra- mental a contribuição da OM e não ser cumpridas. (…) Não acre- tualização”. Mas não houve uma do seu Colégio da Especialidade dito que o processo seja perfeito total correspondência com as em Medicina Geral e Familiar. mas acredito que todos devemos expectativas. Ainda assim Ber- Um ACES sem autonomia dimi- trabalhar para o melhorar”. O nardo Villas Boas salientou uma nui a qualidade porque há uma representante da ACSS realçou a melhoria negocial no que diz res- desresponsabilização. “Defende- importância de existirem grupos peito à portaria (entre sindicatos mos como essencial que as actas de consenso que pré-determinem e ACSS), a criação da comissões e as cartas de compromisso tra- as metas e relembrou o mérito de acompanhamento externo duzam consensos, em resultado deste sistema: “além de medir o por região para dirimir conflitos dos processos negociais” conten- esforço, premeia-se quem ultra- entre ACES e USFs e sublinhou o do, entre outros factores, os com- passa a meta definida”. Quanto facto de pela primeira vez existir promissos da administração na aos indicadores, desde 2006 que contratualização externa ACES- criação de condições de trabalho se defendia o seu alargamento, -ARS. “Verifica-se que até hoje para a equipa (recursos huma- mas sendo possível que apenas ainda não foi publicado o des- nos, instalações, equipamentos, alguns sejam alvo de contratua-

44 | Abril | 2014 lização e não necessariamente a desenvolvidos: melhorar a saúde Ricardo Baptista Leite sua totalidade. Reconhecendo o dos nossos doentes” e “originar mérito destes encontros promo- alguma contenção na despesa”. vidos pela Ordem dos Médicos, Também Roque da Cunha termi- Alexandre Lourenço sublinhou nou com palavras de apreço e in- que é “essencial discutir esta centivo ao Bastonário da Ordem matéria da contratualização bem dos Médicos por promover o de- como o modelo de governação bate de assuntos complexos mas em saúde em Portugal”. fundamentais para a qualidade Roque da Cunha, do SIM - Sin- da medicina praticada no nosso dicato Independente dos Mé- país. dicos, começou por frisar que Ricardo Baptista Leite, médico e “contratualizar não é nem impor deputado da AR pelo PSD, foi o nem todos os anos aumentar as último orador neste debate tendo metas que foram cumpridas ou começado por criticar o facto de ultrapassadas”. Com a negocia- a contratualização ter “elevada ção da Portaria 377-A/2013 ter- ênfase nos objectivos de gestão -se-á alcançado esse desiderato em vez de se focar em objectivos mas Roque da Cunha considera sanitários”. “Não me interes- que foi tardio - “a portaria só foi sa que aumentem o número de publicada em Dezembro, já mui- consultas se o doente continuar “Não me interessa que aumen- to em cima dos prazos” - mas a sofrer”, frisou, alertando para tem o número de consultas se o realçou o mérito das soluções a necessidade de “evitar o risco doente continuar a sofrer” encontradas: “pela primeira vez de indução artificial da procura”. a Administração Pública aceitou Outro problema potencial que Numa mudança de filosofia que uma forma de dirimir conflitos um sistema de contratualização considera essencial, o deputado de igual para igual”. Quanto aos imperfeito pode gerar é, em sua questionou se não é óbvio que indicadores e às falhas que lhes opinião, “a possibilidade de se devemos incluir na análise dos são inerentes, Roque da Cunha escolherem apenas doentes de ganhos em saúde factores eco- exemplificou com um ACES que, baixo risco e, portanto, de baixo nómicos e sociais como “quan- perante o indicador que limita- custo”, com um “aumento da tos dias teve o doente que faltar va o número de medicamentos prática defensiva”, o que pode ao trabalho?”, por exemplo. “Se a prescrever aos utentes idosos, resultar, entre outras questões, queremos que os cuidados de recusou-se a prosseguir com a da “colocação de profissionais saúde primários sejam a entrada contratualização. “Há indicado- menos qualificados onde deve- no sistema de saúde então que se res e exigências completamen- riam estar especialistas devida- faça a gestão a partir daí”. Segun- te absurdas” e a ARS não pode mente qualificados”. Numa lei- do este orador, os hospitais não “fazer tábua rasa” do que está tura objectiva destes processos, devem discutir preços de medi- definido com o Ministério quan- Ricardo Baptista Leite recordou camentos. “Esse tipo de gestão to aos consensos necessários que já se assiste a este fenómeno deve estar fora do âmbito da ad- para a contratualização. Classi- ao existirem urgências que estão ministração hospitalar”. Sobre ficando a contratualização como a ser asseguradas por internos. indicadores, a opinião de Ricar- “objectivamente, uma evolução Numa fase em que “há enormes do Baptista Leite vai de encontro positiva”, Roque da Cunha dei- constrangimentos”, “cortes su- ao que já havia sido afirmado pe- xou transparecer na sua inter- cessivos” e “metas ambiciosas”, los anteriores intervenientes: “É venção alguma apreensão, mas Ricardo Baptista Leite sublinhou preciso parar, olhar para a região também a esperança de que “se a necessidade de fazer ajusta- e, naturalmente no contexto da consiga identificar os problemas mentos e os desafios que enfren- estratégia nacional, ver que indi- e ultrapassá-los sem se estar a tam os responsáveis pela gestão. cadores fará sentido aplicar ali e, aumentar as burocracias” e que “O discurso em torno dos gan- depois, negociá-los”. “Através do “os indicadores sejam usados hos em saúde tem que ser real” diálogo é que podemos encon- para a finalidade com que foram e não apenas letra-morta, frisou. trar soluções para que no final

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Ana Ferrão Lucília Martinho “Se os gestores fossem tão compe- tentes na sua área como os médicos são bons médicos, estaríamos melhor”

feitas fora do racional de metas para a reunião de contratualização e o viu recusado liminarmente à margem das normas. Ana Ferrão referiu como em dois anos conse- tégico entre os prestadores e a ad- cutivos pediu uma auditoria da ministração”, acrescentando que avaliação da sua USF mas nem como existem regras, o facto de sequer obteve resposta. Estas si- não estarem a ser cumpridas per- tuações acrescidas a indicadores mite-nos protestar. Sobre a aplica- impossíveis de cumprir é fonte de ção às UCSPs das regras das USFs, grande desmotivação dos profis- Alexandre Lourenço defendeu ser sionais. Lucília Martinho, médica uma forma de “as preparar para igualmente pertencente a uma a passagem a USFs, fazendo-as USF, exemplificou com a exigên- evoluir para um modelo de auto- cia da medição do índice de massa nomia”. “Se os gestores fossem tão corporal em doentes hipertensos, competentes na sua área como os questionando como pode cumprir médicos são bons médicos, esta- esse indicador, por exemplo, com ríamos melhor”, afirmou. os doentes que segue no domicilio José Robalo José Robalo, director da Adminis- e que estão acamados… do dia possamos conseguir que tração Regional de Saúde do Alen- José Manuel Silva, presidente da os nossos doentes fiquem menos tejo defendeu que “planeamento Ordem dos Médicos, interveio doentes”, concluiu. e contratualização devem estar questionando qual a razão de se Já na fase de debate, o médico numa entidade responsável pela ter burocratizado excessivamente António Alvim defendeu a neces- prestação” e não nos ACES ou nos um processo em que, aparente- sidade de melhorar e racionalizar hospitais. Francisco Pedro For- mente, todas as partes estão de alguns aspectos da contratualiza- te, assistente graduado de clinica acordo, reiterando as diferenças ção, nomeadamente no que se re- geral, por seu lado, alertou que a entre a teoria e o que de facto se fere à avaliação das USF mediante contratualização está a “esquecer está a passar no terreno e subli- o cumprimento do plano de acção. a importância da relação médico/ nhou que “existem vantagens na Alexandre Lourenço (da ACSS) doente!” e apelou a um processo contratualização especialmente se defendeu que a contratualização que deixe as pessoas mais felizes e promover ganhos em saúde”. “Se tornou o processo mais “transpa- os profissionais menos frustrados. estamos todos de acordo quanto rente” e aceitou que se pode dis- Ana Ferrão, coordenadora de uma ao caminho a seguir, porque razão cutir as fórmulas de cálculo dos USF, referiu a sua experiência pes- se continua a desacreditar a con- indicadores mas que se existe uma soal e o sentimento de frustração tratualização como se o processo análise quantitativa, terá que ser que um grupo de profissionais estivesse em piloto automático?”. cumprida e terá que existir rigor, dedicados experiencia ao prepa- José Manuel Silva, que concorda definindo a contratualização como rar um dossier completo em que com a medição de indicadores uma “forma de alinhamento estra- se fundamenta todas as propostas mas não com a imposição de “in-

46 | Abril | 2014 Unidades de saúde, indicadores e metas

(passamos a transcrever o contributo para o debate da Direcção do Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar que não pôde estar presente) O progressivo desenvolvimento e implementação de indicadores e metas para as unidades de saú- de atingiu um volume, complexidade e variedade tais, que ao invés de se tornarem um instrumen- to claro, útil e facilitador do trabalho médico, seu desígnio, acabaram por ser fonte de confusão, crí- tica e sobretudo de stress profissional induzindo aquilo que se vem chamando de “medicina cen- trada em indicadores”, relegando progressivamente a relação e o contacto amigável e compreen- sivo com os pacientes para segundo plano (a essência da prática da Medicina Geral e Familiar). De facto, a excessiva preocupação com o cumprimento e registo de indicadores bem como com o atingi- mento de metas irrealistas, descentraram o foco de atenção médica do paciente para valores paramétricos de duvidosa utilidade. Sem pôr em causa o valor e necessidade de indicadores para mais fielmente ser possível medir a quan- tidade e qualidade do desempenho dos profissionais, julgamos imprescindível que seja tido em conta a realidade de cada unidade de saúde bem como sejam devidamente estudados, negociados e estipulados de acordo com os profissionais e segundo a evidência da sua real utilidade em termos de ganhos em saúde. As metas, por seu lado, sendo estabelecidas com base num histórico e segundo o peregrino princípio de “me- lhoria contínua” elencam valores baseados em projeções estatísticas com tendência para um “100%” utópico e gerador de stress. Ao invés, julgamos que as metas deveriam ser estipuladas tendo sempre como base um indiscutível e assinalável padrão aceitável de qualidade, em determinadas áreas fulcrais que, uma vez alcan- çadas, deveriam, além do alvo de esforço da sua manutenção, dar lugar a criação de novas metas para outras áreas, fomentando assim uma maior abrangência da grande diversidade dos problemas de saúde, acaute- lados ainda o esforço permanente, desgastante e utópico da “melhoria permanente” das mesmas metas. Assim, a contratualização resultante do estabelecimento de indicadores e metas realistas, feito de acor- do com as realidades locais das unidades de saúde e envolvendo no seu processo de estabelecimen- to os profissionais, seria um instrumento de afirmação de boas práticas e não um inventário devalo- res desfasados da realidade e de controversa utilidade imposto de forma autoritária e algo intimidató- ria, baseado em modelos burocrático-administrativos e de cientificidade duvidosa, com a agravan- te de ser apoiado em sistemas de informação frágeis e altamente perturbadores da prática clínica. Em conclusão, o Colégio da Especialidade de Medicina Geral e Familiar não se revê neste modelo de con- tratualização e avaliação das unidades de saúde, reclamando uma reforma racional, realista, e justa que, democraticamente envolvendo os seus profissionais, preserve acima de tudo, a excelência da qualidade dos atos médicos, sabendo recompensar efetiva e devidamente os profissionais e as unidades cumpridoras. dicadores irracionais”, defendeu José Manuel Silva e José Martins Coelho, Inspector Geral das Actividades em Saúde ainda o desenvolvimento de “uma (IGAS) contratualização justa, que não transforme os cuidados de saúde primários numa medicina de indi- cadores; (…) Um processo que es- timule os profissionais, com metas razoáveis e que produza efectivos ganhos em saúde”… A moderação deste debate ficou a cargo de Diamantino Cabanas, editor do Medi.com. Foi convida- do um representante da FNAM, que, infelizmente, não pôde estar presente.

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Reunião Geral de Colégios Com o Ministério da Saúde a pressionar para a abertura de mais vagas de formação para aco- modar o número crescente de internos, a Reunião Geral de Colégios teve como tema principal e incontornável a formação pós-graduada e as respectivas dificuldades actuais mas também as que se adivinham: no próximo ano para um número aproximado de 2000 candidatos haverá cerca 1500 vagas para internato da especialidade. A primeira Reunião Geral de Colégios de 2014 teve lugar no passado dia 17 de Março em Coimbra.

Enquanto o Ministério da Saúde cos para o sector privado e da alguns Colégios, nomeadamente insiste na falta de especialistas emigração” e recordou aos cole- por Anestesiologia, que se impo- - embora não responda à OM gas que “a preocupação da OM nha aos jovens especialistas que quando questionado sobre quais deve ser proporcionar o número fiquem no SNS durante o tempo as especialidades em falta e onde de especialista necessário à po- correspondente à formação. “Os - a Ordem dos Médicos conside- pulação portuguesa e não formar primeiros 10 especialistas forma- ra que o problema é a má distri- especialistas a mais para expor- dos este ano na ARS-LVT foram buição dos mesmos e a falta de tação”, nomeadamente porque todos para o privado”… contratação. Foi essa a opinião essa formação tem custos ele- Outra preocupação relacionada expressada por vários represen- vados: formar um médico custa com a formação são as fusões e tantes dos Colégios que defende- cerca de 400 a 500 mil euros. Mas, o facto de reduzirem espaço de ram a criação de medidas de dis- ao contrário do Ministério, a Or- formação. Palma dos Reis, do Co- criminação positiva para fixação dem dos Médicos promoveu um légio de Urologia explicou que de médicos de forma a diminuir estudo demográfico científico e apesar de não ser possível obrigar as disparidades entre o litoral e o fidedigno na sequência do qual ninguém a ser formador, também interior (a direcção da OM tem-se solicitou às 17 especialidades que não se pode aceitar um vazio for- pronunciado no mesmo sentido foram consideradas mais caren- mativo mas lembrou que há um por diversas vezes, com suges- ciadas que “façam um esforço limite e que esse limite é a quali- tões concretas para resolução da para dimensionar o seu número dade da formação: “vamos tentar falta localizada de algumas espe- de vagas às necessidades da po- aumentar as capacidades forma- cialidades). pulação”. Foi precisamente essa tivas mas temos que manter a Na fase inicial da reunião, José a ideia igualmente expressa por qualidade”. De uma forma geral, Manuel Silva, bastonário da OM Miguel Guimarães ao afirmar que os representantes dos Colégios explicou precisamente que não “a OM tem a responsabilidade de concordam com a necessidade de há falta de especialistas mas “há oferecer especialistas à popula- haver incentivos curriculares e dificuldades de acessibilidade, ção portuguesa”. Dados os cus- financeiros para os orientadores. que resultam da saída de médi- tos inerentes, foi defendido por Miguel Guimarães reforçou a

48 | Abril | 2014 necessidade de a OM ter um re- por alguns Colégios. um bom trabalho ao nível da for- latório de todas as especialidades O CNMI defendeu a melhoria mação pós-graduada. que permita não só saber exacta- dos processos de atribuição de Reconhecido por todos, o valor mente quantos especialistas são idoneidades e capacidades for- do trabalho desenvolvido pelos necessários em cada área como mativas e reforçou a necessidade Colégios da Especialidade é fun- um enquadramento de forma- de ser feita uma revisão ao regu- damental nestas matérias e José ção com qualidade, em que se lamento da atribuição de idonei- Manuel Silva deixou uma nota definam fundamentadamente as dades. Uma das questões impor- solicitando ainda mais a sua pro- capacidades formativas reais que tante é que estes processos das actividade. existem. visitas de idoneidade sejam mais A inevitabilidade da recertifi- A possibilidade de haver uma ex- transparente, sublinhou Roberto cação e o facto de ir diminuir as ploração futura dos colegas que Pinto do CNMI. capacidades formativas, as ten- não consigam vaga para a espe- Em conclusão: há falta de forma- tativas de task shifting com clara cialidade, foi outra preocupação dores e de incentivos quer cur- perda de qualidade, e a valiação manifestada pelos representantes riculares quer financeiros para de desempenho para especialis- dos Colégios pois a falta de capa- os orientadores; é necessária a tas (SIADAP) foram outros dos cidades formativas e de possibi- definição clara e quantitativa da assuntos abordados. Relativa- lidade técnica (falta de tempos necessidade de médicos em cada mente a esta última questão, foi operatórios, faltas de materiais especialidade para desenhar um explicado aos colegas que esse é ou de case load, etc.) para mais "mapa de necessidade de especia- um processo em que a OM não vagas para uma boa formação, listas" a nível nacional; na defini- foi ouvida e que os sindicatos é contratos que não contemplam ção dos critérios de idoneidade e que assumiram esse processo. tempo para orientação de inter- na respectiva atribuição tem que nos e até a própria telemedicina continuar a existir – e preferen- A reunião foi presidida por José (em áreas como a Radiologia, cialmente serem reforçados – cri- Manuel Silva, bastonário da OM, como exemplificou Amélia Este- térios técnicos objectivos e trans- Miguel Guimarães, presidente do vão) têm afectado a formação e parentes. Igualmente inegável é o CRN, Jaime Mendes, presidente indiciam que, se não forem toma- facto referido por Carlos Cortes: do CRS e Carlos Diogo Cortes, das medidas, vamos ter médicos “a qualidade da formação médica presidente do CRC. Presentes es- indiferenciados para os quais se- é elevada, os nossos médicos são tiveram várias dezenas de repre- rão necessárias soluções. A pos- bons profissionais”, e cujo valor é sentantes dos Colégios da Espe- sibilidade da formação no sector reconhecido internacionalmente, cialidade e também do Conselho privado é uma solução alvitrada o que demonstra que temos feito Nacional do Médico Interno.

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aAntiga sacristia, capela do HSJ

Colina de Santana: à descoberta do património O Núcleo de História da Medicina da OM, em colaboração com a Secção de História da Medicina da Sociedade de Geografia de Lisboa, e com a gentil colaboração de Célia Pilão, administradora hospitalar ligada à área do património cultural e de Victor Freire, historiador, fundador e ex-director do Museu Miguel Bombarda, organizou várias visitas aos hospitais da Colina de Santana. De São José aos Capuchos, de Santa Marta ao Miguel Bombarda, mais de 150 pessoas passearam pela Colina de Santana, à descoberta do seu património hospitalar, histórico e cultural.

Célia Pilão Portuguesa - Dr. Sá Penella, que, segundo nos foi referido, inclui a maior colecção de modelos de cera em Portugal e que está aberta ao público às quartas-feiras à tarde. A visita termina no Hospital de Santa Marta onde nos passeamos pelos espaços do claustro, capela e Sala do Capítulo do antigo Con- Foram realizadas três visitas aos São José. Parámos no espaço que vento de S. Marta. Hospitais Civis de Lisboa, incluin- é o actual Salão Nobre que possui Ao Hospital Miguel Bombarda fo- do São José, Capuchos e Santa decoração azulejar alusiva a várias ram organizadas duas visitas mag- Marta, nos dias 5 e 12 de Abril, as disciplinas leccionadas pelos je- nificamente conduzidas por Victor quais foram magistralmente con- suítas, aos planetas e continentes, Freire, tendo a primeira delas tido duzidas por Célia Pilão, adminis- no que se conhece como a aula da lugar no passado dia 12 de Abril. tradora hospitalar ligada à área do esfera. Seguimos pela Capela do Esta visita iniciou-se com um bre- património cultural que nos con- Hospital (antiga sacristia da Igre- ve enquadramento histórico e uma duziu em São José pelo Colégio je- ja do Colégio) classificada como passagem pelo gabinete de Miguel suíta de S. Antão-o-Novo/Aula da monumento nacional, tribuna do Bombarda, onde Victor Freire Esfera. Célia Pilão explicou aos vi- altar-mor da Igreja de S. Inácio descreveu as circunstâncias que sitantes o enquadramento históri- de Loyola. Seguimos para o Hos- envolveram a sua morte. O salão co que leva os doentes do Hospital pital de Santo António dos Ca- nobre, a igreja, a antiga farmácia, Real de Todos os Santos, destruí- puchos onde visitámos a igreja, o as enfermarias, a cozinha, a casa do com o terramoto de 1755, para claustro, apreciámos o relógio de mortuária e o balneário foram al- o Colégio de Santo Antão-o-Novo, Sol e a boca de cisterna do antigo guns dos pontos visitados, tendo, colégio da Companhia de Jesus, Convento dos Capuchos e pude- todos eles, e graças às vividas des- espaço que foi sendo adaptado e mos ainda apreciar a colecção do crições de Victor Freire, contribuí- a que hoje chamamos Hospital de antigo Museu da Dermatologia do para a percepção por parte dos

50 | Abril | 2014 Aula da Esfera, HSJ

O balneário, inaugurado pela rainha D. Maria II em 1853, ainda conserva o equipamento ori- ginal que era usado em banhos específicos que se aplicavam no âmbito da psiquiatria, HMB

Museu Sá Penella, Capuchos

Victor Freire

visitantes de como estavam peran- te um testemunho único da histó- ria da psiquiatria e da assistência aos doentes mentais, área em que, aliás, Portugal sempre foi pionei- ro. A visita inclui uma passagem pelo edifício das Enfermarias, o primeiro do mundo em poste te- lefónico do arquitecto José Maria Claustro do Hospital de Sta Marta Nepomuceno, autor também do Pavilhão de Segurança. A cozinha do complexo do Hospital Miguel Bombarda surpreende-nos com os seus pormenores de arquitectura e engenharia: no tecto vemos um sistema de 33 amarrações e 33 es- ticadores de ferro, ajustáveis, que convergem num fecho octagonal, e que assim garantem sustentabili- dade e segurança. Já quase no final Um dos cinco grupos que acompanharam estas visitas da visita, a inevitável passagem

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las diferentes salas aparteoutsider.org). do Museu Miguel De destacar que nas várias dezenas Bombarda, onde de visitantes que acompanharam está exposta uma estas visitas incluíram-se médicos, pequena parte do arquitectos, biólogos, historiado- acervo museológi- res, arqueólogos, moradores da co deste hospital. Colina de Santana, enfermeiros, Desse acervo des- investigadores da Universidade tacamos o equipa- de Barcelona e membros das mais mento clínico, mo- diversas instituições. biliário, fotografias Recebemos, de dois médicos, a e manuscritos data- propósito das visitas organiza- dos do século XIX, das pelo Núcleo de História da escritos, desenhos Medicina da Ordem dos Médicos e pinturas de doen- em colaboração com a Secção de pelo Pavilhão de Segurança, edi- tes de todas as décadas do século História da Medicina da SGL, fício vanguardista da autoria do XX, plantas arquitectónicas, etc. dois artigos. Um da autoria de M. arquitecto José Maria Nepomuce- O Pavilhão de Segurança, Museu M. Camilo Sequeira que foi publi- no, cuja construção data de 1896 e do Hospital Miguel Bombarda, cado no Jornal Público e do qual do qual nos foi feita uma descrição dedicado à arte de doentes (arte reproduzimos aqui um resumo e histórica e uma análise pormenori- outsider, naive e convencional) e outro da autoria de Maria Cândi- zada dos elementos mais inovado- às neurociências abriu ao público da Maia, o qual se encontra repro- res, para a época, dessa construção em 2004. Para mais informações duzido nesta revista, na secção de em que “a função determina a for- pode ser consultado o site da opinião. ma”. Seguiu-se uma passagem pe- Associação Arteoutsider (www. “Viajar em casa, por M. M. Camilo Sequeira Quando falamos de viajar habitualmente imaginamos distância. Considerando que é a distância que nos mos- trará realidades formativas e informativas que o perto não tem para nos revelar. É um preconceito que, dema- siadas vezes, nos impede de perceber o encanto do muito que temos junto a nós. Lisboa é uma cidade linda. E viajar nela é um prazer. (…) Numa das suas 7 colinas, chamada de Santana, foram construídos ao longo da história vários edifícios re- ligiosos que, após terminarem esta função, vieram a ser as estruturas assistenciais e de investigação que até há pouco se designavam como Hospitais Civis de Lisboa. Estes Hospitais são hoje museus vivos. Porque souberam preservar a memória do que foram mantendo e pro- tegendo os símbolos que os criaram. A tradição portuguesa de azulejaria tem neles um enorme conjunto de painéis de invulgar qualidade, de épo- cas diferentes, habitualmente em bom estado de conservação. (…) E as igrejas, todas diferentes na invocação e na grandeza, também recor- dam a vida de outro tempo, fazendo-nos reflectir sobre a dimensão do religio- so no seu componente místico, introspectivo e meditativo, mas também sobre esse mesmo religioso como forma de procurar saber científico. (…) E quantos terão visto, dentro ou fora do país, uma sacristia maior que muitas igrejas com arcazes de pau ébano, ferragens revestidas a ouro e um chão de mármore colorido e embutido tipo italianizante? (…) Viajar também é pensar sobre o que temos para ver, construído, escrito, pintado, e sobre como estas memórias persistem, como somos por elas re- presentados, como, enfim, a vida que tantos sentem como hostil e difícil, de facto, tem imensas evidências de beleza, de vontade de partilha com o outro, de dizer “sou isto para que tu saibas construir o teu caminho com os mesmos valores: partilha que é solidariedade e beleza que é encantamento”. Digam lá se viver este património não é uma fantástica maneira de viajar? E com um custo benefício muitíssimo favorável o que não é questão menor nos nosso dias.”

52 | Abril | 2014 Património em risco efectivo

Na visita aos Hospitais de São José, Capuchos e Santa Marta, instituições de saúde em funcionamento, encontrámos algumas situações de tratamento negligente do património, mas foi no Hospital Miguel Bombarda que verificámos, com maior incidência em algumas enfermarias, a maior degradação do pa- trimónio edificado. Janelas abertas por onde entra a água, paredes e tectos semi-destruídos, vestígios de vandalismo, espaços fechados durante longos períodos sem qualquer manutenção, deixaram os visitan- tes muito apreensivos. As imagens mostram esses pormenores de destruição, contrastantes com a bele- za inerente ao balneário ou ao edifício de vanguarda que é o Pavilhão de Segurança, onde está instalado o Museu Miguel Bombarda e onde podemos apreciar exemplos de trabalhos artísticos dos doentes, que constituem parte de um acervo de relevância artística e documental mas que representam também o inegável valor terapêutico e de combate dos estigmas associados à doença mental. Ironicamente, numa das salas degradadas, encontraríamos, abandonada, uma placa de mármore alusiva a uma homenagem a José Pena P. Silva, director geral dos edifícios e monumentos nacionais...

Nota: nas visitas ao antigo Hospital Miguel Bombarda, o NHMOM contou ainda com a inestimável colaboração do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição - IELT da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL. Na segunda visita, os espaços aos quais nos foi permitido o acesso foram limitados pela Estamo ao que é considerado o circuito museológico, isto é: panótico, balneários e gabinete de Miguel Bombarda. Apesar de lamentarmos estas restrições, é devido um agradecimento à Estamo pela autorização para a realização destas visitas. O Museu está aberto ao público às quartas-feiras (11h30m - 13h) e aos sábados (14h - 18h). As outras zonas só podem visitar-se com autorização prévia.

Abril | 2014 | 53 eentrevista Maria João Guia Investigadora da Universidade de Coimbra

Médicos têm papel fundamental no apoio às vítimas A propósito das Jornadas de Criminologia no Instituto Superior Bissaya Barreto, que decorreram nos dias 10 e 11 de Dezembro de 2013, a ROM entrevistou Maria João Guia, investigadora da Universidade de Coimbra e da CINETS (rede Internacional de Estudos), com a qual conversou sobre o papel essencial que a comunidade médica pode desempenhar na problemática do apoio às vítimas de criminalidade, quer na prestação de cuidados médicos, quer criando pontes com organizações que virão a fornecer o suporte legal e social à vítima, quer na participação em de- bates e na investigação académica.

Revista da Ordem dos Médicos - Maria João Guia - Convidei para te. Devo dizer que estas jornadas As Jornadas de Criminologia no estas jornadas investigadores, tiveram origem num estudo eu- Instituto Superior Bissaya Barre- académicos, profissionais e alu- ropeu cofinanciado pela Comis- to reuniram diversos especialis- nos de várias áreas e origens, são Europeia e que ainda está tas. Qual a relevância dessa he- precisamente para que o diálogo em curso, de que fui relatora por terogeneidade de participantes? pudesse ser mais rico e abrangen- Portugal, sobre a implementação

54 | Abril | 2014 Investigadora associada do IGC (Centro de Direitos Hu- cumentos, nas várias línguas, so- bre o tema em estudo resultante manos) - Faculdade de Direito, UC, doutoranda em “Di- da Diretiva estudada. reito, Justiça e Cidadania no Século XXI”, Universidade de Coimbra (tese: “Imigração e Criminalidade Violenta ROM - Em que áreas específicas em Portugal”); autora dos livros “Imigração e Criminali- podem os médicos ter interven- dade: Caleidoscópio de Imigrantes Reclusos” (Almedina, ção neste contexto? 2008) e "Imigração e Criminalidade Violenta: Mosaico MJG - Para além daquela que já da Reclusão em Portugal" (INCM e SEF, 2010). Tem-se mencionei e que muita informação dedicado a atividades de investigação académica e cri- trouxe ao nosso debate, no âmbito minal, orientando e co-orientando teses de mestrado e à das perícias médico-legais e dos procedimentos tomados quanto às organização e dinamização de eventos e painéis nacionais crianças e ao papel dos médicos no e internacionais sobre imigração e crime, direitos dos INML, os médicos têm um papel imigrantes, tráfico de seres humanos, crimigração, dina- extremamente importante nesta mizando um grupo internacional de peritos - CINETS área. Poderei dizer-lhe que há uns (www.crimmigrationcontrol.com). anos foi feito um estudo na Suíça sobre os casamentos forçados e da Diretiva 2012/29/EU do Parla- soluções que ali foram sendo en- foi através de entrevistas a profes- mento Europeu e do Conselho, contradas, para que, através do sores e médicos de família que se de 25 de outubro de 2012, relativa debate conjunto, se pudessem en- conseguiram encontrar padrões aos direitos, ao apoio e à proteção contrar mais e melhores soluções. e problemáticas de determinados das vítimas da criminalidade. No É que o debate suscitado entre grupos específicos de nacionalida- decurso da investigação que este- os peritos que já pensaram nes- des em que os casamentos força- ve a meu cargo, entre uma revisão tas questões, os profissionais que dos estavam a processar-se. Se me da legislação e das práticas imple- trabalham diariamente com estas perguntar o que se conhece sobre mentadas em Portugal neste cam- áreas, o meio académico e o públi- esta realidade em Portugal, pouco po, organizei um focus group (que co em geral, traz no final um con- lhe poderá ser dito, a não ser num é basicamente uma técnica de re- tributo informativo tão mais rico ou noutro caso de grupos especí- colha de informação semelhante a quanto o resultado que obtivemos: ficos de população (e mesmo aí, uma entrevista de grupo) em que um debate acurado, abrangente, com pouca informação sobre o as- participaram 11 especialistas e re- diversificado, que permitiu que sunto). presentantes institucionais de vá- todos pudessem refletir e colocar Os médicos, porque têm uma rios organismos (SEF, PSP, GNR, as suas questões e reflexões sobre grande proximidade com os pa- CPVC, INML, CIG, APAV, ONG este tema das vítimas. cientes, podem ter um papel es- Saúde em Português e Associação Este projeto europeu de que falei sencial no sentido de informar e para o Planeamento e Família, um visou apurar em todos os Estados- de sensibilizar as vítimas de cri- juiz desembargador e um advo- -membros da UE o apoio que está minalidade, quer dos seus direi- gado), para além de um médico previsto e que é efetivamente apli- tos, quer fazendo a ponte entre a do INML, que contribuíram de cado para com as vítimas, estando vítima e o órgão de polícia crimi- uma forma extraordinária e ino- neste momento os coordenadores nal e/ou a ONG. Não podemos vadora para este relatório. do projeto a fazer um macro-rela- esquecer que, muitas vezes, por tório comparativo com os dados ser a primeira pessoa que atende ROM – Como é que se deu a que cada relator nacional elaborou e trata a vítima, o médico cria um transição do focus group para a para poderem, depois, sugerir pro- laço de afeição involuntário com construção do relatório? postas para melhorar as leis e prá- ela e podem ser as palavras que MJG - No decurso desta técnica ticas nos vários Estados-membros. o mesmo lhe dirige que a podem de recolha de informação, foram Esse relatório comparativo vai ser encaminhar para quem possa efe- tantos e tão importantes os tópicos traduzido em todas as línguas dos tivamente proporcionar-lhe um debatidos que achei que seria um Estados-membros e brevemente apoio institucional. As vítimas desperdício não partilhar com a será lançada uma plataforma na desconhecem com frequência que comunidade todas as angústias e Internet que reunirá todos os do- estão a ser vítimas de algo até al-

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guém, externo ao seu meio, lhes indicar que haverá alternativas à vida que estão a viver naquelas circunstâncias. Um médico, pelas suas funções e prática, facilmente se apercebe quando uma marca no corpo de uma pessoa foi por mero acidente ou é um sinal de agressão; quando uma mulher tem um pro- blema esporádico de saúde do foro ginecológico ou se o que apresen- ta são sinais que intuam práticas de prostituição (que podem ser forçadas), só para dar um ou dois exemplos. É por isso fundamental sensibilizar a comunidade médica para o papel essencial que pode de- sempenhar nesta problemática do apoio às vítimas de criminalidade.

ROM - Para além do cuidado médico, que tipo de apoio pode ou deve um médico oferecer às vítimas? tras instâncias da sociedade, para O médico tem aqui um MJG - Conforme referi, os médi- que a mesma possa ser mais efeti- papel fundamental e pen- cos têm um ascendente imediato va. Reitero que os médicos têm um so que, se puder fornecer sobre as vítimas, precisamente papel fundamental nesta temática pistas à vítima para que a da proteção e apoio às vítimas. por serem quem lhes proporciona mesma se sinta mais segu- conforto e alívio físico e psicoló- ra, souber onde se dirigir e gico numa primeira abordagem. ROM - A crise económica au- Podem, por isso, aproveitar esse mentou o impacto em termos de como atuar naquele preci- clima de confiança para sensibili- vulnerabilidade nos imigrantes. so momento, poderá fazer zar as potenciais vítimas para os Será esta uma área que necessi- toda a diferença. seus direitos, para lhes comunicar ta de uma particular atenção no a existência de instâncias estatais sentido da deteção de eventuais da de novos fluxos migratórios, que estão ao seu dispor para as casos de risco? até então pouco comuns em Por- ajudarem na receção de uma quei- MJG - Este é um facto muito real. tugal, mas que implicam desco- xa, denúncia ou para que as mes- A crise tem atingido todas as ca- nhecimento da língua (sendo cer- mas possam participar ativamen- madas da sociedade, mas aquelas to que o ACIDI disponibiliza uma te no processo. Podem também cuja vulnerabilidade é maior têm linha telefónica diariamente, pelo contribuir em debates sobre temas sofrido bastante mais. Os imigran- preço de uma chamada local, em como este, trazendo reflexões ad- tes, pela sua condição de mobili- que qualquer médico ou qualquer vindas da sua prática diária e das dade e de risco, estão mais expos- pessoa pode solicitar um intérpre- informações e preocupações, ge- tos a situações de vulnerabilidade te de uma língua ou dialeto). Nes- rais, claro, que as vítimas lhes re- e sujeitam-se mais facilmente a tas circunstâncias, o médico pode portam para que o sistema possa situações de exploração direta ou servir-se das valências existentes ser melhorado. Podem colaborar camuflada. A crise tem vindo a para melhor poder servir a po- direta ou indiretamente com os ór- sentir-se a vários níveis, quer com tencial vítima, mas também para gãos de polícia criminal, respeitan- exigências de cuidados médicos a poder informar da existência de do o segredo médico, sem dúvida, que deixam de ser tidos, quer com serviços de apoio a que poderá mas colocando-se numa posição a renovação de títulos que deixa recorrer, podendo inclusivamente de maior comunicação com as ou- de ser feito, quer ainda com a vin- ser veículo de entrega de informa-

56 | Abril | 2014 O ACIDI disponibiliza uma de testemunhas é vasta e muito tentes: a criminal e a investigação linha telefónica diariamen- pioneira, mas não é totalmente académica. Na primeira, porque te, pelo preço de uma cha- aplicada, não existe uma defini- estão instituídas legalmente for- mada local, em que qual- ção e um estatuto próprio para a mas de atuar que passam primei- quer médico ou qualquer vítima no nosso Código. No que ro pela observação e elaboração concerne ao reconhecimento da de relatórios a partir de perícias pessoa pode solicitar um qualidade de vítima para rece- médico legais, mas também pelo intérprete de uma língua ou ber cuidados médicos gratuitos atendimento comum do médico dialeto. e imediatos, apenas as vítimas que pode despoletar um apoio ção, caso se possa protocolar (por- de violência doméstica veem o mais efetivo à vítima, criando que não?) com organismos que já seu problema ser resolvido de pontes com os OPC e as ONG, têm preparado material para dis- imediato, sendo-lhes atribuído que virão depois a fornecer o su- tribuição à população vulnerável. logo um documento pelo OPC porte legal e social à vítima, assim para poderem beneficiar desse que a mesma possa e queira cola- ROM - Pode fazer-nos um breve apoio médico, ao passo que, por borar para fins judiciais. Mas o resumo das principais conclu- exemplo, uma vítima de tráfico médico pode também participar sões das Jornadas de Crimino- de pessoas que tenha sido espan- no debate e na investigação aca- logia no Instituto Superior Bis- cada não tem ainda as mesmas démica, pois, pela sua formação saya Barreto? prerrogativas e tem que pagar e pela sua prática diária, contacta MJG - As principais conclusões pela assistência médica urgente com realidades que apenas da- destas jornadas vão ao encontro (ainda que, posteriormente, pos- qui a uns anos virão a ser conhe- do relatório que entreguei há sa vir a beneficiar de um apoio cidas, quando um investigador umas semanas aos coordenado- estatal que a Comissão de Prote- se lembrar de entrevistar os mé- res do projeto europeu a que já ção às Vítimas de crime lhe possa dicos e assim venha a descobrir fiz alusão: "A proteção dos direi- atribuir, após uma série de pas- uma ou outra forma de atuação tos das vítimas na UE; a teoria e sos, entre os quais a observação e criminosa ou de vitimização. Se a prática da diversidade de tra- a sujeição a uma perícia médico- as parcerias forem estabelecidas tamento durante os julgamentos -legal). Foi referida ainda a neces- de antemão, de forma proactiva, criminais", Projeto financiado sidade de reforço de laços entre as certamente que o diálogo se esta- pela Comissão Europeia ao Cen- redes institucionais de profissio- belecerá já, e o momento de atuar tre for European Constitutional nais, que ultimamente se reconhe- nestes casos de apoio às vítimas Law- Themistokles e a Funda- ce que funcionam porque os seus é sempre o aqui e o agora; en- ção Dimitris Tsatsos, em parce- membros acabam por se conhecer contrar-se-ão formas de atuação ria com o Institute for Advanced e recorrer aos contactos uns dos mais profícuas e maximizadoras Legal Studies of the University of outros, frequentemente pessoais, que possam permitir à vítima London. para ultrapassar dificuldades. fazer-se valer das prerrogativas Estas conclusões poderiam resu- Haveria muitas outras conclu- que a lei lhe concede, por meio mir-se a alguns eixos principais: sões e reflexões que foram trans- de uma linguagem não jurídica, as leis portuguesas são pionei- mitidas nestas jornadas, as quais que entretanto a vítima acaba ras, quer em medidas adotadas iremos trazer a público com a por apreender melhor, uma vez (como as memórias futuras), publicação do livro de atas que que aquela se revela frequente- quer na implementação precoce sairá no fim de 2014 e que se pre- mente uma linguagem hermética de diretivas (ainda que com al- tende difundir pelo público em e incompreensível para os autóc- gumas lacunas), mas falhamos geral. tones e, em dupla forma, para os na sua implementação prática. residentes não nacionais. Ou seja, não há uma consciência ROM - Tem desenvolvido ativi- Obviamente que, com esta re- cívica e global sobre os direitos dades de investigação académi- flexão, não se pretende imputar das vítimas, mesmo e sobretudo ca e criminal, essa é uma área ao médico o papel de ter que a partir das próprias; os espaços em que a medicina é um parcei- informar, extravasando as suas dos tribunais não estão prepa- ro importante? competências. Nada disso. Mas o rados para separar as vítimas MJG – Sim, a medicina é um par- médico tem aqui um papel fun- dos agressores; a lei de proteção ceiro essencial em ambas as ver- damental e penso que, se puder

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Nos tempos de crise e mu- continuar a ser uma ponte entre forma de espelho e, quando um dança em que atualmente a vítima e a justiça, contribuindo determinado assunto é muito de- vivemos (…) precisamos de assim, ainda melhor, para uma batido nos meios de comunicação ser criativos e inventivos. As sociedade mais justa e solidária. social, costuma sentir-se um efeito de replicação, havendo mais de- potencialidades do ser hu- ROM - Concorda que o atual im- núncias a ocorrer se determinado mano são imensas e podem pacto mediático da criminologia fenómeno for mais debatido, o que ser muito bem exploradas está diretamente relacionado com leva por vezes a que determinadas ao serviço da sociedade, dos filmes e séries em que é desven- soluções surjam e que sirvam de outros e do melhor acompa- dado um pouco do procedimento avanço no tecido social dos mais nhamento das vítimas e dos tecnológico e médico inerente a vulneráveis. Não posso deixar de mais vulneráveis. uma investigação criminal? salientar o papel relevante que MJG - Penso que a globalização um determinado videoclip teve fornecer pistas à vítima para que permitiu que muitos assuntos pu- há uns anos ("Runaway train") em a mesma se sinta mais segura, dessem ser debatidos de forma que a banda rock Soul Asylum pas- souber onde se dirigir e como mais aberta e mais próxima da sou um vídeo com fotografias de atuar naquele preciso momento, comunidade, sobretudo através crianças desaparecidas, algumas poderá fazer toda a diferença. da televisão. Não tenho qualquer das quais regressaram ou vieram A Diretiva em estudo prevê que dúvida de que essas séries têm a ser detetadas e encontradas por- a formação dos profissionais que ajudado a que muitas pessoas que muitas pessoas viram o vídeo lidam com as vítimas seja uma compreendam melhor determina- e se devotaram a fazê-las voltar às das grandes apostas, fornecen- dos fenómenos criminais e a difi- famílias de origem. Nos tempos do-lhes as ferramentas para que culdade e morosidade com que de crise e mudança em que atual- os mesmos possam dar as indica- se leva a cabo uma investigação mente vivemos, numa "sociedade ções mínimas e atuar. Estou dis- criminal, compreendendo depois líquida", para citar Bauman, pre- ponível para organizar, partilhar, melhor o peso atribuído à máqui- cisamos de ser criativos e inven- sugerir e lecionar breves cursos na da justiça. Também penso que tivos. As potencialidades do ser formativos e informativos sobre estes programas podem ter um humano são imensas e podem ser esta temática, fazendo uma revi- cariz educativo se forem bem es- muito bem exploradas ao serviço são da legislação existente e das colhidos, visto haver outros que da sociedade, dos outros e do me- formas de atuação rápida sobre a quase podem revelar-se uma esco- lhor acompanhamento das víti- temática do apoio às vítimas para la do crime. Os fenómenos crimi- mas e dos mais vulneráveis. que a comunidade médica possa nais funcionam muitas vezes em

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Carlos Diogo Cortes

Presidente do Conselho Regional do Centro da OM A incongruência dos deputados

A altura dos festejos da Páscoa dades entre os deputados, as Esperava-se por um sinal de serviu para ocultar mais uma empresas a que estão ligados e mudança e de solidariedade decisão desastrosa, inábil e imo- o Estado continuará a ser a pro- para com as dificuldades que o ral tomada no recato da Assem- miscuidade que todos reconhe- país e os portugueses atraves- bleia da República. cem e que todos denunciam. sam. Os deputados do Parlamento recusaram para si, em votação As explicações para mais um A partir deste momento, o Par- própria, o regime de exclusivi- adiamento na moralização da lamento perdeu o crédito moral dade e de incompatibilidades política são surpreendentes: para impor a outros regras que que tinha sido colocado à dis- inoportunidade de agenda, por recusou para si. cussão. estarmos em véspera do proces- Em vez de termos um sistema Aquilo que deveria ter sido so eleitoral para a escolha dos político transparente, escrutá- uma oportunidade de moraliza- Eurodeputados, ou simples- vel e dedicado ao cidadão, con- ção do trabalho dos deputados mente pelas propostas serem tinuaremos a apostar no des- e uma aproximação à vontade insuficientes no quadro de uma crédito moral e na desconfiança dos próprios eleitores tornou- verdadeira reforma do sistema dos portugueses. -se um exercício de corporati- político. “Não é com medidas Ao comum cidadão, todos os vismo interesseiro e de defesa pontuais que resolvemos al- sacrifícios são exigidos, aos di- de conveniências particulares. guns problemas que o sistema rigentes políticos do Parlamen- Bem distante do interesse pú- tem”, desculpava-se um depu- to, todas as exceções são permi- blico advogado em oportunistas tado. De tão desonestas e ina- tidas! campanhas eleitorais... creditáveis, estas justificações O fosso entre os políticos e o Aquilo que deveria ser a expres- chegam a ser ofensivas para os povo que o elegeu será cada são de uma entrega total a um portugueses. vez maior enquanto o exemplo cargo que merece dignificação e Esta é uma forma clara de ma- não vier de cima. dedicação exclusiva passa a ser terialização da expressão “dois a expressão de puro oportunis- pesos, duas medidas”. Estaremos atentos quando os mo e interesse. Em véspera do Dia da Liber- deputados exigirem aos seus Aquilo que deveria ser a mora- dade, esta era mensagem que a eleitores aquilo que negaram lização através de um sistema Assembleia República não po- para si! transparente de incompatibili- dia ter enviado aos cidadãos.

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Maria Helena Martins

Medicina Geral e Familiar Egkrateia e Burnout “Médicos têm frequentemente conflitualidade familiar e divorciam-se 20 vezes mais do que a população em geral”.

Sob a coordenação de Nídia É uma síndrome com cono- tivo; Aceitação ou resignação; Zózimo, Diretora do Departa- tações afetivas negativas que Procura de recompensas alter- mento de Formação do Conse- afeta a vida pessoal, social e la- nativas; Descarga emocional lho Regional do Sul da Ordem boral. Está associada a fatores (CRI). dos Médicos, foi levado a cabo internos (valores individuais e • Satisfação com a vida o projeto de sensibilização para traços de personalidade) e a fa- (SWLS). a Síndrome de Exaustão/Bur- tores externos. É interessante analisar os resul- nout. tados: Foram apontados alguns fato- Na revista Acta Médica Portu- • A realização pessoal corre- res potenciadores de Burnout guesa (Maio- Junho de 2012), lacionou-se de forma positiva no caso dos médicos: foi apresentado um estudo em e estatisticamente significativa • Dedicação integral à medici- que se relacionava Burnout, com a extroversão, amabilida- na e vida adiada personalidade, afetividade, es- de, conscienciosidade, abertura • Formação insuficiente nas tratégias de coping e satisfação à experiência, afetividade posi- relações interpessoais com a vida, e que englobou 404 tiva, análise lógica, reavaliação • Défice de recursos humanos professores. Penso que é lícito positiva, procura de ajuda e e riscos emocionais extrapolarmos, de modo gené- apoio, resolução de problemas, • Mudança de políticas de rico, os resultados para o grupo procura de recompensas alter- saúde geradoras de contradi- profissional- médicos. nativas e satisfação com a vida. ções e incoerências Foram avaliados: • A exaustão emocional e a • Conflitos com papéis fami- • Personalidade: Extroversão; despersonalização correlacio- liares e sociais Amabilidade; Conscienciosida- naram-se com afetividade ne- Afinal como se define oBur- de; Neuroticismo; Abertura à gativa, aceitação ou resignação nout? É uma síndrome psi- experiência (BFI). e descarga emocional. cossocial assumida como uma • Afetividade: Positiva ou ne- Inversamente a amabilidade, resposta crónica aos stressores gativa (PANAS) conscienciosidade, afetividade emocionais e interpessoais que • Burnout: Realização pessoal; positiva e satisfação com a vida, ocorrem numa situação de tra- Exaustão emocional; Desperso- estão relacionadas com menor balho. Esta síndrome caracteri- nalização (MBI). exaustão emocional e desperso- za-se por sentimentos de exaus- • Coping: Análise lógica; Re- nalização. tão física e emocional, desper- avaliação positiva; Procura de sonalização e baixa realização ajuda e apoio; Resolução de Ao ler o artigo da Revista Focus pessoal. problemas; Evitamento cogni- (603/2011) “ Quando o trabalho

60 | Abril | 2014 prejudica a família”, deparei entre a família e o traba- com “Sugestões para escapar ao lho, desenvolvendo laços Burnout”: de afeto e de amabilidade • Tentar executar outra tarefa que vão, como já vimos, num período da semana; diminuir a probabilidade • Desenvolver expectativas de exaustão emocional e profissionais realistas e aferi- despersonalização. -las regularmente, para acau- A temperança, o saber telar sentimentos de frustração dominar as nossas ações, relativamente ao trabalho; palavras, pensamentos e • A formação regular relacio- desejos, vai aproximar- nada, direta ou indiretamente -nos de forma mais eficaz com a atividade profissional é do outro, na procura de uma forma de motivação; apoio e ajuda, na reso- • A partilha com colegas, ami- lução conjunta de pro- gos e família relativamente aos blemas, na consciencio- problemas profissionais revela- sidade, na abertura à ex- -se fundamental; periência, na satisfação • Encontrar outras fontes de com a vida. gratificação fora do local de tra- Como escreveu Augusto balho; Cury “ uma mente mal • Gozar férias repartidas. treinada pode transfor- Foi precisamente a leitura des- mar as relações sociais tas sugestões que trouxe à mi- num inferno interminá- nha memória a palavra Egkra- vel. Maturidade, afeti- teia. Egkrateia é uma palavra vidade, serenidade, ou- grega que foi usada cerca do sadia, flexibilidade, al- ano 55 pelo apóstolo Paulo para truísmo, tolerância, hu- designar temperança. Egkrateia mildade, simplicidade, deriva de Kratos, que significa não são dons genéticos fortaleza. nem privilégio de algu- Temperança – qualidade do que ma casta social, mas são coloca uma fortaleza a si mes- o fruto de mentes treina- mo, que domina ações, pensa- das ao longo do traçado mentos e desejos. Ter a capaci- da sua história”. dade de fazer o que determina “Sucesso” é muito mais ser feito, assegurar o domínio do que dinheiro, é mui- da vontade e proporcionar o to mais do que estatuto. equilíbrio no uso dos bens cria- “Sucesso” é saber cons- dos. truir, conviver, crescer e Quando erigimos a fortaleza da transcender. temperança na nossa vida, es- Temperança origina su- tamos a proteger a nossa saúde cesso. “Sucesso” é o an- física, psíquica, moral, social e tídoto do Burnout. espiritual. Cada um poderá identificar as áreas em que não tem tido do- mínio, em que a sua fortaleza apresenta brechas. Temperança será a grande arma para combater o Burnout. Atra- vés dela encontra-se o equilíbrio

Abril | 2014 | 61 oopinião

Alberto Costa

Consultor Clínica Geral l Me. Saúde Ocupacional

Teresa Lopes

Chefe de Serviço MGFl Recursos Humanos e Cuidados de Saúde Primários “É inutil dizer – Estamos a fazer o possível. Precisamos de fazer o que é necessário” – W. Churchill

A Constituição da República Por- tro quer dar novos prémios nos todos que, a partir de dada altu- tuguesa assegura o direito à saú- Centros de Saúde”, com declara- ra, a reforma começou a abran- de de todos os nacionais e, por ções do Sr Secretário de Estado dar, coincidindo com as notícias isso, compete ao Estado garantir Leal da Costa: “Deve dizer-se que de dificuldades de mobilidade aquele direito constitucional. há muitas UCSP que funcionam tão dos seus profissionais. A crescente informação dos cida- bem, ou melhor, que muitas USF e Pensamos que, na administração dãos sobre os cuidados de saúde, com menor remuneração dos médi- pública, as mobilidades devem direitos e deveres, foi um factor cos e maior eficiência. Porque senti- ser do interesse dos organismos decisivo na necessidade de mo- mos que as UCSP são descriminadas intervenientes, devendo estar dernização do modelo de presta- negativamente, temos de encontrar sempre assegurado o interesse ção dos mesmos. uma forma de poder introduzir uma público. O Programa do XVII Governo componente variável, relacionada Não tem sentido, como foi noti- Constitucional assumiu a refor- com o desempenho, nestas unidades. ciado em alguns locais, a saída ma dos CSP como factor de mo- Os profissionais das UCSP devem de profissionais com evidentes dernização, com vista à reconfi- ser dignificados. É injusto e muito prejuízos para os serviços de ori- guração dos Centros de Saúde, mau para os utentes que não o se- gem, não sendo igualmente acei- orientados para a obtenção de jam. Infelizmente, parece que, ao tável dificultar as mobilidades ganhos em saúde. ouvirmos certos políticos e represen- sem qualquer fundamentação. Com efeito, tornou-se claro que tantes sindicais, só as USF é que são No que concerne às UCSP e aos equipas multiprofissionais, moti- boas e só os profissionais das USF é proclamados “prémios” em in- vadas e responsavelmente orga- que merecem beneficios adicionais centivos, visto ter sido constata- nizadas, são uma mais-valia para pelo seu desempenho, nomeadamen- do pela tutela haver penalização a reforma dos CSP, mas não se te na formação de médicos internos”. na remuneração em relação aos esgotam nas Unidades de Saúde A implemetação no terreno das outros modelos, algumas dúvi- Familiar (USF), como por vezes USF beneficiou de forte apoio das nos surgem. alguns pretendem fazer crer. superior, tendo sido um fator de- Motivado pelas reformas ante- As Unidades de Cuidados de cisivo a irrestrita “colaboração” cipadas dos profissionais e pela Saúde Personalizados (UCSP) recomendada pela tutela às ARSs emigração/migração para estru- devem acompanhar este esforço e outros organismos do Estado, turas privadas, o rácio dos pro- de modernização e, progressi- ao terem sido facilitadas as can- fissionais entre si e profissionais vamente, adequar-se aos novos didaturas e as mobilidades dos /utentes não é o ideal, sobretudo tempos de mudança. profissionais que optassem por nas UCSP. Recentemente, no Jornal de Ne- integrar aquelas. É evidente que, mesmo conside- gócios, lemos no artigo “Minis- Contudo, é do conhecimento de rando as actuais carências de Mé-

62 | Abril | 2014 dicos de Família, ao ritmo com gestão dos bens públicos, par- empenho e boa vontade dos pro- que estão a ser formados novos ticularmente atendendo à atual fissionais, no cumprimento da especialistas é de prever que as conjuntura económico financeira deontologia profissional, nunca faltas sejam colmatadas a curto/ que o país vive. privando nenhum português de médio prazo. Porém, até lá, como Desde o ano de 2010 que se vem cuidados de saúde. É bom re- se fará a avaliação de profissio- falando em contratualização com lembrar e sublinhar que são os nais a trabalhar em sobrecarga e as UCSP, mas na realidade ela profissionais das UCSP que aten- em número insuficiente? nunca foi implementada, como dem os doentes sem Médico de Então, como serão avaliados os seria expectável, e constou de re- Família. profissionais, no sentido de se- gulamentação da ACSS: “Unida- Não podemos continuar a assis- rem atribuídos os incentivos? des de Saúde Familiares e UCSP tir à existência de dois modelos Segundo os indicadores actuais, - Metodologia de contratualiza- de prestação de CSP no nosso eles só contemplam equipas fixas ção para o ano de 2010”. país, sendo que todo o sistema é e ficheiros com médico atribuido. Em 2014, e no documento “Meto- financiado igualmente por todos. Nas UCSP, os utentes “sem médi- dologia de contratualização para As “regras” terão de ser iguais, co” também são atendidos, mas os Cuidados de Saúde Primários sob pena das declarações do Sr. neste caso retirando horas ao no ano de 2014”, ACSS, Janei- Secretário de Estado serem mais próprio ficheiro... ro de 2014, não se compreende um “embuste” e “um rebuçado Os médicos das UCSP esperam como na introdução, nos princí- para calar os mansos”, manten- que, no corrente ano de 2014, as pios gerais, ponto 7, as UCSP são do-os na esperança de uma mu- ARS e os ACES apliquem sem excluídas da atribuição de incen- dança que não chegará nunca a restrições a “Metodologia de tivos! acontecer, sendo sempre adiada contratualização para os Cuida- Os profissionais das UCSP exi- para o próximo Governo... dos de Saúde Primários no ano gem tratamento igual aos seus Entretanto continuarão a ser de 2014”, ACSS, Janeiro de 2014, colegas – preenchimento das prestados cuidados de saúde a mas acordando ponderadamente vagas existentes, para depois os todos... mesmo que em condi- os procedimentos e objetivos à resultados poderem ser compa- ções por vezes pouco condignas. realidade do terreno. rados e, finalmente deixarem de Para além disso, os responsáveis ser apelidados dos “sem motiva- políticos não podem esquecer ção, sem empenho, sem brio...” “Todas as coisas foram já ditas mas, que a contratualização deve ter A justificação que torna verda- como ninguém escute, é preciso vol- algum retorno para os profissio- deiras as declarações do Senhor tar a repeti-las constantemente” nais, caso contrário tornar-se-ia Secretário de Estado reside no André Gide. apenas num processo impositi- vo que obrigaria cada vez a mais trabalho a profissionais cada ano mais mal pagos! Isso não seria contratualização… naturalmen- te, um processo que não fosse bidirecional seria rejeitado pelos trabalhadores! Nenhum profissional dos CSP deve ficar para trás ou ser exclu- ído do processo de reforma em curso, devendo ser incluído, en- tre outros, na prestação de con- tas e na avaliação inteligente do desempenho. Também as UCSP, não obstante a proletarização dos seus mem- bros, estão empenhadas em par- ticipar com rigor no bom uso e

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Mariana Pinto da Costa

A escolha de Angola para um estágio opcional - uma aposta no presente

“O médico que só sabe Medicina, nem rio, opcional e de investigação em rio, 4 de Fevereiro, Cassequel e no Medicina sabe” foi a máxima que me Luanda. Pretendia com este estágio Lar Kuzola. acompanhou durante o percurso conhecer o papel da Psiquiatria Em qualquer país, é comum a Psi- académico, agindo como propul- numa sociedade edificada de um quiatria lidar com casos de carác- sora da escolha em especializar-me modo diferente e compreender o ter social, o que em Angola não é em Psiquiatria. carácter do funcionamento institu- exceção. De facto, o contacto com Perante um crescente interesse nas cional e na comunidade destes ser- pessoas das várias zonas da cidade, ciências sociais e a curiosidade em viços de saúde. de condições socioeconómicas fre- compreender a essência invariante quentemente díspares, permitiu- do que é o nuclear saber da Medici- “Quem não se movimenta não sabe as -me conhecer muitas das proble- na, comum a todo aquele que é Mé- amarras que o prendem.” máticas sociais e destacar questões dico, escolhi Angola como destino Rosa Luxemburgo. de saúde pública, como a frequên- para um estágio opcional. “Porquê cia da malária, do HIV/SIDA e do Angola?” – surgiu como interroga- Do norte, parti rumo ao sul, em in- consumo de álcool e liamba, num ção frequente, conduzindo a uma tercâmbio ao abrigo do protocolo meio em que o estigma das doen- justificação escassas vezes eficaz bilateral entre Portugal-Angola, ças neurológicas e psiquiátricas se em debelar a perplexidade e sur- inaugurando o propósito para fins traduz em comportamentos discri- presa de quem dirigia a pergunta. académicos de formação no âmbito minatórios aos que sofrem de Epi- Julgo que ao ouvirmos relatos de do Internato de Especialidade, ten- lepsia e de Psicose. intimidade nesta ciência que cura do Portugal como origem e Angola Há pois um longo caminho a per- também pela palavra, é precioso como destino, contrário ao sentido correr. A saúde preventiva tem entender, exercício que em muito inverso, que surge mais habitual. como desafio as deficiências de ajuda o domínio da língua, o que Luanda é uma cidade sobrepovoa- abastecimento de água e energia, determinou a minha escolha de um da, em permanente (re)construção, aliado às lacunas no saneamento estágio no seio da Comunidade onde o imprevisto é constante e no básico, num meio em que os recur- dos Países de Língua Portuguesa trânsito impera o caos – tudo sob sos humanos qualificados ainda (CPLP). temperaturas próprias de um país são limitados. No mundo contemporâneo, An- tropical! gola é um país que se evidencia Durante os quatro meses que esti- “Quando fui para África, ainda que em incontornáveis matérias. Uma ve no Hospital Psiquiátrico de Lu- contasse com pouca experiência … ti- vez que a Psiquiatria incorpora as anda, tive oportunidade de traba- nha que fazer essas coisas tramadas que mudanças sociais como seu mate- lhar nos serviços de internamento há a fazer….” rial, aliado ao meu interesse pes- (homens e mulheres), ambulatório António Lobo Antunes. soal pela Psiquiatria Transcultural, (Psiquiatria de Adultos e Psiquia- atrevi-me ao desafio de contactar tria da Infância e da Adolescência), Os eventos científicos crescentes e com esta realidade na área da saú- Serviço de Urgência, bem como nos frequentemente internacionaliza- de, realizando um estágio voluntá- Centro de Saúde do: Bairro Operá- dos que Angola tem organizado

64 | Abril | 2014 são sinais do apoio à formação pós- “A vida é curta; a arte, longa; a ocasião, desta experiência serão certamen- -graduada e dos esforços reunidos fugaz; a experiência, traiçoeira, e o jul- te duradouros. Neste ambiente para a sua melhoria. Destes, tive gamento difícil." de mudança, os esforços reunidos oportunidade em participar no 1º Hipócrates. permitem que cada dia seja me- Congresso de Psicologia em Ango- lhor, vivendo-se um sentimento de la, no Lubango, com a comunicação As mais-valias que assinalo neste esperança no futuro. “Quando a vítima se apaixona pelo estágio são muitas: a possibilidade Regressada de Angola, espero que agressor – o exemplo da Síndrome de diagnosticar patologias que en- a partilha desta vivência sirva de in- de Estocolmo” que deu enfoque tre nós não se observam, o desco- centivo e apoio - é este o meu intui- a uma das problemáticas sociais e brir e empregar recursos de natu- to. Desejo que esta minha experiên- culturais da atualidade da violên- rezas diversas, adquirindo compe- cia seja um estímulo para reforçar cia doméstica; e em Luanda no IX tências no contacto com diferentes a escolha de países da CPLP para a Congresso Internacional dos Médi- sintomatologias e opções terapêuti- realização de estágios no âmbito do cos em Angola com a comunicação: cas, por vezes não tradicionais e até Internato Médico. “Não há saúde, sem saúde mental”, pouco convencionais, aprendendo Recordarei que o sol nasce só para expondo a visão de Portugal. e compreendendo o valor das di- os acordados, enquanto faço o ba- Espero que esta minha experiência ferenças interculturais na área da lanço deste estágio, que é franca- de intercâmbio e os contactos atra- saúde em geral, e na psiquiatria mente positivo. Deixo lá colegas e vés dela estabelecidos contribuam em particular. De salientar a troca amigos, voltando com a sensação para o incremento de Protocolos de experiências, a partilha de co- de ter em mente projetos para os de Colaboração entre Portugal e os nhecimentos e toda a socialização próximos 100 anos e a vontade de restantes países da Comunidade com o grupo de pares, fomentan- um dia voltar. dos Países de Língua Portuguesa do redes de trabalho e a discussão De Angola trouxe o pensador, a pa- (CPLP), nomeadamente com An- de estratégias profissionais. Clara- lanca negra, o imbundeiro e o desejo gola, na área da saúde no plano mente de manifesto interesse foi de continuar a aprender todos os assistencial e formativo, agilizando assistir e participar no desenrolar dias, com a máxima de que é pre- e facilitando efetivamente, de parte do progresso num país em desen- ciso coragem para ser diferente e a parte, destacando Portugal como volvimento que implementa novos muita competência para fazer a parceiro preferencial de relevo na métodos. diferença. área da saúde. Além da oportunidade de contri- A todos os que de muitas formas Muitos são os países que têm aco- buir em Angola na perspetiva clíni- me apoiaram, incentivaram e per- lhido médicos oriundos de vários ca e académica com o saber obtido mitiram que vencesse as dificulda- locais, estando Portugal a destacar- na aprendizagem em curso no In- des e cumprisse os meus objectivos -se como país dador, e tendo Angola ternato de Psiquiatria no Hospital em Angola, o meu muito obrigada! potencial de recetor, o que aumen- Magalhães Lemos no Porto e no taria o número de quadros especia- Mestrado Internacional de Políticas “Num mundo que almoça valores, lizados neste país. Nesse sentido, e Serviços de Saúde Mental na Uni- janta valores, ceia valores, e os degrada seria importante o apoio das insti- versidade Nova de Lisboa, conduzi cinicamente, sem qualquer estremeci- tuições formadoras à realização de também em Luanda um projeto de mento da consciência, peçam-me tudo, experiências congéneres nas várias investigação no âmbito dos consu- menos que tape os olhos.” áreas, pois os jovens médicos pode- mos de álcool e outras substâncias. Miguel Torga. rão encontrar em Angola oportu- O trabalho nestas circunstâncias foi nidades que no Portugal contem- um desafio inesquecível e os frutos porâneo se apresentam difíceis de alcançar. Espero que o futuro reforce a exi- gência de atualizar os conhecimen- tos médicos, de aprofundar o es- pírito crítico, premiando de forma independente, de modo a melhorar a saúde das populações, almejando que o acesso aos cuidados de saúde seja universal e que os serviços ofe- recidos sejam progressivamente de superior qualidade.

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Abílio Gomes

ex-presidente do INEM Refundar a Emergência Médica – opção estratégica inadiável Li com interesse e agrado a carta aberta que o presidente da OM dirigiu ao INEM publicada na Revista da Ordem dos Médicos de Janeiro-Fevereiro, que ataca um ponto nevrálgico da Emer- gência Médica: o sistema VMER, que tão bem conhece. A disfunção que denuncia é, porém, apenas a ponta do iceberg, isto é, um epifenómeno de um défice estrutural e organizacional profundo, que continua permanentemente a pôr em risco a saúde e segurança das populações. A questão que agora levanta pren- logística rudimentar e estrutura de por isso deve privilegiar a sua de-se com um dos pilares funda- recursos são fonte de desperdício e missão essencial, a regulação, e só dores do sistema: a medicalização disfunção na prestação do socorro. marginal e supletivamente assumir da emergência médica e a Regula- Nunca foi construída uma estru- a prestação. Neste sentido, deve ex- ção Médica que dela emana e que tura profissional de saúde global ternalizar, certificando a prestação dela se exige. Sobre este princípio e coerente, sendo as carreiras mé- de cuidados, e ainda a formação de têm incidido ameaças recorrentes dica e de enfermagem “tomadas profissionais e a educação do pú- de vária natureza, não dispondo o de empréstimo” dos hospitais, e blico, estimulando e orientando a sistema de uma ossatura que lhe as de TAS, TAE e TOTE, embora sua expansão. Valorizar, auditar e permita esconjurar de vez este fe- específicas da Emergência Médica, dar acreditação a agentes que sob nómeno. Sabemos que esta ques- minadas de fragilidades que só a sua regulação se dediquem a estas tão polariza os diversos tipos de sua fusão em carreira única de Téc- actividades – eis o caminho. luta pelo poder dentro do sistema nico de Emergência, com formação Finalmente, o Estado deve dizer e isso faz dela a questão central. A mista avançada em ambulância de ao País que sistema de emergência carta aberta do Senhor Bastonário emergência e em telecomunicações médica quer. Se não está disposto, fez-me considerar oportuno dispo- de emergência poderá superar. A como parece, a dotar o INEM dos nibilizar à revista uma síntese refle- criação da especialidade de medi- meios adequados a um modelo xiva genérica sobre a emergência cina de urgência é também uma de padrões europeus, deve dizê-lo médica e tornar patente a necessi- necessidade reclamada por largos claramente. Na opção oposta, deve dade de regressar à discussão dos sectores de opinião com vantagem propiciar os meios e abrir caminhos seus problemas, no ponto em que a para a partilha de médicos e meios para lá chegar. Em suma, impõe-se deixámos nos conturbados anos de especializados entre o hospital e o aquilo que desde 2008 tenho cha- 2007 a 2010. sector pré-hospitalar. A área tec- mado a refundação do INEM e da Passada uma fase narcísica, eufóri- nológica é outro ponto nevrálgico, Emergência Médica, para melhorar ca e despesista, o Instituto Nacional que continua até agora, como por o atendimento e retirá-los do palco de Emergência Médica (INEM) viu- vezes se torna público, a mostrar mediático da luta política e de cor- -se ao espelho e constatou a dura fragilidades perigosas, ainda que porações, respeitando os cidadãos, realidade: o crescimento apressado apenas ao nível da ponta de um os briosos profissionais do Sistema e desregulado fizera dele um gi- iceberg de altíssimo risco. Integrado de Emergência Médica e gante com pés de barro. Sem uma Desde 2008 alertámos para o confli- a nobreza da sua missão. Esta sim, organização à altura da grandeza e to de interesses entre função regu- é a mãe de todas as emergências. exigência da missão, e com um dis- ladora, financiadora e prestadora positivo territorial disperso, a sua de cuidados que o INEM pratica,

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Rui Tato Marinho

Editor-chefe da AMP Porque não um plano para o fígado português? No último século a esperança média de vida em Portugal mais que duplicou, aumentando de 36 para 80 anos! Os avanços da medicina, da saúde pública e os desenvolvimentos das várias especialidades médi- cas contribuíram para tal. A hepatologia, uma das áreas da prática médica que agrega o estudo das doenças do fígado, tem contribuído de certo modo para tal. Em Portugal é já uma subespecialidade pela Ordem dos Médi- cos, desde 2005. Estima-se que um milhão de fecção VIH, a insuficiência he- Este último tem vindo a subir portugueses possa ter eleva- pática não especificada, entre todos os anos no nosso País e ção das provas hepáticas de- outras. A causa principal de é o segundo cancro com pior signadamente a ALT (a antiga cirrose hepática em Portugal é prognóstico, logo a seguir ao do TGP ou transaminase glutâmi- a alcoólica, vindo em segundo pâncreas. É um cancro evitável. co pirúvica). Nalguns países já lugar a hepatite C. é proposto que a ALT inclua a As doenças hepáticas matam A hepatologia é uma das áre- avaliação dita de rotina. mais do que a SIDA, cancro da as do conhecimento onde são Pensa-se que as causas princi- mama, melanoma, colo do útero, bem patentes os resultados dos pais de elevação da ALT seja o próstata, etc. São também a quin- avanços tecnológicos, com be- consumo excessivo de álcool, a ta doença causadora de mortes nefícios bem evidentes para a hepatite C e a esteatose hepática. precoces, i.e. Anos de Vida Po- sociedade em geral e para as tencial Perdidos, antes dos 70 pessoas com doença. Na hepa- As doenças do fígado estão já anos de acordo com dados do tologia vírica, as inovações re- no Top Ten das mortes em Por- Plano Nacional de Saúde (2012- volucionaram por completo a tugal, sendo a sétima causa de 2016), 128,5/100.000. prática médica. acordo com dados colhidos no A doença hepática é uma enti- As entidades são múltiplas: Instituto Nacional de Estatís- dade multifacetada, ao mesmo tica. O mesmo acontece na Eu- tempo doença do fígado, infec- Hepatite A – o número de ca- ropa, (1) de acordo com últimos ção (hepatite B ou C), doença sos reduziu-se de forma muito dados do Eurostat. oncológica, doença para cuida- marcada em Portugal, para nú- Quando se fala em mortos por dos paliativos, para o mundo do meros quase vestigiais, devido doença hepática tem que se in- transplante; uma doença silen- à melhoria das condições higie- tegrar várias entidades como ciosa durante décadas, muito es- no-sanitárias muito marcadas seja a cirrose hepática, o carci- tigmatizante também, uma con- que o Portugal tem registado. A noma hepatocelular, a morte sequência de uma adição (álcool, vacina, não incluída no Programa por doença hepática na coin- hepatite C, obesidade), etc, etc. Nacional de Vacinação, é de ele-

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vada eficácia e muito duradoura, Estima-se que existam em Portu- oral, com muito poucas reacções constando de duas doses. Acon- gal 100.000-120.000 indivíduos an- adversas, consegue reduzir-se o selhamos a vacinação a viajantes ti-VHC positivos. Destes, cerca de tempo de tratamento para apenas para países do continente asiático, 75% têm replicação vírica (ARN 12 semanas. Aguarda-se a apro- africano, militares, profissionais VHC). Destes aproximadamente vação dentro de 1-2 anos de mais de saúde e para todos aqueles que 30% poderão ter já cirrose hepáti- fármacos (Daclatasvir, Ledipasvir, possam e queira investir na pre- ca. Estima-se que possam morrer ABT-450; Ombutasvir, Dasabuvir, venção de uma doença. Não há em Portugal cerca de 1000 pessoas etc). É urgente agilizar a disponi- casos crónicos. A hepatite A aguda com hepatite C, o dobro de morta- bilização dos melhores cuidados tem um risco de morte de 2% em lidade associada ao VIH. hepatológicos para os doentes adultos a partir dos 40 anos. A identificação do vírus permitiu portugueses. É urgente identificar que se desenvolvesse de forma quem necessita de ter acesso aos Hepatite B – é de salientar a in- muito marcada a terapêutica da melhores tratamentos disponí- clusão da vacina da hepatite B no hepatite C. A hepatite C crónica veis. É necessário uma estratégia Programa Nacional de Vacinação é hoje passível de cura, se o ARN coordenada de orientação central. desde o ano 2000. Foi das medidas VHC permanecer negativo, seis Os benefícios de tratar a hepatite de saúde pública são tremendos: de maior impacto. redução do risco É nosso entender de evolução para que a vacina deve cirrose, de evolu- ser promovida ção para carcino- nos adolescentes e ma hepatocelular, alargada aos adul- de morte por do- tos com vida sexu- ença hepática, da al activa. Estima-se necessidade de que possam existir transplante he- em Portugal cerca pático. A cirrose de 100.000 porta- hepática pode re- dores crónicos do gredir.(2) AgHBs. É pratica- mente impossível Hepatite D – só a cura do porta- surge em quem dor crónico. No tem hepatite B. entanto existem Neste momento é dois fármacos anti- quase inexistente víricos de administração oral (Te- meses após o final do tratamento. em Portugal afectando menos do nogovir e Entecavir) com elevada A percentagem de cura ronda os que 5% dos portadores do vírus eficácia no controlo da replicação 70-80% com a terapêutica tripla da hepatite B. vírica (ADN VHB). O controlo da no genótipo 1 com Interferão Pe- replicação vírica está associado a guilado + Ribavirina + Boceprevir Hepatite E – De transmissão fecal- um grande benefício clínico, com ou Telaprevir). Estes dois últimos -oral, é uma zoonose. O vírus da redução do risco de evolução para fármacos foram aprovados em hepatite afecta também o porco. cirrose e carcinoma hepatocelular. Portugal com quase três anos de Nos imunossuprimidos pode atraso relativamente às aprova- evoluir para cirrose hepática. Em Hepatite C – O vírus foi identi- ções internacionais (FDA e EMA). Portugal o anti-VHE encontra- ficado em 1989. Este importante Está em curso uma revolução no -se em 4% da população. Existem facto permitiu o desenvolvimento tratamento da hepatite C: Já fo- descritos casos pontuais de hepa- de um teste (ani-VHC) que per- ram aprovados pela FDA e pela tite aguda E no nosso País. mitiu a identificação dos casos EMA novos medicamentos com Cirrose alcoólica – causa principal infectados. O risco de transmitir a eficácias perto dos 90% (Sofos- de cirrose em Portugal. Associada hepatite C através de transfusões buvir e Simeprevir). Com alguns ao consumo excessivo de álcool. foi reduzido praticamente a zero. deles, apenas de administração Só se deve consumir a partir dos

68 | Abril | 2014 18 anos, 1 a duas bebidas por dia 1. Blachier M, Leleu H, na mulher e 2 a 3 no homem. Evi- Peck-Radosavljevic M, Valla DC, Roudot-Tho- tar consumos tipo “binge / embria- raval F. The burden of guez” que consiste na ingestão em liver disease in Europe: a curto espaço de tempo i.e duas ho- review of available epide- ras: não mais de 5 no homem e de miological data. J Hepatol 4 na mulher. 2013;58:593-608. Esteatose hepática - NASH - Esta 2. Marinho RT, Vitor S, Velosa J. Benefits of entidade está associada à obesida- curing hepatitis C in- de, diabetes e hiperlipidemia. A fection. J Gastrointestin esteatose, se associada a fenóme- Liver Dis, 2014;23:85-90. nos inflamatórios é responsável 3. Velosa J, Serejo F, por alteração das provas hepáticas Marinho R, Nunes J, Glória H. Eradication of denominando-se Esteatohepatite hepatitis C virus reduces Não Alcoólica (NASH - Non Al- the risk of hepatocellular coholic Steato Hepatitis). A NASH carcinoma in patients pode evoluir para cirrose hepática with compensated e para carcinoma hepatocelular. cirrhosis. Dig Dis Sci Carcinoma hepatocelular – Tem 2011;56:1853-61. 4. Resolução da Assem- vindo a aumentar em Portugal, bleia da República n.º relacionado com a hepatite B, he- 8/2014. Recomenda ao patite C (60% dos casos),(3) álcool, Governo o reforço das esteatose, diabetes, tabagismo. É medidas de abordagem um dos cancros com pior prog- integrada das doenças hepáticas http://dre.pt/ nóstico (sobrevivência < 5% aos 5 pdf1sdip/2014/01/01800/ anos). Quem tem cirrose tem um 0054300543.pdf risco muito elevado, de 10-40% ao fim de 10 anos.

Em conclusão (4): • As doenças do fígado, no seu conjunto, são a sétima causa de morte em Portugal e na Europa e a 5ª causa de anos de vida perdidos precocemente • A ALT deve integrar a avaliza- ção laboratorial dita de rotina • São doenças evitáveis: vacina da hepatite A e da hepatite B, doença hepática alcoólica, esteatose hepá- tica, carcinoma hepatocelular. • A hepatite B crónica é controlá- vel e a hepatite C crónica é curável com os novos fármacos em 80-90% dos casos.

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José M. D. Poças

Médico Especialista em Medicina Interna e Infeciologia Chefe de Serviço da Carreira Médica Hospitalar de um Hospital EPE Diretor do Serviço de Doenças Infeciosas do CHS HSB Setúbal Terapêutica da Hepatite C Os verdadeiros desafios que se impõem ser considerados nos tempos que correm “… Todo aquele que tem Saúde tem Esperança e todo o que tem Esperança tem Tudo…” (Provérbio Árabe)

Em Setembro de 2012 a CNECV, conjuntamente como o seu Pre- 4)- A CNECV não deveria ter por encomenda ministerial, emi- sidente, tendo-o inclusive inter- aceitado o pedido para se pro- tiu um parecer acerca do finan- pelado frontalmente, não deixei nunciar sobre qualquer doença ciamento de três grupos de pa- de tomar posição sobre esta pro- em particular, mas antes acerca tologias, a saber: Antiretrovirais blemática. O teor daquilo que da problemática geral e comum (para a infeção por HIV); medi- então expressei poderá sumari- relativa a todas as eventuais pa- cação citostática (para as doen- zar-se da seguinte forma: tologias que possam vir a neces- ças do foro oncológico); medi- 1)- A CNECV não deveria ter sido sitar de uma qualquer inovação camentos imunomodeladores/ apenas reativo nesta matéria; terapêutica (designadamente imunossupressores (denomina- 2)- A CNECV (bem como outros das que comportem um impacto dos de biológicos, para a artrite organismos afins) deveria ter- económico-financeiro significa- reumatoide). -se antecipado à necessidade da tivo); Embora se afirmasse textual- existência de um parecer desta 5)- Ao aceitar a referida particu- mente que a opção, em igual- índole, tendo em consideração larização, impõe-se perguntar dade de circunstâncias, deveria o contexto nacional de profundo então porque não se incluíram ser, sempre que não contrain- constrangimento financeiro e da outras patologias, designada- dicada, pelo medicamento mais possível interferência deste na mente as apelidadas Doenças barato de entre os melhores, e boa prática médica, bem como Raras, os Transplantes, as Doen- nunca pelo melhor de entre os na consequente disponibilização ças Neurológicas Degenerativas, mais baratos, este parecer pro- dos meios técnicos (sobretudo e as restantes Doenças Auto- vocou acesa polémica no seio da farmacológicos) para o adequa- -Imunes (que diferença fazem classe médica (e não só…). do tratamento dos doentes; afinal, neste âmbito em particu- Nessa altura, quer publicamen- 3)- A matéria relevante do ponto lar, da Artrite Reumatoide, nele te (em diversas reuniões cien- de vista ético-deontológico para mencionada explicitamente?); tíficas), quer por escrito (num a conceção de um parecer neste 6)- Por último, se o Governo artigo publicado na Revista da domínio, é então efetivamente a estava fundamentalmente pre- OM), quer ainda numa reunião problemática da inovação tera- ocupado com as doenças que pública realizada na Sede Na- pêutica em si mesma, o seu con- comportam um impacto eco- cional daquele mesmo organis- sequente financiamento, e o seu nómico-financeiro mais signi- mo de classe, na qual participei acesso por parte dos doentes; ficativo (embora não o tendo

70 | Abril | 2014 confessado), porque se terão cação sistemática, indiscriminada e mente, à perspetiva de poder “esquecido” afinal, daquela que acrítica de uma qualquer norma que prescindir da utilização daquele previsivelmente (mesmo há um tenha apenas um substrato econo- último e, mesmo, da própria Ri- ano e meio) iria ter um maior micista, e seja pois discordante com bavirina (ambos muito limitati- incremento a prazo, em função os fundamentos científicos valida- vos para alguns doentes, tendo daquilo que os mais informados dos pelas sociedades especializadas em conta a frequência e gravida- desde há muito antecipavam ser e reconhecidamente credenciadas, de dos seus intrínsecos proble- o calendário de introdução de descontextualizada da experiência mas de toxicidade e tolerância), novas moléculas e do seu enor- individual do médico prescritor, ou e com a associação anunciada me sucesso terapêutico até ago- ainda, desfasada da idiossincrasia de dois ou três DAAs (antivíri- ra demonstrado, ou seja, preci- de cada doente…”. cos de ação direta) poder obter samente, a Hepatite C? Se a grande maioria dos Dire- percentagens de quase 100%, é Nada do que afirmei pode, con- tores de Serviço, segundo estou um caminho de assinalável êxi- tudo, fazer depreender que eu perfeitamente convicto (e tam- to nunca antes conseguido na próprio (ou os médicos na sua bém dos restantes médicos es- história da Medicina, que deve generalidade) devam ser com- pecialistas, seus colaboradores), poder abranger todos os doen- pletamente indiferentes aos gas- atuam coerentemente na defesa tes realmente necessitados, em tos decorrentes da sua atuação, daquele mesmo princípio, tam- defesa dos quais os médicos têm facto que sabem vir a refletir-se bém não deixam de reivindicar a inalienável obrigação ética de diretamente no orçamento do que, tanto enquanto simples se baterem com todos os seus SNS, o mesmo que a sua enorme cidadãos, como enquanto mé- melhores argumentos. maioria ajudou orgulhosamente dicos, estão legitimamente tão Como compatibilizar então a edificar e manter, pretendendo preocupados com essas ques- aqueles dois desideratos, apa- pois, genuinamente, salvaguar- tões, como com a qualidade da rentemente contraditórios, sem dar a todo o custo, para bem dos prática da medicina e as suas conduzir à rotura orçamental do doentes e da sua própria realiza- determinantes ético-deontoló- SNS, que nem médicos nem do- ção profissional. gicas, logo com a viabilidade entes desejam? Sem pretender Como afirmei textualmente num efetiva da disponibilização dos ter a veleidade de ter descoberto artigo também publicado em medicamentos verdadeiramen- a resposta única e infalível para 2011 na Revista da OM acerca te inovadores e com uma real resolver tão candente e comple- desta matéria, intitulado “Carta mais-valia demonstrada, como xa problemática, proporia então Aberta aos Colegas Diretores de é insofismavelmente o que se a implementação de uma série Serviço dos Hospitais Públicos passa com os novos compostos de medidas que incluí numa Nacionais”: “ … Aceitamos … de anunciados para o tratamento Conferência que realizei em Ju- bom grado, subir o patamar da pon- da Hepatite C, como o demons- nho de 2013 no âmbito de uma deração do preço dos medicamen- tram cabalmente as recentes iniciativa da SPMI (Sociedade tos na decisão final da sua escolha “guidelines” americanas, euro- Portuguesa de Medicina Inter- aquando da respetiva prescrição, peias e da própria OMS. na), e posteriormente parcial- passando-o de penúltimo para se- Ter respostas virais sustentadas mente repetida, antes do final gundo lugar … se nunca foi na ver- com a terapêutica com o INF do ano transato, numa comuni- dade o último fator a ser valorizado, clássico (que utilizávamos até há cação efetuada perante a Comis- parece-nos igualmente inaceitável cerca de 15 anos) na ordem dos são de Saúde da AR. que passe agora a ser o primeiro e míseros 10%, e ter passado pelas Assim, expressei a necessidade muito menos o único, porque a Me- diversas fases de evolução dos de implementar as seguintes dicina sempre foi e deverá continuar esquemas de tratamento, utili- medidas: a ser, na sua essência, a arte da ci- zando sucessivamente, primeiro 1)- Compra nacional centraliza- ência personalizada, no respeito pe- a sua associação com a Ribavi- da de medicamentos; las características próprias de uma rina, depois a passagem para o 2)- Estabelecimento de um preço doença concreta em cada doente PegINF, e de seguida a terapêu- de referência igual para fárma- específico, numa determinada altu- tica de combinação tripla destes cos do mesmo grupo farmaco- ra da sua vida, e num determinado com os Inibidores da protease lógico e geração; contexto psico-social, e não a apli- de 1ª geração para chegar, final- 3)- Estabelecimento de um preço

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para as coformulações idêntico as condições objetivas dos pro- ceberem nenhuma verba decor- ao da soma dos seus componen- gramas de financiamento espe- rente da aplicação daquilo que tes (incluindo genéricos); cíficos por patologias cujo tra- se prevê para o preço compre- 4)- Estabelecimento de um nº tamento comporte um impacto ensivo do doente com HIV (ex: máximo de doentes a poderem económico significativo. Matosinhos) e, finalmente, saber ser tratados anualmente para qual é em concreto o Hospital as patologias que utilizem fár- Não deixei, contudo, de chamar que alegadamente trata (eficaz- macos inovadores com impacto ainda a atenção, perante a cons- mente?) doentes infetados por económico significativo (acima tatação de alguns anacronismos HIV com uma cifra média de desse valor, a IF suportaria os que infelizmente cada vez são 402 euros/mês, como o sugeriu custos); mais frequentes, tornam menos no ano transato a ARSLVT num 5)- Conceção e implementação transparentes as decisões, e obs- pretenso (?) e malogrado (?) de um esquema de financiamen- taculizam à equidade no que processo de implementação de to específico por patologia (HIV, concerne ao acesso aos impres- “guidelines” regionais e de com- HCV, etc.); cindíveis meios de tratamento pra centralizada dos ARVs nesta 6)- O pagamento pela ACSS ao a todos os doentes em circuns- região de saúde? Hospital prestador dever acom- tâncias idênticas nos diversos panhar o doente (e a sua respeti- Hospitais Públicos. Para isso, Conclusões e Propostas Finais va doença); coloquei as seguintes perguntas “… Só a partir do momento em 7)- Informatização dos PCs e (seguramente incómodas, mas que a criação e a manutenção de avaliação periódica de resulta- que julgo, sem sombra de dúvi- condições decentes de vida para dos segundo parâmetros a se- da, pertinentes): toda a humanidade seja plena- rem consensualizados com as Fará algum sentido o preço dos mente reconhecida e aceite como Sociedades Científicas respeti- medicamentos variar de Hospi- uma mera obrigação de todas as vas e os Colégios corresponden- tal para Hospital num mesmo pessoas de todos os países é que, tes da OM; país, o preço do medicamento com um certo grau de razoabi- 8)- Estabelecer uma partilha ser determinado com base numa lidade, nós poderemos começar conjunta de riscos (ex: no doen- negociação que envolve volu- a falar que vivemos num mundo te a quem não se consiga obter o mes de vendas que remetem civilizado…” ( Albert Einstein, objetivo terapêutico pretendido para várias especialidades, e 1945) “a priori”, existir uma forma ta- isso pesar nas estratégias de tra- citamente aceite entre as partes tamento dentro de cada hospi- O Ministério da Saúde tem ul- de reduzir o pagamento da tera- tal, o preço compreensivo pago timamente apostado (e bem!), pêutica utilizada ao valor do seu para os infetados com HIV ter numa estratégia de desmontar preço real; sido calculado para os doentes (supostas…) fraudes que envol- 9)- Constituição de uma CFT na- “naíve”, e ser agora aplicado a vem vários atores no âmbito da cional com funções de atualizar todos, sem se ter em conta o cus- prestação dos cuidados de saúde o formulário terapêutico nacio- to das terapêuticas de resgate, o (incluindo diversos médicos) a nal hospitalar, elaborar “guideli- modelo experimental concebido que a imprensa tem dado muita nes” nacionais por patologia (em há cerca de um ano para o preço cobertura e destaque, e perante colaboração c/ as Sociedades compreensivo dos doentes com as quais (se forem efetivamente Científicas e os Colégios respe- HCV só prever a biterapia clás- confirmadas…) a OM deve agir tivos da OM), fazer a avaliação sica, e apenas abranger alguns sem contemplação. farmacoeconómica prévia dos hospitais (com mais de 150 do- Contudo, esta meritória atua- fármacos inovadores, atribuir entes em terapêutica), os Hospi- ção, não deve nunca confundir- os regimes de comparticipação, tais PPP terem ficado de fora das -se com o clima de generalizada negociar os preços com a IF, ne- negociações na ARSLVT para a suspeição que vem recaindo so- gociar o nº máximo de doentes implementação do prometido bre a nossa classe profissional, portadores de patologias com programa de compra centrali- e que assim se vai implantando elevada despesa associada e zada da terapêutica (ex: , veladamente depois do início do cuja medicação é financiada in- , VF Xira, etc), os Hospi- registo dos (potenciais…) confli- tegralmente pelo SNS, e definir tais incluídos em ULS não re- tos de interesse no INFARMED,

72 | Abril | 2014 e a consequente incompatibili- suficientes para que se olhe an- cia hepática crónica terminal? dade legal para o desempenho tes com a máxima atenção para Ou então, o transplante hepático de funções de assessoria técnica o que se passou recentemente na e a terapêutica imunossupresso- no âmbito de algumas comis- Escócia, onde foi precisamente ra consequente para toda a sua sões específicas. gizado um Programa Nacional restante vida? As contas já fo- Trata-se de um caminho perigo- específico com a envolvência de ram feitas por entidades creden- so, que degrada injustamente a médicos, políticos e IF, exemplo ciadas e idóneas: Muito mais do imagem pública de uma classe no qual faz todo o sentido que que a terapêutica antivírica es- que maioritariamente é honesta todos meditem muito bem. pecífica! E o mesmo se poderá e abnegada, tendo agido sem- Aos médicos, em concreto, de- concluir para muitos casos, se pre na defesa dos superiores vidamente ancorados na OM, decidirmos pela utilização gene- interesses dos doentes e do sis- caberá a missão de saber resistir ralizada de esquemas de trata- tema público de saúde. Apetece à tentação de se ficarem apenas mento sub-ótimos… então perguntar: Porque é que pela eterna lamúria inconse- Tenhamos pois a necessária co- os elementos dos Conselhos de quente, sob a forma dos mais ragem de encarar o problema Administração e dos Serviços variados desabafos informais. de frente, e sejamos mas é ca- Farmacêuticos hospitalares que É necessário muito mais do que pazes de desencadear as ações negoceiam os preços dos medi- isso. A bem dos doentes e da sua que se impõem para conseguir camentos com a IF, bem como própria consciência profissional este nobre desiderato. Como se as contrapartidas contra níveis dos seus médicos. Fazer um le- firmava recentemente num arti- de consumo em nome das res- vantamento exaustivo do núme- go da mais conceituada das re- petivas instituições (e suposta- ro de doentes a serem tratados, vistas médicas “… Porventura mente também na salvaguarda produzir “guidelines” nacionais a questão mais desafiante não prioritária do interesse público), atualizadas e credíveis, e juntar- deva ser a de saber se irá haver também não têm de fazer uma -se seguidamente às Associações meios tecnológicos para tratar declaração de teor semelhante à de Doentes para pressionar o convenientemente, de futuro, a mesma entidade? MS e a IF a fazerem o necessá- infeção pelo HCV, mas antes se As questões que levantei acerca rio esforço para que cheguem a irão existir recursos económi- da Hepatite C, não se resolvem um acordo razoável que corres- cos e empenhamento global da pois, a meu ver, sem um Plano ponda efetivamente, quer às ne- própria sociedade em embarcar Nacional específico (e mesmo cessidades identificadas dos do- numa ambiciosa agenda que eventualmente de âmbito Euro- entes, quer às obrigações éticas irá conduzir à eliminação deste peu…) a ser contratualizado a dos médicos, sem provocar uma enorme problema de saúde pú- longo prazo entre o MS e a IF, rotura financeira do SNS. blica …” (Liang, TJ, et al, NEJM, de forma a permitir o tratamen- Trata-se de um caso verdadei- 2013, 368, 20, 1907-1917). to efetivo dos respetivos doen- ramente único na História da A nós, médicos, caberá final- tes necessitados, sem prejuízo Medicina: Em cerca de quinze mente a missão de não defrau- dos restantes doentes portado- anos, a investigação científica dar aquilo que Amato Lusitano res de todas as outras variadas ter tido a capacidade de poder deixou eloquentemente lavrado patologias, sendo obviamente transformar uma doença crónica para a posteridade no seu Jura- de resistir ao “demagógico ime- de evolução lenta e com graves mento (Salónica, 5319) “…Nun- diatismo” de, perante as óbvias complicações que afeta um nú- ca fingi, acrescentei ou alterei em dificuldades vigentes, achar que mero considerável de doentes, minha honra ou que não fosse em a solução está em virar doentes numa doença potencialmente benefício dos mortais … sempre em e/ou médicos especialistas uns erradicável a médio prazo. tudo exigi verdade… nas minhas contra os outros (na alegada Quanto custa afinal (para o do- consultas e visitas médicas nunca tentativa de se resolver este ver- ente, a sua família, e a própria pratiquei a menor torpeza… jamais dadeiro imbróglio, passando a sociedade), em termos diretos fiz coisa de que se envergonhasse repartir o mesmo orçamento por e indiretos (não só económicos, um médico preclaro e egrégio… mais esta patologia!). mas também sociais, e de saúde sempre tive diante dos olhos, para Os argumentos anteriormente física e psicológica), manter vivo os imitar, os exemplos de Hipócra- invocados são então mais do que um doente com uma insuficiên- tes e Galeno, os Pais da Medicina,

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não desprezando as Obras Monu- Bons e avisados conselhos de al- suas estratégias, e acordassem mentais de alguns outros excelen- guém insuspeito que, se fossem num regime de preços que fosse tes Mestres da Arte Médica… fui seguidos, poderiam ser muito efetivamente comportável pelo sempre diligente no estudo e, por úteis, sobretudo se viessem ain- país e pelos seus cidadãos, so- tal forma, que nenhuma ocupação da a ser estendidos aos deciso- bretudo nesta altura particular- ou circunstância, por mais urgente res políticos… mente difícil, ajudando a tornar que fosse, me desviou da leitura dos Àqueles últimos, eu dira que não assim este nobre desiderato per- bons autores…”. podem nem devem deixar de fa- feitamente exequível a prazo. A terminar, uma última mensa- lar com a voz da verdade aos ci- Trata-se pois, eminentemente, gem para os políticos e adminis- dadãos, e que se proclamam que de um problema de cariz ecó- tradores pela voz de Lord Nigel o Estado Social e o SNS são para mico-financeiro que tem uma Crisp (Líder da Plataforma de manter, então têm que coerente- solução de âmbito político, por- Saúde da Fundação Calouste mente propiciar o acesso a estas que as questões científicas ficam Gulbenkian) referida no último terapêuticas a quem delas neces- praticamente resolvidas com a número da Revista Gestão Hos- site, e não arranjar subterfúgios introdução dos novos medica- pitalar (órgão de comunicação burocráticos para os médicos se mentos para esta doença infe- oficial da APAH, Associação verem impossibilitados de uti- ciosa que se estima poder afetar Portuguesa de Administração lizarem os respetivos fármacos entre 100.000 e 150.000 portu- Hospitalar): “… Se eu tivesse que na sua prática clínica. O espírito gueses. dar um conselho a um jovem ges- e a letra da Carta de Direitos e A Sociedade, os Doentes e os tor hospitalar em Portugal, dir-lhe- de Deveres dos Doentes muito Médicos ficar-lhes-iam pois, jus- -ia: assegure-se que compreende as recentemente publicada no DR tificadamente, muito reconheci- questões de natureza clínica, asse- não pode jamais ser uma vã pro- dos… gure-se que compreende o que os messa! doentes desejam, passe algum tem- Aos responsáveis da IF eu tam- Setúbal 2013/04/14 po com eles, oiça as suas opiniões, bém recomendaria que demons- e passe também algum tempo junto trassem que são capazes de in- dos médicos e dos enfermeiros…”. dexar estas preocupações nas

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Leonor Duarte de Almeida

CHLN/ UCP Efeito placebo negativo e o consentimento informado contextualizado Este artigo analisa a encruzilhada ética representada pelo dever de disponibilizar toda a infor- mação possível dos efeitos adversos de qualquer terapêutica ao doente e a possibilidade de uma informação muito detalhada, originar o risco de produção de desconforto inserido nos efeitos acessórios nocebo, nalguns doentes, mais suscetíveis, sob o pressuposto de que a forma como é dada a informação parece modificar o perfil do efeito adverso.

O fim último de qualquer mé- Pensa-se que tal efeito deriva não despiciendo de utilização dico é o de ajudar o seu doen- das expetativas negativas do de medicamentos adicionais, te no processo de cura. Nessa doente face à sua doença, as- prescritos para agora tratar os ação está inscrita a prescrição sociada à ansiedade que a mes- resultados acessórios do efeito de fármacos adequados às mais ma sempre envolve1. Tal efeito nocebo2. Em contraste, os efei- variadas entidades nosológicas pode traduzir-se no aumento tos colaterais específicos, são (e a cada doente em particular), significativo de sintomas não alterações fisiológicas reais re- bem como o explicitar dos seus específicos, originando em con- lacionadas com a acção farma- riscos /benefícios e possíveis sequência alterações do foro cológica e actividade biológica efeitos adversos. psicológico relacionadas com a da droga envolvida, tendendo a Na atuação médica está previs- informação dos efeitos acessó- ser dependentes da dose. to o respeito pelo princípio do rios dos medicamentos. No contexto da importância consentimento informado onde Estes efeitos acessórios não en- que vem ganhando a imple- se inclui a descrição de efeitos volvem sintomas sérios e não mentação do consentimento adversos das terapêuticas a ins- estabelecem uma correlação esclarecido, reforçada pela co- tituir. clara com a ação farmacológica locação em marcha da Norma Cumprindo esse pressuposto do fármaco envolvido, sendo 015/2013 de 03/10, em discussão mesmo sem o desejar, pode o independentes da dose (dificul- pública, levanta-se a questão de médico criar no seu doente o dade de concentração, cansaço, quanta, como e qual, a infor- fenómeno denominado de efei- náuseas, fadiga, cefaleias, insó- mação que deverá ser fornecida to nocebo ou placebo negativo. nias e sensação de mal estar ge- aos doentes, acerca dos efeitos Este efeito traduz-se na existên- ral). Paralelamente ocasionam acessórios dos medicamentos cia de respostas de desconforto, custos acrescidos, motivados prescritos. expressas pelo doente depois pela não adesão à medicação, É também nesse sentido que a da informação recebida, mais procura de consultas desne- questão ético-jurídica da pres- do que de alívio do sofrimento. cessárias, e ainda um conjunto crição de medicamentos off la-

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bel, discutida anteriormente, linguagem utilizada. Se numa a tendência de experienciar o ganha pertinência, sendo certo anestesia local dissermos: - Vai que esperam sentir9. Num outro que mesmo sem cobertura legal, sentir uma dor, parecida com estudo, ficou demonstrado que a prescrição destes fármacos se uma picada de abelha, o doente os doentes que exprimiam mais centra na boa-fé do médico, que sentirá mais dor, do que se ex- efeitos acessórios eram justa- deseja sobretudo preservar a plicarmos de outro modo como mente os que tinham mais apti- saúde visual dos seus doentes por exemplo:- Vamos anestesiar dão para os vir a desenvolver 10. mais vulneráveis. esta zona junto ao seu olho, vai Para alguns doentes uma infor- Estamos pois perante uma en- sentir um adormecimento, o mação muito detalhada sobre cruzilhada ética. Se por um que nos permitirá depois reali- possíveis efeitos acessórios, lado deve ser disponibilizada zar a sua operação, sem sentir pode originar o aparecimento toda a informação possível dos dor4. desses mesmos efeitos, muitos efeitos adversos de qualquer dos quais não teriam ocorrido, terapêutica ao doente, tal como Desse modo a forma como é se a informação não tivesse sido é requerida pelas normas éti- dada a informação parece modi- dada tão pormenorizada e em cas de respeito pela liberdade ficar o perfil do efeito adverso. tão grande quantidade. Os efei- do cidadão e pelo seu direito a Tem-se especulado sobre a exis- tos acessórios são pois ambí- ser informado (consentimento tência de verdadeiros efeitos guos, ao género camaleão, ainda informado e direito a ser escla- nocebo nalguns ensaios clíni- que a sua informação seja em si recido), por outro uma infor- cos, no sentido de os subva- mesma um componente impor- mação muito detalhada, corre lorizar, sendo atribuída a sua tante da relação médico-doente. o risco de produzir desconforto existência ao estado psicológico Não há pois uma só verdade inserido nos referidos efeitos dos participantes. Argumenta- nessa informação, pois infor- acessórios nocebo, nalguns do- -se que muitos desses doentes mar um doente sobre os efei- entes, mais suscetíveis. estariam já de si relutantes em tos adversos de uma terapêuti- receber novos medicamentos, ca, não se resume a uma mera Terá o médico de assumir o seu pa- sendo os efeitos adversos o re- apresentação de factos. É sim pel de médico Sherlock Holmes? sultado da ansiedade e/ou des- um importante componente na É certo que a informação for- confiança, sugerindo-se a sua arte médica e requer um judi- necida a um doente quanto aos não participação5. cioso julgamento por parte do mé- efeitos adversos, de um dado Num estudo realizado para de- dico que informa. medicamento não é totalmente teção de efeitos adversos num inócua, nem constitui um pro- grupo de doentes com enxa- Consentimento informado cedimento neutro para quem a queca, onde num dos braços contextualizado recebe. O desenvolvimento de do ensaio se utilizou placebo, muitos dos efeitos acessórios verificaram-se semelhanças de O chamado consentimento in- descritos e experienciados pelo efeitos adversos entre o grupo formado contextualizado é uma doente, depende do modo como placebo e o grupo recebendo metodologia ética utilizada na tais efeitos são apresentados. medicação antimigranosa6. A prática clinica, que considera a Foi demonstrado, que a utili- informação fornecida aos par- possibilidade da existência de zação de palavras como dor, ticipantes no ensaio, produziu efeitos secundários em doentes determina nos doentes que a no grupo placebo, os mesmos que estão a ser tratados, como ouvem, o aumento desse sin- efeitos acessórios, imitando os resultado de um informação toma. Pelo contrário se em seu efeitos dados pela informação. estandardizada, e que admite lugar for dito uma sensação de Nesse ensaio randomizado, os modular a informação a cada frio um pouco desconfortável, a doentes do grupo placebo ao um em particular, de modo dor diminui3. Recentemente sentirem os efeitos adversos adequado. Pretende dessa for- demonstrou-se que a forma que imitavam a informação ma reduzir os efeitos secundá- como explicamos a um doente o (efeito nocebo), suspenderam o rios induzidos por um diálogo modo como vai ser anestesiado, tratamento numa percentagem médico, muitas vezes apressa- determina a existência de mais variável de 4-26%6,7,8. Parece as- do, somente respeitador de um ou menos dor de acordo com a sim que os seres humanos têm mero dever legal. Este processo

76 | Abril | 2014 personalizado reduzirá a an- municacional, que se estabelece zado, no sentido de proteger o siedade induzida pelo conheci- entre os dois agentes (médico e doente de ansiedade e descon- mento dos efeitos secundários doente), envolvidos no proces- forto. Contudo para que tais si- enumerados, embora mantendo so do consentimento informa- tuações sejam adequadas, será o respeito pelo direito à autono- do. mais acertado que o interno mia do doente, e ao seu direito Este modelo reconhece o carác- informe qual o seu grau de di- a ser informado com verdade. ter interativo de uma comuni- ferenciação, acrescentando que Tal estratégia obriga o médico cação de sucesso, para satis- será ajudado por um médico a estabelecer o justo equilíbrio fazer normas éticas. Também sénior, que em caso de dificul- entre a necessidade em infor- considera que o consentimento dade tomará o seu lugar. mar o seu doente e o respeito informado não precisa de ser Outro exemplo deste tipo de deste como pessoa a quem não totalmente explícito ou exa- prática, surge quando certos se pretende provocar qualquer geradamente específico. Para médicos ao investigarem a pos- dano, respeitando igualmente o que uma transação comunicativa sibilidade de doenças poten- princípio da não maleficência. exista de facto, como reforço de cialmente graves, não dão de Mais do que nunca, quando os referidas nomas éticas, é impor- imediato aos doentes as razões princípios entram em conflito tante que a informação a for- da investigação, até receberem teremos de saber eleger aque- necer seja adequada e precisa, os resultados dos exames soli- le que provocar menor dano, com relevância contextual, em citados. Quando interrogados dado que tais princípios são pri- lugar de uma descrição muito sobre o porquê de tais testes, ma facie tal como ficou expresso completa de uma informação respondem: para excluir outras na última revisão principialista, muito detalhada, cujo significa- situações, sem especificamente que elege o princípio de maior do informativo possa ser ape- descrever o que está a ser exclu- monta para resolver dilemas nas ilusório. ído, e assim proteger os doentes morais, em situação de cons- Surge em resultado da interação de sofrimento desnecessário. O trangimento ético (Principles of entre o médico que é responsá- tempo para a informação real Biomedical Ethics - 5ª Edição – vel e o seu doente, pressupondo surgirá no devido tempo. 2001). que uma boa aliança terapêuti- Outros exemplos a considerar O argumento de que o consen- ca resulta sempre da disposição são os casos de somatização. O timento informado pode ser do médico para respeitar as ne- modo como o médico informa contextualizado fundamenta- cessidades particulares de cada o doente da sua real situação, -se na análise bioética realizada um dos seus doentes, seguindo da existência de uma distonia por Manson e O’Neill11 como em paralelo as guidelines da neurovegetativa por exemplo, um novo caminho para pensar chamada medicina baseada na é de extrema importância, para o C.I., sem regressar ao “pa- evidência12. Centrar a atenção reforçar os laços de confiança. ternalismo” pré Nuremberga. na relação entre o médico e o Essa possibilidade só deve ser Reconhecem que a informação doente, permite intuir que uma avançada, depois de todos os contida num consentimento in- relação bem conseguida, con- testes de causa orgânica terem formado é dependente do con- segue provavelmente mitigar sido descartados. Se numa pri- texto e da sensibilidade em que e qualquer reposta nocebo13. meira abordagem os doentes como é fornecida. Consideram forem informados desse diag- que o modelo de consentimen- Práticas consistentes nóstico, de modo apressado, to informado clássico, estando com o consentimento desligam de imediato do médi- muito focado no fornecimento informado contextualizado co e perdem a confiança14. da informação, como um con- Um exemplo paradigmáti- junto dados armazenados, não A realização de procedimentos co, onde não se diz a verdade valoriza o processo de comu- médico-cirúrgicos, por médicos ao doente, está no conceito de nicação. Propõem então um internos, sem darem ao doente Número Necessário para Tratar novo modelo de consentimento conhecimento da sua pouca ex- (NNT). Certos ensaios clínicos centrado não apenas no conteú- periência, pode ser consistente são criados para demonstrar do do mesmo, mas também na com este conceito de consenti- os benefícios de uma determi- chamada transação social, ou co- mento informado contextuali- nada medicação no tratamento

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ou prevenção de uma doença. direito. Parece assim que sob a efeitos adversos de medicamen- Os resultados revelam o total capa do privilégio terapêutico, tos. Estes efeitos, especialmente número de doentes que neces- o médico se julga no direito de se inespecíficosou vagos, não sitam de receber o fármaco, determinar o que é melhor para constituem um fenómeno obje- para que se verifiquem os seus o seu doente em termos de in- tivo, sendo muito influenciados benefícios numa só pessoa (Nú- formação a fornecer. pela interação entre o médico e mero Necessários para Tratar Na verdade a resposta nocebo o doente. ou NNT). Quando um médico usualmente envolve o desen- Os efeitos adversos não espe- prescreve uma determinada volvimento de efeitos acessó- cíficos, não envolvem sintomas terapêutica para tratar uma hi- rios minor, mas não informar importantes, sendo sintomas pertensão ocular por exemplo, sobre esses efeitos adversos, existentes na população dita não revela a verdade científica, pode ser perturbador para saudável, que não toma os refe- de que terá de tratar 20 doentes, quem os sofre. Por outro lado ridos medicamentos15. para que apenas um deles saia se respeitamos a autonomia do A verdade em medicina é rara- beneficiado com o tratamen- doente como prioridade, sone- mente absoluta, sendo comple- to e não desenvolva glaucoma gar informação sobre efeitos se- xa e incerta e dependendo de (OHTS; Ocular Hypertension cundários potenciais, especial- vários fatores e intercorrências. Treatment Study), Se tal verda- mente se resultam de sintomas Os médicos não podem sonegar de fosse revelada, a não adesão minor, constitui um desrespeito informação ao seu doente, mas seria muito maior e a tendência à sua liberdade. essa verdade pode ser apresen- para tolerar os efeitos acessórios Uma comunicação aberta e ver- tada de diferentes formas. Ade- diminuiria seguramente. dadeira é o pano de fundo para quar a discussão a cada doen- Finalmente se o objetivo últi- a satisfação do doente para com te especifico é não só uma boa mo do médico é ajudar a curar os cuidados de saúde prestados. forma de comunicação, como o seu doente, o fornecer dados O doente sendo encarado cada de boa prática médica, (General sobre todos os possíveis efeitos vez mais como um parceiro, a Medical Council - Great Britain, secundários dos medicamentos, quem se promove o bem-estar, 2008), mantendo-se em para- impede-o de poder voltar atrás. incorpora nesse bem-estar, o lelo o respeito pela autonomia Na verdade o médico que in- conhecimento sobre a sua situ- do doente, estando atento ao forma não consegue reverter a ação clinica e efeitos adicionais, impacto da conversa sobre ele16. informação que forneceu, se o de terapêuticas que lhe sejam O consentimento informado con- doente experimentar o referido aplicadas. textualizado, surge como um efeito nocebo. Se o doente evi- Finalmente pode argumentar- método mais adequado e van- denciar uma série de sintomas -se, que ao fornecer aos doen- tajoso na promoção da infor- incluídos nesse conceito, tentar tes a informação detalhada de mação aos doentes, quanto aos convencê-lo da sua verdadeira efeitos acessórios dos medica- efeitos secundários dos medi- origem e possível imitação da- mentos, se esta informação o camentos17. A decisão de como quilo que ouviu, pode criar uma vier a condicionar, estar-se-á a desenhar esse consentimento e desconfiança e maior distância criar um outra realidade nocebo, decidir qual o limite entre efei- entre o médico e o doente. a qual pode prejudicar a ava- tos adversos, não específicos e liação clinica dos verdadeiros específicos é um julgamento a Argumentos contra efeitos secundários, que seriam que vulgarmente se chama Arte o consentimento informado reconhecidos e registados se de Fazer Medicina, podendo mo- contextualizado omitíssemos essa informação. delar-se e adequar-se mesmo no decorrer do tempo. O maior argumento contra este Conclusão Não há pois uma fórmula única conceito é o de que ele se pare- para obter o consentimento in- ce enquadrar numa perspectiva A resposta nocebo veio colo- formado na prática clinica, de- paternalista, que não valoriza o car em marcha um novo tipo vendo ter-se em consideração principio de respeito pela auto- de consentimento informado, as muitas variáveis capazes de nomia do doente e do respeito quanto à informação a transmi- afetar a sua real obtenção, sen- pela verdade a que este tem tir ao doente, relativamente aos do a contextualização um cami-

78 | Abril | 2014 nho para reduzir o desenvolvi- te, mas simultaneamente per- ética motivador, pelo que deci- mento de efeitos adversos não turbador. Onde ficará o respeito dimos trazê-la à colação neste específicos. pela liberdade do outro e a pro- apontamento. O consentimento informado cura de redução de assimetrias Porque é a viajar para outras contextualizado encarado como entre os dois protagonistas? paragens, para outros territó- uma ferramenta de que os mé- Onde colocar o limite? Sem dú- rios, com o contributo de outros dicos se poderão servir para vida que esta conceção ainda olhares e reflexões que exercita- criticamente refletir sobre que que teórica e a necessitar de mos a imaginação. informação providenciar ao seu comprovação empírica, consti- doente, não deixa de ser alician- tui um ponto de discussão bio-

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Abril | 2014 | 79 oopinião

Maria Cândida Maia

Neuropediatra Colina de Santana e História da Medicina Portuguesa No dia 1 de Novembro de 1755, a maioria da população de Lisboa estava nas inúmeras igrejas para comemorar o dia de Todos os Santos e de repente, pelas 9 horas da manhã, a grande tragé- dia aconteceu: o Terramoto, que segundo os meteorologistas atuais calculam que tenha atingido o grau 9.

Nessa altura, calcula-se que a po- A Companhia de Jesus vem para Museu da Dermatologia Portuguesa pulação de Lisboa devia rondar os Portugal a convite de D. João III e (Museu Dr. Sá Penella, Capuchos) 400.000 habitantes*. A cidade tinha fundam o 1º colégio em Portugal imensos e belos palácios da nobre- que é inaugurado em 1652. No séc. za e dos ricos comerciantes mas o XVIII, com a expulsão dos Jesuítas, resto da população o Colégio de Santo Antão, recebe vivia no limiar da pobreza. A Igre- os doentes do Hospital de Todos ja era poderosa e ditava as regras os Santos, destruído pelo Terra- para toda a Sociedade. O Tejo esta- moto . va cheio de navios, sendo, a par de A nossa visita ao Hospital de S. Londres e de Antuérpia, um dos José iniciou-se na Biblioteca: co- mais movimentados da Europa. O meçamos por subir à “Aula da Paço da Ribeira, a Casa da Índia, a Esfera” onde, no tempo dos Jesu- Ópera e a Sede da Inquisição fica- ítas se ensinava Cosmografia, As- ram em ruínas, bem como o Hospi- tronomia, Geometria, Aritmética, tal de Todos os Santos, construído Náutica, Ótica e Engenharia Mi- na Praça da Figueira entre 1492 e litar. A sala apresenta lindíssimos 1504. azulejos que evocam as matérias Muitas pessoas dirigiram-se para o que eram aí ministradas. Pelos rio procurando refúgio em barcos, corredores e diversas escadas do mas pelas 9 horas e ¼ , o Tejo inva- Hospital, íamos encontrando be- diu a cidade: foi um Tsunami, que líssimos azulejos. A Igreja de Santo deve ter atingido os 12 metros e Inácio foi destruída pelo Terramo- por fim os incêndios, vieram com- to, restando apenas a Tribuna do pletar a destruição. altar-mor e a belíssima Sacristia , As notícias da tragédia chegaram com um pavimento em mármore a Paris e personalidades como Vol- decorado com elaborados motivos taire, Kant e Jean Jacques Rousse- florais. au, escreveram sobre o assunto. Seguimos depois para o Hospital

80 | Abril | 2014 com cenas da vida do padroeiro. No 2º andar estão os quartos dos monges: há um enorme corredor central talvez com 5 metros de lar- gura e as paredes de pedra que o ladeiam devem ter quase um me- tro de espessura. O Balneário, construído por D. Maria II, em 1853, considerado o melhor da Europa, é um belíssi- mo edifício, mas neste momento começa a ser invadido por ervas O Museu Sá Penella, situado no Hosp. dos Capuchos, possui uma das mais daninhas!... numerosas colecções de modelos de cera Perto do Balneário, situa-se uma Pormenor da Biblioteca do Hospital de São José enorme enfermaria constituída por seis blocos (três de cada lado) tendo ao meio um grande corre- dor transversal que facilitava a vi- gilância dos doentes. A Cozinha é também outra cons- trução enorme com a sala de refei- ções quadrada, coberta por uma estrutura metálica de grande di- mensão e enovadora para a época. Em 1896 é construído o Pavilhão Panótico ou de Segurança da au- toria de José Maria Nepomuce- no. Os doentes agressivos eram dos Capuchos que foi parcialmen- do um andar a este claustro com enviados para este Pavilhão mas te destruído pelo Terramoto e em azulejos semelhantes ao do rés do para que não se agredissem a si 1836 D. Maria II, cria um Albergue chão e donde se pode ver grande próprios houve a preocupação de Mendicidade que é aumentado parte do centro de Lisboa. de arredondar todas as arestas do com anexação do Palácio dos Con- Até 1953 foi Hospital Escolar da edifício. Existem mais seis no resto des de Murça. Em 1928 é criado o Faculdade de Medicina e aqui tra- do mundo, mas este é o que está Hospital balhou Egas Moniz, pioneiro da em melhores condições e ainda Logo à entrada está a Igreja de angiografia cerebral e que lhe va- em que o pátio interior se situa ao Santo António, ainda revestida de leu um Nobel, o único atribuído a ar livre. azulejos originais e há que desta- um médico Português. car os do altar mor dedicados ao Uma semana depois, realizou-se a santo padroeiro. Num dos claus- 2ª visita, desta vez ao Hospital Mi- tros há uma cisterna onde repousa guel Bombarda, instalado em 1911 um interessante relógio de sol e no Convento de Rilhafoles e que no claustro seguinte encontra-se o tinha pertencido à Congregação Museu de Dermatologia. da Missão de S. Vicente de Paulo. Seguimos depois para o Hospital A construção data de 1730-1750 e de Santa Marta, instalado no Con- foi pouco afetado pelo Terramoto. vento de religiosas Clarissas do séc No edifício de entrada situa-se no XVI. Tem um lindíssimo´ claustro, rés do chão uma capela, o acesso ajardinado no centro e as galerias ao 1º andar faz-se por uma ampla são revestidas de azulejos em tons escada com um elaborado corri- de azul e apenas com motivos mão de ferro e lá encontra-se o florais. Mais tarde foi acrescenta- Salão Nobre revestido de azulejos

Abril | 2014 | 81 Pub Bolsas_21x29,7.pdf 1 14/04/24 17:15

opinião

Pormenor do Pavilhão de Segurança, uma construção de vanguarda onde cada ângu- lo foi devidamente estudado para a função a que se destinava

O Pavilhão de Segurança, onde está instalado o núcleo museológico do HMB, é um excepcional exemplo do utilitarismo arquitectónico

Parte do espólio do núcleo museológico do HMB

C

M

Y

CM

MY

CY Parte do espólio que pode ser apreciado no núcleo museológico do antigo HMB CMY

Neste hospital trabalharam entre exemplo ver num video uma si- jar a Companhia Nacional de Bai- K outros Miguel Bombarda (1895- mulação do grande incêndio da lado. As seis enormes enfermarias 1910) assassinado aqui no seu cidade em 1666. seriam Salas de Exposição para gabinete e Júlio de Matos (1911- Imagino a grande área do Hospi- eventos culturais e toda a área da 1922). tal Miguel Bombarda transforma- Colina de Santana seria transfor- Eu sei e sinto a época de crise que da num vasto jardim onde se ins- mada num enorme polo de atra- Portugal atravessa, mas não con- talaria condignamente o Museu ção turística. servar o Património é esquecer a da Cidade de Lisboa que deveria Estou certa que perante um pro- História e a nossa Identidade. incluir a simulação do grande Ter- jeto bem elaborado, a Fundação Recordando o London Museum ramoto que deixou atônitos mui- Gulbenkian e a CEE não recusa- que mostra a História da cidade tos Europeus da época. A sala de riam o seu apoio. através dos tempos podemos, por refeições da Cozinha poderia alo-

Referência * Nicholas Shradh,The Last Day:Wrath, Ruin and Reason in the Great Earthquake of 1755, ed.Viking Pen- guin,2008

Nota: Quero agradecer à Ordem dos Mé- dicos e à Sociedade Portuguesa de Ge- ografia que promoveram estas visitas: a 1ª foi guiada pela Dra. Célia Pilão e a 2ª pelo Dr. Vitor Freire a quem agradeço penhoradamente estas memoráveis vi- Mural localizado na Alameda de Santo António dos Capuchos sitas.

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