UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

MAUREEN LOUISE DE PAULI HEINRICH

A ARTE DE SER UMA FANGIRL: !!! ON ICE E A EXPERIÊNCIA DE FAZER PARTE DE UM FANDOM

IJUÍ (RS) 2017

MAUREEN LOUISE DE PAULI HEINRICH

A ARTE DE SER UMA FANGIRL: YURI!!! ON ICE E A EXPERIÊNCIA DE FAZER PARTE DE UM FANDOM

Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Publicidade e Propaganda.

Orientadora: Márcia Regina Conceição de Almeida

IJUÍ (RS) 2017

MAUREEN LOUISE DE PAULI HEINRICH

A ARTE DE SER UMA FANGIRL: YURI!!! ON ICE E A EXPERIÊNCIA DE FAZER PARTE DE UM FANDOM

Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Publicidade e Propaganda.

Aprovado em ___ de ______de 2017

BANCA EXAMINADORA

______Márcia Regina Conceição de Almeida – Orientadora

______Rúbia Beatriz Schwanke– Banca

______Nilse Maria Maldaner – Banca Suplente

Don't stop us now, the moment of truth We were born to make history We'll make it happen, we'll turn it around Yes, we were born to make history Dean Fujioka – History Maker

AGRADECIMENTOS

Ao finalmente enxergar este trabalho finalizado, a única coisa que se passa pela minha cabeça é “todo meu sangue, suor e lágrimas, e meu corpo, mente e alma, eu sei que eles pertencem a você.”1 Para um desavisado, não passa de um drama exagerado de uma autora cansada, mas a verdade, porém, é que esta é a prova definitiva de que metade de mim é fangirl, e a outra também. O trabalho que se segue não seria possível sem vinte e dois anos de vivência extensiva dentro de fandoms. Aos meus pais e meu irmão que embarcaram (quase nunca voluntariamente) nessas duas décadas de pequenas obsessões e muito choro apaixonado pelos motivos mais absurdos, mesmo (e principalmente) quando era difícil entender o motivo de tudo aquilo. No meu coração vocês são, e sempre serão, meu ultimate fandom. Eu amo vocês (demais, demais). Das coisas que eu aprendi com a vida de fangirl, talvez a mais importante seja que você nunca anda sozinho. É por isso que preciso, então, apontar aqui que os últimos cinco anos não teriam sido possíveis sem a presença da Carol e da Jéssica e da capacidade delas de me fazerem começar (e de entender a referência). Esse também é um espaço para lembrar a Roberta que ela é, sim, o Yoongi do meu Namjoon, e que eu não teria terminado isso aqui sem o apoio emocional das madrugadas. Vocês três me fazem querer saber cantar Spring Day. Uma menção honrosa (e muito especial) à Vanessa, à Nadir, à Ana, ao Mateus, à Isa, à Agnes e ao Matheus, por estarem aqui, e por entenderem que a constância não é uma dádiva com a qual fui agraciada, mas o carinho por vocês é. Essa junção extravagante de ideias não teria se tornado real sem o apoio da minha orientadora. Para a professora Márcia Almeida todo o carinho e respeito do mundo por me entender, incentivar e prosseguir ao meu lado (sem duvidar da minha sanidade) em cada decisão. Estás para sempre em meu coração. Aos demais amigos, colegas, alunos e familiares que presenciaram de algum modo os dilemas dos últimos meses: vocês foram incríveis. E finalmente, à quem entende que o tempo é curto demais e o mundo é muito grande, mas, mesmo assim, lembra que nós nascemos para fazer história.

1 A frase é um trecho direto de Blood, Sweat and Tears, do BTS

RESUMO

Com o avanço tecnológico e o uso social da rede mundial de computadores, a formação de comunidades dentro do ciberespaço foi um processo mais do que natural. Dada à oportunidade, os fandoms, comunidades de fãs, acabaram migrando para esse mesmo espaço, alterando a noção do que é ser um fã de entretenimento no século XVI. Esse trabalho visa compreender a formação da cultura de fandom através do estudo do anime Yuri!!! On Ice¸ identificado as interações daqueles que fazem parte da comunidade em redes sociais como Twitter e Tumblr, e analisando a importância das obras transformativas como patrimônio cultural das bases de fãs, para que seja possível entender o seu funcionamento. Para isso são estudados os conceitos de cultura digital, entretenimento, convergência e fandoms, além do cenário da animação mundial, em especial a expansão da animação japonesa no mercado ocidental, dados importantes para compreender as principais características de Yuri!!! On Ice, discutidas posteriormente através da análise de resultados de um focus group. Assim, é possível entender vivem as fangirls dentro desse universo.

Palavras-chave: anime; fandoms; obras transformativas; Yuri!!! On Ice.

ABSTRACT

With the technological advance and the social use of the world wide web, the formation of communities inside the cyberspace was more than a natural process. Given the opportunity, fandoms, also known as fan communities, eventually migrated to that same space, changing the notion of what it is to be an entertainment fan in the 21st century. This work aims to understand the formation of fandom culture through the study of the anime Yuri !!! On Ice¸ identifying the interactions among those who are part of the community on social networks like Twitter and Tumblr, and analyzing the importance of transformative works as cultural heritage of fan bases, so it can be possible to understand its operation. To achieve it, the concepts of digital culture, entertainment, convergence and fandoms are studied, in addition to the world animation scenery, especially the expansion of Japanese animation in the western market, an important data to understand the main characteristics of the Yuri !!! On Ice fandom, discussed later through the analysis of the results obtained on a focus group. With this information, it is possible to understand how the fangirls live inside this universe.

Keywords: anime; digital culture; fandoms; transformative works; Yuri!!! On Ice.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Exemplos de threads informativas ...... 34 Figura 2: Exemplos de threads de paródias ou comparação ...... 34 Figura 3: Exemplos de threads de indicação...... 35 Figura 4: A página do Moments ...... 36 Figuras 5 e 6: Exemplos de posts no Tumblr...... 38 Figura 7: Quadrinho de Yuri!!! On Ice ...... 40 Figura 8: Pôster original de Meu Vizinho Totoro ...... 49 Figura 9: Pôster original de Yuri!!! On Ice ...... 52

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...... 10 1 ENTENDENDO OS CONCEITOS DE CULTURA DIGITAL, ENTRETENIMENTO E FANDOMS: UM GUIA BÁSICO ...... 12 1.1 A organização das comunidades online e sua presença nas redes sociais ...... 30 1.2 Obras transformativas e sua importância na manutenção de um fandom ...... 38 2. ANIMAÇÕES E ANIME: UMA VOLTA AO MUNDO ...... 47 2.1 Nascidos Para Fazer História: Yuri!!! On Ice ...... 51 3. VIVENDO O FANDOM: YURI!!! ON ICE ...... 57 3.1 A Metodologia Adotada ...... 57 3.2 Fangirls!!! No Gelo: Uma Amostra do que Significa Participar de um Fandom ... 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 66 REFERÊNCIAS ...... 70 REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS ...... 71 APÊNDICES ...... 72

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A cultura é um organismo vivo e em constante mudança. A partir da compreensão dessa informação, é fácil entender como o avanço da tecnologia pode ajuda-la a se transformar, ressignificando o consumidor de conteúdo no século XVI. O consumidor de conteúdo de entretenimento deixa de ser apenas receptor da mensagem, tornando-se parte fundamental de sua transformação e emissão, um conceito que Henry Jenkins cunhou como cultura de participação. Os fandoms são comunidades de fãs formadas dentro das mais diversas redes sociais, bebendo das mais diversas fontes de entretenimento. Pessoas com interesses comuns acerca de conteúdos que se reúnem majoritariamente online para discutir, analisar, trocar fotos e vídeos, trocar artes e histórias (conhecidas respectivamente como fanarts e fanfics) e dedicar parte de seus dias a essas atividades. Esses grandes grupos, dentro das comunidades de entretenimento, são geralmente formados pelo público feminino (popularmente conhecidas como fangirls, embora o termo venha sido usado sem distinção de gênero nos últimos anos) e jovem, sedentos não só pela distração oferecida, mas pela ideia de pertencimento e de representação que os fandoms geralmente trazem consigo. A internet transformou também o modo de consumir entretenimento. As redes sociais permitem desde a discussão esmiuçada dos mais diversos aspectos de uma produção até a criação de novos conteúdos baseados no material original, tudo isso para consumo de futuros interessados ou de fãs já consolidados das produções. Tendo seu primeiro episódio exibido em 5 de outubro de 2016 e o último em 21 de dezembro do mesmo ano, totalizando 12 episódios, o anime Yuri!!! On Ice é um exemplo perfeito da expansão rápida de um fandom. Em um período de três meses, o anime esportivo que apresenta a modalidade de patinação no gelo caiu nas graças da internet devido ao seu fandom extremamente vocal nas redes sociais. A história de Yuuri Katsuki e Victor Nikiforov ganhou o mundo, trazendo para sua comunidade até mesmo aqueles que nunca haviam assistindo um anime antes, tudo isso em um período de três meses e com apenas uma temporada confirmada. O papel do público nesses casos se torna fundamental para o sucesso do conteúdo oferecido pelas grandes empresas de entretenimento Este estudo em particular possibilita a pesquisadora aprofundar a reflexão acadêmica sobre a experiência cultural e emocional em um fandom, já que os 11

mesmos fazem parte de sua vivência há anos, sendo parte importante da construção de sua personalidade da adolescência a vida adulta e influenciando em suas relações com o entretenimento e com outras pessoas de modo que nenhum outro ambiente fez, não com tanto impacto emocional. Este trabalho visa explanar o universo das fangirls e dos fandoms expondo principalmente o ponto de vista de quem faz parte dessas comunidades e sua ligação emocional com as mesmas. Para que isso aconteça, são trazidos os conceitos de Cibercultura, Entretenimento, Convergência e Fandoms a partir do referencial teórico construído ao longo da narrativa. Aplicando essa conceituação no mundo real, é possível em um segundo momento apontar as características mencionadas durante o embasamento teórico dentro de um fandom particularmente jovem e seu momento de pico, como é o caso da base de fãs do anime Yuri!!! On Ice. Com isso, espera-se compreender as características em especial deste fandom, além de identificar as interações entre fãs em redes sociais como Twitter e Tumblr e analisar a transformação de conteúdo através de obras transformativas e de sua importância dentro de uma comunidade. Um focus group foi utilizado para o levantamento destas informações. Quanto à organização deste trabalho, após as Considerações Iniciais, o Capítulo Um explora os conceitos de cultura digital, entretenimento e fandom, trazendo referências de autores da área que cunharam vários dos termos descritos aqui, enquanto o Capítulo Dois descreve a explosão da animação japonesa no ocidente até a estreia de Yuri!!! On Ice, importante para a discussão levantada no focus group, material de análise do Capítulo 3, onde fãs do anime relataram suas próprias experiências nesse universo. Os resultados dessa pesquisa são encontrados então nas Considerações Finais, seguidas das referências utilizadas para a realização da mesma.

1 ENTENDENDO OS CONCEITOS DE CULTURA DIGITAL, ENTRETENIMENTO E FANDOMS: UM GUIA BÁSICO

Com quarenta e três segundos e uma ferramenta de busca online, é possível encontrar 711.000 resultados relacionados à palavra cultura, apenas na língua portuguesa. Alguns deles retratam os aspectos mais simples de serem deduzidos com o auxílio de algumas aulas de português básicas do ensino fundamental: cultura é um substantivo feminino de origem latina, sete letras e três sílabas, com pelo menos sete definições rápidas e curtas, satisfatórias o suficiente para preencher uma lição de casa feita às pressas. O conceito de cultura, porém, vai além do amontoado de frases breves e significações rápidas, tendo sido analisado ao longo dos séculos sob os mais diversos vieses, seguindo linhas de estudo e raciocínio distintas dentro e fora da academia, sob o cuidado de diferentes áreas do conhecimento. Estereotipá-la e padroniza-la como tendo apenas uma faceta não é só errôneo, como apaga um universo de possibilidades e ramificações tão grande quanto sua vertente original. A UNESCO2, Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, em sua Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural, de 2002, define cultura da seguinte maneira:

Conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças [...] A cultura se encontra no centro dos debates contemporâneos sobre a identidade, a coesão social e o desenvolvimento de uma economia fundada no saber.

A partir disso, é possível entender que o conceito de cultura reflete imediatamente à construção do ser humano, não só como indivíduo, mas como parte de bolhas sociais construídas pelos mesmos de acordo com uma série de fatores passíveis de alteração diante de diferentes cenários. Tudo que o ser humano produz e todos os seus resultados refletem diretamente nas pegadas que ele vem deixando e vai a continuar a deixar no mundo. “[...] O conceito de cultura, quaisquer que sejam suas elaborações específicas, pertence à família dos termos que

2 Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001271/127160por.pdf (Acesso em março/2017) 13

representam a práxis humana” (BAUMAN, 1975, p. 138). Quando se trata da visão popular, porém, da percepção das grandes massas, a ideia de cultura está intimamente ligada primeiramente à nacionalidade ou regionalidade, pensando-se imediatamente em costumes e tradições de diferentes regiões do mundo como representação perfeita do conceito de cultura, e em segundo lugar a uma imagem hierárquica que acredita que cultura se refere apenas ao conteúdo produzido por altos escalões da sociedade e com alto investimento, não apenas monetário, mas intelectual, do qual apenas pequena parcela da população pode usufruir ou participar. Esse tipo de ideia é limitada por motivos simples, como propagar um conceito incompleto de cultura, até chegar a grandes problemas, como o apoio a opressão de culturas já marginalizadas e até mesmo extinção total daquelas que morrem aos poucos pela falta de visibilidade.

A cultura humana, longe de ser a arte da adaptação, é a mais audaciosa de todas as tentativas de quebrar os grilhões da adaptação como obstáculo fundamental à plena revelação da criatividade humana. A cultura, sinônimo da existência especificamente humana, é um audacioso movimento a fim de que o ser humano se liberte da necessidade e conquiste a liberdade para criar. É – parafraseando Santayana – uma faca com a ponta aguçada sempre pressionando o futuro. (BAUMAN, 1975, p. 179)

Da cultura pode fazer parte a coleção de arte renascentista bem protegida dentro das paredes de um museu, mas também é a manifestação de todos os tipos de dança, do frevo ao funk ao tango, nas ruas da cidade. Cultura são os hábitos de um povo recluso na Oceania, e a videografia do Michael Jackson passando na MTV em todo aniversário de sua morte. Cultura são as odes entoadas aos deuses do imaginário coletivo, e as odes entoadas a mortais que se sentem, e muitas vezes são tratados, como deuses andando na Terra. Cultura é o que ficou do passado, e o que é criado todos os dias, consciente ou inconscientemente. “A cultura, tal como a vemos em termos universais, opera no ponto de encontro do indivíduo humano com o mundo que ele percebe como real” (BAUMAN, 1975, p.178). Esse é o conceito utilizado aqui. A cultura, do mesmo modo que elementos que fazem parte dela, como a arte e a linguagem, é um organismo vivo e em constante alteração e renovação. Não é surpreendente, então, o seu desdobramento em uma infinidade de tipos, como por exemplo, a cultura pop, que trata de toda a produção de entretenimento popular das últimas décadas. As ramificações e os tipos e gêneros de cultura não são apenas 14

notados, mas estudados em uma base diária, sempre com a finalidade de compreender a psique humana e o seu comportamento diante de diversos cenários e situações.

Vivemos em um mundo hiperconectado. Vive-se hoje rodeado por telas, é a tela do smartphone, da TV, do iPod, do GPS, do iPad, do relógio. E a tendência é que tudo isso se torne uma única tela, pelo menos quando estamos em casa (HILER, 2014, p.19).

Levando em consideração a explosão tecnológica das últimas décadas, especialmente nos meios de comunicação, é impossível não pensar no surgimento da chamada cultura digital, ou cibercultura. O modo como as pessoas se comportam na Internet e como elas trabalham para a expansão desse espaço define esses novos costumes e práticas e o quão diferentes elas são daquelas que caracterizam o mundo fora da rede mundial de computadores.

O ciberespaço é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo "cibercultura", especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY, 1999, p. 16).

A primeira coisa que precisamos compreender é que a tecnologia não foi aprimorada para ser elemento social, em um primeiro instante. A tecnologia, desde as grandes revoluções modernas, foi pensada para aliviar ou automatizar o trabalho manual, para acelerar a produção e baratear ou eliminar mão-de-obra, facilitando a expansão da indústria e valorizar ainda mais o mercado. É o toque de Midas humano que toma as rédeas da situação e transforma o ciberespaço no que ele é hoje, um lugar de inteligência coletiva e troca de informação. Esse processo de deixar a tecnicalidade de lado e transformar computadores em máquinas pessoais teve início nos anos 70, mas realmente explodiu durante os anos 80 e 90. O mais interessante talvez seja a espontaneidade do movimento, a falta de um incentivo real ou uma grande campanha para que as pessoas tomassem frente das redes. A contracultura dos anos 70 com certeza impulsionou essa migração, mas o real motivo dessa tomada de ambiente ainda se firma no fato da 15

necessidade humana de se comunicar, e de sempre buscar novos métodos de fazê- lo. Com os anos 2000 e a facilidade de acesso aos aparelhos que conectam seus consumidores a rede mundial de computadores, a popular internet, transformou completamente o cotidiano social. A internet é lar das redes sociais, espaço para criação de conteúdo e pesquisa, para um excesso de informações e de informalidades que se proliferam rapidamente. Praticamente tudo se encontra a um clique de distância, qualquer pergunta podendo ser respondida com uma busca rápida no Google.

O fato é que essas chamadas redes sociais fazem parte de uma nova revolução digital que impacta nossas relações com as pessoas e com as marcas. Sim, há pensadores contemporâneos que classificam esse cenário que vivemos hoje como uma verdadeira revolução. A exemplo do que foi a revolução do surgimento da escrita, a revolução industrial, a revolução gutemberguiana da imprensa ou a revolução francesa séculos atrás, enxerga-se esse fenômeno da web e seus desdobramentos digitais como uma verdadeira revolução. Eu sou obrigado a concordar (HILER, 2014, p.23).

Talvez seja essa a fonte de fascinação de seus usuários, o que atraia cada vez mais gente para seus ambientes online. A noção de que tudo pode ser feito, tudo é possível e perdoável, desde que seja feito de forma anônima. Hábitos são criados, comunidades inteiras formadas e olhos sempre atentos às telas mais brilhantes que agora moram nas palmas das mãos. Nada mais passa despercebido. Se no passado fotos eram reservadas para ocasiões especiais, um luxo caso se tratasse de um filme de 36 poses, hoje a selfie se tornou atração indispensável para se registrar literalmente qualquer coisa. A Nova Conjugação Verbal das Redes Sociais traz um exemplo perfeito dos hábitos criados nessa revolução digital:

Eu tuíto. Tu curtes. Ele compartilha. Nós respondemos. Vós comentais. Eles se expõem. Eu publico. Tu retuítas. Ele cutuca. Nós curtimos. Vós favoritam. Eles compartilham. Eu escrevo. Tu comentas. Ele curte. Nós lemos. Vós retuítas. Eles cutucam. Eu me logo. Tu deslogas. Ele finge que trabalha. Nós compartilhamos. Vós retuitais. Eles se deslogam. Eu leio. Tu postas. Ele favorita. Nós cutucamos. Vós comentais. Eles trolam. Eu cutuco. Tu cutucas de volta. Ele uploada. Nós trolamos. Vós logais. Eles curtem. Eu postava. Tu não curtias. Ele fingia que lê. Nós lemos. Vós trolais. Eles favoritam. Eu filmo. Tu publicas. Ele comenta. Nós assistimos. Vós tuitais. Eles não assistem. Eu dou check-in. Tu não percebes. Ele curte. Nós não lemos. Vós cutucais. Eles dormem. Eu me vicio. Tu também. Ele se desloga. Nós nos intoxicamos. Vós publicais. Eles não lêem mais. Eu trolo. Tu trolas. Ele trola. Nós trolamos. Vós trolais. Eles trolam. Eu posto. Ninguém curte. Eu choro (HILER, 2014, p. 49). 16

Assim, um dos cenários mais intrínsecos a comunicação e a atual cultura digital é, em um primeiro momento, a de cultura de participação. A internet e o ciberespaço possibilitaram que o consumidor deixe de ser agente passivo do sistema, e sim item principal da transmissão de mensagens. A inteligência coletiva e o acesso às redes possibilitou que o público criasse e reproduzisse tanto conteúdo quanto a indústria, alterando a linha imaginária de emissão de mensagem com a qual se trabalhava anteriormente. A cibercultura possibilitou a noção e aceitação da existência de comunidades online, e essas comunidades passaram a trabalhar juntas para desenvolver suas próprias práticas, técnicas e modelos de comunicação (que serão discutidos ao decorrer da conversa sobre comunidades de fãs). A cultura participativa caminha diretamente ao lado da mídia e, especialmente, ao mercado do entretenimento.

A circulação de conteúdo de mídia dentro da cultura participativa pode servir a uma variedade de interesses, alguns deles culturais, outros pessoais, ou políticos e econômicos. Não estamos afirmando que os fãs estejam de algum modo resistindo ao capitalismo de consumo e seus regimes de propriedade intelectual por meio desses vários processos e práticas, uma vez que muitas dessas atividades não autorizadas poderiam indiretamente beneficiar marcas e empresas de mídia. Sejam quais forem os motivos da audiência, ela pode descobrir novos mercados, gerar novos significados, renovar franquias já enfraquecidas, apoiar produtoras independentes, localizar conteúdo global que nunca foi comercialmente introduzido num mercado local, ou interromper e reformatar as operações da cultura contemporânea enquanto acontecem todas essas coisas. Em alguns casos, esses resultados são o objetivo direto da cultura participativa; em outros, são uma decorrência (JENKINS, FORD, GREEN, 2015, p. 46).

O relacionamento do ser humano com o entretenimento é ao mesmo tempo simples e extremamente complexo, criando seu próprio pequeno paradoxo. A arte de distrair, entreter ou divertir, como geralmente é definida, não só se manifesta através de diversas ferramentas e atos, mas ocupa boa parte do cotidiano social. O objetivo costuma ser o mesmo, independente do tempo ou do local: a fuga da realidade maçante, o dispersar do peso da vida real coloca sob cada par de ombros. O entretenimento é uma das partes essenciais da vida humana porque traz com ele o gosto de vidas que seus espectadores nunca vão experimentar, um placebo para experiências e sensações impossíveis de serem adquiridas através de qualquer outro meio. É isso que faz com que as pessoas se apaixonem por histórias 17

que possam ser absorvidas, aprendidas, incorporadas de maneira que pareçam pertencer a aqueles que as percebem.

O termo “entretenimento” possui significados ligados ao divertimento, à distração e ao passatempo. Por muito tempo, esses significados estiveram atrelados ao conceito de pecado ou ao que era permitido apenas à elite da sociedade. Trigo (2003) destaca, entretanto, a amplitude que o termo entretenimento adquire na sociedade pós-industrial, principalmente nos Estados Unidos a partir de meados no século XIX, quando passa a ser associado ao popular (de forma pejorativa é associado a algo menor e desprezível), distante, portanto, da cultura elitista, da nobreza, da intelectualidade e do artístico tal como entendido até então (MARQUES, LEITE, 2006, p. 2).

Se partirmos da prerrogativa de que o tempo gasto pelo ser humano em atividades que são vitais para sua sobrevivência diariamente, como alimentação, controle de temperatura e necessidades fisiológicas, é mínimo, todo o resto de sua existência precisa ser preenchido com algo. Essas horas são divididas entre trabalho e educação, atividades que em teoria são essenciais na sociedade moderna porque possibilitam a obtenção daquilo que realmente é necessário para a sobrevivência, e as demais são preenchidas com distintos tipos de passatempos. Na antiguidade, em lugares considerados pilares da civilização moderna, como a Grécia e Roma, o entretenimento era disseminado popularmente principalmente através do teatro de rua, dos contadores de histórias e dos músicos. O Coliseu, uma das sete maravilhas do mundo atual, era utilizado para encenações de viagens marítimas, batalhas de gladiadores e execuções, abrigando um público de quase oitenta mil pessoas, sedentas por aquele tipo de espetáculo. Dentro dos palácios, os governantes e a alta sociedade dispunham de atores, músicos e palhaços particulares, prontos para atender suas necessidades a qualquer momento do dia.

É preciso destacar que o lazer e, consequentemente, o entretenimento podem ser percebidos de forma distinta por diferentes segmentos, dependendo do poder aquisitivo, de interesses pessoais, de tempo disponível, etc. Considerando que entretenimento está associado ao divertimento, à distração e ao passatempo podem ser acrescentadas muitas outras atividades relevantes, pensando em públicos específicos: crianças, mulheres, jovens, executivos, etc. Para os jovens, por exemplo, essas atividades podem se concentrar em: dançar, ir ao cinema, assistir televisão, comer, beber, ouvir música (rádios, CDs, i-Pods, etc.), praticar esportes/ ginástica, etc. Para empresários em: leitura, esportes, cinema, teatro, jantar com amigos, dentre outros. (MARQUES, LEITE, 2006, p. 5)

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Com o passar dos séculos (e o desenvolvimento de leis que garantiam os direitos humanos e de proteção aos animais em diversas nações), a indústria foi se adaptando ao público e as ferramentas e espaços que lhes são oferecidas, sem perder seu caráter inicial. O final do século XIX trouxe o rádio, que em um primeiro momento foi usado apenas dentro do exército, em seguida sendo aberto para transmissão de informações a civis. Não levou muito tempo para que o instrumento passasse a ser utilizado para fins de entretenimento. Uma das primeiras experiências foi a de Orson Welles e sua transmissão da adaptação de Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, em 1938. O caso foi tão pioneiro que espalhou pânico nos Estados Unidos entre aqueles que não compreenderam que estavam ouvindo uma obra de ficção, e acreditaram que se tratavam de notícias reais de uma invasão. Foi um passo para a incursão de outras obras, e então da criação de conteúdo diretamente para o meio, as chamadas radionovelas. Na mesma época da criação do rádio, os irmãos Lumiére criavam o cinematógrafo e davam início a arte do cinema, com filmes curtos que retratavam cenas simples do cotidiano, como trens saindo da estação ou operários saindo de uma fábrica ao final de um dia de trabalho. Não levou muito tempo para que a mesma ideia aplicada ao rádio chegasse a mente dos então cineastas: se antes as telas serviam apenas para retratar curtos momentos do cotidiano, ficção também poderia ser criada e mostrada nelas, atraindo cada vez mais público e se tornando um marco em ambas as indústrias da comunicação e do entretenimento para uma geração inteira. A explosão tecnológica das décadas seguintes permitiu que agora a massa tivesse os mesmos privilégios dos poderosos da antiguidade, levando o entretenimento para dentro das casas de seus públicos, além de ampliar consideravelmente as opções e a comodidade para aqueles que preferem a experiência conjunta e a interação com outras pessoas. A invenção da televisão no final da década de 20 e sua popularização nos anos 30 e 40 veio para reforçar esse princípio e realocar a estrutura social. A televisão era o melhor do rádio e do cinema unidos na comodidade do lar da população. A televisão foi por muito tempo o paraíso do produtor de conteúdo, por poder exibir todos os formatos de vídeo que suas mentes criativas pudessem providenciar. Os filmes que antes só podiam ser assistidos dentro das salas lotadas de cinema 19

agora pertenciam a cada telespectador sentado em seu sofá. As radionovelas agora possuíam imagens para acompanhar suas tramas, tornando todo seu enredo muito mais interessante. E os formatos não paravam aí. Programas com um auditório real? Shows de variedade? Transmissões de partidas de esportes? Todos eles têm seu espaço garantido dentro do maravilhoso mundo da televisão, possibilidades infinitas para todos os públicos em todos os horários e em mais de duzentas opções de canais. Mas, se a televisão é a prima mais jovem do cinema e mais rica do rádio, a internet é a adolescente milionária que acabou de se mudar para o final da rua. A rede mundial de computadores e sua popularização nos anos dois mil definiu o entretenimento como conhecemos hoje. Por sua acessibilidade e rapidez de propagação, ela se tornou o instrumento ideal para não só levar o conteúdo de mídias tradicionais mais longe, mas também criar e disponibilizar seu próprio conteúdo, um mundo gigantesco dentro do mundo, promovendo a união do que antes era trabalhado como individual, misturando, transformando e interligando. Na Internet, que pode ser acessada através de uma diversidade de aparelhos, é possível ouvir rádios de todos os lugares do mundo, assistir filmes recém-saídos do cinema e acompanhar séries de televisão criadas especialmente para o ambiente virtual. É possível ouvir música e assistir aos videoclipes que antigamente só eram exibidos na MTV, jogar jogos sem a necessidade de controles ou dispositivos específicos, ler livros, criar e divulgar conteúdo próprio, conversar com amigos, entre outras centenas de atividades, e tudo isso de qualquer lugar imaginável. Do conforto de uma cama antes de dormir ao último banco do ônibus lotado a caminho do trabalho todas as manhãs. Não há limites para seu alcance enquanto tecnologia, embora ainda exista limitação de acesso por parte da população. Mas é claro que nem tudo são flores e que a indústria está longe de ser perfeita. O espaço do entretenimento é ideal para a venda, e essa pode ser de qualquer coisa. Venda de uma ideologia, de morais e valores, venda de estereótipos e padrões e obviamente, produtos e serviços. É fácil disfarçar tudo isso dentro de um conteúdo feito para distrair, e o consumidor também está mais propício a aceitar aquilo que lhe é oferecido de forma mais sutil do que um comercial direto de trinta segundos. Ambas indústrias têm um objetivo claro: a busca da fidelidade de seu consumidor. O casamento da publicidade com o entretenimento é digno do título de almas gêmeas. 20

Se um comercial divertido tem o poder de chamar a atenção do consumidor, imagine que possibilidades não existem se juntarmos a mensagem publicitária com o conteúdo do entretenimento, fundindo de vez as identidades do espectador e do consumidor, mesmo correndo risco da coisa dar errado. As parcerias com o entretenimento não tornam a publicidade apenas mais atraente, mas também a tornam impossível de ser evitada. Você não tem como pular a cena em que aparece o produto sem pular, no ato, uma parte do programa (DONATON, 2008, p. 38).

Fugindo dos comerciais e das inserções ocasionais de produtos, muitas marcas tornam-se parte do conteúdo, integrando-se naturalmente ao conhecimento do telespectador sobre ele e sua identificação. É impossível falar da personagem Sue Sylvester, a técnica de personalidade forte da série musical Glee, sem se lembrar de seus conjuntos esportivos da marca Adidas. No cinema, a marca já pode presente no título do próprio filme, como no caso da famosa joalheria de Breakfast At Tiffanny’s (Bonequinha de Luxo, em português), ou a marca de roupas que nomeia O Diabo Veste Prada. Qualquer espectador é bombardeado pelas mais diversas empresas ao assistir um episódio do reality show RuPaul’s Drag Race, uma competição entre drag queens3 onde várias das premiações são produtos de marcas parceiras, além do grande prêmio incluir um estoque de maquiagem da marca Anastasia Beverly Hills, o que é anunciado sagradamente todo início de programa (o próprio RuPaul do título se refere mais a marca do que ao apresentador(a) do programa). Bruno Mars canta sobre um vestido da marca Versace jogado no chão em Versace On The Floor, enquanto o grupo de pop coreano BTS elogia uma garota por seu visual com seu tênis Converse de cano alto em Converse High. Essa união entre publicidade e entretenimento também ajuda a “humanizar” as produções, já que os consumidores podem adquirir exatamente as mesmas coisas sobre as quais leem/veem/ouvem ou ir aos mesmos lugares e ter as mesmas experiências, fazendo com que se sintam ainda mais parte do conteúdo do qual são fãs. E esse é, primordialmente, um dos primeiros modos de conectar público e conteúdo.

Os grandes grupos ou conglomerados de comunicação, como são chamados, têm se preocupado em interagir com seus públicos, buscando retê-los e, dessa forma, ampliar seus clientes. A tecnologia cada vez mais permite continuidade, as pessoas podem ligar de seus telefones fixos ou móveis, acessar a Internet para complementar o que assistiram, discutir com outras pessoas. Com a TV digital as pessoas poderão assistir a sua

3 Personagens criados por artistas performáticos que se travestem, fantasiando-se cômica ou exageradamente com o intuito artístico. 21

programação preferida na hora em que desejarem, eliminando campanhas publicitárias nos intervalos, o que com certeza revolucionará todo o mercado publicitário nas formas de divulgação de produtos e serviços (MARQUES, LEITE, 2006, p. 9).

Pode-se entender então que o modo de consumir entretenimento mudou tanto quanto os meios pelos quais ele é propagado. Longe de ser apenas um receptor para a mensagem final, um mero espectador absorvendo conteúdo, o consumidor se torna um transformador, participando ativamente não só da transmissão da mensagem, mas de sua alteração e compreensão para outros consumidores. O consumidor, que antes não passava de um alvo, agora faz parte das engrenagens da indústria, participando ativamente de mais de uma etapa de criação, produção e distribuição, direta ou indiretamente.

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo. Nem todos os participantes são criados iguais. Corporações – e mesmo indivíduos dentro das corporações da mídia – ainda exercem maior poder do que qualquer consumidor individual, ou mesmo um conjunto de consumidores. E alguns consumidores têm mais habilidades para participar dessa cultura emergente do que outros. (JENKINS, 2009, p. 31)

A capacidade de agregar diferentes mídias para que funcionem em um mesmo contexto e a possibilidade da intervenção e colaboração do público com o conteúdo original ficou conhecida como cultura de convergência. Henry Jenkins, principal pesquisador desse fenômeno, a descreve da seguinte maneira:

A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros. Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo midiático e transformados em recursos através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana. Por haver mais informações sobre determinado assunto do que alguém possa guardar na cabeça, há um incentivo extra para que conversemos entre nós sobre a mídia que consumimos. Essas conversas geram um burburinho cada vez mais valorizado pelo mercado das mídias (2009, p. 31).

Um dos aspectos da convergência é “quebrar” as paredes que isolam conteúdos similares em mídias distintas. O que antes só poderia ser apreciado de um modo, hoje pode ser vivido como uma experiência total, com diversos lados e 22

visões e histórias. Um exemplo forte disso é a parceria entre a Marvel Studios (tanto na área dos quadrinhos quanto na divisão cinematográfica) e a Netflix. O roteiro de algumas séries da rede de streaming4 de vídeos como Marvel’s Daredevil e Marvel’s Jessica Jones não seria possível se estas não fossem diretamente conectadas aos filmes Vingadores e Vingadores: Era de Ultron lançados pelo estúdio pertencente a Disney. Do mesmo jeito, a repaginação do quadrinho Alias, que conta a história da heroína Jessica Jones, não poderia ter sido feita sem a série da Netflix. A convergência une meios distintos e estende a vida “útil” do conteúdo, sem simplesmente precisar disponibilizá-lo em várias versões. A convergência também se adapta ao estilo de vida do público. A mera existência de sites responsivos veio da observação de que cada vez mais o consumidor tem deixado os computadores e notebooks de lado e optado por seus celulares e smartphones na hora de acessar a internet. O boom dos aplicativos para celular de grandes nomes dentro do mundo das redes sociais, como Twitter e Facebook, para que seu acesso seja mais fácil dentro desses dispositivos, e a criação de redes feitas especialmente para esses aparelhos, como Instagram e WhatsApp, só reforçam essa ideia. A indústria do entretenimento não ficou atrás. A Netflix possibilitou o download de determinadas séries dentro de seu aplicativo de celular para aqueles espectadores que gostam de assistir a programação no caminho do trabalho ou em viagens curtas, assim como o Spotify permite o download de músicas na versão premium para quem quiser ter acesso mesmo sem internet de qualidade a disposição. Uma centena de jogos que cabem perfeitamente na tela de smartphones foram criados e disponibilizados e seus downloads passam da casa de milhões. Em abril de dois mil e dezessete, o grupo misto de kpop5 K.A.R.D., da DSP Media, em parceria com a marca de eletrônicos LG para o lançamento de seu novo celular G6, lançou o vídeo de sua terceira música de trabalho, Rumor, em formato vertical, perfeito para as telas de celulares. Dias depois, uma nova versão no formato tradicional também foi disponibilizada.

Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de

4 Conteúdo multimídia disponibilizados pela internet 5 Música pop sul-coreana 23

consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos (JENKINS,2009, p. 46).

A convergência abre espaço para maior participação do seu consumidor. Ser apenas o receptor da mensagem deixou de ser atraente ou vantajoso para os consumidores de entretenimento. A experiência de fazer parte do conteúdo disponível, ou contribuir para ele, é o real ponto chave da indústria no século vinte e um. Chega de espectadores passivos. Agora são eles quem dita as regras, ou ao menos eles possuem a sensação de que o fazem, seja direta ou indiretamente, legalmente ou não. A inclusão digital e popularização de ferramentas simples de produção e edição de imagens, áudio e vídeo contribuem exponencialmente a essa realidade.

A convergência não envolve apenas materiais e serviços produzidos comercialmente, circulando por circuitos regulados e previsíveis. Não envolve apenas as reuniões entre empresas de telefonia celular e produtoras de cinema para decidirem quando e onde vamos assistir à estreia de um filme. A convergência também ocorre quando as pessoas assumem o controle das mídias (JENKINS, 2009, p 45).

Isso possibilita que o domínio do espectador deixe de ser o sofá e passe a ser o mundo, principalmente o digital. A sua voz passa a ser ouvida quando o mesmo vai para as redes sociais e se manifesta a respeito de seus interesses, quando entra em contato direto com as produtoras de conteúdo e faz com que seus elogios e reclamações sejam ouvidas a nível mundial. Foram os fãs de séries como Gilmore Girls e Full House que foram as redes pedir que novas temporadas fossem produzidas, e a indústria, pressionada, realizou esses pedidos. Também foi a força dos fãs de RuPaul’s Drag Race que levou o programa a um novo dia de exibição e a um canal maior nos Estados Unidos (da pequena LogoTV para a popular VH1. No Brasil, além de temporadas disponíveis na Netflix, o canal Comedy Central apresenta a sétima temporada).

A era da convergência das mídias permite modos de audiência comunitários, em vez de individualistas. Contudo, nem todo consumidor de mídia interage no interior de uma comunidade virtual, ainda; alguns apenas discutem o que veem com amigos, com a família e com colegas de trabalho. Mas poucos assistem à televisão em total silêncio e isolamento. Para quase todos nós, a televisão fornece material para a chamada conversa na hora do cafezinho. E, para um número crescente de pessoas, a hora do cafezinho tornou-se digital. Fóruns on-line oferecem uma oportunidade para 24

os participantes compartilharem conhecimento e opiniões (JENKINS, 2009, p. 54).

As redes sociais se adaptaram para que a discussão de conteúdo de entretenimento fosse feita dentro de seu ambiente digital. O Facebook oferece a opção de compartilhar com o seus usuários o que cada um está fazendo, vendo, ouvindo ou lendo, criando assim correntes de discussões pessoais, além da possibilidade de criação de grupos ou páginas inteiras dedicadas ao entretenimento. No Twitter, os Assuntos do Momento estão repletos de comentários sobre lançamentos recentes da música, cinema ou televisão, enquanto o YouTube possuí uma grande comunidade dedicada a criar vídeos dando seus pareceres sobre cada assunto. Séries como Stranger Things e Sense8 (ambas da Netflix) receberam grande atenção do público nessas redes, o que levou a confirmação de produção de novas temporadas.

Pode-se afirmar que fãs de alguns cultuados programas de televisão são capazes de exercer maior influência sobre as decisões de programação numa era de economia afetiva. [...] Os fãs têm visto no ar mais programas que refletem seus gostos e interesses; os programas estão sendo planejados para maximizar elementos que exercem atração sobre os fãs; e esses programas tendem a permanecer por mais tempo no ar, pois, em casos extremos, têm mais chance de serem renovados (JENKINS, 2009, p. 98).

Sense8, obra das irmãs Wachowski (responsáveis também por Matrix, um dos primeiros exemplos de convergência de mídias), também é um exemplo ao responder a um pedido do público geral dentro das redes: entretenimento que mostrasse não apenas o padrão da televisão mundial (geralmente com personagens brancos, ricos e heterossexuais), mas que retratassem a diversidade das ruas e o modo de vida de cidadãos de diversos lugares do mundo. Séries como Brooklyn Nine-Nine (FOX), Jane The Virgin (The CW) e Orange is The New Black (Netflix) também apresentam personagens diversos sem que o assunto seja tratado levianamente ou de modo a ridicularizar seus personagens por suas características. A convergência também ocorre quando a indústria começa a escutar seu público e produzir o que ele quer assistir.

Os fãs sempre foram os primeiros a se adaptar às novas tecnologias de mídia; a fascinação pelos universos ficcionais muitas vezes inspira novas formas de produção cultural, de figurinos a fanzines e, hoje, de cinema digital. Os fãs são o segmento mais ativo do público das mídias, aquele que 25

se recusa a simplesmente aceitar o que recebe, insistindo no direito de se tornar um participante pleno. [..] À medida que a produtividade dos fãs se torna pública, ela não pode mais ser ignorada pelas indústrias midiáticas, tampouco pode ser totalmente controlada ou aproveitada por elas (JENKINS, 2009, p. 196).

Na língua inglesa, a palavra fandom é utilizada para se referir a um grupo de fãs. A sua construção vem de fan (abreviação de fanatic, fanático) e dom (sufixo utilizado para identificar domínio ou estado, como em kingdom, reino). Com a internet, a palavra se espalhou pelo globo, adaptando-se ao vocabulário em línguas distintas, sem que uma tradução seja necessária dentro do meio no qual ela é mais utilizada. Talvez a dúvida mais comum acerca do assunto seja o que difere um fandom de um fã-clube. A resposta, na verdade, é realmente simples: o segundo possuí um caráter mais oficial, com regras bem estabelecidas e a necessidade de um pedido de entrada ou algum modo de inscrição, enquanto o primeiro engloba fãs como um todo, independente se estes façam ou não parte de uma organização. Um fandom pode ser formado por diversos fã-clubes ou não possuir nenhum em seu meio.

Os fandoms são um tipo de coletividade (no qual eles agem como comunidades em vez de indivíduos) e conectividade (no qual seu poder é ampliado por seu acesso às comunicações ligadas em rede) cuja presença está sendo sentida na cultura contemporânea. Os membros de minorias ou comunidades subculturais, vários tipos de ativistas e grupos DIY, e diferentes grupos de afinidades também estão vinculados por meio de “sociabilidade” e “identidade” compartilhadas, bem como procuram “direcionar atenção” por meio de suas ações on-line (JENKINKS, FORD, GREEN, 2015, p. 163).

Um dos itens mais interessantes quando o assunto é grupo de fãs é que esses grupos podem se formar ao redor de literalmente qualquer assunto, do político (que muitas vezes é resistente ao mercado) até o de entretenimento, este último sendo o foco deste trabalho. Não é preciso ir muito longe para encontrar músicos com extensos fandoms, e ilustradores independentes que postam seus trabalhos em redes sociais e arrastam admiradores sedentos por seus próximos trabalhos. A maleabilidade dos fandoms e como eles podem surgir em qualquer ambiente, a partir de qualquer material, é o que mantém a cultura de fandom viva e expressiva, longe de ter em vista uma data de expiração. E é claro, a internet e a cultura digital transformaram os fandoms, expandindo- os e conectando grupos distintos que talvez nunca se encontrariam em situações 26

fora da rede, mas atribuir o seu nascimento a evolução tecnológica é ignorar a força e o envolvimento real desses grupos.

A web representa um lugar de experimentação e inovação, onde os amadores sondam o terreno, desenvolvendo novos métodos e temas e criando materiais que podem atrair seguidores, que criam suas próprias condições. Os métodos mais viáveis comercialmente são então absorvidos pela mídia comercial, seja diretamente, por meio da contratação de novos talentos e do desenvolvimento de trabalhos para televisão, vídeo e cinema com base nesses materiais, seja indiretamente, por meio da imitação da mesma qualidade estética e temática. Num mundo assim, os trabalhos dos fãs não podem mais ser encarados como simples derivados de materiais comerciais, e sim como sendo eles próprios passíveis de apropriação e reformulação pelas indústrias midiáticas (JENKINS, 2009, p. 214).

Aqueles envolvidos no estudo de cultura desses grupos acreditam que Sherlock Holmes tenha originado o primeiro fandom formal, nos moldes conhecidos hoje, com as práticas que são comuns a qualquer fã com acesso a uma rede social, mas que na época geraram controvérsias e discussões que hoje foram esclarecidas, em sua maior parte, e deixadas de lado. O importante aqui é lembrar que esse não é o fandom da popular série da BBC, ou dos dois longas-metragens estrelados por Robert Downey Jr. e Jude Law, mas o que se refere à obra original de Arthur Conan Doyle, publicada pela primeira vez em 1887. Toda a movimentação dos fãs de Sherlock Holmes começou enquanto o autor ainda estava vivo, e acabou lhe envolvendo diretamente em vários casos.

Sherlock Holmes produziu o maior número de continuações, pastiches e adaptações, no maior número de mídias, de todos os tempos. Foi o primeiro fandom formal — com regras. Com uma constituição. (“ Artigo III: Para serem aceitas como membros, todas as pessoas devem passar por um exame nas Escrituras Sagradas aplicado por representantes da sociedade.”) Os Baker Street Irregulars — este fã-clube tão formal e exclusivo — ainda estão nas notícias; eles processaram recentemente os herdeiros de Doyle, afirmando que Sherlock Holmes está em domínio público e, na verdade, pertence a todos nós (JAMISON, 2013, s/n).

Os fãs do detetive se reuniam ao redor dos exemplares da revista The Strand, onde contos eram publicados semanalmente, discutindo as aventuras do “herói” e teorizando quais seriam suas futuras artimanhas. Muito além disso, os leitores fiéis queriam viver essas aventuras, ou ao menos ter a impressão de que faziam parte daquele universo. Foi assim que as adaptações teatrais começaram, autorizadas ou 27

clandestinas. Daí para paródias, versões não-autorizadas e pastiches 6 , não foi necessário mais que uma fagulha, um passo pequeno passo para o que se tornaria um dos costumes mais importantes dentro de um fandom.

Na comunidade feminina de fãs, há muito tempo as mulheres produzem “clipes musicais” editados com imagens de filmes, programas de televisão e música pop. Esses clipes de fã muitas vezes funcionam como uma forma de fanfiction, ao destacar aspectos da vida emocional dos personagens ou tentar adivinhar o que pensam e sentem. Às vezes, exploram subtextos pouco desenvolvidos no filme original, oferecem interpretações originais da história ou sugerem enredos que vão além da obra em si (JENKINS, 2009, p. 219).

Antes de compreender esses costumes, porém, é preciso avançar no tempo e entender quem faz parte de um fandom na era digital, especialmente quando falamos de alguns campos dos fandoms de entretenimento, de pessoas que admiram músicos e programas de televisão e filmes e desenhos animados e algumas outras vertentes. Quem mantém essa cultura viva é principalmente o público jovem e feminino.

O surgimento do fandom de ficção científica nas décadas de 1920 e 1930 (Ross, 1991) serviu-se desses alicerces e passou a representar um dos mais proeminentes e duradouros exemplos de comunidades organizadas de fãs. O fandom de televisão, por sua vez, constituiu – como grupo – um contexto de apoio por meio do qual muitas mulheres, excluídas do clube exclusivamente masculino que se havia tornado o fandom de ficção científica, puderam desenvolver suas habilidades e cultivar seus talentos. Por volta da década de 1970, muitas mulheres estavam remixando trechos de programas de televisão para criar seus próprios fanvids, escrevendo e editando suas próprias fanzines, criando trajes elaborados, cantando canções folclóricas originais e pintando imagens – todas essas obras inspiradas por suas séries favoritas de televisão (JENKINKS, FORD, GREEN, 2015, p. 42).

O que não significa que não existe espaço para o público masculino, ou para o público mais velho: ele existe, e em alguns casos é exponencialmente grande. A diferença, porém, é o modo como esses fandoms, como os de games e os de quadrinhos, por exemplo, enxergam a si mesmos e como eles recebem outros fãs em seu meio. Embora o público feminino represente grande parte do lucro das companhias, os fandoms dessas áreas são extremamente hostis quando se trata de receber esse público dentro de seu reino, diminuindo as contribuições e as interações dessas fãs, muitas vezes as desprezando e discriminando dentro do

6 Uma obra que procura imitar o estilo de outros artistas, seja na literatura, pintura ou música. 28

ambiente virtual. Fãs homens de vídeo games e quadrinhos se consideram legais e diferentes demais para serem enquadrados nos mesmos panoramas de fãs femininas, muitas vezes ignorando o seu próprio domínio como um fandom em si. Isso tudo leva a crer que, já que o espaço dentro de fandoms tradicionalmente masculinos é limitado, mesmo que nos últimos anos o público feminino tenha tentado e muitas vezes sucedido em desbravar o caminho dentro deles, os fandoms compostos por esmagadora maioria feminina, como os de música pop e programas televisivos, sejam respeitados e tenham o mesmo valor do que os masculinos. Essa suposição é tão utópica quanto frustrante. Os fandoms de maioria feminina, e principalmente jovem, são ridicularizados e diminuídos, considerados sem importância culturalmente e uma perda de tempo por aqueles que não os compreendem.

Como a jornalista musical Natalie Zina Walschots apontou no Toronto Standard: “Se os homens aprovam um disco, se eles acham que é... sofisticado o suficiente, então esta opinião tem valor e peso... Por outro lado, [o] amor das fãs adolescentes femininas é visto como algo reducionista e perigoso” (JAMISON, 2013, s/n).

De acordo com Jamison, homens abordam o conteúdo admirado pelo público feminino com desdém: “Não acho que aquilo de que você gosta tenha tanto valor cultural quanto o que eu gosto, e acho que você é inferior por gostar daquilo” (2013, s/n). Essa mentalidade está tão enraizada não só dentro desses fandoms, mas na cultura popular, que os próprios artistas envolvidos na indústria do entretenimento a reconhecem e falam sobre ela. Na edição 1286 de maio de 2017, comemorativa aos cinquenta anos da aclamada revista musical Rolling Stone, o cantor Harry Styles comenta esse pensamento equivocado. Talvez, para o público masculino, é necessário que um deles explique o conceito para que os mesmos comecem a levar a sério a questão:

Quem disse que jovens garotas que gostam de música pop – uma abreviação de popular, certo? – têm gosto musical pior do que um cara hipster de 30 anos? Não é você quem deve dizer isso. Música é algo que está sempre mudando. Jovens garotas gostam de Beatles. Você está me dizendo que elas não são sérias? Como pode dizer que as jovens garotas não entendem isso? Elas são nosso futuro. Futuras doutoras, advogadas, mães, presidentes. Fãs adolescentes não mentem. Se elas gostam de você, elas estão lá. Elas não agem como se fossem super descoladas. Elas gostam de você e dizem isso. O que é algo muito legal (Tradução livre. CROWE, Cameron, 2017, s/n). 29

Harry não é o único a se manifestar sobre grupos de fãs. Muitos artistas, e aqui se leem artistas como produtores das mais diversas formas de conteúdo, foram além da ideia de fã-clubes e abraçaram o conceito de fandom, vários deles chegando a nomear seus grupos, quando os próprios fãs não o fazem. Nomear grupos de fãs se tornou uma prática comum na web. Lady Gaga chama seus admiradores de little monsters (monstrinhos, em tradução literal), enquanto fãs da cantora Selena Gomez são chamados de Selenators, em brincadeira com o próprio nome da artista. A prática de nomear bases de fãs é comum na Coréia do Sul, onde a música popular coreana acabou se espalhando pelo mundo todo. O grupo de kpop Bangtan Sonyeondan, ou BTS, tem seu fandom apelidado de ARMY (Exército, em tradução literal, ou também Adorable Representative M.C for Youth, como sigla), enquanto fãs do grupo GOT7 receberam o título de IGOT7 (uma referência a expressão “I got you”, algo como “eu te apoio, eu te dou cobertura”, em tradução livre, e o número 7 correspondendo aos integrantes do grupo). J.K. Rowling chegou a ir além com seus Potterheads, fãs tanto dos livros quanto das várias outras versões da série Harry Potter. A autora lançou em 2012 o site Pottermore, um lugar com informações extras para os fãs da saga além da possibilidade de interagir descobrindo a quais casas pertenceriam ser entrassem em Hogwarts ou o tipo de varia que possuiriam.

Estamos passando de um foco inicial do fandom como uma subcultura particular para um modelo mais amplo que engloba muitos grupos que estão adquirindo maior capacidade de comunicação dentro de uma cultura em rede, e rumo a um contexto em que a produção cultural de nicho está cada vez mais influenciando o formato e a direção da mídia mainstream. Estamos passando do foco sobre o relacionamento de oposição entre fãs e produtores como forma de resistência cultural para entender como esses papéis estão cada vez mais complexamente entrelaçados. Estamos passando da celebração do crescimento de oportunidades de participação para uma perspectiva ponderada pela atenção aos obstáculos que impedem muitas pessoas de exercer uma participação significativa. (JENKINKS, FORD, GREEN, 2015, p. 47)

Uma das coisas mais importantes a serem compreendidas sobre grupos de fãs é que, o que inicialmente é um hobby, uma atividade feita para passar o tempo, acaba acarretando muito mais à medida que fandoms crescem e o público passa a interagir com ele. O que antes não era nada além de um modo de discutir conteúdo, torna-se um modo de produzir conteúdo, desenvolver talentos e habilidades, exercer 30

funções e aprender a trabalhar em conjunto. Fandoms são como escolas, como incubadoras para futuros empreendedores em campos muitas vezes negligenciados pelo mundo real.

O fandom está positivamente transbordando de talento: temos advogadas, contadoras, relações públicas, desenvolvedoras, programadoras, sysadmins, webmasters, professoras, bibliotecárias, especialistas em RH, gestoras e escritoras — muitas e muitas escritoras (JAMISON, 2013, s/n ).

Fandoms são importantes. Fandoms são uma rota de fuga diária quando a vida real é pesada demais, mas também são portas para o mundo de verdade como não seriam encontradas em qualquer outro lugar. Fandoms são um ponto de encontro e de troca, de debate e de crescimento, de estímulo a imaginação e de busca por um lugar para onde correr quando se está cansado demais de lutar.

No final dos anos 1980 e início da década de 1990, nós, acadêmicos da área de educação, tratávamos o fandom como um importante campo de teste para ideias sobre consumo ativo e criatividade alternativa. Fomos atraídos pela noção de “cultura dos fãs” como algo que operava à sombra da cultura comercial, sendo também uma reação e uma alternativa a ela. A cultura dos fãs era definida como a apropriação e a transformação de material emprestado da cultura de massa; era a aplicação das práticas da cultura tradicional ao conteúdo da cultura de massa. Ao longo da última década, a web trouxe esses consumidores das margens da indústria midiática para o centro das atenções; pesquisas sobre o fandom têm sido feitas por críticos importantes nas comunidades jurídicas e de negócios. Aqueles que um dia foram considerados “leitores solitários” são hoje os “consumidores inspiradores” de Kevin Roberts (JENKINS, 2009, p. 339).

Grupos de fãs não são perfeitos, estão longe de ser. Problemas comuns da sociedade real se refletem neles, discussões e brigas e mentira, intriga e comportamentos longe de serem considerados ideais. A vantagem do fandom é que sempre é possível desligar-se dele, mas sem perder o gosto por aquilo que foi o motivo principal da existência dele. O fandom compreende, e o fandom sempre está lá caso se decida voltar. Basta apertar o on.

1.1 A organização das comunidades online e sua presença nas redes sociais

Tudo começou com um tweet.7

7 Tipo de mensagem com 140 caracteres usada dentro da rede social Twitter. 31

Era uma quinta-feira de fevereiro de dois mil e dezessete, um pouco mais de uma e meia da tarde de acordo com o horário de Brasília. Até então os assuntos mais comentados na rede de micro-blogging8 eram todos relacionados à política, educação ou a volta de um antigo game show da televisão brasileira. E então, sem qualquer tipo de aviso prévio, o tweet. A mensagem era simples, um palavrão digitado às pressas na conta de uma fã em êxtase. Em seguida, mais um tweet: uma imagem capturada diretamente da tela do Youtube, sem qualquer tipo de legenda. Para o fandom do grupo de pop/hip hop sul-coreano Bangtan Sonyeondan (também conhecida como BTS e, em tradução livre, garotos à prova de balas), a legenda em si não era necessária. A imagem em questão vinha de um trecho recém- publicado pela companhia responsável pelo grupo, a BigHit Entertainment, anunciando a data de lançamento de seu novo trabalho, assim como uma pequena parte da canção principal e do conceito montado pelo grupo para sua volta. O teaser9 da canção Spring Day tem exatamente um minuto e um segundo. O fandom precisou de cinco para começar a trabalhar. Em cinco minutos ambas as redes sociais Twitter e Tumblr estavam repletas de postagens dissecando o vídeo quadro a quadro, segundo a segundo, buscando segredos escondidos, referências ocultas e criando teorias que ligavam aquele videoclipe a outros da carreira do grupo e a narrativa desenvolvida por eles com suas mídias. Em meia hora alguém já havia encontrado uma ligação com um conto utópico de uma escritora norte-americana (o BTS já havia baseado seu trabalho em obras literárias anteriormente), Aqueles Que Se Afastam de Omelas, de Ursula K. Le Guin, devido a presença da palavras Omelas no letreiro de um hotel fictício mostrado no teaser. Em poucos minutos, a hashtag #SpringDay ocupava o primeiro lugar em tópicos mais comentados mundialmente no Twitter. Em poucas horas, através dessa conexão dentro dessas redes, através de trocas de mensagens curtas no Twitter e análises de imagens no Tumblr, o fandom apelidado de ARMY elaborou dezenas de teorias e previsões para um vídeo cujo conteúdo completo ninguém tivera acesso ainda até a data. Tudo isso por conta própria. Tudo isso sem que o grupo tivesse dito palavra alguma sobre o assunto até então. Tudo isso entre pessoas que talvez nem se conhecessem, mas por possuírem contas em redes sociais como Twitter e Tumblr,

8 Forma de redes de blog com mensagens muito curtas de até 200 caracteres. 9 Trecho curto de determinado conteúdo usado para atrair a atenção do público. 32

acabaram se encontrando e colaborando para que aquele determinado momento na história de seu próprio fandom acontecesse.

O Twitter como uma plataforma de comunicação possui diversas limitações, mas as atividades onlines de [...] fãs permitem a eles que criem uma sensação de uma comunidade familiar, com uma vivência online (Deller, 2011) onde todos podem experimentar e compartilhar coisas simultaneamente. A experiência de fãs é expandida e intensificada por redes sociais porque possibilita que os fãs criem ligações pessoais com outros fãs e exercitem seu fandom em um espaço compartilhado e experimentem uma proximidade temporal e pessoal (DILLING-HANSE, 2015, s/n. Tradução livre).

Por sua estrutura e as ferramentas disponibilizadas a seus usuários, o Twitter se mostra o espaço ideal para o exercício de um fandom como um elemento cultural vivo. Oferecendo 140 caracteres por mensagem e a possibilidade de compartilhar fotos, gifs, pequenos vídeos, áudios e links, a rede social se torna um playground para fãs. Talvez o maior trunfo em particular desse site seja a sensação de ter o mundo na palma das mãos em tempo real, a habilidade de obter informações, e fornecê-las, no exato instante em que elas acontecem. Seja a repercussão de uma crise global ou o lançamento de um álbum aguardado pela fanbase10 de um artista popular, o Twitter é o principal canal de comunicação instantânea e de geração de comentários online.

Somos bombardeados hoje em dia com um volume de informação que nunca presenciamos, e simplesmente nosso cérebro não dá conta de absorver e decodificar tudo. Mas no Twitter, eu seleciono (sigo) apenas aqueles perfis que fazem parte do meu interesse. E recebo o dia inteiro informações na minha timeline simplesmente e exclusivamente daqueles perfis que fazem parte do meu interesse de conhecimento. E que são diferentes dos interesses do fulano e do beltrano. Pra mim, disparado, esse é o grande diferencial do Twitter (HILER, 2014, p. 36).

E os fãs, dos mais diversos segmentos da indústria do entretenimento, tiram máximo proveito dessa ferramenta, não só falando sobre seus objetos de adoração, mas também criando conteúdo e até mesmo se engajando para divulgar o trabalho daqueles que os reuniram em primeiro lugar. A apresentação da cantora Lady Gaga no intervalo do SuperBowl 2017, a final do campeonato de futebol americano e evento esportivo mais importante do ano nos Estados Unidos, foi o tópico mais comentando na noite do dia cinco de

10 Base de fãs. 33

fevereiro pela magnitude da apresentação em si, mas foram seus fãs que fizeram campanhas durante toda a semana para que as pessoas adquirissem seus singles11 no iTunes12. Também foram eles que tomaram frente em uma campanha interna para divulgar o vídeo da canção John Wayne no YouTube e para cobrar do Spotify13 um posicionamento sobre a ausência do single Million Reasons em sua playlist de sucessos globais daquela semana. Todas essas ações ocorreram através de hashtags e menções na rede social. O Twitter em si não ficou alheio àquilo que acontece dentro de suas fronteiras digitais. Com o passar dos anos suas atualizações permitiram não só que os fãs fossem além em suas criações, mas também o próprio site se adaptou as necessidades e gostos de seus usuários. A possibilidade da criação de threads (correntes de tweets mostrados em sequência através de um “fio” que os liga) fez com que os usuários explorassem ao máximo essa funcionalidade. Dentro dos fandoms, as threads servem para reunir informações e fazer pequenas apresentações sobre os mais diversos assuntos, além de paródias, brincadeiras, comparações e quaisquer outras formas de interação entre fãs criadas pelos mesmos. Uma thread de informações pode conter fotos, links e vídeos que visam apresentar conteúdo a um fã em potencial, ou compartilhar fatos que novos fãs possam não ter compreendido ou que ninguém tenha lhes dito em um primeiro momento.

11 Canções principais de um álbum. 12 Serviço online de áudio e vídeo da Apple Inc. 13 Serviço de música comercial em streaming 34

Figura 1: Exemplos de threads informativas, sobre a peça teatral do anime Haikyuu e o grupo de pop sul-coreano Monsta X. Fonte: Twitter (2017)

As threads de paródias ou comparação funcionam como uma brincadeira dentro do fandom, colocando a imaginação dos fãs para trabalhar ao imaginar o foco de seu afeto como outras coisas ou outras pessoas, ou inseridas em outros contextos. São para fazer rir, e não para serem levadas a sério ou como informação oficial. Nos exemplos seguintes, uma thread que compara o rapper Suga (nome artístico do sul-coreano Min Yoongi), integrante do grupo BTS, a “lagartos fofos”, e outra que indica que tipos de usuário de rede social seriam os personagens da série Marvel’s Daredevil.

Figura 2: Exemplos de threads de paródias ou comparação. Fonte: Twitter (2017)

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As threads também são utilizadas como arquivo de indicações de trabalhos transformativos, como histórias (fanfics) e artes (fanarts) ou de divulgação dos mesmos. Nos exemplos a seguir, uma thread com uma lista de histórias publicadas por uma autora, e uma indicando os trabalhos favoritos de uma usuária.

Figura 3: Exemplos de threads de indicação. Fonte: Twitter (2017)

Outra ferramenta do Twitter apreciada pelos fandoms e incorporada pela própria rede para organização de informações são os Moments. A ferramenta de Moments reúne em uma aba especial os melhores tweets sobre assuntos diversos, divididos em categorias como notícias, política, entretenimento, diversão e esportes, e é atualizada de hora em hora de acordo com a movimentação da rede. Os próprios membros podem criar seus Moments e divulga-los em seus perfis, os mais populares sendo adicionados ao grupo oficial do site. Essa função funciona como um grande portal de notícias dentro da plataforma, sendo possível filtrar interesses e tomar conhecimentos de assuntos do momento de modo rápido e direto ao ponto.

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Figura 4: A página do Moments. Fonte: Twitter (2017)

Se o Twitter é o ambiente perfeito para comentários em tempo real e surtos de fan bases enlouquecidas por informações divulgadas minuto a minuto, o Tumblr é o lar das cool kids14, artistas dispostos a compartilhar sua arte, editores de vídeo em treinamento, escritores procurando por leitores e todos aqueles que buscam por conteúdo além daquele oferecido pela mídia original. O Tumblr se tornou o lar de produção de conteúdo dos fandoms, onde é possível encontrar um pouco de tudo e se perder por horas a fio em um novo universo estendido. Criado em 2007, a rede de blog possibilita que seus usuários criem postagens de texto, áudio, vídeo, imagens, links, citações ou diálogos. Como em outras redes sociais, é preciso seguir diferentes membros para ter acesso ao seu conteúdo, ou seguir um assunto para receber postagens relacionadas a ele. Também é possível montar um pequeno arquivo pessoal com a opção “gostei”, ou compartilhar conteúdo através do botão de reblog. O sistema de tags é simples e útil ao reunir todos os posts de um determinado assunto no mesmo lugar.

Quando o Tumblr foi lançado em 2007, o layout - texto, foto, citação, link, bate-papo, áudio e vídeo - era seu principal apelo: menos blog que o Blogger, menos intrigante do que o WordPress. Os modelos do Tumblr eram mais personalizáveis do que o Facebook, tornando-o um bom lugar para colocar seu portfólio, talvez algumas entradas de diário. Mas a

14 Crianças legais, em tradução livre 37

característica definidora da cultura Tumblr é a de que qualquer usuário pode repostar conteúdo de qualquer outro Tumblr e adicionar seus próprios comentários. Todos esses likes, reblogs e comentários acumulam-se em um registro de "notas" anexado ao post original enquanto viaja através do feed da rede. Comemorar o brilho de outra pessoa é parte do conteúdo que você oferece, dando a exposição tanto ao criador quanto ao rebloggador (REEVE, 2016. Tradução livre).

O Tumblr também funciona como uma imensa galeria digital e um portfólio para novos artistas das mais diversas áreas. A cantora Halsey começou sua carreira através de posts sobre o grupo musical One Direction na rede social (sob o nome de usuário se7enteenblack), e suas paródias e covers se tornaram populares entre o fandom. Hoje, a cantora lota shows pelo mundo e seu segundo álbum de estúdio, hopeless fountain kingdom, está previsto para sair em junho de dois mil e dezessete. Do Tumblr também saíram quadrinistas como Liz Climo, com sua série de livros infantis protagonizadas por animais. A popularidade de autores como John Green, Cassandra Clare e Maureen Johnson também cresceu após os mesmos se envolverem pessoalmente e ativamente dentro da rede social, angariando ainda mais fãs para suas já estruturadas bases.

A cultura do Tumblr tem se desenvolvido ao longo dos últimos cinco anos como a “criança inteligente estranha na escola” conectada com todas as outras crianças inteligentes estranhas de todas as outras escolas ao redor do mundo (REEVE, 2016. Tradução livre).

Se no Twitter os posts são breves e curtos, o Tumblr oferece a capacidade de ir além, de extrapolar o limite de caracteres e o tamanho de imagens e a duração de vídeos e áudios. O conteúdo, porém, é similar: existem postagens sérias, de caráter informativo, que reúnem informações ou atualizações sobre o motivo de união do fandom, grupos de traduções, compilações e legendas, artistas redesenhando ou criando personagens animados a partir de pessoas reais, humoristas sacando suas melhores piadas ou adaptando as já existentes para o seu grupo de fãs.

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Figuras 5 e 6: Exemplos de posts no Tumblr. O primeiro mostra uma ilustração do anime Yuri!!! On Ice feita para o “Dia Nacional do Filhote”, nos EUA, enquanto a segunda traz a tradução para o inglês de uma postagem feita pelo rapper J-Hope, integrante do BTS, no Twitter. Fonte: Tumblr (2017)

Se o Tumblr é a vitrine de obras criadas e disseminadas pelos mais diversos fandoms, resta apenas uma dúvida muito simples: que tipos de obras esses grupos de fãs estão produzindo? Como entende-las e classifica-las, de onde vieram suas inspirações? A resposta é bem simples. Dentro dos fandoms, o velho ditado de “nada se cria, tudo se copia” ganha uma nova versão: “nada se cria, tudo se transforma”. Um dos principais pilares da existência desses grupos de fãs são as obras transformativas.

1.2 Obras transformativas e sua importância na manutenção de um fandom

Na canção de 2016 Just Hold On, parceria entre o DJ Steve Aoki e o cantor britânico Louis Tomlinson, é levantada a seguinte questão: “O que você faz quando 39

um capítulo termina? Você fecha o livro e nunca mais o lê?” Dentro de um fandom, quando o conteúdo disponibilizado pela fonte original acaba, os fãs tomam parar si a tarefa de continuar produzindo para alimentar a comunidade: um dos pilares de qualquer fandom são as obras transformativas. Obras transformativas incluem todo tipo de conteúdo desenvolvido e fornecido de fãs para fãs: histórias, vídeos, canções, paródias, desenhos, histórias em quadrinhos. Todo e qualquer material pode ser criado a partir de algo previamente existente apenas para deleite da própria comunidade. As obras transformativas mantém os fandoms vivos e em ação, mesmo quando a fonte original já não renda mais nenhum material. Friends, seriado clássico da NBC, ainda é ativamente discutido e transformado por seus fãs dentro de posts no Tumblr e no Facebook, mesmo após treze anos de seu fim.

Os trabalhos criados por fãs geralmente se concentram em temas de romance, amizade e comunidade (Jenkins, 1992). Esses valores dão forma às decisões que os fãs tomam em todos os níveis, a começar, por exemplo, com a escolha de um filme ou programa de televisão. Um vídeo de música de fã para Heroes, por exemplo, pode apresentar interações entre dois personagens que pouco compartilham a tela. A música selecionada ainda enfatiza laços afetivos entre os personagens. A mídia criada pelos fãs é compartilhada entre uma comunidade com paixões comuns. Em alguns casos, os fãs produzem histórias ou vídeos para dar uns aos outros explicitamente como presentes. Na maioria das vezes, porém, os fãs entendem seus trabalhos como uma contribuição à comunidade como um todo. O fandom abastece escritores e artistas, dando a mais profunda ênfase àquele material que reflete mais claramente os valores essenciais da comunidade (JENKINS, 2009, p. 195).

A ideia de liberdade criativa e a cultura do faça você mesmo são grandes motivadores das obras transformativas, além do envolvimento e da sensação de pertencimento ao compartilhar um trabalho online. Essa é a realidade de fanartists, aqueles que criam ilustrações, desenhos e histórias em quadrinhos baseados em suas fontes de inspiração máxima, disponibilizando-os em plataformas diversas, muitas vezes oferecendo seus trabalhos em forma de papéis de parede para computadores ou celulares ou ícones para perfis em redes sociais. Fanartists desenham cenas de suas séries preferidas ou trechos de videoclipes, ou reinventam pessoas da vida real em situações pedidas por aqueles que os acompanham. É possível encontrar pela internet centenas de versões das Princesas da Disney redesenhadas, passando por temas comuns como sereias ou guerreiras até as inserindo em contextos de séries famosas como Game of Thrones ou Orange is The New Black. É comum encontrar fanarts que imaginam, por exemplo, uma banda de 40

sucesso do mundo real como alunos da fictícia Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, do mundo de Harry Potter. Para aqueles com o dom da ilustração, todos os universos são possíveis.

Figura 7: Um exemplo de quadrinho produzido por fãs baseado no anime Yuri!!! On Ice. Fonte: Tumblr (2017)

Fanartists são reconhecidos dentro da comunidade, por vezes tendo seus próprios pequenos fandoms pessoais. Muitas vezes esse reconhecimento pode levar além, transformando o que antes era um passatempo em um modo de começar a lidar com sua arte profissionalmente (a discussão ética desse aspecto dentro do fandom é longa e complicada, sendo difícil de encontrar nela consenso e solução, e por isso sendo excluída dessa narrativa em especial). Muitas vezes o produtor original do conteúdo acaba aproveitando os talentos de sua comunidade. Os pôsteres e artes da turnê de 2016 Neon Nature, de Marina and The Diamonds, foram desenhados por um fã brasileiro após a cantora notar seus trabalhos no Instagram15. Para as segundas edições de seus livros Fangirl e Carry On, a editora da escritora Rainbow Rowell convidou artistas de sua base de fãs para recriar as capas e desenhar conteúdo adicional para ser usado em brindes a serem distribuídos em seus respectivos lançamentos.

O fandom, afinal, surge do equilíbrio entre o fascínio e a frustração: se a mídia não nos fascinasse, não haveria o desejo de envolvimento com ela; mas se ela não nos frustrasse de alguma forma, não haveria o impulso de reescrevê-la e recriá-la. (JENKINS, 2009, p. 340)

15 Rede social de compartilhamento de fotos 41

Fangirl, aliás, é a ode de Rowell a arte de fazer parte de um fandom. Publicado em 2014, suas 424 páginas procuram mostrar ao leitor um pouco desse mundo, seguindo a vida da fictícia Cath, integrante da comunidade de fãs de uma série de livros de fantasia. Amplamente inspirado no fandom de Harry Potter, o romance lida com diversos aspectos comuns a quem vive a rotina desses grupos, mas talvez estranhos àqueles que não entendem sua cultura. A tentativa de encontrar um balanço entre a vida real e a virtual dentro de uma comunidade, os motivos por trás da participação e a influência na formação e na vida de jovens adultos são temas abordados no livro. Logicamente, obras transformativas também são parte central da história, uma modalidade em especial sendo um dos principais pontos do roteiro.

- A ideia de escrever fanfiction – disse ela – é poder brincar com o universo de outra pessoa. Reescrever as regras. Ou alterá-las. A história não tem que terminar quando Gemma Leslie cansar dela. Você pode ficar nesse mundo, esse mundo que você ama, quanto quiser, contanto que pense em novas histórias... - Fanfiction – disse Levi. - Isso. – Cath ficou embaraçada com o jeito sincero com o qual se expressou, e por como ficava empolgada quando falava sobre o assunto. Estava tão acostumada a manter segredo; acostumada a supor que as pessoas iam pensar que ela era uma maluca ou uma nerd ou uma pervertida (ROWELL, 2013, p. 124).

O termo fanfiction pode ser traduzido literalmente como ficção de fã. Como a construção da palavra em si sugere, são histórias fictícias criadas por fãs e baseadas em algum conteúdo ou pessoa existente. Embora a fanart seja mais fácil de ser disseminada pela rapidez de sua informação e a facilidade em compreendê-la, já que se trata de imagens e ilustrações, a fanfic sempre foi a menina dos olhos dentro da estrutura de um fandom. O boom da internet e das redes sociais ajudou a transformar o modo como se escreve ficção, mas esse costume é tão antigo quanto grupos de fãs em si. Ainda no final do século dezenove, Arthur Conan Doyle incentivava que seus leitores escrevessem os próprios contos baseados em Sherlock Holmes, e estes estavam dispostos a publicá-los em revistas independentes ou simplesmente compartilhá-los com seus amigos. Com o desenvolvimento de fanzines, revistas especializadas em conteúdo para fãs de diversas mídias produzidas pelos fãs em si, nos anos sessenta, as fanfictions tomaram proporções cada vez maiores. Jaminson afirma que “Zines 42

foram o primeiro passo para criar a cultura produzida por fãs; assim que os fãs obtiveram os meios de produção, eles produziram” (2013 s/n). Quando os anos noventa e a internet chegaram, fãs encontraram ali uma oportunidade de espalhar sua mensagem e sua criatividade para um público cada vez maior, já que o alcance dos zines era muitas vezes limitado por questões de logística. “A fan culture estava à frente de todos os empreendimentos comerciais ao usar a internet como um espaço criativo para a produção, distribuição e promoção da escrita” (JAMINSON, 2013, s/n). Qualquer site que disponibilizasse a ferramenta de edição e armazenamento de texto se mostrava um lar em potencial para abrigar escritores e leitores dos mais diversos gêneros. Muitos fã-sites acabaram montando seus próprios domínios para que seus membros pudessem compartilhar suas obras, enquanto outros escritores preferiam utilizar plataformas como blogs pessoais, fóruns e o LiveJournal, ou redes sociais como o próprio Tumblr. Sites especializados também foram criados com o passar dos anos, como o fanfiction.net e o Wattpad.

Antes que a Web 2.0 facilitasse a criação de páginas, os fãs trabalhavam juntos para construir sites comunitários, usando a energia das pessoas para compensar as limitações tecnológicas. Então, por exemplo, a maioria dos arquivos de fanfiction do começo para o meio dos anos 1990, era organizada por “elfos” de arquivos: fãs que iam pessoalmente formatar e fazer upload da sua história para a web (JAMINSON, 2013, s/n).

A fanfic talvez seja a categoria de obra transformativa mais popular, mas também a mais polêmica. A sua legitimidade é questionada constantemente por aqueles que a diminuem como canal de expressão criativa, enquanto perguntas são frequentemente levantadas quanto sua legalidade diante de direitos autorais e de imagem, ou sobre a abordagem ética e moral a ser seguida. Por exemplo, autores de romances premiados como Maureen Johnson e John Green são grandes incentivadores da prática dentro de seus grupos de fãs, enquanto outros como Anne Rice já expressaram publicamente que não aprovam que seus universos sejam alterados. Fandoms de séries de televisão e filmes geralmente tem uma “benção” maior em relação ao seu trabalho, muitas vezes o assunto sendo trazido a tona em convenções e entrevistas ao redor do mundo. O ator Misha Collins, da série Supernatural, é um entusiasta do gênero, já tendo falado abertamente sobre fanfics que leu em diversas oportunidades. A maior dubiedade ainda se encontra nos fandoms de personalidade reais, como atores e músicos ou esportistas. O debate 43

ético sobre fantasiar acerca da vida de uma pessoa de carne e osso nunca parece chegar a um fim, ambos os lados, contra e a favor, sempre apresentando novos argumentos para suas preocupações. Mas é preciso enxergar a fanfic como ferramenta de transformação e de importância cultural dentro das comunidades, digna de proteção legal, respeito e valorização. A fanfic deve ser interpretada como patrimônio cultural dentro da estrutura de um fandom. É fácil deslegitimar o trabalho de autores de fanfiction ao redor do mundo por sua essência ser, primeiramente, não-rentável, jovem, feminina e por ser um passatempo para milhares de criadores de conteúdo. Autores de fanfic dedicam horas de seu dia na construção de universos inteiros, de histórias muitas vezes maiores e melhor escritas do que livros aclamados e prontos para a venda, sem ganhar nada além de um pouco de feedback e amor de seus leitores e algumas eventuais dores de cabeça. Fanfics são importantes no desenvolvimento de identidade criativa e estilo de escrita, além de um incentivo fantástico e mal utilizado para despertar o gosto pela leitura em jovens e futuros leitores. É uma constante como sociedade acusar adolescentes e jovens adultos de serem leitores medíocres sem sequer tentar compreender o tipo de público que eles são. A fanfic ainda é uma ferramenta desconhecida e mal explorada que poderia fazer uma diferença incrível nos hábitos de leitura da população em desenvolvimento se fosse reconhecida como tal. Pensando em garantir os direitos dos escritores de fanfiction e para oferecer serviços como arquivamento de trabalhos, catalogação de práticas e história linear da cultura de fandoms, preservação de sites e arquivos e informações diversas sobre todas as facetas desse universo, foi criado em 2007 a Organization For Transformative Works (OTW).16 Em 2017, o seu Archive of Our Own (AO3)17, uma plataforma para publicação e armazenamento de obras transformativas, somava mais de três milhões de trabalhos em mais de 24.600 fandoms. Todo esse trabalho é feito por um quadro de membros eleito por votação, e sem qualquer tipo de lucro. Todo o dinheiro utilizado para manter o OTW e o AO3 vem de doações dos próprios beneficiários da organização.

Obras transformativas dizem coisas novas, geralmente em formas que não seriam aceitáveis ou desejáveis no mercado. [...] O Archive of Our Own, o

16 Organização Para Obras Transformativas, em tradução livre. 17 Nosso Próprio Arquivo, em tradução livre 44

sonho dos escritores de fanfiction que querem ser livres, possui, segundo seus cálculos, mais de 172 mil membros registrados, enquanto outros estão esperando um convite. Estes membros registrados, no entanto, são apenas uma fração do número de pessoas que realmente usam o site. Mesmo que você precise ter uma conta AO3 para postar fanfiction no arquivo (ou para anexar arte ou vídeo; o site futuramente vai se expandir para hospedar outros tipos de fanworks), você não precisa dela para ler ou comentar a fanfiction, como já fizeram milhões de fãs [...] A história da OTW e da AO3 é a história de uma comunidade, e do triunfo da organização de fãs sobre o poder do capital de investimento. Também é um argumento a favor da fanfiction como uma importante atividade cultural de base, pois provavelmente não é nenhum acidente que tantas das fundadoras da OTW fossem escritoras de fanfiction. Pode ser que escrever fanfiction tenha nos dado a coragem para contar nossa própria versão, alternativa, da história de escrever nosso próprio final feliz (JAMINSON, 2013, s/n).

Deixando um pouco as tecnicalidades de lado, a principal questão que todo integrante de uma comunidade de fãs precisa responder, para os outros ou para si mesmo, às vezes, é simplesmente: por que escrever fanfic, e não ficção original? Porque dedicar horas e horas a esse tipo de projeto? Mais uma vez, Rainbow Rowell tenta responder esses questionamentos em Fangirl: “Por que eu escrevo? Para poder ser outra pessoa. Pra nos libertarmos de nós mesmos. Para parar. Parar de ser qualquer coisa em qualquer lugar. Para desaparecer” (2013, p. 27). A versatilidade é um dos grandes atrativos desse mundo. Não há regras a serem seguidas, a preocupação com vendas ou números pode ser deixada de lado, a mente tem a oportunidade de voar livre e experimentar literalmente todos os caminhos desejados. Há público para todo tipo de fanfic na internet, e gente disposta a saciar as vontades mais insanas desses públicos. Todos os gêneros possíveis e imagináveis, e até mesmo aqueles criados especialmente para esse tipo de literatura, podem ser encontrados. Até mesmo termos específicos usados para definir e classificar histórias começaram a ser usados popularmente, na vida real, incluídos em vocabulários e dicionários nas mais diversas línguas. Se uma história segue o conteúdo original na qual foi baseada, ela é canon. Por exemplo, uma história canon pertencente ao fandom de Haikyuu!!, um famoso anime esportivo, provavelmente acompanharia a vida dos personagens dentro do time de voleibol da escola de ensino médio Karasuno, assim como faz a série original. Já uma fic de alternative universe (AU) 18 , pegaria os exatos mesmos personagens da animação japonesa e os colocaria em situações e lugares completamente opostos, alterando também características que os definiam no

18 “Universo alternativo”, em tradução literal 45

material original. Alguns dos AUs mais populares dentro da cultura de fandom incluem histórias que se passam em cafeterias (geralmente envolvendo a relação de baristas e consumidores), histórias nas quais almas-gêmeas são reais ou que envolvam criaturas sobrenaturais. Tornou-se lugar-comum também transportar personagens de um universo fictício para dentro de outro. Ainda pensando no exemplo de Haikyuu!!, é comum encontrar histórias onde os personagens são levados para dentro do universo fictício de Harry Potter, mostrando como os personagens se comportariam em Hogwarts. Autores de fanfics podem usar e abusar da mistura de gêneros, de categorias, personagens e relacionamentos. O casal favorito de determinado grupo não ficou junto no final da história? Sem problemas. As fanfics dão mais do que um final digno para o ship 19 . O final do livro não agradou a audiência? Alguém no fandom certamente tomara as rédeas para “corrigir” o erro. Não há limite algum para imaginação ou número de palavras ou capítulos. A única coisa necessária é a disposição do autor para criar seu mundo, e a vontade do leitor de permanecer nele.

Podemos pensar em comunidades de fan fiction como o equivalente literário da Wikipédia: em torno de qualquer propriedade midiática, escritores estão construindo uma série de interpretações diferentes, expressas por meio de histórias. O compartilhamento dessas histórias abre novas possibilidades no texto. Nesse caso, colaborações individuais não têm de ser neutras; os participantes têm apenas de concordar e discordar e, de fato, muitos fãs acabam valorizando a absoluta diversidade de versões dos mesmos personagens e situações. Por outro lado, os meios de comunicação de massa tendem a usar seu controle total sobre a propriedade intelectual para reinar sobre as demais interpretações, resultando em um mundo onde existe apenas a versão oficial. Esse controle total intensifica a coerência da franquia e protege os interesses econômicos dos produtores, mas a cultura empobrece com essa regulação. A fan fiction repara os danos causados pela cultura cada vez mais privatizada (JENKINS, 2009, p.347).

O fenômeno das fanfics se espalhou de um modo que, mais uma vez, a sua monetização e publicação formal por meios tradicionais também desencadeiam polêmicas e controvérsias dentro e fora dos fandoms. Esse tipo de prática tem se tornado comum nessa época onde editores têm procurado a próxima sensação literária, e qual o melhor lugar para encontrar autores com determinado público já definido e com facilidade em criar uma ligação emocional com aqueles que se interessam pelo assunto? Os casos são vários, no Brasil e no exterior. Deixando de

19 Abreviação de relationship, relacionamento, em tradução literal. Usado geralmente para apoiar o relacionamento romântico entre duas pessoas/personagens. 46

lado a questão qualitativa da obra, Cinquenta Tons de Cinza, de E. L. James, se mostrou um fenômeno nas prateleiras e nos cinemas, mas originalmente era mais um AU baseado na saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer, e que foi editado para poder ser comercializado. Quem segue o mesmo caminho é Anna Todd com sua After, fanfic de universo alternativo baseada no cantor Harry Styles enquanto parte do grupo One Direction, originalmente postada no Wattpad. Mais uma vez, há opiniões divergentes quando a legalidade desse tipo de transição, socialmente e culturalmente, sem que se chegue a uma conclusão definitiva dentro dos fandoms. Independente da posição escolhida, o que não se pode negar é que obras transformativas fazem parte do patrimônio cultural de um fandom, mantendo suas características e sua manutenção mesmo depois de anos, mesmo que a fonte original de inspiração já não esteja disponível. Há inúmeros talentos escondidos dentro de bases de fãs, e obras transformativas ajudam no desenvolvimento e crescimento desses talentos, na conexão entre indivíduos e na força de uma comunidade. Sem eles, os fandoms não teriam o mesmo impacto, e talvez não tivessem uma cultura tão rica e necessária para a sobrevivência do entretenimento. Obras transformativas são uma válvula de escape em primeiro lugar, mas também podem ser a luz no final do túnel quando mentes criativas já não sabem para onde correr.

2. ANIMAÇÕES E ANIME: UMA VOLTA AO MUNDO

Das cem posições disponíveis na lista de filmes com maior bilheteria da história, atualizada semanalmente devido à insana rotação do mercado cinematográfico, vinte delas pertencem a filmes de animação. Dentro do Top 10, aparece Frozen (2013), da Disney, longa-metragem vencedor de dois Oscars em 2014. Os Simpsons, produção da Fox no ar desde 1989, estreou em 2017 a sua vigésima oitava temporada, firmando-se não só como um dos programas mais longevos da televisão americana, mas também um dos mais lucrativos. Na televisão ou no cinema, o recurso gráfico da animação certamente tem seu espaço cativo e seu público fiel, estabelecendo-se como um dos grandes ramos do entretenimento. Ainda que suas raízes sejam certamente mais antigas (vindas das ilusões dos tempos das cavernas e chegando nos brinquedos óticos do século 19), o cinema de animação caminhou juntamente com a invenção do cinema em si, as primeiras obras (The Enchanted Drawing20, de 1900, e Humorous Phases of Funny Faces21, de 1906, ambos de J. Stuart Blackton) surgindo no início do século vinte e estabelecendo o que seria uma parceria de sucesso nos anos seguintes. Desde então uma centena de técnicas foram desenvolvidas e aprimoradas pela indústria, da animação tradicional com células e fotografias até a computação gráfica altamente utilizada nos grandes blockbusters22. No ocidente, estúdios fizeram seus nomes e deixaram sua marca na história, como o Walt Disney Studios e a Hanna- Barbera, pioneiras em seguimentos como especiais de televisão de meia hora totalmente animados e obras produzidas com computação gráfica (uma categoria especial foi criada no Oscar de 1996 para premiar Toy Story, o primeiro longa- metragem feito apenas com essa técnica em particular). A indústria hollywoodiana primordialmente norte-americana pode ter dominado o cenário da animação mundial com Mickey e companhia liderando a chamada Era de Ouro, estendendo sua relevância durante as Eras da Televisão e Moderna, mas isso não significa que outros países não tenham desenvolvido sua própria marca cultural e histórica quando se trata dessa técnica cinematográfica. A França se destacou ao longo dos anos exportando um alto número de séries

20 O Desenho Encantado, em tradução livre. 21 Fases Humorísticas de Faces Engraçadas, em tradução livre. 22 Filme de imensa popularidade. 48

televisivas animadas, principalmente no início dos anos 2000. Países como a Itália e Portugal também se destacam na produção cinematográfica. No Brasil, desde os anos 70 a Maurício de Sousa Produções investiu em levar para as grandes telas e para a televisão as aventuras de sua Turma da Mônica. A partir da segunda década dos anos 2000 a produção se intensificou, com destaque para O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, indicado ao Oscar de Melhor Animação em 2016 (vencido pela parceria Disney/Pixar em DivertidaMente). Culturalmente, porém, nenhum outro país conseguiu causar tanto impacto com seu gênero de animação fora de seu país de origem quanto o Japão. As primeiras produções de animações japonesas datam de 1917, mas foi a década de 60 que deu forma ao estilo que é conhecido hoje no mundo todo. Internacionalmente, o modelo característico de animação japonesa e seus grandes olhos, cenários coloridos e personagens marcantes é conhecido como anime, embora para os japoneses a palavra anime sirva para denominar qualquer tipo de animação, independente de onde ela seja proveniente. Nas últimas décadas no Ocidente, um trabalho intenso tem sido feito para quebrar a estigma de que animação é um gênero essencialmente voltado para o público infantil. Produtos como a própria Os Simpsons, e séries como , Family Guy e BoJack Horseman encontraram sucesso televisivo com seus episódios voltados para público adulto, assim como filmes como o divisor de opiniões Festa da Salsicha (2016), ou Persepolis (2007), e até mesmo Coraline (2009), adaptado da obra de Neil Gaiman, filme que transita entre o infantil e adulto, ajudam a quebrar essa infantilização do gênero. O anime, porém, sempre foi conhecido por abranger todos os gêneros, para todos os públicos. Da ficção fantástica (Attack on Titan, Full Metal Alchemist, Bleach), ficção científica (Ghost in The Shell), romance (Lovely Complex, Fruits Basket) até os esportes (Haikyuu!!, Slam Dunk), apenas para citar alguns exemplos de seriados exibidos na televisão, passando por uma infinidade de categorias e segmentos, algumas criadas especialmente para as animações japonesas, atendendo aos gostos de crianças, jovens e adultos, além de públicos específicos dentro desses nichos (por exemplo, a classificação shōjo se refere ao público feminino entre 12 e 18 anos, enquanto shōnen é seu equivalente masculino). No cinema, o Studio Ghibli é referência em longas-metragens de animação japonesa, com mais de vinte filmes produzidos desde 1985, vários deles sucessos de críticas e comerciais ao redor do mundo. Meu Vizinho Totoro (1988), a terceira 49

produção do estúdio, é um ícone cultural dentro e fora do Japão, o personagem Totoro sendo considerado um dos melhores personagens animados da história. A Viagem de Chihiro (2001) é o único filme de língua estrangeira receptor do Oscar de Melhor Animação, sendo que O Castelo Animado (2004), Vidas ao Vento (2013), O Conto da Princesa Kaguya (2013) e As Memórias de Marnie (2014) também foram indicados, acumulando um total de seis indicações e colocando Ghibli no quarto lugar em estúdios de animação com mais nominações ao prêmio.

Figura 8: Pôster original de Meu Vizinho Totoro, de 1988. Fonte: Movie Poster Warehouse (2017)

Os animes são geralmente adaptações de mangás, histórias em quadrinhos japonesas publicadas em larga escala e depois levadas para a televisão devido a sua popularidade na versão impressa (embora o processo contrário também possa ocorrer). Os fãs geralmente acompanham ambas as mídias, e essa convergência também pode se espalhar, a história sendo contada também através de videogames, peças de teatro, músicas (as trilhas sonoras de anime são um espetáculo a parte), romances e todo tipo de material promocional possível e imaginável. Convenções, reuniões e festivais são promovidos e altamente frequentados dentro e fora do Japão por um fandom sedento por novidades e apaixonado pelo conteúdo. 50

A questão mais intrigante para quem não faz parte do universo otaku23 é exatamente como o entretenimento japonês conseguiu quebrar barreiras geográficas e linguísticas e se estabelecer como um mercado frutífero muito longe do continente asiático. Como títulos como Naruto, Sailor Moon, Death Note, Sakura Card Captors, Dragon Ball e Pokémon ficaram gravados na memória e formação de um conceito de entretenimento em diferentes gerações de lugares tão distintos culturalmente? Mas principalmente: como essa mídia chegou a grande massa? A resposta é uma só: através do engajamento e do trabalho árduo do próprio fandom. Não há melhor exemplo da importância da cultura de fãs não só como parte da sociedade, mas para a indústria. As produtoras japonesas apenas investiram no mercado internacional após descobrirem que um grande número de pessoas consumia versões piratas de seus programas legendados pelos próprios fãs, sem qualquer lucro em cima do material, ainda nas décadas de 80 e 90, muito antes dos downloads e do acesso a programas de edição.

O anime japonês conquistou sucesso mundial em parte porque as empresas de mídia japonesas foram tolerantes com as atividades alternativas que as empresas de mídia americanas parecem tão determinadas a interromper. Parte dos riscos em entrar para o mercado ocidental e muitos dos custos da experimentação e promoção foram arcados por consumidores dedicados. Há duas décadas, o mercado americano estava totalmente fechado às importações japonesas. Hoje, o céu é o limite, com muitas das séries infantis mais bem-sucedidas, de Pokémon (1998) a Yu-Gi-Oh! (1998), vindo diretamente das produtoras japonesas. A mudança ocorreu não por meio de algum plano orquestrado pelas empresas japonesas, mas em resposta ao impulso dos fãs americanos, que utilizavam cada tecnologia à disposição para expandir a comunidade, que conhecia e adorava esse conteúdo (JENKINS, 2009, p. 238).

Enquanto fandoms baseados em países de língua inglesa dedicados a objetos do mesmo idioma não tem essa constante preocupação, as bases de fãs internacionais e de conteúdo estrangeiro estão acostumadas à necessidade de tradutores dispostos a encarar o trabalho de impedir que a língua seja uma barreira para a apreciação de conteúdo. Com o auxílio da internet, essa atividade ficou ainda mais simples. Muitas vezes as próprias produtoras originais fornecem legendas próprias para facilitar essa interação, mas na maior parte do tempo são os próprios fãs que recrutam dentro de seus limites àqueles que possuem conhecimento da língua para tornar acessível o que antes era uma incógnita. Nos fandoms de k-pop é

23 Termo usado para designar fãs de animes e mangás. 51

fácil encontrar blogs no Tumblr e perfis no Twitter especializados em traduzir tweets, vídeos e mensagens de seus ídolos, do coreano para suas línguas nativas (muitas empresas de entretenimento na Coreia começaram a incluir a opção de legenda em inglês em seus vídeos no Youtube e na plataforma de vídeo V, mas muitos fãs ainda preferem as versões feitas por fãs pelo maior cuidado que os tradutores têm com a interpretação de cada fala). O fandom da série norueguesa Skam atingiu proporções internacionais, e agora é comum encontrar times inteiros traduzindo prévias e trailers liberados pela emissora NRK.

No final nos anos 1980 e início dos anos 1990, surgiu a “fansubbing”, tradução e legendagem amadoras dos animes japoneses. Sistemas sincronizados de VHS e S-VHS permitiam legendas nas fitas, para que pudessem manter a sincronia precisa de texto e imagem. Como explica o presidente do Anima Club do MIT, Sean Leonard, “a legenda de fã foi crucial para o crescimento do número de fãs de anime no mundo ocidental. Se não fossem as exibições dos fãs do final dos anos 1970 e início dos anos 1990, não haveria o interesse pela animação japonesa inteligente e ‘intelectual’, como existe hoje” (JENKINS, 2009, p. 239).

Aliar a fansubbing à fanart e as fanfics e ao apoio da indústria de entretenimento japonesa: essa é a equação chave que despertou o interesse de fãs e possibilitou a expansão do anime ao redor do mundo, provando as obras transformativas vão muito além do passatempo, passando a ser uma ferramenta importante de teste e controle na mídia. Produzindo do fandom para o fandom e fortalecendo o laço existente entre conteúdo e público foi a chave do sucesso da entrada do entretenimento japonês no mercado ocidental e sua consolidação no mesmo, expandido ainda mais a comunidade de fãs que já existia previamente e abrindo as portas para outros materiais provindos do oriente.

2.1 Nascidos Para Fazer História: Yuri!!! On Ice

O tema de abertura cantando, em inglês, pelo ator e cantor japonês Dean Fujioka, já dá a premissa: “Sim, nós nascemos para fazer história.” Ao som de History Maker e explosões de cores em tons pastel, começa Yuri!!! On Ice, anime escrito pela mangaka24 Mitsurou Kubo e dirigido por Sayo Yamamoto, produzido pelo estúdio MAPPA com estreia em 5 de outubro de 2016 no canal TV Asahi, do Japão, e último episódio da primeira temporada sendo exibido em 21 de dezembro

24 Quadrinista de mangás. 52

do mesmo ano. O tema central da história, por se tratar de um anime esportivo, é a patinação artística no gelo, modalidade que faz parte das Olímpiadas de Inverno desde 1924 e sendo popular em países de clima mais frio. A trama segue primeiramente o patinador japonês Yuuri Katsuki após sua derrota no Grand Prix da Rússia, quando o mesmo começa a entrar em conflito consigo mesmo acerca de continuar ou não sua carreira no futuro. Após um vídeo seu realizando perfeitamente os movimentos da rotina do atual campeão mundial, o russo Victor Nikiforov, ser postado na internet, o próprio Victor, impressionado, decide atuar como técnico de Yuuri, disposto a leva-lo para a final do Grand Prix, dessa vez com uma vitória.

Figura 9: Pôster original de Yuri!!! On Ice Fonte: Yuri!!! On Ice Wiki (2016)

O enredo pode parecer leve e simplório, mas o impacto causado na mídia e dentro do fandom de animes com certeza não é. Com apenas uma temporada e sem a segunda confirmada, Yuri!!! On Ice garantiu o segundo lugar em popularidade no em 2016, site americano especializado na distribuição de conteúdo de entretenimento asiático ao redor do mundo através de streaming, além de garantir sete prêmios no Anime Awards e três no Festival. Além disso, o Kadokawa Ascii Research Laboratories, especializado em identificar tendências online, declarou o programa como o anime mais twittado em 2016, com 1.440.596 tweets, um milhão a mais do que o segundo lugar, o consagrado Haikyuu, também 53

da categoria de animes esportivos. O Tumblr Fandometrics, uma ferramenta de medida de postagens de fandoms na rede social, divulgou que Yuri!!! On Ice foi o quarto anime mais mencionado em 2016, e o primeiro em 2017. Em termos de impacto na indústria do entretenimento, menções e referências também foram feitas na série South Park e em um volume de quadrinhos oriundos de Steven Universe, desenho animado do Cartoon Network. Mas talvez o mais interessante alcance do anime seja exatamente o universo no qual é baseado: os próprios patinadores artísticos reais. A atual campeã russa , o quatro vezes medalhista Olímpico russo e o patinador japonês Masato Kimura são apenas alguns dos nomes que já declaram seu amor e favoritismo a série nas redes sociais.

Yuri!!! on Ice é um ponto de encontro raro entre dois públicos diferentes: fandoms de anime e atletas profissionais. Os patinadores da classe mundial adoram a sua descrição precisa e afetuosa do esporte, e todos adoram a montanha-russa emocional viciante de seu enredo. Você experimentará, no mínimo, cerca de 37 emoções por episódio de 20 minutos (Tradução Livre. BAKER-WHITELAW, 2016, s/n).

E então surge a questão: dentro do imenso mundo do anime, onde novos títulos surgem em velocidade ímpar tratando dos mais diversos universos e assuntos, qual é o atrativo de uma série sobre patinação no gelo? A primeira resposta para essa indagação é técnica: o cuidado com a animação, especialmente nas cenas de performances, todas elas de tirar o fôlego e sem dever em ponto algum para o esporte real, todas coreografadas pelo patinador japonês aposentado Kenji Miyamoto, três vezes campeão nacional, para depois serem animadas pelo time do estúdio MAPPA. A trilha sonora também é outro espetáculo a parte, começando pela History Maker de Dean Fujioka e encerrando com You Only Live Once, de , foi composta por Taro Umebayashi e Taku Matsushiba e embalando os doze episódios como o pano de fundo perfeito. Embora as tecnicalidades sejam importantes, elas são de longe o principal apelo. Aqui, o que vence é o conjunto de roteiro e personagens e como eles interagem entre si, o que é possível ler nas entrelinhas e analisar do contexto que é dado ao espectador. O primeiro grande trunfo de Yuri!!! On Ice é o modo como apresenta, e lida ao longo de seus episódios, com problemas de saúde mental, principalmente a 54

ansiedade. Sinais disso são claros no comportamento do protagonista, Yuuri, desde os primeiros minutos do primeiro episódio, que o apresenta logo após a derrota no Grand Prix no meio de uma crise onde o peso de ter falhado e o medo do futuro se confrontam em sua mente. O anime mostra o processo de crescimento de Yuuri através da história e como ele lida com a própria ansiedade sem que o tema torne o programa pesado, escuro ou difícil de assistir, mas também sem diminuí-lo ou banaliza-lo. Sim, o anime todo trata de competidores em um esporte, mas a competição em si não é o obstáculo da narrativa, muito pelo contrário. Yuri!!! On Ice prefere mostrar como competições podem ser saudáveis e amigáveis e como oponentes ainda podem mostrar apoio uns pelos outros dentro da comunidade e batalhar na pista de patinação (isso se torna evidente na relação entre Yuuri e o patinador russo Yuri Plisetsky, a maior “ameaça” em sua disputa pelo primeiro lugar). O principal obstáculo a ser vencido na trama é a relação se Yuuri consigo mesmo.

Embora o show não relate explicitamente os problemas de saúde mental de Yuuri, eles são parte integrante da sua caracterização. A ansiedade de desempenho pode ser um obstáculo que altera a carreira para qualquer atleta profissional, e como o show é principalmente contado pelo ponto de vista de Yuuri, seu estado emocional altera nossa visão da história. Yuri é um exemplo de livro didático de um narrador não confiável, especialmente quando identifica seu próprio papel na história. Esta atitude explica porque Yuri on Ice não tem um vilão: o principal antagonista de Yuuri é ele mesmo (Tradução Livre. BAKER-WHITELAW, 2016, s/n).

O principal forte de Yuri!!! On Ice, porém, está exatamente na relação entre Yuuri e seu antigo rival, agora técnico, Victor Nikiforov. São eles os “nascidos para fazer história” do tema de abertura. Para entender a relação entre esses dois personagens e a sua importância não só para a trama, mas para sua audiência, é preciso primeiro entender alguns contextos culturais e simbólicos. A primeira coisa necessária para essa explicação é um grande spoiler25 da finalização da primeira temporada: Yuuri e Victor fecham essa primeira parte da trama como um casal em um relacionamento afetivo. Não, Yuri!!! On Ice não é o primeiro anime a retratar um relacionamento homoafetivo. O Japão tem uma tradição de oferecer conteúdo homoafetivo em seus mangás e animes, seja feminino (yuri) ou masculino (). Porém, esse conteúdo, geralmente direcionado ao público oposto ao retratado, comumente fetichiza ou

25 Revelação do conteúdo de um livro, filme ou série para alguém que não tenha conhecimento sobre a informação. 55

trabalha com estereótipos negativos dentro da comunidade LGBTQ+. Muitas das vezes os temas são tratados como humorísticos ou apresentam relacionamentos abusivos ou impedem seus protagonistas de terem um final feliz. O Japão é um dos países onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo não foi legalizado, além de ser conhecido por ter uma raiz cultural preconceituosa. Outra questão recorrente é o queerbaiting, técnica também utilizada no ocidente, onde existe sempre uma promessa de representação da comunidade LGBTQ+ e fortes indícios para que essa representação seja mostrada, mas sem que seja efetivamente confirmada, uma isca (bait) real para os telespectadores que esperam por esses relacionamentos e continuam consumindo esse conteúdo na esperança de terem seus desejos atendidos, mas nunca realmente concretizados. Até metade da primeira temporada, o fandom de Yuri!!! On Ice que ia se formando aos poucos acreditava estar presenciando outro caso de queerbaiting especialmente pela falta de categorização da série como yaoi. Do início ao fim, a emissora e o estúdio responsável encaixaram o anime em apenas uma categoria: a esportiva. A fascinação por Yuri!!! On Ice e seus personagens, então, baseia-se muito na construção dessa narrativa. Não há momento algum em doze episódios onde Yuuri ou Victor se afirmem homossexuais ou bissexuais ou deem qualquer indício de dúvida em relação a sua sexualidade. E esse momento realmente não é necessário quando se observa a dinâmica entre os dois, o modo como eles conduzem seu relacionamento. De flertes constantes e despretensiosos a admiração e respeito mútuo, passando por uma confiança construída ao redor de um objetivo claro (o sucesso profissional de Yuuri) que gradualmente se transformam em um sentimento romântico. O relacionamento que os dois criam ao longo de doze episódios é, acima de tudo, repleto de respeito mútuo.

Yuri, em um ponto, apenas proclama seu amor por Victor na frente de uma audiência de televisão, o que implica que é mais do que romântico, mas que é real, no entanto. Quando eles "se casam" é mais um show de seu vínculo puro e seu efeito um sobre o outro (Tradução livre. VELOCCI, 2016, s/n).

Um casal do mesmo gênero formado por duas pessoas vindas de países preconceituosos (a Rússia apenas descriminalizou a homossexualidade em 1993, porém em junho de 2014 o presidente Vladmir Putin sancionou uma lei onde toda 56

“propaganda gay”, ou seja, todo tipo de expressão da cultura LGBTQ+, é proibida), onde há apoio e respeito mútuo e que retrata um relacionamento saudável, onde ambos crescem juntos e declaram seu amor para o mundo, e o mundo aceita esse amor é o que torna o anime tão importante. Claro, a obra não ficou livre de críticas, principalmente daqueles que acreditam que a história é utópica e redonda demais ou que é representativa de menos, esperando mais demonstrações de afeto e precisando de mais confirmações de que Yuuri e Victor são realmente um casal (como se o beijo do episódio 7, ou a troca de alianças do episódio 11 não fossem evidências o suficiente).

Yuri on Ice é um anime que exibe um casal do mesmo sexo e que vai atrair certo grupo de pessoas. No entanto, é a maneira que os dois interagem - de uma forma que se concentra em seus medos e psicologia - e como seu relacionamento progride de fã e ídolo para um vínculo consensual e mútuo que o faz se destacar. Yuri e Victor não são apenas outro casal gay de anime. Eles são quase reais (Tradução livre. VELOCCI, 2016, s/n).

O que é inegável é que Yuri!!! On Ice cumpre seus principais propósitos: atrair e fidelizar seu público e, respectivamente, fazer história.

3. VIVENDO O FANDOM: YURI!!! ON ICE

3.1 A Metodologia Adotada

Entendida a teoria por trás dos conceitos de cultura de convergência, entretenimento e como os dois se relacionam dentro da instituição que é o fandom, é preciso enxergar na prática como essas comunidades funcionam na vida real. Para isso, foi realizada uma pesquisa qualitativa em formato de focus group (ou grupo focal, em português), técnica onde são levados questionamentos a pequenos grupos formados por um número de 8 a 12 componentes a fim de que estes sejam discutidos por eles com a presença de um moderador. Um focus group pode analisar experiências vividas e compartilhadas por seus integrantes, encaixando-se aqui como opção ideal para compreender características importantes de um fandom.

Grupo de foco é um tipo de entrevista em profundidade realizada em grupo, cujas reuniões apresentam características definidas quanto à proposta, tamanho, composição e procedimentos de condução. O foco ou o objetivo de análise é a interação dentro do grupo (OLIVEIRA, FREITAS, 1998, p.83).

Para isso, no dia 26 de maio de 2016, a partir das 20h do horário de Brasília, foi realizada a pesquisa com um grupo de fãs através da ferramenta de mensagens diretas da rede social Twitter, local escolhido devido à distância geográfica entre os participantes e pelo fato de todos possuírem contas na plataforma. A conversa foi realizada com oito fãs mulheres, com idades entre dezessete e vinte e seis anos de idade, todas elas residentes no Brasil, provindas das regiões Sul e Sudeste do país, duas delas com graduação completas, duas cursando o ensino médio e as outras quatro em diferentes estágios de cursos de graduação em áreas distintas.

3.2 Fangirls!!! No Gelo: Uma Amostra do que Significa Participar de um Fandom

A primeira coisa a se compreender é como se dá o primeiro contato com um fandom. Muitas vezes a experiência pode ser comparada a de Alice ao cair no buraco do Coelho em Alice no País das Maravilhas. O tempo entre a aproximação simples até a imersão completa pode variar, mas o despertar da curiosidade do fã em potencial segue, na maioria das vezes, uma rota bem conhecida: a do boca-a- 58

boca. Sete das oito fãs entrevistadas durante a fase do focus group decidiram assistir Yuri!!! On Ice após ler uma série de comentários de amigos próximos no Twitter ou ver postagens sobre o anime no Tumblr. A participante número 7 foi a única a tomar conhecimento do programa de modo mais “formal”: “[Meu primeiro contato foi] Em uma amostra de animes, quando passaram um curta que mostrava apenas uma ideia de como seria um anime com a temática da patinação do gelo. Depois disso, acompanhei as notícias de que seria feito um anime e fiquei esperando ele ser lançado.” Isso mostra a influência do buzz gerado, e de como ele se espalha com facilidade. Muitos fãs poderiam não se sentir compelidos a assistir apenas pela temática da série, mas devido aos comentários (muitas vezes excessivos) de amigos próximos, acabaram cedendo à curiosidade. A participante número 4 confirma essa teoria ao afirmar que “Eu sempre dou uma olhada em todos os animes da season no Anichart. Quando saiu, YOI não tinha me chamado muito a atenção, mas aí um amigo meu que sempre me recomenda animes bons pediu pra eu ver um episódio e me apaixonei.”

À medida que as mídias sociais se tornarem cada vez mais expressivas, os consumidores poderão, cada vez mais, influenciar outros consumidores com suas opiniões e experiências. A influência que a propaganda corporativa tem em moldar o comportamento de compra diminuirá proporcionalmente. Além disso, os consumidores estão participando mais de outras atividades como videogames, assistindo a DVDs e usando o computador; portanto, estão expostos a menos anúncios. Como as mídias sociais são de baixo custo e pouco tendenciosas, será delas o futuro das comunicações de marketing (KOTLER, 2010, p. 19).

O processo de entrada em um fandom pode ser facilmente comparado ao de o início de um “relacionamento amoroso”. Nem todos eles vingam após a fase inicial, conhecida como a fase de “flerte”. É possível apreciar conteúdo de entretenimento apenas pelo prazer de fazê-lo por um momento e deixar a obra de lado depois, mesmo que se tenha desenvolvido algum afeto por ele. Juntar-se a um fandom exige um laço mais profundo e principalmente a vontade de voltar para aquele universo constantemente. É possível, por exemplo, adorar o segundo álbum de estúdio da cantora Lorde, Melodrama (2017), sem fazer parte de seu fandom. Fandoms exigem tempo e energia e participação (JENKINS, FORD, GREEN, 2015), e principalmente um vínculo forte entre fã e objeto de adoração. Mais do que isso, fazer parte de um fandom implica a vontade de fazer parte de um grupo, de sentir 59

uma conexão com outras pessoas. A fã número 2 verbaliza isso bem ao comentar que “os fandoms para mim representam pertencimento a um grupo, a uma tribo. Fandoms para mim são fundamentais e parte intrínseca da minha experiência na internet; sem eles, sinto que não há muito espaço para mim nas redes sociais, por exemplo.”

Ficou cada vez mais comum assistir a um programa e depois entrar online para ver o que todo mundo estava escrevendo sobre ele — ou contra, ou nele, ou ao redor. Às vezes, os fandoms explodem ao crescerem exponencialmente e se tornarem grandes o suficiente para mudar a cultura e impulsionar um crescimento econômico amplo (JAMINSON, 2013, s/n).

E é isso que uma comunidade implica: a interação e a formação de laços por gostos em comum. Não é divertido ser fã sozinho: é necessário pelo menos uma pessoa com a qual se possa conversar sobre o objeto de afeição. Os fandoms no ambiente online facilitaram essa necessidade de interação, mesmo que ela aconteça muitas vezes sem que exista a consciência de sua existência. E é essa interação que mantém o fandom ativo e existindo. Sem ela, não há assunto. Sem assunto, não há motivo para uma comunidade existir. “Se um conteúdo não for propagado, ele morre” (JENKINS, FORD, GREEN, 2015, p. 6). A primeira temporada de Yuri!!! On Ice foi encerrada em dezembro de dois mil e dezesseis, e até junho de dois mil e dezessete ainda não havia confirmação sobre uma segunda temporada, e além de materiais bônus presentes nos DVDs da série e algumas informações liberadas em convenções, nenhum novo conteúdo foi disponibilizado ao público. Ainda assim, seu fandom se mantém vivo e produzindo, sendo considerado o fandom de anime mais ativo no Tumblr. Isso só ocorre porque, mesmo após seis meses, fãs continuam interagindo, discutindo, transformando. Quando perguntadas se participavam ativamente do fandom, três participantes do focus group consideram que não, três disseram que sim e duas afirmaram que embora tentem, não sentem que participam tanto como gostariam, por falta de tempo ou por timidez.

A participação é vista como uma parte normal da operação da mídia, e os debates atuais giram em torno das condições dessa participação. Assim como o estudo da cultura dos fãs nos ajudou a compreender as inovações que ocorrem às margens da indústria midiática, podemos também interpretar as estruturas das comunidades de fãs como a indicação de um novo modo de pensar sobre a cidadania e a colaboração. Os efeitos políticos dessas comunidades de fãs surgem não apenas da produção e 60

circulação de novas ideias (a leitura crítica de textos favoritos), mas também pelo acesso a novas estruturas sociais (inteligência coletiva) e novos modelos de produção cultural (cultura participativa) (JENKINS, 2009, p. 339)

Mas o que implica participar ativamente? Para muitos, é contribuir constantemente com as discussões levantadas, produzir e consumir obras transformativas e manter-se informado com as últimas novidades vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Mas participar ativamente, às vezes, pode consistir de fazer uma indicação a um amigo, ou compartilhar um trabalho de fanart ou fanfic. As entrevistadas aqui dedicam entre 30 minutos e 4 horas diárias para seus fandoms, o que geralmente constituí todo seu tempo livre fora de seus respectivos trabalhos ou estudos. Cada um tem seu próprio modo de fazer parte de uma comunidade, e a comunidade recebe de braços abertos toda forma de amor.

Todo mundo é um criador: A questão é ‘do quê’. Todos têm uma esfera em que se sentem confortáveis em exercer uma atividade [...] um “observador” proporciona valor às pessoas que compartilham comentários ou produzem conteúdos multimídia, expandindo a audiência e potencialmente motivando o trabalho delas, enquanto os críticos e os curadores geram valor para aqueles que estão criando material e talvez de um para o outro (JENKINS, FORD, GREEN, 2015, p. 155).

As fãs de Yuri!!! On Ice contam com as redes sociais para conversar entre si, e é possível identificar em suas falas a importância das mesmas para diversos aspectos da vida de fangirl. O Twitter é utilizado não só para troca de mensagens, mas também como uma espécie de noticiário. A participante número 8 relata que não sente necessidade de buscar informações sobre o anime pois “as notícias e spoilers aparecem no meu feed do Twitter, então é um processo meio que natural saber sobre as novidades.” A maior parte das entrevistadas, porém, afirma que procura buscar informações em páginas especializadas ou em perfis dedicados ao anime no Tumblr e no Facebook, e essa preocupação é compreensível já que notícias de uma segunda temporada podem ser liberadas a qualquer instante. Todas elas, porém, interagem com outros fãs através do Twitter, embora façam isso de maneiras diferentes. As participantes 1, 2, 4, 7 e 8 afirmaram utilizar a rede social para efetivamente conversar com outros fãs, e aqui incluindo fãs com os quais elas não têm laços de amizade, sendo que essas interações se dão através de comentários em postagens no site, como por exemplo uma notícia compartilhada ou uma fanart. As participantes 3 e 6 preferem conversar com amigos fãs em outros 61

aplicativos como Whatsapp e Facebook, mas utilizam o Twitter para compartilhar obras transformativas e postagens relacionadas. A participante 5 diz ser tímida para interagir com fãs que não conhece, mas utiliza a rede para conversar com amigas que sabe que também fazem parte do fandom.

As comunidades abraçaram as novas tecnologias conforme foram aparecendo, em especial quando esses recursos lhes ofereciam novos meios de interagir social e culturalmente. Em vez de considerar as plataformas do YouTube e do Twitter como “novas”, consideramos esses sites onde se reúnem as múltiplas formas existentes de cultura participativa – cada qual com sua específica trajetória histórica, às vezes centenária –, o que em parte torna tais plataformas um objeto tão complexo de estudo (JENKINS, FORD, GREEN, 2015, p.42).

Nessas interações, um dos assuntos mais comentados entre o fandom durante a exibição de Yuri!!! On Ice foi o fato que, diferente de muitas obras, os desejos da comunidade estavam sendo atendidos com a narrativa original da história (canon). O relacionamento de Yuuri e Victor crescia a cada episódio, passando de platônico para romântico no ritmo correto. Se os fãs desejavam um beijo, o episódio 7 satisfez o pedido. Se os fãs desejam um compromisso formal entre ambos, a troca de alianças do episódio 11 caiu como uma luva nesse contexto. Alguns fãs chegaram a se perguntar se isso significaria que a produção de fanfics que seguissem o canon seria possível ou até mesmo interessante nesse sentido. Os seis meses após o final da temporada provaram que essa produção não era só possível, como também necessária.

O fandom está positivamente transbordando de talento: temos advogadas, contadoras, relações públicas, desenvolvedoras, programadoras, sysadmins, webmasters, professoras, bibliotecárias, especialistas em RH, gestoras e escritoras — muitas e muitas escritoras (JAMINSON, 2013, s/n).

A fanbase de Yuri!!! On Ice não só produziu fanfics de universo alternativo, mas ofereceu aos seus leitores uma extensão do conteúdo dos doze episódios originais, preenchendo as lacunas que o programa deixou em branco e imaginando o que viria a acontecer após as cenas do episódio final. Além de escrever sobre o relacionamento entre Yuuri e Victor, o fandom de Y!!!OI também desenvolveu um apreço por retratar ao seu modo o relacionamento entre outros dois personagens: o patinador russo Yuri Plisetsky e o patinador cazaque Otabek Altin, após sua aproximação a partir da segunda parte da temporada. Atualmente a categoria de 62

Yuri!!! On Ice no AO3 possuí 18.317 trabalhos, sendo a quinta colocada na categoria geral de anime e mangá. Todas as participantes do focus group relataram consumir obras transformativas com frequência. No que diz respeito à fanarts, a maior parte delas gosta de compartilhar em suas redes sociais para apreciar o artista e a beleza do trabalho, destacando e apoiando o talento que existe dentro do fandom. A participante 4 afirma que compartilha o conteúdo como “uma forma de demostrar ao artista que gostei do conteúdo que ele postou.” Quanto o motivo para consumir fanfics, a participante 2 relata que “essas obras são maneiras de (1) dar continuidade à história, (2) trazer novos enredos para dentro do enredo original ou ainda (3) levar os personagens desse enredo específico para um universo novo, que muitas vezes nada de parecido tem com a história original.” A participante 5 complementa dizendo que “acho que quando você gosta muito de uma história você sempre quer MAIS dela (mesmo que de maneiras diferentes), e fanfics e fanarts trazem isso pra você [...] Principalmente porque nas fanfics o autor não está preocupado em ser publicado pro público no geral, a fanfic é pro fandom então muita coisa impossível de ser ler em livros normais a gente consegue achar em fanfics, é muito satisfatório.” Obras transformativas são capazes de manter o fandom unido ao redor de um objetivo ou vontade em comum, sem que haja a necessidade do produtor original do conteúdo estar envolvido, dando voz e vez a experiências que, por uma série de motivos, nunca aconteceriam na narrativa original dessas histórias. Das oito participantes, uma diz contribuir com as obras transformativas de Yuri!!! On Ice através da produção de memes26, e outra já produziu um cover do tema de abertura do anime. Apenas duas produziram fanfics, uma das quais explica que “escrever fanfics é uma espécie de treinamento e aprimoramento da minha escrita, e eu sinto tanto amor por uma história que eu sinto quase que uma necessidade de criar algo para ela. Quando você escreve uma fanfic você consegue mudar certas coisas que você não gostava da história original [...] escrever fanfic te dá a liberdade de dar o final feliz que os personagens merecem, te dá liberdade pra fazer qualquer coisa.” As fãs que relataram não contribuir para o fandom com esse tipo de obra explicaram que não o fazem por falta de tempo ou por não acreditarem ter talento ou vocação para isso.

26 Imagem humorística que se viraliza na internet. 63

Há uma década, a fan fiction publicada era, em sua maioria, escrita por mulheres na faixa dos 20, 30 anos, ou mais. Hoje, essas escritoras mais velhas estão acompanhadas de uma geração de novos colaboradores que descobriram a fan fiction navegando pela Internet e decidiram ver o que eram capazes de produzir. Harry Potter, em particular, incentivou muitos jovens a escrever e compartilhar suas primeiras histórias (JENKINS, 2009, p. 257).

Um detalhe muito importante a ser observado, e que foi confirmado dentro do grupo focal, é que dificilmente um fã faz parte de apenas um fandom, porque é raro encontrar alguém com apenas um interesse. Isso pode influenciar no comprometimento e participação efetiva em determinadas comunidades, mas para esses fãs, os chamados multifandom, isso apenas faz parte de sua experiência social. As oito participantes afirmaram participar de outros fandoms com maior ou menor intensidade. A participante 2 explica que isso ocorre pela “necessidade constante que tenho de me sentir pertencente a um grupo”, enquanto a participante 3 diz que gosta “de ver outras pessoas tão empolgadas quanto eu pelo mesmo assunto”. Além dos fandoms de outros animes, outra comunidade em comum mencionada pelas entrevistadas foi a de k-pop, mencionada por três das fãs, os grupos Block B, Seventeen e BTS sendo lembrados, além do grupo de pop japonês NEWS, o que mostra que um assunto leva ao outro, despertando interesse por outros pontos da cultura asiática. As outras participantes mencionaram também participar de fandoms de filmes, séries e livros diversos.

Mídia social? Para os fãs, a mídia sempre foi social; era algo a ser discutido, dissecado, analisado e conversado. Nos fandoms, a cultura sempre trafegou em mão dupla: fãs não são consumidores passivos de mídia, seja ela textual, analógica ou digital (JAMISON, 2013, s/n).

Apesar dessa necessidade de ser multitarefa para acompanhar diversos assuntos em diversas mídias, cada fandom é especial de uma maneira para aqueles que o compõem, e cada um traz experiências diferentes para esses fãs. Quais são as características principais de fazer parte do fandom de Yuri!!! On Ice, de acordo com as próprias fãs? Para a participante 7, toda a experiência foi “um pouco insana, com spoilers pra todo lado antes mesmo de ter o episódio disponível para assistir, mas muito divertida.” Isso ocorreu principalmente pela diferença de horário entre o Brasil e o Japão, e pela necessidade dos fãs brasileiros de esperar os times de tradução disponibilizarem legendas para os episódios. Muitas imagens acabavam 64

vazando no Twitter e no Tumblr devido a essa peculiaridade, entregando informações da trama antes que os fãs pudessem assisti-la.

A rápida reviravolta dos vídeos voluntariamente legendados por fãs requer um trabalho enorme sem remuneração, incluindo a coordenação de grandes redes de participantes, assim como o trabalho mais direto de tradução, codificação, verificação e circulação desses textos (JENKINS, FORD, GREEN, 2015, p. 257).

A maioria das participantes do grupo focal teve uma boa experiência dentro do fandom, embora admitam que existam conflitos e algumas atitudes que poderiam ser evitadas. Grande parte destacou a interação com outros fãs pós-episódios no Twitter e no Tumblr como pontos altos da comunidade. Em especial, a participante 1 compartilhou o porquê de ter se sentido tão acolhida pela história e pelo fandom: “Os temas abordados pela série têm uma relação muito forte com as minhas experiências de vida, e me fizeram refletir muito sobre estas [...] Encarar os fracassos iniciais como algo necessário e um aprendizado que o levaram ao sucesso e ver que, por mais que ele mesmo não percebesse isso, as pessoas ao seu redor nunca demonstraram descontentamento diante de suas falhas, realmente foi uma experiência pessoal transformadora que me levou a ver antigos traumas pessoais de uma forma completamente diferente.” Yuri!!! On Ice despertou o lado emocional de seu fandom e soube explorá-lo com maestria na construção de sua narrativa e seus personagens. Esse é o motivo apontado pela fidelidade de sua base de fãs ao redor do mundo, e a promoção de valores como aceitação, empatia, apoio artístico e emocional são temas frequentes dentro do dia-a-dia do fandom. É fácil se sentir acolhido por ele e, mesmo que não se participe ativamente, sempre se volta para a comunidade durante os momentos de pico (lançamento de episódios ou novas informações sobre confirmações de temporadas) pela afeição ao ambiente e ao conteúdo. E não apenas Y!!!OI, mas fandoms no geral têm um impacto impressivo na vida de quem faz parte dessas comunidades de fãs. Eles são uma válvula de escape diária, um lugar para fugir quando as coisas parecem muito pesadas. A participante número 1 destacou que “os fandoms de obras fictícias, tais como o de Yuri!!! On Ice, muitas vezes usam alegorias para representar dificuldades recorrentes na vida dos expectadores de um modo geral, usando a animação para nos fazer refletir sobre nossos próprios atos e pontos de vista. Já os fandoms dos grupos me motivam a 65

continuar batalhando esforçadamente pelos meus objetivos, sempre reconhecendo quem esteve ao meu lado me apoiando e ajudando, direta e indiretamente.” As participantes 3, 7 e 8 lembraram que os fandoms também são ótimos lugares para construção de amizades por já possuírem interesses e objetivos em comum, o que facilita uma aproximação, principalmente quando um dos lados não é tão extrovertido para procurar por outros pontos de convergência de interesses. A participante 5 compartilha uma experiência pessoal, de como participar de fandoms a ajudou a lidar com sua depressão: “em uma das minhas maiores crises de depressão eu voltei a reassistir e reler todos os mangás/animes que me faziam feliz na adolescência, foi nesse momento que eu redescobri o “fandom”. Posso dizer que me ajudou muito a enfrentar a depressão entrar em contato com esse mundo, não só por causa das fanfics maravilhosas que eu li (mas porque foi com fandom que eu voltei a escrever, é como se uma luz tivesse se acendido dentro de mim.” Integrar, interagir, criar, compartilhar, curar: qualquer que seja a necessidade imediata pela qual se busca um fandom, a certeza é que, de uma maneira ou de outra, ela é suprida no final do dia, ajudando não só a transformar conteúdos e pessoas, mas também, em sua própria maneira, o mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cultura pode ser entendida como o conjunto de práticas que constroem e determinam o comportamento humano, dentro de grupos e consigo mesmo. A cultura participativa faz com que, no jogo da transmissão de mensagens, o espectador já não seja mais agente passivo, e se recuse a permitir que lhe tratem como tal. Na era da informação, com o auxílio da ideia de cultura participativa, o consumidor é agente transformador, tomando as rédeas da produção e distribuição de conteúdo quando lhe convém. Com a tecnologia como sua aliada e o fácil acesso as redes sociais, é ele quem comanda a verdadeira métrica do fracasso ou do sucesso dentro da indústria do entretenimento. Aliando essa noção com a vontade inerente do ser humano de deixar sua marca através de práticas e atividades e explorar a sensação de pertencimento a um grupo, surgem as comunidades de fãs, os fandoms, com seus próprios modelos e ferramentas de comunicação, criação, transformação e distribuição de conteúdo dentro do ciberespaço, alterando as certezas que as grandes companhias possuíam de ter controle sobre o jogo e criando seu próprio capítulo dentro do panorama cultural global. Quem está mudando o cenário da produção de entretenimento é em esmagadora maioria grupos mulheres jovens com algum tempo em mãos e a capacidade de enxergar além. Espaços de fala feminina são frequentemente apagados de outros ambientes, o que torna o fato de que essas mulheres tem desbravado o ciberespaço atrás de um ponto onde podem se sentir inclusas ainda mais importante. Normalmente excluídas ou hostilizadas dentro de outras comunidades, o fandom de entretenimento e suas práticas foi construído praticamente por elas e passados adiante para as próximas gerações. Este trabalho escolheu desbravar o universo das fangirls e dos fandoms a partir da construção de embasamento teórico sobre cultura tradicional e digital, entretenimento e a própria definição dessas comunidades de fãs. A convergência das mídias é, nesse caso, item fundamental da pesquisa, sendo impossível compreender a fundo a real importância desses grupos dentro de um quadro maior. É também a convergência que ajuda a entender a popularização da animação 67

japonesa no ocidente, evento sem o qual não seria possível trabalhar o objeto do estudo de caso em questão. Yuri!!! On Ice pegou a comunidade de anime de surpresa ao retratar o desenvolvimento saudável do relacionamento amoroso entre os personagens Yuuri e Victor dentro do gênero esportivo, e esse foi um dos motivos por trás da expansão volumosa de seu fandom em um curto período de tempo. Dentro do focus group foi possível entender os laços emocionais que levaram fãs não só a se juntarem a essa comunidade em especial, mas a comunidades no geral. A sensação de pertencimento, o diálogo entre indivíduos com os mesmos interesses e a necessidade de uma válvula de escape foram alguns dos pontos levantados durante o debate. O que fangirls buscam pode ser traduzido em noções de aceitação, empatia e apoio, seja emocional, profissional ou artístico, e a partir do momento em que esses indivíduos encontram o que precisam dentro dessas comunidades, ocorre uma fidelização difícil de ser quebrada. A importância das obras transformativas na construção de universo e como ferramenta de interação e desenvolvimento pessoal também é um dos pontos altos da conversa. A fanfic poderia ser utilizada como ferramenta importante na tarefa de desenvolver o gosto pela leitura em adolescentes e jovens, pela qualidade de sua produção em vários casos, pela presença de elementos já comuns a esses grupos e por despertar, mais uma vez, uma noção de pertencimento, de conhecimento, que histórias originais muitas vezes não conseguem repassar. Embora essas autoras, que dedicam horas e horas de seu dia a essa produção, pudessem estar desenvolvendo suas próprias obras para serem comercializadas, elas preferem continuar contribuindo com o fandom, pela liberdade, pela interação rápida e pelo vínculo emocional criado ali. Fandoms constituem comunidades importantes que precisam ser levadas a sério no panorama do entretenimento caso a indústria queira continuar em expansão. O fandom de anime mostrou como essas comunidades são importantes ferramentas de teste e controle de mídia: a indústria japonesa nunca teria investido no mercado ocidental não fossem os fãs começarem a distribuir conteúdo legendado de forma própria, despertando uma audiência menosprezada anteriormente. O anime também abriu espaço para outros tipos de produção de conteúdo asiático que com o passar dos anos tomaram conta do ocidente. 68

Comunidades de fãs muitas vezes ultrapassam barreiras geográficas e de idioma para compartilhar informação e conteúdo sem qualquer tipo de remuneração. Autores escrevem milhares de palavras e desenhistas postam centenas de trabalhos, e o fandom tenta garantir que eles recebam comentários, compartilhamentos e apoio ao seu trabalho em troca. A troca que ocorre aqui é mais importante que qualquer transação monetária, uma vez que a noção de grupo é mais importante. Para escritores, muitas vezes o ato da escrita é solitário e parece muito com falar com as paredes: o fandom faz com que esses escritores possam desenvolver a sua escrita através do que sua audiência lhe diz, em uma espécie de treinamento difícil de encontrar em qualquer outro lugar. Tradutores exercitam aquilo que aprenderam em sala de aula e servem também como um importante canal de comunicação para fãs que falam idiomas diferentes daquele oferecido pelo produtor original. Sem eles, a mensagem muitas vezes morreria no meio do caminho. Mesmo aqueles que só observam tem papel importante ao contribuir com números de acessos e visualizações, importantes em alguns ambientes. Fandom é muitas vezes sobre trabalhar em equipe, com ou sem objetivos definidos. Grupos de fãs que se reúnem para votar em premiações por seus conteúdos favoritos não são os premiados, mas a satisfação em saber que se fez parte daquele momento de glória é tão importante quanto subir no palco para recebê-lo. A ressignificação de fandoms gira intensamente ao redor da ideia de pertencimento, e como esse pertencimento pode mudar o mundo. É possível identificar através das discussões no focus group que esses grupos, como quaisquer outros grupos sociais, não são perfeitos, e que há sim um grande estigma em cima da sua construção. Brigas por divergências de opiniões, discussões com haters (termo usado para falar sobre aqueles que odeiam um conteúdo e verbalizam isso na internet) e ainda crises de ciúmes ou de falta de comunicação não são raros, o que só reforça a ideia de comunidade. Fora dos grupos, preconceito e a desvalorização por suas origens jovens e femininas ainda impede que o assunto seja levado a sério e melhor explorado dentro dos viés da comunicação. O diálogo entre indústria e comunidades de fãs e importante deve continuar, assim como o diálogo entre esses grupos e outros grupos sociais, para que exista um avanço e uma legitimação maior para que ambos os lados possam se beneficiar 69

dessas trocas de experiências, para que o mercado do entretenimento continue prosperando e fornecendo a esses grupos o conteúdo ao qual eles anseiam.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Ensaios Sobre O Conceito de Cultura. São Paulo: Editora Aleph, Edição Digital, 2012.

DONATON, Scott. Publicidade + Entretenimento. São Paulo: Editora Cultrix, 2008.

JAMISON, Anne. Fic - Por Que A Fanfiction Esta Dominando O Mundo. São PAulo: Rocco, Edição do Kindle, 2017.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência: A colisão entre os velhos e novos meios de comunicação. São Paulo: Editora Aleph, 2009.

JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da Conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Editora Aleph, 2015.

KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan. Marketing 3.0. São Paulo: Elsevier Editora, 2010.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

OLIVEIRA, Mirian; FREITAS, Henrique M.R. Focus Group – pesquisa qualitativa: resgatando a teoria, instrumentalizando o seu planejamento. Revista de Administração, São Paulo. V. 33, n. 3, julho/setembro, 1998.

ROWELL, Rainbow. Fangirl. São Paulo: Editora Novo Século, 2013.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

BLOG: AnimeNewsNetwork. Yuri!!! on Ice Dominates Fall Anime on Twitter Rankings. Disponível em: . Acesso em 16 de mai de 2017.

BLOG: BAKER-WHITELAW, Gavia para DailyDot. anime ‘Yuri on Ice’ is one of the best shows of 2016. Disponível em: < https://www.dailydot.com/parsec/yuri-on-ice/>. Acesso em: 27 de jan de 2017.

BLOG: BAKER-WHITELAW, Gavia para DailyDot. How anxiety and mental health shape the story of ‘Yuri on Ice’. Disponível em: < https://www.dailydot.com/parsec/yuri-on-ice-anxiety-mental-health/?tu=gav>. Acesso em: 27 de jan de 2017.

BLOG: CROWE, Cameron para Rolling Stone. Harry Styles’ New Direction. Disponível em: . Acesso em: 20 de abr de 2017.

BLOG: Crunchyroll. "Yuri!!! On Ice" Tops Anime Ranking In New Tumblr Measurement. Disponível em: . Acesso em 16 de mai de 2017.

BLOG: VELOCCI, Carli para Geek. ‘Yuri on Ice’ is a Non-Traditional Gay Anime Romance. Disponível em: . Acesso em: 27 de jan de 2017.

DILLING-HANSE, Lise. Affective Fan Experiences of Lady Gaga. Disponível em: < http://journal.transformativeworks.org/index.php/twc/article/view/662/543>. Acesso em: 20 de mar de 2017.

HILER, Marcos. Ondivíduos. Disponível em: < http://marcoshiller.com.br/ondividuos/>. Acesso em: 26 de mar de 2017.

MARQUES, Jane; LEITE, Édson. Impactos do Entretenimento na Sociedade da Informação. Disponível em: < http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n52/24MarquesyLeite.pdf>. Acesso em: 26 de mar de 2017.

REEVE, Elspeth. The Secret Lives Of Tumblr Teens. Disponível em: < https://newrepublic.com/article/129002/secret-lives-tumblr>. Acesso em: 12 de abr de 2017.

WIKI: Yuri!!! On Ice. Disponível em: . Acesso em: 16 de abr de 2017.

APÊNDICES

Questionário aplicado para a realização do grupo focal realizado em vinte e seis de maio de dois mil e dezesseis através da ferramenta de Mensagens Diretas do Twitter, com participação de oito pessoas que fazem parte do fandom do anime Yuri!! On Ice.

Moderador – Pergunta 1: Como foi seu primeiro contato com Yuri!!! On Ice? Fã 1: Vi muitas pessoas comentando sobre o anime no twitter. Por ser apaixonada por patinação no gelo imediatamente a proposta do anime me chamou atenção e logo procurei assistir. Fã 2: Meu primeiro contato com o anime foi através de redes sociais como o Twitter e o Tumblr. Fã 3: Foi através do Twitter e do Tumblr. Eu via todo mundo comentando, mas depois do "beijo" no episódio 7 se tornou impossível não esbarrar em YOI, e foi por isso que eu comecei a assistir. Fã 4: Eu sempre dou uma olhada em todos os animes da season no anichart, quando saiu, YOI nao tinha me chamado muito a atenção, mas ai um amigo meu que sempre me recomenda animes bons pediu pra eu ver um episódio e daí eu apaixonei. Fã 5: Eu fiquei sabendo de YOI pelo tumblr, vários blogs de anime/mangá que eu sigo começaram a fazer uma hype bem antes do anime lançar, então, no dia da estréia eu já estava mais do que ansiosa haha. Fã 6: Eu tava no twitter e vi as pessoas falando no sobre e fui procurar pra ver, ai me apaixonei de primeira Fã 7: Em uma amostra de animes, quando passaram um curta que mostrava apenas uma ideia de como seria um anime com a temática da patinação do gelo.Depois disso, acompanhei as notícias de que seria feito um anime e fiquei esperando ele ser lançado. Fã 8: Minha amiga vivia falando de YOI, eu via as fotos e via ela pirando a cada episódio novo. Tudo pelo twitter, ela não era a única lá, tinha várias pessoas no meu twitter falando sobre esse anime, e um certo dia eu resolvi assistir e me apaixonei. <3 73

Moderador – Pergunta 2: Você busca informações e notícias sobre o anime com frequência? F8: Nem tanto porque todas as notícias e spoilers aparecem no meu feed do twitter, então é um processo meio que natural saber sobre as novidades do anime. F2: Não. F5: Eu não busco, mas eu sempre fico sabendo por causa do tumblr. F4: sim, sempre tento descobrir coisas novas e as ultimas novidades sobre o anime. F1: Sim, acompanho diversas páginas no facebook que são atualizadas frequentemente com noticias relacionadas à série ou à autora. F7: Sim. F3: Não. F6: Sim, todo dia eu procuro em todas as redes sociais algo novo

Moderador – Pergunta 3: Você participa ativamente do fandom ? F2: Não F4: sim, participo de vários grupos no whatsapp e no facebook e sempre tento comentar e fazer novas amizades. F7: Sim. Não mais ativamente por falta de tempo e participar de outros fandoms também, mas quando saem coisas novas eu estou ali. F1: Menos do que eu gostaria, por falta de tempo. Mas pelo menos por meio de algumas redes sociais procuro me manter ligada a outras pessoas do fandom. F3: Não. F6: Queria muito porem fico só participando meio passivamente por timidez F8: Gostaria de ser mais ativa, mas quando o anime estava passando eu era super ativa, mas agora enquanto espero pela segunda temporada, não tanto. F5: Não.

Moderador – Pergunta 4: Você costuma interagir com outros fãs através do Twitter? De que maneira? F8: Sim, eu sigo muitos fãs e sempre que tem posts interessantes comento ou compartilho. F1: Muitas vezes converso com outras fãs por meio do Twitter quando estas postam algo que seja de meu interesse, principalmente quando isto é algo relacionado a meus personagens favoritos. 74

F4: sim, conheci várias pessoas nos grupos e sempre marco todo mundo em memes. F6: Costumo falar mais pelo whatsapp e pelo facebook, geralmente comentando as coisas novas e compartilhando os sentimentos F2: Não com frequência, mas quando essa interação ocorre é por meio de threads de fanarts, normalmente. F3: Não muito. Eu dou RT em algumas coisas, mas conversar sobre o anime eu só converso com amigos, em outros apps. F5: Não, eu sou meio tímida pra isso, na época que os episódios estavam sendo lançados eu só me exaltava com a Roberta pelo twitter (ela era a única que eu conhecia que também gostava mas claramente isso mudou rs no aguardo da 2 temp). F7: Sim. Comentando o anime e até mesmo fazedo chat em grupo.

Moderador – Pergunta 5: Você consume algum conteúdo de obras transformativas (fanfics, fanarts, fansubs...) em sites como Tumblr e Archive of Our Own? Por que (não)? F2: Sim, porque, ao meu ver, essas obras são maneiras de (1) dar continuidade à história, (2) trazer novos enredos para dentro do enredo original ou ainda (3) levar os personagens desse enredo específico para um universo novo, que muitas vezes nada de parecido tem com a história original. F8: Sim, não tanto de YOI, mas AO3 é o amor da minha vida uashuas amo o site e sempre que posso passo por lá. Também amo fanarts porque mostra o talento das fãs e elas são tão lindas. F4: sim, sempre compartilho fanarts que acho legais como uma forma de demostrar ao artista que gostei do conteúdo que ele postou. F7: Siiiiiiim! Principalmente fanarts. As fanarts de Yuri on Ice são obras primas F1: Sim, já li algumas fanfics no site Archive of Our Own e, mais do que pelo Tumblr, costumo buscar por algumas fanarts no Pinterest. F6: Consumo bastante conteúdo desse tipo, tipo uma fanfic por dia e fanarts toda hora. Faço isso porque é meio que uma extensão do que o anime trouxe F5: Sim, muito. Hoje em dia não consumo tanto do fandom de YOI mas eu sempre sigo meus artistas e autores preferidos no tumblr, se pudesse dava milhões de kudos no AO3… sempre que eu vejo uma fanart maravilhosa eu reblogo sem pensar duas vezes. É difícil explicar o porque disso, acho que quando você gosta muito de 75

uma história você sempre quer MAIS dela (mesmo que de maneiras diferentes), e fanfics e fanarts trazem isso pra você, além disso, uma coisa que eu sinto em relação à fanfics especialmente é um grande amor, já li tantas histórias incríveis, com personagens maravilhosos e mundos criados do nada, eu sinto como se estivesse lendo um livro mesmo e na real eu acho isso muito bonito? Principalmente porque nas fanfics o autor não está preocupado em ser publicado pro público no geral, a fanfic é pro fandom então muita coisa impossível de ser ler em livros normais (na maioria das vezes né? eu acredito que isso vem mudando mas…) a gente consegue achar em fanfics, é muito satisfatório. F3: Sim! Tanto vejo fanarts como leio fanfics, no Tumblr e no AO3, porque gosto de ver o que as pessoas conseguem fazer com a história/personagens, principalmente se for pra realizar um desejo do fandom, falar de algo que não aconteceria no canon.

Moderador – Pergunta 6: Você produz algum tipo de obra transformativa (fanfics, fanarts, fansubs) em sites como Tumblr e Archive of Our Own? Por que (não)? F4: não tenho talento para fazer fanars ou fanfics, mas tento contribuir com memes ruins F1: Por falta de tempo, o único tipo de obra transformativa que produzi até hoje foi um pequeno cover da música tema da série tocado no piano, o qual postei no twitter. Não me considero muito produtiva nos outros campos, tais como fanfics, fanarts ou fansubs F3: Não. Já cheguei a escrever fanfics anos atrás, mas agora me falta tempo para me dedicar a isso. F7: Sim! Fiz alguns doodles e uma pequena fanfic (menos de 1.000 palavras) para Yuri on Ice. Tenho algumas coisas para haikyuu!!, também, e BTS/bangtan sonyeondan. F2: Não, porque além da falta de tempo, sinto que já não tenho mais o talento, criatividade e motivação necessários para escrever fanfics. F8: Não, porque eu não sou tão criativa, e outra porque eu tenho um pouco de preguiça e insegurança quando a isso. F5: Comecei a escrever fanfics recentemente (não para YOI, you know). A razão para isso vem de duas situações: (i) eu amo escrever e eu sinto que escrever fanfics é uma espécie de treinamento e aprimoramento da minha escrita, e, (ii) eu sinto tanto amor por uma história (ou por uma banda né rs) que eu sinto quase que uma 76

necessidade de criar algo para ela. Quando você escreve uma fanfic você consegue mudar certas coisas que você não gostava da história original, fazer os personagens se tornarem melhores, piores, etc… Tem um fandom que eu participo que a história original termina em uma tragédia horrível, no ponto que um dos personagens morre falando que ama o outro (sofro até hoje), no momento que eu descobri as fanfics, lá com meus 14/15 anos eu pensei “bom agora é a hora de consertar essa situação”, claro que eu nunca publiquei essa história, mas o ponto é: escrever fanfic te dá a liberdade de dar o final feliz que os personagens merecem, te dá liberdade pra fazer qualquer coisa. F6: Não produzo nada porque na maioria das vezes que eu tento eu acho que não estou fazendo o suficiente com os personagens.

Moderador – Pergunta 7: Você participa de outros fandoms? Qual sua principal motivação para fazê-lo? F1: Sim, participo como tradutora na fanbase brasileira do grupo coreano Block B, traduzindo os posts que todos os membros do grupo fazem em suas contas pessoais do Twitter, Instagram e Weibo. O respeito que tenho pelo trabalho musical destes e a relação atenciosa que eles estabelecem com as fãs são minhas principais motivações. Sou também uma grande admiradora do grupo coreano Seventeen e do grupo japonês NEWS. Quanto a estes infelizmente não tenho sido capaz de fazer nenhum trabalho específico mas acompanho diariamente suas atividades por meio das redes sociais oficiais e também de fanbases. F3: Sim. Eu gosto de ver outras pessoas tão empolgadas quanto eu pelo mesmo assunto. Gosto das fanfics, das fanarts, dos headcanons que são aceitos pelo fandom F8: Sim, meu BTS lindo, ARMY orgulhosa aqui. Eu participo do fandom mais pelo grupo do que pelas pessoas, porque o que tem de pessoas idiotas e desinformadas nos fandoms, e que estão lá só pela modinha, é enorme. F2: Sim. Desde que tenho idade o suficiente para usar a internet sozinha, sempre fiz parte do que hoje entendo que são fandoms. Minha motivação em participar de fandoms está principalmente na necessidade constante que tenho de me sentir pertencente a um grupo. F6: Participo de vários outros de animes, series e livros. A principal motivação é pra conhecer vários pontos de vista sobre um mesmo assunto. 77

F7: Sim. Conteúdo, eu acho. Coisas que eu gosto muito eu participo mesmo que esteja falando com a parede, mas um fandom que seja agradável, bem humorado e interativo/acessível também é (muito) importante. F5: Sim, não participo tão ativamente quanto gostaria por causa da timidez mas geralmente eu entro em um fandom quando eu amo muito uma história/anime/mangá (banda rs). F4: sim, geralmente participo ativamente de fandons que tenho interesse, personagens que me relaciono ou acho similares a mim, e que acho atraentes também.

Moderador – Pergunta 8: Quando tempo você costuma dedicar diariamente para os seus fandoms? F5: Com certeza mais do que deveria. (Mas vamos colocar aqui que pelo menos todo dia eu leio uma fanfic, reblogo fanart e escrevo um pouquinho) F8: Basicamente todo o tempo enquanto eu não estou trabalhando, umas 3 ~ 4 horas por dia. F1: Mesmo trabalhando e cursando o último ano da faculdade, costumo utilizar meu quase todo meu tempo livre à estes, somando cerca de 2 a 3 horas por dia. F7: Eu normalmente não tenho muito tempo, mas vou encaixando durante o dia. Algo em torno de duas horas, pelo menos. F2: Com redes sociais como Twitter e Tumblr, dedico todo o tempo livre que tenho, praticamente, ao meu fandom. F3: Acho que umas duas horas. É o tempo que eu tenho pra dar uma olhadinha no Tumblr, ver as novas fanfics, etc. F6: Qualquer tempo livre eu to indo atras de conteúdo novo seja fanfic seja fanart. F4: aproximadamente 30 minutos

Moderador – Pergunta 9: Como você descreveria sua experiência dentro do fandom de Yuri!!! On Ice? F7: No geral foi uma experiência boa. Um pouco insana, com spoilers pra todo lado antes mesmo de ter o episódio disponível para assistir, mas muito divertida. Eu praticamente voltei a usar o Tumblr diariamente por causa de Yuri on Ice 78

F6: Apesar de ter uma parte do fandom que praticam atitudes ruins, as pessoas geralmente são bem receptivas com os personagens, com as novidades e entre si também F1: Única e especial. Os temas abordados pela série têm uma relação muito forte com as minhas experiências de vida, e me fizeram refletir muito sobre estas. Uma vez que dediquei anos da minha vida à música e passei por situações de fracasso muito semelhantes à do protagonista, que assim como eu tinha dificuldade em lidar com a pressão que tanto o mundo da patinação quanto o da música impõem, pude aprender muito com o crescimento pessoal do personagem ao longo dos 12 episódios da série. Encarar os fracassos iniciais como algo necessário e um aprendizado que o levaram ao sucesso e ver que, por mais que ele mesmo não percebesse isso, as pessoas ao seu redor nunca demonstraram descontentamento diante de suas falhas, realmente foi uma experiencia pessoal transformadora que me levou a ver antigos traumas pessoais de uma forma completamente diferente. F8: Todo mundo enlouquece junto, basicamente depois de cada episódio lançado era todo mundo surtando no twitter. Então foi como encontrar pessoas como eu. F2: Escassa. Assisti ao anime mas não me prendi muito ao fandom pois já fazia parte de outro e nunca consigo organizar muito bem duas coisas. F5: O fandom de YOI é interessante, na minha opinião é um fandom que abrange um grande número de pessoas completamente diferentes, eu vi inúmeras pessoas de fandoms completamente diferentes entrando no fandom de YOI e eu acho isso bem incrível. Provavelmente deve ser por causa da história e dos personagens e do relacionamento deles (é uma história de amor muito bem escrita after all.). Mas, como todo fandom, já vi muitos problemas também. No final das contas, minhas experiência com YOI foi mais do que satisfatória com certeza. F4: o fandom é maravilhoso, apesar de existir algumas pessoas que estragam sendo preconceituosas, a maioria das pessoas gosta de conversar e interagir (e surtarjunto toda vez que tinha episódio novo) F3: Eu surtei acompanhando os episódios, consumo o conteúdo que o fandom produz, e me identifico com as reações das pessoas. Mas eu só acompanho "de longe", não participo ativamente. Quando vou comentar sobre, comento com os meus amigos que também assistem YOI, e não alguém que eu conheço só do fandom.

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Moderador – Pergunta 10: Qual a importância dos fandoms na sua vida? F4: Eu leio fanfic desde os meus 11 anos. Já não sei mais o que é gostar muito de alguma coisa e não ir procurar conteúdo feito pelo fandom - não ler uma fic, não reblogar gifs, não ver fanarts... E no estado de "estou muito empolgada e só consigo falar disso", só o fandom me compreende, talvez por todos estarem no mesmo estado. Então é uma parte importante sim, senão eu não teria com quem expressar esses gostos. F1: Encaro-os como minha motivação, mais do que como um simples escape da realidade ou passatempo. Os fandoms de obras fictícias, tais como o de Yuri!!! On Ice, muitas vezes usam alegorias para representar dificuldades recorrentes na vida dos expectadores de um modo geral, usando a animação para nos fazer refletir sobre nossos próprios atos e pontos de vista. Já os fandoms dos grupos me motivam a continuar batalhando esforçadamente pelos meus objetivos, sempre reconhecendo quem esteve ao meu lado me apoiando e ajudando, direta e indiretamente. F2: Como disse, os fandoms para mim representam pertencimento a um grupo, a uma tribo. Fandoms para mim são fundamentais e parte intrínseca da minha experiência na internet; sem eles, sinto que não há muito espaço para mim nas redes sociais, por exemplo. F8: 100% porque desde que eu me conheço por gente eu sempre participei de fandoms. Cada fase da minha vida eu tive um fandom diferente, variando de música, para filmes, séries, esportes, tudo o que você pode imaginar. E por causa disso eu pude encontrar as pessoas mais importantes da minha vida, minhas melhores amigas, que muitas vezes valem mais que pessoas de sangue. F3: eu acho que os fandons servem pra você encontrar pessoas com o mesmo gosto que você, criando laçõs que podem ser temporários ou permanentes. F5: Olha, a resposta curta aqui é que fandoms são muito importantes, quase que essenciais, na minha vida. A resposta longa é: eu passei anos sem entrar em contato com a vida de fandom (dos 16 aos 22), mas, em uma das minhas maiores crises de depressão eu voltei a reassistir e reler todos os mangás/animes que me faziam feliz na adolescência, foi nesse momento que eu redescobri o “fandom”. Posso dizer que me ajudou muito a enfrentar a depressão entrar em contato com esse mundo, não só por causa das fanfics maravilhosas que eu li (inclusive, foi com uma fanfic que eu descobri o que significava ser nonbinary e na hora eu me 80

identifiquei, hoje sou uma proud nb <3), mas porque foi com fandom que eu voltei a escrever, é como se uma luz tivesse se acendido dentro de mim, como se tivesse dado um clique, um estalo, dentro da minha cabeça que falasse “é isso!”. Além disso, eu conheci pessoas tão maravilhosas dentro dos fandoms, pessoas que eu realmente considero muito especiais e que eu nunca teria entrado em contato se não fosse pela vida de fangirl, eu não sei se é errado falar isso mas é muito por causa dessas pessoas que eu continuo firme e forte seguindo com essa vida (a batalha contra a depressão nunca acaba, after all), então, resumindo: fandom é extremamente importante para mim, eu amo toda a cultura envolvida e eu realmente acho que é algo super positivo na vida das pessoas. F6: Os fandoms são algo como minha válvula de escape da realidade, então eles são tudo pra mim nos momentos mais difíceis. F7: Enorme, participar de fandoms sempre me fez muito bem. É um lugar seguro, onde conheci muitas pessoas por conta de 01 gosto em comum que acabam sendo amizades muito maiores que isso.