BENOÎT DELÉPINE E GUSTAVE KERVERN Mammuth: “A Redenção Está Na Morcela, E Porque Não?” - Les Inrocks SINOPSES SINOPSE CURTA
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
UM FILME DE BENOÎT DELÉPINE E GUSTAVE KERVERN Mammuth: “A redenção está na morcela, e porque não?” - Les Inrocks SINOPSES SINOPSE CURTA Chegado à merecida reforma, o sexagenário Serge Pillardosse descobre que não a pode gozar porque alguns ex-empregadores esqueceram-se de o declarar! Incentivado pela mulher, monta a sua velha mota dos anos 70, uma Mammuth, e parte à procura dos seus antigos patrões, reencontrando pelo caminho velhos amigos e familiares. SINOPSE Serge Pillardosse fez 60 anos. Trabalha desde os 16, nunca esteve desempregado, nunca esteve doente. Mas a hora da reforma chegou e é a desilusão: faltam-lhe os pontos necessários para ter direito a ela, alguns empregadores esqueceram-se de o declarar! Incentivado pela mulher, Catherine, monta na sua velha mota dos anos 70, uma Mammuth que é a razão de ser da sua alcunha, e parte em busca dos seus recibos de salário, regressando aos lugares da juventude. Uma viagem que o leva a juntar-se com antigos patrões, amigos e membros da família que há muito não via. Na estrada, começa a perceber que as pessoas sempre o viram como um imbecil sem educação. Cheio de dúvidas, perseguido pelas aparições do fantasma de Yasmine, o seu primeiro amor perdido num dramático acidente de mota, a sua jornada para recuperar os papéis em falta vai-se transformando, pouco a pouco, numa futilidade. A salvação chega pelas mãos da sua jovem sobrinha, que acorda o poeta feliz ador- mecido dentro dele. Em vez de envelhecer lentamente em direcção à morte, Mammuth decide dar um novo começo à sua vida. 3 UMA DECLARAÇÃO DOS AUTORES Queríamos um filme que fosse engraçado e emotivo. Engraçado porque estamos a confrontar um homem “deficiente em termos sociais” com uma sociedade moderna que está para lá do seu alcance. Emotivo pela mesma razão. Uma espécie de mamute num mundo de raposas. Que se safam muito melhor que ele no meio da multidão. A emoção emerge a partir da sua devota afeição pelas três mulheres da sua vida. A mulher Catherine (Yolande Moreau) que todos os dias tem de aturar as suas fraquezas e, mesmo assim, o ama profundamente. Yasmine (Isabelle Adjani), o primeiro amor de juventude, anjo da guarda/fantasma que aparece ao seu lado nos momentos de aguda depressão. E a sobrinha (Miss Ming), cuja frescura e imaginação lhe abrem horizontes que ele nunca suspeitaria existirem. Quanto ao humor, embora menos negro e ácido que nos nossos filmes anteriores, está omnipresente, denunciando, sem o parecer, as condições laborais do nosso país envelhecido e a pouca esperança da nossa juventude. Como toda a gente sabe, só o riso pode deitar abaixo o medo… Queríamos um protagonista que fosse, ao mesmo tempo, forte e perdido, impressio- nante e afectuoso. Este filme foi escrito para Gérard Depardieu. Embora não seja pre- ciso mais nada para provar a sua genialidade, queríamos confrontá-lo com uma forma de filmar, mais modesta e livre e com actores não profissionais menos previsíveis, já para não falar de emoções reais que o levassem a dar o melhor de si mesmo. Em termos estilísticos, queríamos um filme simples na sua montagem e enquadramen- tos, prefe-rindo longos planos fixos e planos sequência. Tal como nos nossos filmes anteriores, o mais importante para nós é usar o tamanho do ecrã de cinema para narrar a cena, muitas vezes com vários níveis de leitura, sem ter de enfatizar este ou aquele detalhe. Cabe ao espectador escolher aquilo a que quer prestar atenção. Por outro lado, nas nossas escolhas de enquadramento, incluímos sempre elementos dissonantes que lhe dão um pouco de confusão ou de mistério, por vezes quase imper- ceptível, para nunca cair na banalidade ou no esteticismo gratuito. 4 PEQUENO LÉXICO DE CARÁCTER INFORMATIVO Benoît Delépine e Gustave Kervern por Jérôme Mallien MITOLOGIA “Mammuth é a história de um tipo que tenta regressar a casa. É Ulisses.” ANARQUIA “Mammuth é, sem dúvida, um filme menos anarca que Aaltra ou Louise-Michel. Enfim, aparentemente. Ainda que para os adeptos da sintetização, não possamos fazer mais do que dizer que se trata da história de um homem que parte com a sua mota e que regressa com uma djellaba. Bem, não podemos estar a dizer a cada filme: é preciso matar os patrões. Isso cansa. De qualquer maneira, o ponto de vista é o mesmo, o es- pírito está lá. Seja como for, não estamos sempre obrigados a fazer a mesma coisa. O importante é não nos chatearmos. Porque se te chateias, acaba tudo, estás morto.” 5 ONIRISMO “Os nossos filmes são realistas poéticos. São realistas porque partem do mundo real. E são poéticos porque tentam escapar dele. Mas, atenção: para nós, os tipos que apanham coisas nas lixeiras são poéticos.” ADMINISTRAÇÃO “Quando deixo o imaginário ‘Groland’, volto-me para o inferno administrativo. Há nele o suficiente para dar um tiro na cabeça, tal é a estupidez. A única porta de saída é a loucura. É essa a história dos papéis. Mas enquanto procuramos os documentos administrativos para a sua reforma, há também toda uma história que regressa, onde trabalhámos, onde vivemos. É nostalgia pura.” CONTO “Não se trata de um conto, nem nada que se pareça. Li demasiados quando era peque- no. Não estamos no mundo dos contos e das lendas, é preciso criá-los.” CONTO (BIS) “É verdade que há uma casa cor-de-rosa, com uns bizarros anões de jardim um pouco por todo o lado. Mas não é uma casa de contos, apenas uma casa pintada de cor-de- -rosa num terreno apodrecido. Se quiseres, é como nas casas ocupadas em Berlim, com a excepção de que aqui não é colectiva. Se fazes o mesmo no teu pavilhão dos subúrbios, vais fazê-lo sozinho, sem ter pessoas convencidas desde o princípio. Va- mos gritar aos loucos, aos furiosos. É disso que gostamos.” MOTA “Gérard conduz uma Münch 1200 de 1972 no filme. Deve haver uma dezena no mundo, esta foi-nos confiada por um coleccionador. Uma mota alemã dos anos 60, nunca tínhamos visto uma coisa assim: o inventor agarrou num motor de automóvel e colo- cou--a no quadro de uma mota. Quando era pequeno, no campo, a mota representava para mim uma forma de libertação.” 6 TRABALHO “Claro que é um filme sobre o trabalho. Sobre a brutalidade do trabalho. Porque no momento em que esticas o pernil, nem sequer é a isso que te agarras. Mamuth é um tipo que vive no presente.” PARVO “Não é que o Mammuth seja parvo. Vive alheado.” DEPARDIEU “No princípio da rodagem, não era generoso, porque está habituado a actuar em filmes onde há actores. Connosco não há actores, há passantes. Depois, as coisas ficaram melhores. Globalmente, é um gajo que dá tudo, ficas com a impressão de que está sempre nu. Descobriu uma série de truques: quando Mammuth toma banho no rio, como um bebé grande, é ele. É um dom: colocámo-lo em situações impossíveis e ele avançou.” MOREAU “Sem ela, era impossível fazer Louise-Michel. E face a Mammuth, só havia uma Catherine possível.” ADJANI “É a Mulher de Branco que aparece à beira de todas as estradas depois de um aci- dente. Um espectro, mas que repreende Mammuth, que o agarra pelos cabelos. É um fantasma que dá pontapés no rabo das pessoas, seja como for, as mulheres estão sempre a dar pontapés no rabo dos homens. Adjani foi genial. Tivemo-la três dias; quando não estava a interpretar, estava a filmar com uma câmara Super 8 ao pé de Gérard. As imagens estão no filme.” GODIN (NOËL, CHAMADO DE ATIRADOR DE TARTES) “Está em todos os nossos filmes, aqui é uma estátua, a estátua do atirador de tartes, a que chamamos Tartóbulo. É preciso ter olho para o encontrar. De cada vez que lhe pegamos, temos sempre a mesma apreensão: que nos diga que estamos a transigir, que perdemos a agressividade. Que acabe por nos atirar com tartes.” E OS OUTROS “Existe mundo neste filme. Benoît Poelvoorde, que é um pouco a nossa mascote e será bom que um dia lhe encontremos um papel de protagonista, Blutch, Catherine Hosmalin, Philippe Nahon, Bouli Lanners, Anna Mouglalis, Siné, Rémy Kolpa Kopoul (com quem Gérard discutiu muito). São pessoas…” SOM “A nossa obsessão, desde sempre. O som é o contrário da literatura, é o contrário do guião. É o cinema.” ANACRONISMO “Claro que é um filme anacrónico. Mesmo a imagem é anacrónica. Com os 8 mm, película velha que já ninguém usa. Na verdade, já ninguém a fabrica. Fizemos um stock, voltaremos a servir-nos dele. Queríamos uma verdadeira beleza da imagem, queríamos uma coisa que não se vê hoje. É o preto e branco a cores. Nunca fizemos making of, aqui fizemos um: foi o Fred Poulet que o filmou, em Super 8 mm. Estará no DVD.” 8 ACTORES “Recorremos muitas vezes a actores não profissionais, pessoas que conhecemos ou que encontramos durante a rodagem. Como não temos guião, a maioria das vezes filmamos em continuidade, quando encontramos alguém dizemos: olha, aquele ficará bem aqui. E esco- lhemo-lo. Pedimos-lhe que seja sincero, que não faça de conta. Os nossos filmes estão cheios de gente parecida connosco. Portanto, não somos directores de actores ou de não actores. Não somos directores de nada. Somos apenas cornacas. O importante é aquilo que os ac- tores têm no coração. E depois usamos um truque: que não tenham medo do ridículo.” PERFEIÇÃO “Parvoíces. O filme só nos agrada quando é imperfeito.” “O trabalho, o meu dedo mindinho diz-me que passei a vida a trabalhar. Toda a vida a contar as horas Toda a vida a verter suor.