JEAN-MICHEL BASQUIAT: EXPRESSÕES ARTÍSTICAS DE UM AFRO- AMERICANO

MICOTTI, Paola1

Grupo de Reflexão Docente n. 11 – Ensino de História e Linguagens Artísticas: entre propostas e práticas Resumo: Em nossa comunicação discutiremos as possibilidades para o ensino de História, a partir de obras produzidas por Jean-Michel Basquiat. O artista afro-americano desenvolveu em suas produções, bem como em sua própria trajetória críticas ao racismo presente nos Estado Unidos da América. Selecionamos três obras de Basquiat que nos possibilitam discutir sobre racismo tanto na história da arte quanto na própria sociedade na qual o artista estava inserido. A escolha pelas pinturas tem como fio condutor a resistência e o tom de denúncia que identificamos nas obras do artista, sendo essas Maid from Olympia (1982), Irony of Negro Policeman (1981) e Defacement (1983).

Palavras-chave: Ensino; História; Imagens; Basquiat; Racismo;

1. O uso de imagens na sala de aula: Basquiat e o ensino de História Em nossa comunicação apresentaremos uma proposta envolvendo o ensino de História e uso de imagens, a partir de obras artísticas de Jean-Michel Basquiat. As produções, bem como a própria trajetória do artista afro americano são relevantes materiais para uma discussão sobre racismo, violência policial e exclusão social. Acreditamos que, para além de denunciar estes aspectos, Basquiat também nos proporciona formas de combatê-los por meio da arte. As obras selecionadas foram Maid from Olympia (1982), Irony of Negro Policeman (1981) e Defacement (1983). A primeira obra nos permite discutir com os estudantes sobre a exclusão de sujeitos negros da história e, ao mesmo tempo, indicar a reivindicação de protagonismo dos mesmos. As 1 outras duas produções artísticas nos indicam a violência policial, assim como a exclusão sociocultural da população afro americana.

1 Graduanda em História pela Universidade Federal de Uberlândia. UFU. [email protected]

Dividiremos nossa comunicação em dois momentos. Primeiramente, discutiremos brevemente, as possibilidades tanto na pesquisa história, quanto no ensino de História envolvendo o uso de imagens. Em nosso segundo momento, apresentaremos as obras de Basquiat e nossas reflexões em torno destas, tendo como ponto de partida, um ensino que proporcione mudanças sociais como nos indicou Paulo Freire (1979). Ressaltamos que nossa discussão foi inspirada em um material didático produzido para a disciplina de História e Imagem, ministrada pela professora Ana Flávia Cernic Ramos, em 2019.

1.1. Imagens: fontes para pesquisador/a e professor/a de História Iniciamos ressaltando que não acreditamos em duas esferas separadas, segregando pesquisador em história e professor da disciplina de História. Pelo contrário, partimos do pensamento de que para planejamentos, bem como regências de aulas os professores necessitam de pesquisas aprofundadas sobre o tema estabelecido. Todavia, tratando-se de imagens, muitas vezes estas são utilizadas somente como ilustrações. Acreditamos que o uso de imagens como pinturas, caricaturas, fotografias, etc., envolve uma investigação histórica muito interessante para o processo de ensino-aprendizagem. Como nos indicou Peter Burke (2004), as imagens não devem ser tidas como uma cópia do real. O historiador nos indica a necessidade de desenvolvimento de uma leitura crítica da fonte, investigando estilo, referências, o público, ou seja, o sentido no qual a obra e artista se inserem. Assim, seja como pesquisador ou professor, o historiador não pode acreditar que as imagens falam por si; as imagens devem e precisam ser analisadas de forma crítica. De acordo com o historiador Jorge Coli (2005), para que o historiador questione imagens, também é preciso nutrir o olhar com a cultura do artista, suas referências, seu tempo-histórico no qual estava inserido. Mesmo que essa orientação seja relacionada às obras produzidas no século XIX, são importantes para qualquer historiador que se debruce sobre imagens, desde que considere ao mesmo tempo, as particularidades das obras, do artista e de sua época. Neste 2 sentindo, as obras de Basquiat nos permitem uma imersão em seu contexto histórico, em suas questões e respostas para seu tempo. Para além de nos possibilitar uma investigação sobre a composição artística envolvendo o grafite, as obras selecionadas nos indicam como Basquiat

utilizou da arte como forma denúncia contra o racismo e violência que estavam presentes em seu contexto. O ensino de história, em nossa proposta, parte do objetivo de que haja uma identificação dos estudantes enquanto sujeitos históricos. Como nos indica Carmo (2015), para que o desenvolvimento da consciência histórica, é preciso que o educador (re)conheça os saberes dos estudantes. Acreditamos que as obras de Basquiat envoltas de denúncias sobre seu contexto possam ser utilizadas neste sentido. Trata-se de um artista negro que reivindica seu protagonismo e indica as raízes racistas de New York, muito semelhantes ás construções socioculturais do Brasil. Para além de suas denúncias, Basquiat também não se encaixa nos padrões eurocêntricos de pintura, mas utiliza de materiais e técnicas do grafite e pixo, também presentes na sociedade brasileira atual.

2. Jean-Michel Basquiat: possibilidades para o ensino de História Ressaltada a importância e potencial do uso de imagens entremos propriamente em nossa proposta. Discutiremos as possibilidades para o ensino de História, a partir de obras produzidas por Jean-Michel Basquiat. O artista afro-americano desenvolveu em suas produções, bem como em sua própria trajetória críticas ao racismo presente nos Estado Unidos da América. Selecionamos três obras de Basquiat que nos possibilitam discutir sobre racismo tanto na história da arte quanto na própria sociedade na qual o artista estava inserido. A escolha pelas pinturas tem como fio condutor a resistência e o tom de denúncia que identificamos nas obras do artista, sendo essas Maid from Olympia (1982), Irony of the Negro Policeman (1981) e Defacement (1983). A primeira pintura selecionada nos indica a busca pelo protagonismo negro, e uma crítica à própria história da arte. As duas últimas pinturas nos possibilitam discutir sobre violência policial contra afro-americanos, bem como sobre a branquitude. Como afirmamos anteriormente, nossa proposta envolve uma análise crítica das fontes. Acreditamos que este caminho nos 3 possibilita, seja como professores ou pesquisadores, um aprofundamento nos significados culturais e sociais das obras de Basquiat. A crítica das fontes também é uma forma de promover o debate apoiando-se nos comentários e opiniões dos próprios estudantes ao longo das aulas.

Figura 1. Maid from Olympia. Basquiat, Jean-Michel. Acrílico e Crayon sobre Tela e Papel | (1982)

Fonte: Basquiat, Jean-Michel. A obra está em um acervo de particular. Disponível em: https://www.wikiart.org/en/jean-michel-basquiat/maid-from-olympia. Acesso em 29 out. 2020.

Em 1982, Basquiat retratou em sua pintura Maid from Olympia, a mulher negra presente em outra obra de arte. A pintura faz referência, tanto em seu título como no canto inferior esquerdo da obra, à pintura de Édouard Manet intitulada Olympia (1863). Em tons vermelhos e com traços infantis que são sua marca, retratou a serva de Olympia. Essa mulher negra agora toma o centro da pintura, se deslocando e ressignificando a pintura do século XIX; Basquiat também não representou a mulher branca, Olympia, e escreve em sua tela “detail of maid from “Olympia””, apontando para sua referência e para sua ressignificação. Não mais como um mero detalhe, a mulher negra ressurge como protagonista. 4

Figura 2: Olympia. Manet, Édouard. Óleo sobre tela. Museu d’Orsay |(1863)

Fonte: Manet, Édouard. A pintura está no Musée d’Orsay, em Paris. Disponível em: https://www.musee- orsay.fr/index.php?id=851&L=1&tx_commentaire_pi1%5BshowUid%5D=7087. Acesso em 29 out. 2020.

Olympia é uma pintura de Édouard Manet, que fora pintada em 1863, e atualmente está no Museu d’Orsay em Paris. A obra fora selecionada para o Salon de Paris em 1865, e lá fora exibida. A obra apresenta uma mulher nua, com pulseiras, colares, e principalmente, um olhar desafiador ao espectador. A pintura gerou protestos em sua exposição por conta de sua composição que não nos remete mais a angelicalidade das Vênus anteriormente pintadas pelos realistas, mas nos apresente uma mulher ousada que se assemelha as prostitutas, inclusive Olympia era um nome popular entre as prostitutas francesas de sua época (BOURDIEU, 2014). Enquanto muitos pesquisadores, pintores, intelectuais sempre mantiveram seus olhares e análises na audácia de Manet, Basquiat trocou a lente e pintou a mulher negra. A escolha do artista é provocativa, e muito interessante para um debate envolvendo os silenciamentos da população negra, bem como as reinvindicações por protagonismo.

5 Figura 3: Irony of the Negro Policeman. Basquiat, Jean-Michel. Acrílico e grafite sobre madeira |(1981)

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Fonte: Basquiat, Jean-Michel. Disponível em: < http://www.jean-michel-basquiat.org/irony-of-negro- policeman/>. Acesso em 5 out. 2020.

Em Irony of the Negro Policeman (1981), podemos identificar a crítica feita pelo artista no próprio título dado a obra. Para Basquiat, a instituição policial é mais um mecanismo de repressão contra a população afro-americana. A expressão “pawn”, presente no canto inferior direito, nos permite compreender a intenção de Basquiat: os afroamericanos, buscando ajustar-se em Nova Iorque e encontrar um lugar de poder e autoridade tornando-se policiais, acabavam transformando-se em peões para o sistema. Grada Kilomba (2019), artista, psicóloga e filósofa, de modo semelhante à crítica de Basquiat, nos indica que o grande problema envolvendo colonização e racismo está no processo de alienação dos sujeitos negros. Buscando pertencimento no “mundo branco”, os sujeitos negros se moldam de acordo com os valores da branquitude, silenciando suas personalidades, culturas e pensamentos.

Figura 4: Defacement. Basquiat, Jean-Michel. Acrílico e grafite sobre madeira. |(1983)

Fonte: Basquiat, Jean-Michel. A pintura está no acervo particular de Nina Clemente. Disponível em: https://artmuseum.williams.edu/news-item/basquiats-defacement-the-death-of-michael-stewart-becomes- the-centerpiece-of-conversations-about-black-lives-matter-at-the-williams-college-museum-of-art/. 7 Acesso em 5 out. 2020.

Assim como Irony of Negro Policeman (1981), a quarta pintura selecionada intitulada Defacement, produzida em 1983, também nos indica o racismo presente na policia norte- americana. O título, referente o termo defacement, nos remete a algo que foi deformado,

modificado por algo que lhe é externo. Nesta obra, o algo se torna alguém. Basquiat tomou como inspiração um infeliz acontecimento: o assassinato de seu amigo, Michael Stweart. Artista negro e colega de Basquiat, Stweart foi espancada até a morte por um policial que ocupava cargo de guarda de trânsito, em Nova York. Sobre este assassinato, Basquiat afirmou “It could have been me. It could have been me”. Assim como ele, muitos jovens negros brasileiros poderiam afirmar isso? A crítica e denúncia de Basquiat muito se assemelha a realidade dos jovens negros no Brasil, bem como em variadas partes do mundo. Como argumentado por Achille Mbembe (2019), o mundo contemporâneo é marcado pela necropolítica, ou seja, uma política baseada na morte e na ideia de corpos que podem ser mortos, os corpos dispensáveis e indesejados. Como buscamos argumentar, as obras de Basquiat são materiais relevantíssimos para o ensino sobre as estruturas racistas de nosso país e as formas de luta contra as desigualdades. Dessa maneira, nossa proposta foi, na realidade, de ressaltar o modo como arte é uma forma política e cultural que pode denunciar, bem como modificar as estruturas marcadas pela desigualdade e racismo. Acreditamos que a partir do artista e de suas pinturas, temos a possibilidade de aproximar o conteúdo de arte contemporânea e uso político de suas obras. Contando com obras de grafite e pinturas, o artista se torna um importante referencial, no qual podemos aproximar suas obras e suas ideias do próprio contexto social dos alunos.

Referências BOURDIEU, Pierre. Manet: Uma revolução simbólica. Novos estud. - CEBRAP, São Paulo , n. 99, p. 121-135, July 2014. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002014000200121. Acesso em 7 nov. 2020. BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem; tradução Vera Maria Xavier dos Santos; revisão técnica Daniel Aarão Reis Filho. Bauru, SP: EDUSC, 2004. CARMO, Maria Andréa Angelotti. Ensino e consciência histórica: teorias e práticas no ensino fundamental. Revista Emblemas. UFG, Goiás, v.12. n.2; p. 10-20. 2015. Disponível em: https://revistas.ufg.br/emblemas/article/view/45506/0 . Acesso em 7 nov. 2020. 8 COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira do século XIX?. São Paulo: Ed. SENAC, 2005. 114 p., il. (Livre pensar, 17). ISBN 8573594446 (broch.). EMMERLING, Leonhard. Jean-Michel Basquiat, 1960-1988. [Köln]: Taschen, c2005. 96 p., il. Inclui bibliografia. ISBN 3822843628 (enc.).

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª Edição. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1979. KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo no cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó. 2019. MBEMBE, Achile. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2019. 4ª reimpressão.

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