<<

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

BEATRIZ BUSCHEL PASQUALINO

A COMO ARMA DE GUERRILHA NA REVOLUÇÃO CUBANA

CAMPINAS 2016

Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Pasqualino, Beatriz Buschel, 1981- P264r PasA Radio Rebelde como arma de guerrilha na Revolução Cubana / Beatriz Buschel Pasqualino. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

PasOrientador: Marcelo Siqueira Ridenti. PasDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Pas1. Guevara, Ernesto, 1928-1967. 2. Comunicação. 3. Rádio. 4. - História. 5. América Latina - História. I. Ridenti, Marcelo Siqueira,1959-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: La Radio Rebelde como arma de guerrilla en la Revolución Cubana Palavras-chave em inglês: Communication Radio Cuba - History Latin America - History Área de concentração: Sociologia Titulação: Mestra em Sociologia Banca examinadora: Marcelo Siqueira Ridenti [Orientador] Luciano Victor Barros Maluly Fernando Antonio Lourenço Data de defesa: 30-03-2016 Programa de Pós-Graduação: Sociologia

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública, realizada em 30 de março de 2016, considerou a candidata Beatriz Buschel Pasqualino aprovada.

Professor Dr. Marcelo Siqueira Ridenti

Professor Dr. Luciano Victor Barros Maluly

Professor Dr. Fernando Antonio Lourenço

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

A meus pais e a minha filha. A Ángel Fernández Vila e família.

AGRADECIMENTOS

À mama, por me despertar para as dores e as belezas da luta social, pela dedicação, pela inspiração diária e pelo apoio irrestrito nesta longa jornada. A meu pai, presença permanente em memória, pelos ensinamentos de vida. À minha irmã de coração, Camila Maciel, pelo apoio incondicional. Ao Ramon, pelo amor e incentivo. Ao Marcelo Ridenti, pelo acolhimento dos desafios da temática desta pesquisa, orientação e compreensão ao longo do estudo. Ao Ángel Fernández Vila, pela confiança, dedicação, generosidade e pela luta por liberdade. Por viabilizar – literalmente – esta pesquisa do começo ao fim. Ao MST, pela perseverança na luta e apoio imprescindível a esta pesquisa. Às amigas e amigos do coração que me incentivam e me aguentam na alegria, na tristeza e no Mestrado: Anne, Bibi Briguglio, Carol Mennella, Eliane Gonçalves, Elisa Soares, Gissela Mate, Joana Côrtes, Juan Pablo, Maíra Kúbik, Nelson Lin, Pri Kerche e Tata Waldman. Aos amigos e amigas cubanas que me apoiaram e contribuíram, cada um a seu modo, com esta pesquisa: Izett, Ailed, Sayonara, Irma Shelton, Pedro Pablo Figueredo, Deborah (Biblioteca Nacional José Martí), Raul e Rogério (Centro de Prensa Internacional). A todos e todas do Centro Martin Luther King (CMLK), pela acolhida e solidariedade. À Juliana Nunes e à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), pelo apoio fundamental nesta árdua jornada de trabalhadora e pesquisadora. À Yanina, por acreditar neste mestrado e cuidar da minha alma. À Unicamp, pelas portas abertas no precioso campo do ensino público. Ao bravo povo cubano, pela luta por liberdade, pelos ensinamentos ao mundo, pela solidariedade infinita e pela superação cotidiana de um vexatório bloqueio imposto pelos EUA. E por fazer isso tudo sin perder la ternura jamás. À minha filha, ainda em ventre, pela força na conclusão deste trabalho.

RESUMO

Esta dissertação tem como tema central a Radio Rebelde, emissora clandestina fundada por Ernesto em 1958 durante a guerrilha comandada por na , em Cuba, para derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista – iniciada em 1952 por meio de golpe militar. A hipótese que norteou esta pesquisa foi a de que, além de ser meio de informação, tal emissora influenciou o processo guerrilheiro revolucionário cubano ao atuar também como ferramenta de mobilização do povo e como aparato militar. O trabalho de campo, em Cuba, colheu relatos (entrevistas) dos combatentes da época, além de digitalizar dezenas de documentos originais inéditos da locução radiofônica transmitida naquele período. Preocupou-se ainda em apresentar um panorama da propaganda do Movimiento Revolucionario 26 de Julio, como os principais jornais clandestinos da época. Neste sentido, a dissertação aborda o público-alvo das emissões, a linguagem utilizada, a estratégia comunicacional, bem como outros recursos de cunho ideológico presentes no conteúdo radiofônico transmitido nos 311 dias em que a emissora atuou na guerrilha. Estudam-se a primeira transmissão, a equipe de trabalho, a rotina de produção, o alcance das emissões, o uso da música, a relação da emissora com os órgãos clandestinos de imprensa do Movimiento Revolucionario 26 de Julio etc. Buscou-se fazer o diálogo entre a descrição histórica realizada a partir dos relatos e os documentos pesquisados, analisando em que medida a Radio Rebelde impactou a luta revolucionária, por exemplo, como ferramenta de contra-hegemonia, na perspectiva gramsciana.

Palavras-chaves: Guevara, Ernesto, 1928-1967; Comunicação; Rádio; Cuba - História; América Latina - História

ABSTRACT

This dissertation is focused on Radio Rebelde, a clandestine radio station founded by Ernesto Che Guevara in 1958, during the guerrilla led by Fidel Castro in Sierra Maestra, in Cuba, which aimed to overthrow the dictatorship of – which began in 1952 through military coup. The hypothesis that guided this research was that, more than being a means of information, such radio station influenced the Cuban revolutionary guerrilla process by acting also as a tool to mobilize the people and as military apparatus. The fieldwork in Cuba enabled the gathering of former combatants’ narratives (interviews), besides the scanning of dozens of unpublished original documents of radio voiceovers broadcasted during that period. It also enabled the presentation of an overview on Movimiento Revolucionario 26 de Julio’s propaganda, such as the main clandestine newspapers of that time. In this sense, the dissertation addresses the audience of the emissions, the parlance used, the communicational strategy, as well as other ideological resources present in the radio content broadcasted in the 311 days in which the radio station served the guerrilla. The issues that were studied include the first transmission, the work team, the production routine, the scope of the emissions, the use of music, the relationship between the radio station and the clandestine organs of the Movimiento Revolucionario 26 Julio’s press etc. There was an attempted to establish a dialogue between the historical description of personal narratives and the reviewed documents, analyzing to what extent Radio Rebelde impacted the revolutionary struggle, for instance, as counter-hegemony means, in the Gramscian perspective.

Key words: Guevara, Ernesto, 1928-1967, Communication; Radio; Cuba – History; Latin America - History

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: “La tiranía” - Texto lido pelos locutores da Radio Rebelde. 1958. Acervo Ángel Fernandez Vila | 34 Imagem 2: Edição número 1, ano 1, do jornal clandestino , produzido na Sierra Maestra pelo M-26-7. 1957. Arquivo Biblioteca Nacional José Martí | 44 Imagem 3: “¡ Campesino!” - Texto lido pelos locutores da Radio Rebelde.1958. Arquivo Ángel Fernandez Vila | 49 Imagem 4: Trecho de texto transmitido pelos locutores da Radio Rebelde sobre os riscos da tarefa de propaganda clandestina. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 53 Imagem 5: Texto “Las tareas de propaganda del Mov. Revolucionario 26 de Julio”, locutado pela equipe da Radio Rebelde. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 55 Imagem 6: Capa do jornal Revolución, edição número 9, ano II, de 25 de junho de 1958 com a manchete “La propaganda de la ditadura”. Arquivo Ángel Fernández Vila | 58 Imagem 7: Bonos do M-26-7 para arrecadação de dinheiro para a luta revolucionária. Arquivo Ángel Fernández Vila | 59 Imagem 8: Folheto de divulgação da campanha de arrecadação de fundos para o M-26-7 chamada El Salario de la Libertad. Arquivo Angel Fernández Vila | 59 Imagem 9: Página do jornal clandestino Obrera com a manchete: “Obrero: ayuda la revolución. Digamos: para acabar con y Mujal, los bonos hay que comprar”. S/d. Arquivo Angel Fernández Vila | 62 Imagem 10: Texto lido na Radio Rebelde com convocatória ao povo cubano para comprar os bonos do M-26-7 para financiamento da luta. 1958. Arquivo Ángel Fernandez Vila | 63 Imagem 11: Propaganda do M-26-7 dirigida aos trabalhadores bancários. S/d. Arquivo Ángel Fernández Vila | 642 Imagem 12: Propaganda do M-26-7 dirigida aos trabalhadores do setor de gastronomia e trabalhadores em geral. Arquivo Ángel Fernández Vila | 664 Imagem 13: Propaganda do M-26-7 dirigida aos soldados das Forças Armadas. Arquivo Ángel Fernández Vila | 68 Imagem 14: Cópia do bilhete assinado pelo piloto Juan Manuel Fangio sobre o sequestro dele pelo M-26-7. 24 de fevereiro de 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 70

Imagem 15: Ações de sabotagem do M-26-7 - Texto veiculado pelo Radio Rebelde. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 71 Imagem 16: Transmissão da Radio Rebelde em que é veiculada notícia sobre ação de sabotagem à emissora de rádio CMKR. Arquivo Ángel Fernández Vila | 72 Imagem 17: Cópia do anúncio “03C – La consigna de la vergüenza”, do M-26-7, utilizado para locução na Radio Rebelde. Arquivo Ángel Fernández Vila | 74 Imagem 18: Anúncio “03C”, do M-26-7, lido pelos locutores da Radio Rebelde. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 75 Imagem 19: Contrato de aluguel de local para instalação de imprensa clandestina, assinado em 8 de janeiro de 1958, em que Ángel Fernández Vila utiliza nome falso. Arquivo Ángel Fernández Vila | 775 Imagem 20: Capa da edição número 9, ano I, de 24 de outubro de 1958, do jornal Vanguardia Obrera. Arquivo Ángel Fernández Vila | 81 Imagem 21: Capa da edição da segunda quinzena de julho de 1957 do jornal Revolución. Arquivo Biblioteca José Martí | 82 Imagem 22: Capa da edição de do boletim Sierra Maestra, número 18, de 16 de dezembro de 1957, com a manchete “¡Hay que quemar la caña!!”. Arquivo Biblioteca Nacional José Martí | 842 Imagem 23: Capa da edição do Oriente do boletim Sierra Maestra, de 16 de junho de 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 853 Imagem 24: Capa da edição de Camagüey do boletim Sierra Maestra, de 15 de setembro de 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 86 Imagem 25: Capa da publicação Sierra Maestra para o público estrangeiro, edição número 3, volume I, de maio de 1958. Arquivo Biblioteca Nacional José Martí | 88 Imagem 26: Contracapa da publicação Sierra Maestra para o público estrangeiro, edição número 3, volume I, de maio de 1958. Arquivo Biblioteca Nacional José Martí | 89 Imagem 27: Capa da edição número 4 do jornal El Cubano Libre, de fevereiro de 1958, com a manchete “Pino del Agua: Victoria rebelde”. Arquivo Biblioteca José Martí | 91 Imagem 28: Edição número 1, ano 1, do suplemento humorístico do jornal El Cubano Libre. Setembro de 1958. Arquivo Biblioteca Nacional José Martí | 92 Imagem 29: Destaque de notícia publicada no jornal Revolución (n. 13, de 11 de agosto de 1958) tendo como fonte a Radio Rebelde. Acervo Biblioteca Nacional José Martí | 93

Imagem 30: Papel que era utilizado pela equipe da Radio Rebelde como aviso aos combatentes para não fazerem barulho durante as transmissões. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 105 Imagem 31: Cópia do diploma recebido em 2003 por Ángel Fernández Vila, assinado por Fidel Castro, pelos serviços prestados à revolução na Radio Rebelde. Arquivo Ángel Fernández Vila | 108 Imagem 32: Notícia divulgando as transmissões da Radio Rebelde, publicada no jornal El Cubano Libre (n. 4, ano I, edição de fevereiro de 1958). Arquivo Biblioteca Nacional José Martí | 113 Imagem 33: Roteiro da programação da Radio Rebelde em 24 de dezembro de 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 116 Imagem 34: Notícia lida pela locutora Violeta Casal na Radio Rebelde informando sobre a batalha os combatentes da coluna liderada por Che Guevara em 28 de dezembro de 1958, que culminou com a tomada da cidade de Santa Clara pelos rebeldes. Arquivo Ángel Fernández Vila | 117 Imagem 35: Notícia lida por Ricardo Martinez na Radio Rebelde conclamando o povo cubano a apoiar o M-26-7 por meio da compra de bonos. S/d. Arquivo Ángel Fernández Vila | 118 Imagem 36: Texto lido na Radio Rebelde que repercute notícia da imprensa internacional sobre a fuga de familiares do ditador Fulgêncio Batista do país, enquanto o Exército Rebelde avançava e dominava várias regiões de Cuba em dezembro de 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 119 Imagem 37: Texto locutado pela Radio Rebelde em que é anunciada a ampliação do número de rádios estrangeiras em rede via Cadena de la Libertad. S/d. Arquivo Ángel Fernández Vila | 123 Imagem 38: Texto locutado na Radio Rebelde já nos primeiros momentos do triunfo do Exército Rebelde e que orienta a população a se informar via a Cadena de la Libertad. Arquivo Ángel Fernández Vila | 123 Imagem 39: Informe publicado no jornal Revolución, n. 21, de 18 de novembro de 1958, sobre as rádios da Cadena de la Libertad. Arquivo Ángel Fernández Vila | 124

Imagem 40: Notícia lida na Radio Rebelde informa que a coluna liderada por Raúl Castro comunica a emissora sobre a deserção de soldados da ditadura. Arquivo Ángel Fernández Vila | 1264 Imagem 41: Notícia lida na Radio Rebelde em que Coluna 2 Antonio Maceo informa a emissora sobre a deserção de soldados da ditadura. Arquivo Ángel Fernández Vila | 127 Imagem 42: Informe de guerra que foi ao ar na Radio Rebelde sobre ações dos rebeldes que foram repassadas por rádio à emissora. 15 de dezembro de 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 127 Imagem 43: Rádio da marca “Zenith” utilizado por Raúl Castro durante a última etapa da guerrilha. Foto tirada Museo Complejo Histórico del Segundo Frente Oriental "Frank País", na cidade de . Arquivo Beatriz Pasqualino | 126 Imagem 44: Transmissor e receptor de rádio portátil “Minipak” utilizado pelos membros da Coluna 17 “Abel Santamaría”. Foto tirada no Museo Complejo Histórico del Segundo Frente Oriental "Frank País", na cidade de Santiago de Cuba. Arquivo Beatriz Pasqualino | 126 Imagem 45: Rádio “Hallicrafter” que serviu de suporte receptor da gravação pela Radio Rebelde. Foto tirada no Museo de la Revolución, em Havana. Arquivo Beatriz Pasqualino | 127 Imagem 46: Estrutura de rádio utilizada por Che durante a guerrilha na região de Las Vilas. Foto tirada no Museo de la Revolución, em Havana. Arquivo Beatriz Pasqualino | 127 Imagem 47: Texto lido na Radio Rebelde evidencia a comunicação entre colunas de guerrilheiros via ondas radiofônicas. Arquivo Ángel Fernández Vila | 130 Imagem 48: Texto em linguagem cifrada utilizado pela equipe da Radio Rebelde. S/d. Arquivo Ángel Fernández Vila | 131 Imagem 49: Roteiro do programa veiculado pela Radio Rebelde em 30 de dezembro de 1958, já na cidade de Palma Soriano. Lê-se no item1 Himno ; e no 10, Himno del 26. Arquivo Ángel Fernández Vila | 137 Imagem 50: Texto lido na Radio Rebelde já em Palma Soriano, nos momentos finais da guerrilha. S/d. Arquivo Ángel Fernández Vila | 140 Imagem 51: Cópia da foto de Fidel Castro durante o pronunciamento na Radio Rebelde em 1º de janeiro de 1959, em Palma Soriano, rodeado pelos locutores da emissora. À esquerda, Ángel Fernández Vila. Arquivo Ángel Fernández Vila | 141

Imagem 52: Roteiro de transmissão da Radio Rebelde chamado Orden del Programa. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 144 Imagem 53: Roteiro da Radio Rebelde utilizado na transmissão de 30 de dezembro de 1958, realizada em Palma Soriano. Arquivo Ángel Fernández Vila | 146 Imagem 54: Texto locutado na Radio Rebelde com informações sobre soldados feitos prisioneiros e armas apreendidas durante ação dos rebeldes. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 149 Imagem 55: Texto locutado na Radio Rebelde informando o número de rendições de soldados e de apreensão de armas pelos combatentes. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 149 Imagem 56: Informe de guerra locutado pela Radio Rebelde em 15 de dezembro de 1958 que noticia a entrega de 19 soldados da ditadura para a Cruz Vermelha. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 150 Imagem 57: Página 2 de texto locutado na Radio Rebelde sobre vitórias dos rebeldes em Morón e Santa Cruz del Sur. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 151 Imagem 58: Texto da campanha veiculada na Radio Rebelde convocando ao boicote à Shell. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 154 Imagem 59: Texto da campanha “03C” veiculado na Radio Rebelde convocando a população a boicotar cinemas, compras e cabarés. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 155 Imagem 60: Campanha veiculada na Radio Rebelde convocando a população a aderir aos boicotes contra a ditadura e a contribuir financeiramente com o M-26-7 por meio da compra de cupons. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 156 Imagem 61: Texto locutado pela Radio Rebelde em que é denunciada a veiculação, por parte de agências de notícias internacionais, da falsa informação de que Che Guevara estaria morto. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 158 Imagem 62: Texto locutado na Radio Rebelde repercutindo a informação veiculada pela agência de notícias internacional UPI sobre a fuga de familiares de Fulgêncio Batista, de Cuba. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 159 Imagem 63: Texto locutado pela Radio Rebelde divulga informações veiculadas por agências de notícias estrangeiras. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 158

Imagem 64: Primeira página do artigo assinado pela Sección Obrera Nacional del Movimiento 26 de Julio, datado de 13 de dezembro de 1958, e locutado na Radio Rebelde. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 161 Imagem 65: Segunda e última página do artigo assinado pela Sección Obrera Nacional del Movimiento 26 de Julio, datado de 13 de dezembro de 1958, e locutado na Radio Rebelde. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 162 Imagem 66: Última página (de um total de sete) do artigo escrito pelo capitão Evelio Laferté e lido na Radio Rebelde. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 163 Imagem 67: Artigo sobre boicote à Shell convocado pelo M-26-7 e lido por Jorge Henrique na Radio Rebelde. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 164 Imagem 68: Texto locutado pela Radio Rebelde dirigido aos quadros clandestinos do M-26-7 na capital cubana. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 166 Imagem 69: Texto locutado pela Radio Rebelde convocando os “companheiros de Havana” a entrarem em contato com a emissora. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 167 Imagem 70: Texto locutado na Radio Rebelde, dirigido ao povo de Cuba, em que denunciam nominalmente inimigos da luta insurrecional. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 168 Imagem 71: Texto locutado em 29 de dezembro de 1958 pela Radio Rebelde conclamando que o povo fique alerta à tentativa de golpe contra-revolucionáro. Arquivo Ángel Fernández Vila | 169 Imagem 72: Texto locutado na Radio Rebelde direcionado às tropas da ditadura, incentivando a deserção. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 170 Imagem 73: Texto locutado na Radio Rebelde, com trecho assinado por um ex-soldado da ditadura, que passou a integrar o Exército Rebelde. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 172 Imagem 74: Texto locutado na Radio Rebelde direcionado à opinião pública da América denunciando as ações da ditadura. 1958. Arquivo Ángel Fernández Vila | 174

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ______15 CAPÍTULO 1: ______29 MOVIMIENTO 26 DE JULIO, PROPAGANDA E RÁDIO ______29 1.1. ANTECEDENTES DO CONTEXTO HISTÓRICO ______30 1.1.1. O PENSAMENTO DE JOSÉ MARTÍ ______32 1.1.2. DO DOMINÍO ESPANHOL AO ESTADUNIDENSE ______35 1.1.3. INÍCIO DA LUTA ARMADA ______39 1.2. PROPAGANDA COMO ARMA DE LUTA POR LIBERTAÇÃO ______42 1.2.1. ÓRGÃOS DE IMPRENSA DO M-26-7______76 1.2.1.1. JORNAIS ______80 1.3. REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE O RÁDIO ______95 1.4. EXPERIÊNCIAS DE USO POLÍTICO DO RÁDIO ______98 CAPÍTULO 2: RADIO REBELDE, LA VOZ DE LA SIERRA MAESTRA ______104 2.1. PREPARATIVOS PARA A BATALHA NAS ONDAS DO RÁDIO ______109 2.1.1. TRANSMISSÃO INAUGURAL ______111 2.2. ORGANIZAÇÃO RADIOFÔNICA DE GUERRILHA ______114 2.2.1. GREVE GERAL DE 9 DE ABRIL DE 1958 ______120 2.2.2. RADIO REBELDE ALÉM DAS FRONTEIRAS DE CUBA ______122 2.2.3. RÁDIOS NAS COLUNAS REBELDES ______125 2.2.4. LINHA EDITORIAL ______132 2.3. MÚSICA COMO ARMA CONTRA-HEGEMÔNICA ______135 2.4. TRANSMISSÃO DA VITÓRIA REVOLUCIONÁRIA ______139 2.5. ESTRUTURA DO CONTEÚDO VEICULADO ______143 2.5.1. ORDEN DEL PROGRAMA (ROTEIRO) ______143 2.5.2. PARTES DE GUERRA (INFORMES DE GUERRA) ______147 2.5.3. CAMPANHAS ______153 2.5.4. CABLES INTERNACIONALES ______157 2.5.5. ARTIGOS ______160 2.6. PÚBLICO-ALVO DA EMISSORA ______165 2.6.1. MILITÂNCIA DO M-26-7 ______165 2.6.2. POVO CUBANO ______167 2.6.3. SOLDADOS DA DITADURA ______170 2.6.4. POPULAÇÃO ESTRANGEIRA ______173 CONSIDERAÇÕES FINAIS ______175 BIBLIOGRAFIA ______177 ANEXOS ______181 ANEXO 1: ENTREVISTAS ______183 ANEXO 2: DOCUMENTOS SONOROS ______185 ANEXO 3: JORNAIS E REVISTAS ______187

15 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta pesquisa de mestrado surgiu de uma vontade, de uma inquietação e de um compromisso militante, que foram semeados e cultivados desde o início dos anos 2000. Primeiro, veio a paixão pelo rádio, ainda no curso de graduação em Jornalismo. Diversos foram os motivos. A instantaneidade, a oralidade, a facilidade em transmitir a informação a partir dos mais improváveis locais e, principalmente, a veia mais democrática que outros meios de comunicação. Sim, afinal, o rádio é mais barato na comparação com a televisão e o jornal e, por isso, pode se tornar – ainda que fora da legalidade – um instrumento político de setores da sociedade tradicionalmente excluídos da mídia como emissores. Além disso, não é preciso – teoricamente, uma vez que a comunicação é por voz e não por imagem do emissor – estar dentro dos padrões estéticos impostos pela sociedade, como no caso da televisão, na qual muitas vezes o “rosto bonito” ― e, por que não dizer, branco e magro ― é condição sine qua non para estar na telinha na condição de emissor de informação, como repórter ou apresentador. Não obstante, o custo de um receptor de rádio ― especialmente o velho e imbatível “radinho de pilha” ― é muito menor na comparação com a tevê e não exige pagamento periódico para acessá-lo, como no caso do jornal, por exemplo. E, por fim, a veia mais “democrática” do rádio fica evidente, uma vez que tal meio de comunicação atinge melhor a população não letrada, na comparação com veículos impressos, por exemplo. Em meados de 2002, passei a coordenar o programa de rádio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Vozes da Terra. Foi a feliz conciliação entre minha paixão profissional e meu desejo de ter uma militância política. Ali fui apresentada, ainda que tardiamente, à América Latina. Se na escola me ensinavam tudo sobre as Revoluções Francesa e Industrial, quase nada aprendi sobre os hermanos e hermanas do Brasil – a não ser, basicamente, a localização geográfica desses países. Sobre essa situação, vale relembrar José Martí1: A história da América, dos incas para cá, deve ser ensinada minuciosamente, mesmo que não se ensine a dos arcontes da Grécia. A nossa Grécia é preferível à Grécia que não é nossa, nos é mais necessária (MAO JUNIOR, 2007, p. 108).

1 José Martí (1853-1895), apóstolo da independência de Cuba.

16 Visitei Cuba em dezembro de 2003, após a conclusão do curso de Jornalismo, em uma viagem de 15 dias, de férias. Queria conhecer a história da ilha socialista e ver com meus próprios olhos o legado da revolução comandada por Fidel Castro ainda naquela época, 45 anos depois de findada a guerrilha2 na Sierra Maestra. Nessa ocasião, no tradicional Museu da Revolução, fui apresentada à Radio Rebelde. Nunca tinha ouvido nada sobre essa emissora histórica que existe até hoje3 e que, durante 311 dias, em 1958, foi instrumento do Exército Rebelde contra a ditadura de Fulgêncio Batista. Na época, em que o MST mantinha arduamente4 algumas dezenas de emissoras de rádio em acampamentos e assentamentos pelo Brasil afora5, me parecia que a experiência da Radio Rebelde teria muito a ensinar aos “rebeldes sem-terra brasileiros”. Aliás, a ensinar a todos os povos da América Latina. Até porque não se trata de estudar Cuba somente, mas de pesquisar nossa própria história, como latino-americanos, com passado comum de exploração, opressão e resistência. Tendo retornado, descobri que eram poucas as informações sobre a Radio Rebelde no Brasil ou na internet. Por que essa experiência não recebeu a devida atenção em publicações pelo mundo afora? Uma década se passou e eu estava convencida de que precisava dar uma modesta contribuição na tarefa de registrar a história da Radio Rebelde e entender – e, quiçá, tentar explicar – o papel de uma emissora clandestina, montada em uma guerrilha na Sierra Maestra há mais de 50 anos na estratégia para a derrubada da ditadura em Cuba e consequente vitória da revolução.

2 Entende-se como período de guerrilha na Revolução Cubana o intervalo entre o dia de desembarque (2 de dezembro de 1956) em território cubano da expedição do iate Gramna, oriunda do México, ao dia 1º de janeiro de 1959, considerado marco do triunfo dos revolucionários sobre o Exército da ditadura de Batista, já que os rebeldes deixam a Sierra Maestra e ocupam as cidades cubanas. Portanto, trata-se de um período de 25 meses. 3 A Radio Rebelde completou 57 anos em 24 de fevereiro de 2015. Atualmente tem sede em Havana e conta com programação 24 horas por dia e alcance de 98% do território cubano. É transmitida nas frequências AM (670 - 710 – 1180 Khz), FM (96.7 Mhz) e OC (bandas de 31m e 49m), além da internet. Os programas têm caráter essencialmente informativo, com destaque à cobertura de eventos esportivos. Possui 274 funcionários, garantindo a presença de jornalistas em todas as províncias do país, inclusive no município especial Isla de la Juventud. Hoje se identifica como Radio Rebelde: Al ritmo de la vida. Fonte: http://www.radiorebelde.cu/quienes-somos/. Acesso em 13 de setembro de 2013. 4 A luta constante era contra a apreensão de equipamentos e a prisão de militantes das rádios não legalizadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e pela Polícia Federal, bem como havia o desafio de manter financeira e editorialmente uma programação com conteúdo atrativo e alinhado aos princípios do MST. 5 Um levantamento parcial realizado pelo Setor Nacional de Comunicação do MST em 2015 apontou que, de 14 estados consultados, 11 possuíam alguma iniciativa em rádio (emissora propriamente dita, rádio-poste, espaço comprado/cedido em emissoras da localidade etc.).

17 Assim, entre julho e agosto de 2011, retornei a Cuba, em viagem de 15 dias, desta vez com o apoio do MST6, com o propósito de fazer uma primeira pesquisa exploratória para saber se haveria condições de levar adiante uma possível pesquisa de mestrado sobre o assunto. Eu ainda não havia prestado a seleção para a pós-graduação. Existiriam gravações das transmissões? Haveria combatentes vivos para contar essa história? Ouvintes? Será que encontraria publicações sobre a emissora?

Trabalho de campo A escolha da data para a segunda viagem a Cuba não foi aleatória. O objetivo era estar no país no Dia da Rebeldia Nacional: 26 de julho. Trata-se de uma data de comemorações oficiais em toda a ilha: o aniversário dos assaltos aos quartéis Moncada e Carlos Manuel de Céspedes pelos rebeldes liderados por Fidel Castro em 1953. O episódio é considerado o marco do nascimento do Movimiento Revolucionário 26 de Julio (M-26-7) e da luta armada clandestina. Essa sim é a data mais comemorada – em termos de eventos oficiais – como aniversário da Revolução Cubana, e não 1º de janeiro de 1959, dia em que o último grupo de rebeldes desceu a Sierra Maestra vitorioso, com a tomada do país e a fuga do ditador. Para os cubanos, trata-se de celebrar a gênese do M-26-7. Anualmente, uma cidade é selecionada pelo governo cubano como sede do ato oficial de 26 de julho, que conta sempre com a presença de vários combatentes vindos de diversas partes da ilha e do presidente do país, Raúl Castro. Estar presente nesse ato oficial, portanto, era uma oportunidade de estar com diversas fontes em potencial em um mesmo local e data, ocasião ainda mais rara quando se pensa que os poucos combatentes ainda vivos são, sem exceção, idosos. Vale registrar que o Exército Rebelde era integrado, não raro, por jovens com menos de 30 anos e que hoje, se vivos, estariam com mais de 70 ou 80 anos. Embora a participação como espectador dessa cerimônia não seja aberta a qualquer pessoa – pois o público é organizado por indicações de organizações locais da comunidade e é altamente disputado –, eu poderia participar como jornalista internacional e

6 O apoio do MST à minha pesquisa se traduziu em me colocar em contato com pessoas em Cuba as quais, posteriormente, se tornariam fundamentais para a pesquisa, bem como no credenciamento junto ao Centro de Prensa Internacional (CPI), do Ministério das Relações Exteriores, como jornalista militante do movimento. Tal apoio me auxiliou nos contatos com fontes, uma vez que os cubanos, em geral, conhecem e admiram a luta do MST no Brasil e sabem de sua solidariedade para com a Revolução Cubana. Ou seja, chegar às fontes em Cuba e me apresentar como uma jornalista brasileira não se traduz na mesma receptividade que tive como jornalista brasileira militante do MST.

18 me juntar ao coletivo da imprensa estrangeira que cobriria o evento. Foi o que fiz tanto nessa segunda viagem como na seguinte, em 2013. Em 2011, a cidade que sediou o ato oficial foi Ciego de Ávila. Após a cerimônia, tentei localizar combatentes que estiveram na Sierra Maestra. Quase em vão, já que os que ali estavam eram rebeldes que participaram do assalto ao Moncada, e não da guerrilha propriamente dita. Contudo, por uma “quase sorte”, no hotel onde tais combatentes se hospedaram conheci Arsenio Garcia D´Ávila, um dos únicos – quiçá o único – guerrilheiro da Sierra Maestra. Cheguei até ele por meio de contato com os organizadores do evento oficial que estavam no hotel naquele momento após a cerimônia. O nome dele já estava na lista que eu tinha elaborado após as pesquisas prévias à viagem a partir do material existente na internet sobre a Radio Rebelde e a guerrilha, e em livros sobre esse período. Na entrevista descubro que ele era um dos 12 expedicionários do iate Granma7 sobreviventes8 do que ficou conhecido como combate de Alegria de Pio9 e que deram início à guerrilha. Não obstante, D´Ávila foi combatente na Coluna 1, comandada por Fidel e que tinha como base a chamada Comandancia de la Plata, local onde a Radio Rebelde ficou sediada a partir de maio de 1958, após três meses do início das transmissões. Sendo assim, ele se tornou uma fonte primordial para esta pesquisa sobre o uso da rádio pela guerrilha. Em Havana, com os nomes de combatentes ligados à emissora na Sierra, busquei- os um a um por meio de consultas à companhia telefônica cubana. Encontrei somente um da lista: o coronel Ángel Celestino Fernández Vila, que só aceitou conversar comigo depois de confirmar com uma conhecida jornalista cubana – Irma Shelton –, amiga do MST, que eu era de confiança política. Tendo em vista a formação militante revolucionária dele, bem como a conjuntura de condenação midiática quando o tema é Revolução Cubana, não foi supresa essa

7 O iate foi a embarcação que levou de Tuxpan (México) a Cuba os 82 rebeldes do M-26-7, sob o comando de Fidel Castro, com o objetivo de derrubar a ditadura de Batista. Depoimentos dão conta das dificuldades – entre elas, fome, sede e enjoos – que os rebeldes enfrentaram durante os sete dias de viagem. “Muitos de nós pensavam que este iate nos transportaria para algum barco grande. Mas não mudamos de barco, e o iate ficou sendo o transporte definitivo, a ponte entre o México e Cuba. Que eu saiba, ninguém fez travessia tão longa num iate que podia transportar somente dez ou doze pessoas, mas no qual iam amontoados oitenta e dois homens, mal podendo mover-se, além de carga, armas, balas, mochilas, uniformes, sacos de laranja, tanques de água, latas com combustível de reserva, um bote, e um dos dois motores avariados” (BOSQUE, 1991, p. 10). 8 Entre os expedicionários do iate Granma, estavam Fidel Castro, Raúl Castro, Ernesto Che Guevara, e , revolucionários-chave comandantes de colunas rebeldes da Guerra de Libertação Nacional. 9 Poucos dias depois do desembarque do Granma, realizado em 2 de dezembro de 1956, os rebeldes foram surpreendidos pelos soldados da ditadura. Dos 82 expedicionários do iate, 70 foram assassinados.

19 cautela dele. Considero que o contato com a Irma, bem como o fato de me apresentar como jornalista do MST, facilitou tal confiança. É público que o MST é um movimento popular com repercussão mundial e que se solidariza com a Revolução Cubana e almeja a construção de uma sociedade socialista, mantendo relação – inclusive – com o governo cubano. Para citar um exemplo, dezenas de estudantes sem-terra fazem a graduação em Medicina em Cuba, por meio de convênios estudantis governamentais. Vila, que na época da guerrilha estudava Medicina, foi subdiretor da Radio Rebelde nos últimos dois meses da luta na Sierra10, tendo sido antes delegado nacional de Propaganda do M-26-7 em Havana e um dos fundadores do jornal clandestino Vanguardia Obrera, órgão oficial do Movimento em 1958. Qual não foi minha surpresa quando, no primeiro contato pessoalmente, ele me mostrou um “tesouro escondido”: cerca de 100 documentos (textos originais) que foram lidos pelos locutores da emissora ainda na guerrilha e que permaneceram guardados em uma gaveta da casa dele. Inéditos até então11. Vila deixou o material à minha disposição para que fosse digitalizado, além de me conceder uma primeira entrevista naquela ocasião. Perguntado sobre o motivo de ter guardado esses documentos em plena guerrilha, Vila explicou que já na cidade de Palma Soriano, ou seja, nos momentos finais da luta insurrecional, Fidel precisava de um documento que ele havia lido na Radio Rebelde. Vila, então, busca em seus arquivos e o entrega ao comandante, que ficou “maravilhado” com o fato de ele tê-lo guardado. “Aí me dei conta do que eu tinha, que era um tesouro”, contou. Em termos de publicações, encontrei nesta viagem um único livro12 que tratava da Radio Rebelde na época da guerrilha como tema central. Nas demais e abundantes publicações sobre a guerrilha ou o M-26-7, embora não raro houvesse menção à emissora, o

10 Vila foi enviado à Sierra Maestra e passou a atuar como subdiretor da emissora em novembro, função que exerceu até o triunfo do Exército Rebelde, em 1º de janeiro de 1959. Ele era dirigente estudantil da FEU (Federación Estudantil Universitaria) em Havana – onde frequentava a Faculdade de Medicina – e já participava de manifestações contra o ditador Fulgêncio Batista, desde o ano do golpe: 1952. A partir da radicalização do movimento estudantil para a luta revolucionária, ele se incorpora à seção operária (obrera) do Movimiento 26 de Julio, uma vez que, além de universitário, trabalhava como torneiro. Ali, atua na propagando voltada ao setor obrero, de onde resulta o jornal Vanguardia Obrera (do M-27-7), do qual é fundador. 11 Em 2014, Vila lançou um livro de memórias no qual explora a história dos meios de comunicação clandestinos durante a guerrilha em Cuba e traz alguns poucos documentos apresentados também nesta dissertação. Trata-se da obra Por las ideas del Moncada, publicada em 2013 pela Casa Editorial Verde Olivo, de Havana. Grande parte do material recolhido nesta pesquisa continua inédita. 12 Na obra 7RR – La historia de Radio Rebelde, de 1978, o autor Ricardo Martínez Victores, um dos fundadores da emissora, reúne testemunhos de diversos atores sociais que participaram da construção e da manutenção da rádio na Sierra Maestra durante a guerrilha.

20 assunto merecia poucas linhas. Além disso, foi possível copiar seis arquivos digitais em áudio com transmissões originais da Radio Rebelde em 1958, a partir do acervo da própria emissora e da Radio Habana Cuba. Diante desses materiais, concluí que seria viável realizar esta pesquisa acadêmica ao nível de mestrado. A questão central: por que e como o rádio fez parte da estratégia do Exército Rebelde na Sierra Mestra? Tendo sido aprovada no Programa de Pós-Graduação de Sociologia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, em julho de 2013 parti para a terceira viagem a Cuba, com foco no trabalho de campo. A viagem durou 39 dias e tinha dois objetivos centrais: encontrar e digitalizar todo e qualquer material disponível sobre a Radio Rebelde tanto em acervos pessoais como em bibliotecas e emissoras; e entrevistar mais pessoas que lutaram na Sierra Maestra e tiveram relação com a rádio, para poder reconstituir com mais elementos a história da emissora no processo pré-revolucionário. De novo o mês de julho foi escolhido por conta do ato oficial de 26 de julho, ao qual assisti como jornalista estrangeira novamente. Desta vez, a comemoração se deu na cidade de Santiago de Cuba e foi maior, pois se tratava do aniversário de 60 anos do assalto ao Moncada, localizado nesse mesmo município. No entanto, justamente por tal razão de ser uma data expressiva para marcar a efeméride, não foi possível localizar e entrevistar combatentes, uma vez que havia um rígido esquema de segurança por causa da presença de vários chefes de Estado e autoridades locais no evento. A chegada e a saída dos combatentes se deram de forma restrita e isolada da imprensa e do público. Todavia, copiei mais áudios originais da emissora na época da guerrilha os quais estavam no acervo da Radio Habana Cuba e que em 2011 ainda não estavam digitalizados, além de outros relacionados ao tema. Além disso, fotografei todas as edições disponíveis na Biblioteca Nacional José Martí, em Havana, dos mais importantes jornais e boletins clandestinos da época da guerrilha que eram órgãos oficiais do M-26-7 e que, não raro, reproduziam notícias transmitidas pela Radio Rebelde, conforme será exposto ao longo desta dissertação. São eles: Vanguardia Obrera, Revolución, Sierra Maestra e El Cubano Libre. Cabe registrar que a relação da emissora com essas publicações também se dava na via inversa: os locutores liam textos veiculados nesses impressos. Pude, ainda, fotografar mais material inédito até então. Se antes Vila havia me passado apenas uma pasta com notícias originais lidas pelos locutores na guerrilha, desta vez ele me entregou outras cinco que ele mantinha em sua casa. Eram mais 160 documentos,

21 aproximadamente. Além disso, me possibilitou a cópia de diversas edições de jornais clandestinos que ele guardava, parte delas não disponível na Biblioteca Nacional José Martí. Por meio do contato facilitado por Vila, entrevistei Ciro Arturo Del Rio Guerra, um dos responsáveis pelo traslado dos equipamentos da emissora à Sierra Maestra, a pedido de Che Guevara, em 1958. Guerra passou a integrar o Exército Rebelde, atuando como segurança do “estúdio” da Radio Rebelde e como soldado em combates contra o exército da ditadura. Naquele momento, foi possível obter mais detalhes sobre a logística para envio dos equipamentos aos guerrilheiros, bem como coletar relatos e impressões pessoais do combatente sobre a atuação da emissora no período. Visitei a Comandancia de la Plata13 na Sierra, porém o museu da Radio Rebelde ali estava fechado para obras. Durante subida da montanha, soube que o guia turístico que nos acompanhava era justamente vizinho de Eugenio Medina – uma das fontes que eu tentava localizar –, de 71 anos, um dos membros da família de camponeses que formavam o grupo musical Quinteto Rebelde, cuja criação foi idealizada por Fidel, que entendia a música como fator que poderia melhorar o ânimo dos guerrilheiros e também desmoralizar os soldados de Batista, conforme será abordado com mais detalhes ao longo da dissertação. Esses camponeses participaram regularmente das transmissões da Radio Rebelde na guerrilha. Com auxílio do guia, consegui entrevistá-lo nessa ocasião. Já em 2013, realizei entrevista com a atual diretora-geral da emissora, Sofia Mabel Manso Delgado, e com Pedro Pablo Figueredo, que exerceu tal cargo entre 1998 e 2003. Em junho de 2015, retornei a Cuba e estabeleci mais uma vez contato com Vila para compartilhar com ele o andamento da dissertação e tirar eventuais dúvidas. A hipótese que norteou esta pesquisa foi a de que, além de ser meio de informação, a Radio Rebelde influenciou o processo guerrilheiro revolucionário cubano ao atuar como instrumento de informação do povo e como aparato militar. Cabe esclarecer que esta pesquisa teve foco no emissor, e não no receptor das notícias da Radio Rebelde. Inicialmente, pretendia-se entrevistar também ouvintes da emissora na época em que a rádio era clandestina. Nas primeiras conversas com ouvintes realizadas na viagem de 2013, todavia,

13 Atualmente, essa região pode ser acessada por meio de uma trilha de três quilômetros (3 km) percorrida com guias especializados em ecoturismo e história. Nessa região também é possível visitar as instalações originais da Radio Rebelde, com a exibição de alguns equipamentos radiofônicos utilizados pelos rebeldes. Trata-se hoje de um ponto turístico da província Granma, no Parque Nacional Turquino.

22 concluiu-se que não haveria material suficiente para uma análise também do ponto de vista do receptor. Isso porque os depoimentos eram muito semelhantes (limitavam-se, em geral, a dizer que ouviam escondido a emissora e que “todo mundo” escutava a rádio para saber da guerrilha) e sem mais elementos que permitissem tal análise naquele momento. Para isso, os estudos foram realizados sob a perspectiva de Gramsci, a partir da compreensão do autor italiano sobre o conceito de hegemonia e o papel da imprensa no cenário político. Tal escolha foi feita com o objetivo de investigar a Radio Rebelde como ferramenta de comunicação contra-hegemônica. Esta pesquisa também se propôs a reunir os materiais coletados numa tentativa de contribuir para a memória e a reconstituição da história da emissora para pesquisa futura de mais fôlego. O esforço investigativo deu-se no sentido de produzir uma narrativa histórica densa sob o viés acadêmico, sobre o tema da propaganda clandestina da guerrilha da Revolução Cubana a partir do relato dos próprios atores combatentes; de criar condições para a sistematização da trajetória clandestina da Radio Rebelde; e de se tornar um dos possíveis caminhos para socializar esse conhecimento para além das estantes de bibliotecas dentro de universidades.

Coleta de dados Durante a pesquisa, a coleta de materiais foi feita por diferentes métodos. O ponto de partida foi o contato com Vila, que concedeu entrevistas ao longo da pesquisa, disponibilizou para digitalização o seu acervo pessoal de textos originais locutados na Radio Rebelde (bem como de jornais clandestinos do M-26-7) e me colocou em contato com Ciro del Río, um dos responsáveis por levar os equipamentos da estação de rádio para a Sierra Maestra. Além dos encontros presenciais em Cuba com Vila, foram mantidas trocas de mensagens por correio eletrônico ao longo da pesquisa. Nas viagens à ilha, foram investigados os acervos de duas importantes bibliotecas de Havana: a Biblioteca Nacional José Martí e a Biblioteca Rúben Matinez, onde foram buscados artigos e reportagens de jornais e revistas. De parte deles a pesquisadora já possuía os dados da publicação (título, veículo e/ou data), coletados por meio de citações indicadas em outros textos e livros sobre a Revolução Cubana. Outra parte foi acessada a partir da investigação dos jornais clandestinos do M-26-7 e de outros de circulação relevante no período entre 1957 e o primeiro trimestre de 1959, aproximadamente. O objetivo desse recorte

23 temporal foi abranger o período que antecedeu as transmissões da Radio Rebelde e durante o qual já havia luta armada na Sierra Maestra, bem como observar os desdobramentos nos primeiros meses após a vitória dos revolucionários, uma vez que poderia haver menção nas publicações sobre o papel do rádio no processo de luta por liberação. Ainda na pesquisa in loco, foram obtidas cópias de arquivos de áudio relacionados à Radio Rebelde e que fazem parte do arquivo da Radio Habana Cuba e da própria Radio Rebelde. Tais materiais foram coletados a partir de visitas a tais emissoras, por meio de contatos de jornalistas cubanos simpatizantes do MST. Após tal trabalho de campo, o esforço foi no sentido de organizar os dados, ou seja, transcrever as entrevistas; catalogar as fotos de jornais de acordo com data e tipo de publicação, unificando arquivos repetidos; catalogar as fotos dos textos originais da emissora, tentando agrupá-los – na medida do possível – em data de veiculação; e transcrever áudios originais da Radio Rebelde. Vale ressaltar que se optou por manterem as transcrições em língua espanhola a fim de que não houvesse qualquer prejuízo (seja de conteúdo, semântico ou de entonação) derivado da tradução para o português. Apesar de, desde a primeira viagem a Cuba, haver a intenção de que a pesquisa abordasse não somente o emissor das mensagens radiofônicas durante a guerrilha, isso não foi possível. Em conversas informais realizadas com potenciais ouvintes da Radio Rebelde em

1958, verificou-se o discurso quase unânime a respeito do assunto – dos que, obviamente, possuíam o receptor de rádio (cujo preço não era dos mais baixos) –, uma vez que se limitavam a dizer que ouviam sim a emissora, em volume baixo, em casa para que os soldados da ditadura não os flagrassem comentendo tal “crime”. A partir desse cenário percebido no trabalho de campo, a pesquisa priorizou a análise das informações radiofônicas com foco no emissor desse conteúdo, o que não elimina a possibilidade de se focar no receptor em investigação futura, tendo como base métodos e abordagens adequadas para explorar essa outra perspectiva. Apresenta-se, abaixo, o resumo dos materiais coletados de fontes diversas:

– Textos das notícias lidas pelos locutores da Radio Rebelde nos dois últimos meses de guerrilha: novembro e dezembro de 195814. Esse material integra o acervo pessoal de Ángel Fernández Vila. Trata-se dos papéis originais usados pelos locutores da emissora na Sierra

14 É possível limitar a data desse material aos últimos dois meses de guerrilha, pois foi o período em que Vila esteve na Sierra Maestra e assumiu a tarefa de subdiretor da Radio Rebelde.

24 Maestra e que até a presente pesquisa permaneciam guardados na casa dele. São cerca de 260 documentos fotografados. Cabe registrar que esse material raramente indica a data de veiculação do texto radiofônico, assim como não se refere a todas as notícias transmitidas pela rádio nos últimos dois meses de guerrilha15;

– Áudios de transmissões originais da Radio Rebelde em 1958, bem como outros áudios relacionados ao assunto. São 13 arquivos digitais16 do acervo da Radio Habana Cuba e da Radio Rebelde;

– Edições de jornais clandestinos que eram órgãos oficiais do M-26-7 em 1957 e 1958: El Cubano Libre, Revolución, Vanguardia Obrera e Sierra Maestra. Tal material foi fotografado a partir do acervo disponível na Biblioteca Nacional José Martí, em Havana, e do acervo pessoal de Ángel Fernández Vila. Somam 90 edições. O objetivo é extrair dessas publicações as notícias diretamente relacionadas à Radio Rebelde, uma vez que havia muito intercâmbio entre a notícia da rádio e o que se publicava nesses jornais, ou vice-versa;

– Entrevistas gravadas em áudio e vídeo com combatentes do M-26-7 que tiveram participação direta ou indireta nas transmissões da Radio Rebelde na Sierra Maestra. São quatro entrevistados: Ángel Fernández Vila, Arsenio Garcia D´Ávila, Ciro Arturo Del Rio Guerra e Eugenio Medina17;

– E artigos em jornais e revistas, posteriores à vitória da revolução, que reproduzem textos de notícias veiculadas pela Radio Rebelde, quando das transmissões clandestinas.

A dissertação

A partir da percepção – pela minha própria experiência pessoal, bem como dos currículos oficias escolares – de que existe uma lacuna importante de conhecimento entre os brasileiros sobre a história da América Latina, em especial de Cuba, optou-se no primeiro capítulo – intitulado “Movimiento 26 de Julio, Assalto ao Moncada e propaganda clandestina”

– por localizar o leitor no contexto da época. Não seria possível abordar a Radio Rebelde sem entender o golpe de Batista em 1952, sem saber quem foi José Martí e sem ter noção da importância do assalto ao Quartel Moncada para a luta armada revolucionária. Ainda no

15 Vila relatou a esta pesquisadora que parte do material guardado por ele na Sierra Maestra desapareceu logo em seguida do triunfo, em janeiro de 1959. 16 Para detalhes sobre esses áudios, consultar “Documentos sonoros” em “Fontes e Bibliografia”. 17 Para saber mais sobre os entrevistados, consultar “Entrevistas” em “Fontes e Bibliografia”.

25 referido capítulo, tratou-se de apresentar brevemente o Movimiento Revolucionário 26 de Julio para, em seguida, apontar como a propaganda clandestina aparecia como um dos pilares da luta dos militantes para burlar a censura e denunciar os crimes da ditadura. É nessa parte da dissertação que são apresentados os principais órgãos de imprensa do M-26-7, com a publicação de páginas digitalizadas do acervo de Vila e de bibliotecas. No segundo capítulo, intitulado “Radio Rebelde, a voz da Sierra Maestra”, buscou-se expor facetas dos debates teóricos sobre o rádio, passando por Brecht, Benjamin, Hale, McLuhan. Além disso, houve a preocupação de ilustrar alguns usos semelhantes desse meio de comunicação em contexto de guerra, guerrilha ou efervescência político-social. Para isso, deu-se preferência a casos da realidade latino-americana, tais como a Radio Sandino na Nicarágua, a Radio em El Salvador, ou mesmo a Cadeia da Legalidade comandada por Leonel Brizola contra o golpe cívico-militar no Brasil de 1964, e o uso das ondas radiofônicas na Revolução Constitucionalista de 1932. É nesse capítulo que, a partir dos relatos dos combatentes, com apoio da bibliografia e do material digitalizado, é resumida a trajetória dos 311 dias de transmissão da Radio Rebelde na Sierra Maestra. Neste sentido, abordam-se a primeira emissão, a equipe de trabalho, a rotina de produção, o alcance das transmissões, o uso da música, a relação da emissora com os órgãos clandestinos de imprensa do M-26-7, entre outros aspectos. Ainda nesse capítulo, a dissertação categoriza os tipos de conteúdo transmitidos pela emissora, a partir dos documentos coletados do acervo pessoal de Vila. Nesse sentido, lança luz ao público-alvo das emissões, linguagem utilizada, estratégia comunicacional, bem como outros recursos de cunho ideológico presentes no conteúdo radiofônico, como para que a população cubana se mobilizasse contra a ditadura. Nas “Considerações Finais”, buscou-se fazer o diálogo entre a descrição histórica da trajetória da emissora – realizada a partir dos relatos e documentos pesquisados – e o contexto político cubano da época, apontando em que medida a Radio Rebelde influenciou o processo revolucionário. Por fim, nos anexos são apresentadas as listagens de entrevista, documentos sonoros e textos de jornais e revistas recolhidos em Cuba ao longo da investigação e que foram utilizados para a construção desta dissertação.

27

CAPÍTULO 1: MOVIMIENTO 26 DE JULIO, PROPAGANDA E RÁDIO

“La propaganda es vital. Sin propaganda no es posible movilizar a las masas, y sin movilización de las masas, no hay Revolución”

Fidel Castro em carta enviada à combatente do Movimiento Revolucionario 26 de Julio, Melba Hernández, em 27 de agosto de 1955. (Arquivo de História do Conselho de Estado)

28

1.1. ANTECEDENTES DO CONTEXTO HISTÓRICO

Para entender a conjuntura que propiciou o surgimento da Radio Rebelde, temos que conhecer o Movimiento Revolucionario 26 de Julio e vislumbrar o quadro político, econômico e social cubano no período. Do ponto de vista demográfico, na década de 1950, Cuba era um país com predomínio de população urbana (57% da população total, que era de 5.829.029 habitantes), com expressivo índice de analfabetismo (23,6% da população com 10 anos ou mais), concentrado especialmente na área rural (41,7% do total de analfabetos com 10 anos ou mais). No que se refere ao emprego, 46,2% da população com 14 anos ou mais estavam fora da força de trabalho. O índice representa um total de 1.768.805 pessoas18. Sob o ponto de vista político e econômico, se faz necessário visitar os antecedentes dos anos 1950, voltar o olhar para as lutas por libertação que o país travou. Essa necessidade fica mais evidente com a seguinte declaração de Fidel Castro, em 1973, no aniversário de 20 anos do assalto ao Quartel Moncada:

La fase actual de la Revolución Cubana es la continuidad histórica de las luchas heroicas que inició nuestro pueblo en 1868 y proseguió después infatigablemente en 1895 contra el colonialismo español; de su batallar constante contra la humillante condición a que nos sometió Estados Unidos, con la intervención, la Enmienda Platt y el apoderamiento de nuestras riquezas que redujeron nuestra patria a una dependencia yanki, un jugoso centro de explotación monopolista [...]19

Consideramos que não se pode desvincular o processo revolucionário cubano da década de 1950 como um “episódio” isolado das lutas por libertação do país que antecederam a vitória de 1º de janeiro de 1959. Rejeita-se, de partida, portanto, a visão não rara – e que advém da equivocada análise maniqueísta e apaixonada da história cubana: ser contra a

Revolução ou a favor dela – de que o processo de lutas que culminou na Revolução Cubana é

18 Censo da população cubana. In: Los Censos de Población y Viviendas en Cuba: 1907-1953. Disponível em: http://www.one.cu/publicaciones/cepde/loscensos/anexo_7.pdf Acesso em: 30 maio 2014. 19 CASTRO, F. Fragmentos del discurso pronunciado por el Comandante en Jefe Fidel Castro Ruz, en e lacto central en conmemoración del ataque al cuartel Moncada. Revista Bohemia, 2013, p.121.

29 fruto de pouco mais de uma dezena de heroicos combatentes que vieram do México e “salvaram” a povo cubano, sob liderança de Fidel Castro e Che Guevara, principalmente. É desta perspectiva de continuidade de um processo histórico que parte esta dissertação20. Tal acepção se coaduna com o pensamento do sociólogo Emir Sader:

[...] a revolução cubana de 1959 foi a continuidade das frustradas lutas de independência iniciadas na segunda metade do século passado e pode ser caracterizada efetivamente como uma revolução não pelo fato de ter tomado o poder, mas por ter desenvolvido um processo de transformações radicais das estruturas econômicas, sociais, políticas e ideológicas que fizeram de Cuba o primeiro país socialista da América Latina e do mundo ocidental (SADER, 1992, p.15).

Por conta de sua localização estratégica no mar do Caribe, a cerca de 200 quilômetros de distância dos Estados Unidos, Cuba sempre foi alvo de disputa internacional. Ao todo, foram quase quatro séculos como colônia espanhola. Nesse período de exploração agrícola, destacaram-se os cultivos de tabaco, açúcar e café. Para trabalhar a terra, um clássico presente nas colônias americanas: mão de obra escrava.

O desenvolvimento da produção de açúcar trouxe consigo importantes transformações econômicas e sociais para a colônia. A principal delas, sem dúvida, foi a ampliação do trabalho escravo, a ponto de tornar essa forma de trabalho dominante (MÁO JUNIOR, 2007, p. 84).

Esse cenário está dado no fim do século XVIII e no início do XIX, quando o país recebe importante fluxo de haitianos refugiados da Guerra de Independência da então colônia francesa, onde a produção açucareira era a principal atividade econômica. Intensifica-se a importação de escravos e cresce o poder econômico do latifúndio açucareiro em Cuba.

Enquanto isso, a massa de “guajiros” – como são chamados os camponeses pobres – era constantemente expulsa de suas terras.

20 Cabe esclarecer, ainda, que esta pesquisa não se propõe a entrar no mérito ou “julgamento” de uma das questões mais controversas da historiografia mundial. O exercício realizado foi no sentido de evitar a apologia e a satanização no que se refere à Revolução Cubana. Pondera-se, no entanto, que o trabalho de campo realizado focou em fontes primárias e oficiais da Revolução, haja vista que a Radio Rebelde é um tema pouco explorado na literatura e esse diálogo entre diferentes percepções e interpretações não foi possível neste momento. Portanto, os relatos se dão a partir de personagens que participaram diretamente do processo revolucionário e a partir de documentos originais, principalmente.

30

A ilha caribenha foi a última colônia latino-americana a se libertar da dominação espanhola, fato que se concretizou em 1898, após duas guerras de independência. A Primeira Guerra de Independência (1868-1878) – também conhecida como a Guerra dos Dez Anos – se deu em um cenário de profunda crise econômica derivada da queda da cotação internacional do açúcar.

O movimento, inicialmente liderado por latifundiários descontentes das regiões central e oriental, logo ganhou adeptos entre outros segmentos da sociedade, particularmente entre a população pobre do campo e das cidades, principalmente os escravos libertos pelas forças revolucionárias (MÁO JUNIOR, 2007, p. 92).

A guerra, no entanto, termina sem a derrota das tropas coloniais espanholas, e sim em um pacto conhecido como “Paz de Zanjón”, que se constituía em um acordo de capitulação cubana. Em 1895, é deflagrada a Segunda Guerra de Independência, que durou até 1898. E aqui cabe um parêntese fundamental para compreender os alicerces teóricos e estratégicos do Movimiento Revolucionario 26 de Julio: José Martí.

1.1.1. O PENSAMENTO DE JOSÉ MARTÍ

Não é possível falar em Revolução Cubana sem entender o legado de uma figura querida pelo povo cubano e considerada um dos heróis nacionais. José Martí surge e se destaca nesse momento histórico. Nascido em 1853 em Havana, filho de espanhóis, apresentou nos bancos escolares veia poética e política, de patriota cubano. No período da Primeira Guerra de Independência, apoiou o movimento de libertação do domínio espanhol, por meio também da publicação e da divulgação clandestina de seus textos. Em 1869, ou seja, ainda nesse período, foi preso (tinha 16 anos). Com a pena comutada por desterro na Espanha, deixou Cuba. Inicia, então, um fértil período para sua formação ideológica, intelectual e política. Passa a escrever textos com reflexões políticas para vários jornais, de diversos países. Entre os temas abordados, a liberdade, a injustiça, a desigualdade, o humanismo, o anti-imperialismo e o desenvolvimento latino-americano. Em

31 seus escritos, está presente o permanente olhar para a América Latina e a relação com os Estados Unidos.

No exterior, dedicou-se à difícil tarefa de unificar todos os setores independentistas, organizando com eles o Partido Revolucionário Cubano, para reiniciar a guerra contra os espanhóis (SADER, 1992, p. 20).

Três anos antes da Segunda Guerra de Independência (1895-1898), é oficializada a fundação do Partido Revolucionário Cubano, concebido por Martí. E é na preparação e no confronto militar desse novo período de luta por libertação que ele desempenhou relevante papel de liderança. Em maio de 1895, no entanto, é morto em combate, aos 42 anos. Os textos escritos e a trajetória de vida de Martí apontam para uma pessoa de perfil humanista e nacionalista. Já sua classificação ideológica é difícil precisar, na opinião de José Rodrigues Máo Junior. Para ele, se trata de um “democrata-revolucionário, cuja radicalidade o vincularia àqueles que, em sua época, censuravam abertamente as mazelas do capitalismo ocidental sem, entretanto, chegarem a ser porta-vozes de um proletariado apenas incipiente em seus países” (2007, p. 128). Já para Pedro Pablo Rodríguez, Martí foi:

[...] um transgressor consciente da lógica dominadora imposta pelas mudanças do fim do século na nova etapa da modernidade que se iniciava. A consciência que tinha do problema iluminou sua cuidadosa, contínua e abundante reflexão sobre os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que esta nação tendia a se converter no principal obstáculo a seu anseio de libertação continental (PABLO RODRÍGUEZ, 2006, p. 23).

A importância de Martí para a luta de libertação de Cuba, bem como a atualidade de seu pensamento, é assim resumida no Museu da Revolução, em Havana:

Las generaciones que le sucedieron le concedieron los títulos de El Maestro, Apóstol de la Independencia y Héroe Nacional. Su imágen traspasó las fronteras nacionales para convertirse no sólo en una figura de la América que tanto amó, sino para alcanzar una dimensión universal con vigencia tal que llega a nuestros días (Texto em exposição permanente no Museu da Revolução, em Havana, em julho de 2013).

A respeito da influência de Martí sobre os pilares teóricos e estratégicos na gênese e no avanço da Revolução Cubana, aponta Florestan Fernandes (1979), ao comentar os resultados da Guerra dos Dez Anos:

32

A espoliação inerente ao esbulho colonial continuou a imperar e a revolução nacional frustrada converteu-se numa herança política, transferida para o futuro. Fidel identifica-se com essa herança ao retomar a tradição de Martí e sua ideologia revolucionária. Acabar com as ditaduras que apenas prolongavam, como versão militar e política modernizada, a tirania espanhola e extinguir a satelitização dos Estados Unidos, que apenas era uma versão imperialista da dominação colonial, converteram-se nos dois pólos sine qua non da revolução nacional (FERNANDES, 1979, p. 18).

O próprio Fidel, em sua defesa no julgamento do assalto ao Quartel Moncada – a ser aprofundado nesta dissertação mais à frente –, afirma que o “responsável intelectual” por tal ação armada foi justamente Martí. Tal fato reforça a noção de o quanto os escritos e a atuação de Martí serviram de referência para o Movimiento 26 de Julio. Essa inspiração no pensamento martiniano aparece também nas transmissões clandestinas da Radio Rebelde durante a guerrilha na Sierra Maestra, conforme documento abaixo locutado na emissora em 1958.

Imagem 1 – “La tiranía” – Texto lido pelos locutores da Radio Rebelde; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernandez Vila

33

Tal conteúdo radiofônico, intitulado “La tiranía” – referindo-se à ditadura de Fulgêncio Batista –, inicia com referência direta a uma citação de Martí: “La tiranía no corrompe, prepara”. Interpretando o pensamento martiniano para o referido momento histórico da guerrilha, a emissora destaca que a rejeição dos cubanos aos males da ditadura que corroem o povo – citando a prostituição e o alcoolismo como exemplos – acabou por prepará-los para a luta emancipadora, ou seja, para a Revolução. Trata-se de uma reflexão que deve ter sido transmitida pelas ondas da Radio Rebelde nos últimos momentos de luta, uma vez que cita que “La guerra está ganada. tenemos que ganar la paz” – ou seja, registra vitória sobre a ditadura – e menciona o “espíritu sublime” demonstrado pela cidade Palma Soriano e por outros povos liberados. Tal cidade foi tomada pelos rebeldes nos últimos episódios da guerrilha. Cabe ressaltar que foi sediada em tal localidade que a emissora fez a transmissão da vitória revolucionária em 1º de janeiro de 1959.

1.1.2. DO DOMINÍO ESPANHOL AO ESTADUNIDENSE

Ainda na Segunda Guerra de Independência, as tropas revolucionárias avançavam e conquistavam diversas regiões do país. Com o apoio de soldados enviados pelos Estados Unidos, os revoltosos empregam sucessivas vitórias sobre os espanhóis. A metrópole, então, antes que seja dada como certa a derrota, aceita o armistício, o chamado Tratado de Paris21.

Em 12 de agosto, a Espanha assina um armistício com os Estados Unidos em Washington e, em 10 de dezembro, um tratado de paz em Paris, em que se reconhece a independência de Cuba, transfere aos Estados Unidos a posse de Porto Rico e Guam, e o controle das Filipinas em troca do pagamento de vinte milhões de dólares (AYERBE, 2004, p. 24).

Em 1º de janeiro de 1899, chega ao fim o domínio espanhol sobre o território cubano. No entanto, Cuba ainda não seria dos cubanos. O motivo? A ingerência militar, política e econômica estadunidense.

21 O Tratado de Paris foi um acordo de paz bilateral assinado por Estados Unidos e Espanha, em 10 de dezembro de 1898. Com isso, a Espanha renuncia aos seus direitos de soberania e propriedade sobre o território cubano.

34

A crescente dependência dos Estados Unidos terá como consequência direta no desfecho da segunda guerra de Independência. Em sua gestação e suas batalhas principais, a iniciativa esteve sempre sob a liderança dos cubanos, mas foi a participação norte-americana no conflito que determinou seu resultado (AYERBE, 2004, p. 22).

Também para Sader (1992), a vitória das forças independentistas foi frustrada pelos Estados Unidos, que tinham a intencionalidade de manter Cuba sob sua dependência.

O Exército Libertador vitorioso foi privado do triunfo e submetido imediatamente à ação desmobilizadora por parte dos militares norte-americanos, que ofereceram grandes somas em dólares para que os soldados depusessem as armas, conseguindo, assim, dividir as tropas de Gómez e semear a discórdia entre seus seguidores, apesar da resistência dos líderes, como foi o caso do general dominicano. Mas isso não impediu que política e militarmente os EUA se apropriassem da vitória das guerras de independência protagonizadas pelos cubanos contra o colonialismo espanhol (SADER, 1992, p. 22).

Para Sader, “politicamente, o país passou a ser uma pseudorrepública, complemento da neocolônia no plano econômico, tutelada pela presença ostensiva dos EUA” (1992, p. 23). Tal dominação, contudo, não se limitava à área econômica e transbordava na cultura, na política e na ideologia cubanas. É nesse cenário, por exemplo, que os EUA conquistam a cessão de um território cubano para a instalação da base naval de Guantánamo, por meio da chamada Emenda Platt – instrumento que dava o amparo jurídico à ocupação militar estadunidense. Durante os 25 anos da República Cubana, as eleições eram marcadas por fraudes e fragilidade de partidos que ainda estavam em gestação. E, assim, nasce mais uma ditadura no país, período conhecido como “machadato”. À frente de uma farsa eleitoral, alcança o poder o general Geraldo Machado, conhecido por sua relação de submissão aos interesses estadunidenses. Entre seus compromissos com o capital dos EUA, estava a adoção de medidas para que greves de trabalhadores não afetassem os lucros das empresas estadunidenses instaladas na ilha. Leia-se: repressão. Como resultado, o que se viu foi a instabilidade social e um clima tenso, devido à repressão ostensiva e permanente contra as forças sindicais. Nesse contexto, nos idos de 1925, surge na clandestinidade o Partido Comunista de Cuba.

35

O país encontrava-se mergulhado em grave crise econômica, com as mobilizações de greves e contra a repressão do “machadato” crescendo a cada dia. Em 1933, pressionado, o general renuncia. Depois de muita turbulência política, o país vive novo golpe militar. Desta vez, liderado por aquele que anos depois seria o grande inimigo da Revolução Cubana: Fulgêncio Batista. Nessa ação coordenada junto com os EUA, o coronel Carlos Mendieta assume a Presidência de Cuba, mas quem governava de fato era Batista. Em 1940, Batista sai vitorioso das eleições presidenciais e tem governo constitucional garantido por quatro anos. Ele chega a obter apoio do Partido Comunista, que passa a ocupar inclusive ministérios do seu governo.

Apesar do caráter autoritário, seu regime não foi considerado como uma mera continuidade do machadismo. Como bem destaca Fernando Mires (2001, p. 291), “o próprio Batista era produto da revolução popular de 1933 e, para muitos setores políticos de esquerda, parecia ser seu continuador, embora em condições de maior ‘ordem e segurança’”. A esses fatores o autor acrescenta a origem operária de Batista e da maioria dos seus oficiais, assim como a aceitação de negros e mulatos em suas fileiras” (AYERBE, 2004, p. 28).

Em 1944, Ramón Grau San Martín – que havia sido deposto do poder em 1934 por um golpe militar liderado por Batista – é eleito presidente de Cuba. Batista não chegou a concorrer às eleições por ser impedido pela Constituição de se candidatar a um novo mandato. O governo do então dirigente máximo do Partido Revolucionário Cubano (Auténtico) – PRC (A) – é marcado por ferrenha oposição a Batista. O contexto de Guerra Fria já está instalado e tem reflexos na política interna cubana, na medida em que o discurso anticomunista dos Estados Unidos serviu como pretexto para a repressão aos movimentos populares. Os rumos do PRC(A) causam rachas no partido.

Em 1947, as divergências internas se agudizam causando a ruptura de sua ala esquerda, liderada por Eduardo Chibás, que fundou o Partido del Pueblo Cubano – PCPC (mais conhecido como Ortodoxos). A saída desse grupo de militantes do PRC(A) eliminou o pouco que restava de coerência naqueles que, em sua fundação, pretendiam ser os autênticos continuadores do PRC fundado por José Martí (MAO JUNIOR, 2007, p. 216).

36

Em 1948, é eleito presidente cubano Carlos Prío Socarrás, do PRC(A) e discípulo de Ramón Grau San Martín. Como não poderia ser diferente, a corrupção e a repressão às agitações populares foram marcas de sua gestão, em sintonia com o governo dos Estados Unidos. A fundação do novo partido por Chibás22 é pautada pela rejeição à degradação moral e econômica dos governos anteriores. O Partido do Povo Cubano (Ortodoxo) atrai apoio popular, entre eles o de Fidel Castro – um jovem estudante de Direito na época.

O Partido do Povo Cubano (Ortodoxo) foi criado em 1947, a partir da ruptura de setores do Partido Revolucionário Cubano (PRC, Autêntico), governista, que denunciaram o caráter corrupto da administração de Grau San Martin e passaram a pautar sua ação pela busca de uma renovação ética na política nacional, sob a bandeira “Prometemos não roubar”, angariando crescente apoio do movimento estudantil. Seu favoritismo para vencer as eleições foi a principal motivação do golpe de Estado de 1952, que recebeu o apoio do governo dos Estados Unidos (AYERBE, 2004, p. 27).

Nesse contexto, Fulgêncio Batista reassume o destaque no cenário político no país ao deflagrar novo golpe militar, o estopim para a ação que desencadeou a Revolução Cubana. Em 10 de março de 1952, ainda no governo de Socarrás, começava mais um capítulo da longa história de ditaduras em Cuba. A menos de três meses das eleições presidenciais, em que Batista era candidato, ele decidiu pela tomada do poder à força, prevendo a provável derrota nas urnas. Entre seus concorrentes estava Chibás, que cometeu suicídio antes do pleito e do golpe.

Mesmo com a morte de Chibás, a candidatura de Batista seria provavelmente derrotada nas eleições convocadas para 1952, contra outro candidato ortodoxo que sucederia Chibás. Entretanto, o ex-sargento, com o aval do governo norte- americano, que não via com bons olhos a corrente do líder falecido, deu um golpe militar no dia 10 de março (SADER, 1992, p. 30).

22 Tratava-se de um político bastante popular, especialmente por conta de sua atuação contra a corrupção. Suicidou-se durante discurso na rádio CMQ (onde mantinha um programa semanal de expressiva audiência), ao vivo, após não conseguir provar as denúncias que fez contra o governo vigente. Esse discurso, em 5 de agosto de 1951, ficou conhecido como El último aldabonazo. A morte de Chibás provocou comoção nacional. Mais de um milhão de pessoas acompanharam o funeral. A situação levou Fidel Castro a conclamar os militantes do partido e a sociedade cubana à revolução, e a afirmar tempos depois que, sem o legado do líder do Partido Ortodoxo, o Movimiento Revolucionario 26 de Julio não teria sido possível.

37

Poucos dias depois do golpe, Batista promulgou a Lei da Ordem Pública, que “suprimia os direitos democráticos do cidadão, instaurava a censura e assentava as bases legais para a atividade terrorista e repressiva das unidades aradas do regime” (CASTRO, 1979, p. 20). É neste cenário que se começa a gestar a derrubada da ditadura de Batista por meio da luta insurrecional.

1.1.3. INÍCIO DA LUTA ARMADA

O processo revolucionário cubano liderado por Fidel Castro contra a ditadura de Batista teve início, como luta armada, em 26 de julho de 1953, quando foi deflagrado o assalto ao Quartel Moncada, na cidade de Santiago de Cuba, que abordaremos a seguir. Cabe, contudo, resgatar a construção dessa resistência. O Movimiento Revolucionario 26 de Julio começa a ser constituído logo após o golpe de Batista e é encabeçado por jovens militantes do Partido Ortodoxo, entre eles Fidel Castro. A estratégia foi de organização em células de menos de dez pessoas, que não tinham contato entre si (essa relação era proibida, inclusive). A Universidade de Havana, além de fornecer militantes para o M-26-7, era uma base importante para exercícios militares do grupo. Entre as características do movimento, destacavam-se a discrição e a disciplina. Sobre o perfil dos combatentes, afirmou Fidel:

Nuestros jóvenes combatientes habían sido reclutados, además, en las capas más humildes del pueblo, en su casi totalidad, procedentes de la ciudad y del campo, y algunos estudiantes y professionales no contaminados por los vicios de la política tradicional ni el anticomunismo que einfestaba el ambiente de la Cuba de entonces23

Integrantes do movimento apontam para a rigidez comportamental à qual deveriam se submeter, como relata Gabriel Gil, militante do M-26-7:

23 CASTRO, F. Fragmentos del discurso pronunciado por el Comandante em Jefe Fidel Castro Ruz, en e lacto central em conmemoración del ataque al cuartel Moncada. Revista Bohemia, 2013, p.121.

38

Sus integrantes teníamos que ser los mejores; velar que no fueran gente viciosa, de escândalos, no podíamos estar bebiendo. Existia un sistema de chequeo mutuo; todo mundo vigilaba a los demás. [...] Suspender todo tipo de actividad peligrosa no dispuesta por la dirección del Movimiento; ejecutar en completo secreto las instrucciones; estar dispuesto a hacer lo que fuese necesario, estar pendiente para movilizarse cualquier dia, a cualquier hora y en cualquier lugar24.

Foram 16 meses de preparação, com treinamento de 2 mil pessoas, segundo Revista Bohemia. O grupo de Fidel decidiu, então, que a primeira ação seria contra as bases do Exército e o objetivo era promover uma insurreição armada popular. Assim, as armas seriam tomadas do inimigo e entregues ao povo, derrubando um tabu de que era impossível lutar contra o Exército e sair vitorioso. Além de Santiago de Cuba, os rebeldes organizaram uma ação simultânea na cidade de Bayamo, que serviria para cortar as vias de acesso de eventual reforço militar do Exército da ditadura.

A escolha se deveu a que a região oriental do país tinha se caracterizado como a mais radical politicamente, já desde as lutas de independência do século XIX, e que, portanto, mais facilmente poderia dar apoio ao movimento revolucionário. Por outro lado, Santiago de Cuba se localiza na ponta da Ilha oposta à capital, onde se concentravam os principais contingentes militares do país, que demorariam certo tempo até se deslocarem para lá (SADER, 1992, p.34).

Sobre a data 26 de julho, ela foi escolhida como início da insurreição, pois se tratava de um dia do tradicional carnaval em Santiago de Cuba, que atraía multidões para festejar nas ruas, o que poderia atuar como fator de “distração” do foco do Exército da ditadura. Sader destaca ainda o papel do rádio dentro da estratégia dos insurgentes no plano militar do assalto, uma vez que, “através de transmissões radiofônicas, o movimento se dirigiria ao povo, explicando seus objetivos e o exortaria a aderir a ele” (p. 35). Ao todo, cerca

24 Idem.

39 de 150 militantes do M-26-7 participaram das ações naquele dia. O Quartel Moncada era o segundo mais importante do país. No entanto, a tentativa de tomar o quartel Moncada não logrou o objetivo militar e resultou em muitos mortos, feridos e presos. Segundo o jornalista e historiador cubano Mario Mencía25(1981), no conjunto das ações dos rebeldes nas cidades de Santiago de Cuba e Bayamo, o Exército e a polícia somaram 19 mortos e 27 feridos. Já as forças revolucionárias tiveram seis mortes e dez feridos no combate propriamente dito. Contudo, a soma do lado dos rebeldes alcançou a marca de 61 mortos, com os assassinatos cometidos pela ditadura nos quatro dias seguintes à ação, em que o Exército perseguiu os militantes do M-26-726. Entre os combatentes presos estava Fidel, que permaneceu encarcerado por 22 meses e atuou como seu próprio advogado de defesa perante o tribunal (sua defesa originou o famoso livro “A História me absolverá”), no processo conhecido como “Causa 37”, em que foram julgados 133 rebeldes. Cabe registrar que, no mesmo dia do assalto, Batista institui a Lei-decreto 989, que suspendia as garantias constitucionais dos direitos individuais em todo o território cubano por três meses. O documento de defesa de Fidel passa, então, a ser conhecido como o programa do Moncada, ou seja, os princípios e ações que guiariam os revolucionários na luta insurrecional.

[..] o centro das medidas propostas pelo programa do Moncada era de caráter político – pelo restabelecimento da democracia no país – e social – combate ao desemprego, à miséria, ao analfabetismo (SADER, 1992, p. 43).

O resultado militar da ação em Moncada, apesar das mortes, torturas e prisões, muitas vezes é interpretado para além de um mero fracasso, na opinião de rebeldes, cubanos e analistas desse capítulo da história do país. É o caso de Mencía:

25 Mario Mencía (1931-) integrou o M-26-7 e escreveu diversos livros sobre as ações do movimento. Entre eles, destacam-se as obras El grito del Moncada e La prisión fecunda. 26 Informações colhidas no artigo El grito del Moncada, de Mario Mencía, na Revista Bohemia, edição de julho de 1984.

40

No fue una derrota. Fue un grito, un llamado a la conciencia social de los cubanos. Tampoco fue solamente el primer acto de un amplio proyecto de insurrección armada. Fue síntesis de lo mejor de nuestras tradiciones revolucionarias, y, sobre todo, es la irrupción del nuevo tiempo histórico [...] 27

A importância do assalto ao Moncada para os rumos da luta revolucionária é assim resumida por Raúl Castro:

En primer lugar, inició un período de lucha armada que no terminó hasta la derrota de la tiranía. En segundo lugar, creó una nueva organización que repudiaba al quietismo y al reformismo. En tercer lugar, destacó a Fidel Castro como dirigente y organizador de la lucha armada y de la acción política radical del pueblo de Cuba, y en cuarto lugar sirvió de antecedente y experiencia para la organización y expedición del Granma y la acción guerrillera de la Sierra Maestra28.

O episódio do Moncada, portanto, passa a ser um marco no movimento por libertação de Cuba nos anos 1950 e tinha a luta armada como principal método de ação política.

1.2. PROPAGANDA COMO ARMA DE LUTA POR LIBERTAÇÃO

O regime de Batista, como não poderia ser diferente, era marcado por forte censura à mídia cubana. Assim, o governo ditatorial garantia o controle das informações, bem como o viés político do que era publicado. No episódio do assalto ao Quartel Moncada, relatos de profissionais da imprensa e veículos de comunicação dão a dimensão do cerco ao acesso à informação. Na ocasião do aniversário dos 60 anos dessa ação (em julho de 2013, portanto), uma das mais importantes revistas de Cuba, a Bohemia, tanto hoje quanto nos idos de 1950, reproduziu fotorreportagens divulgadas na época e denunciou a censura a que foi submetida. Sob o título Lo que dejó publicar la censura de la tiranía, o texto de abertura informa que:

27 Informações colhidas no artigo El grito del Moncada, de Mario Mencía, na Revista Bohemia, edição de julho de 1984. 28 Análise de Raúl Castro exposto no Museo de la Revolución, em Havana.

41

Este fotorreportaje salió en la edición de Bohemia correspondiente al 2 de agosto de 1953. Fue lo único que la censura le permitió mostrar a la revista acerca de los sucesos del 26 de julio en el cuartel Moncada de Santiago de Cuba. En la edición siguiente, del 9 de agosto de 1953, se publicó otro material periodístico similar, caracterizados ambos por su ambigüedad y estar plagados de imprecisiones y mentiras que solo años después pudieron develarse 29 (Bohemia, p.4).

A censura praticada por Batista atuava de forma diversa. Para manter o controle sobre a mídia, a ditadura também recorria a subornos.

Censura que generalmente se aplicaba con cheques de una cuenta que el doctor Domingo Morales Del Castillo, secretario de la presidencia, mantenía en el Banco de los Colonos, constituida por jugosos ingresos de la Lotería Nacional, distribuidos generosa y sistemáticamente a diferentes directores de periódicos, jefes de planas políticas o individualmente a periodistas de otras categorías. En realidad, como práctica Batista no clausuraba los periódicos, sino que les abría cuentas bancarias30

Para cuidar das ações referentes à mídia por seu governo, Batista criou o Ministério da Propaganda. O M-26-7 reagiu à medida em um dos seus jornais clandestinos oficiais, o El Cubano Libre, em que denunciou:

[...] este Ministerio tiene el control de la prensa, a la que compra, amenaza, censura o clausura, según el caso, para que las noticias se den, no con finalidad, sino con arreglo a los fines de la dictadura y para evitar la organización de las fuertes corrientes de opinión, que se le oponen31.

29 Texto de abertura da edição especial, de julho de 2013, da Revista Bohemia em comemoração aos 60 anos do Assalto ao Quartel Moncada. 30 Artigo de José M. Leyva Mestres na edição especial da Revista Bohemia, de julho de 2013, em comemoração aos 60 anos do Assalto ao Quartel Moncada. 31Trecho do jornal El Cubano Libre, Ano I, Número I.

42

Imagem 2 – Edição número 1, ano 1, do jornal clandestino El Cubano Libre, produzido na Sierra Maestra pelo M-26-7. 1957

Fonte: Arquivo Biblioteca Nacional José Martí

43

O texto denuncia que a ditadura, por meio da propaganda, sustenta que o contexto cubano é de liberdade e normalidade absoluta, uma vez que os meios de publicidade estão sob domínio de Batista. Tal situação, portanto, exime a ditadura de ter que utilizar a repressão, ou seja, “la mano dura”. Destacamos ainda que o texto argumenta que a ditadura cubana se vale de experiências de outros países para atuar de tal maneira no que se refere à propaganda, citando Hitler, Mussolini e Perón. Ainda sobre o documento acima, vale observar o chamado no canto inferior da página, que pede aos leitores que não guardem o exemplar do jornal, e sim que o repassem a outros leitores. Isso se deve ao fato de haver quantidade reduzida de exemplares circulando no país por conta do fato de o El Cubano Libre ser um jornal clandestino, o que dificulta a impressão massiva de exemplares. Além disso, o chamado também é uma forma de engajar o leitor na difusão da propaganda revolucionária, ou seja, na própria defesa dos ideais do M-26- 7. Paralelamente a esse aparato para blindar a comunicação interna em Cuba, trabalhavam as agências de notícias internacionais, principalmente as estadunidenses. Assim como o governo dos Estados Unidos dava suporte militar e político a Batista, ação semelhante ocorria no campo da mídia, que foi classificado pelo autor cubano José A. García González como “guerra psicológica”.

Desde ese momento Estados Unidos comenzó a fraguar planes para desestabilizar, desacreditar y agredir al processo revolucionário cubano opuesto a la ditadura de Batista. Y no sólo fue el apoyo político, el asesoramiento técnico de los cuerpos repressivos y la entrega de abundante material de guerra al ejército batistiano; también el imperialismo organizo durante esos años importantes campañas de propaganda para lograr sus objetivos, incluyendo la guerra sicológica (GARCIA GONZALEZ, 1989, p.7).

González investigou conteúdos jornalísticos da Associated Press (AP), United Press International (UPI) e do International News Service (INS) entre o fim de dezembro de 1956 (período em que se inicia a guerrilha na Sierra Maestra, portanto) e dezembro de 1958 (véspera do triunfo dos revolucionários). E considera que há claras evidências de que tais agências de notícias desempenharam papel decisivo nos plano de manipulação da opinião pública.

44

El contenido íntegro del cable está preñado de dudas acerca del valor y la honradez de los dirigentes revolucionarios. Además, introduce entre el Pueblo sentimientos de confusión, temor, ansiedad y tensiones internas, y, en sentido general, siembra el miedo hacia la revolución. Al mismo tiempo, aviva el anticomunismo, levanta la moral y el estado de ánimo de la dictadura y sus sicários y rebaja y distrae la moral de los revolucionarios (GARCIA GONZÁLEZ, 1989, p. 8)

Tal estratégia por parte dos Estados Unidos com relação à imprensa não é novidade e foi usada desde o período da Guerra Fria por diversos países. E, como difusora da ideologia da classe dominante, ela se configura como aparelho privado de hegemonia nos marcos da teoria de Antonio Gramsci (2007). O autor italiano considera a imprensa como uma das instituições máximas da sociedade civil, “isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como ‘privados’” (GRAMSCI, 2007, v.2, p.20). Em outra ponta, haveria a “sociedade política ou Estado”. Para ele, a imprensa tem o papel de “trincheira” política na medida em que difunde a ideologia da classe dirigente, assim como a Igreja e a escola:

A estrutura maciça das democracias modernas, seja como organizações estatais, seja como conjunto de associações na vida civil, constitui para a arte política algo similar às “trincheiras” e às fortificações permanentes da frente de combate na guerra de posição: faz com que seja apenas “parcial” o elemento do movimento que antes constituía “toda” a guerra (Idem, v. 3, p.24).

Segundo Gramsci:

A imprensa é a parte mais dinâmica dessa estrutura ideológica, mas não a única: tudo o que influi ou pode influir sobre a opinião pública direta ou indiretamente faz parte dessa estrutura. Dela fazem parte: as bibliotecas, as escolas, os círculos e os clubes de variado tipo, até a arquitetura, a disposição e o nome das ruas (idem, ibidem).

Diante do Moncada e dessa evidente situação de censura, fica mais evidente o relevante papel da comunicação e da propaganda clandestina dentro da estratégia do M-26-7. E alguns exemplos ilustram isso, mesmo antes do início da guerrilha, em dezembro de 1956. Ainda na prisão, Fidel redige um texto em que denuncia os assassinatos e torturas promovidos pelo Exército na ação. O Manifiesto a la nación, de 12 de dezembro de 1953, é impresso como folheto e passa a circular clandestinamente pelo país, aos milhares.

45

Em 1952, ainda no contexto impactado pela morte de Chibás, Fidel recorre à propaganda clandestina radiofônica como instrumento de luta e mobilização da sociedade cubana contra a ditadura.

Más adelante creamos una estación radial clandestina que hiciera lo que después hizo Radio Rebelde en la Sierra. En relativamente poco tiempo, mimeógrafo, emisora y lo poco que teníamos, cayó en manos del ejército golpista. Entonces aprendí las reglas rigurosas a las que debía ajustarse la conspiración que nos llevó al ataque del Moncada 32.

Ainda sobre o tema da propaganda na estratégia do M-26-7 na sua gênese, em 1954, Fidel consegue divulgar para a população sua autodefesa, por meio da impressão e da distribuição de 100 mil exemplares de seu discurso “A História me absolverá”. O objetivo era deflagrar uma campanha pela anistia aos prisioneiros de Moncada, o que efetivamente conseguiram, obrigando Batista a libertá-los, diante de tamanha comoção e pressão social. Essa ação de propaganda foi realizada também por meio do rádio. A locutora Gloria Quadras, designada como responsável pela propaganda do M-26-7 naquela ocasião, recorda a difusão desse texto durante seu programa na emissora CMKC, de Santiago de Cuba:

En mi hora radial yo tenía cierta independencia […] llegué a leer manifiestos del 26 de Julio […] también dábamos señales, nos comunicábamos con distintos compañeros de la provincia […] Muchas veces también hacia el comentario de personas que habían sido asesinadas […] Llegué a leer 'La Historia me absolverá´, pedazo a pedazo, por la emisora (DÍAZ, 2003, p. 259).

Nessa conjuntura de repressão e censura, Fidel considerava como armas a denúncia e a divulgação dos crimes. No Manifiesto a la nación, ele destacou:

Denunciar los crímenes, he ahí un deber, he ahí un arma terrible, he ahí un paso al frente formidable y revolucionario. […] La simple publicación de lo denunciado será de tremendas consecuencias para el gobierno 33.

O combatente e comandante do Exército Rebelde, Ernesto Che Guevara (1985), também enfatizou a importância da propaganda como instrumento de luta por libertação.

32 Reflexiones del Comandante en Jefe. In: Diario Granma. Disponível em: http://www.granma.cu/granmad/secciones/reflexiones/esp-044.html. Acesso em: 3 março 2014. 33 Manifesto republicado na edição especial da Revista Bohemia, de julho de 2013, no aniversário de 60 anos do assalto ao quartel Moncada.

46

Afirmou que, entendida como a difusão da ideia revolucionária, a propaganda deve se dar por meio de diversos veículos – jornais, rádios, boletins – e da maneira mais aprofundada possível, abrangendo tanto o âmbito nacional, como o próprio exército guerrilheiro. Para analisar o papel da propaganda clandestina na vitória da Revolução Cubana, é importante compreender algumas características do M-26-7. Ele se constitui, concretamente, a partir de Moncada, como um movimento político que tem a luta armada como recurso. Defendia a revolução não dentro da ordem, e sim contra ela. Os militantes do M-26-7 tinham duas frentes de atuação no país: a guerrilha e o llano (plano, em português), como eles chamam a atuação de resistência urbana fora da Sierra Maestra (local onde se concentrava o Exército Rebelde). Em entrevista à jornalista brasileira Carla Furitati, Vila explica que, quando os rebeldes desembarcam em Cuba (vindos do México) em 1956, quem fazia a luta clandestina nas cidades considerava inicialmente a guerrilha na Sierra Maestra como um símbolo, e não como o caminho para derrubar a ditadura. Para esses lutadores do llano, a vitória se daria nas cidades.

[...] para los luchadores clandestinos, nosotros desde aquel primer momento veíamos, hablábamos del símbolo de la lucha armada en la Sierra; el símbolo y decíamos que la batalla se iba a dar en la ciudad. Es decir que nosotros llegamos a pensar que la Sierra Maestra era como un símbolo de la rebeldía y de la lucha, pero que en definitiva en las ciudades, no solamente en la Habana, en Santiago, en todas las ciudades, se decidía el problema éste, mediante un movimiento que nosotros lo veíamos que iba creciendo y que iba aumentando34.

A guerrilha na Sierra Maestra teve início em 2 de dezembro de 1956, com a chegada do barco Granma à costa cubana, com 82 rebeldes a bordo vindos do México, e durou até 1º de janeiro de 1959, quando os combatentes efetivamente derrubam Batista do poder (que foge do país). A guerrilha virou o eixo militar e político da Revolução Cubana. Foi gestada no México, país de destino de Fidel Castro após a anistia.

A guerrilha foi o ingrediente pelo qual se desmantelou o castelo de cartas e de ilusões. Ela surgiu em um momento avançado da decomposição da sociedade neocolonial, quando já era politicamente claro que a 'revolução dentro da ordem' não

34 Cópia da entrevista concedida por Ángel Fernández Vila à jornalista Carla Furitati foi disponibilizada por Vila a esta pesquisadora em 2013.

47

passava de uma boa intenção e que a realidade vinha a ser a sobrevivência permanente do neocolonialismo (FERNANDES, 1979, p. 69).

Florestan Fernandes ressalta ainda que o caminho adotado pelos rebeldes não era novo em Cuba. O país acumulava longa experiência do uso de guerrilha, em suas guerras de libertação e contra as sucessivas ditaduras a que foi submetido. Havia, portanto, “uma tradição de guerrilha”, o que ajuda a explicar “a rapidez com que ela foi aceita e se alastrou” (1979, p.71). Guevara, por sua vez, entendia a guerrilha como agente catalisador da consciência das massas, como destaca Michael Löwy:

É por isso que Che, sem de forma alguma negligenciar a dimensão propriamente militar, insistia na importância do trabalho político a desenvolver pela vanguarda e definia a guerra revolucionária como “uma grande ação político-militar da qual a guerrilha é apenas uma parte”. A vanguarda deve promover, paralelamente as ações armadas, um trabalho de massas intensivo, explicando os motivos e os fins da revolução, as vitórias da guerrilha, as razões de cada ação, chamando os operários e os camponeses às lutas de massas (LÖWY, 1999, p. 127)

Fernandes considera que a guerrilha desempenhou cinco funções:

Primeiro, abriu, por via militar, um espaço histórico para a atuação organizada das forças sociais revolucionárias. Segundo, retirou a guerra civil do estado de intermitência prolongada e de eclosão esporádica, de baixa ou nenhuma eficácia política. Terceiro, lançou à guerra civil a massa da população e tornou ativos contra a ordem e a mão armada os ‘proletários’ e os ‘humildes’, no campo e na cidade. Quarto, elevou, assim, o teor da guerra civil e o manteve aceso, ao servir de garante às aspirações econômicas, sociais e políticas das classes trabalhadoras e da população pobre [...] Quinto, operou do começo ao fim, como bússola política da revolução que deveria extinguir a guerra civil, canalizando politicamente as energias sociais virgens, que as classes trabalhadoras e a população pobre lançavam no circuito histórico, e, orientando-as no sentido de que atuassem coletivamente, como motor da revolução nacional e democrático-popular (FERNANDES, 1979, p. 73).

Durante o período de guerrilha, o M-26-7 contou com o apoio das famílias camponesas que moravam na região da Sierra Maestra. Se Cuba vivia os horrores da ditadura nas cidades, no campo – tradicionalmente mais pobre –, os efeitos dessa realidade eram ainda mais impactantes, seja no acesso a condições básicas de vida, seja no que tange aos crimes do Exército oficial.

48

Desde os primeiros dias em que os militantes do M-26-7 chegam à Sierra Maestra, fica explícito o apoio camponês à guerrilha. E não por acaso, e sim pela percepção política das próprias lideranças revolucionárias com relação ao papel desse ator social na luta por libertação, como no caso de Guevara.

O que havia, talvez, de mais importante nos textos estratégicos de Guevara é a importância central que ele dava aos camponeses, aos trabalhadores da terra, em sua concepção da revolução latino-americana. Rompendo com uma tradição de esquerda latino-americana que havia privilegiado quase exclusivamente os setores urbanos, os sindicatos e as eleições, ele colocou no centro de sua sociologia revolucionária os trabalhadores rurais, cuja oposição ao capitalismo e à ordem social oligárquica ele havia percebido com grande lucidez (LÖWY, 1999, p. 13).

Além de apoio político, os relatos e livros sobre a Revolução Cubana destacam que os camponeses ofereciam apoio logístico ao Exército Rebelde. Abriam suas casas, por exemplo, para abrigar guerrilheiros, forneciam alimentos aos rebeldes, avisavam quando os soldados de Batistas estavam na região. Além disso, integraram as fileiras do Exército Rebelde. No documento abaixo locutado pela Radio Rebelde na guerrilha, há uma convocação – com verbos utilizados no imperativo – dirigida aos camponeses para que lutem por libertação: “¡Organízate, únate y lucha. ¡Serás verdadeiramente libre!”. Em diversos outros textos coletados sobre as transmissões clandestinas da emissora, há comunicação dirigida a esse público rural ou que o menciona nos conteúdos. É um tema presente e permanente na guerrilha.

49

Imagem 3 – “¡Adelante Campesino!” – Texto lido pelos locutores da Radio Rebelde; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernandez Vila

O Exército Rebelde adotou a guerrilha organizada por colunas armadas, o que, obviamente, exigia mais da comunicação dentro do M-26-7 a fim de que a estratégia e as ações ocorridas fossem alinhadas e de conhecimento do conjunto dos guerrilheiros. O Movimiento Revolucionário 26 de Julio investiu em veículos de comunicação que circulavam de forma clandestina no país e cumpriam o papel de propagandear os ideais rebeldes e a luta revolucionária em Cuba e no exterior (como a Cadena de la Libertad, na Radio Rebelde, a ser tratada no próximo capítulo), bem como de contribuir para a mobilização do povo contra a ditadura e ser instrumento de comunicação militar entre os militantes do M- 26-7, seja no llano, seja na Sierra Maestra. Em carta enviada em 27 de agosto de 1955 a Melba Hernándes, combatente que participou do assalto ao Quartel Moncada, Fidel afirma que “la propaganda es vital. Sin propaganda no es posible movilizar a las masas, y sin movilización de las masas, no hay Revolución”. E acrescenta que os três pontos que devem ser cercados de discrição e com intervenção restrita são “armas, jefes y células impresoras y distribuidoras de propaganda” (Archivo de Historia del Consejo de Estado). Conclui-se, portanto, que a propaganda é apontada como uma das prioridades do M-26-7. Para Julio Camacho Aguillera, comandante do Exército Rebelde e membro do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba:

50

La propaganda clandestina fue semejante a la sangre circulando por el cuerpo del Movimiento 26 de Julio. ¿Cómo imaginar que existieran tantas formas de hacer propaganda? Desde la más sencilla, la propaganda mural, hasta la prensa escrita y radial. [...] Las ciudades se convirtieron en verdaderas trincheras, apoyando en todo lo necesario, aportando combatientes a los frentes guerrilleros, armas y aprovisionamentos, armando imprentas, enviando plantas de radio a la guerrilla y ofrendando la vida de sus hijos cada minuto (VILA, 2013, p.12-13)

Desempenhar a tarefa de propaganda nesse cenário político apresentava riscos à vida desses militantes. Caso fossem flagrados por soldados da ditadura produzindo, distribuindo ou em posse desses materiais, a consequência poderia variar de prisão a tortura e morte. Esse cenário é apontado no documento abaixo locutado pela Radio Rebelde na Sierra Maestra. Referindo-se aos militantes do M-26-7, o texto destaca os perigos da distribuição dos jornais clandestinos Revolución e Boletin Sierra Maestra, órgão oficial do Movimento: “Ellos saben el sacrifício que acompaña a cada exemplar de ‘Revolución’... Saben de las privaciones y riesgos sufridos para poner en manos amigas um Boletin ‘Sierra Maestra’...”. O documento aponta ainda casos de morte de militantes mortos enquanto desempenhavam a tarefa de “propaganda y orientación”, como descreve o texto. Exemplifica com o caso do militante Paneque, assassinado “llevando la voz de Radio Rebelde a um Cuartel de la Tiranía” cercado pelas forças rebeldes e com o de Fernández Duque, morto a tiros depois de lançar manifestos do alto de um edifício da cidade de Habaneras. A construção desse texto, no aspecto da linguagem, confere tratamento de heróis ou mártires a esses militantes ortos. Observa-se que o texto em tom emotivo exalta a contribuição de militantes da propaganda e os convoca a seguirem na luta do M-26-7: “Lleve esta transmisión de Radio Rebelde nuestro emocionado mensaje de estímulo y reconocimiento a los compañeros que realizan em toda la Isla las importantes labores de propaganda y orientación. ¡Adelante Compañeros!... intensifiquemos nuestra labor [...]”.

51

Imagem 4 – Trecho de texto transmitido pelos locutores da Radio Rebelde sobre os riscos da tarefa de propaganda clandestina; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Neste sentido, outro texto que foi ao ar na emissora radiofônica clandestina em 1958, conforme documento abaixo, aborda o trabalho de propaganda clandestina contra a ditadura de Batista. Intitulado “Las tareas de propaganda del Mov. Revolucionario 26 de

52

Julio”, o documento, em tom emotivo, trata a tarefa como um trabalho carregado de heroísmo. Observa-se tal perpepção no trecho que fala dos desafios de difundir a Radio Rebelde e os órgãos clandestinos de imprensa do M-26-7: “Cuando a esta difícil labor, que se torna aun mas dura para quienes aqui la ejercemos sin ser profesionales em la matéria, la rodeamos de los obstáculos y peligros que la acompañan cuando se realizan em la clandestinidade, entonces, es cuando realmente el labor de la propaganda se vuelve heroica”. O documento destaca ainda que o cenário de risco aos militantes com essa tarefa é ainda maior no llano do que na Sierra Mestra, por conta da repressão da ditadura. E ressalta a colaboração da população em divulgar os panfletos e jornais clandestinos, e emprestando suas casas para colher militantes do M-26-7.

53

Imagem 5 – Texto “Las tareas de propaganda del Mov. Revolucionario 26 de Julio”, locutado pela equipe da Radio Rebelde; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Segundo Vila, a propaganda do M-26-7 tinha estrutura bastante organizada tanto em abrangência (nacional ou provincial), como em formato e público-alvo. E isso exigia planejamento e estudo para definir a linguagem e a abordagem política em cada setor da

54 sociedade cubana. As dificuldades operacionais, contudo, existiam, como relatou Frank País35 em carta a Fidel Castro em 7 de julho de 1957, referindo-se ao llano e ao Boletín del 26 de Julio, editado em 1957:

Nuestra propaganda es la que no marcha a pesar de todos los esfuerzos. Se trasladó a La Habana la responsabilidad nacional de realizarla, pero no funciona; con esta misma fecha se vuelve a trasladar la responsabilidad de donde estaba, pues ya ayer se venció la principal dificultad, que era una imprenta. Ya con fecha de hoy comienza una intensa campaña de propaganda y para fin de este mes espero que ya el periódico se pueda editar quincenalmente y fuera de La Habana (DÍAZ, 2003, p. 310).

Em 15 de maio de 1957, uma circular do M-26-7 destinada aos membros da direção do Movimento em todo o país, alerta para problemas na propaganda. Aponta que “la propaganda es escasa” e orienta o aumento das ações e a necessidade de manter esse setor como uma área separada e “con plena autoridad y responsabilidad de los encargados” (DÍAZ, 2003, p. 307). Ainda nesse contexto, outro comunicado, desta vez assinado pela Direção Geral de Propaganda do M-26-7 e voltado aos responsáveis pela propaganda, aponta as normas de trabalho do setor:

1 – La propaganda llegará diariamente. 2 – Las consignas que en ella se indiquen han de ser cumplidas rigurosamene. 3 – Cada responsable está obligado a difundir dicha propaganda a todos los sectores de la ciudadanía, inclusive, cuando el caso lo requiera, a los miembros de las fuerzas armadas. 4 – Del cumplimiento de estas consignas por todos y cada uno de los miembros responsables depende la culminación victoriosa de la Revolución (DÍAZ, 2003, p. 308).

Tal orientação aos militantes do Movimento que estavam encarregados da tarefa da propaganda demonstra a preocupação da direção do M-26-7 com a agilidade na circulação

35 Mártir da luta por libertação de Cuba, Frank País tem sua atuação resumida no Museo de la Revolución, em Havana, com o seguinte texto: “Nasció el 7 de diciembre de 1934, en Santiago de Cuba. Fue jefe de acción y sabotaje del Movimiento 26 de Julio y miembro de su dirección nacional. Inspirador de las milícias urbanas. Participó con Fidel en la elaboración del plan de apoyo al desembarco del Granma, atividades que dirigió personalmente en la capital oriental el 30 de noviembre de 1956. Organizó el envío de hombres y suministros a la Sierra Maestra. Asesinado el 30 de julio de 1957, su supelio se constituyó una manifestación de repudio popular al régimen. El Pueblo, conmovido por la irreparable pérdida, protagonizó una huelga general espontánea que se extendió a casi todo el día”.

55 da informação e no papel preponderante desempenhado por tais ações no processo que poderia – naquele momento – culminar na vitória revolucionária. Enquanto isso, nos jornais clandestinos do M-26-7, os revolucionários denunciavam a manipulação da mídia por parte da ditadura de Batista. Na edição de 25 de junho de 1958 do jornal Revolución – conforme documento abaixo –, por exemplo, o Movimento acusa o governo de usar a propaganda como ferramenta para sustentar o regime. Referindo-se ao jornalista Otto Moruelo, aliado de Fulgência Batista, o texto diz que ele é um dos que “não passam um dia sem insistir que o problema do regime se resolve com propaganda”. Na época, Moruelo tinha um programa televiso em Cuba em que fazia acusações contra os opositores da ditadura. Ainda no texto, o M-26-7 ironiza a situação ao afirmar que os que fazem tal divulgação pró-Batista ignoram que “ninguna propaganda triunfa si no la acompaña la bondade de la idea o la calidad del produto anunciado”.

56

Imagem 6 – Capa do jornal Revolución, edição número 9, ano II, de 25 de junho de 1958, com a manchete “La propaganda de la ditadura”

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

A propaganda clandestina do Movimiento Revolucionário 26 de Julio tinha como fonte de recursos cupons produzidos e vendidos pelos rebeldes, e que financiavam o movimento como um todo. Eram conhecidos como bonos, como explica Vila:

57

El bono del 26 de Julio era con lo que se mantenía nuestra organización. [...] Con esto se le vendía a la gente, a los colaboradores del movimiento, y con eso se compraban armas y se mantenía el frente, se compraban armas y suministros para el frente y para la propaganda y para la vida insurreccional. Era el dinero del movimiento, o sea, lo daba la gente ahí ante la compra de eso y bueno, ¿entiendes? Porque tú estarás preguntando de dónde salía el dinero... la gente lo daba36.

Imagem 7 – Bonos do M-26-7 para arrecadação de dinheiro para a luta revolucionária

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Os bonos traziam no verso a frase “Libertad o muerte” e explicavam a finalidade do cupom. No verso, se lê a frase “Este certificado garantiza su contribución a la causa

36 Entrevista concedida a esta pesquisadora em 2011.

58 revolucionária”, seguida pela assinatura de Fidel Castro. Em ambas as imagens utilizadas na frente e no verso do cupom, está ilustrada a paisagem da Sierra Maestra, como referência à guerrilha. Observa-se ainda que é impresso o valor pelo qual aquele bono era vendido e há uma numeração, o que indica um controle do M-26-7 quando à arrecadação advinda de tais cupons. Em ocasiões especiais, o Movimento organizava campanhas de arrecadação de fundos, como a que ficou conhecida como El Salario de la Libertad. A proposta era que os militantes do M-26-7, bem como os “simpatizantes”, doassem um dia de seu salário à luta revolucionária. A data escolhida foi 10 de março, aniversário do golpe de Batista. No folheto clandestino abaixo, se faz um convocação ao povo – destacando que o público daquela comunicação era o “cubano digno” – para que contribua financeiramente com as ações rebeldes. Neste trecho, a comunicação é direta sobre a necessidade de recursos para armamento dos rebeldes: “Compatriota: De tí depende el pronto derrocamiento de la tiranía. La liberación nacional en la que nosotros hemos puestos nuestras vidas por delante, reclaman tu apoyo decisivo. Se necesita dinero para comprar armas. Se necesitan las armas para alcanzar la libertad”. Na página seguinte do folheto, o texto apresenta uma explicação prática de como a contribuição de parte do salário dos cubanos poderia ser feita pela população ao M-26-7, destacando os diferentes valores dos cupons, a periodicidade dos pagamentos, onde comprá- los etc.

59

Imagem 8 – Folheto de divulgação da campanha de arrecadação de fundos para o M-26-7 chamada El Salario de la Libertad

Fonte: Arquivo Angel Fernández Vila

Sobre tais ações de arrecadação financeira que envolviam a propaganda do M-26- 7, Vila explica que “estas campanas eran apoyadas y popularizadas com folletos, a través de las emisiones diarias de Radio Rebelde y de nuestras publicaciones periódicas” (VILA, 2013, p. 29). No documento abaixo, do jornal “Vanguardia Obrera”, os operários são convocados a comprar bonos e a ingressar nas fileiras do Movimento. A publicação destaca logo no primeiro parágrafo: “Por este medio te hacemos um llamamiento, para que tu incorpores a las filas del glorioso Movimiento Revolucionario 26 de Julio”.

60

Imagem 9 – Página do jornal clandestino Vanguardia Obrera com a manchete: “Obrero: ayuda la revolución. Digamos: para acabar con y Mujal, los bonos hay que comprar”; s/d

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Assim como nos órgãos impressos do M-26-7, a Radio Rebelde fazia chamados para propagandear os bonos, incentivando os cubanos a comprá-los como forma de contribuir à causa revolucionária. Destaca-se o trecho: “Recuerda, cubano, que peso a peso se obtiene el aporte fundamental, por ser el más puro con que impulsaremos la gloriosa revolución cubana”. E finaliza: “Cuanto mayor sea tu aporte y más rápido nos llegue, más pronto conquistaremos la libertad añorada”.

61

Imagem 10 – Texto lido na Radio Rebelde com convocatória ao povo cubano para comprar os bonos do M-26-7 para financiamento da luta. 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Vila esclarece ainda que esse dinheiro arrecadado financiava uma variedade de atividades clandestinas, de propaganda dos rebeldes, cujos eixos de atuação eram:

La propaganda se basaba en tres cosas, o más de tres cosas. Primero la propaganda radial, para nosotros lo más importante, Radio Rebelde, porque era la que llegaba a todo el mundo. […] Entonces, esa era la propaganda radial, después estaba la propaganda mural: teníamos grupos de jóvenes, sobre todo, estudiantes que escribían en las paredes ‘Abajo Batista’, ‘Viva el 26’, ‘Viva Fidel’, ‘Huelga general'. […] Y después estaba la propaganda escrita, la propaganda escrita eran los periódicos. […] Ah, además de esas tres, teníamos la propaganda dirigida, propaganda por sectores. Nosotros teníamos un capítulo de propaganda para los militares de la tiranía. Tirábamos folletos, convocatorias, proclamas, llamándoles la atención de que estaban sirviendo al tirano, que a ellos los mandaban a matar y los jefes estaban enriqueciéndose. Todo eso lo publicábamos nosotros como un boletín especial que era para los militares. […] Teníamos propaganda a los burgueses, a los comerciantes, a los industriales. Lesmetíamos propaganda para ellos, de resistencia cívica, llamando la atención de que ellos estaban ayudando a la tiranía, que después no podrían reclamar porque estaban ayudando a que hubiera crimen en Cuba, que la revolución en definitiva les quitaría todo. Religiosa, les mandábamos a los centros religiosos también. Estudiantil. Nosotros inundábamos los centros estudiantiles con propaganda 37.

37 Entrevista concedida a esta pesquisadora em 2011.

62

Esse último tipo de propaganda citada, mais setorizada, é classificado por Vila como “postal” e “dirigida”. Abaixo alguns exemplos desse tipo de panfletos e jornais produzidos pelo M-27-6.

Imagem 11 – Propaganda do M-26-7 dirigida aos trabalhadores bancários; s/d

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

No documento acima, a comunicação do M-26-7 denunciando a farsa eleitoral patrocinada pela ditadura para legitimar o regime é direcionada aos trabalhadores bancários. No texto, o Movimento se compromete com pautas reivindicadas pelo setor, como destacado no trecho: “La Revolución em breve há de triunfar y te dará lo que de acuerdo con la ley te pertenece”. Em seguida, exemplifica as ações, como novos contratos de trabalho e aumento salarial. O texto também conclama os bancários a comprarem os bonos do M-26-7, a difundir a propaganda revolucionária e se solidarizar com os militantes – chamados de “hombres de la revolución” –, dando abrigo a eles em suas casas. Também no documento abaixo, voltado aos “companheiros” do setor gastronômico e aos trabalhadores em geral, o Movimento aborda o tema da farsa eleitoral y

63 denuncia norminalmente apoiadores da ditadura. A esses se referem como “grupo de inmorales, de ambiciosos desmedidos, de trânsfugas”.

64

Imagem 12 – Propaganda do M-26-7 dirigida aos trabalhadores do setor de gastronomia e trabalhadores em geral

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

65

Já no documento abaixo dirigido aos soldados da ditatura, observa-se que o texto e a imagem são inseridos com o objetivo de criar empatia com tal público, não optando pelo enfrentamento. A ilustração, por exemplo, coloca lado a lado trabalhadores, Forças Armadas, militantes do M-26-7 e estudantes/povo. O desenho ilustra esses personagens como um grupo comum que comemora junto à bandeira cubana. Ressalta-se, ainda, o fato de que os homens indicados como soldados das Forças Armadas e militantes do M-26-7 estão abraçados, unidos. O discurso textual segue neste mesmo sentido. Logo no primeiro parágrafo, trata de destacar os objetivos comuns compartilhados pelos soldados e o povo cubano: “los mutuos deseos de llegar un clima sereno, de verdadera paz, en que el soldado y el civil formen una unidad de concordia [...]”. O texto ressalta ainda a diferença entre os soldados apoiadores da ditadura – “que desdoran el uniforme que visten” – e os demais – chamados de “buen hombre”; e acrescenta que os primeiros não representam a grande maioria de soldados, policiais e marinheiros. Essa construção de discurso revela a estratégia – evidenciada em outras ações do M-26-7, como na própria guerrilha – de cooptar os soldados das Forças Armadas para que ingressem no Exército Rebelde. Cabe registrar que tal situação se concretizou repetidamente, conforme relatos de combatentes a serem apresentados ainda nesta dissertação, na Sierra Maestra, quando diversos soldados passaram para o lado dos revolucionários.

66

Imagem 13 – Propaganda do M-26-7 dirigida aos soldados das Forças Armadas

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

67

Sobre a propaganda mural, o jornal Prensa Universal, de Santiago de Cuba, noticiou em 26 de março de 1956:

Numerosos edificios de esta ciudad, entre ellos, los de Ayuntamiento y el Gobierno Provincial, aprecieron el sábado por la mañana embadurnados com letreros em pintura negra alusivos al 26 de Julio, fecha del frustrado asalto al Cuartel Moncada. Por orden de la Policía rápidamente fueron borrados dichos letreros, que agentes del orden consideraron subversivos, disponiéndose por tanto la correspodiente investigación, no habiéndose reportado hasta el presente ningún detenido (DÍAZ, 2003, p. 280).

Vila também aponta outro tipo de propaganda: a de ação. Um exemplo evidente foi o famigerado sequestro do piloto argentino Juan Manuel Fangio, um dos esportistas mais conhecidos da modalidade na época e que havia sido campeão mundial cinco vezes. A ação foi realizada em 23 fevereiro de 1958, em Havana, horas antes do 2º Grande Prêmio de Cuba de Fórmula 1, que atraía olhares da mídia internacional. Vila esteve presente na reunião do M- 26-7 em que se decidiu pelo sequestro e afirma que, naquele momento, a avaliação dos rebeldes foi de que “esa era la mejor manera de boicotear aquel show publicitario de Batista” e “era lo que más podía conmover allí a la opinión pública”, conforme relatado em entrevista a Carla Furitati. Com a ajuda de jornalistas que cobriam o evento, os rebeldes tomaram conhecimento da rotina e da agenda do piloto e o capturaram no hotel em que se hospedava. O sequestro durou 27 horas, período em que Fangio conversou com os rebeldes e se inteirou da luta revolucionária.

Outras ações voltadas mais para a propaganda do que para o enfrentamento direto com as forças militares do regime nas cidades tiveram êxito. Foi o caso do sequestro, organizado por um comando do Movimento 26 de Julho, do campeão mundial de automobilismo Juan Manuel Fangio, na véspera do Grande Prêmio de Cuba, que deveria ser disputado no Malecón de Havana, a grande avenida que beira o mar no centro da capital cubana. A corrida perdeu seu atrativo principal, teve que ser suspensa e a imprensa mundial falou dos revolucionários cubanos e da sua luta contra o regime de Batista (SADER, 1992, p. 60).

Libertado pelo M-26-7 após a imprensa divulgar a luta revolucionária, Fangio classificou o episódio como um “sequestro amável” e relatou ter sido tratado com cordialidade pelos rebeldes.

68

Imagem 14 – Cópia do bilhete assinado pelo piloto Juan Manuel Fangio sobre o sequestro dele pelo M-26-7; 24 de fevereiro de 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Não obstante, os militantes do M-26-7 ocupavam emissoras de rádio para obter de equipamentos necessários à comunicação clandestina, conforme noticiou a Radio Rebelde no documento abaixo. O texto relata que, em 9 de dezembro de 1958, os rebeldes realizaram ação de sabotagem na Radio CMQ, confiscando peças da emissora, uma caixa de ferramentas e um equipamento telefônico.

69

Imagem 15: Ações de sabotagem do M-26-7 – Texto veiculado pela Radio Rebelde; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Ainda sobre tais ações de sabotagem do M-26-7 envolvendo emissoras radiofônicas, a Radio Rebelde anuncia que os militantes ocuparam a estação CMKR, na cidade de Santiago de Cuba, confiscando diversos equipamentos de rádio.

70

Imagem 16 – Transmissão da Radio Rebelde em que é veiculada notícia sobre ação de sabotagem à emissora de rádio CMKR

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Não obstante, o M-26-7 recorria a outras ideias criativas para burlar a censura do regime de Batista. Uma delas foi o anúncio chamado “03C” (zero três C) – conforme documento abaixo. Vila conta que o Movimento publicou esse anúncio na imprensa cubana e no rádio, afirmando tratar-se de um novo produto contra a calvície que seria lançado. Não diziam exatamente do que se tratava, insinuando somente que em breve ele seria divulgado ao público, suscitando a curiosidade das pessoas. Tempos depois, por meio da Radio Rebelde, o “segredo” foi revelado. A sigla “03C” significava “la consigna de la vergüenza: cero compra, cero cine, cero cabaret”. Ou seja, se tratava de um chamado do Movimento para que a população cubana boicotasse a ditadura e se conscientizasse de que o período era de luta, e não de “diversão”.

71

A escolha desses três alvos – cinema, compras e cabaré – revela que o M-26-7 objetivava atacar áreas que “sustentavam” o discurso da ditadura de normalidade na vida cubana, ocultando o caos político, a guerra. Vejamos que, sobre o tema do cinema, o anúncio prega que não é tempo de diversão, e sim de luta: “No niegues tú la existencia de la lucha en tu vivir. Ya te podrás divertir, pero hoy la sangre conmina; cuando el tirano asasina ¿a cual cine vas a ir?”. Já ao abordar as compras – referidas no texto como “capricho” e comportamento de “vaidade” –, o anúncio relaciona tal ação ao financiamento dos crimes da ditadura, utilizando linguagem imperativa: “Le das tu peso al tirano, y ayudas a su maldad. Deja ya tu vanidad”. Por fim, sobre os cabarés – comuns em Cuba naquele período –, o anúncio condena o que classifica como “prazer mundano” e sentencia: “No traiciones a tu tierra... Si toda Cuba está em guerra, ¡no vayas tú al cabaret!!”. Vila considera essa ação do “03C” como “un golpe maestro de propaganda contra la tirania”.

72

Imagem 17 – Cópia do anúncio “03C – La consigna de la vergüenza”, do M-26-7, utilizado para locução na Radio Rebelde

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Abaixo a versão radiofônica do anúncio “03C” locutada na Radio Rebelde.

73

Imagem 18 – Anúncio “03C”, do M-26-7, lido pelos locutores da Radio Rebelde; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Além disso, ainda entre as ações de propaganda, Fidel concedeu entrevistas a jornalistas estrangeiros que foram à Sierra Maestra, como os casos de Herbert Mathews (New York Times) e de Robert Tabert (Columbia Broad Casting System), em que aborda a luta contra a ditadura, que era abafada pelos meios de comunicação, sob censura de Batista ou que, simplesmente, apoiavam o regime. Era uma maneira de romper esse cerco à informação e denunciar no exterior os crimes da ditadura. Sobre essa estratégia – que envolvia também a Radio Rebelde, comenta Vila, em 2013:

En Cuba nadie sabía lo que estaba pasando, no sabían ni que Fidel estaba vivo, no se publicaba nada. En la planta [de Radio Rebelde], se hizo una entrevista con Matthews, un periodista muy importante del New York Times, nos subimos a la Sierra, se entrevistó Matthews y salió hasta por Radio Rebelde. Y se acabó la mentira de que Fidel estaba muerto y que va. Entonces, quiero decirte que ya la planta se volvió un órgano de burla de la censura, orientación al pueblo, proyección de la lucha al pueblo y orientaciones al pueblo, completamente. La gente oía, ya en ese momento la gente le ponía más interés a veces a la planta que a los periódicos nuestros, porque los periódicos si los cogían, los destripaban. Y la planta era como tú te encerrabas en tu casa.....nada no tenía problema ningún.

74

Apesar dessa pulverização de iniciativas de propaganda, Vila afirma que as mais utilizadas pelo movimento eram a escrita (panfletos, folhetos e jornais) e a radiofônica. Entre os jornais que eram órgãos oficiais do M-26-7 e tinham maior relevância, estão: Vanguardia Obrera, Revolución, Sierra Maestra e El Cubano Libre. Já no caso da comunicação radiofônica, destaca-se a Radio Rebelde – tema que aprofundaremos nos próximos capítulos.

1.2.1. ÓRGÃOS DE IMPRENSA DO M-26-7

Segundo levantamento do combatente do M-26-7 Alcebíades Poveda Díaz, de 1952 a 1958 foram publicados 126 tipos de jornais contra a ditadura, produzidos não só pelo M-26-7, como por associações políticas e insurrecionais, como a Acción Libertadora e o Partido Socialista Popular. Essas publicações eram produzidas, geralmente, a partir de mimeógrafos e, para ele, tinham importante efeito psicológico e ideológico (DÍAZ, 2003, p.13). Foram várias as propagandas escritas do M-26-7 durante a guerrilha. Para produzi-las, usavam identidades falsas, como exemplo abaixo de cópia de um contrato de locação de um imóvel em Havana que, segundo Vila, foi assinado por ele sob identidade falsa e sem que o dono do imóvel desconfiasse.

75

Imagem 19 – Contrato de aluguel de local para instalação de imprensa clandestina, assinado em 8 de janeiro de 1958, em que Ángel Fernández Vila utiliza nome falso

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Nesta dissertação, destacaremos os quatro principais jornais do período de guerrilha e que eram os órgãos clandestinos de imprensa de maior expressão na época. Durante a pesquisa de campo em Cuba, foram feitos registros fotográficos dos seguintes exemplares dessa imprensa clandestina do M-26-7 no período da guerrilha, a partir do acervo

76 da Biblioteca Nacional José Martí (Havana), do arquivo pessoal de Angel Fernandez Vila e da Biblioteca Ruben Martinez Villena (Havana):

El Cubano Libre Edições número 1, 4 (fev. 1958), 5 (jul. 1958), 6 (set. 1958), 7 (set. 1958) e 8 (dez. 1958). Suplemento humorísticos – números 1 (set. 1958), 2 (out. 1958) e 3 (dez. 1958).

Revolución Edições datadas – números 5 (set. 1957); segunda quinzena de jul. 1957; nov. 1957; 7 (1958); 8 (17 jun. 1958); 9 (25 jun. 1958); 11 (14. jul. 1958); 12 (26 jul. 1958); 13 (11 ago. 1958); 14 (19 ago. 1958); 15 (27 ago. 1958); 17 (19 set. 1958); 18 (03 out. 1958); 20 (20 out. 1958); 21 (18 nov. 1958); 22 (22 dez. 1958) e set. 1958. Edições sem precisão de data (reproduz-se aqui a manchete da primeira página): “Arden los caña verales em toda Cuba” (1957); “Sabotaje”; “A los cubanos indecisos”; “Gráficas de la Manifestación de Duelo del Sepelio de País y Pujol” (suplemento).

Sierra Maestra Edições de Camaguey: 15 set. 1958; n. 17 (dez. 1958) e “Notícias: Tiroteado ómnibus 276...”. Edições de Havana: n. 1 (5 ago. 1957), n. 8 (31 ago. 1957), n. 17 (02 dez. 1957), n. 18 (16 dez. 1957), n. 19 (31 dez. 1957), n. 20 (08 fec. 1958), n. 21 (25 fev. 1958), n. 22 (14 mar. 1958), n. 24 (10 abr. 1958), n. 25 (26 abr. 1958), n. 27 (19 mai. 1958). Boletim semanal: n. 1 (30 nov. 1958), n. 2 (7 dez. 1958), n. 3 (14 dez. 1958) e n. 4 (21 dez. 1958). Edições do Oriente: mar. 1958; 16 abr. 1958; 9 jun. 1958; 16 jun. 1958; 23 jun. 1958, 1º jul. 1958; 7 jul. 1958; 10 ago. 1958; 25 ago. 1958 e 8 set. 1958. Edição sem precisão de data (reproduz-se aqui a manchete da primeira página): “Rechazada por el Exjército Rebelde el primer intento de ofensiva de los soldados de la dictadura”. Edições do exílio números: 3 (mai. 1958, Nova Iorque), 4 (jun. 1958), 5 (jul. 1958, Miami/Flórida), 7 (set. 1958), 8 (out. 1958, Miami/Flórida) e 9 (nov. 1958, Miami/Flórida). Suplemento: jul. 1958 (Miami/Flórida).

77

Edições sem identificação de local (reproduz-se aqui a manchete da primeira página): 07. set. 1957 (“Cienfuegos”), jun. 1958 (“Hieden las togas”), 27 nov. 1958 (“Entregados a la Cruz Roja los soldados heridos en Imias”), n. 2 (“La última hora”; “Batista nervioso”), n. 3 (“El terror de Cowley”) e n. 4 (“Ingerencistas”).

Vanguardia Obrera Edições número 1 (5 jun. 1958); 5 set. 1958; 9 (24 out. 1958); 4 nov. 1958; 12 (26 nov. 1958); 14 (17 dez. 1958); 15 (14 jan. 1958); 17 (20 fev. 1958); 19 (16 mar. 1958) Edições sem precisão de data (reproduz-se aqui a manchete da primeira página): “A los compañeros del transporte”, “Agencia de trabajo de Batista”, “Armas para la victoria”, “Ausencia de pueblo”, “Comandantes rebeldes”, “El obrerismo bajo la tiranía”, “Lanzados al hambre 26 trabajadores por orden de la CTC policiaca”, “Prensa libre no publico” e “Unidad obrera: tarea inmediata”.

Embora esse material tenha relevante potencial de pesquisa sob os mais diversos aspectos, esta dissertação partiu do entendimento de que esses jornais deveriam contribuir com a análise do objeto de estudo a que se propõe: a Radio Rebelde. Foi, portanto, sob esta perspectiva que esses jornais foram pesquisados, o que não impede que investigações futuras sejam feitas sob outro ponto de vista a respeito do referido material. Essas fotos integram o resultado desta pesquisa, contudo, por questão prática, foi priorizado o formato digital (em .jpg) de apresentação desse conteúdo, conforme CD que acompanha esta dissertação. Por tal motivo, neste texto se optou por divulgar somente exemplos dessas publicações, privilegiando as edições com conteúdos relacionados à atividade radiofônica clandestina e de propaganda.

78

1.2.1.1. JORNAIS O jornal Vanguardia Obrera era uma publicação semanal da seção operária do Movimiento Revolucionario 26 de Julio, cuja edição começou em fevereiro de 1957, em Havana. Vila foi um dos fundadores desse jornal, que tinha abrangência nacional:

Tirábamos tres, cinco mil ejemplares... después introdujimos el mimeógrafo. No, primero era un hoja por hoja así, y se tiraba. Un mimeógrafo. Después vino uno con alimentador, que le poníamos papel y la misma se alimentaba. Y ahí tirábamos 10 mil, 12 mil. Y después buscamos un mimeógrafo eléctrico, y entonces ahí llegábamos a tirar 15 mil, 20 mil ejemplares. A dos colores. Rojo y negro. La circulación normal era 15 mil, cuando de la huelga tiramos 60 mil38.

Abaixo, a capa de um exemplar do Vanguardia Obrera que aborda a paralisação de cinco minutos promovida pelo M-26-7 em outubro de 1958, em apoio à luta revolucionária:

38 Entrevista concedida a esta pesquisadora em 2011.

79

Imagem 20 – Capa da edição número 9, ano I, de 24 de outubro de 1958, do jornal Vanguardia Obrera

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

A publicação intitulada Aldabonazo, em referência ao último discurso de Eduardo Chibás, tornou-se o jornal Revolución, em 15 de maio de 1956. Produzido em Havana em impressora offset, tinha oito páginas e distribuição nacional. Na capa de todas as edições, anunciava: “Impreso en algún lugar de Cuba”. Conseguiu manter regularidade das edições e, após a vitória da Revolução, seguiu sendo publicado com novo formato. Tempos depois, fundiu-se com o jornal Hoy e, em 1965, se transforma no Granma, órgão oficial do Partido Comunista de Cuba e um dos principais jornais do país, tanto na época como atualmente. No documento abaixo, que traz a capa de um exemplar de tal jornal datado de junho de 1957, o

80

M-26-7 noticia o balanço do primeiro combate entre rebeldes e soldados da ditadura, ocorrido na região de Uvero, na Sierra Maestra. Destaca: “3 horas de bombate; 46 bajas del Ejército; 16 prisioneros libertados”. A publicação traz também fotos dos rebeldes, exibindo seu armamento, com destaque para a imagem que mostra Fidel Castro com um fuzil durante treinamento dos guerrilheiros dias antes do combate.

Imagem 21 – Capa da edição da segunda quinzena de julho de 1957 do jornal Revolución

Fonte: Arquivo Biblioteca José Martí

81

Havia também o Sierra Maestra, publicação semanal do M-26-7. Surgiu com o nome Boletín Informativo e com o objetivo de deixar o povo a par do andamento da luta revolucionária na Sierra. Em seguida passou a se chamar Últimas Notícias e só depois adotou o nome definitivo Sierra Maestra. Era produzido em formato simples, duas folhas e fornecia os informes de guerra. Tinha edições provinciais, como em Havana, Camagüey e Oriente.

Na imagem abaixo, da capa de um exemplar de dezembro de 1957, o M-26-7 convoca os camponeses a queimarem a safra de cana-de-açúcar, um dos principais cultivos do país naquele momento. O texto destaca que a medida é necessária para boicotar a ditadura e denuncia a manipulação da propaganda de Batista na tentativa de impedir tal ação dos camponeses: “El gobierno, a través de su mercenário aparato de propaganda, intenta hacer crer al pueblo que al incendiarse los cañaverales les aumentarán el hambre y la pobreza en los campos y en las ciudades [...]”. Sobre esse argumento, o texto contesta tal raciocínio do governo e sentencia: “¡Hay que quemar la caña”.

82

Imagem 22 – Capa da edição de Havana do boletim Sierra Maestra, número 18, de 16 de dezembro de 1957, com a manchete “¡Hay que quemar la caña!!”

Fonte: Arquivo Biblioteca Nacional José Martí

No exemplar abaixo da edição de junho de 1958 do Sierra Maestra, são noticiados informes do andamento dos combates e ações do M-26-7 nas diversas localidades onde atuam.

83

Imagem 23 – Capa da edição do Oriente do boletim Sierra Maestra, de 16 de junho de 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

84

Já na capa da edição abaixo do boletim, datada de setembro de 1958, é impresso o editorial, que aborda o avanço das tropas revolucionária na região da cidade de Camagüey. O texto convoca diretamente a população a apoiar a luta dos rebeldes, utilizando adjetivos para qualificar a moral dos cubanos da região: “De ahora en adelante, cada camagüeyano digno, amante de la libertad y del decoro cívico, tendrá que estar dispuesto en todo momento a cooperar con el movimento revolucionario”.

Imagem 24 – Capa da edição de Camagüey do boletim Sierra Maestra, de 15 de setembro de 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

85

O jornal Sierra Maestra chegou a cruzar as fronteiras do país. Nos Estados Unidos, era produzida uma edição em formato de revista, que trazia um compilado de notícias da luta do M-26-7. Na capa estava indicado: “Editado en el Exílio”. Era publicada em espanhol, mas, na contracapa, havia um resumo em inglês com a chamada “Page dedicated to the American people” (“Página dedicada ao povo americano”, em tradução livre).

Vale destacar que, na capa abaixo da edição de maio de 1958, expedida em Nova Iorque, há uma foto de Fidel Castro e somente uma frase, de Jose Martí, o que reforça mais uma vez a influência do pensamento dele na luta revolucionária: “Hacer es la mejor manera de decir”.

86

Imagem 25 – Capa da publicação Sierra Maestra para o público estrangeiro, edição número 3, volume I, de maio de 1958

Fonte: Arquivo Biblioteca Nacional José Martí

A contracapa da mesma edição – conforme imagem abaixo – traz fotos relacionadas à luta revolucionária. Cabe destacar a que mostra um rebelde ao lado de um prisioneiro, cuja legenda exalta o caráter humano dos combatentes no trato com os presos: “Batista´s soldier capture by rebels smiles assured that his life and physical integrity will be respected”.

87

Chama a atenção ainda o chamado nessa contracapa para que os estadunidenses comprem os bonos do Movimento, o que revela que a arrecadação financeira para a luta revolucionária não se limitava ao território cubano. O chamado conclama apoio à democracia e diz: “Help democracy! Buy bons of ‘Movimiento 26 de Julio’”.

Imagem 26 – Contracapa da publicação Sierra Maestra para o público estrangeiro, edição número 3, volume I, de maio de 1958

Fonte: Arquivo Biblioteca Nacional José Martí

88

Por fim, cabe ressaltar a importância do El Cubano Libre, publicação do M-26-7 produzida pelos guerrilheiros na própria Sierra Maestra. Era dirigido por Luis Orlando Rodríguez, que depois foi um dos fundadores da Radio Rebelde. O jornal levou o mesmo nome de uma publicação que existiu no século XIX em Cuba, em época de batalhas independentistas. Era uma publicação feita por meio de mimeógrafo que foi levado à guerrilha. Trazia, não raro, a íntegra dos discursos de Fidel.

Na capa da edição de fevereiro de 1958 – conforme imagem abaixo –, o jornal traz na manchete a vitória dos rebeldes na batalha de Pino del Agua.

89

Imagem 27 – Capa da edição número 4 do jornal El Cubano Libre, de fevereiro de 1958, com a manchete “Pino del Agua: Victoria rebelde”

Fonte: Arquivo Biblioteca José Martí

O jornal El Cubano Libre contava também com um suplemento humorístico, que satirizava a ditadura de Batista em formato de quadrinhos. Tal iniciativa da propaganda do M- 26-7, peculiar diante de um cenário de guerra, indica uma preocupação do Movimento em ampliar a comunicação com o povo, com formas criativas de debater o tema da luta revolucionária e desmoralizar a ditadura de Batista, por meio de desenho, da ironia e do humor.

90

Imagem 28 – Edição número 1, ano 1, do suplemento humorístico do jornal El Cubano Libre. Setembro de 1958

Fonte: Arquivo Biblioteca Nacional José Martí

Outro órgão oficial do M-26-7 que se destaca no contexto de guerrilha é a Radio Rebelde, objeto de estudo desta pesquisa. Além de ser abastecida de informações pelos jornais clandestinos, a emissora também fornecia notícias a essas publicações. É o que explica Vila:

[…] nosotros oíamos todos los días Radio Rebelde y sacábamos noticias para la imprenta nuestra. Todas las noticias venían por Radio Rebelde. Nosotros las reproducíamos. ¿Entiendes? Y mandábamos nosotros también noticias a Radio Rebelde.

91

Esse intercâmbio e a publicação de informações entre os diversos meios de propaganda do M-26-7 podem ser verificados, por exemplo, na notícia abaixo, destacada do jornal Revolución, de 1958. A fonte da informação é a transmissão da Radio Rebelde que foi ao ar em 5 de agosto de 1958.

Imagem 29 – Destaque de notícia publicada no jornal Revolución (n. 13, de 11 de agosto de 1958) tendo como fonte a Radio Rebelde

Fonte: Arquivo Biblioteca Nacional José Martí

Durante 311 dias (de 24 de fevereiro de 1956 a 1º de janeiro de 1959), a Radio Rebelde – fundada por Che – fez transmissões direto da Sierra Maestra e atuou como importante aparato de propaganda dos combatentes, além de exercer outras funções (como de apoio às comunicações militares).

92

Quando “Che” partiu, dia 31 de agosto, deixava atrás de si outra grande contribuição à luta dos revolucionários: a rádio Rebelde, que começou a funcionar nos territórios ocupados pela coluna de Guevara, preocupado com a tarefa de propaganda das ideias do Exército Rebelde (SADER, 1992, p. 62).

No próximo capítulo, a dissertação se debruça sobre tema do rádio como arma política e traz uma breve narrativa sobre o período em que a emissora transmitia na guerrilha. Vale esclarecer que a Radio Rebelde está no ar, ainda hoje, como uma das emissoras estatais cubanas, conforme explicado anteriormente, nas “Considerações iniciais” desta dissertação.

93

1.3. REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE O RÁDIO

Em termos teóricos, diversos intelectuais abordaram o tema do rádio. Os textos de Bertold Brecht que compõem a Teoria do Rádio, por exemplo, costumam ser uma das referências no assunto. Trata-se de cinco escritos – considerados “peças didáticas” – redigidos entre 1927 e 1932, em um contexto de profusão do movimento operário na Alemanha na República de Weimar. Vale lembrar que, nas décadas de 1920 e 1930, o rádio ainda era novidade no mundo.

À semelhança da Revolução Russa, o movimento operário alemão organizou-se em soviets. Durante essa breve experiência revolucionária, o rádio faz sua estreia, servindo como meio para coordenar o movimento nas várias regiões do país e manter contato com o regime revolucionário da Rússia. O rádio surge, pois, como um instrumento de mobilização política [...] (FREDERICO, 2007, p. 220).

Para se ter uma ideia de como o movimento de rádios operárias ganhou expressão nesse período, cabe apontar que o poder estabelecido não tardou em conter a multiplicação de iniciativas radiofônicas de massas na região. Ciro Marcondes Filho (1982) relata que, além de um decreto-lei assinado em 1924 contra ouvintes clandestinos, “o governo usava os chamados 'interceptores de onda' para interferir na recepção das emissões não oficiais e prejudicá-las” (MARCONDES FILHO, 1982, p. 29-30). Nessa época, as rádios operárias resistiam às medidas buscando saídas para garantir a participação popular nas emissoras. Uma delas foi a criação de grupos de ouvintes organizados para discutir a atuação do próprio meio radiofônico.

Em 1926, o ARK ('Clube do Rádio Operário'), fundado em 1924 para o desenvolvimento da radiodifusão proletária, criou em toda a República comunidades de ouvintes; através delas ouviam-se e discutiam-se em conjunto as emissões de rádio – por exemplo, nas 'Noites Populares', trabalhava-se principalmente com textos de escritores políticos engajados e, na 'Hora do Rádio Operário', com emissões de direita da rádio Deutsche Welle – e remetiam-se as críticas às emissoras” (MARCONDES FILHO, 1982, p. 31).

É nessa conjuntura que surgem os textos do poeta e ensaísta alemão Brecht que apontam para a possibilidade e a necessidade de diálogo entre emissor e receptor radiofônicos, desafio até hoje colocado nas rádios e que carece de maior exploração.

94

O rádio seria o mais fabuloso meio de comunicação imaginável na vida pública, constituiria um fantástico sistema de canalização, se fosse capaz, não apenas de emitir, mas também de receber. O ouvinte não deveria apenas ouvir, mas também falar: não isolar-se, mas ficar em comunicação com o rádio. A radiodifusão deveria afastar-se das fontes oficiais de abastecimento e transformar os ouvintes nos grandes abastecedores. (BRECHT, 1981, p. 56-57).

Entre as críticas feitas por Brecht em Teoria do Rádio, está a redução desse meio de comunicação a uma mera forma de distribuir conteúdo. Em “Sugestões aos diretores artísticos do rádio”, o autor faz a recomendação: “Opino, pois, que vocês deveriam aproximar-se mais dos acontecimentos reais com os aparelhos e não se limitar à reprodução ou à informação” (BRECHT, 1981, p. 60). Os escritos de Brecht, portanto, apontam para as potencialidades do rádio, mas vão além ao suscitar o debate sobre o uso desse meio como elemento de transformação da realidade, da sociedade. E é justamente essa característica que é reivindicada nos debates contemporâneos sobre democratização da comunicação, o que demonstra a atualidade do pensamento dele. Ainda nesse mesmo período, outro intelectual alemão se dedicou ao rádio: Walter Benjamin (1986). Ele, que proferia palestras radiofônicas e era amigo de Brecht, destacou as possibilidades educativas de massas desse meio de comunicação:

Antes do aparecimento do rádio, quase não se conheciam meios de divulgação que fossem propriamente populares ou correspondessem a finalidades de educação popular. Existia o livro, existia a palestra, existia o periódico: todos, no entanto, eram formas de comunicação que não se distinguiam em nada daquelas, através das quais a pesquisa científica transmitia seus progressos para os especialistas. […] O rádio revolucionou esse estado de coisas. Em virtude da possibilidade técnica inaugurada por ele, de dirigir-se na mesma hora a massas ilimitadas de pessoas, a popularização ultrapassou o caráter de intenção filantrópica e se tornou uma tarefa com leis próprias de essência e de forma, que se diferencia dos métodos tradicionais de modo tão nítido como a moderna técnica publicitária das tentativas do século passado (BENJAMIN, 1986, p.85).

Outro intelectual de referência no tema é Marshall McLuhan, que, em sua clássica teoria sobre meios de comunicação como extensões do homem, também aborda os potenciais do rádio e aprofunda seus efeitos. Ele afirma que se trata de um veículo que é extensão do sistema nervoso central e representou o surgimento de ecos dos antigos tambores tribais, na medida em que reforça o vínculo das pessoas com sua comunidade. McLuhan conclui que “a

95 palavra impressa fizera a civilização ocidental letrada homogênea, uniforme e unidimensional. O rádio, ao contrário, estabeleceu conexão íntima com a cultura oral, graças ao seu poder de envolver e afetar as pessoas em profundidade” (MEDITSCH, 2005, p. 154). Sobre esses poderes do rádio, McLuchan acredita que esse meio de comunicação tem impacto na sociabilidade das pessoas e também na psique:

O poder que tem o rádio de envolver as pessoas em profundidade se manifesta no uso que os adolescentes fazem do aparelho de rádio, durante seus trabalhos de casa, bem como as pessoas que levam consigo seus transístores, que lhes propiciam um mundo particular próprio em meio às multidões. [...] O rádio afeta as pessoas, digamos, como que pessoalmente, oferecendo um mundo de comunicação não expressa entre o escritor-locutor e o ouvinte. Este é o aspecto mais imediato do rádio. Uma experiência particular. As profundidades subliminares do rádio estão carregadas daqueles ecos ressoantes das trombetas tribais e dos tambores antigos. Isto é inerente à própria natureza deste meio, com seu poder de transformar a psique e a sociedade numa única câmara de eco (MCLUHAN, 2011, p. 335-336).

Mas quem se aprofundou no tema do rádio como arma política foi o inglês Julian Anthony Stuart Hale, autor de “Radio Power – Propaganda and Internacional Broadcasting” (1975). Ele estudou modelos de propaganda radiofônica na Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria, e apontou o rádio como “a arma mais poderosa da propaganda internacional”, seja por suas características inerentes, como a instantaneidade e a facilidade em transmitir uma mensagem de um país para o outro; seja pelas dificuldades dos outros veículos, como a palavra impressa, cuja distribuição é mais difícil e que pode ser facilmente alvo de censura (tanto do veículo, como do leitor). E vai além ao afirmar que “o rádio é o único meio de comunicação massiva que é impossível deter” (HALE, 2008, p.191). Hale destaca ainda as vantagens psicológicas do rádio em comparação à imprensa e à televisão, pois a palavra impressa apela à razão, enquanto a rádio pode se utilizar também das emoções (HALE, 2008). Neste sentido, o autor destaca a experiência do uso do rádio pelo nazismo alemão, que é uma das mais expressivas nesse assunto. Afinal, os nazistas utilizaram todo o potencial desse meio de comunicação para difundir o discurso de extrema-direita hitlerista. Provas disso são a criação, nos anos 1930, da Divisão de Rádio no Ministério da Propaganda alemão e o estímulo à produção de aparelhos receptores a baixo custo para popularizar tal meio de comunicação. Naquela conjuntura política, o rádio foi uma arma fundamental da propaganda interna do nazismo, assim como para além das fronteiras alemãs

96

(SOUSA, 2004). Por isso, Hale credita aos nazistas o pioneirismo de utilizar o rádio como meio de propaganda ideológica. Ele foi um dos instrumentos utilizados dentro de um arsenal de propaganda (HALE, 2008, p.11). Segundo ele, em contexto de guerra:

A função especial da rádio é penetrar inclusive onde não a querem. Os primeiros sete países transmissores mundiais, desde os Estados Unidos à Albânia, se preocuparam primordialmente em chegar a públicos cujos governos desejariam que não fossem alcançados. A propaganda radiofônica é uma arma da diplomacia. Em particular, é uma importante carta de negociação na luta por institucionalizar e definir os limites entre Oriente e Ocidente, porque a transmissão alcança, e em certo sentido cria uma opinião mundial, que questiona as presunções simplistas dos governos que buscam possuir um monopólio sobre as fontes de notícias e de informação (HALE, 2008, p. 194).

Hale aponta que “a rádio desempenha papel-chave na formação da opinião política e em provocar mudanças” e afirma que isso é realidade inclusive na América Latina. Pondera, no entanto, que a diversidade de idiomas e dialetos se coloca como um problema para o chamado Terceiro Mundo, uma vez que há o desafio de abrangência dos públicos (HALE, 2008, p. 209).

1.4. EXPERIÊNCIAS DE USO POLÍTICO DO RÁDIO

A partir dos referidos apontamentos teóricos, percebe-se que o rádio não pode ser analisado como mero meio de comunicação de transmissão de informação. Trata-se de um meio que, por intermédio da tecnologia, pode impulsionar mudanças estéticas, políticas, culturais e sociais. É por isso que diferentes governos do mundo, independentemente de seus inclinamentos ideológicos, utilizaram (e ainda utilizam), ao longo do último século, a mídia – e em especial o rádio –, como ferramenta para conservar e ampliar seu poder e ideologia (COSTA, 2005). No que se refere ao uso do rádio como arma ideológica em contexto de guerra, a América Latina acumula experiências relevantes. Neste item, vamos tratar de quatro delas, sendo duas nacionais.

97

No Brasil, a primeira grande participação do rádio na vida política do país se deu em 1932, na Revolução Constitucionalista, quando a radiodifusão sonora foi uma verdadeira arma dos revolucionários, especialmente paulistas. Segundo um dos locutores que se destacaram no período, Nicolau Tuma:

Em 1932 [...] tivemos um episódio interessante, curioso e histórico na vida da comunicação social do mundo. É que, pela primeira vez, o rádio foi utilizado como arma de guerra, tanto para criar uma ação psicológica dentro de São Paulo, como para formalizar uma guerra psicológica fora das divisas de São Paulo (TUMA, 1932).

Nessa época, São Paulo tinha três emissoras radiofônicas em funcionamento: Rádio Record, Rádio Educadora Paulista e Rádio Cruzeiro do Sul. A primeira se consolidou como porta-voz da Revolução de 32, com três importantes comunicadores à frente dos microfones: César Ladeira (apelidado, inclusive, de “a Voz da Revolução”), Nicolau Tuma e Renato Macedo. Eles se revezavam nas transmissões diárias de discursos, comunicados e notícias da Revolução de 1932. Na ocasião, emissoras paulistas – e de outros estados – “recrutaram” seus locutores para defender os ideais revolucionários e oferecer o apoio necessário à bandeira de São Paulo.

Logo após os primeiros dias da nossa participação no microfone, sentimo-nos – os três locutores e outros membros da Record – na obrigação de nos apresentarmos também para participarmos das lutas nas linhas de frente. E o embaixador Pedro de Toledo, governador de São Paulo na época, recebendo o nosso apelo, disse-nos que nós deveríamos continuar onde estávamos. Porque ali estávamos prestando um serviço que, talvez, ninguém pudesse fazer melhor, enquanto que, nas linhas de frente, tínhamos já suficientes homens para manter a luta que estava sendo travada. Entretanto, para podermos desfilar de cabeça erguida pelas ruas de São Paulo, diante da população que não admitia que um moço estivesse andando nas ruas de São Paulo e não estivesse na linha de frente, recebemos braçadeiras com a sigla PRAR, em azul com as letras bordadas em ouro, em cor dourada. Essa braçadeira nós a usávamos para nos identificar nas vias públicas da cidade de que não estávamos passeando nem nos estávamos omitindo na luta travada nas trincheiras (TUMA, 1932).

O historiador Hernani Donato, inclusive, destaca que se verificava uma verdadeira tática de contrainformação via rádio e até interferência na transmissão entre os atores sociais da Revolução de 32. As emissoras de rádio, inclusive, foram um dos primeiros alvos a serem tomados pelos revolucionários. “A batalha entre as rádios não ficou apenas no que se emitia.

98

Mobilizou técnicos para perturbar as emissões dos prefixos contrários, dificultando o seu entendimento” (DONATO, 2002, p. 101). Vale registrar ainda que os locutores da Rádio Record conclamavam os paulistas a ingressarem nas fileiras de voluntários e soldados da revolução. Também forneciam o apoio logístico para viabilizar os recursos para o prosseguimento da guerra. Nesse sentido, difundiram e incentivaram a solidariedade e apoio aos combatentes e aos ideais da guerra, seja em forma de alistamento voluntário ou da doação de cigarros ou ouro.

O rádio, utilizado pela primeira vez em grande escala, contribuiu também para incentivar a presença do povo nos comícios e o fluxo de voluntários à frente de combate. Muitas pessoas doaram jóias e outros bens de família, atendendo ao apelo da campanha do ‘Ouro para o bem de São Paulo (BRASIL, 2006, p. 91).

Outra experiência nacional de uso do rádio como arma política em cenário de efervescência político-social se deu já na década de 1960 quando o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, comandou pelo rádio a “Cadeia da Legalidade” (ou “Rede da Legalidade”), uma experiência emblemática brasileira do uso desse meio de comunicação como instrumento político de resistência. Em agosto de 1961, num cenário para garantir a posse de João Goulart como presidente da República, Brizola requisitou os transmissores da Rádio Guaíba de Porto Alegre e, entrincheirado nos porões Palácio Piratini, passou a convocar via rádio o povo para defender a Constituição Federal. Contava com o apoio da Brigada Militar e de uma metralhadora na mão.

Quero vos dizer que será possível que eu não tenha oportunidade de falar-vos mais, que eu nem deste serviço possa me dirigir mais, comunicando esclarecimentos à população. Porque é natural que, se ocorrer a eventualidade do ultimato, ocorrerão, também, consequências muito sérias. Porque nós não nos submeteremos a nenhum golpe, a nenhuma resolução arbitrária. Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem! Que nos destruam! Que nos chacinem, neste Palácio! Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo. Esta rádio será silenciada tanto aqui como nos transmissores. O, certo, porém é que não será silenciada sem balas. Tanto aqui como nos transmissores estamos guardados por fortes contingentes da Brigada Militar 39.

39 Brizola convoca a resistência ao golpe. Discurso no rádio. Porto Alegre (1961). Disponível em: http://www.franklinmartins.com.br/estacao_historia_artigo.php?titulo=brizola-convoca-a-resistencia-ao-golpe- discurso-no-radio-porto-alegre-1961 Acesso em: 26 fevereiro 2014

99

Em rede, havia cerca de 15 de emissoras do país e do exterior que passaram a formar a “Cadeia da Legalidade”. Os discursos de Brizola foram traduzidos para idiomas como o espanhol e o alemão. O movimento de resistência liderado por Brizola durou 12 dias, tendo terminado com a vitoriosa posse de Jango. Já no cenário internacional latino-americano, vale destacar a experiência radiofônica durante a luta civil na Nicarágua nos anos 1970, que combatia o regime autoritário de Anastácio Somoza, aliado político dos Estados Unidos na América Central. Tratava-se da Radio Sandino, que abria as transmissões com a frase: Aquí Radio Sandino, voz oficial del Frente Sandinista de Liberación Nacional, transmitindo desde algún lugar de Nicarágua por la banda internacional de 41 metros.

En 1975 los sandinistas pusieron en marcha el primer intento de transmisión a través de una plataforma de un camión cerca de la frontera de Honduras. Dos años después, en 1977 nació Radio Sandino. Emitia desde Costa Rica y con una antena de dos metros erigida en lo alto de un árbol, solo se escuchaba en la zona fronteriza. Su retransmisión duraba como máximo 20 minutos, ya que se corría el riesgo de quemarse40.

Quatro anos mais tarde, já com um transmissor mais potente, a programação da emissora foi ampliada. “La mezcla de información y propaganda incluía la divulgación de las actividades sandinistas y alentaba a participar de la lucha”.41 Cabe esclarecer que, embora a locutora afirmasse que a transmissão tinha como base o território nicaraguense, o autor aponta que se tratava de uma estratégia para despistar a ditadura. Para isto, a rádio utilizava também a música como apoio à luta guerrilheira (assim como a Radio Rebelde, conforme será abordado mais à frente). Muitas foram as vezes em que se tocou o disco Guitarra armada, dos irmãos Mejía Godoy. A letra das clássicas canções ensinava o ouvinte, por exemplo, a montar explosivos e orientava sobre o uso de armas. Abaixo um trecho da letra de uma das músicas – no estilo de cordel – mais conhecidas do disco, a Los explosivos, de 1979, com autoria de Carlos Mejía Godoy:

40 Radio Sandino, la emisora que contribuyó a la caída de la dictadura nicaragüense. Disponível em http://www.rtve.es/radio/20140218/radio-sandino-emisora-contribuyo-caida-dictadura- nicaraguense/881241.shtml Acesso em: 26 fevereiro 2014. 41 Idem.

100

Para vencer al tirano y su guardia nacional hay que meterse al rodeo y no retroceder jamas hay que conocer amigos la receta musical de todos los explosivos en la lucha popular.

Los explosivos caseros son un asunto importante salen a bailar primero los llamados detonantes son aquellos que revientan con infernal rapidez para aniquilar un puente o destruir todo un cuartel

Cuáles son los ingredientes del detonante casero? Está el nitrato de amonio y está el aluminio negro El perclorato de nitrato y el clorato de potasio y otros muchos materiales como asfalto goma o caucho. [...]42

Além da Radio Sandino, outras emissoras radiofônicas também surgiram no decorrer da luta armada da Frente Sandinista de Libertação Nacional (PERUZZO, 1998). Já a experiência de El Salvador foi vivenciada no início dos anos 1980, durante a guerra civil, quando o movimento guerrilheiro se integrou à Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional e iniciou a ofensiva. Os guerrilheiros utilizaram a clandestina Radio Venceremos para reorganizar as lutas políticas, depois da desarticulação dos movimentos de massa urbanos como consequência do conflito armado que havia se estabelecido (PERRUZZO, 1998). Transmitiam das montanhas de Morazán. José Ignácio López Vigil, integrante da emissora no período, explica que a ideia da emissora na guerrilha surgiu num cenário de forte censura e repressão:

La verdad es que en El Salvador, en aquellos finales de los setentas, las cosas se habían ido poniendo color de hormiga. La represión era brutal. Los medios escritos se volvían ineficaces. Si vos tenías un volante en la bolsa, eso te podía costar la vida. ¿Valía la pena, entonces, darle volantes a la gente? Las posibilidades de difundir por escrito las ideas revolucionarias se volvían muy riesgosas para el que repartía y para

42 GODOY, Carlos Mejia Godoy. Los Explosivos. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2014.

101

el que recibía también. Tal vez por eso, porque la voz no se requisa, nació el proyecto de poner una radio. No quedaba ningún espacio. Los periódicos de la izquierda habían sido cerrados (VIGIL, 1991, p. 13).

A emissora se manteve no ar na clandestinidade durante 12 anos, até a assinatura dos acordos de paz, em 1992. Ao longo dessa trajetória, era tida como um dos alvos principais do Exército do país por conta de seu alcance e expressiva audiência43. Na programação, provia os ouvintes de informações sobre o andamento da guerrilha, atuando como instrumento de propaganda e de agitação para a luta de libertação nacional. Por fim, cabe esclarecer que a América Latina, bem como o Brasil, registrou outras diversas experiências relacionadas ao uso do rádio como arma política em contexto de guerra e convulsões sociais. Essa história, ainda pouco conhecida, merece ainda mais a atenção de pesquisadores ao nível de pós-graduação, especialmente no Brasil, que carece de mais conhecimento sobre o território latino-americano.

43 Transmissões da Radio Venceremos. Disponível em: http://www.lib.utexas.edu/taro/hrdi/00011/hrdi- 00011.html Acesso em: 12 abril 2014.

102

CAPÍTULO 2:

RADIO REBELDE, LA VOZ DE LA SIERRA MAESTRA

103

A primeira transmissão oficial da Radio Rebelde foi realizada em 24 de fevereiro de 1958, direto da Sierra Maestra. Até 1º de janeiro de 1959, data da vitória do M-26-7 em Cuba, a emissora transmitiu conteúdos de forma clandestina a partir de bases do Exército Rebelde. Ao todo, foram 311 dias de emissões durante a guerrilha – período estudado nesta dissertação.

Imagem 20 – Papel que era utilizado pela equipe da Radio Rebelde como aviso aos combatentes para não fazerem barulho durante as transmissões; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Vale registrar que nos anos 1950 já era relevante a presença de receptores de rádio em Cuba: 1 milhão de lares com ao menos um rádio, do total de 1,2 milhão de residências, segundo comunicado interno do Circuito CMQ S.A. (empresa cubana de radiodifusão sonora e de imagens). Publicado em 6 de julho de 1956, Manolo Reyes, chefe de vendas da CMQ- Radio, destaca no referido informe:

Cuba tiene 5.800.000 habitantes de acuerdo con el último censo — 1953 — repartidos em 1.200.000 hogares a través de toda la Isla. De ese millón doscientos mil hogares, el radio cuenta ya, según indican las investigaciones y los surveys, con más de 1.000.000 de hogares con radio. Y notese que cuando digo un millón me refiero a hogares y no a aparatos de radio. En este caso aumentaria notablemente la cifra, porque más del 50% de esos hogares tienen dos o más apartos de radio que se escuchan [...]

104

Y dicho sea de paso, en la ciudad de La Habana, ruedan aproximadamente 77.271 automóviles de los cuales el 65,39% tienen radio, o sea, más de 50.000. (LÓPEZ, 2002, p. 332)

Sobre esse cenário, ao estudar a burguesia da Cuba pré-revolucionária, Carlos Del Toro (2003) destaca a importante presença de meios de comunicação de massa na ilha, inclusive de estações radiofônicas. Só três países da região superavam a ilha em quantidade de emissoras.

Em relação ao número de aparelhos de televisão, em 1954, ocupava o primeiro lugar na América Latina e no Caribe, com 150 mil, seguida por México (90 mil); Argentina (70 mil – dados de 1953); Brasil e Venezuela, com 20 mil cada um. Detinha o sexto lugar em número de jornais publicados (1952), atrás de Brasil, México, Argentina, Peru e Chile; o quarto em número de emissoras de rádio (1949), atrás de Argentina, México e Brasil; e, em salas de cinema (1955), atrás de México, Brasil e Argentina (AYERBE, 2004, p. 33).

A relevante distribuição de receptores e de emissoras de rádio em Cuba na época se mostra como terreno fértil para a estratégia do Movimiento 26 de Julio de apostar nas ondas radiofônicas como instrumento de propaganda revolucionária. Sobre esse tema, Che (1985) destaca o papel do rádio como meio de contrainformação:

La propaganda que será más efectiva, a pesar de todo, la que se hará sentir más libremente en todo el ámbito nacional y la que llegará a la razón y a los sentimientos del pueblo, es la oral por radio. La radio es un elemento de extraordinaria importancia. En los momentos en que la fiebre bélica está más o menos palpitante en cada uno de los miembros de una región o de un país, la palabra inspiradora, inflamada, aumenta esa misma fiebre y la impone en cada uno de los futuros combatientes. Explica, enseña, enardece, determina em amigos y enemigos sus posiciones futuras. Sin embargo la radio debe regirse por el principio fundamental de la propaganda popular, que es la verdad; es preferible decir la verdad, pequeña en cuanto a dimensiones efectistas, que una gran mentira cargada de oropel. En radio se deben dar, sobre todo, noticias vivas, de combates, encuentros de todo tipo, asesinatos cometidos por la represión y, además, orientaciones doctrinales, enseñanzas prácticas a la población civil, y de vez en cuando discursos de los jefes de la revolución. (GUEVARA, 1985, p. 137)

Neste sentido, o pensamento do Che se alinha ao entendimento – da qual esta dissertação compartilha – da mídia como construtora da realidade social e, portanto, como instrumento de hegemonia. Observa-se que, portanto, a visão de mundo de que a mídia é:

[...] agência fundamental para a constituição de memórias e identidades, e que carrega, por meio de seu discurso, instrumentos de saber e poder que cristalizam

105

visões de mundo, preconceitos e estigmas, concepções hegemônicas que estão atreladas a posições de classe, interesses de mercado, motivações políticas, dentre outros condicionantes do universo da produção midiática (COUTINHO, TEIXEIRA, 2003, p. 197).

Assim sendo, o esforço de mídia que se propõe a romper, enfrentar ou desmarcar esse papel hegemônico pode ser classificado como mídia contra-hegemônica, pelo marco da teoria de Gramsci sobre hegemonia. Por meio dos meios de comunicação, portanto, são feitas a batalha das ideias e a disputa por discursos que afetam a vida econômica, social, cultural e ideológica da sociedade. Ao se debruçar sobre o tema da comunicação para os trabalhadores e o tema da hegemonia, Vito Gianotti argumenta que a atividade contra-hegemônica pressupõe a construção de novo consenso, de convencimento para combater os inimigos de classe. E a mídia integra essa estratégia.

Nessa construção de uma contra-hegemonia, são essenciais tanto programa de rádio, ou a criação de um novo jornal, como a ocupação de fábricas, terras ou prédios urbanos. [...] Ações desse tipo podem ser uma forma de pressão, um instrumento de educação da classe que quer destruir a velha hegemonia e construir uma nova (GIANNOTTI, 2014, p. 20).

Percebe-se, portanto, que, quando Che Guevara aposta na comunicação radiofônica no processo guerrilheiro cubano, ele está não só atuando com vistas à contrainformação, apenas, e sim à construção desse novo consenso, contra-hegemônico, derrubando a ditadura e todo seu aparato. Vila recorda que, entre as motivações de Che para a fundação da Radio Rebelde, estavam o rompimento do bloqueio da censura da mídia e também a comunicação entre as colunas rebeldes espalhadas na Sierra Maestra:

El Che cuando la [Radio Rebelde] crea, la crea con una doble finalidad. Como ya no había posibilidad para comunicarse las tropas, entonces, al Che se le ocurre que había que poner una planta de radio que para comunicarse interna entre las tropas, por eso. Y ahí además aprovechar que, como había la censura en el país, para comunicarse con el pueblo también. Tiene dos sentidos: comunicación militar de las tropas que ellas estaban cogiendo un territorio muy grande en todo Oriente y segundo lugar para comunicarse con el pueblo44.

44 Entrevista concedida a esta pesquisadora em 2 de agosto de 2011, em Havana, Cuba.

106

Num contexto de luta por libertação de um país, como Cuba nos anos 1950, a criação de órgãos de imprensa clandestinos pelo M-26-7 consolida o entendimento da mídia revolucionária como mais uma trincheira – dentro da área de propaganda –, para além das frentes de ação direta (combates militares, boicotes etc). E a decisão de instalar uma emissora de rádio na Sierra Maestra se insere nessa lógica. Prova disso é que os militantes que atuavam na emissora são tratados até hoje como combatentes da revolução em Cuba, assim como os que empunharam fuzis e revólveres, e são homenageados como tal.

Imagem 31 – Cópia do diploma recebido em 2003 por Ángel Fernández Vila, assinado por Fidel Castro, pelos serviços prestados à revolução na Radio Rebelde

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

107

2.1. PREPARATIVOS PARA A BATALHA NAS ONDAS DO RÁDIO

A literatura sobre o processo revolucionário guerrilheiro cubano traz, em geral, apontamentos até contraditórios sobre de quem seria a ideia de levar uma emissora de rádio para a guerrilha na Sierra. Victores (1979), por exemplo, cita elementos que apontam que não se pode atribuir a uma única pessoa tal iniciativa. Ele destaca, por exemplo, que, em fevereiro de 1957: “Frank País había planteado subir um equipo de radio para la Sierra, para tener comunicación con Fidel” (VICTORES, 1979, p. 111). Por sua vez, Eduardo Fernández, que era técnico em manutenção de rádio e televisão – e foi o responsável por levar os equipamentos da Radio Rebelde para o Che em 1958 –, relata que o uso da rádio na guerrilha já era de seu interesse em maio de 1957.

Un dia nos avisaron que de Bayamo iban a salir unos compañeros para la Sierra Maestra y que había um guia; imediatamente dije “No, yo voy para la Sierra...” Mi idea central era no ir a incorporarme a la tropa, sino plantearle a Fidel la ideia de llevar alguún equipe de radio para la Sierra, y eso se lo manifeste a Ciro del Río que era un compañero del Movimiento. [...] El guia nos había embarcado, porque decía que él iba diretamente adonde estaba Fidel, y, por fin, no sabía ni donde estaba Fidel ni sabía nada (Idem, ibidem, p. 74-75).

A guerrilha já estava em curso há pouco mais de um ano quando o M-26-7 resolve – a pedido de Che Guevara – encaminhar a ida de equipamentos de rádio para a Sierra, com o apoio dos militantes do movimento que estavam no llano. Naquele momento, Che já garantia a impressão do jornal clandestino El Cubano Libre, com a ajuda de um mimeógrafo na Sierra. A chegada dos equipamentos foi concretizada após articulação entre o próprio Che, Fernández e militantes do M-26-7. O técnico de rádio havia se encontrado com o líder da guerrilha em janeiro de 1958 e explicado a ele sua ideia.

El Che me escuchó muy atento, y cuando terminé me preguntó cuánto costaria hacer todo eso. Le dije: - Bueno, yo no tengo ideia, pero creo que uma plantica de radio se puede hacer con los elementos que yo tengo y com algunas otras cosas más; me parece que con 500 pesos se resuelve el problema. El Che me respondió: - Está bien, yo te voy a poner en contacto con el Movimiento, para ver qué pueden hacer. (Idem, ibidem, p.117)

108

Em carta escrita em 8 de janeiro de 1958 e destinada a Pucho – apelido para o militante do M-26-7 Cisneros Fernández –, Che dá as coordenadas para o traslado da estação para a Sierra e encerra ressaltando a relevância do feito: Considero perfectamente viable y muy importante el proyecto45. Na opinião de Luiz Orlando Rodríguez, que veio a se tornar diretor da Radio Rebelde na Sierra, a viabilidade da emissora naquele momento da luta insurrecional se deve a dois motivos principais: organização do M-26-7 e maturidade para entender o rádio como arma da guerrilha.

Primero: porque el Movimiento estaba organizado y podia facilitar lo que se le pedia; segundo: porque ya había la madurez revolucionaria suficiente para interpretar la necesidad de tener un órgano de prensa aún en médio del combate. ( Idem, ibidem, p.112).

Entre os responsáveis pelo traslado, estava Ciro Del Río, jovem militante do M- 26-7 em Santiago de Cuba e que participava de ações de sabotagem organizadas pelo movimento:

Y así se hizo y empezó el trabajo y la cooperación del movimiento y de algunos compañeros para lograr eso. Eduardo [Fernández] tuvo que venir a La Habana, y aquí con el movimiento consiguió los equipos que se llevaron. Hugo [Del Rio], mi hermano, estaba en Santa Rita para recibir los equipos y ahí organizar el grupo de cargar de los equipos y los itinerarios para informarme a mí cuál iba a ser, porque yo tenía que venir con una tropa, mandado por el Che, a escoltar esos equipos. Y así, con unos primos míos, de allí del barrio, Hugo organizó con un mulo la carga de los equipos, acumulador, planta eléctrica, receptor, transmisor, antenas, bombillo, cable, todas esas cosas. Y salió perfecto.46

Em 16 de fevereiro de 1958, enquanto Fidel e Che estavam em combate, chegam – por meio de Fernández Del Rio – os equipamentos da emissora na região conhecida como La Mesa. O local, no entanto, não reunia as melhores condições para transmissão radiofônica em ondas curtas, pois estava dentro de um vale com muita barreira geográfica ao redor. Por isso, a estação foi levada até a área de Alto de Conrado, dias antes da primeira emissão oficial. Ciro del Río conta como foram as transmissões experimentais naquela região.

45 Trecho retirado de reprodução da carta em exposição no Museu da Luta Clandestina, na cidade de Santiago de Cuba. 46 Entrevista concedida a esta pesquisadora em julho de 2013.

109

Todo salió perfecto en el sentido de la organización y ya en los días de febrero del año 58, ya nosotros teníamos los equipos ya y empezamos, Eduardo y yo, a microlocalizar el lugar donde tuvieran salida las comunicaciones. Y el Che con un radio de batería, a ver si podía oírlo, con una antena de 20 y de 40 metros. Y hasta que por fin se logró hacer contacto por ondas cortas con Nicaragua, con Venezuela, con los propios Estados Unidos, pero como no había identificación, ni como radios aficionados ni como nada, no querían contestar, pero se sabía que se oía, y el Che logró oírlo 47.

Sobre o uso inicial de antena de ondas curtas na emissora mais propícias para transmissões para grandes distâncias –, esclarece Fernández que se tratou se um “erro”.

[...] la antena que llevé, quizás por inexperiência, la antena que me dieron en La Habana y que no la revisé, era para la banda de 20 metros, y eso lmitaba la cuestión de poder salir en outra banda. Como se sabe, la banda de 20 metros no es propia para escucharse en Cuba, sino que se utiliza para comunicaciones más bien de larga distancia. Por lo que seguramente que en Pinar del Río de escuchaba, pero lo que era em Santiago de Cuba y en las províncias más cercanas no se escuchaba la transmisión. [...] El equipo que poseíamos era un transmissor de la marca Collins, modelo 32-V-2. Es un equipo de mediana potencia; nosotros le sacamos unos 120 ó 130 vatios en la antena. La planta eléctrica, que era de la marca Onam, de un kilovatio, la utilizamos para alimentar el transmisor , el toca-discos y un bombillo que pusieron allí (VICTORES, 1979, p. 147).

Para superar essa dificuldade de alcance, Fernández construiu outra antena e a emissora foi ao ar transmitindo na banda de 40 e 20 metros, em horários distintos. Assim, conseguia alcançar o território cubano e também o exterior.

2.1.1. TRANSMISSÃO INAUGURAL

Em 24 de fevereiro de 1958, é realizada a primeira emissão oficial da Radio Rebelde. A locução inaugural começa com a marca da emissora:

¡Aquí Radio Rebelde, desde el território libre de Cuba!

Com essa chamada radiofônica, amplamente conhecida pelo povo cubano ainda nos dias atuais – especialmente na voz da locutora Violeta Casal –, a Radio Rebelde

47 Entrevista concedida a esta pesquisadora em julho de 2013.

110 transmitiu clandestinamente a ação guerrilheira comandada por Fidel direto da Sierra Maestra durante 311 dias de luta contra a ditadura de Batista. Sobre a escolha dessa data para a transmissão inaugural, Ciro Del Rio explica que se trata de um dia histórico para os cubanos.

Se hicieron las pruebas y se decidió por el Che y Orlando Rodríguez, los locutores, coger la fecha del 24 de febrero. Es la fecha del Grito de Baire, porque fue cuando Martí, al frente de la Guerra Necesaria, dio, con los patriotas que estaban ya organizados, el grito de guerra en Baire. Y se aprovechó esa fecha como una fecha de grito de independencia y, en el caso de Radio Rebelde, como un acontecimiento de valor para la guerrilla y demás48.

Com a assinatura Radio Rebelde, la voz de la Sierra Maestra, na primeira transmissão, o capitão Luis Orlando Rodríguez, diretor da emissora na ocasião, sintetiza os objetivos da rádio:

[...] Radio Rebelde, la Voz de la Sierra Maestra, surca el espacio hoy para contribuir, sin prisa pero sin trégua, a la orientación necesaria y útil del pueblo en esta hora decisiva que vive la patria cubana; para estrechar aún más las relaciones que existen entre los compañeros miembros del M-26-7; para dar a conocer, a todo el pueblo de Cuba, la intención verdadera de esta lucha armada; y para fomentar y proclamar la virtud dondequiera que se encuentre. Y para juntar y amar y vivir en la pasión de la verdad, como dijera Martí. Enseñarle al pueblo el ideal que impulsa a estre grupo de cubanos libres que peleamos en la Sierra Maestra; y provocar el conocimiento entre los hombres buenos y útiles que batallan y sufren por libertad y el decoro en bien de la pátria, es material que siempre llenará estas trasmisiones. (VICTORES, 1979, p.25).

A transmissão inaugural termina com as informações sobre a rede de rádios em sintonia com a emissora. O texto locutado evidencia a capilaridade do rádio nas colunas rebeldes na Sierra, bem como no exterior – assuntos dos quais trataremos ainda neste capítulo.

¡Aqui... Radio Rebelde!, órgano oficial del Movimiento Revolucionario 26 de Julio y del Ejército Rebelde, formando su cadena de la libertad con las estaciones filiales Indio Azul, Indio Apache, Segundo Frente Frank País, Tercer Frente Mario Muñoz, Cuarto Frente Simon Bolívar, Columnas 9 y 10, Santiago de Cuba; Columna 2 Antonio Maceo y Columna 8 Ciro Redondo, de Las Vilas, y 20 plantas más en todo el território nacional, transmitiendo diariamente a las 7:00 y a las 9:00 de la noche en la banda de 20 metros y a las 8:00 y a las 10:00 de la noche en la banda de 40 metros, desde las montañas de Oriente, Território Libre de Cuba. Director: capitán Luis Orlando Rodríguez. Responsables de trasmisión: Eduardo Fernández y Miguel

48 Entrevista concedida a esta pesquisadora em julho de 2013.

111

Bofill. Hablamos: Violeta Casal, Guillermo Pérez, Jorge Enrique, Orestes Valera y Ricardo Martínez. (FIDEL, 1973, p. 27)

A divulgação do início das transmissões era feita também por meio dos jornais do M-26-7, que circulavam clandestinamente por toda a ilha na época.

Imagem 32 – Notícia divulgando as transmissões da Radio Rebelde, publicada no jornal El Cubano Libre (n. 4, ano I, edição de fevereiro de 1958)

Fonte: Arquivo Biblioteca Nacional José Martí

112

2.2. ORGANIZAÇÃO RADIOFÔNICA DE GUERRILHA

O grupo de locutores que faz essa primeira emissão permaneceu até o fim da guerrilha, embora outros militantes tenham reforçado a equipe em transmissões específicas, como nas campanhas radiofônicas de mobilização do povo cubano para a greve geral de 1958, que abordaremos a seguir. O “núcleo duro” era composto por Violeta Casal, Guillermo Pérez, Jorge Enrique, Orestes Valera y Ricardo Martínez. Guerra explica como tais locutores se incorporaram à emissora:

Los primeros, Ricardo Martínez y Orestes Valera, ya ellos eran miembros de la guerrilla, porque ellos habían sido locutores de una radio que se llamaba Radio Mambí. Y tenían conocimiento de locución y tenían cierta preparación. Ahí se fueron sumando después otros elementos, por el Movimiento 26 de Julio, pues Violeta Casal era una artista muy famosa aquí, muy carismática, que tenía un nombre, que oírla por radio y el énfasis que ella les daba a las noticias, a la información, jugó un papel muy importante ella. Y el caso de Jorge Enrique Mendoza, él era miembro de la dirección del Movimiento 26 de Julio en Camagüey y entonces ya el movimiento, la provincia, que lo conocía, y él se expresaba muy bien y eso daba un matiz de comunicación e interés por parte del pueblo para oírla49.

Entre tais vozes, destacava-se a da única mulher no grupo: Violeta Casal, que já era conhecida na época e ganhou mais força no imaginário cubano ao assumir a locução da identidade da Radio Rebelde. Artista de teatro, televisão e rádio, ela abandonou esse trabalho para se unir aos rebeldes na Sierra, uma vez que já era militante política do Partido Socialista Popular desde antes do golpe de 1952. A equipe que trabalha nos bastidores da emissora sofreu alterações ao longo do tempo. Vila50, por exemplo, que era delegado de propaganda do Movimento em Havana, asumiu a tarefa de subdiretor da Radio Rebelde em novembro de 1958 e permaneceu no cargo até o triunfo revolucionário. O diretor da emissora nesse período era Carlos Franqui, que desertou de Cuba após a vitória da revolução. Vila explica o papel que desempenhou na emissora:

El jefe generalmente era virtual, generalmente estaba en maniobra con Fidel, acompañaba a Fidel. Entonces yo era el “esclavito” que estaba ahí con los papeles en las manos, haciendo los programas. Los locutores seguían todo, pero yo era

49 Entrevista concedida a esta pesquisadora em 2013. 50 Entrevista concedida a esta pesquisadora em 2013.

113

fundamentalmente la parte de organización de los programas, la programación y la redacción de artículos.

A tarefa de locutor, contudo, não era exclusiva. Não raro, eles pegavam em armas e iam para combates contra as tropas da ditadura, como recorda Vila:

Algunos compañeros de vez en cuando participaban en el combate. Yo participé, pero mínimo, porque yo más a última hora. Pero Ricardo Martínez, Jorge Enrique Mendoza y Orestes Varela que eran capitanes desde antes, a veces no estaban en la radio, estaban tirando tiros. Todos ya fueron combatientes. Todos. Yo, a última hora, bueno, tuve una experiencia en un combate más, fue a la última hora. Pero ellos que estuvieron desde el 57 en la Sierra, 57, 58, y participaron, tuvieron muchas experiencias combativas. Uno se iba para allá y otro se quedaba frente a la radio.51

Valera recorda que, na época, a equipe da rádio não tinha consciência do feito histórico que era colocar tal emissora no ar.

Pero, en honor a la verdad, nosotros participamos en aquella transmissión sin tener una conciencia del significado que tenia aquel momento histórico. Y es más, en aquella más, en aquella etapa, no obstante estar trabajando en la emisora, no teníamos conciencia de locutores [...] nuestra realidade era la de guerrilleros, de combatientes. Y aquella era una actividade más que desarollábamos, como otras muchas que habíamos hecho y que seguíamos haciendo dentro de la guerrilla (VICTORES, 1979, p. 144).

A emissora também possuía um equipe composta por técnicos, como Fernández, e também havia pessoal destacado para fazer a segurança da rádio. Foi o caso de Ciro del Río – e de dois dos seus irmãos –, que atuou tanto nessa função como na de combatente nas batalhas contra o exército da ditadura. Entre as tarefas de Del Rio estava o abastecimento. De acordo com Victores (1979, p. 485), atuaram na Radio Rebelde os seguintes militantes: Luis Orlando Rodriguez, Eduardo Fernández, Orestes Valera, Ricardo Martínez, Olga Guevara, Violeta Casal, Jorge Enrique Mendoza, Guillermo Pérez, Alicia Santa Coloma, Carlos Peneque, Iván Hidalgo, Gerardo Medina, Eugenio Medina, Alejandro Medina, Osvaldo Medina, Alcides la O, Juan Luis Díaz, Orlando Payret, Miguel Boffil), Euclides Vásquez Candela, Horacio Fernández Vila [Horacio era o codinome do subdiretor da emisora: Ángel Fernández Vila], Enrique Oltuski, Carlos Franqui.

51 Entrevista concedida a esta pesquisadora em 2011.

114

A programação da emissora, durante os 311 dias em que operou na clandestinidade, incluía o que eles chamavam de “partes de guerra”, que eram os informes militares sobre mortes, rendições, domínio de territórios etc; campanhas, como a de boicote à empresa Shell, acusada de apoiar Batista; notícias vindas da imprensa internacional (as “cables internacionales”); os informes “obreros”, dos trabalhadores organizados no M-26-7; notícias de economia etc.

Imagem 33 – Roteiro da programação da Radio Rebelde em 24 de dezembro de 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

115

Imagem 34 – Notícia lida pela locutora Violeta Casal na Radio Rebelde informando sobre a batalha os combatentes da coluna liderada por Che Guevara em 28 de dezembro de 1958, que culminou com a tomada da cidade de Santa Clara pelos rebeldes

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

116

Imagem 35 – Notícia lida por Ricardo Martinez na Radio Rebelde conclamando o povo cubano a apoiar o M-26-7 por meio da compra de bonos; s/d

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

117

Imagem 36 – Texto lido na Radio Rebelde que repercute notícia da imprensa internacional sobre a fuga de familiares do ditador Fulgêncio Batista do país, enquanto o Exército Rebelde avançava e dominava várias regiões de Cuba em dezembro de 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Vila relata como era a rotina da Radio Rebelde no período em que exerceu a tarefa de subdiretor da emissora:

Nosotros empezábamos temprano, a las siete de la mañana, empezaba el grupo de redacción conmigo al frente y había compañeros que, como ese que te enseñé ahí, que cogían, estaban oyendo la... porque también oían con la planta de nosotros por el día se oía las emisoras extranjeras, por radio, por ondas cortas, oían, sacaban noticias de allá, cogían las noticias que se oían de Cuba. En Cuba había gente que se comunicaba por distintos medios, por códigos, por... había una comunicación con La

118

Habana, la principal ciudad, por cable se comunicaban. Y se cogían muchas noticias. Había un grupo que cogía las noticias fuera, un grupo que cogía las noticias por cable internas de Cuba, otro grupo buscaba las noticias donde fuera, con las mismas estaciones de las columnas que nos daban las noticias de sus combates y demás. Con todo eso se iba conformando noticias internacionales, noticias nacionales, reportes de los combates y había siempre un capítulo editorial, de alocuciones por la reforma agraria, programas del Moncada, eso fundamentalmente lo teníamos 52.

2.2.1. GREVE GERAL DE 9 DE ABRIL DE 1958

De fevereiro até meados de abril, a Radio Rebelde ficava sediada em Alto de Conrado. Porém, a conjuntura começa a mudar após a tentativa de greve geral de 9 de abril. Tal mobilização foi organizada principalmente por setores urbanos do Movimiento 26 de Julio e contou com o apoio da guerrilha na Sierra. Assim como nas cidades (onde convocatórias foram transmitidas por emissoras de rádio), na guerrilha os microfones da Radio Rebelde foram utilizados como instrumento de convocação do povo à greve. O trabalho intenso pelas ondas do rádio na Sierra é relatado por Olga Guevara, militante do M-26-7:

El día dela Huelga transmitimos tod el día por “Radio Rebelde”. Hablábamos unos, detrás de ptrp, y teníamos que usar yodo para da ronquera. Alli había um banquito chiquito y um micrófono para três gentes; era insoportable aquello. Nosotros quedamos sin voz. Se transmitió sin parar durante todo el día. (VICTORES, 1979, p. 182).

Apesar do trabalho de propaganda no llano e na Sierra, a greve não obteve êxito.

[...] a greve fracassada de 9 de abril de 1958 tinha sido provocada “de surpresa” – os seus organizadores pretendiam, por razões estratégico-militares, surpreender o governo e as duas forças de repressão – com uma convocação pelo rádio (a emissora foi ocupada pelos revolucionários), às onze horas da manhã. Os trabalhadores que estavam nas suas ocupações não ouviram a rádio, circularam rumores confusos e contraditórios e, finalmente, a greve não aconteceu (LÖWY, 1999, p. 133).

Dias após o fracasso da greve, Fidel se dirige ao povo cubano por meio da Radio Rebelde, pela primeira vez, após longo percurso até chegar ao local da emissora. Ele fala aos microfones em 15 de abril:

52 Entrevista concedida a esta pesquisadora em 2 de agosto de 2011, em Havana, Cuba.

119

A la opinión pública de Cuba y a los pueblos libres de la América Latina. He marchado sin descanso dias y noches desde la zona de operaciones de la columna no. 1, bajo de mi mando para cumplir esta cita con la emisora rebelde. Duro es para mi abandonar mis hombres en estos instantes, aunque fuese por breves dias, pero hablarle al pueblo es también un deber y una necesidad que no podia dejar de cumplir 53 (GRANMA, 1973, p. 28)

O desfecho da tentativa de greve teve relevante impacto nos rumos da luta do M- 26-7 contra o regime de Batista. Primeiro, porque representou a perda de importantes lideranças do movimento por conta da repressão. Mas, principalmente porque, fortalecido, o ditador prepara a maior ofensiva de suas tropas na Sierra Maestra para sufocar a guerrilha: a chamada “Operação FF” (Fim de Fidel). “[Fulgêncio Batista] Mobilizou 10 mil homens e deu início à sua ofensiva no dia 25 de maio. Esta se revelaria depois como uma manobra decisiva para o resultado final da guerra” (SADER, 1992, p. 61). Tal momento pode ser considerado um divisor de águas para o processo guerrilheiro, pois demandou dos combatentes novas estratégias para lutar contra o exército da ditadura, numericamente muito superior aos rebeldes (estimados em 300 naquele momento).

Utilizando desde pequenas emboscadas de desgaste e de contenção até a defesa frontal de regiões montanhosas, o Exército Rebelde foi impondo baixas às tropas do governo, que eram apoiadas por bombardeios aéreos e com uma vantagem descomunal em homens. [...] Dois meses depois, Fidel Castro anunciou pela Radio Rebelde – instalada pelos revolucionários na Sierra Maestra – que a ofensiva do Exército de Batista havia terminado no maior fracasso, com mais de mil baixas, entre mortos, feridos, prisioneiros e desertores (SADER, 1992, p. 61).

Outra estratégia adotada pelo movimento diante da ofensiva foi reforçar o uso da Radio Rebelde pela guerrilha. Fidel decide mudar no fim de abril a sede da emissora para as proximidades da Comandancia de la Plata – local de base para a coluna que ele liderava e onde estavam o hospital e a fábrica de minas e granadas que funcionavam na Sierra. Sobre essa questão, ele afirmou no programa especial de televisão para comemorar os 15 anos da Radio Rebelde, em 24 de fevereiro de 1973:

53 Coletânea do jornal Granma com pronunciamento de Fidel Castro e Raúl Castro relacionados à Radio Rebelde, publicado 1973 pelo Editorial Gente Nueva, em Havana.

120

Pero puede decirse que ya Radio Rebelde se iba convertiendo en un elemento tan importante que había que considerarlo como un objetivo estratégico del enemigo y a la vez uno de los puntos que nosotros debíamos defender más. Podemos decir que el hospital que ya estaba funcionando en la Sierra, donde se orestaba atención a nuestros heridos, nuestra fábrica de minas y de granadas y Radio Rebelde eran los tres puntos que nosotros teníamos necesidad imperiosa de defender, y la existência de estos tres elementos determinaba en parte nuestra estratégia de lucha (FIDEL, 1973, p.10).

2.2.2. RADIO REBELDE ALÉM DAS FRONTEIRAS DE CUBA

A chamada Cadena de la Libertad, citada no expediente da primeira transmissão oficial, era o conjunto de emissoras em rede e incluía rádios estrangeiras, além das estações criadas pelas colunas rebeldes. A comunicação da guerrilha com outros países da América do Sul pode ser observada também no original abaixo, uma notícia lida por Violeta Casal54 na emissora, em 1958, em data não indicada no documento, bem como na imagem seguinte:

54 Conforme explicação de Vila a esta pesquisadora, a expressão “V–2” no canto superior direito do documento se referem: o “V” à Violeta Casal e o “2” à ordem de leitura da notícia na programação.

121

Imagem 37 – Texto locutado pela Radio Rebelde em que é anunciada a ampliação do número de rádios estrangeiras em rede via Cadena de la Libertad; s/d

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Imagem 38 – Texto locutado na Radio Rebelde já nos primeiros momentos do triunfo do Exército Rebelde e que orienta a população a se informar via Cadena de la Libertad

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

122

Sobre esse assunto, afirma Vila:

Numerosas emisoras comerciales retransmitían los programas y las informaciones de Radio Rebelde. Mantenían contacto con las emisoras de Centro y Suramérica: Radio Continente de Venezuela, Radio Caracol de Colombia, Radio El Mundo de Argentina, y sus cadenas de emisoras de América del Sur, incluyendo países como Uruguay, Brasil, Peru, Chile, Paraguay... TKMD de Puerto Rico, Radio América de Honduras también retransmitia por Radio Rumbo de Venezuela. Todas estas estaciones retransmitían programas de Radio Rebelde55.

Entre as emissoras que mais colaboraram para a luta revolucionária em Cuba está a Radio Continente, da Venezuela. Ela era a rádio matriz de onde as demais emissoras estrangeiras formavam a rede de transmissão.

Imagem 39 – Informe publicado no jornal Revolución, n. 21, de 18 de novembro de 1958, sobre as rádios da Cadena de la Libertad

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Segundo reportagem da revista Bohemia, eram 28 emissoras estrangeiras desde a Argentina até os Estados Unidos e 50 emissoras só na Venezuela. Diante desse alcance das

55 Entrevista concedida a esta pesquisadora em 2 de agosto de 2011, em Havana, Cuba.

123 mensagens do M-26-7, a ditadura de Batista tentou interferir, por meio de sua representação diplomática em Caracas, nas transmissões, retirando-as do ar, o que conseguiu por apenas 15 dias. Ao fim da guerrilha, eram cerca de 32 emissoras em rede com a Radio Rebelde na Cadena de la Libertad, segundo Vila. Ouvir a emissora, contudo, era uma atividade clandestina em Cuba e perigosa durante a ditadura, mas isso não impediu sua crescente audiência em todo o país. Não raro são os relatos de que as pessoas ouviam a Radio Rebelde de forma escondida em casa e com o volume muito baixo para que os soldados e os vizinhos apoiadores de Batista não os ouvissem. O clima da época para escutar a emissora fica evidente no trecho da carta anônima de um cubano lida pela locutora Violeta Casal na Radio Rebelde em 1958.

En esta lucha titánica por derrocar al tiranuelo empecinado, hay un elemento que mantiene encendida la esperanza y la fe de todo un pueblo. En horas de la noche, en hogares, a medida que las manecillas del reloj se van acercando con su ritmico tic- tac a una hora por todos conocida, se van acercando con un estremecimiento, con una tensión tan profunda, toda la familia se acerca al radio receptor de onda corta, lo enciende con, pero con mucho cuidado y muy bajo porque hay un chivato cerca. Todos prestan atención para ser los primeros a escuchar las pláticas y mensajes. De pronto entre el ruido de la estática y el ruido de las telegráficas surge lo que todos esperábamos, las gloriosas y marciales notas de nuestro Himno Invasor seguido de las tan queridas frases de ‘¡Aquí, Radio Rebelde!’ (VICTORES, 2008, p. 14).

Foi a partir desses contatos com o exterior que surge a sigla 7RR para designar a Radio Rebelde. O técnico de rádio da emissora, Eduardo Fernández, explica:

El nombre de 7RR surge en ocasión de una llamada que me hace desde Costa Rica el ingeniero Agustín Capo. Estando yo en Altos de Conrado, siempre acostumbraba después que quitaba las placas y acabar el programa, me quedaba oyendo las frecuencias, y para sorpresa mia empiezan a llamar 26 7RR, 26 7RR; bueno, lo de RR fuimos nosotros, pero lo de 7 fue Capo, y ya nos identificávamos luego como 7RR. (FERNANDÉZ APUD RODRÍGUEZ, 2009, p. 52-53)

2.2.3. RÁDIOS NAS COLUNAS REBELDES

Ao listar as estações de rádios em rede na assinatura da transmissão inaugural, em 24 de fevereiro de 1958, citando as emissoras relacionadas às colunas rebeldes, fica evidente que a comunicação por rádio a esta altura já estava minimamente capilarizada na guerrilha.

124

A partir de sua fundação, a Radio Rebelde passa a centralizar também as comunicações entre as tropas do Exército Rebelde fora do horário de transmissão do programa à população em geral. Para isso, cada coluna providenciou sua própria estação de rádio clandestina para estabelecer contato com a emissora central, a fim de obter e repassar informações sobre a luta insurrecional. Sobre esse intercâmbio de informações via rádio, Vila explica que a Radio Rebelde

[…] servía, por el día, entre ellas para comunicarse: “Camilo, ven para acá. Fulano, ven...”. Entre las tropas y con códigos, entre las tropas, entre las columnas nuestras, y a las cinco y a las ocho, por la frecuencia de 40 metros emitía para Cuba., y para fuera de Cuba.56

A comunicação radiofônica entre as colunas do Exército Rebelde pode ser evidenciada por meio do próprio conteúdo transmitido pela emissora, conforme exemplos abaixo.

Imagem 40 - Notícia lida na Radio Rebelde informa que a coluna liderada por Raúl Castro comunica a emissora sobre a deserção de soldados da ditadura

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

56 Entrevista concedida a esta pesquisadora em 2 de agosto de 2011, em Havana, Cuba.

125

Imagem 41 – Notícia lida na Radio Rebelde em que Coluna 2 Antonio Maceo informa a emissora sobre a deserção de soldados da ditadura

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Imagem 42 – Informe de guerra que foi ao ar na Radio Rebelde sobre ações dos rebeldes que foram repassadas por rádio à emissora; 15 de dezembro de 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

126

Para se ter uma ideia da amplitude das comunicações radiofônicas entre as colunas do Exército Rebelde, só a chamada Segundo Frente, comandada por Raúl Castro, chegou a ter 18 emissoras de rádio em sintonia com a Radio Rebelde (VICTORES, 1979, p. 347).57

Imagem 43 – Rádio da marca “Zenith” utilizado Imagem 44 – Transmissor e receptor de rádio por Raúl Castro durante a última etapa da portátil “Minipak” utilizado pelos membros da . guerrilha. Foto tirada no Museo Complejo Coluna 17 “Abel Santamaría”. Foto tirada no Histórico del Segundo Frente Oriental "Frank no Museo Complejo Histórico del Segundo País", na cidade de Santiago de Cuba. Frente Oriental "Frank País", na cidade de Santiago de Cuba.

Fonte: da autora Fonte: da autora

57 Atualmente, alguns dos equipamentos de rádio utilizados pelas diversas colunas do Exército Rebelde estão expostos em locais históricos, como o Museu da Revolução (Havana), o Complexo Histórico Segundo Frente Frank País (Santiago de Cuba), assim como no mesmo local onde a rádio ficou instalada na Sierra Maestra (na região da Comandancia de la Plata), já que há um museu da emissora ali, que pode ser acessado por meio de uma trilha no Parque Nacional Turquino (província de Santiago de Cuba).

127

– Estrutura de rádio Imagem 45 – Rádio “Hallicrafter” que Imagem 46 serviu de suporte receptor da gravação utilizada por Che durante a guerrilha na região de Las Vilas. Foto tirada no pela Radio Rebelde. Foto tirada no Museo de la Revolución, em Havana Museo de la Revolución, em Havana

Fonte: da autora

Fonte: da autora

Tais estações de rádio clandestinas na Sierra Maestra serviam também para interceptar as transmissões via rádio do Exército de Batista.

128

Imagem 47 – Texto lido na Radio Rebelde evidencia a comunicação entre colunas de guerrilheiros via ondas radiofônicas

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Alguns cuidados eram tomados pelo Exército Rebelde nessas comunicações radiofônicas, como o uso de códigos. Luis Buch, membro da Direção Nacional do M-26-7, relata o papel da comunicação cifrada58 ao contar os encaminhamentos resultantes de uma reunião realizada em 3 de maio de 1958 na Sierra Maestra para tratar do fracasso da greve geral de 9 de abril, convocada pelos rebeldes:

Allí se analiza que son necesarias e indispensables las comunicaciones como una cuestión fundamental. Entonces me dicen que hay que tener un contacto más directo, aunque ya hay comunicación con “Dos Índios Verdes” y también con “Índio Azul”, ambos en Venezuela. Se discutió esse asunto y el Che confeccionó la primera clave, muy sencilla, pues era un equivalente de letras y números, con una guia que corria. Se iba buscando letra a letra, con los números correspondientes, a los efectos de ir formando las palabras. La guia móvil era como las reglas de cálculo que se usan los ingenieros. Y así era como se iba confeccionando el mensaje. (VICTORES, 1979, p. 223).

Sobre esse assunto, explica Eduardo Fernández:

58 Para saber mais sobre os diversos usos de códigos nas comunicações do M-26-7, consulte o livro Claves para la Victoria, de Lino Rodríguez Pérez, Editorial Oriente, Santiago de Cuba, 2009, 189 págs.

129

Yo trabajé en la transmisión de las claves, se utilizaron con más frecuencia las de los dicionários que las hicieron Luis Buch y el Che, porque el Che era el que estaba más preocupado con este asunto [...] También se transmitían muchos mensajes con Venezuela en clave. [...] Los mensajes en la Comandancia General [Comandancia de la Plata] los cifraban y descifraban los compañeros Ricardo Oreste, Violeta [Casal] y yo, era un proceso trabajoso. (FERNANDEZ APUD RODRÍGUEZ, 2009, p. 52-53)

Essa comunicação cifrada pode ser observada nos documentos do arquivo pessoal de Vila:

Imagem 48 – Texto em linguagem cifrada utilizado pela equipe da Radio Rebelde; s/d

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

130

2.2.4. LINHA EDITORIAL

A partir da análise do material coletado, observa-se que a Radio Rebelde tinha como princípios orientadores de sua missão: propagandear os ideiais rebeldes e a luta insurrecional; informar, mobilizar e orientar o povo cubano para a resistência à ditadura; e ser instrumento de comunicação do M-26-7 (seja no llano, na Sierra Maestra, ou entre essas regiões). A seguir, detalhamos a compreensão desta pesquisa para cada um deles.

1) Propagandear os ideais rebeldes e a luta insurrecional A Radio Rebelde nasce como um instrumento dentro da estratégia de propaganda do Movimiento Revolucionario 26 de Julio. Com isso, assim como os demais meios de comunicação clandestinos rebeldes, tratam de divulgar as ideias do M-26-7 ao público-alvo citado no item anterior. Assim, a proposta de lutar contra a ditatura, de seguir os princípios estabelecidos no programa do Moncada, denunciando os crimes de Batista, estão presentes em todo conteúdo difundido pela emissora durante a guerrilha. Por meio da emissora, busca-se romper o cerco da censura midiática, da manipulação das informações em favor do governo e disputar a “opinião pública” com vistas à construção de um novo consenso, portanto, de uma nova hegemonia. Constitui-se, nesse sentido, ferramenta de contra-hegemonia, a partir do conceito gramsciano de hegemonia abordado anteriormente nesta dissertação. Em resumo, fica claro que a linha política seguida pela emissora é a mesma do M- 26-7.

2) Informar, mobilizar e orientar o povo para a resistência à ditadura Ao divulgar os resultados dos combates do Exército Rebelde – nas partes de guerra –, observa-se que a Radio Rebelde se torna instrumento de publicização da luta insurrecional. Porém, os efeitos disso vão além, uma vez que nesses conteúdos são utilizados recursos linguísticos (como adjetivação, linguagem emotiva e apelativa etc) que visam mobilizar o público-alvo para a resistência à ditadura. Para isso, as notícias também

131 objetivavam elevar o ânimo dos cubanos (por meio do patriotismo, da valorização das características de resistência do povo, do discurso emotivo etc). Às vezes de forma sutil, às vezes diretamente (por exemplo, no caso de uso de verbos no imperativo), as locuções evocavam especialmente o povo cubano a não aceitar a ditadura, bem como a se solidarizar aos ideais do M-26-7. Não obstante, no caso das transmissões da greve geral de 9 de abril de 1958 e do triunfo em 1º de janeiro de 1959, fica claro o papel de orientação ao povo desempenhado pela emissora, conforme abordado no capítulo dois.

3) Ser instrumento de comunicação do M-26-7 A Radio Rebelde desempenhou papel de conectar as colunas rebeldes, ao centralizar as comunicações radiofônicas com as demais estações clandestinas na Sierra Maestra e ao ser o meio de troca de informações principal entre os militantes da guerrilha e do llano. Assim, passou a influenciar diretamente a definição das táticas de combate do M-26- 7. Tal característica pôde ser percebida tanto nas comunicações estabelecidas entre as colunas e a emissora, e entre a emissora e o llano, fora dos horários “oficiais” de transmissão, como também nas emissões “oficiais” em si. Ao lado dos jornais clandestinos, a Radio Rebelde é pensada e consolidada como meio de comunicação oficial do M-26-7, com vistas à comunicação interna e externa.

133

2.3. MÚSICA COMO ARMA CONTRA-HEGEMÔNICA

A música esteve presente na Radio Rebelde desde a transmissão inaugural, que foi iniciada com o Himno Invasor. Um trecho instrumental dessa música precedia as emissões da Radio Rebelde na Sierra Maestra, e se transformou em marca registrada das emissões clandestinas. Originalmente, o hino foi composto ainda na Primeira Guerra de Liberação de Cuba, em 1895, pelo então comandante Enrique Loynaz del Castillo.

¡A las Vilas valientes cubanos: A Occidente nos manda el deber De la Patria a arrojar los tiranos ¡A la carga: a morir o vencer! De Martí la memoria adorada nuestras vidas ofrenda al honor y nos guía la fúlgida espada de Maceo, el Caudillo Invasor. Alzó Gómez su acero de gloria, y trazada la ruta triunfal, cada marcha será una victoria: la victoria del Bien sobre el Mal. ¡Orientales heroicos, al frente: Camagüey legendaria avanzad: ¡Vilareños de honor, a Occidente, por la Patria, por la Libertad! De la guerra la antorcha sublime en pavesas convierta el hogar; porque Cuba se acaba, o redime, incendiada de un mar a otro mar. A la carga escuadrones volemos, Que a degüello el clarín ordenó, los machetes furiosos alcemos, ¡Muera el vil que a la Patria ultrajó!

Outro hino que, não raro, aparecida nas transmissões da rádio era o Himno del 26 de Julio, ou seja, o hino oficial do Movimiento Revolucionario del 26 de Julio. Também conhecido como Hino da Liberdade (Himno de la Libertad), foi escrito originalmente na época do julgamento de Fidel por conta do assalto ao Quartel Moncada. Sobre a origem desse hino, explica Marta Rojas:

Fidel conocía que Agustín Díaz Cartaya era aficionado a la música y le encomendó que compusiera una marcha. Esto sucedió en La Habana, semanas antes del Moncada. La marcha fue creada por Cartaya y ensayada en la casa de Hugo Camejo, en Marianao, después de los sucesos, Fidel pidió que la arreglara, porque debía consignarse el sacrificio de los mártires, la sangre derramada.

134

En pocos días Cartaya modificó la marcha y antes de que concluyera el juicio ya todos tarareaban y cantaban en la cárcel la pieza a la que dio el nombre de Himno de la libertad, aunque sería más conocida como El Himno del 26 de Julio59

Abaixo, a letra do Himno de la Libertad:

Marchando, vamos hacia un ideal sabiendo que hemos de triunfar en aras de paz y prosperidad lucharemos todos por la libertad. Adelante cubanos que Cuba premiará nuestro heroísmo pues somos soldados que vamos a la Patria liberar limpiando con fuego que arrase con esta plaga infernal de gobernantes indeseables y de tiranos insaciables que a Cuba han hundido en el Mal. La sangre que en Oriente se derramó nosotros no debemos olvidar por eso unidos hemos de estar recordando a aquellos que muertos están. La muerte es victoria y gloria que al fin la historia por siempre recordará la antorcha que airosa alumbrando va nuestros ideales por la Libertad. El pueblo de Cuba... sumido en su dolor se siente herido y se ha decidido... hallar sin tregua una solución que sirva de ejemplo a ésos que no tienen compasión y arriesgaremos decididos por esa causa hasta la vida ¡que viva la Revolución!

59 Letra original del Himno del 26 de Julio. Disponível em: http://www.radiorebelde.cu/26-julio- rebelde/himno26-versiones.html Acesso em: 21 fevereiro de 2014.

135

Imagem 49 – Roteiro do programa veiculado pela Radio Rebelde em 30 de dezembro de 1958, já na cidade de Palma Soriano. Lê-se no item1 Himno Invasor; e no 10, Himno del 26

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Além dos hinos, as transmissões radiofônicas clandestinas na Sierra contaram com outro aspecto musical: o chamado Quinteto Rebelde. Tratava-se de um grupo composto por camponeses de uma mesma família e que foram convidados por Fidel para tocar música durante as transmissões. Eugenio Medina, um dos integrantes desse, recorda como tudo aconteceu:

Fidel habló con el viejo [pai de Eugenio] para hacer un programa de musical en Radio Rebelde. Porque los locutores dijeron que hacia falta una música, introducir la

136

música, para tener tiempo de intercambiar y esas cosas. Y entonces Fidel les dijo “bueno, si es que hay que poner música por obligación, vamos a poner música, pero que sean músicos de aquí. Vamos a poner este grupo, que toca bien, y hacerles un programa en la radio”. Entonces nos hicieron un programa dominical, todos los días a las cinco de la tarde, todos los domingos a las cinco de la tarde, participaron en Radio Rebelde. Nosotros nunca habíamos estado en una estación radial ni habíamos visto un micrófono, ni nada60.

No contexto da guerrilha, contudo, a música não era entendida como entretenimento, mas sim como ferramenta política na luta por libertação. Foi a partir desse entendimento que Fidel pede ao Quinteto Rebelde que as letras das canções tivessem engajamento político, como explica Medina:

Fidel dijo “mira, estuvo muy bien la música pero hace falta que ustedes vayan creando números musicales y que sean capaces de desmoralizar a Batista, a los soldados y a alegrar al Ejército Rebelde. Tremendo dilema, porque nosotros, cuando éramos más jóvenes, no sabíamos de composición, nada. Y entonces, bueno, comenzamos a hablar entre la gente, a estudiar entre los soldados rebeldes y oficiales que había allí, que pasaban por la casa, de lo que conocían de música y todo, y entonces, comenzamos a crear los primeros números61.

Tratava-se, portanto, de usar a música como instrumento de pressão psicológica naquele contexto. Mas a missão desses camponeses músicos não se limitava a tocar durante as transmissões regulares da Radio Rebelde ao povo cubano. Equipamentos móveis da emissora eram levados pelos rebeldes até a região de combate com os soldados da ditadura:

Y así fuimos al primer combate a Santo Domingo, con una pequeña planta de Radio Rebelde y dos campanas de amplificación, nos colocamos cerca de las ametralladoras 50 rebeldes y entonces, a partir de ahí, comenzamos a tocarle al enemigo y se quedaron callados que no se sentía un tiro. Y entonces los locutores arengando a los soldados que se rindieran, que estaban luchando por un régimen oprobioso, que estaban asesinando, acabando con el pueblo de Cuba, los crímenes que se cometían y demás, y entonces ellos se quedaban oyendo. [...] Cuando los soldados se rendían ellos decían que no sabían si estaban en un campamento, en una batalla o estaban en un cumpleaños en su casa o en qué estaban. Y había muchos que decían “bueno, yo, cuando sentí que estaban tocando y que a nosotros nos decían que el ejército rebelde masacraba, que mataba a los soldados, y entonces tenían música, yo dije “no, no, esa gente no puede ser criminales, esa gente... la gente que tiene cultura no puede ser asesinos”. Y entonces se rendían62.

60 Entrevista concedida a esta pesquisadora em julho de 2013. 61 Idem. 62 Idem.

137

Ainda sobre o impacto da utilização da Radio Rebelde nos combates, Violeta Casal recorda, em uma entrevista concedida à revista cubana Bohemia após o triunfo da revolução:

[Violeta] ― Primero, antes de entablar combate, el próprio Fidel les hablaba, conminándolos a rendirse. Les decía porqué estaban peleando ellos. Y porqué peleábamos nosotros. [Repórter] ― ¿Y daba resultado? ―¡Si! Una vez se pasaron a nuestras filas hasta 800 soldados. Y se ríe ahora. ― ¿Por qué se rie? ― Porque lo que más enardecia a los soldados del ejército es que le pusiéramos música cuando estaban peleando. ― ¿Música? ― Y canciones, y guarachas que habían sido compuestas en la Sierra. Como era posible que tuviéramos ánimo de hacer música mientras nos jugábamos la vida? Era cosa que no acertaban a compreender 63

Por exemplo, no depoimento de Eugenio Medina, verifica-se que a música tocada pela rádio durante os combates contra o Exército da ditadura era considerada “arma ideológica”.

[...] la ofensiva del tirano metió diez mil soldados por distintas partes de la Sierra [...] y entonces a Fidel se le ocurrió que había que dispararles con todas las armas al enemigo. Y dentro de ellas, una de las armas predilectas de él, que quería tirar al enemigo era la música. Y nos dijeron: “Oye, uestedes tienen que ir a un combate ahora y tiene que ir a meter música ahí, nada más”. Y contestamos: “Pero nosotros queremos armas”. Y ellos: “Ustedes tienen armas, el arma ideológica y esa es el arma que ustedes van a llevar allí”. Y así fuimos al primer combate a Santo Domingo[...]64.

Conclui-se que, ao longo da trajetória da emissora, a arte – no caso, a música – foi instrumentalizada para a luta por libertação de Cuba.

2.4. TRANSMISSÃO DA VITÓRIA REVOLUCIONÁRIA

Já nos últimos dias de dezembro de 1958, às vésperas do triunfo, o Exército Rebelde toma a cidade de Palma Soriano, na província de Granma, e ocupa uma estação de

63 Entrevista concedida por Violeta Casal à Revista Bohemia em 1959. 64 Entrevista concedida a esta pesquisadora em julho de 2013.

138 rádio local comercial de onde a Radio Rebelde passa a fazer suas transmissões. O militante Euclides Vázquez Candela conta a mudança de sede da emissora:

Y llegó el traslado de la planta, me parece que fue el 29 de diciembre. Llégó el comandante Paco Cabrera, que mirió em Venezuela, y nos dijo: - Por orden de Fidel, empaqueten la planta, súbanla al camión y vamos para Palma Soriano. Y esa misma noche, después de las transmissiones, nos fuimos para allá. (VICTORES, 1979, p. 385).

Na nova localidade, o nome da emissora se torna Palma Soriano Libre e a classificam como filial da Radio Rebelde.

Imagem 50 – Texto lido na Radio Rebelde já em Palma Soriano, nos momentos finais da guerrilha; s/d

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Em 31 de dezembro de 1958, Fulgêncio Batista foge de Cuba. As tropas do Exército Rebelde – que já havia declarado diversas cidades como território livre da ditadura – tomam Santiago de Cuba.

139

A emissora clandestina desempenhou papel estratégico na guerrilha até o último dia de combate. Foi por ela que Fidel anuncia, em 1º de janeiro de 1959, a chegada da revolução ao país e previne a população quanto aos planos contrarrevolucionários de um golpe de Estado. Isso porque, naquele momento, com a fuga de Batista, uma junta militar havia assumido o poder.

LOCUTOR: ¡Aquí Radio Rebelde, desde las puertas de Santiago de Cuba. ¡Atención, muy importante. Ahora viene a los micrófonos de Radio Rebelde el líder máximo de la Revolución cubana, el doctor Fidel Castro Ruz, quién hará trascendentales declaraciones. Con el pueblo de Cuba el doctor Fidel Castro. COMANDANTE FIDEL CASTRO: Instrucciones a todos los Comandantes del Ejército Rebelde y al pueblo. Cualesquiera que sean las noticias procedentes de la capital, nuestras tropas no deben hacer alto al fuego por ningún concepto. Nuestras fuerzas deben proseguir sus operaciones contra el enemigo en todos los frentes de batalla. [...] El pueblo y muy especialmente los trabajadores de toda la República deben estar atentos a Radio Rebelde, y prepararse urgentemente en todos los centros de trabajo para la huelga general, para iniciarla apenas si reciba la orden, si fuese necesario, para contrarrestar cualquier intento de golpe contrarrevolucionario.[...]65

Imagem 51 – Cópia da foto de Fidel Castro durante o pronunciamento na Radio Rebelde em 1º de janeiro de 1959, em Palma Soriano, rodeado pelos locutores da emissora. À esquerda, Ángel Fernández Vila

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

65 Coletânea do jornal Granma com pronunciamento de Fidel Castro e Raúl Castro relacionados à Radio Rebelde, publicado 1973 pelo Editorial Gente Nueva, em Havana.

140

A locutora Violeta Casal reitera que o pronunciamento de Fidel na Radio Rebelde, em rede com outras emissoras em 1º de janeiro de 1959, teve o relevante papel de esclarecer o povo cubano quanto ao cenário político que se impunha.

Se había estabelecido uma junta militar que podia llevar a la confusión al Pueblo. Y en aquel momento la voz de Fidel, em cadena con todas las emissoras, diciendo: ¡Golpe de Estado, no; Revolución, sí! Llamando a la huelga general revolcionaria y dando orden a Camilo [Cienfuegos] y al Che de avanzar hacia La Habana, fue determinante y aclaratorio para toda la ciudadanía (VICTORES, 1979, p. 400).

Após a transmissão de Fidel, a equipe partiu para Havana e as emissões continuam a ser feitas, mas pela emissora CMLK, ainda em Santiago de Cuba. Com a chegada do Exército Rebelde a Santiago de Cuba, chega ao fim a luta dos combatentes usando a guerrilha como ação política na Sierra Maestra. O primeiro dia do ano de 1959 é consagrado com o dia do triunfo da Revolução Cubana. Obviamente não se trata de uma ação localizada, mas sim de um processo que prossegue até os dias atuais. Assim como as polêmicas sobre ele. Ao longo da narrativa história sobre a Radio Rebelde nesses 311 de transmissão clandestina, observa-se que ela não só tem a intenção, mas também atua como instrumento na disputa de hegemonia. A emissora se coloca como arma do Movimiento 26 de Julio para retirar do poder os representantes da classe dominante e substituí-lo pelo comando do M-26-7. Não obstante, ao difundir as ideias revolucionárias, também se configura como instrumento de educação da classe trabalhadora e camponesa com vistas a construir uma nova hegemonia. Constitui-se, portanto, como uma frente contra-hegemônica dentro da luta insurrecional cubana.

141

2.5. ESTRUTURA DO CONTEÚDO VEICULADO

A partir do material coletado do acervo de Vila, a categorização do conteúdo foi realizada em cinco subgrupos: orden del programa (roteiro), partes de guerra (informes de guerra), campanhas, cables internacionales (notícias internacionais) e artigos. Foram mantidas como nomes das categorias as mesmas referências a elas existentes no próprio material pesquisado, sempre que possível. A escolha desses subgrupos foi feita, principalmente, a partir da indicação a esses termos existente nos roteiros das transmissões, como veremos no item 3.2.1.1. No caso específico de “campanhas” e “artigos”, a categorização resulta da interpretação do conteúdo realizada por esta pesquisa.

2.5.1. ORDEN DEL PROGRAMA (ROTEIRO)

No arquivo de Vila, constam os roteiros de sete programas da Radio Rebelde. Como título desses documentos, os rebeldes adotam “Orden del programa” ou “Orden de la transmisión”. Trata-se da sequência numerada indicando a ordem de veiculação do conteúdo na programação, bem como o locutor responsável por cada informativo. Embora a expressiva maioria dos textos tenha sido datilografada, os roteiros pesquisados são, via de regra, manuscritos. Entre as hipóteses para isso, está a possibilidade de que eles sejam o último conteúdo a ser produzido pela equipe (e, portanto, próximo do horário de transmissão), levando em conta o conjunto de textos que devem ser locutados no dia. Trazem, além de “Noticias”, campanhas do M-26-7 de boicote à ditadura – como “Shell con sangre” e “03C” – ou arrecadação de dinheiro (caso dos bonos), além de informações dirigidas a setores da população como “Obrero” e “Trabajadores”. Também incluem “Cables internacionales”, que são notícias oriundas de agências de notícias internacionais, como a Associated French Press e a United Press Internacional (UPI). Não obstante, alguns desses roteiros indicam a locução de artigos assinados por combatentes ou setores do M-26-7, como “Por qué boycoteamos a la Shell” e “Carta a mi padre”.

142

Abaixo, dois exemplos de roteiros digitalizados. Convém explicar que as letras abreviadas se referem ao nome dos locutores responsáveis por lerem no ar o referido conteúdo, a saber: “R” para Ricardo Martinez, “V” para Violeta Casal, “JE” para Jorge Henrique e “G” para Guillermo Mendoza.

Imagem 52 – Roteiro de transmissão da Radio Rebelde chamado Orden del Programa; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

143

Nesta imagem, o roteiro é da transmissão de 24 de dezembro de 1958, segundo afirma Vila. Por ser manuscrito, optou-se por transcrever o conteúdo para evitar dúvidas derivadas da caligrafia, conforme abaixo:

Orden del Programa 1 - – Presentación – Ricardo 2 - Noticiero – Entre todos V-JE-G-R 3 - Porque boycoteamos a la Shell – Violeta 4 - Cables internacionales – J.E. 5 - Obrera – Guillermo 6 - No uses Shell con sangre – Ricardo 7 - Economica – Violeta 8 - Cero 3 C – Entre los 4 9 - Carta a mi padre - Ricardo

No documento acima, observa-se que as informações de caráter mais noticioso são intercaladas com conteúdos puramente de propaganda, como no caso do boicote à Shell e aos cabarés, compras e cinema (03C), cuja análise será detalhada neste capítulo, no item “Campanhas”. Assim como é costume no jornalismo na atualidade, há a preocupação em agrupar em blocos cada tipo de informação. Por exemplo, agrupando as notícias do exterior, as nacionais, os conteúdos mais opinativos ou de comentários (artigos) e propagandas (campanhas). Tal roteiro indica uma programação bem estruturada e organizada, inclusive com a preocupação de divisão de locuções entre os profissionais. Não se vê amadorismo nessa preparação dos conteúdos. Neste caso, assim como ocorre muitas vezes em programas jornalísticos atuais, a programação é encerrada com um conteúdo mais emotivo, ou “mais leve” que o chamado “hard news”, que são os temas mais relevantes do dia, especialmente na política, economia e demais tradicionais editorias. Nessa transmissão, a última locução se refere a um texto escrito por um combatente destinado ao seu pai, abordando as motivações pessoais e políticas, os desafios e as conquistas da luta na Sierra Maestra.

144

Imagem 3 – Roteiro da Radio Rebelde utilizado na transmissão de 30 de dezembro de 1958, realizada em Palma Soriano

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Na imagem acima, o roteiro apresenta o seguinte conteúdo: Programa [palavra não identificada] [palavra não identificada] 30/12/58 – desde Palma Soriano 1 – Himno Invasor R -2 – Presentación de la Emisora

145

M - 2 – Dedicatoria V -4 – Al pueblo de Palma 5 – Boletin de noticias 6 – Liberada la [palavra não identificada] 7 – Campesino Libre 7 A – Palma Soriano ciudad heroica 8 - [palavra não identificada] 9 - Obreras 10 – Himno del 26

Em ambas as imagens, percebe-se que a estrutura do roteiro é organizada de maneira semelhante às rádios tradicionais (apresentação, notícias, propaganda etc), o que pode ser resultado justamente do perfil da equipe, afinal, eram locutores profissionais que atuavam na Radio Rebelde e, portanto, conheciam a rotina de uma emissora. No caso do segundo roteiro, vale informar que o escrito “30/12/58 – desde Palma Soriano” foi anotado por Vila durante a entrevista para esta pesquisa, em 2011, portanto, não faz parte do texto original do documento à época da guerrilha. No caso desta imagem, é importante destacar que o roteiro inicia e termina com músicas, o que aponta para a importância desse elemento para as transmissões. Trata-se de hinos que reforçam o imaginário “patriótico” e de luta armada (uma vez que ambos se referem a lutas por libertação em Cuba). É importante contextualizar que esse segundo roteiro se refere à transmissão, às vésperas do triunfo revolucionário, já na cidade de Palma Soriano, próximo à Sierra Maestra, para onde a emissora foi transferida nos últimos dias de guerrilha.

2.5.2. PARTES DE GUERRA (INFORMES DE GUERRA)

Esse tipo de conteúdo corresponde à expressiva maioria do arquivo digitalizado a partir de textos originais da Radio Rebelde. Por meio desses informes de guerra na Sierra Maestra, a emissora anunciava mortes de soldados do Exército Rebelde e do Exército da ditadura, rendições, armas e munição apreendidas, cidades tomadas pelos guerrilheiros etc. Ao analisar os documentos, percebe-se que há preocupação em detalhar essas informações na

146 locução, por exemplo, fornecendo quantidade exata e o nome do modelo de cada arma apreendida, tipos de munição etc. Verifica-se mais evidentemente nesse formato de conteúdo o papel de contrainformação exercido pela emissora na guerrilha. Isso porque a batalha da informação se colocava como elemento estratégico naquele cenário de censura e de manipulação das notícias por parte do governo de Fulgêncio Batista. Observa-se, todavia, que essas comunicações da emissora clandestina, no que é relativo às partes de guerra, cumpriam não somente o papel de informar o povo cubano sobre os resultados da luta armada na Sierra; constituíam também uma forma de compartilhar a informação sobre as colunas entre os próprios combatentes que estavam espalhados na região, bem como para o M-26-7 no llano. Ao veicular, por exemplo, que uma coluna rebelde venceu uma determinada batalha e apreendeu uma quantidade específica de armas e munição, o conjunto do Exército Rebelde – visto que boa parte das colunas tinha aparelho receptor de rádio, como já foi abordado no capítulo dois desta dissertação – e do M-26-7 tomava conhecimento detalhado da situação armada daquele grupo, o que influenciava a estratégia dos revolucionários. O mesmo raciocínio pode ser aplicado também no caso de anúncio de mortes de combatentes da luta por libertação, por exemplo. Abaixo, alguns exemplos de partes de guerra:

147

Imagem 54 – Texto locutado na Radio Rebelde com informações sobre soldados feitos prisioneiros e armas apreendidas durante ação dos rebeldes; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Imagem 55 – Texto locutado na Radio Rebelde informando o número de rendições de soldados e de apreensão de armas pelos combatentes; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

148

Imagem 56 – Informe de guerra locutado pela Radio Rebelde em 15 de dezembro de 1958 que noticia a entrega de 19 soldados da ditadura para a Cruz Vermelha; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

149

Imagem 57 – Página 2 de texto locutado na Radio Rebelde sobre vitórias dos rebeldes em Morón e Santa Cruz del Sur; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Na imagem 54, a precisão na listagem do armamento tomado pelos rebeldes aponta para quase um tradicional informe militar. Ao ser compartilhado, via Radio Rebelde, com o público geral da emissora, esse conteúdo ganha também um caráter emotivo, com vistas a impressionar os ouvintes a partir do detalhamento da grande quantidade de armas apreendidas, confirmando o “sucesso” (como assim definem no próprio texto locutado) da ação rebelde no imaginário do ouvinte. Na imagem 55, observa-se que os chamados “Ultima hora” têm a intenção de dirigir a atenção do ouvinte para a urgência daquela notícia. Num contexto de luta armada por libertação do país, obviamente, esse tipo de chamamento radiofônico provoca ainda mais emoção no ouvinte, que escuta as notícias como quem acompanha uma “novela”, em tempo real e da vida real. Essa situação tem como um dos resultados a maior empatia e a fidelidade do público para com a emissora. Sobre a importância da empatia no rádio, Mario Kaplún destaca:

150

Se em toda comunicação é indispensável a empatia, no rádio ela é decisiva. O comunicador radiofônico tem que desenvolver ao máximo sua capacidade de assumir a situação do ouvinte popular, tratar de perceber o mundo como ele percebe; sintonizar com sua vida, sua realidade, seu universo cultural [...] Alcançando esta comunicação empática, o ouvinte já não se sentirá como ausente, excluído da emissão, enfrentando conteúdos impostos [...] (KAPLÚN, 2008, p. 89)

No documento 56, verifica-se claramente a narrativa com recursos linguísticos opinativos e caráter emotivo utilizados no texto. No trecho: “[...] los soldados puestos em libertad por el ejército rebelde manifestaron reiteradamente que no se quedaban en las filas de la revolución algunos por sus años y otros por la nostalgia de su familia”, o uso do advérbio “reiteradamente” demonstra esse aspecto, assim como quando o texto justifica que os soldados não aderiram ao Exército Rebelde por motivo de idade ou “saudade”, e não por ideologia. Nessa mesma locução, no trecho “Algunos de ellos expresaron que en los días de convivencia en los campamentos rebeldes habían dejado parte del corazón y habían podido compreender la justicia de nuestra causa”, observa-se também a intenção de provocar comoção no ouvinte, especialmente ao dizer que soldados haviam deixado “parte do coração” nos acampamentos rebeldes, nos dias em que conviveram com os combatentes na Sierra Maestra. Essa narrativa procura reforçar o discurso do M-26-7 de antagonismo de comportamento entre as tropas do governo e as rebeldes: as primeiras, caracterizadas pela violência gratuita e por crimes bárbaros contra a população, indiscriminadamente; e as segundas, pelo humanismo ao lidar com o soldado rendido em combate e pelo respeito a esses cubanos. Na imagem 57, o informe de guerra – na mesma linha de comover o ouvinte – é finalizado com texto poético, em que a luta dos rebeldes é comparada ao “sol da liberdade”, em contraposição aos tempos sombrios vividos sob a ditadura. Esses recursos linguísticos que recorrem com ênfase à emoção se apoiam também na característica do meio radiofônico de poder levar o ouvinte a ter empatia e a se identificar com o rádio, em termos afetivos.

A fala do locutor ao microfone é percebida pelo ouvinte como “real” e “presente” e proporciona uma relação de empatia e identificação. Ao mesmo tempo, esta “voz amiga” do locutor que nunca vemos também conota uma determinada distância psicológica. (BALSEBRE, 2005, p. 331)

151

Neste sentido, adiciona-se a tal cenário a possibilidade de tais características serem reforçadas pela particularidade de cada locução.

O ritmo mais acelerado, por exemplo, na fala dos locutores dos noticiários acarreta uma certa tensão e contribui para criar um clima dramático, que chama a atenção do ouvinte para a importância do que está sendo dito. P. 343, Eduardo Meditsch, (org), Teorias do Rádio: textos e contextos, Volume I, Editora Insular, Florianópolis, 2005

Nas poucas cópias de gravações de locuções originais da Radio Rebelde em 1958 obtidas por essa pesquisa, verifica-se que, como se trata de locutores profissionais, o conjunto desses recursos (como entonação, ritmo, volume etc) era utilizado nas transmissões.

2.5.3. CAMPANHAS

Classificaram-se como “campanhas” os conteúdos de caráter puramente de propaganda e, portanto, em tom apelativo, em termos de linguagem, veiculados nas transmissões da Radio Rebelde. Nessas locuções, é notório o uso de verbo no imperativo ao se dirigir ao ouvinte, uma característica própria do conteúdo propagandístico. Destaca-se também o uso de aposto para chamar a atenção do ouvinte. Neste caso, é comum o uso da expressão “cubano” – o que aponta para uma das características inerentes ao rádio, que é a comunicação individualizada, a qual aproxima o ouvinte do locutor, criando empatia do receptor para com o emissor. Essa individualização da comunicação via rádio proporciona a sensação de intimidade do receptor com o emissor.

Ao mesmo tempo em que atinge milhares de pessoas, o rádio é voltado para o indíviduo em particular. As palavras, a forma de falar são pensadas para o ouvinte com suas particularidades e expectativas (BARBOSA FILHO, 2003, p. 46).

As principais campanhas – que eram divulgadas, às vezes, mais de uma vez numa mesma emissão – são as referentes à Shell, ao “03C” e aos bonos do M-26-7, conforme exemplificado a seguir.

152

Imagem 58 – Texto da campanha veiculada na Radio Rebelde convocando para o boicote à Shell; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

153

Imagem 59 – Texto da campanha “03C” veiculado na Radio Rebelde convocando a população a boicotar cinemas, compras e cabarés; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

154

Imagem 60 – Campanha veiculada na Radio Rebelde convocando a população a aderir aos boicotes contra a ditadura e a contribuir financeiramente com o M-26-7 por meio da compra de cupons; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

No documento 58, lê-se: “Cubano No uses Shell con sangre Repudia a los que venden armas al Tirano: No consumas productos ingleses”

155

Diversos exemplares com o mesmo conteúdo do texto acima foram encontrados no acervo de Vila, o que indica um uso expressivo dessa “campanha” pela Radio Rebelde nos últimos dois meses da guerrilha, ao menos. Já no texto 59 observa-se que a locução é dividida entre Violeta Casal, Ricardo Martinez e Jorge Henrique, conforme anotação na margem esquerda do documento. Na referida imagem, lê-se:

“03C – Qué es 03C? 03C – Es la consigna de la verguenza: 0 Cine 0 Compra 0 Cabaret Recuerda cubano la consigna de la verguenza: cero cine, cero compra, cero cabaret”

Conforme explicado no capítulo um, o “03C” era uma ação de propaganda do Movimiento 26 de Julio em que eles divulgaram em clima de “surpresa” a sigla à população por meio de jornais e do rádio, e somente tempos depois assumiram a autoria dela e explicaram que se tratava de uma convocatória do povo cubano ao boicote à ditadura. Já no caso da imagem 60, a locução faz a propaganda de duas campanhas: a 03, embora sem citá-la expressamente, e a compra dos cupons produzidos pelo M-26-7 para financiar as ações rebeldes, inclusive as de propaganda.

2.5.4. CABLES INTERNACIONALES

Conforme verificado em diversos documentos do acervo do Vila, o Movimiento 26 de Julio acompanhava o que era divulgado pelas agências de notícias estrangeiras. No final dos anos 1950, como citado anteriormente, destacava-se a atuação da Associated French Press e da United Press Internacional (UPI). Por meio delas, os militantes tomavam conhecimento das movimentações dos governos estrangeiros com relação à conjuntura cubana, do tipo de informação que era veiculada referente à luta insurrecional e do viés político. A partir também dessas análises, o M-26-7 orientava sua propaganda, seja no sentido de compartilhar a informação das agências ou de fazer o trabalho de

156 contrainformação, usando os meios clandestinos de comunicação, isto é, os jornais, a Radio Rebelde, demais emissoras clandestinas no llano etc.

Imagem 61 – Texto locutado pela Radio Rebelde em que é denunciada a veiculação, por parte de agências de notícias internacionais, da falsa informação de que Che Guevara estaria morto; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

157

Imagem 62 – Texto locutado na Radio Rebelde repercutindo a informação veiculada pela agência de notícias internacional UPI sobre a fuga de familiares de Fulgêncio Batista, de Cuba; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

158

Imagem 63 – Texto locutado pela Radio Rebelde divulga informações veiculadas por agências de notícias estrangeiras; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

2.5.5. ARTIGOS

As transmissões da Radio Rebelde também veiculavam, via de regra, textos opinativos assinados, seja por pessoa física ou por setores do M-26-7, por exemplo. Tratava- se de comunicados ou posicionamentos políticos sobre algum tema importante da conjuntura daquele período, obviamente, relacionado à luta insurrecional. Caracterizam-se também por serem conteúdos mais longos e sem a mesma preocupação da linguagem radiofônica, até porque eram escritos por pessoas que não necessariamente atuavam na área de propaganda e tinham os conhecimentos específicos sobre a linguagem radiofônica, como era o caso dos locutores da Radio Rebelde. A seguir, alguns exemplos desse tipo de conteúdo:

159

Imagem 64 – Primeira página do artigo assinado pela Sección Obrera Nacional del Movimiento 26 de Julio, datado de 13 de dezembro de 1958, e locutado na Radio Rebelde; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

160

Imagem 65 – Segunda e última página do artigo assinado pela Sección Obrera Nacional del Movimiento 26 de Julio, datado de 13 de dezembro de 1958, e locutado na Radio Rebelde; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

161

Imagem 66 – Última página (de um total de sete) do artigo escrito pelo capitão Evelio Laferté e lido na Radio Rebelde; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

162

Imagem 67 – Artigo sobre boicote à Shell convocado pelo M-26-7 e lido por Jorge Henrique na Radio Rebelde; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

163

2.6. PÚBLICO-ALVO DA EMISSORA

Verifica-se que a emissora tinha entre os seus públicos-alvos quatro grupos prioritariamente, a destacar: a militância do M-26-7, o povo cubano em geral (especialmente a classe trabalhadora, foco de diversas transmissões), os soldados da ditadura (em geral, na tentativa de convencê-los a desertar do exército de Batista) e a população estrangeira (que acompanhava as emissões via Cadena de la Libertad). A seguir, detalhamos as características da comunicação radiofônica dirigida a cada um desses públicos e os recursos utilizados nos textos de tais locuções.

2.6.1. MILITÂNCIA DO M-26-7

As emissões da Radio Rebelde eram fonte de informações para os membros do Movimiento 26 de Julio em todo o país. Pelas ondas do rádio, os militantes das cidades (ou seja, do chamado llano) tomavam conhecimento das ações militares na Sierra Maestra, recebiam orientações de atuação e também eram motivados a continuar na luta contra a ditadura. Abaixo dois exemplos de locuções feitas na emissora, em que fica claro tal destinatário das mensagens:

164

Imagem 68 – Texto locutado pela Radio Rebelde dirigido aos quadros clandestinos do M-26-7 na capital cubana; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

A locução acima se dirige aos “cuadros clandestinos de La Habana”, ou seja, aos militantes do M-26-7 e demais grupos de resistência à ditadura. Refere-se à morte de um aliado da ditadura, que denunciou os rebeldes – que acabaram presos ou assassinados. Ramon Rivero Martinez foi morto pelas milícias da capital cubana, a quem o texto se refere com exaltação como “abnegadas milicias” e transmite o feito como um ato de justiça, ao afirmar que “Así pagan los chivatos66 su crimen a la Revolución”.

66 “Chivato” é a expressão coloquial usada pelos movimentos clandestinos e pela população contrária a Batista para se referir aos aliados da ditadura.

165

Imagem 69 – Texto locutado pela Radio Rebelde convocando os “companheiros de Havana” a entrarem em contato com a emissora; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Já na imagem 69, os combatentes utilizam a emissora para convocar os militantes da capital a se comunicarem com a Sierra Maestra, possivelmente, para troca de informações – haja vista que, ao indicarem que o façam “en la forma acostumbrada”, deduz-se que a emissão é voltada a um determinado grupo do M-16-7 que já tem relação com o Exército Rebelde.

2.6.2. POVO CUBANO

As transmissões da rádio se dirigiam, em boa parte, ao povo cubano, seja com o objetivo informativo (sobre o andamento da guerrilha, denúncia dos crimes da ditadura etc), ou mesmo de conscientização e mobilização para a resistência. Sobre esses objetivos, Kaplún destaca que

166

Ser sugestivo no rádio é uma possibilidade [...] É quase uma exigência, já que a eficácia da mensagem radiofônica depende, em grande medida, da riqueza sugestiva da emissão, de sua capacidade de digerir, de alimentar a imaginação do ouvinte, com uma variada proposta de imagens auditivas (KAPLÚN, 2008, p. 85).

Imagem 70 – Texto locutado na Radio Rebelde, dirigido ao povo de Cuba, em que denunciam nominalmente inimigos da luta insurrecional; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

No texto acima, os locutores evocam o “pueblo de Cuba”, a que chamam a atenção para três importantes personalidades aliadas a Fulgência Batista. Eles são considerados pelos rebeldes como criminosos de guerra, pois seriam apoiadores da ditadura, seja por meio do financiamento à guerra – pela compra de equipamento bélico (bombas, aviões etc) – ou pela fabricação de bombas que seriam usadas contra quem resistia à ditadura. São eles: Julio Iglesias, presidente da Shell, em Cuba; Jose Lopes Vilaboy, presidente da Cubana de Aviación e do jornal Mañana; e capitão J. Demestre, oficial aposentado do Exército.

167

Imagem 71 – Texto locutado em 29 de dezembro de 1958 pela Radio Rebelde conclamando que o povo fique alerta à tentativa de golpe contrarrevolucionáro

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Na imagem acima, dirigida ao povo cubano, a emissora alerta sobre o golpe e pede que a população aguarde as orientações do M-26-7 via rádio antes de agir.

168

2.6.3. SOLDADOS DA DITADURA

A estratégia de comunicação do M-26-7 voltada para os soldados esteve baseada no trabalho de convencimento para que esses cubanos deixassem o exército do governo e passassem a integrar as forças revolucionárias. Em vez de tratá-los unicamente como meros inimigos em um cenário de guerra e que, portanto, deveriam ser mortos, os combatentes realizaram esforços no campo da propaganda a fim de convencê-los a abandonar o apoio à ditadura, mostrando a contradição da luta.

Imagem 72 – Texto locutado na Radio Rebelde direcionado às tropas da ditadura, incentivando a deserção; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Na transmissão radiofônica acima, os locutores se dirigem aos soldados do exército de Fulgêncio Batista, a quem questionam a motivação para apoiarem a ditadura. O tom do texto mostra que não se trata de atacar diretamente esse público-alvo, mas sim de estimulá-los à reflexão com vistas ao convencimento à deserção. Para isso, são preferidas perguntas a afirmações, como no caso de “¿por quién empuñas tu arma?”; e são usados

169 imperativos para dissuadi-los a manterem-se no exército do governo, como no caso de “Soldado de Batista... arranca la venda que cube tus ojos y pasate a las fuerzas revolucionárias”.

170

Imagem 73 – Texto locutado na Radio Rebelde, com trecho assinado por um ex-soldado da ditadura, que passou a integrar o Exército Rebelde; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

Já na locução acima, reproduz-se o texto de um ex-soldado de Batista que se uniu ao Exército Rebelde e na ocasião se dirige aos demais soldados do regime com o objetivo de

171 convencê-los a apoiar as forças de libertação do país. Para isso, afirma que eles devem cumprir o juramento feito no alistamento militar e pede, “por el bien de Cuba, de nuestros hermanos, que pases a nuestro lado com armas y equipos, a las filas heróicas de la revolución”. A adjetivação também é traço comum nas locuções da Radio Rebelde, seja para valorizar os combatentes ou o povo cubano, seja para dar tratamento perjorativo aos aliados à ditadura. As locuções dirigidas aos soldados não se limitavam às transmissões realizadas pelas antenas, tradicionalmente. O combatente Arsênio Garcia D´Ávila, que atuou na Coluna 1 – liderada por Fidel –, narra o uso dos amplificadores e microfones da emissora em ações diretas de combate na Sierra Maestra:

La aviación les [às tropas de Batista] tiraba en paracaídas alimentos y las cartas de los familiares a los soldados y todo eso caía muchas veces en nuestras manos, pues estábamos tan cerca que los paracaídas esos que el viento los mueven y nosotros... y por la radio nosotros les decíamos “pongan atención que les vamos a leer las cartas de sus familiares”. Era un silencio absoluto. Nada más que se oía el fondo de las aves en la Sierra. No se sentía un disparo. Entonces decíamos: “al teniente fulano de tal, le vamos a leer la carta de su esposa, fulana de tal y de sus hijos”. Eso, después de que los hicimos prisioneros, ellos mismos nos confesaron que eso había impactado mucho, había creado un estado psíquico muy importante en que ellos decidieron rendirse. Y entonces les poníamos el conjunto “ahora nosotros vamos a oír un poco de música porque sabemos que ustedes están ahí agotados, sabemos que están ahí, nosotros no los vamos a dejar salir de ahí y entonces para que tengan un poco de sosiego y demás les vamos a poner un poco de música” y les poníamos el Quinteto [grupo musical Quinteto Rebelde] y les cantaban por los amplificadores que les poníamos67

Nessa situação, é conservado o potencial que as ondas de rádio tinham em atingir o equilíbrio emocional dos soldados e como a emissora era utilizada deliberamente com esse propósito na guerrilha, ou seja, como arma.

2.6.4. POPULAÇÃO ESTRANGEIRA

Como já explicado anteriormente, por ser uma emissora também em ondas curtas, as transmissões da Radio Rebelde chegavam a diversos países, especialmente da América

67 Entrevista concedida a esta pesquisa em 2011.

172

Latina. Era, portanto, uma forma de furar o bloqueio da censura da ditadura de Batista, levando informações ao exterior, bem como propagandeando a luta revolucionária cubana para além da ilha.

Imagem 74 – Texto locutado na Radio Rebelde direcionado à opinião pública da América denunciando as ações da ditadura; 1958

Fonte: Arquivo Ángel Fernández Vila

173

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Revolução Cubana não pode ser meramente classificada como um fato histórico, no sentido da linha do tempo, da cronologia. Trata-se de um tema contemporâneo, que ganha novos desdobramentos a cada dia – a exemplo da retomada das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, interrompidas desde 1961 por motivos políticos. Aprofundar os estudos nas universidades, portanto, dos cenários e processos que culminaram na atual conjuntura da ilha socialista – que tem reflexos ainda hoje na conjuntura mundial, especialmente na região latino-americana – coloca-se praticamente como urgência e necessidade. O imaginário de que uma dúzia de militantes revolucionários foi a responsável originária pela derrubada da ditadura de Fulgêncio Batista cai por terra quando se observa a trajetória das diversas lutas por libertação do povo cubano – ora do domínio espanhol, ora do estadunidense, ora de ditaduras locais – apoiadas pelos EUA. A Revolução Cubana é resultado do conjunto desses processos históricos. O surgimento do Movimiento Revolucionario 26 de Julio, que inicia a luta armada contra Batista em 1953, não é a expressão inequívoca de um povo oprimido e cansado da situação de exclusão, pobreza e repressão. Trata-se de um movimento que nasce sem ter as condições ideias para ir à luta e que, consciente dessa conjuntura, constrói a luta ao mesmo tempo em que busca conscientizar a população sobre a necessidade de resistência à ditadura. Para essa tarefa, tal movimento parte do entendimento de que o movimento de massas só é possível a partir de algumas condições, entre elas o avanço da propaganda revolucionária. Lutar contra a hegemonia em Cuba naquela época significava criar instrumentos políticos e ações para furar o bloqueio da censura e burlar a repressão. A proliferação de jornais e estações de rádio clandestinos do M-26-7 na década de 1950 remete às lições de outras experiências de uso dos meios de comunicação como arma política – um clássico que é aplicado por governos, milícias, guerrilhas, etc. até os dias de hoje. A escolha do rádio como meio principal de comunicação do Exército Rebelde na guerrilha na Sierra Maestra se apoia em motivações políticas, financeiras e estruturais da sociedade cubana naquele período. Durante os 311 dias da primeira transmissão oficial da Radio Rebelde (24 de fevereiro de 1958) até o fim da guerrilha (1º de janeiro de 1959), a emissora se consolidou como meio de comunicação, contrainformação, orientação do povo,

174 mobilização, aparato militar. Desempenhou papel de frente de luta, assim como as colunas propriamente ditas com combatentes armados. No caso, a arma era o microfone. A equipe profissional de locutores, técnicos, redatores que participaram das transmissões teve papel fundamental na configuração de uma emissora que não se caracterizava pelo amadorismo – mesmo sob as condições adversas do período e do local onde estava instalada. Da mesma maneira, contribui para essa eficiência na comunicação radiofônica o entendimento do M-26-7 de que a emissora não era um mero depósito de informações. A inovação e a criatividade também marcam a trajetória da emissora clandestina que é lembrada até hoje por seu papel no processo pré-revolucionário. A utilização da música como arma ideológica e psicológica é exemplo disso, assim como o estabelecimento de comunicação permanente e em rede com emissoras radiofônicas estrangeiras. A análise de parte do conteúdo das transmissões da Radio Rebelde durante a guerrilha aponta para a diversidade de públicos atingidos, bem como ao caráter propagandístico dos ideiais do M-26-7 – levando-se em consideração, neste aspecto, os objetivos da propaganda revolucionária. Ao adotar claramente a linha política do M-26-7 perante a luta insurrecional, a emissora se consolida como a voz oficial dos rebeldes e passa a ser fonte do povo cubano que durante os 25 meses de guerrilha acolheu os combatentes na liberação de territórios da ilha. Assim, verifica-se que a emissora desempenhou distintos papéis ao longo da trajetória, ao propagandear os ideiais rebeldes e a luta insurrecional; informar, mobilizar e orientar o povo cubano para a resistência à ditadura; e ser instrumento de comunicação do M- 26-7. A luta armada das colunas do Exército Rebelde, combinada à ação das milícias no llano, foi fundamental para a derrubada da ditadura de Batista. Mas o processo que culminou no trinfo revolucionários não se resume a um episódio militar. Trata-se de um processo, do qual a via armada foi uma ação política adotada pelos insurgentes, mas que só foi possível devido a diversos fatores. A propaganda, como apotam os próprios protagonistas da Revolução Cubana, foi fundamental nesse cenário. E a Radio Rebelde teve papel de destaque nessa questão, tendo sido classificada pelo comandante-chefe do Exército Rebelde, Fidel Castro, com o mesmo nível de importância que o hospital e a fábrica de munições instaladas na Sierra Maestra.

175

BIBLIOGRAFIA

AYERBE, L. F. A Revolução Cubana. São Paulo: Editora Unesp, 2004.

BALSEBRE, A. A linguagem radiofônica. In: MEDITSCH, E. (Org.). Teorias do Rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, Vol. I, 2005.

BARBOSA FILHO, A. Gêneros Radiofônicos: os formatos e os programas em áudio. São Paulo: Paulinas, 2003.

BAUER, M. W.; GASKELL, G. (Orgs.) Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Petrópolis: Editora Vozes, 2011

BELL LARA, J. Fase insurreccional de la Revolución Cubana. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2007.

BRASIL, I. 1932 - A Guerra de São Paulo. São Paulo: Factash, 2006.

CASTRO RUZ, F. A história me absolverá: discurso de Fidel Castro ante o Tribunal de Exceção de Santiago de Cuba, proferido em 16 de outubro de 1953. São Paulo: Alfa-Omega, 1979.

CASTRO RUZ, F. Por todos los caminos de la Sierra. La victoria estratégica. La Habana: Oficina de Publicaciones Del Consejo de Estado, 2010.

CHE GUEVARA, E. La guerra de guerrillas. La Habana: Editorial de Ciências Sociales, 1985.

______Nossa luta em Sierra Maestra. Exemplar No. 4087. Editora Sabiá.

COHN, G. Sociologia da comunicação: teoria e ideologia. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1973.

COSTA, O. F. Rádio e política: a aventura eleitoral dos radialistas no século XX. Londrina: Eduel, 2005.

COUTINHO, C. N. Gramsci – Um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

COUTINHO, C. N.; NOGUEIRA, M. A. (org.). Gramsci e a América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

COUTINHO, C. N.; TEIXEIRA, A. P. (orgs). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

DÍAZ CASTAÑON, M. P. Ideología y revolución. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2001.

______Prensa y Revolución: la magia del cambio. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2010.

DÍAZ, A. P. Propaganda y revolución en Santiago de Cuba: 1952-1958. Santiago de Cuba: Oficina del Conservador de la Ciudad, 2003.

176

DOCUMENTOS DEL PERIÓDICO GRANMA. Fidel en Radio Rebelde – Principales documentos del comandante Fidel Castro trasmitidos por Radio Rebelde durante la guerra revolucionaria. La Habana: Editorial Gente Nueva, 1973.

DONATO, H. História da Revolução de 32. São Paulo: Editora Ibrasa, 2002.

FERNANDES, F. Da guerrilha ao socialismo: a revolução cubana. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979.

FERRARETTO, L. A. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Doravante, 2007.

GARCIA GONZÁLEZ, J. A. La guerra sicológica contra Cuba (1956-1958). Santiago de Cuba: Editorial Oriente: 1989.

GIANNOTTI, V. Comunicação dos trabalhadores e hegemonia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2014.

GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere, volumes 1, 2 e 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

HALE, J. Radio Power - Propaganda and international broadcasting. Londres: Elek Books Limited, 1975.

HALE, J. O Rádio como arma política: os modelos de propaganda nas guerras. In: MEDITSCH, Eduardo; ZUCULOTO, Valci (orgs.). Teorias do Rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, Volume II, 2008.

KAPLÚN, M. A natureza do meio: limitações e possibilidade do Rádio. In: MEDITSCH, E.; ZUCULOTO, V. (Org.). Teorias do Rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, Vol. II, 2008.

LOPES, M. I. V. Pesquisa em comunicação. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005.

LÖWY, M. O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Expressão Popular, 1999.

LUIS LÓPEZ, O. La radio en Cuba. 3.ed. La Habana: Letras Cubanas, 2002.

LUIS, J. G. Revolución, Socialismo, Periodismo: La prensa y los periodistas cubanos ante el siglo XXI. La Habana: Pablo de la Torriente Editorial, 2013.

MÁO JÚNIOR, J. R. A revolução cubana e a questão nacional (1868-1963). São Paulo: Ed. Do Autor, 2007.

MARCONDES FILHO, C. O discurso sufocado. São Paulo: Loyola, 1982

MARTÍN-BARBERO, Jesús. De los medios a las mediaciones: comunicación, cultura y hegemonia. Barcelona: Ediciones Gustavo Gili, 1987.

MARTÍNEZ VICTORES, R.. 7RR: La historia de Radio Rebelde. 2.ed. La Habana: Editora Política, 2008.

MCLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 2011.

MEDITSCH, E. (Org.). Teorias do Rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, Vol. I, 2005.

177

MEDITSCH, E.; ZUCULOTO, V. (Org.). Teorias do Rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, Vol. II, 2008.

MENCIA, M. La prisión fecunda. La Habana: Editora Política, 1981.

PABLO RODRÍGUEZ, P. Martí e as duas Américas. Tradução de Ana Corbisier. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

PÉREZ SALOMÓN, O. Terrorismo en el éter: agresión radio televisiva contra Cuba. La Habana: Editora Política, 2004.

PERUZZO, C. M. K..Comunicação nos movimentos populares: A participação na construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998.

______De la Sierra Maestra a Santiago de Cuba. La contraofensiva estratégica. La Habana: Oficina de Publicaciones del Consejo de Estado, 2010.

QUEIROZ, R. A pesquisa sobre rádio. In: MELO, José Marques (Org.). Pesquisa em comunicação no Brasil: Tendências e perspectivas. São Paulo/Brasília, INTERCOM/ Cortez/CNPq, 1983.

RODRÍGUEZ PÉREZ, L. Claves para la victoria. Santiago de Cuba: Editorial Oriente, 2009.

RUEDA JOMARRÓN, H. Tradiciones combativas de un pueblo: las milicias cubanas. La Habana: Editora Política, 2009.

SADER, E. A Revolução Cubana. São Paulo: Página Aberta, 6ª edição, 1992.

SOUSA, M. B. Rádio e propaganda política: Brasil e México sob a mira norte-americana durante a Segunda Guerra. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004.

VICTORES, R. M. 7RR - La historia de Radio Rebelde. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1979.

VIGIL, J. I. L.. Las mil y una historias de Radio Venceremos. San Salvador: UCA Editores, 1991.

VILA, A. F. Por las ideas del Moncada. La Habana: Casa Editorial Verde Olivro, 2013.

179

ANEXOS

181

ANEXO 1: ENTREVISTAS

Buscou-se — prioritariamente — entrevistados que tiveram alguma participação direta na Radio Rebelde durante os 311 dias de transmissão na Sierra Maestra, em 1958. Cabe ressaltar a dificuldade de encontrar tais personagens, uma vez que os poucos combatentes vivos que participaram desse capítulo da guerrilha são idosos – alguns com comprometida saúde mental, como relatado por algumas fontes. Assim, foram localizadas quatro fontes, com as quais se produziu entrevistas de profundidade, com foco no período da guerrilha e seus antecedentes à primeira transmissão radiofônica clandestina. O objetivo pretendido era que o entrevistado pudesse retomar sua vivência relacionada à emissora de forma retrospectiva. Optou-se por não seguir rigorosamente o esquema de pergunta e resposta, a fim de alcançar uma versão menos imposta, porém estimulando o entrevistado a contar sua história de vida naquele contexto político-social de luta por libertação cubana. Com isso, foi possível reconstruir acontecimentos sociais a partir da perspectiva dessas fontes. São elas: - Ángel Celestino Fernández Vila. Foi subdiretor da Radio Rebelde entre novembro de 1958 e janeiro de 1959. Antes disso foi Delegado Nacional de Propaganda do M-26-7, em Havana. Entrevistas em áudio e vídeo realizadas na cidade de Havana, em 2 de agosto de 2011 e 2 de agosto de 2013. Duração total: 1hora e 40 minutos; - Arsenio Garcia D´Ávila, nascido em 1º de abril de 1931. Combatente do Exército Rebelde na Coluna 1 ― que tinha como base a Comandancia de la Plata, local onde a Radio Rebelde ficou instalada durante a maior parte do tempo ―, sob o comando de Fidel Castro. É um dos expedicionários do iate Granma (vindo do México em 1956, que trouxe os guerrilheiros até a Sierra Maestra, entre eles, Fidel Castro, Raúl Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos). Entrevista em áudio realizada na cidade de Ciego de Ávila, em Cuba, em 26 de julho de 2011. Duração total: 49 minutos; - Ciro Arturo Del Rio Guerra, nascido em 3 de agosto de 1934. Integrou o Exército Rebelde como segurança do “estúdio” da Radio Rebelde em 1958, tendo sido um dos responsáveis pelo traslado dos equipamentos da emissora para a Sierra Maestra. Atuou também como soldado M-26-7. Entrevista em áudio e vídeo realizada na cidade de Havana, em 20 de julho de 2013. Duração total: 44 minutos e

182

- Eugenio Medina, nascido em 30 de dezembro de 1941. Camponês integrante do grupo musical Quinteto Rebelde, que participava das transmissões da Radio Rebelde na Sierra Maestra. Entrevista em áudio e vídeo realizada na cidade Bartolomé Masó, em Cuba, em 28 de julho de 2013. Duração total: 28 minutos. Não obstante, foram realizadas duas entrevistas adicionais com o objetivo de apreender a importância da emissora até os dias atuais – uma vez que ela ainda está no ar –, bem como colher considerações de tais fontes a respeito do papel da Radio Rebelde na época da guerrilha. Contribuíram, sobretudo, para contextualizar a atualidade desta pesquisa. São elas: - Pedro Pablo Figueiredo Rodriguez, jornalista, diretor geral da Radio Rebelde entre 1998 e 2003. Entrevista em áudio e vídeo realizada na cidade de Havana, em 22 de agosto de 2013. Duração total: 35 minutos e - Sofia Mabel Manso Delgado, jornalista, atual diretora-geral da Radio Rebelde. Entrevista em áudio e vídeo realizada na cidade de Havana, em 1º de agosto de 2013. Duração total: 46 minutos. Por meio do contato com essas duas fontes foi possível acessar o acervo da Radio Rebelde e Radio Habana Cuba e obter cópia dos áudios transmitidos pela emissora clandestina.

183

ANEXO 2: DOCUMENTOS SONOROS

Por meio do trabalho de campo em 2011 e 2013, foi possível obter cópia de 11 arquivos em formato de áudio (digitalizados em formato .mp3) relacionados — direta ou indiretamente — à atuação da Radio Rebelde na época da guerrilha. Entre eles, a famosa transmissão em que Fidel anuncia, em 1º de janeiro de 1959, a vitória do Exército Rebelde sobre os soldados da ditadura na Sierra Maestra. Além disso, foram coletadas cópias dos hinos Invasor e do M-26-7, que tocavam na emissora clandestina; bem como a vinheta da rádio na época e transmissão realizada no 15º aniversário da Radio Rebelde, em que Fidel fala sobre a emissora. Esses documentos sonoros foram cedidos pela própria Radio Rebelde e Radio Habana Cuba. Esta última vem desenvolvendo há alguns anos a digitalização das transmissões de rádio após 1959, especialmente os discursos de Fidel Castro, o que facilitou a localização de alguns arquivos sonoros sobre o tema.

Os arquivos radiofônicos coletados são: ALOCUCIÓN de Fidel Castro a los Comandantes del Ejército Rebelde. Acervo Radio Habana Cuba, 1 jan. 1959. Duração: 4min 39seg. ALOCUCIÓN de Fidel Castro a las puertas de Santiago de Cuba. Acervo Radio Habana Cuba, 1 jan. 1959. Duração: 5min 32seg. ALOCUCIÓN de Jose A. Echeverria. Acervo Radio Habana Cuba, 13 mar. 1957. Duração: 5min 15seg. COMPARESENCIA televisiva de Fidel Castro en que habla sobre Radio Rebelde. Acervo Radio Habana Cuba, 26 fev. 1973. Duração: 47min 45seg. ENTREVISTA a los Comandantes Fidel y Che en la Sierra Maestra. Acervo Radio Habana Cuba, [195-]. Duração: 1h 28min. HIMNO del 26 de Julio – coro y orquesta. Acervo Radio Habana Cuba, Duração: 1min 46seg. HIMNO Invasor - instrumental. Acervo Radio Habana Cuba, Duração: 4min 02seg. IDENTIFICACIÓN de R.R. desde la S. Maestra. Acervo Radio Habana Cuba, [1958]. Duração: 2min.

184

INTERVENCIÓN de Fidel Castro en Radio Rebelde en su primera visita a dicha emisora. Habla del fracaso a la ofensiva del ejército enemigo contra la Sierra Maestra. Acervo Radio Habana Cuba, abr. 1958. Duração: 47min 45seg. PALABRAS de Fidel Castro con motivo del XV Aniversario de Radio Rebelde. Acervo Radio Habana Cuba, [1973]. Duração: 17min 56seg. PROG. de R. Rebelde desde la Sierra Maestra realizado el 24-Feb-1973 con motivo de su XV aniversario. Acervo Radio Habana Cuba, 24 feb. 1973. Duração: 18min 21seg. TRANSMISIÓN de Radio Rebelde a las puertas de Santiago de Cuba. Acervo Radio Habana Cuba, 1 jan. 1959. Duração: 31min 48seg.

Em seguida, tais conteúdos de áudio foram transcritos em espanhol para que pudessem ser analisados nesta dissertação.

185

ANEXO 3: JORNAIS E REVISTAS

Esta pesquisa preocupou-se em obter cópia digitalizada dos jornais clandestinos elaborados pelo Movimiento Revolucionario 26 de Julio durante a guerrilha, tendo em vista a relação estreita que esses meios de comunicação estabeleceram com a Radio Rebelde, dentro da estratégia maior de propaganda do M-26-7. Apostou-se que, por meio desse arquivo, seria possível obter elementos sobre o papel da emissora no processo guerrilheiro e o consequente triunfo da Revolução Cubana — expectativa que realmente se efetivou na prática. Para isto, foram investigados os acervos da Biblioteca Nacional José Martí, Biblioteca Ruben Martínez, e do Ángel Fernandez Vila relacionado a essas publicações. Como Vila havia sido delegado nacional de propaganda do M-26-7 e fundador do Vanguardia Obrera, ele mantinha um importante número de exemplares desses jornais clandestinos na casa dele. Tais documentos foram fotografados na íntegra. O trabalho posterior foi organizar as edições e montar um catálogo digital dividido por nome da publicação e data de veiculação. Cabe esclarecer que esse vasto material — 90 edições, aproximadamente — foi utilizado como fonte complementar e a esta pesquisa, uma vez que não são o objeto propriamente dito desta dissertação. O rico conteúdo essas publicações clandestinas, contudo, constitui um relevante material a ser investigado em nova pesquisa pela universidade, de forma aprofundada e dedicada. Além dessas edições de jornais clandestinos, a pesquisa coletou artigos publicados em revistas e outros jornais em circulação em Cuba (incluindo o primeiro trimestre do período pós-guerrilha), que fizessem referência à Radio Rebelde na época da guerrilha. Alguns desses textos são a transcrição das emissões da rádio em 1958. Esse material foi coletado nas bibliotecas Nacional José Marti e Ruben Martinez, e fotografado. São eles:

ASI difundio la UPI por el mondo la declaracion del Departamento de Estado Norteamericano. Granma, La Habana, ano 14, n. 259, 30 out. 1978. Ideologica, p. 2. CARTA a Radio Rebelde. Revolución, La Habana, 4 mar. 1959. CASTRO RUZ, F. Las amenazas tienen virtualidad entre la gente cobarde y sumisa, pero no la tendrán jamás con los hombres que estén dispuestos a morir en defensa de su pueblo. Granma, La Habana, ano 14, n. 255, p. 2, 25 out. 1978.

186

CASTRO RUZ, F. Radio Rebelde: Octobre 30 de 1958 - La situación militar. Granma, La Habana, ano 14, n. 259, 30 out. 1978. Ideologica, p. 2. CÉSAR, A. Rebelde porque se oye. Trabajadores, La Habana, ano 33, n. 8, 24 fev. 2003. Cultura, p. 11. COSSÍO DEL PINO, O. Nuevas noticias sobre el avión derribado. Se presenta la Cruz Roja a recoger los restos de los pilotos. Las tropas de la tiranía no hicieron el menor esfuerzo por rescatarlos. Granma, La Habana, 30 out. 1978. Ideologica, p. 2. GUERRA MATOS, F. Radio Rebelde: Octobre 26 de 1958. Granma, La Habana, 30 out. 1978. Ideologica, p. 2. HERNÁNDEZ SERRANO, L.Un río que no seca. , La Habana, 9 out. 2009. Especial, p. 4. LOPEX, F. Cien años de magia radial. Granma, La Habana, ano 37, n. 22, 25 jan. 2011. Nacionales, p. 3. MARTÍNEZ TRIAY, A. Radio Rebelde: La voz de la Revolución. Trabajadores, La Habana, p. 11, 23 fev. 1998. MÁS MARTIN, L. Fidel habla con el Che. Hoy, La Habana, 17 fev. 1959. Hechos y impresiones de la Sierra Maestra, p. 2. MÁS MARTIN, L. Radio Rebelde. Hoy, La Habana, 14 fev. 1959. Hechos y impresiones de la Sierra Maestra, p. 2. MÁS MARTIN, L. Violeta Casal. Hoy, La Habana, 15 fev. 1959. Hechos y impresiones de la Sierra Maestra, p. 2. “ME ordeno que debia ser leido energicamente”. Granma, La Habana, ano 14, n. 259, 30 out. 1978. Ideologica, p. 2. RADIO Rebelde: Finales de Octubre de 1958. Granma, La Habana, ano 14, n. 260, p. 2, 31 out. 1978. RODRIGUEZ ALVAREZ, A. 311 días de singular combate. Granma, La Habana, p. 4, 16 fev. 1996. SARDIÑAS LABRADA, E. Informe de la Comandancia de la Columna No. 12 a la Comandancia General. Granma, La Habana, 30 out. 1978. Ideologica, p. 2. TORRES BARBÁN, R.; GALLO SÁNCHEZ, D. La emisora de la Revolución al ritmo de la vida. Granma, La Habana, 22 fev. 2013.

187

ANTONIO GARCÍA, P. Radio Rebelde - Arma formidable de la Revolución. Bohemia, La Habana, ano 100, n. 4. Historia, 15 fev. 2008, p. 69-71. FIDEL ordena el avance rebelde sobre Santiago y La Habana y proclama la huelga general. Con la Guardia em Alto, La Habana, p. 40-41, nov-dez 1967. GALAOR, D. Violeta Casal: La voz femenina de Radio Rebelde. Bohemia, La Habana, ano 51, n. 3, 18-25 jan. 1959, p.16-18. GONZÁLEZ GUERRERO, R. Oriente 1958. Verde Olivo, La Habana, ano X, n. 1, p. 6-11, 5 jan. 1969. TABAREZ, S. Radio Rebelde – El eco de las montañas. Bohemia, La Habana, ano 95, n. 6, 21 mar. 2003. Cultura, p. 58-60. SUÁREZ, S. Días de radio. Tropicana Internacional, La Habana, n. 7, p. 52-53, 1998.