A Cúpula Política MINEIRA NA REPÚBLICA VELHA: AS ORIGENS Socioeconõmicas E RECRUTAMENTO DE GOVERNADORES, VICE-GOVERNADORES E DEPUTADOS FEDERAIS*
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A CúPULA POlíTICA MINEIRA NA REPÚBLICA VELHA: AS ORIGENS SOCIOECONõMICAS E RECRUTAMENTO DE GOVERNADORES, VICE-GOVERNADORES E DEPUTADOS FEDERAIS* DAVID V. FLEISCHER** 1. Introdução; 2. Recrutamento legislativo; 3. O papel do PRM e o coronelismo; 4. Padrijes de carreira; 5. COllclusões. 1. Introdução Este trabalho procuro fazer a historiografia política de Minas Gerais durante a República Velha, através de uma análise da sua cúpula política eleita durante este período. Esta tarefa será levada a cabo pela análise dos antecedentes socioeconômicos, do recrutamento e de padrões de car reira das pessoas que ocuparam três posições-chave da cúpula política estadual: governadores, vice-governadores e deputados federais. 1.1 Antecedentes e recrutamento político o conceito de "recrutamento político" foi elaborado sistematicamente pela primeira vez por Lester Seligman na década de 50.1 Com o surgimento da análise funcional nas ciências sociais na década de 60, o recrutamento político chegou a ser incluído como uma das funções de "entrada" (input) vistas como operantes em todos os sistemas políticos.2 * O autor agradece os comentários e sugestões do colega, Prof. Fernando Corre a Dias do Departamento de Ciências da Universidade de Brasília. ** Professor adjunto da Universidade de Brasília. 1 Seligman, Lester G. Recruitment in politic. Political Research Orgallizatioll and Design (PROD), v. 1, n. 4, p. 4-17, 1958; e A prefatory study of Leadership in Oregon. Western Political Quarterly, v. 12, n. 1, p. 153-67, 1959. Para uma conceitualização mais recente, veja seu Rlcruiting political elites. Morristown, General Learning Press, 1970; e Patterns of recruitment. Chicago, Rand McNally, 1975. 2 Almond, Gabriel A. & Coleman, James S. A política das áreas em desenvolvimento. Rio, Freitas Bastos, p. 38-40, 1969; e --- & Powell, G. Bingham. Uma teoria de política comparada. Rio, Zahar, p. 20, 35-6, 1972. R. Cio poI., Rio de Janeiro, 20(4) :9-54, oul. / dez. 1977 Estudos sobre o recrutamento político podem ser agrupados em três linhas gerais de investigação: a) estudos de elites; b) estudos psicológicos sobre motivações, atitudes e predisposições das elites; e c) estudos de antecedentes socioeconômicos e de padrões de carreira de líderes políticos. Por se tratar de um estudo histórico, o presente trabalho encontra-se nesta terceira categoria.3 Talvez a abordagem mais comum usada em investigações sobre o recru tamento político tenha sido a de examinar os antecedentes socioeconômicos e os padrões de avanço na carreira de ocupantes de importantes cargos políticos. Usualmente, uma ou mais posições institucionais específicas são escolhidas para definir a seção da elite a ser examinada, e dados sobre os antecedentes e a carreira política são coletados para as pessoas que, ou têm ocupado tais posições, ou têm sido candidatas a tais posições (caso sejam cargos eletivos), durante um certo período de tempo. Estes estudos feitos sobre períodos bastante longos (de 30 a 50 anos) muitas vezes são utilizados para avaliar as relações entre mudanças tipo macro na sociedade, nos sistemas econômico e político, e a composição da elite política. Freqüentemente, ligações causais são postuladas numa direção ou outra (ou como uma espécie de ciclo contínuo). Porém, estas variáveis de antecedentes, quando estudadas ao longo do tempo, podem revelar importantes mudanças estruturais na elite, especial mente nas configurações de acesso relativo às decisões políticas de grande porte. Em sua análise da Assembléia Nacional Turca entre 1920 e 1957, Frey concluiu que as proporções de advogados, médicos, outros profis sionais e comerciantes aumentaram constantemente, enquanto as dos mili tares, funcionários e religiosos diminuíram ao longo deste período. "Loca lismo", isto é, a percentagem de deputados nascidos na região representada configura um índice que aproxima uma curva "tipo-U"; de 62% em 1920, os "locais" abaixaram para 30% em 1935, para aumentar de novo até 65% em 1957.4 Frey explica que estas mudanças na composição ocupacional da Assem bléia acompanharam o desenvolvimento político da nação - o crescimento do sistema multi partidário, e o maior prestígio e importância de certas ocupações na Turquia. Com relação ao localismo, Frey afirma que isto reflete a morte de Mllstafa Kemal (Ataturk) em 1938, o início do sistema multi partidário em 1946, e o aumento constante dos deputados provindos da advocacia e do comércio (que tiveram bases mais locais). Em seu estudo longitudinal dos deputados ingleses, Guttsman consegue ligar mudanças na estrutura ocupacional e de classes na Câmara Baixa com certos "divisores de águas" decisivos na história política do país, tais como: extensões sucessivas do direito ao voto durante o século XIX, e 3 Para um bom resumo geral do conceito de elites, veja Parry, Geriant. Political elites. New York, Praeger, p. 15-29, 1969; Bottomore, T. B. Elites e sociedade. Rio, Zahar, p. 1-21; e Prewitt, Kenneth & Stone, Allan. The ruling elites. New York, Harper & Row, 1973. p. 1-28. 4 Frey, Frederick W. The Turkish political elite. Cambridge, The MIT Press, 1965. p. 180-92. 10 R.C.P. 4/77 mudanças nos níveis de urbanização e a configuração econômica da nação.5 Dogan, no seu trabalho sobre deputados franceses durante a Terceira e a Quarta Repúblicas, documenta o declínio da classe alta francesa e a conseqüente predominância das classes médias (e mais tarde das mais baixas) refletidas nas mudanças na composição da Assembléia Naciona1. 6 No entanto, Aron nos adverte que a aquisição do "poder político" através de maiorias nos legislativos nacionais não foi acompanhada pela conquista do poder econômico por parte das classes médias e baixas na França.7 Bottomore faz a mesma observação para a Grã-Bretanha em termos de ascensão política das classes trabalhadoras (documentada por Guttsman), e a sua subseqüente não-aquisição do poder econômico da década de 20 à de 50.8 Embora estes estudos forneçam subsídios úteis sobre mudanças nas relações de poder e prestígio dentro de uma elite; alterações nos sistemas social, econômico e político; e os mecanismos de promoção política nos níveis mais altos da elite, pouca ou nenhuma inferência pode ser feita sobre como ou por que certos atores políticos foram inicialmente recrutados e subseqüentemente alcançaram as posições atuais dentro da elite. Para poder fazer estes tipos de inferências, entrevistas intensivas seriam necessárias com uma parcela ampla da elite política. Porém, além de serem extremamente caras, metodologias desta natureza tendem a usar uma análise transeccional (cross-seccional analysis) , em vez de longitudinal; assim comprometendo quaisquer conclusões a respeito de mudanças no prazo maior. 9 1.2 Recrutamento político em Minas Gerais O presente trabalho é uma continuação e ampliação de um estudo anterior sobre deputados federais mineiros. 10 Numa época mais recente, cabe-nos mencionar o esforço pioneiro e hercúleo do Prof. Orlando M. Carvalho, que compilou dados de antecedentes para 31.660 ativistas políticos de Minas Gerais (em 1948). Numa tentativa de associar a política estadual 5 Guttsman, WiJliam L. The British political elite. London, MacGibbon & Key, 1963. 6 Dogan, Mattei. Political ascent in a class society: French deputies, 1870-1958. In: Marvick, Dwaine, ed., Political decision-makers. New York, The Free Press, 1961. p. 57-90. Veja também McRae Jr., Duncan. Parliament, parties and society in France, 1946-1958. New York, St. Martin's Press, 1967. p. 47-55. 7 Aron, Raymond. Social structure and the ruling class: part I. British Joumal of Sociology, v. 1, n. 1, p. 15-6, 1950. 8 Bottomore, T. B. op. cito p. 37-40. Este autor utiliza dados sobre a distribuição de renda reportados em Strachey, John. Contemporary capitalismo London, Gollancz, 1956. p. 137-8. 9 Para uma discussão dos problemas envolvidos em entrevistar amostras longitudinais de políticos mineiros, veja Fleischer, David V. Political recruitment in the state of Minas Gerais, Brasil (1 '190-1970). Tese de Ph.D., University of Florida, 1972. Apêndice 1, p. 285-304; \; ---o O trampolim político: mudanças nos padrões de recrutamento político em Minas Gerais. Revista de Administração Pública, V. 7, n. 1, p. 99-116, 1973. 10 Fleischer, David V. Political recruitment . .. op. cit. República Velha 11 e municipal com mudanças no sistema social, Carvalho comparou dados para deputados federais e estaduais, prefeitos, vereadores e membros de diretórios locais por rartido, com mudanças demográficas observadas entre os censos de 1940 e 1950.11 Mais recentemente, um questionário que foi aplicado entre deputados estaduais mineiros eleitos em 1966 continha alguns itens sobre antece dentes sociais e cargos previamente ocupados; dados estes que foram comparados com partido e atitudes sobre o desenvolvimento econômico no estadoY Em dois trabalhos recentes, foi analisado o recrutamento de deputados federais e estaduais mineiros eleitos após 1945.13 O recrutamento de elites burocráticas na nova capital de Belo Horizonte foi o enfoque de um estudo sobre a República Velha.H Existe um número considerável de estudos sobre o poder local em Minas Gerais que tratam, embora perifericamente, da seleção e recrutamento inicial de políticos em nível local. Cinco destes estudos foram comparados criticamente por José Murilo de Carvalho.15 Em resumo, existe um razoável grupo de trabalhos sobre elites políticas em Minas Gerais, mas a República Velha ainda carece de um estudo mais compreensivo da sua elite política durante seus 40 anos de existência. Ir, 1.3 Uma nota metodológica Os dados que proporcionaram a presente análise foram levantados de várias fontes, na sua maioria encontradas no Arquivo Público MineiroY 11 Carvalho, Orlando M. Ensaios de sociologia eleitoral. Belo Horizonte:. Edições RBEP, 1954. p. 66-80. 12 Bastos, Tocary A. & Walker, Thomas W. Partidos e forças políticas em Mina< Gerais. Rel'ista Brasilein de Estudos Políticos. v. 31, p. 117-58, 1971. r:J Fleischer. David V. A bancada federal mineira. Re\'Ísta Brasileira de Estudaç Políticos, v. 45, a sair; e A redemocratização em Minas. Cademos do DCP. UF!v1G, v. 4, a sair.