9 Dez 2015 Omar Sosa 22:00 Sala Suggia ‑­ Quarteto CICLO JAZZ AfroCubano

Omar Sosa piano Ernesto Simpson bateria Leandro Saint‑Hill­ saxofone alto, flauta e clarinete Childo Tomás baixo eléctrico A CASA DA MÚSICA É MEMBRO DE Jelly Roll Morton, o icónico pianista de Nova mas da orquestra de Duke e standards do Orleães que em 1938 se autoproclamou o jazz até aos nossos dias: “Caravan” (1936) e inventor do jazz, dizia que neste domínio “Perdido” (1941). musical era indispensável o spanish tinge, ou Na década de 1940, com o advento do por outras palavras, o toque «hispânico». Este bebop, as colaborações do trompetista Dizzy não se refere propriamente à cultura espa‑ Gillespie (1917­‑1993) com músicos como o nhola mas sim a um conjunto de referências cubano Mario Bauzá (1911­‑1993) contribuí‑ das culturas caribenhas de ascendência his‑ ram de forma decisiva para a configuração pânica que entretanto denunciavam já uma de um estilo de jazz conhecido como afro­ forte influência africana, por via da diáspora ‑cuban jazz ou cubop. Este pode ser defi‑ negra impulsionada pela escravatura. Com nido como uma combinação do estilo de jazz efeito, na cosmopolita Nova Orleães de finais então emergente (bebop) com o universo da do séc. XIX esse elemento fazia­‑se sentir de música cubana de ascendência africana, em forma particularmente expressiva: a popu‑ particular o mambo, dança de enorme popu‑ lação incluía várias comunidades cubanas laridade naquele período. e mexicanas, bem como inúmeros tipos de Mais tarde, nas décadas de 1960 e 1970, crioulos. Gene Santoro afirmou mesmo: “His‑ configurou­‑se a salsa, um género de dança tórica e culturalmente, Nova Orleães é uma e de música desenvolvido em Nova Iorque cidade caribenha agarrada ao delta do Mis‑ e Porto Rico. Em boa medida, a salsa é tam‑ sissípi” (2002). Nas primeiras décadas do bém um género afro­‑cubano: baseia­‑se maio‑ séc. XX, compositores como Scott Joplin ritariamente no son e na guaracha de , (1868­‑1917) ou W.C. Handy (1873­‑1958) recor‑ e incorpora também elementos melódi‑ reram frequentemente a mecanismos rít‑ cos e harmónicos do jazz norte­‑americano. micos inspirados nas danças do sul e centro O género da salsa foi protagonizado por do continente americano. Porventura o mais vários músicos de todo o continente ame‑ comum é o da habanera, utilizado em peças ricano, como Mongo Santamaria (Cuba, 1917 como “Heliotrope Bouquet” (Scott Joplin e ‑2003), Tito Puente (EUA, 1923­‑2000), Celia Louis Chauvin, 1907) ou o famoso “St. Louis Cruz (Cuba, 1925­‑2003), (EUA, Blues” (W.C. Handy, 1914). 1929‑2006) e Ruben Blades (Panamá, 1948‑). Ao longo do séc. XX, o elemento hispânico Ao longo do séc. XX, o conceito de afro­ esteve sempre presente no jazz, embora com ‑cuban jazz foi sendo progressivamente diferentes manifestações e com visibilidade substituído, enquanto categoria comer‑ variável. Na Nova Iorque dos anos 20 e 30, por cial, pelo mais abrangente latin jazz. Com exemplo, as comunidades cubanas e porto­ o tempo, o termo latin jazz passou a incluir ‑riquenhas tinham uma presença fortíssima todos os estilos e domínios resultantes da e incluíam vários músicos que deixaram a sua interacção entre o jazz norte­‑americano e marca no jazz norte­‑americano. Um exem‑ as culturas latino­‑americanas, como o pró‑ plo ilustrativo é o de Juan Tizol, compositor prio afro­‑cuban, a bossa nova, a salsa e até e trombonista porto­‑riquenho na orquestra o jazz­‑flamenco. Este último definiu­‑se em de Duke Ellington, que assinou (entre outras) Espanha durante as décadas de 1960 e 1970 duas composições que se tornariam emble‑ aquando do advento do chamado nuevo fla­

3 menco protagonizado por Camarón de la Nas últimas décadas do séc. XX, o domí‑ Isla (1950­‑1992) e Paco de Lucía (1947­‑2014), nio do afro­‑cuban jazz encontrava­‑se povoado entre outros. O estilo foi desenvolvido inicial‑ por um vasto leque de representantes. Uma mente por músicos como Pedro Iturralde breve lista inclui o saxofonista e clarinetista (1929‑) e o próprio Paco de Lucía, mas a par‑ Paquito d’Rivera (1948‑), o trompetista Arturo tir da década de 1980 vários outros músicos Sandoval (1949‑), os pianistas Jesus “Chu‑ se lhes juntaram. O baixista Carles Benavent cho” Valdés (1941‑) e Gonzalo Rubalcaba (1954‑), o flautista/saxofonista Jorge Pardo (1963‑), e o percussionista Horacio ‘El Negro’ (1956‑), o guitarrista Tomatito (1958‑) e o pia‑ Hernandez (1963‑). Adicionalmente, músi‑ nista Chano Domínguez (1960‑) são alguns cos de outras proveniências dentro da Amé‑ dos maiores representantes deste período. rica Latina têm trabalhado no âmbito do afro­ Vários músicos de jazz norte­‑americanos ‑cuban jazz. Atendo­‑nos apenas aos pianistas, experimentaram incorporar no seu voca‑ podemos por exemplo destacar Michel Camilo bulário referências a géneros e estilos musi‑ (República Dominicana, 1954‑), Danilo Perez cais das Caraíbas ou da América meridional. (Panamá, 1966‑) e Edward Simon (Venezuela, Em 1956, o saxofonista Sonny Rollins (1930‑) 1969‑). Particularmente em , teve recorria ao calipso para compor o seu famo‑ enorme importância a actividade do grupo síssimo “St. Thomas”, integrado no igualmente Irakere e do seu líder Chucho Valdés. A partir marcante Saxophone Colossus (Prestige). O da década de 1970, Irakere congregou músicos pianista Horace Silver (1928­‑2014), um norte­ de excepção como Sandoval e d’Rivera, entre ‑americano de ascendência cabo­‑verdiana, outros. O grupo gozou de notável longevidade recorreu profusamente a referências musi‑ e teve inclusivamente um importante papel cais latino­‑americanas. Um exemplo maior é formativo na cena musical em Havana, o que o padrão de bossa nova que utiliza em “Song motiva Santoro a compará­‑lo aos Jazz Mes‑ For My Father”, incluído no álbum homónimo sengers de Art Blakey. editado em 1968 pela Blue Note Records. Já Este foi um período formativo de particu‑ na década de 1970, surgiu o grupo Return to lar importância para o pianista e compositor Forever, liderado pelo pianista Chick Corea, Omar Sosa. Na década de 1980 e inícios de ele próprio norte­‑americano de origem his‑ 1990, antes da sua passagem pelo Equador pânica e italiana. O grupo ostentava uma (1993) e da sua radicação nos Estados Uni‑ enorme proximidade com a cultura musical dos (1995), Sosa viveu em Havana e aí fez a brasileira, em boa parte promovida pela par‑ sua aprendizagem, tanto em instituições de ticipação do percussionista Airto Moreira ensino formal como na cena musical local. (1941-) e da sua esposa, a cantora Flora Purim De resto, o próprio aponta Valdés e Irakere (1942‑). Os dois álbuns da primeira fase do como uma das suas principais referências grupo, Return to Forever (1972) e Light as a musicais. Sosa é seguramente um artista de Feather (1973), tornaram­‑se autênticos mar‑ afro­‑cuban jazz, mas tem trabalhado conti‑ cos no latin jazz. Com a saída de Moreira e nuamente na expansão das fronteiras desse Purim, contudo, a banda encontrou diferentes domínio. A sua variada formação (nas áreas configurações e dedicou­‑se por completo ao do piano, da marimba e da percussão) e o chamado jazz‑rock. seu interesse por outros domínios, como

4 a música erudita europeia, fazem dele um senta ainda um alargado conjunto de músicos músico multifacetado e imprevisível. No con‑ de proveniências diversas que espelha a mul‑ junto das suas referências musicais, o próprio tiplicidade da música de Omar Sosa: o per‑ Sosa cita a música tradicional afro­‑cubana, cussionista cubano Pedro Martinez; o guitar‑ mas também músicos de jazz como Thelo‑ rista norte­‑americano Marvin Sewell; o icónico nious Monk (1917­‑1982), John Coltrane (1926-­ maestro cubano Eladio “Don Pancho” Terry, ‑1967) ou Keith Jarrett (1945‑) e ainda com‑ patriarca da família Terry, e o seu filho, o saxo‑ positores europeus como Fryderyk Chopin fonista Yosvany Terry; o artista de spoken (1810­‑1849), Erik Satie (1866­‑1925) e Béla Bar‑ word norte­‑americano Kokayi; e o cantor de tók (1881­‑1945). Ao longo das suas quase duas flamenco José “El Salao” Martín. décadas de actividade, Sosa tem escrito uma A colaboração com músicos de diferen‑ enorme quantidade de música original, tanto tes domínios musicais e regiões geográficas na tradição afro­‑cubana como em outros é já uma prática tradicional nos projectos de registos. Tem escrito música orquestral Omar Sosa. Ao longo da sua produção disco‑ (interpretada nos EUA e também em Espa‑ gráfica (que conta já com vinte e dois regis‑ nha) e até música para cinema, como aconte‑ tos), o pianista e compositor colaborou com ceu em 2010 com O Último Voo do Flamingo, nomes como o trompetista italiano Paolo filme de João Ribeiro rodado em Lisboa sobre Fresu (1961‑), o percussionista indiano Trilok a obra homónima de Mia Couto. Editou ainda Gurtu (1951‑), o guitarrista do Benim Lionel cinco discos enquanto pianista a solo, come‑ Loueke (1973‑), o violoncelista e maestro bra‑ çando com Omar Omar (1997), o seu primeiro sileiro Jaques Morelenbaum (1954‑), o per‑ registo, e terminando em Calma (2011). cussionista e produtor inglês Steve Argüelles No seu mais recente registo com o Quar‑ (1963‑), o cantor marroquino e tocador de teto AfroCubano, Ilé (2015), Sosa descreve gembri Houssaine Kili (1955‑), o cantor tuni‑ um regresso às suas raízes cubanas. Ilé sig‑ sino e tocador de oud Dhafer Youssef (1967‑), nifica “casa” ou “terra” em Lucumí, um dia‑ entre muitos outros. lecto cubano derivado da língua Yoruba da Para este concerto na Sala Suggia da África Ocidental. O disco presta homena‑ Casa da Música, Sosa convocou a forma‑ gem à sua vivência em Havana nas décadas ção nuclear de Ilé, composta por Saint­‑Hill, de 1980 e 1990, e aos ícones musicais desse Tomas e Simpson. O alinhamento prevê tempo, de onde se destacam Chucho Valdés e maioritariamente composições incluídas em o grupo Irakere. No quarteto, ao lado de Omar Ilé (como “Mi Conga”, “A Love Lost” ou “Old Sosa encontramos Ernesto Simpson (bate‑ Afro A Baba”), mas também composições ria) e Leandro Saint­‑Hill (saxofone alto, flauta de outros registos, como “Iyawo” ou “Intro to e clarinete), dois conterrâneos camagüeya‑ Eleggua”. Assistiremos seguramente a uma nos de Sosa, e ainda o moçambicano Childo performance poderosa deste quarteto con‑ Tomas (baixo eléctrico). Tomas e Saint­‑Hill são tagiante, fundado nas tradições musicais já anteriores colaboradores de Sosa, nomea‑ afro­‑cubanas mas virado para o mundo. damente em Afreecanos (2008) e Eggun LUÍS FIGUEIREDO (2013), enquanto Simpson aparece aqui pela primeira vez ao lado de Sosa. O disco apre‑

5 músicos de todas as origens, sejam elas afri‑ Omar Sosa piano canas, árabes, europeias, indianas, latinas ou norte­‑americanas, e colabora frequente‑ O compositor e pianista Omar Sosa nas‑ mente com o cinema e a televisão. ceu em 1965, em Camagüey, a maior cidade Em 2014, Omar Sosa editou o seu quinto do interior de Cuba. Com 8 anos começou a disco para piano solo, Senses, resultante de estudar percussão e marimba no Conser‑ uma residência artística no Experimental vatório de Música da sua cidade e poste‑ Media and Performing Arts Center do Rens‑ riormente ingressou na classe de piano da selaer Polytechnic Institute (EMPAC) em Troy, prestigiada Escuela Nacional de Música em Nova Iorque. Nesse âmbito foi convidado pela Havana, cidade onde concluiu também a sua bailarina/coreógrafa Nora Chipaumire para formação superior no Instituto Superior de compor música para a peça de dança­‑teatro Arte. Em 1993 mudou­‑se para o Equador e aí Miriam. Essa composição recebeu uma mergulhou no folclore da região de Esmeral‑ nomeação para o prémio Bessie. Em 2015 foi das, onde a herança africana se manifesta na editado o CD Ilé com o Quarteto AfroCubano, prática tradicional da marimba. Em 1995, já na que marca um regresso aos anos de forma‑ Área da Baía de São Francisco, trouxe novo ção de Omar Sosa, na transição entre os anos fôlego à cena do jazz latino com composições 80 e os 90, em Havana. arrojadas e um estilo percussivo. Entre os próximos projectos de Omar Omar Sosa tocou em palcos tão diversos Sosa inclui­‑se um disco singular com o sene‑ como Blue Note (Nova Iorque, Milão e Tóquio), galês Seckou Keita (executante de kora) e o Carnegie Hall em Nova Iorque, Barbican Cen‑ chinês Wu Tong (sheng); e a renovação das tre e Queen Elizabeth Hall em Londres, Royal colaborações em CD com o trompetista ita‑ Concert Hall de Glasgow e Haus der Kultu‑ liano Paolo Fresu e com a NDR Bigband (neste ren der Welt em Berlim, entre muitos outros. caso com arranjos de Jaques Morelenbaum). Apresentou­‑se igualmente nos grandes fes‑ tivais de jazz mundiais (Monterey, JVC, Mon‑ tréal, Marciac, North Sea, Helsínquia, Greno‑ Ernesto Simpson bateria ble, Montreux, Ravenna Jazz, etc.). Foi artista associado da Universidade de Princeton Ernesto Simpson é um dos bateristas mais (2008) e teve duas residências artísticas no requisitados da sua geração, tocando com Dartmouth College (2008 e 2011). Tem sido figuras cruciais do jazz e world music inter‑ repetidamente premiado, incluindo um pré‑ nacional. Originário de Camagüey (Cuba), foi mio de carreira da Smithsonian Associates influenciado pela percussão clássica, afri‑ em Washington DC (2003). cana, afro­‑cubana e ritmos sul­‑americanos. A carreira discográfica de Omar Sosa Viveu e trabalhou como músico freelancer em começou em 1997, com a edição do seu pri‑ Miami, Nova Iorque e agora em Londres. Toca meiro disco em piano solo, Omar Omar actualmente em grupos de músicos de refe‑ (Otá Records), prosseguindo com 22 CDs rência como Richard Bona e Gonzalo Rubal‑ enquanto líder, dando origem a cinco nomea‑ caba, partilhando o palco ainda com figuras ções para os Grammy. Tem trabalhado com de renome como Herbie Hancock, George

6 Benson, , Paquito D’Rivera, Ron Affif, Samuel Torres, Yosvany Terry, Helio Childo Tomás baixo eléctrico Alves, Brian Lynch, Manuel Valera, The Rodri‑ guez Brothers, Mike Stern, Mark Murphy, Gino Baixista, percussionista e vocalista, Childo Sitson, James Genus, Ray Barretto e Sergio Tomás nasceu em 1963 em Maputo (Moçam‑ Brandão. Participou em inúmeras gravações bique). Com 16 anos começou a tocar em gru‑ e realizou masterclasses, workshops e pales‑ pos de música tradicional, pop e jazz na sua tras por todo o mundo. Toca com bateria cidade. Entre 1982 e 1992, integrou a banda Yamanha, pratos Sabian e baquetas Vic Firth. Alambique que realizou digressões na Escan‑ dinávia, Angola e Zimbabué. Nos anos seguin‑ tes colaborou com bandas moçambicanas, Leandro Saint‑Hill­ saxofone alto, realizando gravações e música para cinema flauta e clarinete e teatro. Em 1994 mudou­‑se para Espanha, estabelecendo­‑se em Barcelona. Desde Leandro Saint­‑Hill nasceu em Camagüey então tem trabalhado com grupos como Zeze (Cuba), em 1968. Aos 11 anos começou a Lokito, Unison, Mogha Africa, David Cervera, estudar saxofone. Diplomou­‑se na escola de Sora e Luis Mbomio. Desde 2004 integra as música da sua cidade e mudou­‑se depois para diversas formações de Omar Sosa que reali‑ Havana, onde começou a tocar com a estrela zam digressões por todo o mundo, com cerca de rock Tanja, a diva do bolero Beatriz Mar‑ de 100 concertos por ano nos seis continen‑ quez, o quinteto do pianista de jazz Carlos tes. Canta na sua língua nativa – Ronga – e Maza e Manolin El Medico de la Salsa. Mudou­ toca kalimba e baixo eléctrico. ‑se para Hamburgo em 1994 e trabalhou com algumas bandas locais em festivais de jazz como Jazz Baltica, Montreux e Leverkusen. Mais recentemente, Saint­‑Hill colaborou enquanto saxofonista, flautista, cantor e com‑ positor em projectos genuinamente cubanos como Cuarteto Chanchullo, Tony Martinez and The Cuban Power e Julio Barreto Latino World. Tocou com artistas como Patrice, Gonzalo Rubalcaba, Hilton Ruiz, Chico Freeman, a diva cubana Caridad Hierrezuelo e o projecto ale‑ mão The Night of Wagner Comeback.

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