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ARTIGO ARTICLE 2107 - - - - - . Capitalismo, Mercantilização, Mercantilização, Capitalismo,

Existe uma tensão inerente à ideia de

DOI: 10.1590/1413-81232018237.07582018 tanto da devassatanto pelo financei provocada pela fragmentaçãoe quanto provocada erosão ro nas instituiçõespelo neoliberalismo e nos públicas socialsistemas de proteção Palavras-chave Saúde publica publica, Política Resumo saúde como social direito e de saúde como bem econômico e , na medida em que esta de serviços a prestação ultima aproxima de saú de da lógica proprietária, cujo acesso depende da capacidade de pagamento de cada indivíduo A preferência os (sobre por mercados família. ou incentivosgovernos), econômicos normas (sobre sociais e empreendedorismo culturais) ou indi vidual a ação coletiva comunitária) (sobre ou é e, do neoliberalismo uma característica marcante do estado de desmonte um projeto por isso mesmo, social, definido um como de dispositivosconjunto visamque atender O necessidadesàs coletivas. objetivo artigo do é examinar esse e suas processo social me a proteção e a saúde, implicações para dois fenômenos algumas reflexões sobre diante que ameaçam a saúde como social: direito as ideias e e a financei de um lado, as políticas neoliberais, que Argumentamos rização da riqueza, de outro. o bem ser comum precisa defendido insulado ou ------, , Public Public Commodification, Capitalism,

. There is inherentThere tension between the alth as a social right: ideas and ; neoliberal We argue that the com and financial capitalism. mon good be must defended the or insulated from negative effects of financial capitalism and from and fragmentationthe erosion institu of public tions and social systems protection caused ne by oliberalism words Key health Public , a private good. From the latter perspective, heal From a private good. provisionthcare is brought closer the logic to of where depends access ownership, on ability pay. to The prioritization of markets (over ), economic incentives (over social nor or cultural and entrepreneurshipms), (over collective or community one of action), the hallmarks of ne constitutes the dismantle to a project oliberalism, defined as a setof , mechaniswelfare policy articleThis designedms meet to collective needs. examines and its consequences process the above socialfor reflecting and health by upon protection two phenomena the principle that threaten of he Abstract Abstract idea of health as a social right and of health as Meritocracia neoliberal e capitalismo financeiro: Meritocracia neoliberal financeiro: e capitalismo socialsaúde e a paraimplicações a proteção financial capitalism: and Neoliberal and health social protection for consequences 2 1 Institut de Recherche en en Recherche de Institut Departamento de

de Montréal. Montréal Montréal Montréal. de Canadá. Cerqueira César. 01246- César. Cerqueira SP Brasil. 903 [email protected] 2 Université Santé Publique, Medicina Preventiva, Preventiva, Medicina Medicina, de Faculdade São de Universidade Arnaldo 455, Dr. Av. Paulo. 1 Ana Luiza d’Ávila Viana Viana d’Ávila Luiza Ana Silva da Pacifico Hudson 2108

Introdução ram uma forte e expressiva saída da prestação da saúde do campo do serviço e do bem público (no Viana ALd’A, Silva HP Silva ALd’A, Viana Passados dez anos da publicação do artigo Eco- caso de sistemas nacionais de saúde) e do seguro nomia política da saúde: introduzindo o debate1, social como política pública (no caso dos siste- assinado pelos autores desse texto e pelo profes- mas contributivos de saúde) para o campo da sor Paulo Elias, é mais do que notória e saliente a lógica proprietária e individual, produtiva e ren- tensão entre a saúde compreendida como direito tista (sistemas de saúde com base no mercado). e bem coletivo (ou público) e a saúde como bem Para Robert Castel6, a criação da noção de individual e econômico, dado o rápido avanço propriedade social se contrapõe à propriedade das formas mercantilizadas sobre a provisão e individual, base da liberdade e espinha dorsal das o financiamento das ações e serviços de saúde ideias liberais, por garantir liberdade para aque- em escala global. Sobre a provisão dos serviços les não proprietários e que precisam ter sua re- de saúde, cada vez mais operados por empresas produção, liberdade e autonomia garantidos por com ramificações em vários setores econômicos, um aparato de serviços públicos que lhes permita internacionalizadas e dependentes do circuito viver sem as angústias do futuro. Dessa forma, o financeiro; e sobre o financiamento, frente ao estado social pode ser definido como um conjun- incremento da responsabilização individual pelo to de dispositivos que visam atender às necessi- acesso aos serviços e ações de saúde, o que trans- dades coletivas em bases diferentes do mercado. forma essa tensão em antagonismo e ameaça. Por isso, podemos afirmar que o desmonte do No texto de economia política da saúde falá- estado social nada mais é do que a regressão da vamos exatamente da tensão inerente à ideia de saúde como bem coletivo ou público para o cam- saúde como direito, bem coletivo universal ou po dos bens individuais e a prestação de serviços bem público universal, e a saúde como bem eco- para o campo de lógica proprietária. nômico e individual, o que aproxima a prestação Examinar como esse processo se deu nos de serviços de saúde da lógica proprietária, e o obriga a tecer algumas reflexões sobre dois fe- financiamento não mais da responsabilização co- nômenos que atingiram em cheio a saúde como letiva e financeira, na forma de impostos gerais, bem coletivo: i) as ideias e as políticas neolibe- mas dependente da capacidade de pagamento de rais, na forma de políticas econômicas específi- cada indivíduo ou família, com nenhuma solida- cas (receituário da política econômica neoliberal riedade entre os diferentes segmentos da socie- voltado para exaltação do mercado e suas formas dade – doentes e saudáveis, ricos e pobres, jovens de concorrência) e de uma nova racionalidade, e idosos. Como bem destacado pela Organização não mais de cooperação, mas sim de competição Mundial de Saúde (OMS)2, essa modalidade de e individualismo; e ii) a financeirização da rique- financiamento dos sistemas de saúde (desembol- za, que impõe profunda imbricação dos comple- so direto) é a forma menos equitativa existente e xos corporativos e/ou econômicos da área social uma das grandes causas de empobrecimento, so- (habitação, saúde, infraestrutura, educação, pre- bretudo nos países de renda média e baixa, onde vidência social, etc.) com o sistema financeiro tais gastos ainda representam a principal fonte de nacional e global, subordinando as decisões de recursos. investimento aos imperativos de valorização fi- Trata-se da desresponsabilização do coleti- nanceira dos ativos nos diferentes mercados. vo com a saúde dos cidadãos, passando para os O artigo está estruturado em quatro partes. indivíduos a função de únicos responsáveis pela Na primeira parte, descrevemos as implicações sua saúde individual e pelos riscos que podem do neoliberalismo na organização atual das so- acontecer em diferentes situações e colocando o ciedades capitalistas, com base em estudos recen- acesso aos serviços de saúde refém de inúmeros tes de economistas críticos ao processo das ideias mecanismos de compra de serviços (à vista, par- e políticas neoliberais dominantes e hegemôni- celada, individual, em grupo), de acordo com a cas no manejo do capital e da política econômi- renda individual e familiar, num confuso mosai- ca. Em seguida, elencamos os principais traços co de formas individuais e coletivas, ambas per- do fenômeno da financeirização e sua repercus- tencentes ao circuito mercantil. são na área social. Na terceira parte, revisamos as O empresariamento das formas de prestação origens do neoliberalismo, como crítica aos libe- de serviços pelo setor público3 e a financeirização rais americanos, e a interpretação atual de alguns e internacionalização da assistência à saúde (se- autores sobre seu impacto na vida do homem guradoras, operadoras de planos de saúde e esta- comum, a partir da criação de uma meritocracia belecimentos prestadores de serviços)4,5 configu- neoliberal. Por último, apresentamos a forma e 2109 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2107-2117, 2018

a extensão de como esse processo influenciou a do. Nos últimos decênios, a palavra/conceito/ proteção social e em específico a proteção social sentido neoliberal tomou conta dos ensaios, re- em saúde. flexões, políticas públicas e ação de governos, em- presas e indivíduos. Como afirmam corretamen- O neoliberalismo é muito mais te Dardot e Laval8, o neoliberalismo vai além de que uma política econômica uma política econômica e uma ideologia, e passa a ser a razão de existir do capitalismo contempo- De acordo com Rodrik7, o neoliberalismo, em râneo, justamente uma nova racionalidade. termos amplos, denota a preferência por merca- Nessa grande produção mundial sobre o dos (sobre os governos), por incentivos econô- tema, o neoliberalismo foi visto como ideologia, micos (sobre normas sociais ou culturais) e pelo como política econômica, como coalizão política empreendedorismo individual (sobre a ação hegemônica, como política das elites, como con- coletiva ou comunitária). Embora seja utilizado servadorismo, como nova forma de imperialismo para descrever um conjunto amplo de fenôme- e como razão do mundo, para ilustrar algumas nos – de Augusto Pinochet a perspectivas de análise mais importantes dos últi- e Ronald Reagan, dos Democratas de Clinton e mos anos, bem resenhadas por Cahill e Konings9 o Novo Trabalhismo do Reino Unido à abertu- em obra recente. Porém, o que é comum hoje nas ra econômica na e à reforma do Welfare diferentes perspectivas é a tentativa de ver o neo- State na Suécia – o termo “neoliberal” adquiriu liberalismo de forma diferente do senso comum, visibilidade nos anos 1990, quando ficou associa- apenas como reforço das posições de mercado e do com duas manifestações mais evidentes: i) a enfraquecimento do estado, isto é, de compre- financeirização e a desregulação financeira, que ender o neoliberalismo apenas como uma opo- culminaria na crise de 2008; e ii) a globalização sição entre estado e mercado, até mesmo porque econômica, acelerada pelos fluxos livres de di- os acontecimentos que precederam a grave crise nheiro e pelos novos acordos de comércio inter- financeira de 2008 já evidenciavam o profundo nacional. De fato, é difícil negar que grande parte imbricamento entre estado e finanças. Por isso, do mundo experimentou uma mudança decisiva a interpretação de alguns autores passa por ver o em direção aos mercados a partir dos anos 1980 e neoliberalismo como (também) uma nova racio- que inclusive muitos políticos de centro-esquer- nalidade governamental que supera a antiga visão da adotaram com entusiasmo alguns credos cen- de um enfrentamento entre estado e mercado. trais do neoliberalismo, tais como: desregulação, Trata-se de um modo contemporâneo de privatização, liberalização financeira e empreen- existência do capitalismo, caracterizado pela in- dedorismo individual. tensa captura do estado pelas forças do merca- Segundo os economistas críticos, incluindo do e das finanças. O nexo entre estado-finanças alguns ganhadores do Prêmio Nobel de Econo- é hoje o sistema nervoso central da acumulação mia (, e Amartya de capital. Como bem destaca Saad-Filho10, o Sen), o neoliberalismo e seus remédios habitu- neoliberalismo não é apenas um movimento de ais (mais mercados, menos governo) são de fato restauração do liberalismo clássico, muito menos uma perversão da economia convencional, na um movimento de afirmação das elites; ele extra- medida em que a contribuição dos economistas pola em alguns casos um fenômeno de alianças neoliberais ao debate público é frequentemente conservadoras e se coloca como um novo tipo de enviesada em uma direção: mais comércio, mais imperialismo. Por isso podemos falar do neolibe- finanças e menos governo. É por isso que esses ralismo como modo de existência contemporâ- economistas neoliberais desenvolveram uma re- neo do capitalismo. putação de ‘líderes de torcida’ do neoliberalismo, O papel das grandes empresas foi amplamen- mesmo quando a economia convencional está te modificado e há uma extensão significativa do bem longe de uma defesa incondicional do lais- seu campo de atuação na provisão de todo tipo sez-faire. Os economistas que deixam seu entu- de bem, incluindo um maior engajamento na siasmo pelo livre mercado correr solto não estão provisão de serviços sociais a partir das políticas sendo verdadeiros com sua própria disciplina, de privatização e mercantilização, desregulamen- como bem afirma a corrente crítica7. tação da indústria e das finanças. Tais políticas Como isso aconteceu é a pergunta chave para favorecem uma ampla movimentação do capital entendermos esse fenômeno que se inicia pela financeiro e um papel dominante dessa esfera de identificação com a economia e que vai alargando capital na economia global e na vida das pessoas, seus horizontes até se tornar uma razão de mun- uma maior tolerância com o desemprego decor- 2110

rente de uma nova visão da política macroeconô- sociedade marcadas pelo enfraquecimento das mica, voltada para metas de controle da inflação forças políticas defensoras do estado social que Viana ALd’A, Silva HP Silva ALd’A, Viana e austeridade fiscal, confronto com as corpora- foi desenvolvido ao longo do século XX. O cres- ções sindicais, o que cria uma nova arquitetura cimento econômico se reduz e é apropriado pelos institucional para a gestão do capitalismo e de rentistas – aqueles que vivem das rendas auferi- sua relação com o social, no plano local e tam- das principalmente nos mercados financeiros, os bém internacional. grandes fundos de acionistas; a sociedade se torna As consequências são diretas e fortes junto ao cada vez mais alheia e incapaz de formar coalizões sistema público de provisão de serviços sociais: de defesa de seus direitos, buscando alternativas de um lado, pressões para ampliar a cobertura, em fenômenos externos (como a imigração de dada a persistência do desemprego e da quanti- pessoas e consequente acirramento da competi- dade de pessoas em situação de vulnerabilidade; ção no mercado de trabalho); a proteção social se de outro, desindustrialização motivada pela con- reduz ou se destina àqueles que podem pagar pelo corrência internacional, aumentando as taxas de acesso aos serviços, geralmente trabalhadores do trabalhadores desempregados ou que trabalham mercado formal; e as implicações para o bem-es- em condições precárias. Isso tem levado os gover- tar das pessoas são inúmeras, com aumento de nos a pensar a área social como um problema, em diversas doenças e transtornos mentais. virtude da pouca renda disponível para financiar os serviços sociais, seja através da arrecadação de Estado social, neoliberalismo impostos e contribuições, seja mediante paga- e a financeirização da proteção social mento direto por parte dos indivíduos. Dessa forma, não é apenas o movimento de A criação e o desenvolvimento do estado so- queda na provisão pública de serviços sociais, cial, isto é, de um sistema nacional de provisão mas sim uma grande imbricação dos sistemas de de serviços sociais de forma desmercantilizada, a proteção social com a economia, com a reestrutu- partir da criação de fundos sociais constituídos ração neoliberal do capitalismo, o que distancia a pela arrecadação de impostos e contribuições proteção social do direito e da oferta pública para sociais, cabendo ao estado oferecer proteção uma proteção mercantilizada de provisão priva- contra os grandes riscos que ameaçam os indiví- da e paga pelo cidadão. O resultado final é uma duos nas sociedades contemporâneas (acidentes, hibridação neoliberal entre o público e o privado, doenças, velhice, morte, desemprego, exclusão isto é, as fronteiras entre o público e o privado social), ocorreu num momento histórico especi- são borradas e há um processo de mercadoriza- fico (1945-75), marcado pela conjunção positiva ção da esfera pública, obrigada a funcionar con- entre crescimento econômico e redução das de- forme as regras tradicionalmente empregadas no sigualdades sociais16. Nesse período, diversos pa- setor privado, onde a lógica da competição e do íses adotaram políticas econômicas ativas objeti- lucro é predominante. vando promover o crescimento econômico, seja Como atestam diversos estudos e publicações por meio do manejo das políticas monetária, fis- recentes11-15, as implicações do neoliberalismo cal e cambial, seja mediante a realização de inves- se distribuem por várias dimensões (Quadro 1), timentos públicos diretos. Ao mesmo tempo, a com mudanças nas relações estado-mercado- atuação dos sindicatos e a adoção de políticas de proteção ao trabalho contribuíram para o cres-

Quadro 1. Implicações do neoliberalismo para a sociedade, a economia, a política, a proteção social e as condições de saúde. Dimensão Implicações Sociedade Mais individualista, materialista e socialmente antagônica Economia Menor crescimento econômico, maior concentração da renda, maior insegurança financeira Política Menor poder político para as classes médias e baixas Proteção social Crianças, adultos e idosos sem proteção social adequada Condições de Epidemias de obesidade, autoflagelação, transtornos alimentares e transtornos mentais saúde (depressão, ansiedade, fobia social) Fonte: Elaboração própria. 2111 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2107-2117, 2018

cimento real dos salários e a inclusão de diversos ado no seguro social que associa gasto menor e benefícios ao trabalhador. Tudo isso possibilitou maior produtividade do trabalho. conciliar maior crescimento da economia e uma Segundo Fine17, o fortalecimento do consu- distribuição mais igualitária da riqueza gerada. mo privado extinguiu ou criou fortes tensões Esse modelo, porém, passou a ser fortemente para aquilo que chamamos de longos períodos contestado a partir da crise econômica do último de sistema público de provisão (o outro lado quartel do século XX, que abriu espaço para o do consumo coletivo), pois o sistema público fortalecimento de políticas neoliberais em gran- de prestação de serviços não é um mercado de de parte dos países ocidentais (centrais e perifé- consumo de bens, mas uma modalidade especí- ricos). Conforme mencionado na seção anterior, fica de satisfazer necessidades. A financeirização essas políticas baseiam-se em um ideário de (re) atacou de forma profunda o sistema de política valorização da sociedade mercantil, mediante a social, quando a esfera financeira tornou a lógica adoção de um conjunto de reformas orientadas de acumulação muito mais dirigida para espe- para o mercado – fim do planejamento econô- culação de diferentes tipos de ativos, expansão mico estatal, privatização de empresas estatais e ilimitada do crédito, penetração das finanças na serviços públicos, desregulamentação financeira área social e econômica (como saúde, educação, e trabalhista, redução de impostos, livre fluxo de previdência, infraestrutura social, habitação) e mercadorias e capitais etc. No campo da proteção a emergência de uma cultura neoliberal voltada social, as políticas neoliberais enfatizam o autofi- para a exaltação do mercado privado de bens na nanciamento do acesso aos serviços (aumento da mesma extensão de um antiestatismo. participação dos usuários no gasto social), ações No passado, o desenvolvimento e a política focalizadas nos segmentos mais pobres da po- social universal eram elementos de um padrão de pulação, descentralização da oferta e gestão dos acumulação industrial em que os aumentos de serviços, separação de funções (financiamento produtividade eram repassados aos salários, cujo e provisão, por exemplo) e competição entre os poder de compra garantia demanda crescente diferentes prestadores de serviços (escolas, hos- para bens industriais, porque os sistemas de pro- pitais etc.). Dessa forma, o momento atual apre- teção social desmercantilizavam o acesso a bens senta grandes rupturas com aquele cenário de e serviços sociais, o que permitia maior renda forte atuação do estado na área social, por conta disponível para o crescimento do consumo pri- de uma série de determinantes comuns (e tam- vado, isto é, os trabalhadores tinham uma folga bém particulares) que influenciaram todos os expressiva em suas rendas para gastarem em bens sistemas públicos de provisão de serviços sociais. industriais17. O financiamento público via im- Em primeiro lugar, sempre foi difícil encon- postos permitia que houvesse uma socialização trar traços similares nos sistemas de proteção so- dos riscos sociais, por isso mesmo a necessidade cial entre os diferentes países, programas e áreas de todo um discurso ideológico baseado na soli- da proteção social, tempo e circunstâncias. No dariedade e justiça social. E o ethos público selava entanto, como afirma Fine17, os modernos sis- essa aliança referendada pelas grandes corpora- temas de proteção social também não estiveram ções e sindicatos em um ambiente democrático, livres de influências comuns. A globalização e o assegurado por grandes pactos entre trabalhado- neoliberalismo, por um lado, e a financeirização res e patrões. da riqueza, por outro, impuseram uma série de Atualmente, a expansão do consumo privado limites, contradições e formas novas de expansão não é mais dependente da desmercantilização do da proteção social – via Estado ou mercado. acesso a bens e serviços sociais, pois o sistema de A globalização foi um elemento central no crédito ao consumidor, com seus diferentes me- constrangimento do estado social porque seus canismos (cartão de crédito, cheque especial, em- gastos oneravam os produtos fabricados local- préstimo consignado etc.) pode cumprir esse pa- mente e colocavam barreiras à competição no pel. O ethos público baseado na solidariedade foi mercado mundial. Muitos países reformaram quebrado pela fragmentação da vida social e do seus sistemas de proteção social visando ampliar próprio mercado de trabalho, em que as pessoas a competitividade. Alguns exemplos ilustram estão em constante mudança de lugar e posição esse dilema: a Itália perdeu competitividade em em um sistema que trata a flexibilidade (agilida- função do peso do gasto associado ao trabalho; a de, abertura para mudanças no curto prazo, ca- França optou por reformar seu estado social; e a pacidade de assumir riscos continuamente etc.) Alemanha pode ser considerada o grande exem- como aspecto fundamental a ser valorizado18. plo de virtuosismo, pois possui um sistema base- Observa-se também uma grande privatização e 2112

expansão do consumo privado de serviços so- sões fundamentais: de um lado, a visão clássica ciais, por conta de uma oferta em expansão, uma da empresa como uma combinação coerente e Viana ALd’A, Silva HP Silva ALd’A, Viana valorização de estilo de vida baseado na concor- integrada de ativos permanentes em busca de rência e na disputa individual, e, finalmente, uma inovação e crescimento no longo-prazo passou a defesa de diagnósticos e tratamentos individuais, ser substituída por uma concepção financeira na corroborado pelo avanço científico e pelo desejo qual a empresa é vista como um portfolio de su- de individualização. bunidades líquidas que deve ser continuamente Existe também uma profunda imbricação restruturado para maximizar o valor das ações o dos complexos corporativos e/ou econômicos tempo todo; de outro, a remuneração dos execu- da área social (habitação, saúde, infraestrutura, tivos não está mais atrelada ao sucesso da empre- educação) com o sistema financeiro nacional e sa no longo prazo e sim aos movimentos de curto global subordinando as decisões de investimen- prazo no mercado de ações, de modo que os inte- to aos imperativos de valorização financeira dos resses da alta direção passaram a estar alinhados ativos nos diferentes mercados. No campo da as- com os interesses dos investidores financeiros e sistência à saúde, as estratégias dos grandes gru- daqueles que detêm a maior parte do capital da pos se manifestam no movimento crescente de empresa. Dessa forma, a ampliação das escalas e a fusões e aquisições alavancadas por grandes gru- integração internacional das operações são estra- pos financeiros em escala global, cujo número de tégias utilizadas para reduzir custos e aumentar operações passou de 39 (em 1999) para 432 (em a rentabilidade das empresas no curto prazo. A 2013), com valores que oscilam entre 10 e 20 bi- centralização do capital em nível global e a for- lhões de dólares, segundo os dados apresentados mação de grandes conglomerados internacionais por Hiratuka et al.5. são o resultado desse processo5. Embora esse movimento de fusões e aquisi- ções seja mais visível nos países centrais, onde a Quem são os neoliberais e as implicações associação entre fundos financeiros e empresas para o indivíduo comum: de assistência à saúde contribui para a rápida meritocracia neoliberal concentração e internacionalização dos merca- dos, o fenômeno também pode ser observado Quem são os neoliberais? Para explicar a his- nos países em desenvolvimento. No Brasil, por tória da constituição dessa nova forma de organi- exemplo, cerca de 60 operações de fusões e aqui- zar o mundo temos que voltar ao início dos anos sições envolvendo empresas que atuam no se- 1980. Num ensaio publicado por Charles Peters21 tor de serviços de saúde ocorreram no período em 1982, o neoliberalismo era tratado como um 2004-13, ainda segundo Hiratuka et al.5. Embo- movimento embrionário que reunia políticos, ra a grande maioria dessas operações envolvam jornalistas e economistas interessados em fazer majoritariamente empresas nacionais, a partici- uma leitura crítica dos objetivos e valores asso- pação de estrangeiros vem se tornando mais co- ciados ao pensamento liberal norte-americano. mum: duas das maiores empresas brasileiras que Afirmavam eles que as respostas dos liberais tra- atuam no mercado de planos privados de assis- dicionais agravavam os problemas surgidos nos tência à saúde – Amil e Intermédica – foram re- anos 1970, tais como: produtividade declinante, centemente adquiridas por empresas estrangeiras infraestrutura em decomposição, agências públi- – UnitedHealth e Bain Capital, respectivamente. cas ineficientes e irresponsáveis, forças armadas Como pode ser visto no Quadro 2, que lista as 20 com armamentos que não funcionam e baixa maiores empresas do setor de serviços de saúde adesão das classes altas em suas fileiras, prolife- no Brasil por faturamento, 12 delas são segura- ração de comitês de ação política voltados para o doras e operadoras de planos de saúde, incluindo atendimento de interesses de grupos individuais, as 3 maiores. Destaque-se que grande parte des- entre outros. Desse modo, de acordo com Pe- sas empresas, que realizam intermediação finan- ters, neoliberais são liberais que revisaram suas ceira, também atuam na provisão de serviços, já ideias anteriormente favoráveis aos sindicados e que possuem sua própria rede de hospitais e es- ao estado forte (big ) e contrários aos tabelecimentos de saúde. mercados e às forças armadas, isto é, passaram a Conforme destacado por estudiosos do tema defender esses últimos em detrimento dos pri- da financeirizaçao19,20, um novo modelo de ges- meiros. tão empresarial, mais alinhado com os interesses As preocupações centrais desse grupo pionei- dos acionistas, passou a predominar nas grandes ro de neoliberais eram a comunidade, a demo- empresas. Esse novo modelo inclui duas dimen- cracia e a prosperidade, porém sua preocupação 2113 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2107-2117, 2018

Quadro 2. Receita liquida (R$ milhões) das 20 maiores empresas que atuam no setor de serviços de saúde no Brasil em 2016. Empresa Receita liquida Setor de Atividade 1. Bradesco Saúde 18.273,1 Seguro Saúde 2. Amil 16.765,2 Planos de Saúde 3. Sul América Saúde 12.091,4 Seguro Saúde 4. Rede D’Or São Luiz 7.912,5 Serviços Médicos 5. Unimed Rio 5.040,3 Planos de Saúde 6. Hospital São Paulo 4.777,8 Serviços Médicos 7. Central Nacional Unimed 3.922,4 Planos de Saúde 8. Grupo Notre Dame Intermédica 3.894,2 Planos de Saúde 9. Unimed Belo Horizonte 3.057,4 Planos de Saúde 10. Dasa – Diagnósticos da América 3.040,8 Serviços Médicos 11. Hapvida 3.036,5 Planos de Saúde 12. Hospital 2.520,0 Serviços Médicos 13. Hospital e Maternidade São Camilo 2.326,7 Serviços Médicos 14. Fundação do ABC 2.249,2 Serviços Médicos 15. Unimed FESP 2.208,8 Planos de Saúde 16. Santa Catarina 2.144,0 Serviços Médicos 17. Fleury Medicina e Saúde 2.096,1 Serviços Médicos 18. Unimed Saúde 1.972,6 Seguro Saúde 19. Esho 1.968,5 Serviços Médicos 20. Unimed Porto Alegre 1.947,8 Planos de Saúde Fonte: Valor 1000 – 2017. Disponível em: http://www.valor.com.br/valor1000/2017/ranking1000maiores

mais importante era o crescimento econômico. foi adquirindo conotações fortes relacionadas à O empreendedor individual que corre riscos desregulação, financeirização e globalização. Esse para criar novos empregos e melhores produtos olhar idealista sobre o mundo deixou de existir no era considerado o herói do movimento. Políticas comando da política neoliberal e serve hoje para públicas, segundo Peters, deviam incentivar o in- que defensores dessa política se refugiem nesses vestimento produtivo. Por outro lado, eram con- valores mais altruístas, típicos do manifesto de tra: regulações que desencorajam a competição Peter, esquecendo de sua recente trajetória his- saudável (mas a favor de regulações em questões tórica, como vimos na parte primeira do artigo. de saúde e segurança); sindicatos que demandam Porém, justamente essa é a visão mais difundida aumento nos salários sem o correspondente au- do neoliberalismo, quase dominante nos meios mento de produtividade; remuneração de execu- de comunicação mundial, principalmente em pa- tivos que incentivam o lucro no curto-prazo ao íses emergentes e constitui uma narrativa de sen- invés do crescimento no longo-prazo (mas favo- so comum do neoliberalismo que atinge em cheio rável a dar ações de propriedade da empresa aos camadas significativas da população mundial, so- trabalhadores); estabilidade de uma burocracia bretudo os segmentos da classe média. governamental inchada, desleixada e presunçosa No entanto, outros fatores de natureza mais (mas favorável à meritocracia/desempenho no densa e complexa como fonte de explicação cien- setor público). Dessa forma, o movimento neo- tífica também foram construídos para analisar liberal nasceu como um movimento pragmático essa mudança de comportamento do homem co- e idealista (exemplos: melhorar o sistema educa- mum e como isso impacta a sua saúde de maneira cional, focalizar os benefícios sociais em quem geral. Alguns autores22 analisam, a partir de certos realmente precisa, adotar o serviço militar obri- traços comuns aos homens, como foi a constru- gatório). ção dessa nova maneira de pensar, que engendra- Como atesta o manifesto de Peter, o signifi- ram modificações importantes nesses últimos 40 cado do neoliberalismo mudou consideravel- anos sobre o indivíduo. Esses autores começam mente ao longo do tempo à medida que o rotulo pela descrição de um desejo comum aos homens 2114

– o desejo do perfeccionismo – e identificam três ambientes mais competitivos, expectativas mais tipos de perfeccionismo: o perfeccionismo auto irrealistas e pais mais ansiosos e controladores Viana ALd’A, Silva HP Silva ALd’A, Viana -orientado (manter-se dentro de um padrão não do que as gerações anteriores. Uma consequência realista); o perfeccionismo orientado para os ou- desse aumento do perfeccionismo tem sido uma tros (ter expectativas irrealistas dos outros); e o série de epidemias de doenças mentais graves: o perfeccionismo socialmente prescrito, considera- perfeccionismo é altamente correlacionado com do o mais debilitante dos três tipos do perfeccio- ansiedade, distúrbios alimentares, depressão e nismo, pois descreve o sentimento de paranoia e pensamentos suicidas. Além disso, outra reper- ansiedade engendrado pela sensação persistente cussão do aumento do perfeccionismo é que ele de que todos estão esperando que um erro seja torna difícil construir solidariedade. cometido o tempo todo. O diagnostico acima é convergente com o tra- No estudo conduzido por Curran e Hill22, as balho de Verhaeghe15, para quem o neoliberalis- pessoas nascidas nos Estados Unidos, Reino Uni- mo meritocrático favorece certos traços de perso- do e Canadá depois de 1989 obtiveram resultados nalidade e penaliza outros. Poder de articulação muito superiores às gerações anteriores para os para conquistar o máximo de pessoas possível, três tipos de perfeccionismo, e essas pontuações flexibilidade e disposição para correr riscos são aumentaram linearmente ao longo do tempo. características necessárias para fazer uma carrei- Porém, a mudança mais dramática foi quanto ra profissional. Por outro lado, a solidariedade se ao perfeccionismo socialmente prescrito. Como tornou um luxo dispendioso e um caminho para explicar isso, se não recorrermos a ideia de que alianças temporárias; a maior preocupação sem- o desenvolvimento do perfeccionismo é influen- pre é lucrar mais com a situação. Os vínculos so- ciado por normas culturais mais amplas? Segun- ciais com os colegas enfraqueceram, assim como do os autores, três mudanças culturais inter-re- o comprometimento emocional com a empresa lacionadas influenciaram essas mudanças: (a) o ou a organização. Existe um sentimento oculto surgimento do neoliberalismo e do individualis- de medo, que varia da ansiedade de desempenho mo competitivo; (b) o surgimento da doutrina ao medo social mais amplo da ameaça do outro. da meritocracia; e (c) práticas parentais cada vez mais ansiosas e controladoras. Desde meados da Efeitos sobre a proteção social década de 1970, os regimes político-econômicos neoliberais substituíram sistematicamente coisas Quais são os resultados finais desse intrica- como propriedade pública e negociação coletiva do processo sobre a proteção social? O quadro por desregulamentação e privatização, promo- abaixo, elaborado a partir dos dados apresen- vendo o indivíduo sobre o grupo no próprio te- tados no mais recente relatório da Organização cido da sociedade. Enquanto isso, a meritocracia Internacional do Trabalho11, sintetiza a situação – a ideia de que o status social e profissional são da proteção social no mundo (Quadro 3). Como resultados diretos da inteligência individual, da podemos ver, o grau de não cobertura, isto é, de virtude e do trabalho duro – convence indivídu- pessoas sem nenhuma proteção social, represen- os isolados de que a falta de ascensão é um sinal ta mais da metade da população mundial. Além de inutilidade inerente. A meritocracia neoliberal disso, essa situação ocorre de forma desigual, pois criou um ambiente cruel em que cada pessoa é há contingentes mais elevados de população des- seu próprio embaixador, o único porta-voz do protegida justamente onde há maior necessidade. seu próprio produto e corretor de seu próprio Ao mesmo tempo, são os mais frágeis, crianças e trabalho, em um mar de competição infinito. Esse idosos, os menos protegidos, por razões diferen- estado de coisas coloca no centro da vida moder- tes: baixas coberturas (no caso das crianças de 0 na uma forte necessidade de se esforçar, realizar a 14 anos) e baixo valor dos benefícios das apo- e alcançar, muito mais do que nas gerações an- sentadorias, o que impede de tirar os idosos da teriores. A ideologia neoliberal reverencia a con- situação de pobreza. corrência, desencoraja a cooperação, promove a Os dados apresentados pela OIT não deixam ambição e atribui valor pessoal à realização pro- duvidas de que as políticas de austeridade fiscal, fissional. As sociedades governadas por esses va- amplamente inspiradas pelo receituário neolibe- lores tornam as pessoas muito mais críticas com ral e implementadas em praticamente todas as os outros e ansiosas pelo julgamento dos outros. regiões do mundo, impactaram negativamen- As culturas dos países estudados se tornaram te alguns programas de proteção social para as mais individualistas, materialistas e socialmente crianças e são diminutos os auxílios-desempre- antagônicas, com os jovens agora enfrentando go no total do gasto da proteção em relação ao 2115 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2107-2117, 2018

Quadro 3. Síntese da situação da proteção social no mundo (2017). Geral Crianças População em Idade Idosos Saúde Ativa (PIA) . 55% da população . 65% das crianças . 41% das mulheres . 68% das pessoas . O direito à saúde mundial (cerca de 4 no mundo todo não com recém- acima da idade ainda não é uma bilhões de pessoas) possuem acesso à nascidos recebem de aposentadoria realidade em muitas não esta coberta por proteção social e a um beneficio recebem benefícios partes do mundo, qualquer beneficio maior parte delas vive maternidade de aposentadoria sobretudo em áreas de proteção social na África e na Ásia . 21,8% dos ou pensão, o que rurais onde 56% . 71% da população . Em média, 1,1% trabalhadores está associado com a da população não mundial não esta do PIB é gasto com sem ocupação expansão das pensões esta coberta (contra protegida por benefícios para estão cobertos contributivas e não 22% nas áreas sistemas de proteção crianças com idade por benefícios ao contributivas em urbanas) social que incluem de 0-14 anos, o que desemprego países de renda média . Estima-se que um conjunto amplo aponta para um . Somente uma em baixa 10 milhões de de benefícios subinvestimento minoria da força . Alguns países em profissionais . Problemas de significativo em de trabalho global desenvolvimento de saúde são cobertura estão crianças, o que tem acesso efetivo alcançaram cobertura necessários para associados com afeta não apenas à proteção para previdenciária alcançar cobertura baixo investimento o bem-estar geral acidentes no trabalho universal, ao universal de saúde; em proteção social, das crianças e seu . 27,8% das pessoas passo que outros 7 milhões somente especialmente nas desenvolvimento com deficiência estão próximos da nas áreas rurais regiões da África, no longo prazo, severa no mundo cobertura universal . 48,1% da Ásia e nos Estados mas também o recebem benefícios . Apesar disso, os população mundial Árabes desenvolvimento por invalidez valores dos benefícios vive em países . Falta de proteção econômico e social . Em média, 3,2% são geralmente baixos que não oferecem social torna as dos países onde elas do PIB é gasto e insuficientes para qualquer cobertura pessoas vulneráveis vivem com proteção tirar os idosos da para cuidados à pobreza, . Programas de social publica para pobreza prolongados; 46,3% desigualdade e transferência de assegurar renda para . Gastos com estão em grande exclusão social ao renda para crianças a população em pensões e outros parte excluídos longo do ciclo de se expandiram nos idade ativa benefícios para dos cuidados vida, o que constitui países de renda . Embora a idosos representam, prolongados por um obstáculo grande média e baixa nos cobertura de em média, 6,9% do conta das exigências ao desenvolvimento últimos anos, mas benefícios para PIB, com grandes de meios para ter econômico e social a cobertura e os a maternidade e variações regionais acesso aos serviços; . Os Objetivos de níveis de beneficio acidentes de trabalho . Políticas de e apenas 5,6% Desenvolvimento permanecem tenha se expandido austeridade fiscal vive em países que Sustentável (ODS) insuficientes em alguns países, há continuam a oferecem cobertura clamam por . Muitos países lacunas significativas comprometer a para todos os seus proteção social reduziram a proteção de cobertura e adequação das residentes universal e que social para crianças adequação em pensões no longo . Estima-se que os países sejam ao adotarem políticas muitos outros prazo 57 milhões de responsáveis por de consolidação . Muitos países estão . Tendência de trabalhadores garantir pelo menos fiscal, geralmente reduzindo a proteção retorno aos sistemas voluntários atuam um nível básico de focalizando os social para a PIA em públicos com base nos cuidados segurança social (um benefícios nos mais virtude das políticas na solidariedade prolongados para piso de proteção pobres e deixando de austeridade, em alguns países, suprir a escassez social) para todos, muitas crianças justamente quando pois as iniciativas de profissionais; como parte dos seus vulneráveis sem a proteção social é de privatização muitos deles são sistemas de proteção proteção apropriada mais necessitada não produziram os mulheres que social resultados esperados fornecem cuidados informais aos membros da família

Fonte: Elaborado com base em ILO (2017). 2116

Produto Interno Bruto (PIB), justamente nos Conclusões momentos de crise do emprego, ao lado de uma Viana ALd’A, Silva HP Silva ALd’A, Viana pequena proteção para os acidentes de trabalho. O panorama mundial da proteção social eviden- No caso da saúde, ainda são baixas as cober- cia a existência de grandes lacunas em todo o ci- turas de saúde com extensão dos direitos para clo de vida das pessoas, que neste caso específico toda a população, sendo diminutos os graus de provocam mais adoecimento, pobreza e morte. proteção nas áreas rurais, geralmente onde vive A compreensão de como os interesses do capital também populações com alto grau de pobreza, financeiro e as políticas públicas de inspiração como é o caso dos países africanos. As projeções neoliberal colocam em situação de risco gran- sobre o número de profissionais necessários para des contingentes populacionais ainda é restrita a expandir a cobertura da proteção social em saúde poucos intelectuais e não ganha a cobertura sis- são elevados, na casa dos 10 milhões, sabendo-se temática da mídia mundial. que a formação desses profissionais é altamente Por isso mesmo a provisão pública, o consu- concentrada. Outro aspecto importante refere-se mo coletivo precisa ser defendido ou insulado às grandes diferenças regionais, mesmo dentro tanto da devassa provocada pelo capital financei- dos países desenvolvidos. Finalmente, o cuidado ro quanto pela erosão e/ou fragmentação provo- necessário para dar conta do novo perfil epide- cada pelo neoliberalismo nas instituições públi- miológico da população (mais doentes crônicos, cas e nos sistemas de proteção social. Hoje, mais que demandam cuidados prolongados) ainda do que nunca, é necessário que a política social é um desafio para muitos sistemas públicos de recupere seu protagonismo, tendo em vista as saúde. crises recorrentes, o aumento das desigualdades e do empobrecimento, as necessidades básicas insatisfeitas, os direitos humanos, o investimento em soluções sustentáveis e o bem-estar coletivo.

Colaboradores

ALA Viana participou da concepção do artigo, revisão e sistematização da literatura, redação do manuscrito; HP Silva da revisão e sistematização da literatura, redação do manuscrito, revisão cri- tica. 2117 Ciência & Saúde Coletiva, 23(7):2107-2117, 2018

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