UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA

Paula Nathaiane de Jesus da Silva

A NOITE NO MUSEU MARIANO PROCÓPIO: UMA PINTURA ALEGÓRICA DE OSCAR PEREIRA DA SILVA

Juiz de Fora 2020 PAULA NATHAIANE DE JESUS DA SILVA

A NOITE NO MUSEU MARIANO PROCÓPIO: UMA PINTURA ALEGÓRICA DE

OSCAR PEREIRA DA SILVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

História da Universidade Federal de Juiz de Fora como requisito

parcial para obtenção do título de mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Martinho Alves da Costa Júnior

Juiz de Fora

2020 Resumo: Esta pesquisa possui como objeto de estudo a tela do artista brasileiro Oscar Pereira da Silva (1865-1939), intitulada A noite, executada no ano de 1927. Por meio de análise de documentos como catálogos, imagens e sobretudo, periódicos de época, procuramos indicar através da trajetória da tela, a sua própria história e sua conexão com uma produção de pinturas alegóricas no Brasil no período que perpassa a primeira república brasileira. Através desta análise, foi possível constatar o quanto o gênero se apresenta de forma complexa, se pensado como tal, permeando outros gêneros da pintura. Como é perceptível sobretudo, durante a primeira República brasileira, onde a pintura alegórica ganha vigor ao se tornar a nova “face” para representação desta então nova instituição política no Brasil, através da figura feminina. É tratado também aspectos formais da obra, bem como a representação do corpo feminino despido, sobretudo na produção de Pereira da Silva que permite olhar para a realização de outros artistas da capital paulista, percebendo como se apresentava o cenário artístico naquele período e o quanto as produções de Oscar se aproximavam ou distanciavam destes.

Palavras-chave: Oscar Pereira da Silva, Alegoria, Nu feminino, Arte brasileira.

Abstract: This research has as object of study the canvas of the Brazilian artist Oscar Pereira da Silva (1865-1939), entitled The night, executed in 1927. Through the analysis of documents such as catalogs, images and, above all, periodicals, we seek indicate through the trajectory of the canvas, its own history and its connection with a production of allegorical paintings in Brazil in the period that runs through the first Brazilian republic. Through this analysis, it was possible to verify how complex the genre presents itself, if thought as such, permeating other genres of painting. As can be seen above all, during the first Brazilian Republic, where allegorical painting gains strength when it becomes the new “face” for the representation of this then new political institution in Brazil, through the female figure. It also addresses formal aspects of the work, as well as the representation of the naked female body, especially in Pereira da Silva's production, which allows one to look at the performance of other artists from the São Paulo capital, realizing how the artistic scene was presented at that time and how much Oscar productions approached or distanced from these.

Keywords: Oscar Pereira da Silva, Allegory, Female nude, Brazilian art.

LISTA DE IMAGENS

Figura 1-SILVA, Oscar Pereira da Silva. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz De Fora-Brasil...... 22

Figura 2- SILVA, Oscar Pereira Da. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz De Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019...... 28

Figura 3- FRÉDÉRIC, Leon. Allegory of night.1891.Óleo sobre tela, 70 x 54,5 cm. Voor Shone Kunsten Gent. Fonte: Museum Voor Shone Kunsten Gent...... 33

Figura 4- SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz De Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019...... 33

Figura 5-Cartaz da 1º Exposição Geral De Belas Artes, organizada pela Muse Italiche em 1928...... 37

Figura 6- SILVA, Oscar Pereira da. Judite E Holofernes. Óleo sobre tela, 72 x 52 cm. Coleção Anésio Urbano Júnior. Fonte: Livro Quatro Grandes Pintores Em São Paulo. . 47

Figura 7-Fotografia de uma das salas da exposição organizada pela da Muse Italiche em 1928. Acompanha a seguinte legenda: “aspectos da exposição realizada, no Palácio Das Industrias, sobre o patrocínio da Muse Italiche, onde se veem maravilhosos trabalhos de escultura e pintura.” Fonte: Revista Arlequim, 10 De Maio De 1928, Nº 17, P. 21. Disponível: Biblioteca Brasiliana Digital Guita E José Mindlin...... 50

Figura 8- Fotografia de uma das salas da exposição organizada pela da Muse Italiche em 1928. acompanha a seguinte legenda: “um grupo de artistas que concorreram a Exposição Da Muse Italiche.” Fonte: Revista Arlequim, 10 De Maio De 1928, Nº 17, P. 21. Disponível: Biblioteca Brasiliana Digital Guita E José Mindlin...... 51

Figura 9-SILVA, Oscar Pereira da. Autorretrato. Óleo sobre madeira, 28 x 20 cm. 1936. Pinacoteca Do Estado De São Paulo, São Paulo- Brasil...... 52

Figura 10- Ilustração do artista Henrique Cavalleiro para O Jornal, na edição que circulou em 26 de setembro, no Rio De Janeiro no ano de 1926. intitulada “Sonho mystico” ...... 53

Figura 11- Página do catálogo de leilão organizado por Julio Monteiro Gomes em 1933, onde consta a tela de Oscar Pereira da Silva, A noite, ocupando o lote de número 75. Foto: Eduardo De Paula Machado...... 56

Figura 12- página do catálogo de leilão organizado por Julio Monteiro Gomes em 1933, onde consta a tela de Oscar Pereira da Silva, A manhã. Foto: Eduardo De Paula Machado...... 57

Figura 13-Página do catálogo de leilão organizado por Julio Monteiro em 1933, onde demonstra a tela de Oscar Pereira da Silva, A noite, entre outros objetos de arte. Foto: Eduardo De Paula Machado...... 58

Figura 14- Página do catálogo de leilão organizado por Julio Monteiro em 1933, onde demonstra a tela de Oscar Pereira da Silva, A noite (detalhe). Foto: Eduardo De Paula Machado...... 59

Figura 15- HORÀCIO, Hora. Folhas de outono. 1886.Óleo sobre tela, 260 x 120 cm.Museu Mariano Procópio, Juiz De Fora- Brasil. Fonte: Catálogo Mapro Banco Safra,2006...... 62

Figura 16-SILVA, Oscar Pereira da. A noite.1927.Óleo sobre tela, 186 x 45 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz De Fora, Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019...... 62

Figura 17-HORA, Horácio. Folhas de outono (detalhe).1886...... 63

Figura 18-SILVA, Oscar Pereira da. A noite (detalhe) 1927...... 63

Figura 19- SILVA, Oscar Pereira da. A noite. (detalhe). 1927...... 64

Figura 20- HORÀCIO, Hora. Folhas de outono. (detalhe).1886...... 64

Figura 21-TIEPOLO, Giovanni Battista. Alegoria com Vênus e o tempo.1754-8. Óleo sobre tela, 292 x 190 cm. National Gallery, Londres- Reino Unido...... 69

Figura 22- BOTTICELLI, Sandro. O nascimento da vênus (detalhe). c. 1845. Têmpera sobre tela,172,5 x 278,5 cm. Galeria Ufizzi -Itália. Fonte: Wikipédia...... 76

Figura 23- JÚNIOR, Almeida. A pintura (alegoria).1892. Óleo Sobre Tela, 250 X 125 Cm. Pinacoteca Do Estado De São Paulo. Fonte: Wikipédia...... 76

Figura 24- AMOEDO, Rodolfo. Saudade. 1907. Óleo sobre tela,140,5 x 98,7 cm. Fonte: Museu Nacional De Belas Artes...... 78

Figura 25- AMOEDO, Rodolfo. Saudade (detalhe)...... 79

Figura 26- AMOEDO, Rodolfo. Saudade (detalhe)...... 79 Figura 27- SEELINGER, Hélios. Minha terra.1921.Óleo sobre tela, 600 x 300 cm. Foto: Carlos Lima Júnior...... 81

Figura 28- O Banho. Fonte: A xxxvi Exposição Geral De Bellas Artes- O Jornal 1929.08.16...... 82

Figura 29-BRUNO, Pedro. Pátria. 1919. Óleo sobre tela, 278 x 190 cm. Museu Da República, Rio De Janeiro-Brasil. Fonte: Museu Benjamin Constant Blog...... 84

Figura 30- MACHADO, Joaquim Fernandes. Alegoria à república. 1922. Óleo sobre tela, 54 x 65 cm. Fonte: Catálogo Das Artes...... 85

Figura 31-CUNHA, Argemiro. “Adea”. 1930. Óleo sobre tela, 100 x 200 cm. Fonte: Catálogo Das Artes...... 85

Figura 32- Reprodução da tela Sonho De Beethoven, de Oscar Pereira da Silva. Fonte: Livro De Laudelino Freire, Galeria Histórica Dos Pintores No Brasil...... 92

Figura 33- SILVA, Oscar Pereira da. Retrato do engenheiro ramos de azevedo. Óleo sobre tela, 57 x 80 cm. Pinacoteca Do Estado De São Paulo. Fonte: Itaú Cultural...... 93

Figura 34- Reprodução da tela Sonho De Beethoven, de Oscar Pereira da Silva. Fonte: Livro De Laudelino Freire, Galeria Histórica Dos Pintores No Brasil...... 93

Figura 35- SILVA, Oscar Pereira Da. A noite (detalhe). 1927. Óleo sobre tela, 186 x 45 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz De Fora-Brasil. Foto: Da Autora...... 96

Figura 36- “Figura alegórica”. 1910.Óleo sobre cartão, 50 x 54,5 cm. Fonte: Catálogo Das Artes...... 96

Figura 37- Silva, Oscar Pereira Da. Renascimento as artes. Fonte: Catálogo Ilustrado, organizado por De Wilde Da Exposição Geral De Belas Artes Em 1884...... 97

Figura 38-PALLIÈRE, Jean Leon. Alegoria as artes. 1885. Óleo sobre tela, 415 x 305 cm. Museu Nacional De Belas. Fonte: Google Arts And Culture...... 98

Figura 39-SILVA, Oscar Pereira da. A infância de Giotto.1895. Óleo sobre tela, 138 x 75 cm. Foto: Da Autora...... 99

Figura 40- Detalhe de uma fotografia de Helena, publicado no jornal A Noite-Rj, No Ano De 1940...... 102

Figura 41- SILVA, Oscar Pereira da. A música (detalhe).1911...... 102

Figura 42 SILVA, Oscar Pereira da. A música (detalhe). 1911...... 102

Figura 43-SILVA, Oscar Pereira da. A música (detalhe). 1911...... 102

Figura 44- Detalhe de uma fotografia de Helena. tirada em 1938. Figura Fonte: Wikipédia...... 103

Figura 45 -SILVA, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927...... 103

Figura 46- SILVA, Oscar Pereira da. A dança. (detalhe). 1911...... 103

Figura 47-SILVA, Oscar Pereira da. A dança. (detalhe). 1911...... 103

Figura 48- SILVA, Oscar Pereira da. A dança. (detalhe). 1911...... 103

Figura 49- VILLAREs, Décio. A República. Fonte: Wikipédia...... 105

Figura 50- MACHADO, Joaquim. Alegoria a república. 1922. Óleo sobre tela, 54 x 65 cm. Fonte: Catálogo Das Artes...... 105

Figura 51- DAUMIER, Honoré. The Republic. 1848. Oil on canvas, 73 x 60 cm. Musée D’orsay, -France. Fonte: Musée D’orsey...... 106

Figura 52-RODRIGUES, Manual Lopes. A República.1896.Óleo sobre tela,230 x 120 cm. Museu De Arte Da Bahia. Fonte: Wikipedia...... 106

Figura 53- DELACROIX, Eugène. A liberdade guiando o povo. 1830. Óleo sobre tela, 260 x 325 cm. Museu Do , Paris-França. Fonte: Waburg-Banco Comparativo De Imagens...... 107

Figura 54-SERVI, Carlo De. Arte e pátria. Óleo sobre tela, 90,5 x 63,3 cm. 1900. Museu De Arte De Belém, Pará-Brasil. Fonte: Wikipédia...... 109

Figura 55- BRUNO, Pedro. Pátria. 1919. Óleo sobre tela, 278 x 190 cm. Museu Da República, Rio De Janeiro-Brasil. Fonte: Wikipédia...... 110

Figura 56- BATONI, Pompeu. Alegoria da guerra e da paz.1766. Óleo sobre tela, 136 x 99 cm. Instituto De Arte De Chicago, Chicago- Eua. Fonte: Wikipédia...... 121

Figura 57- GHIRLANDAIO, Michele Di Rodolfo Del. D’aprés Michel-Ange.1553-1555. Allegorie de la nuit. Huile sur bois ; 135 x 196 cm. Palacio Collona-Roma. Fonte : Pinterest...... 122

Figura 58- HIRSCH, Auguste-Alexandre. Night. 1875. Óleo sobre tela,105 x 168 cm. Fonte: Wikipédia...... 123

Figura 59- SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz De Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019...... 124

Figura 60-GÉRARD, Barão François. Flora. 1802. Óleo sobre tela, 169 x 105 cm. Museu De Grenoble- - Jean-Luc Lacroix. Fonte: Wikiart...... 126

Figura 61-VISCONTI, Eliseu. As duas irmãs ou no verão.1894.Óleo sobre tela, 58,9 x 80,4 cm. Museu Nacional De Belas Artes-Rj. Fonte: Projeto Eliseu Visconti...... 128

Figura 62-VISCONTI, Eliseu. Gioventù. 1898. Óleo sobre tela, 65 x 49 cm. Museu Nacional De Belas Artes-Rj...... 128

Figura 63-VISCONTI, Eliseu. Primavera. c. 1912. Óleo sobre tela, 119 x 80 cm. Localização Desconhecida. Fonte: Projeto Eliseu Visconti...... 128

Figura 64- VISCONTI, Eliseu. 1912 Gioventù (detalhe). 1898 ...... 129

Figura 65- VISCONTI, Eliseu. Primavera (detalhe). C.1912...... 129

Figura 66- VISCONTI, Eliseu. No verão (detalhe)1894...... 129

Figura 67- CHAPLIN, Charles Joshua. La nuit. Gouache, 32 x 20cm. Fonte: Artnet. .. 130

Figura 68- Palau De Cervello- Allegoria De La Nit. Sostre del figura salo de ball. Fonte : Wikimedia Commons...... 130

Figura 69- SILVA, Oscar Pereira da. Escrava romana. 1894. Óleo sobre tela,146,5 x 72,5 cm. Pinacoteca Do Estado De São Paulo, São Paulo-Brasil. Foto: Da Autora...... 135

Figura 70- SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz De Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019...... 135

Figura 71-SILVA, Oscar Pereira da. Odalisca. c.1900. Fonte: Wikipédia...... 136 Figura 72- SILVA, Oscar Pereira da. Sansão e Dalila.1893. Óleo sobre tela,59 x 78,1 cm. Museu Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro-Brasil. Foto: Da Autora...... 136

Figura 73- SILVA, Oscar Pereira da. Odalisca. 1913. Óleo sobre tela, 77 x 48 cm. Coleção Privada- Paris, França. Fonte: Wikimedia Commons...... 137

Figura 74- SILVA, Oscar Pereira da. Salomé. Fonte: Marcela Formico, Olhares Inocentes Á Jogos De Sedução- A Composição Do Feminino Na Arte De Oscar Pereira Da Silva...... 137

Figura 75-SILVA, Oscar Pereira da. “Salomé”. Óleo sobre tela, 74 x 100 cm. Fonte: Capadócia Leilões...... 139

Figura 76 -SILVA, Oscar Pereira da. Lydia. Fonte: Livro De F. Acquarone, Mestres Da Pintura No Brasil...... 141

Figura 77-SILVA, Oscar Pereira da. Durante a pose. 1914. Óleo sobre tela,130 x 97 cm. Pinacoteca Do Estado De São Paulo, São Paulo- Brasil. Foto: Naiany De Araújo Santos Costa...... 142

Figura 78-SILVA, Oscar Pereira da. Dorso de mulher. 1893. Óleo sobre tela, 90 x 64 cm. Museu Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro, Rio De Janeiro-Brasil...... 144

Figura 79-SILVA, Oscar Pereira da. Nu (Inacabado). Óleo sobre tela. Pinacoteca Do Estado De São Paulo, São Paulo- Brasil. Foto: Da Autora...... 146

Figura 80-SILVA, Oscar Pereira da. “Nu feminino”. 1934. Óleo sobre tela, 40 x 52 cm. Fonte: James Lisboa Leilões...... 146

Figura 81-Ingres, Jean-Auguste Dominique. Uma odalisca. 1814. Óleo sobre tela, 91 x 162 cm. Musee Du Louvre, Paris- França. Fonte: Warburg-Banco Comparativo De Imagens...... 146

Figura 82-Silva, Oscar Pereira da. Mulher Reclinada. 37/39. Óleo sobre tela, 31 x 17 cm. Fonte: Catalogo Das Artes Leilões...... 147

Figura 83-Silva, Oscar Pereira da. Mulher com turbante.1930. Óleo sobre tela, 41 x 33 cm. Pinacoteca Do Estado De São Paulo, São Paulo- Brasil. Fonte: Wikipédia...... 148

Figura 84-Silva, Oscar Pereira da. Mulher Com Vaso E Flores. Óleo sobre cartão,20,5 x 14,5 cm. Fonte: James Lisboa Leilões...... 150

Figura 85-Monet, Claud. A Vila De Vétheuil. C.1881.Óleo sobre tela, 14,4 x 22,6 cm. Museu De Belas Artes De . Fonte: Warburg- Banco Comparativo De Imagens. 150 Figura 86-Silva, Oscar Pereira da. Praia D’enseada Guarujá. 1930. Óleo sobre cartão, 20 x 47 cm. Fonte: James Lisboa Leilões...... 150

Figura 87-Manet, Édouard. Banco no jardim de versailhes. 1882. Óleo sobre tela, 87 x 105 cm. Fonte: Warburg- Banco Comparativo De Imagens...... 151

Figura 88- Mugnaini, Túlio. Nu. 1936. Óleo sobre tela,55 x 46 cm. Associação Paulista De Medicina, São Paulo- Brasil. Fonte: Catálogo Da Pinacoteca Da Associação Paulista De Medicina...... 153

Figura 89- Worms, Gastão. Nu. 1934. Óleo sobre tela, 72 x 60 cm. Pinacoteca Do Estado De São Paulo, São Paulo- Brasil. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural...... 153

Figura 90- Matisse, Henri. Carmelina. 1903. Óleo sobre tela,80 x 64 cm. Fonte: Wahoo Art.Com ...... 153

Figura 91- Degas, Edgar. The Tub. c.1885. Fonte: Edward Lucie-Smith. The Body. ... 153

Figura 92- Silva, Oscar Pereira da. Nu. 1936. Óleo sobre tela, 81 x 46 cm. Fonte: Catálogo Das Artes Leilões ...... 156

Figura 93- Silva. Oscar Pereira da. Nu feminino. 1936, Óleo sobre tela, 40 x 83 cm. Coleção Particular. Fonte: Blog Ribeirão Preto Cultural Jaf...... 156

Figura 94- Silva, Oscar Pereira da. Nu. 1937. Óleo sobre tela, 46 x 53 cm. Fonte: Catálogo Das Artes Leilões...... 157

Figura 95-SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz De Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019...... 159

Figura 96-Cabanel, Alexandre. O nascimento da vênus. 1875. Óleo sobre tela. 130 x 225 cm. Museu Metropolitano De Arte, Nova Iorque- Eua. Fonte: Wikipédia...... 159

Figura 97- Silva, Oscar Pereira da. A noite. 1927. (detalhe)...... 160

Figura 98-Gêrome, Jean- Léon. Noite. c.1850-55.Óleo sobre tela,46 x 76,5 cm.Museu De Orsay, Paris-França. Fonte: Warburg- Banco Comparativo De Imagens...... 161

Figura 99- Ribera Y Fernandez, Juan Antonio. Alegoria da noite.c.a.1819.Óleo sobre tela,87 x 54 cm. Série as horas do dia. Cassino De La Reina. Museu Do Prado. Fonte: Wikidata...... 161

Figura 100- Silva, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927...... 162

Figura 101- Silva, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927...... 162

Figura 102- Silva, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927...... 163

Figura 103-Silva, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927...... 163

Figura 104- Américo, Pedro. A noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor. 1886. Óleo sobre tela,260 x 195 cm. Museu Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro- Brasil. Foto: Da Autora...... 167

Figura 105 - Silva, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz De Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio,2019...... 167

Figura 106-Silva, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927...... 168

Figura 107-Américo, Pedro. A noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor (Detalhe). 1886...... 168

Figura 108- Silva, Oscar Pereira da. A noite. (detalhe). 1927...... 168

Figura 109 - Américo, Pedro. A noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor (detalhe). 1886 ...... 168

Figura 110- Silva, Oscar Pereira da. A Noite (detalhe). 1927...... 169

Figura 111- Américo, Pedro. A noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor (detalhe). 1886...... 169

Figura 112- Nota do jornal Gazeta De Notícias onde informa que oscar expos duas telas, onde uma é cópia da tela de Pedro Américo, A noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor. publicado no dia 7 de fevereiro de 1889...... 170

Figura 113- Silva, Oscar Pereira da. Escrava romana. Óleo sobre tela,146, 5 x 72,5 cm. Coleção Particular-Gabriela Ramaciotti, Rio De Janeiro Fonte: Dissertação Marcela Formico-2012...... 172

Figura 114-Silva, Oscar Pereira da. Escrava romana.1894. Óleo sobre tela,146, 5 x 72,5 cm. Pinacoteca Do Estado De São Paulo- Brasil. Fonte: Warburg-Banco Comparativo De Imagem...... 172 Figura 115- Silva, Oscar Pereira da. Escrava romana (detalhe). Óleo sobre tela. Pinacoteca Do Estado De São Paulo -Brasil. Fonte: Waburg-Banco Comparativo De Imagens...... 173

Figura 116- Silva, Oscar Pereira da. Escrava romana (detalhe). Óleo sobre tela,146, 5 x 72,5 cm. Coleção Particular Gabriela Ramaciotti- Rio De Janeiro. Fonte: Dissertação Marcela Formico-2012...... 173

Figura 117 - Silva, Oscar Pereira da. Escrava romana. (detalhe). Óleo sobre tela. Coleção Particular- Gabriela Ramaciotti- Rio De Janeiro Fonte: Dissertação Marcela Formico-2012...... 173

Figura 118- Silva, Oscar Pereira da. Escrava romana. (detalhe). Óleo sobre tela,146, 5 x 72,5 cm. Pinacoteca Do Estado, São Paulo- Brasil. Fonte: Warburg- Banco Comparativo De Imagens...... 173

Figura 119- Silva, Oscar Pereira da. O consertador de porcelanas. 1895. Óleo sobre tela. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural...... 174

Figura 120- Silva, Oscar Pereira da. O consertador de porcelanas.1894. Óleo sobre tela, 92 x 73 cm. Coleção Particular- Gabriela Ramaciotti-Rio De Janeiro. Fonte: Dissertação Marcela Formico-2012...... 174

Figura 121- Champaigne, Phillippe. Cristo morto. A. 1654.Óleo sobre tela, 68 x 197 cm. Museu Do Louvre, Paris-França. Fonte: Wikipédia...... 175

Figura 122- Silva, Oscar Pereira da. Cristo Morto. C. 1892. Óleo sobre tela, 26 x 74,7 cm. Museu Dom João Vi, Rio De Janeiro-Brasil. Fonte: Wikipédia...... 175

Figura 123- Silva, Oscar Pereira da. Excomunhão de Roberto, o piedoso. (cópia do original de Jean-Paul Laurens). 1892. Óleo sobre tela, 79,6 x 115 cm. Museu Dom João VI, Rio De Janeiro-Brasil. Fonte: Wikimedia Commons...... 176

Figura 124- Laurens, Jean-Paul. Excomunhão de Roberto, o piedoso.1875. Óleo sobre tela, 130 x 218 cm. Musée D’orsay, Paris-França. Fonte: Musée D’orsay...... 177

Figura 125-Silva, Oscar Pereira da. Enlevement da psyche. (cópia de Proudhon).1914. Óleo sobre tela, 171 x 148 cm. Pinacoteca Do Estado De São Paulo, São Paulo- Brasil. Foto: Da Autora...... 178

Figura 126-Proud’hon, Pierre-Paul. L'enlevement de psyche. 1808. Óleo Sobre Tela, 195 X 157 cm. Museu Do Louvre, Paris-França. Fonte: Akg- Imagens...... 178

Figura 127- Silva, Oscar Pereira da. Adoração aos pastores. (cópia de diego de rivera). 1914. Óleo sobre tela, 196 x 149 cm. Pinacoteca Do Estado De São Paulo. Fonte: Livro Oscar Pereira Da Silva- Ruth Sprung Tarasantchi...... 178

Figura 128-Ribeira, José De. A Adoração Aos Pastores1648. Óleo sobre tela, 239 x 181 cm. Museu Do Louvre. Paris-França. Fonte: Blog Cores E Cheiros...... 178

Figura 129-Silva, Oscar Pereira da. Ceia de cardeais (cópia de pablo salinas). Óleo sobre tela, 50 x 70 cm. Fonte: Livro Oscar Pereira Da Silva- Ruth Sprung Tarasantchi...... 179

Figura 130-Salinas, Juan Pablo. Três prelados- festa natalina. s.d. Óleo sobre tela, 60,2 x 82,1 x 2 cm. Museu De Arte De São Paulo, São Paulo- Brasil. Fonte: Masp...... 180

Figura 131-Rembrandt, Van Rijin. Evangelista Matheus. 1661.Óleo sobre tela, 96 x 81 cm. Museu Do Louvre, Paris-França. Fonte: Wahooart.Com ...... 181

Figura 132-Rembrandt, H. Van Rijin. O banho de betsabé. 1654. Óleo sobre tela, 142 x 142 cm. Museu Do Louvre, Paris- França...... 181

Figura 133- Silva, Oscar Pereira da. “Cópia de Rembrandt”. 1905. Óleo sobre tela, 144 x 144 cm. Fonte: Leilão Catalogo Das Artes...... 181

Figura 134- Silva, Oscar Pereira da. “Nu”. 1923. Óleo sobre tela, 64 x 130 cm. Fonte: Catálogo Das Artes...... 183

Figura 135- Ingres, Jean- Auguste Dominique. A fonte. 1820. Óleo sobre tela, 83 x 163 cm. Musée D’orsay, Paris-França.Fonte: Warburg- Banco Comparativo De Imagens. 183

Figura 136- Imagem que acompanha o recorte do jornal Diário Popular, onde informa acerca de um leilão que ocorreu entre os dias 29 e 30 de outubro em são paulo. a imagem é a cópia da tela de Almeida Júnior, Executada Por Oscar Pereira da Silva...... 184

Figura 137-José Ferraz De, Almeida Júnior. Descanso de modelo.1882. Óleo sobre tela,100 x 130 cm.Museu Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro-Brasil. Fonte: Warburg-Banco Comparativo De Imagens...... 184

Figura 138- Silva, Oscar Pereira da. Batalha do riachuelo (Cópia). 1889. Óleo sobre tela, 1,16 X 2,04 cm. Palácio Pedro Ernesto, Rio De Janeiro-Brasil. Foto: Maraliz Christo. 186

Figura 139-Silva, Oscar Pereira da. Batalha Do Riachuelo (Cópia) Detalhe. 1889. Óleo Sobre Tela, 1,16 X 2,04 cm. Palácio Pedro Ernesto, Rio De Janeiro-Brasil. Foto: Maraliz Christo...... 186

Figura 140- Silva, Oscar Pereira da. Judite E Holofernes. Coleção Arnésio Urbano Júnior. Fonte: Livro Quatro Grandes Pintores De São Paulo. (S.D.)...... 188

Figura 141- Américo, Pedro. Judite E Holofernes. Óleo sobre tela, 72 x 52 cm. 1880. Museu Nacional De Belas Artes-Rio De Janeiro, Brasil Fonte: Google Artes E Cultura...... 188

Figura 142-Silva, Oscar Pereira da. Judite E Holofernes (Detalhe) ...... 188

Figura 143- Américo, Pedro. Judite E Holofernes. . (Detalhe)1880...... 188 figura 144-silva, oscar pereira da. “figura tocando violino”. 1957. óleo sobre tela, 55 x 74 cm. Fonte: Catálogo Das Artes ...... 190

Figura 145- Américo Pedro. Rabequista Árabe.1884. Óleo Sobre, tela, 87,60 x 60 cm. Museu Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro- Brasil. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural...... 190

Figura 146- Américo Pedro. Rabequista Árabe (Detalhe). 1884. Óleo sobre, tela, 87,60 x 60 cm. Museu Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro- Brasil. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural...... 190

Figura 147- Nota Do Jornal Diário Do Brazil, qual informa que oscar expos uma tela na galeria Moncada. trata-se de uma cópia da tela De Pedro Américo, Batalha Do Avaí. . 191

Figura 148- Nota do jornal Gazeta De Notícias, qual informa que Oscar Pereira Da Silva expos duas telas na Galeria Vieitas, onde uma delas é uma cópia da tela de Pedro Américo, que aparece com o título de Heloísa...... 192

Figura 149- Nota do jornal Correio Paulistano, onde menciona a cópia que oscar executou da tela de Pedro Américo: Independência Ou Morte...... 192

Figura 150- Reprodução da tela de Oscar Pereira Da Silva, cópia de Pedro Américo, da tela intitulada: Independência Ou Morte, que ilustra a primeira página do jornal Correio Paulistano...... 193

Figura 151- Américo, Pedro. Independência Ou Morte (Grito Do Ipiranga). 1888. Óleo sobre tela, 415 x 760 cm.Museu Paulista, São Paulo- Brasil. Fonte: Warburg Banco Comparativo De Imagens...... 193 Figura 152- Nota Do Jornal Diário De Notícias, onde aponta que Oscar Pereira Da Silva expôs dois quadros na galeria vieitas, sendo um deles, uma cópia de Pedro Américo. . 194

Figura 153- Nota Do Jornal Gazeta Litterária, onde menciona que as ilustrações presentes no catálogo ilustrado Da Exposição Artística Na Imperial Academia De Belas Artes, referentes às telas De Pedro Américo, são de autoria de Oscar Pereira Da Silva...... 194

Figura 154- Página do catálogo illusrado da exposição geral de bellas artes-1884, organizado por De Wilde, onde menciona que nem todas as obras foram executadas pelos próprios artistas que fazem referência as telas apresentadas na exposição...... 195

Figura 155- A Carioca. Fonte: Catálogo Da Exposição Artística Da Academia Imperial De Belas Artes. org. por Wilde,1884...... 196

Figura 156- Figura- Américo, Pedro. A Carioca.1882.Óleo Sobre Tela, 205,5 X 134 Cm. Museu Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro-Brasil. Fonte: Wikipédia ...... 196

Figura 157- Joana D’arc. Fonte: Catálogo Da Exposição Artística Da Academia Imperial De Belas Artes. org. por De Wilde, 1884...... 197

Figura 158- Américo, Pedro. Joana D’arc.1883. Óleo Sobre Tela, 229 X 156 Cm Museu. Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro-Brasil. Fonte: Wikipédia...... 197

Figura 159- Judith. Fonte: Catálogo Da Exposição Artística Da Academia Imperial De Belas Artes. Org. Por De Wilde,1884...... 198

Figura 160- Américo, Pedro. Judith Rende Graças A Jeová Por Ter Conseguido Livrar Sua Pátria Dos Furores De Holofernes.1880.Óleo Sobre Tela, 229 X 141 Cm. Museu Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro-Brasil. Fonte: Wikipédia...... 198

Figura 161 -Silva, Oscar Pereira Da. Judite E Holofernes. Óleo Sobre Tela, 72 X 52 Cm. Coleção Arnésio Urbano Júnior. Fonte: Livro Quatro Grandes Pintores De São Paulo...... 198

Figura 162- Retrato. Fonte: Catálogo Da Exposição Da Artística Academia Imperial De Belas Artes. Org. Por De Wilde,1884...... 199

Figura 163- Américo, Pedro. Retrato De D. João Iv, Duque De Bragança. 1879. Óleo sobre tela,152 x 106 cm Museu Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro-Brasil. Fonte: Wikipédia...... 199

Figura 164- Retrato. Catálogo Da Exposição Artística De Belas Da Academia Imperial De Artes. Org. Por De Wilde,1884...... 200

Figura 165- Américo, Pedro. “A Vaidosa”.1881. Óleo sobre tela, 109 X 175 cm. Coleção Privada. Fonte: Wikipédia...... 200

Figura 166- A Noite. Fonte: Catálogo Da Exposição Artística Da Academia Imperial De Belas Artes. Org. Por De Wilde,1884...... 201

Figura 167- Américo, Pedro. A noite e os gênios do estudo e do amor. 1883. óleo sobre tela, 260 x 195 cm. Museu Nacional De Belas Artes, Rio De Janeiro- Brasil. Fonte: Warburg Comparativo Banco De Imagens...... 201

LISTA DE TABELA

TABELA 1-Lista de possíveis obras alegóricas na exposição muse italiche-1928 ...... 49

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...... 20

CAPÍTULO 1- A NOITE E SEUS CAMINHOS ...... 27

1.1- A EXECUÇÃO ...... 27

1.2-A EXPOSIÇÃO MUSE ITALICHE ...... 34

1.2.1- ABERTURA ...... 34

1.2.2-OS CRITÉRIOS ...... 36

1.2.3- RECEPÇÃO DA EXPOSIÇÃO ATRAVÉS DOS PERIÓDICOS: CORREIO PAULISTANO, A MANHÃ E DIÁRIO NACIONAL:

DEMOCRACIA EM MARCHA ...... 39

1.2.4-A PARTICIPAÇÃO DE OSCAR PEREIRA DA SILVA NA EXPOSIÇÃO ...... 45

1.2.5-UM OUTRO PERCURSO: OS CATÁLOGOS DAS EXPOSIÇÕES GERAIS DE BELAS ARTES DO RIO DE JANEIRO ...... 52

1.3-O LEILÃO DE 1933 ...... 54

1.4-A PERMANÊNCIA NO MUSEU MARIANO PROCÓPIO ...... 59

1.4.1- A NOITE E FOLHAS DE OUTONO: DUAS ALEGORIAS, DOIS NUS FEMININOS NO MUSEU MARIANO PROCÓPIO .... 60

1.5-A VISIBILIDADE DE A NOITE APÓS COMPOR O ACERVO DO MUSEU MARIANO PROCÓPIO: EXPOSIÇÃO E

REPRODUÇÕES ...... 65

CAPITULO 2- A NOITE E ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A PINTURA ALEGÓRICA: HISTORIOGRAFIA E PERSPECTIVA BRASILEIRA ...... 68

2.2- A ALEGORIA ENQUANTO GÊNERO DE PINTURA ...... 68

2.1-ALEGORIAS E PINTURAS DECORATIVAS NO RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO ...... 82

2.2-AS PINTURAS ALEGÓRICAS DE OSCAR PEREIRA DA SILVA ...... 89

2.3- A FIGURA FEMININA COMO REPRESENTAÇÃO ALEGÓRICA DA REPÚBLICA BRASILEIRA ...... 104

2.5- CADERNO DE IMAGENS-CAP. 2-OBRAS ALEGÓRICAS DE OSCAR PEREIRA DA SILVA ...... 113

CAPITULO 3- A NOITE E A REPRESENTAÇÃO FEMININA ...... 120

3.1- A “MULHER ESPIRITUAL” ...... 120 3.1.2- A “INOCÊNCIA VIOLENTADA” ...... 125

3.2-AS MULHERES SOB OS PINCEIS DE OSCAR PEREIRA DA SILVA ...... 132

3.2.1-O ARTISTA “POMPIER” ...... 132

3.2.2- A MODERNIDADE NA REPRESENTAÇÃO FEMININA DE PEREIRA DA SILVA...... 144

3.2.3- A NOITE NA PRODUÇÃO DE PEREIRA DA SILVA ...... 157

CAPÍTULO 4-A NOITE E OSCAR PEREIRA DA SILVA: SOCIABILIDADE COM O ARTISTA PEDRO AMÉRICO ...... 164

2.1- DOIS PINTORES, DOIS BRASILEIROS E NENHUM ENCONTRO ...... 164

2.2- AS DUAS “NOITES”: RELAÇÃO ENTRE OSCAR PEREIRA DA SILVA E PEDRO AMÉRICO ...... 166

2.3- OSCAR E AS REPRODUÇÕES DE TELAS DE OUTROS ARTISTAS ...... 170

2.3.1-AS REPRODUÇÕES DE ARTISTAS ESTRANGEIROS ...... 174

2.3.2- AS REPRODUÇÕES DE ARTISTAS NACIONAIS ...... 183

2.3.3-AS REPRODUÇÕES DE PEDRO AMÉRICO ...... 187

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 203

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 207

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Porque História da Arte? Esta pergunta me seguiu em alguns momentos dentro da Academia e fora dela. É como se os colegas curiosos e que desconheciam o mundo das artes, percebessem as duas disciplinas como algo distante, diferente. E certamente essa posição se faz compreensível. Em várias ocasiões confesso que não possuía a resposta de imediato e apenas me silenciava. Porque de fato a Arte não fazia parte da minha realidade. Não possuía o costume de apreciar obras de arte e refletir a partir delas. Não havia ponderado como poderia pensar historicamente a partir deste objeto. Mesmo assim, escolhi este caminho. Que se justifica pela predileção pelo meu objeto de pesquisa que fascinou o meu olhar. Colegas de faculdade ficavam intrigados com o porquê da escolha em um curso de História em uma Universidade onde o curso História da Arte não existe. Ou se forma Historiador ou Artista. O historiador Piter Burke em sua obra intitulada História e Teoria Social, apontou a necessidade do historiador dialogar com outras áreas do saber e como este diálogo se manifestou no campo de conhecimento dos historiadores. Ao tratar em sua obra sobre uma afluência da História com outras disciplinas, o autor menciona que ambas devem ser complementares e não um campo de disputa: “Apenas mediante a comparação da história com as outras disciplinas poderemos descobrir em que aspectos determinada sociedade é única.” (BURKE, 2002: p.13) Desta forma, porque não fazer a união da Arte e da História para enxergar aspectos sociais e políticos de uma determinada sociedade? De fato, as contribuições dos historiadores que compunham a Escola dos Annales foram inúmeras para a História, onde ressaltamos a abertura do olhar para novas fontes históricas como a fotografia, testemunhos orais, monumentos de arquitetura entre outros. Portanto, tomar uma obra de arte como cerne desta pesquisa foi minha escolha. Pois acredito que a mesma: [...]traz em si, habilmente organizados, os meios de despertar em nós, em nossas emoções e razão, reações culturalmente ricas, que aguçam os instrumentos dos quais nos servimos para apreender o mundo que nos rodeia. (COLI, 2010: p. 109).

Portanto, se alguém me fizesse esta pergunta novamente, certamente a responderia com as palavras de Piter Burke: 21

Pode-se afirmar que estar aberto a novas ideias de onde quer que venham, e demonstrar-se capaz de adaptá-las aos propósitos e de encontrar maneiras de testar sua validade constituem a marca tanto do bom historiador como do bom teórico. (BURKE, 2002: p.230).

Seria um erro muito grande omitir que dificuldades não apareceram no caminho desta pesquisa. Não só metodológicas, mas sociais e políticas. Sobretudo, pelo cenário em que vivemos no momento com ataques direto a educação e a pesquisa. Assim, este trabalho se apresenta á você leitor, não digo concluído pois, um objeto de pesquisa nunca se esgota, mas é passível de várias interpretações. Como uma forma de resistência e credibilidade na potência da educação e pesquisa que tem o poder de transformar a vida de um indivíduo que por consequência, retorna para a sociedade e modifica o mundo com seu conhecimento. Esta dissertação intitulada: A Noite No Museu Mariano Procópio: Uma Pintura Alegórica De Oscar Pereira Da Silva, se origina a partir do estudo da tela A noite, do artista brasileiro Oscar Pereira da Silva. Compondo o acervo do Museu Mariano Procópio, localizado na cidade de Juiz de Fora- Minas Gerais, provavelmente desde o ano de 1937, a tela me provocou algumas questões desde o primeiro encontro. Este que se fez em 2014, enquanto estava cursando minha graduação. Este encontro não fora a partir de uma pesquisa cientifica ou algo do gênero mas sim, sentada em uma sala de aula acompanhando a fala da professora Maraliz Christo. Em meio a apresentação das obras que fazem parte do acervo do Museu Mariano Procópio, eis que surge A noite e Folhas de outono. Esta última do artista Horácio Hora. Duas lindas alegorias em grande formato e igualmente nus femininos, possantes. Em minha inocência de estudante, sem experiência alguma com a pesquisa e sem conhecimentos sobre História da Arte, naquele momento, apenas fiquei deslumbrada pelas telas. Mas a partir desta fascinação é que dali em diante busquei me aprofundar mais sobre este mundo admirável da História da Arte, fazendo disciplinas no Instituto de Ciências Humanas mas sobretudo, no Instituto de Artes e Designer. Já no fim de minha graduação, onde haveria de fazer um projeto de pesquisa como requisito para avaliação de uma disciplina é que a oportunidade surgiu. Porém, com uma escolha a ser feita. De fato, trabalhar com a História da Arte neste projeto já era algo sólido, mas qual obra? Imediatamente A noite e Folhas de Outono voltaram a minha mente. 22

Não poderia trabalhar com as duas- demandaria muitos esforços e trabalho. Haveria de escolher apenas uma. Assim, fiquei por horas contemplando as duas telas até que enfim, me

Figura 1-SILVA, Oscar Pereira da Silva. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora-Brasil. decidi pela tela de Pereira da Silva. Mesmo sem ter conhecimentos profundos naquele momento sobre quem era o artista, até mesmo o gênero pictórico da tela. Destarte, ao longo em que a pesquisa ia fluindo e este texto se construindo, também fui crescendo enquanto pesquisadora. 23

Ao longo da pesquisa, pode-se perceber o quanto este estudo se fazia necessário e precioso. A tela de Pereira da Silva ao que consta até o momento, não possui um estudo profundo. Mas não significa que não tenha sido o objeto de desejo de outros pesquisadores. Ao que temos informe, o pesquisador e colega de laboratório Samuel Mendes Vieira ao finalizar seu mestrado em 2014, menciona em sua dissertação1 que havia dois caminhos possíveis para realizar a sua pesquisa com obras do acervo do Museu Mariano Procópio: o primeiro, “estudar um nu alegórico”, a partir de A noite ou “enveredar pelos sentimentos femininos” através da tela de Belmiro de Almeida, Amuada. Que bom que ele seguiu o segundo pois, logrei a oportunidade e privilégio de construir a primeira dissertação que leva A noite como protagonista desta pesquisa. Cabe ressaltar que este estudo contribui não só para o conhecimento acadêmico mas também, para a própria instituição que a ampara pois, de portas fechadas por muito tempo, hoje o Museu Mariano Procópio não possui condições físicas para expor as telas. Funcionando apenas com duas galerias, as pinturas permanecem na reserva técnica sendo por vezes, algumas expostas quando possível. Infelizmente A noite se encontra neste quantitativo de pinturas que não são expostas. Assim, a própria comunidade de Juiz de Fora e de outras cidades não tem a oportunidade de ver e rever a tela, muito menos de conhecê-la. Desta forma, este estudo também tem o objetivo de apresentar a obra, desvelando um pouco de sua história e importância dentro do acervo. Esta que se faz, ao ser a única tela que o Museu Mariano Procópio possui do artista Oscar Pereira da Silva. Exclusividade esta que se estende possivelmente a toda cidade de Juiz de Fora até o momento. No capitulo primeiro, intitulado A noite e seus caminhos, as dificuldades não demoraram a surgir. Com o propósito de realizar uma reconstituição da histórica física da obra, perpassando por informações de exposições e fortuna crítica, a intenção originalmente era de poder conhecer mais a obra e seus percursos, afim de poder estabelecer alguma relação social advinda da própria tela. Porém, ao efetuar a pesquisa, me deparei com um grande silêncio da tela de Pereira da Silva nos documentos analisados. De certo, há menções do artista e de outras obras de sua autoria nos periódicos, como a fortuna crítica. Mas de A noite, nada fora encontrado.

1 VIEIRA, Samuel Mendes. Á flor da pele: Amuada de Belmiro de Almeida e a pintura na segunda metade do século XIX. 2014, 163 f. Dissertação (Mestrado)- Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Ciências Humanas, 2012, Juiz de Fora. Introdução, p. 23-24. 24

Até porque, os indícios me levou a crer que a tela participou apenas em uma exposição. Portanto, não tive muitos eventos para procurar por informações sobre pintura. Porém, esta exposição organizada pela Muse Italiche, se apresentou muito interessante, sobretudo como foi a repercussão da mesma nos jornais de época. Desta forma, a metodologia pensada para o capitulo que inaugura esta dissertação, segue uma cronologia com as informações que foram possíveis ser extraídas dos documentos analisados, perpassando pelo momento que Oscar Pereira da Silva executa a tela em 1927. E se finda com a chegada da tela ao Museu Mariano Procópio, por volta do ano 1937. Apesar do recorte temporal tratado neste primeiro capitulo ser de apenas 10 anos, e não ser subsequente, por falta de dados. Procurei investir minha análise não naquilo que me fazia falta, mas no que possuía. Para desvelar mais informações sobre a tela, minha análise se expande não só para o cenário artístico de São Paulo- onde Oscar habitava, mas também para o Rio de Janeiro. Desta forma, o primeiro capitulo se apresenta com ricas informações sobre tela, o artista e o Museu Mariano Procópio, onde ambientes, regiões e indivíduos se conectam a partir de A noite. O segundo capitulo, intitulado Alguns apontamentos sobre a pintura alegórica: historiografia e perspectiva brasileira, “nasceu” depois de realizar a qualificação desta pesquisa. Através das ricas contribuições dos profs. Drs. Arthur Valle e Renata Zago. A concepção deste capitulo foi de apresentar a você leitor, um discurso teórico sobre a alegoria enquanto um gênero pictórico. Confesso que não foi fácil construir esta seção da pesquisa pois, era algo que não estava em meus planos. Porém, com o olhar cauteloso da banca, foi percebido a importância para História da Arte esta discussão. Não somente em um aspecto geral, mas também agregar uma perspectiva da Arte brasileira, Desta maneira, este capitulo foi elaborado sob a fala de alguns teóricos que dizem respeito em especifico ao tema da pintura alegórica, extraindo qualidades e concepções sobre o gênero pictórico. Aliado a umas críticas de arte sobre pinturas alegóricas que contemplavam periódicos, afim de estabelecer rupturas e conexões com as falas dos autores. A percepção da pintura alegórica no Brasil contempla a maior parte deste capitulo. Pois dialoga com o nosso objeto de pesquisa A noite. Assim, focando nos dois grandes centros da arte no Brasil na época, Rio de Janeiro e São Paulo, estabelecendo assim, uma conexão com o capítulo anterior. Nosso olhar se voltou para outros gêneros da pintura em que a alegoria era expressiva, como as pinturas decorativas. A partir deste ponto, a análise se volta para a própria produção 25

de Pereira da Silva, afim de estabelecer uma relação de A noite com as outras pinturas alegóricas do artista e de outros. O terceiro capitulo intitulado A mulher por trás da alegoria: a representação feminina como representação do anoitecer, procura analisar justamente o outro lado da pintura de Pereira da Silva: o nu feminino. Este capitulo procura estabelecer uma conexão com o hibridismo alegórico apontado no capítulo anterior, porém, respeitando o gênero que compõe A noite. Assim, procurou-se compreender como o corpo feminino se apresentava neste tipo específico de pintura- o alegórico, para depois centrar nossa análise na produção do artista. Para conceber tal conhecimento, nos valemos principalmente de uma comparação entre imagens pois: (...) um meio excelente para interrogar as obras são os procedimentos comparativos. Nada permite melhor entender uma obra do que outra obra. Associá-las mentalmente, ou visualmente, com reproduções sobre uma mesa, ou numa sala de museu, por semelhança, oposição ou indiferença entre elas, é encontrar a “terceira margem do rio” que menciono no texto sobre Proust. (COLI, 2010: p. 14)

Portanto, buscamos identificar qual “tipo” de mulher uma alegoria apresenta. Seja ela sensual, espiritual, carnal, inocente ou maléfica. A forma como o nu feminino se apresenta nas alegorias se mostrou bem interessante e diversificado. Após esta identificação, o olhar se voltou para a produção de nu feminino de Oscar Pereira da Silva, onde teve-se a oportunidade de conhecer obras do artista até então desconhecidas por mim, mas também de enxergar um novo Oscar Pereira da Silva. Ao mergulhar em suas obras, pode-se observar o artista experimentando e empregando novas técnicas e estilos- diferente do que havia-se conhecido desde então. O mais interessante foi perceber como estas obras de certa forma, tão diferentes dialogavam com A noite e com a produção de outros artistas ambientados no cenário artístico paulista na década de 30. Por fim e não menos importante, temos o último capítulo desta dissertação que se intitula: A noite e Oscar Pereira da Silva: uma sociabilidade com o artista Pedro Américo. Este capitulo foi um verdadeiro presente logrado da pesquisa. Todos até aqui tiveram as suas contribuições e relevâncias. Porém, este se sobressai. Ao olhar para nosso objeto de pesquisa e a representação do anoitecer de Pedro Américo, sempre nos questionamos se Pereira da Silva não havia se inspirado na tela de Américo para compor a sua, devida as semelhanças. 26

Mas em diversas procuras e investigações durante a pesquisa, nada havia sido encontrado para afirmar ou descartar a possibilidade. Até que um dia, procurando por outras informações, deparei-me com uma nota no periódico que informava da cópia de Pereira da Silva justamente desta tela de Pedro Américo. Era tudo o que precisava. Apenas uma faísca. E deste ponto em diante, as pesquisas se centraram em outras cópias que o artista havia executado para examinar o que elas poderiam dizer. Assim, neste capítulo apresenta-se as cópias reproduzidas de Pereira da Silva tanto de artistas estrangeiros, como de nacionais. Onde pode-se constatar que, assim como os alunos da Academia Imperial de Belas Artes copiavam as obras dos artistas encarados como grandes mestres, porém estrangeiros. Pereira da Silva fizera não só com os estrangeiros mas também de artistas nacionais, onde as cópias realizadas do artista Pedro Américo se sobressaíram pela quantidade. Portanto, apesar de não ter sido possível estabelecer uma relação social entre os dois artistas, foi possível perceber que Oscar Pereira da Silva sentia uma grande admiração por Américo, sobretudo, por considerá-lo como um influenciador em sua carreira. Onde só foi possível perceber esta conexão, através da tela A noite.

27

CAPÍTULO 1- A NOITE E SEUS CAMINHOS

1.1- A execução

“O amor que Oscar Pereira da Silva sentia por S. Paulo era tão acendrado quanto o do seu confrade Benedito Calixto.”2

A Noite, é uma pintura óleo sobre tela, com dimensões de 186 x 45 cm e está assinada pelo artista e datada no canto inferior direito: Oscar P. da Silva e logo ao lado, 1927. Uma figura feminina nua, ocupa o centro da tela. Sua face, em posição ¾, encara o observador com seu olhar. Uma coroa de folhas verdes adorna seus cabelos longos e negros, que voam pelo céu. Na mão direita, com as pontas dos dedos, segura um grande ponto luminoso. Já a esquerda, com a palma voltada para o alto, toca o tecido transparente, em cor azul escuro. Este, por sua vez, corta a tela desde a parte superior até a inferior, sendo conduzido por puttis que acompanham o movimento espiralado do mesmo, em torno do corpo da figura feminina. Com o tecido nas mãos, os puttis surgem da parte superior da tela até a inferior, sugerindo ajeitar o panejamento sob o cenário. O plano de fundo que contempla a tela, aparenta ser noturno, repartindo-se em duas cores: azul escuro e laranja. Pequenos pontos luminosos são perceptíveis ao redor da figura feminina. Trata-se de uma composição alegórica representando o anoitecer. O ano de 1927, em que A Noite fora executada, nos apresenta alguns eventos que de certa forma modificaram o cenário das artes brasileira. Como, por exemplo, a mudança no estatuto da antiga Escola Imperial de Belas Artes, o advento da república, a semana de 22, entre outros. E é justamente neste contexto que A Noite descende. O que nos instiga a ponderar, através da obra de Pereira da Silva, como se dava esta produção em especifico, ao longos dos anos que acolheu a primeira República Brasileira,

2 Trecho de Fernando Jorge ao abordar sobre a vida de Oscar Pereira da Silva, sobretudo sobre sua decisão de fixar residência em São Paulo e a personalidade que o artista se tornou nesta capital. C.f. Vidas de grandes pintores do Brasil,1954, p.197. 28

sobretudo, como o próprio gênero alegórico é concebido pelos artistas nesta primeira metade do século XX.

Figura 2- SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019.

Desta forma, não poderíamos deixar de abrir esta dissertação apresentando o cenário em que Oscar se encontrava ao executar esta pintura pois, será importante para compreender e 29

construir algumas reflexões sobre a tela em questão. Apesar de Oscar Pereira da Silva ter nascido no Rio de Janeiro, o artista fixa residência em São Paulo logo após realizar uma exposição na cidade carioca no ano de 1896, apresentando um conjunto de 33 telas que executara na Europa em virtude do concurso do prêmio de viagem concedido pelo Imperador em 18873. Tarasantchi (2016) nos apresenta um cenário artístico paulistano muito favorável no início do século XX. Nos anos que compreendem o período de 1914 a 1918, marcado pela 1ª Guerra Mundial, Oscar já atuava em São Paulo, sendo considerado um artista importante, juntamente com Benedito Calixto, Pedro Alexandrino, de Servi entre outros. A autora menciona que este contexto de guerra fez com que o Brasil ficasse afastado economicamente dos outros países, reduzindo assim, as importações. O Liceu de Artes e Ofício lançou no mercado muitos mobiliários, tornando a procura por artistas e artesões intensa. Apesar de muitos artistas que estavam na Europa voltarem para a capital paulista em decorrência da guerra, a autora menciona que Oscar Pereira da Silva se apresentava muito ativo, realizando várias exposições individuais e expondo cópias, realizadas a pedido do Estado, executadas no exterior. Oscar conseguiu êxito na sua escolha ao se mudar para São Paulo. Não só exercia a profissão de pintor, atendendo encomendas particulares e para o próprio governo do Estado de São Paulo, mas também foi professor no Liceu de Artes e Ofício, ministrava aulas de pintura particulares e ajudou a fundar a Escola de Belas Artes na capital, onde também exerceu a profissão de professor. Em 1922, ocorre a primeira Exposição Geral de Bellas Artes. Um esforço que reuniu trabalhos de diversos artistas, já que neste período, exposições individuais aconteciam com maior frequência4. A autora menciona um diferencial que São Paulo tinha do Rio de Janeiro em relação ao ambiente artístico, sendo o fato da capital paulista possuir indivíduos com dinheiro que adquiriam obras de arte. Apesar de São Paulo estar crescendo e a sociedade se tornando mais

3 Apesar do concurso ter ocorrido no ano de 1887, Oscar só viaja para Paris em 1890, devido a divergências entre o júri para apurar o resultado. Zeferino da Costa e Rodolpho Bernadelli tinham predileção pela tela de Belmiro de Almeida, o restante do júri, em concordância, consentiam com Oscar como vencedor. Demorou-se três anos para que a decisão fosse tomada, contemplando Oscar Pereira da Silva. A pesquisadora Ana Cavalcanti descreve bem os empasses deste concurso. C.f. CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Belmiro de Almeida, Oscar Pereira da Silva e o polêmico concurso para Prêmio de Viagem de 1887. In: Anais do XXVI Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. São Paulo, SP: Comitê Brasileiro de História da Arte, 2006. Disponível em: . 4 A respeito do cenário das exposições que ocorriam na cidade, trataremos mais adiante no subcapitulo seguinte, intitulado: A Exposição Muse Italiche, que teve grande impacto no cenário artístico de São Paulo em 1928. 30

culta, a autora aponta que artistas que se autodenominavam clássicos ou “acadêmicos” ali se concentravam em número expressivo e os acontecimentos modernistas da semana de 22 não os abafaram na capital. O nome de Oscar Pereira da Silva é citado por ela ao mencionar uma nota do jornal Diário Popular, apontando a conjuntura das artes na capital juntamente com Pedro Alexandrino, Paulo Valle Jr., entre outros, como artistas mais importantes naquela época. Apenas dois anos antes de Oscar executar nosso objeto de pesquisa A Noite, ele havia realizado uma viagem à Europa. Jorge (1954) ao abordar a vida de Pereira da Silva, transcreve5 a fala do pintor Túlio Mugnaini (1895-1975) ao encontrar com Oscar em Paris, que inclusive, o considera um amigo. No trecho, o pintor pondera a razão da viagem de Oscar ser estritamente o estudo com objetivo de executar cópias de quadros notáveis e ainda menciona que estas, pertencem ao acervo da Pinacoteca do Estado. O encontro se deu na Academia Colarossi, em Montparnasse, onde o pintor lembra ter avistado Oscar segurando uma pasta de desenhos. Percebemos que o estudo sempre esteve presente na vida de Pereira da Silva e, pode ser que em Paris, o artista tenha se inspirado em alguma outra obra para executar A Noite. Apesar de ter realizado um nu alegórico no ano de 1927, alguns autores apontam que Oscar se intitulava um pintor histórico nesta primeira metade do século XX. Jorge (1954) relata que Oscar nos primórdios do século XX, se especializou em pintura histórica ao executar telas que ficaram muito conhecidas como Desembarque de Cabral; O Príncipe Regente D. Pedro e Jorge Avilez a bordo da Fragata União; Recepção dos índios a bordo da Nau-Capitânia de Cabral; Sessão das Cortes de Lisboa em maio de 1922 e Fundação de São Paulo. Para o autor, estas representações em conjunto com o os medalhões que Oscar executara para o Museu Paulista no ano de 1922, compreendendo retratos de “grandes homens” da história de São Paulo, demonstravam o afeto que o artista nutria pela capital. Assim como Jorge (1954), o pesquisador Lima Júnior (2015) também aponta esta afirmação sobre o artista, sobretudo, por representar cenas que retratavam o passado de São Paulo. Talvez esta temática fosse tão presente nas telas de Oscar neste período devido a sua participação no Instituto Histórico Geográfico de São Paulo, sendo aceito no ano de 1909, como aponta o pesquisador.

5 C.f. JORGE, Fernando. Vidas de grandes pintores do Brasil. Livraria Martins Editora S.A., São Paulo,1954, p.196-197. 31

O próprio Oscar se intitula um artista especialista em pinturas históricas e de gênero figurista, ao ser indagado por Laudelino Freire (1914). Apesar da fala dos dois autores, e a afirmação do artista, Oscar não executara somente pinturas com temáticas históricas. Prova disso é a própria tela em destaque nesta dissertação, A Noite, que por sinal, não foi a única que executou na primeira metade do século XX6. Ao olharmos para seus trabalhos neste período, percebemos que o artista tem uma produção expressiva representando o feminino, principalmente o nu7. Desta forma, apesar dos autores apresentarem Oscar nesta primeira metade do século XX, enquanto um pintor histórico, percebemos que o artista executou pinturas com outras temáticas, sobretudo como indicamos, a representação feminina. Apesar das viagens do artista a França, alguns anos antes de executar A noite, não encontramos alguma pintura que tenha sido executada na mesma temporalidade, que possamos afirmar uma presença na tela de Oscar. Em sua composição, o artista se utiliza do pretexto alegórico para executar o nu feminino, sem uma confirmação exata de uma influência literária, como ocorre com a representação do anoitecer do artista Leon Frédéric, executada no ano de 1891. Na composição de Frédéric (fig.2), a noite é representada por uma mulher velada, com um manto estrelado, onde não temos a certeza de estar nua. Temos somente a visão de seu busto, trazendo consigo duas figuras infantis-dois bebes adormecidos. O cenário de fundo, é uma escuridão, que auxilia na composição desse anoitecer. Como simbologia dessa alegoria, o manto é o elemento expressivo que nos fornece a informação do tema da pintura, bem como descreve H. Gravelot (1791) em seu tratado alegórico, ao fazer referência a palavra Noite:

Deusa da escuridão e do descanso, a Noite é representada por uma mulher com asas de morcego, velada por um vasto manto negro repleto de estrelas. Quando recebe uma carruagem, ele é arrastado por dois cavalos negros ou duas corujas8. (GRAVELOT, 1971: 99, tradução nossa)

Percebemos no verbete do tratado, que ele faz referência a Noite a uma deusa, esta, pertencente a mitologia grega descrita por Hesíodo em sua obra intitulada Teogonia. Na obra de Hesíodo (2013), a deusa é filha do deus Caos e personifica as trevas celestes. Enquanto seu

6 Abordaremos acerca de outras pinturas alegóricas que Oscar executou mais adiante, no capitulo 2. 7 Abordaremos com mais profundidade esta produção no capitulo 3. 8 NUIT. Déesse des ténèbres e du repos, la Nuit est représentée par une femme ayant des ailes de chauve-souris, couverte d’une voile, e déployant un vaste manteau noir semé d’étoiles. Lorsqu’on lui donne un char, il est trainé par deux chevaux noirs ou deux hiboux. 32

irmão Érebo, com quem teve muitos filhos, entre eles, o sono e a morte, personifica as trevas subterrâneas. A obra de Frédéric acompanha um texto na página online do museu em que permanece hoje, na Bélgica: A9 Alegoria da Noite é inspirada na mitologia grega, sendo personificada por uma mulher com véu. Ela é mãe de gêmeos, Sono e Morte, aqui apresentada como duas crianças nuas. Léon Frédéric estava aqui possivelmente fazendo uma alusão a outra tradição da arte da Europa Ocidental. As crianças que dormem, são personificações da manhã e da noite, que ainda não acordaram de uma intensa conexão com a mãe. Aqui, Frédéric conseguiu vincular seu interesse na representação de imagens de sonhos à arte do Quattrocento italiano, que ele tanto admirava. Tanto a precisão da execução quanto o refinamento com que ele pintou tecidos transparentes lembram uma das pinturas de Botticelli, cujo trabalho ele se familiarizou durante suas viagens de estudo à Itália. (Página online do museu MSK-Bélgica10, tradução nossa.)

Destarte, percebemos que o artista faz uma clara alusão a literatura para compor sua cena do anoitecer, diferentemente de Pereira da Silva, que nos apresenta uma mulher nua, mas sem filhos e não é velada pelo manto, que se apresenta de forma distinta da composição de Frédéric, como atributo de sua personificação na tela. O que nos faz pensar no verbete disposto no dicionário de mitologia de Rene Martin (1995), ao tratar da representação do anoitecer, no que tange a iconografia:

ICONOGRAFIA: No friso do altar de Pérgamo (período helenístico, Museu de Berlim), Nix é representada como uma mulher vestida com uma longa túnica pregueada. Muitos artistas modernos representaram a Noite como uma mulher velada, mas trata-se mais de uma figura alegórica que a deusa antiga. (MARTIN, 1995: 178.)

Nas palavras do autor, a representação iconográfica da Noite seria distinta da representação da deusa grega Nyx. Porém, a atribuição da deusa nesta representação estaria fundada em uma composição de uma mulher velada, mas ao realizar uma busca por outras pinturas de mesma temática11, somente a tela de Frédéric apresenta esta composição.

9 The Allegory of Night is inspired by Greek mythology, in which a veiled woman personifies Night. She is the mother of twins, Sleep and Death, here presented as two naked children. Léon Frédéric was here possibly making an allusion to another tradition of Western European art. Sleeping children are personifications of Morning and Evening, who have not yet awoken from an intense connection with their mother, Night. Here Frédéric was able to link his interest in the depiction of dream images to the art of the Italian Quattrocento, which he so much admired. Both the precision of the execution and the refinement with which he painted transparent fabrics remind one of the paintings of Botticelli, whose work he became familiar with during his study trips to Italy. 10 Pode ser acessado através da página online do Museum Voor Schone Kunsten Gent, no endereço: acesso em 15/02/2019.

33

Acreditamos que, falar de representação do anoitecer e da deusa grega, sejam duas coisas distintas, onde esta última, se manifesta em composições que apresentam uma figura feminina com duas crianças, fazendo alusão aos seus filhos, nos remetendo a deusa. E não de fato, em uma mulher com a cabeça oculta por um manto. Circunstância, que é predominante nesta representação alegórica, aparecendo em praticamente todas as alegorias do anoitecer que encontramos. Desta forma, a composição de Pereira da Silva não faz referência a alguma obra literária, se enquadrando em uma representação iconográfica do tema do anoitecer.

Figura 3- FRÉDÉRIC, Leon. Allegory of night.1891.Óleo sobre tela, 70 x 54,5 cm. Museum Voor Shone Kunsten Gent. Fonte: Museum Voor Shone Kunsten Gent. Figura 4- SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019.

Este é o cenário em que A Noite fora executada. Em 1927, Oscar Pereira da Silva com 62 anos de idade já era um pintor com nome reconhecido na capital que escolhera para viver sua vida e cuidar de sua família. Havia passado por quatro casamentos que não deram certo- a 34

maioria das esposas falecera12, realizou diversas exposições, tanto individuais, quanto coletivas e executou diversas pinturas com temáticas variadas. Há igualmente uma mudança na personalidade do artista, fato este, mencionado por Tarasantchi (2006) ao recordar as lembranças da filha de Pereira da Silva, percebendo um Oscar “menos autoritário e briguento” no ano de 1925. Apenas cinco anos mais tarde, novamente a filha do artista aponta novas mudanças no temperamento do pai, inclusive, na maneira de pintar, empregando cores mais claras e a não preocupação com a fatura, em relação ao acabamento, porém, mantendo “sua base magistral do desenho”13. Onde se encaixa então a tela A Noite em sua produção e neste cenário do século XX? Esta pergunta não é tão simples de ser respondida. Adiante, seguem-se os esforços realizados para levantar o percurso que a tela fez, desde o ano em que permaneceu com o artista, até passar a compor o acervo do Museu Mariano Procópio, nos permitindo conhecer um pouco de sua história física e algumas relações que foram concebidas a partir da mesma.

1.2-A exposição Muse Italiche

Esta seção que se segue, procura abordar a exposição de arte organizada pela Muse Italiche, onde nosso objeto de estudo figurou. Como poderá ser percebido nas próximas linhas, esta mostra foi importante e singular no âmbito de exposições coletivas ocorridas na cidade de São Paulo. Ao abrir este espaço em nosso texto para abrangê-la, poderemos perceber através de alguns fatos, questões que de certa forma também dizem respeito sobre nosso objeto de pesquisa, A Noite. Assim, não somente temos a intenção de registrar fatos com fôlego sobre a exposição, mas sim, construir nossa argumentação e pesquisa acerca da tela de Pereira da Silva. Este espaço também se justifica, pois, acreditamos até o presente momento, ter sido a única exposição que a tela tenha participado. Pelo menos enquanto Oscar ainda era vivo, como veremos na parte final deste capitulo. E, pelo fato de não termos encontrado fontes que nos digam o contrário, assim, julgamos relevante estudar a fundo esta exposição.

1.2.1- Abertura

12 C.f. TARASANTCHI, Ruth Sprung. Oscar Pereira da Silva. Empresa das Artes, São Paulo, 2006,181 p. 13 C.f. Ibidem, p. 37-38. 35

No ano de 1926 em São Paulo, no dia 21 de Abril, a sociedade italiana denominada Muse Italiche foi inaugurada. A sede se localizava14 na Avenida São João, nº 85-a, no sexto andar do prédio. No jornal italiano intitulado Il Pasquino: Coloniale15, tendo circulação em São Paulo, traz uma pequena nota descrevendo o evento. Esta instituição promovia diversos eventos culturais16 como espetáculos de dança, concertos e teatros. Além destes eventos citados, a instituição promoveu uma exposição de arte no ano de 1928, tendo Oscar Pereira da Silva apresentado a tela A Noite e outras pinturas. A exposição de arte organizada pela Muse Italiche, também conhecida como 1ª Exposição de Belas Artes, foi inaugurada no dia 22 de abril de 1928, num domingo no Palácio das Industrias, conforme anuncia o jornal Correio Paulistano17. Nascimento (2010) relata que este evento organizado pela Muse Italiche foi uma tentativa de se elaborar uma exposição coletiva que, só começam a ser frequentes na primeira metade do século XX, tratando-se da cidade de São Paulo. Os eventos ligados a exposições de arte até este momento, eram em grande parte individuais ou de pequenos grupos. A autora aponta a Exposição de Belas Artes e Artes Industriais como uma das primeiras exposições coletivas que reuniu um número significativo de trabalhos, totalizando 400 em 1902. Ao analisar o catálogo da exposição, a autora menciona que este se difere dos outros pois, apresenta algumas particularidades como a publicidade de alguns estabelecimentos da época, apontando serem possíveis patrocinadores do evento. Além de informações sobre os membros da comissão e uma página dedicada aos objetivos da Muse Italiche. Apesar da exposição ter sido patrocinada por uma instituição italiana, a mesma ressaltou a cultura brasileira. Na cerimônia de abertura da exposição, o então presidente da Muse Italiche Ferrucio Rubiani proferiu que o evento tinha o objetivo18 de ser uma propaganda da cultura brasileira, com finalidade de aproximar os artistas do público, demonstrando as realizações competentes dos mesmos e o que podiam esperar de seus trabalhos na presente capital.

14 Segundo informações contidas no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, ao mencionar em nota os critérios para o concurso do cartaz da exposição, publicado no dia 8 de janeiro de 1928. 15 C.f. Il Pasquino: Coloniale,24 de Abril de 1926, ano XVIII, número 964, p.12. 16 Estes eventos foram anunciados nos jornais da época com certa frequência, convidando o público paulista para apreciá-los. É possível encontrar estes anúncios nos jornais: Il Pasquino: Coloniale; Diário Nacional: a Democracia em Marcha; Il Moscone: Operazioni di Credito Commerciale Agricolo e Popolare; Correio Paulistano; A Gazeta; Cine-Modearte e O Combate: Independência, Verdade, Justiça. Todos circularam na cidade de São Paulo, entre os anos de 1926 a 1930. 17 C.f.. Correio Paulistano,22 de abril de 1928, p.2. 18 C.f. Correio Paulistano, 1 de maio de 1928, p.11. 36

Além de divulgar a cultura brasileira, a exposição tinha o objetivo de difundir não só a cultura italiana, mas também de outras nacionalidades, onde a exposição tinha a missão de servir como um intercâmbio de belas artes no Brasil. O presidente da Muse Italiche ainda em seu discurso de abertura, fez questão de divulgar alguns doadores que auxiliaram para que o evento ocorresse, tendo citado o coronel Jeremias Lunardelli, o conde Gamba, conde Matarazzo, o Dr. F. P. Ramos de Azevedo, entre outros. Aliás, este último fora retratado por Oscar Pereira da Silva e a tela19 hoje compõe o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Cabe-se ressaltar que a maioria dos doadores eram italianos- o que irá gerar uma certa tensão na sociedade italiana residente em São Paulo, devido o resultado da premiação da exposição e que abordaremos mais adiante.

1.2.2-Os critérios

A exposição teve alguns critérios20 estabelecidos para que os artistas pudessem participar. Para a confecção do cartaz, foi estabelecido um concurso onde os proponentes tinham total liberdade da temática, desde que fosse de acordo com os interesses da exposição. Poderiam participar deste concurso todos os artistas residentes no Brasil e o cartaz se limitava somente a duas cores e deveria vir acompanhado da seguinte inscrição:

“MUSE ITALICHE” Sociedade italiana de cultura 1ª exposição de Belas Artes de 1928 –São Paulo

O vencedor foi o escultor e pintor italiano Eugênio Pratti21 (1889-1979), que executou um cartaz nas cores vermelho e preto. Vemos três figuras femininas com vestimentas que se remetem à antiguidade, com corpos musculosos à mostra. As duas figuras humanas que estão próximas, carregam objetos. A que se encontra de costas para o observador, segura um vaso com algumas correntes, a que está a sua frente, porta uma pequena estátua representando um nu feminino deitado.

19 Pode-se ver a obra na página online da Enciclopédia do Itaú Cultural, disponível através do endereço eletrônico: 20 Acerca sobre a referência desses critérios ver nota de rodapé nº 1. 21 Para ver mais sobre a vida do artista, consultar o Dicionário Brasileiro de Artistas Plásticos, 1º volume de A a C, organizado por Carlos Cavalcanti, publicado em 1973, no verbete do artista, localizado na página 436. 37

A outra figura humana está ajoelhada a uma fonte, com as mãos em movimento para pegar o líquido que emana dela. Acima, ornando a fonte temos a figura de uma loba amamentando duas crianças, provavelmente fazendo menção ao mito do surgimento de Roma, onde possui a inscrição “ARS FONS VITAE”.

Figura 5-Cartaz da 1º Exposição Geral de Belas Artes, organizada pela Muse Italiche em 1928. Fonte: Empório Paulista- arte e colecionismo.

Mas os critérios não se estabeleciam somente para o concurso do cartaz. Para os artistas participarem da exposição, deviam seguir algumas regras. De acordo com Jornal do Commercio22 os artistas italianos que residissem no Brasil poderiam participar, igualmente os brasileiros, porém, os de outras nacionalidades somente poderiam concorrer se residissem no estado de São Paulo. A comissão artística foi designada pela Muse Italiche e composta pelo presidente da instituição, Ferrucio Rubiani, Giuseppe Sacchetti, o professor e escultor Matero Garibaldi, o pintor Arnaldo Mecozzi, o professor e pintor Adolfo Fonzari, o escultor Vincenzo Larocca, o professor e pintor Giuseppe Perissinette, o escultor Giovani Baptista e por fim, o escultor Mario Piazzi.

22 C.f. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 1928, p.6. 38

Os artistas deveriam expor obras inéditas, ou seja, não poderiam apresentar obras que já haviam sidos exibidas em outras exposições ocorridas em São Paulo, caso contrário, seriam excluídas do mostruário. Este informe para nós é muito importante pois, já que as obras deveriam ser inéditas dentro do estado de São Paulo, provavelmente esta exposição pode ter sido a primeira que A Noite participou. A obra foi executada no ano de 1927, sendo que a exposição ocorreu no início do ano de 1928, não temos como precisar o mês exato que Oscar executou A Noite, mas o período de tempo é curto em relação a execução e a exposição em questão, para ter sido exibida em outras exposições neste período, fora da cidade paulistana. Além de inéditas, cada artista tinha o direito de expor um número total de três obras, porém, a Muse Italiche acrescenta que em casos especiais, permitiria a exposição de um número maior de obras. Sabemos que Oscar enviara um número total de cinco pinturas- mais que o permitido. Sugerimos em hipótese que, talvez o conselho tenha permitido que o artista apresentasse mais obras, pela figura que o mesmo já possuía neste período, sendo encarado como um mestre. A organização das obras no recinto da exibição seria realizada pela Comissão Artística, podendo ser auxiliada por outros membros. Assim, sob estes critérios, os artistas que desejassem participar da exposição deveriam se manifestar através de carta endereçada a própria instituição italiana. As obras escolhidas, deveriam ser enviadas para o local da exposição, ou seja, no Palácio das Industrias, sob as custas dos próprios artistas e as chapas de inscrições deveriam ser enviadas para a sede da Muse Italiche. Seria de responsabilidade dos artistas acondicionar as obras para envio em caixas de madeira, fixando a tampa com parafusos. Todas as obras deveriam ser emolduradas e as miniaturas, aquarelas, estampas e quadro a , deveriam ser colocadas em vidros. Já as esculturas, deveriam estar acompanhadas de sua base, cavalete ou suporte. As obras escolhidas deveriam ser enviadas com vinte dias de antecedência da exposição, a ser comunicada aos artistas por meio de carta. Um fator importante destes critérios está relacionado com as vendas das obras. A nota presente no jornal Correio da Manhã23, relata que a Muse Italiche receberia sob as vendas eventuais uma porcentagem de 10% e, as obras que fossem vendidas não poderiam ser retiradas

23 C.f. Correio da Manhã, Rio de Janeiro,10 de fevereiro de 1928, p.5. 39

da exposição antes que se terminasse o evento, mesmo que fosse prorrogado o tempo de visitação. Se houvesse algum caso de perda, roubo ou prejuízo das obras expostas, a Muse Italiche se ausentava de qualquer responsabilidade pelos danos causados, ficando a cargo dos artistas os prejuízos. A exposição tinha uma data mínima de permanência que deveria ficar aberta durante 30 dias e, ao contar de 10 dias corridos do encerramento, os artistas deveriam recolher as obras que não foram vendidas. Não sabemos ao certo se a tela de Oscar fora vendida ou se ele teve que retirar A Noite da exposição, tendo que leva-la de volta para a sua casa. Não encontramos fontes que nos permitissem saber do paradeiro da tela após a exposição, somente teremos noticia dela cinco anos depois desta mostra.

1.2.3- Recepção da exposição através dos periódicos: Correio Paulistano, A Manhã e Diário Nacional: democracia em marcha

Esta seção dedica-se a abordar a recepção que a exposição obteve através de publicações de alguns periódicos que circularam na época, no Rio de Janeiro e São Paulo. A medida em que realizávamos nossas buscas por informações acerca desta exposição, nos deparamos com um fato curioso: poucos jornais se preocuparam em discorrer sobre este evento. Desta forma, conseguimos poucas notícias sobre esta exibição, porém, são suficientes para compreendermos a sua organização e finalidade, bem como sua repercussão. Mais surpreendente ainda foi a procura por informação da participação de Oscar Pereira da Silva nesta exposição. Esperávamos que fossemos encontrar um número significativo de notas relatando a presença do artista, sobretudo críticas acerca de A Noite. Infelizmente em nossas buscas, como será comprovado durante a leitura deste texto, quase não encontramos informações acerca da exposição, muito menos da participação de Oscar e de nosso objeto de pesquisa. Assim, o pensamento acerca da obra, bem como as questões que forem suscitadas a partir deste trecho, foram construídas e levantadas, alicerçadas com base nestes fragmentos de informações que aqui foram reunidos. 40

O Jornal Correio Paulistano24 além de noticiar questões burocráticas da exposição como foi abordado mais acima, como os critérios e normas de participação, em nota posterior nos traz um parâmetro de como estava estruturada a exposição. O evento25 contou com 300 obras de arte, o qual foram inscritas 525, totalizando 118 artistas, porém, 145 foram recusadas pelo júri. Num total, 140 artistas participaram. Grande parte era composta de pintores, compreendendo o total de 73, sendo 32 brasileiros, 32 italianos, um russo, dois alemães, três espanhóis, três japoneses e um grego. Dentre as obras que compunham a exposição, o jornal menciona que haviam pinturas, esculturas, desenhos, gravuras, artes aplicadas e arquitetura. Deste último, somando 73 de apenas 17 artistas, sendo sete brasileiros e dez italianos. Na seção adjunta, figuraram 65 obras de arquitetura, arte aplicada, decorativa e ferro batido, compreendendo o trabalho de 12 artistas, onde apenas dois eram brasileiros. Além da nacionalidade dos artistas, o qual demonstra que a exposição abrangeu uma grande diversidade e variedade cultural de obras de arte, o jornal nos informa acerca dos pintores que participaram da exposição, onde destacamos a filha de Oscar, Helena Pereira da Silva, Pedro Alexandrino, Paulo do Valle e Décio Villares. O jornal destaca ainda que, em uma visita realizada à exposição as obras de Oscar Pereira da Silva, juntamente com as de Gastão Worms, Pedro Alexandrino, Décio Villares, Paulo do Valle Júnior, Miguel Sansigodo, Henrique Tavola, Antonio Rocco, Orlando Tarquini Roque de Chiaro, Henrique Menzo e outros, são mais interessantes. A nota26 menciona que no salão de entrada estavam alocados as obras de arquitetura, compreendendo o total de 73. Destacando-se a atenção pela “perfeição das linhas e expressão das figuras”. Já as pinturas estavam alocadas em um grande salão, onde encontravam-se trabalhos “de maior vulto”. O nome de Oscar Pereira da Silva mais uma vez é mencionado, juntamente com Pedro Alexandrino, Theodoro Braga, Lopes de Leão e outros artistas, apesar de serem novos, o jornal menciona demonstrarem talento. Além de obras de artistas, o jornal menciona que algumas mulheres também participaram da exposição, como Guiomar Fagundes, Liba Martins, Esperança Cavernado, Norma Bule e Maria Braga.

24 C.f. Correio Paulistano, São Paulo, 1 de maio de 1928, p.11. Coluna intitulada “Primeira exposição Geral de Bellas Artes”. 25 C.f. Correio Paulistano, São Paulo, 5 de maio de 1928, p.4. Coluna intitulada “Registro de Arte”, assinada por “X.T”. 26 C.f. Correio Paulistano, São Paulo, 1 de maio de 1928, p.11. Coluna intitulada “Primeira exposição Geral de Bellas Artes”. 41

O mais interessante para nós nesta nota, é a informação acerca da temática das pinturas que figuraram nesta exposição. O periódico menciona que grande parte das pinturas eram do gênero alegórico, paisagens, flores, composições imaginativas, figuras, retratos, estudos a carvão e também outras pinturas modernas, que segundo o jornal “se afastam dos velhos princípios acadêmicos”. Isto nos indica duas hipóteses: A primeira é que Oscar não era o único artista a executar pintura alegórica em primórdios do século XX e a segunda, que pode haver mais pinturas alegóricas que sejam como A Noite: um nu feminino em uma alegoria de grandes dimensões. Em nota posterior27 e última do jornal a respeito da exposição, trata-se de abordar as esculturas com certa profundidade, destacando o artista Humberto Cozzo, qual traz uma reprodução fotográfica de sua obra intitulada Anseio Materno e menciona outros escultores, como José Cucé, Vicente Larocan, Lourenço Petrucci, Francisco Busacca. Porém, ao lermos a nota, o jornal se justifica o porquê não fez críticas severas para os expositores e a organização. A publicação menciona que procuraram ser “generosos” e fizeram críticas “amáveis” pois segundo foi informado, a exposição ocorreu “quase de improviso” e os artistas não estavam preparados. Desta forma, a gazeta relata que procurou encorajar e animar os expositores, diante das circunstâncias. A nota termina mencionando que não há motivos para que se condene a exposição e faz uma pequena comparação: “Sodoma e Gomorra foram incendiadas por não se encontrarem sobre ellas críticos justos. Na exposição actual o número ultrapassa, duplicando-se.” Esta parte final da nota nos chamou muita atenção. Porque haveria motivos para se condenar a exposição? O que teria a ver os críticos com isso? Através de publicações no periódico A Manhã, acerca da exposição, será possível compreender tais apontamentos. Apesar do Correio Paulistano ter noticiado que alguns jornalistas foram convidados para a cerimônia de abertura da exposição, o jornal A Manhã28 inicia suas críticas a instituição Muse Italiche justamente por segundo eles, terem feito o contrário, nem ao menos, segundo descrito na nota, um intelectual. Esta crítica presente no jornal, se pauta na falta de indivíduos capacitados a julgar as obras de arte, o que, para o periódico, somente a presença de nomes italianos que compunham a comissão, não era nada agradável: “[...] unicamente nomes de italianos ricos, industriaes e

27 Correio Paulistano, São Paulo, 12 de maio de 1928, p.2. Coluna intitulada “Registro de Arte”, assinada por “X.T.” 28 C.f. A Manhã, Rio de Janeiro, 1 de Julho de 1928, p.2. Matéria intitulada: “A exposição collectiva da Muse Italiche”. 42

fazendeiros. Todos de gente de muito destaque, de muita venerabilidade, de dinheiro a rodo, mas que de pintura ou de esculptura não entendem patavina29.” As críticas a exposição não param por aí. O jornal aponta que o único objetivo da mostra foi em torno do comércio e não da arte. Ou seja, estavam mais preocupados em ganhar dinheiro do que de fato, propagar a arte em São Paulo. Crítica esta que se manifesta de forma clara, ao mencionar que a exposição contou com festivais que cobraram entrada do público, sendo encarado pelo colunista, como algo inadequado. Já que, lembrando, uma das “missões” da instituição era de propagar a cultura italiana e brasileira pela cidade paulistana. O local escolhido para a exposição, como já mencionamos mais acima, o Palácio das Industrias, também foi alvo de críticas. Para o jornal, este não era um lugar adequado pois, se localizava fora da cidade, não sendo apropriado para um evento deste gênero, dificultando o acesso do público. Outro fato interessante, é a crítica feita aos júris da exposição. Desta vez, a desaprovação está em torno de nomes “velhos” para a comissão, ou seja, questionam o porquê de não terem colocado representantes “moços”, em vista que muitas obras foram rejeitadas por estes, com a justificativa de não estarem em conformidade com sua visão. O jornal critica o olhar “antiquado” do júri que pode ter influenciado na escolha das obras para a exposição, tendo esta, uma predileção pelas obras “acadêmicas”, pois, a proposta pela troca de novos olhares, permutando os “velhos” pelos “novos”, possuía um objetivo de mudança pelo gosto de arte, onde o olhar deveria apontar para as novas produções, estas, com uma estética considerada moderna. Talvez, por conta deste júri “antiquado” é que a obra A Noite não foi rejeitada, pois a mesma apresenta um corpo nu feminino dentro do padrão de beleza das academias, idealizado30, no que tange sobretudo, a representação de um corpo com os músculos bem demarcados. O colunista também não mede palavras para escrever sobre a própria participação dos artistas na exposição e no tratamento entre eles, ao citar um clima de tensão entre os artistas e escultores que participaram da exposição, alegando a formação de “panelinhas” e o mal trato por parte dos organizadores da exposição para com os jornalistas que cobriram o evento.

29 Loc. Cit. 30 Em relação ao corpo feminino que a tela de Oscar Pereira da Silva apresenta-nos em A Noite, este, será explorado com mais fôlego no capítulo 3, o qual iremos abordar a representação feminina nesta obra em confronto com outras que fazem parte da produção pictórica do artista e de outros. 43

Mas o ponto fulcral desta nota, gira em torno da exposição ter sido um escândalo, ou em suas próprias palavras, “Tudo teve muita pandega, mas o mais bonito foi o angu que acaba de arrebentar com grande escândalo31”. Esta celeuma mencionada pelo jornal está em torno da premiação e responde aos questionamentos silenciados pelo jornal Correio Paulistano. A nota menciona que 14 prêmios foram conferidos, entre eles, medalhas de prata e ouro. Os artistas premiados tiveram seu retrato publicado ao lado da obra vencedora32, porém, nos principais jornais de São Paulo, circulou que o júri havia cancelado o julgamento. A respeito da premiação, ao entramos em contato com o catálogo, não há menção de que Oscar tenha ganhado sequer uma medalha pelas obras apresentadas. Aliás, o documento não apresenta esta informação a respeito dos artistas que participaram deste evento. A note segue descrevendo que todos os artistas premiados foram chamados para devolverem os mesmos a instituição italiana. A diretoria da Muse Italiche chegou ao consenso de que aquelas obras não mereciam ter ganho nenhuma compensação. E os artistas? Na fala do próprio colunista: “ficaram com cara de dois palmos, com quem lambeu sabão e não gostou33”. O jornal faz uma reflexão como resposta a esse fato, considerando que os artistas vencedores tiveram despesas para participar da exposição, bem como o esforço para estarem presentes na mesma, para vivenciarem este momento tão constrangedor. Os membros do júri também não escaparam das críticas do colunista, desaprovando-os e aponta outros que teriam capacidade suficiente para o tal, sendo alguns deles: Theodoro Braga, Pedro Alexandrino e Ricardo Severo que, segundo sua opinião, possuíam nomes valorizados não só no Brasil, mas na Europa, tendo experiência o suficiente para serem acatados os seus juízos. O caso deixou o jornal tão indignado, que o mesmo se refere a Muse Italiche como uma instituição inútil, que compreende ser a única conhecedora de arte e que, se considera como tal, deveria ter se institucionalizado assim desde os princípios. Ainda menciona que a descrença na instituição será grande e que os pintores e escultores deveriam se unir para boicotar a instituição. Bem no finalzinho da nota, o jornal lança uma possível razão para a desqualificação dos premiados. Acontece que grande parte dos artistas que foram laureados em primeira instância,

31 Loc. Cit. 32 Tentamos encontrar estas fotos nos periódicos paulistas, porém não obtivemos sucesso. Se tivéssemos acesso, poderíamos ter um conhecimento visual melhor das obras que participaram da mostra, podendo ter a possibilidade de comparação com A noite, caso houvesse semelhanças de composição. 33 Loc. Cit. 44

eram de origem brasileira e, como menciona a própria nota, os “protegidos” do cônsul Mazzolini não foram agraciados. A nota se encerra com o jornal incentivado, caso fosse verdade as circunstâncias, a “guerrear” contra os italianos, que, segundo o periódico, deve favores ao Brasil que os recebeu e mesmo assim, fez pouco caso dos artistas brasileiros. E se para o jornal Correio Paulistano (1928) a exposição merecia elogios e para A Manhã (1928), os pintores brasileiros deveriam guerrear contra os italianos, para O Diário Nacional34 (1928), a exposição não passou de uma piada. Apesar do colunista reconhecer que instituições como a Muse Italiche deram aos brasileiros “uma bagagem de cultura que não possuíam”, a define como imperialista. Através de leituras que fez do “Scopi di Muse Italiche”, compreende que a função da instituição fundada em São Paulo seria difundir “italianamente” o meio paulista e não como apontava, as duas culturas. Acrescenta-se também que para ele, a instituição não conseguiu difundir a cultura italiana em São Paulo através da exposição, que considerou uma vergonha. Em sua opinião, a exposição “deslustrou” as artes italianas e atingiram as artes brasileiras igualmente. Em seu conceito, a arte italiana despencou com a morte do grande artista Giovanni Battista Tiepolo (1696-1770), no século XIX e deve-se elogios a arte francesa, esta, como menciona, a Itália tem como exemplo de obscuridade. Para ele, a arte italiana não conseguiu se erguer da maneira que deveria e, os poucos nomes de valor, procuraram fora da Itália um ambiente artístico mais adequado. O escritor denomina a exposição como um desastre e lhe atribuiu as seguintes características: “deficiente, antiartística, antimoderna, morna, panema.” Percebe-se através destas qualidades que, o colunista faz uma crítica em relação as obras com estética acadêmica presente na exposição e para além, como encara a arte italiana, como se tivesse perdido seu rigor no século XIX. O autor dialoga com o colunista do jornal A Manhã, que mencionamos anteriormente, sobretudo, ao júri ser composto por “velhos” o que conferia uma característica a mostra de obras mais acadêmicas, encaradas pelo escritor como antiquadas. Para o colunista, a razão pelo não sucesso da exposição em sua visão, compreende-se pela falta de preocupação de tendência, personalidade e pesquisa estética. Em suas próprias palavras: “queriam fazer uma exposição de Bellas Artes, em vez, tangeram um rebanho doente de carneiros”.

34 Diário Nacional: A Democracia em Marcha, São Paulo,23 de maio de 1928, p.2. Coluna intitulada “Arte”, assinada por M. de A. 45

Além disso, em relação aos brasileiros, o colunista destaca somente o nome de Paulo Lopes de Lião (1889-1964), apesar de criticá-lo, ao mencionar que apresentou obras “sem personalidade, com vigor e certa compreensão plástica”. Os outros artistas brasileiros que figuraram na exposição, para ele, “não valem nada”. Acrescenta-se também, no que diz respeito aos artistas italianos, não enxerga nada admirável, apenas desprestigiável. Para ele, seria melhor a Muse Italiche organizar bibliotecas, musicais e peças de teatro, o qual cumpriria melhor sua finalidade, não através das artes plásticas, muito menos desta exposição. Segundo suas palavras, a exposição apenas “virá desgraçar pra muito tempo a nossa gente, criando a tradição da bonitezinha bem feita, com muita técnica e nada mais”. Por fim, o colunista termina mencionando as influências que outros países possuíam no Brasil, que apareciam nas comidas, teatros, musicas, livros, enfim, na cultura brasileira que segundo ele, serviam apenas de maléfico, onde, a pintura e escultura italiana agregavam mais um. Em síntese, apesar das críticas e a forma agressiva com que se expressa, o colunista não menciona detalhes da exposição, abordando-a de forma geral. Curiosamente, devido à forma negativa que o colunista vê o evento, ele não menciona o ocorrido da premiação. Apenas o jornal A manhã dedica-se a relatar este fato, diferentemente como vimos nas publicações do jornal Correio da Manhã, que abordou a exposição de forma discreta e amigável. Percebemos que a exposição organizada pela Muse Italiche teve sua importância enquanto uma exposição coletiva, o que era incomum no período, porém, teve alguns problemas de execução e gerou opiniões divergentes sobre a sua finalidade, expressa através das diferentes formas, como estes jornais dissertaram.

1.2.4-A participação de Oscar Pereira da Silva na exposição

Como fora mencionado a respeito dos critérios da exposição, cada artista teria um número máximo de três obras para figurar na mostra. Ao entrarmos em contato com o catálogo referente a exibição organizada pela Muse Italiche, bem como menciona o livro da Sociarte35 e de Tarasantchi (2006), temos a informação que Oscar levou um total de cinco obras, duas a mais do permitido.

35 QUATRO Grandes Pintores em São Paulo: Benedicto Calixto; Paulo do Valle Junior; Pedro Alexandrino; Oscar Pereira da Silva. Sociarte, São Paulo, [s.d.] p.32 46

Ao confrontarmos os critérios da exposição, é mencionado que apenas em casos especiais seria permitido um número maior de obras aos artistas e, este foi o caso de Oscar. Mas, ao nos depararmos com o catálogo da exposição, percebemos que ele não fora o único. É claro que, grande parte dos artistas de origem italiana apresentaram uma média de cinco a seis obras, o que não é nada surpreendente tendo em vista que a exposição foi patrocinada e organizada por uma instituição italiana. Desta forma, compreende-se o número expressivo de obras de artistas italianos. Mas como demonstra o catálogo, muitos brasileiros também tiveram assim como Pereira da Silva, a oportunidade de levar obras além do permitido, contando-se uma média de quatro a cinco obras por artista. Pouquíssimos levaram somente três ou apenas uma tela. O que nos demostrou, ao contrário do que pensávamos antes de olhar para o catálogo, que esta condição de Oscar era algo especial, talvez atrelado a figura que o mesmo representava no período enquanto artista em São Paulo: encarado como mestre. Mas como apontamos, praticamente todos os artistas que aparecem no catálogo tiveram a oportunidade de levar mais obras, não sendo assim, a situação de Oscar um caso isolado. Juntamente com A Noite, Pereira da Silva levou para a exposição as obras: A Impressão, Judith e Holophermes, A Sevilhana e Leitura Interrompida. Sabemos que a obra A Impressão também é de temática alegórica, pois o próprio catálogo ao enumerar as obras do artista, especificamente nesta, está entre parênteses a referência. Sabemos que o próprio artista enviou os nomes das obras no processo de julgamento, mas o fato é curioso, pois, A Noite também se trata de uma obra alegórica que, ao menos no título, isto não fora explícito como em A Impressão. 47

Figura 6- SILVA, Oscar Pereira da. Judite e Holofernes. Óleo sobre tela, 72 x 52 cm. Coleção Anésio Urbano Júnior. Fonte: Livro Quatro Grandes Pintores em São Paulo.

Infelizmente, apesar de diversas tentativas, não conseguimos encontrar a imagem referente as outras obras. Resta-nos imaginar se a tela A Impressão também se constitui de um nu alegórico feminino e se fora executada na mesma época que A Noite. Pois assim, a alegoria do anoitecer não seria a única que apresenta uma figura feminina nua em grande formato, como fora constatado por nós, ao realizarmos uma busca por outras pinturas alegóricas na produção de Oscar36. Entretanto, encontramos uma obra denominada Judith e Holofernes37, mas não sabemos a data em que fora executada, não podendo assim, afirmar que foi esta que figurou na exposição. Esta obra se trata de uma cópia que Oscar executara da tela do artista Pedro Américo, intitulada Judith rende graças a Jeová por ter conseguido livrar sua pátria dos furores de Holofernes, de 1880.

36 A respeito das outras pinturas de gênero alegórica de Oscar Pereira da Silva, elas serão apresentadas no capitulo dois. 37 Trabalharemos mais afundo esta tela em questão, juntamente com um conjunto de outras cópias que Oscar executara do artista no capítulo quatro desta dissertação, ao relacionamos Oscar e Pedro Américo através da obra A Noite. 48

A propósito, Oscar não fora o único que levara alegorias para a mostra. Ao mencionar como o jornal Correio Paulistano percebeu a exposição, ele nos indica as temáticas que figuraram na exibição, apontando o alegórico como sequente. Ao nos depararmos com o catálogo da exposição, realizamos um esforço para apontar dentre as obras presentes neste documento, quais seriam as que contemplariam a temática alegórica. Desta forma, elaboramos uma tabela contendo o título das telas, o nome do artista que executou e a sua nacionalidade. Pois assim, mesmo não tendo acesso as imagens, poderemos constatar a temática que estava predominante na exposição naquele momento para apurar se dialogam de certa forma com o que Oscar apresentou. Por conseguinte, nossa metodologia para reconhecer as obras alegóricas mediante as informações que tínhamos em mãos: apenas os títulos das obras e os artistas que as executaram, nos valemos para esta etapa de dois tratados alegóricos, o mais conhecido dentre eles, de Cesare Ripa intitulado Iconologia, em três volumes de 1645 e Iconologia o tratado de alegorías y emblemas, de Dom Luis G. Pastor, de 1866, em quatro volumes38. Estres tratados nos permitiram reconhecer através dos títulos, as obras que possivelmente são de gênero alegórico, tentando fazer uma aproximação com os próprios títulos que aparecem nestes manuais. A escolha pelo uso destes tratados se fez, por apresentarem um número expressivo de alegorias em um único documento, sendo assim, pertinente para nossa proposta. Cabe ressaltar que alguns títulos sugerem ser tanto uma pintura alegórica quanto uma de paisagem, onde somente com o acesso a imagem da tela é que poderíamos precisar tal afirmação, como é o caso das obras intituladas Manhã39. Como podemos observar, retiramos do catálogo 13 obras que possivelmente assim como a tela de Oscar, possam ser de gênero alegórico. Tendo em vista que neste presente trabalho não estamos mencionando a parte de esculturas que figuraram na exposição, onde também apresentam algumas alegorias, como é o caso de Melancolia, executado pelo artista italiano V. Larocca, conforme consta a imagem no catálogo41. Porém como nosso objeto de estudo é um óleo sobre tela, nos detemos a trabalhar somente com as obras de igual suporte.

38 Para esta etapa, nos valemos dos seguintes tratados: RIPA, Cesare. Iconologia. 3 vols., Venetia, 1645, 764 p. Disponível em: < https://archive.org/details/iconologia00ripa/page/n5>. PASTOR, Dom Luis G. Iconologia o tratado de alegorías y emblemas.4 vols. México, Imprenta Económica,1866. 39 O catálogo apresenta um grande número de obras com este título, porém, muitas delas possuem referências entre parênteses fazendo menção ao nome de uma rua, igreja etc. Sendo assim, nos indicando serem pinturas de paisagens. Listamos na tabela apenas aquelas que, justamente por não apresentar estas referências, como possíveis pinturas de gênero alegórico. 41 MUSE ITALICHE Sociedade Italiana de Cultura. 1ª Exposição de Bellas Artes, Palácio das Indústrias. Catálogo Geral. São Paulo, 1928, [p. 18]. 49

Tabela 1-Lista de possíveis obras alegóricas na Exposição Muse Italiche-1928

Obra Artista40 Nacionalidade Aurora Bullo Prof. Sante Italiano Armonia Bullo Prof.Sante Italiano Madrugada Baldocchi Attilio Italiano Manhã Baldocchi Attilio Brasileiro Inspiração Braga Theodoro Brasileiro Mattino Cavenago Bignani Speranza Italiana Primavera Comparini Alexandre Italiano Allegoria de Mugnaini Tullio Brasileiro Outomno Manhã Marchetti Aldorigo Brasileiro Amanhecer Perissonotto José Brasileiro Manhã Ponce João Espanhol A Tarde Volpi Alfredo Italiano 13 de Maio (motivo Villares Decio Brasileiro principal de quadro allegorico) Total De Obras 13

Fonte: Elaborada pela autora com base nas informações extraídas do Catálogo da 1ª Exposição de Bellas Artes da Muse Italiche, 2019.

Ao agrupar estas obras, percebemos que a temática prevalecente nestas possíveis alegorias é o tempo. Identificamos que grande parte delas se ocuparam a tratar da passagem do dia, ou seja, o amanhecer, o entardecer e o anoitecer- fato que é bem curioso. Desta forma, a tela que Oscar Pereira da Silva leva para a exposição e que compõe o cerne deste trabalho, A Noite, dialoga com as possíveis representações alegóricas presentes no evento. E se tratando da recepção da tela de Pereira da Silva, no momento nos é uma incógnita. Assim como a própria exposição possui poucos comentários nos periódicos, o mesmo ocorre com A Noite. Após várias buscas pelos jornais de época, sobre informações que abordassem participação de Oscar na exposição, encontramos apenas um fragmento que menciona o nome do artista: Oscar Pereira da Silva é representado por cinco trabalhos: “A Impressão, quadro allegorico, é o que mais se salienta42. Esta nota aparece num artigo referente a participação de alguns artistas brasileiros na exposição, publicado no periódico O Jornal. Como pode-se notar, a tela A Noite não é mencionada na nota, nem as outras pinturas que Oscar apresentou. Somente aborda que o artista levou uma quantidade de cinco telas. A única obra ressaltada no fragmento, é A Impressão, mencionada ser a mais significante.

40 Foi preservado a grafia do nome dos artistas, bem como a ordem em que aparecem no catálogo da exposição da Muse Italiche-1928. 42 C.f. O Jornal, 12 de maio de 1928, p.7, no artigo intitulado Arte e artistas em larga escala: a exposição da Muse Italiche. 50

A edição da revista Arquelim43 de 1928, apresenta duas fotografias em preto e branco da exposição. A primeira (fig. 6) é um panorama de uma sala que contém alguns objetos expostos, onde não temos a visão de A Noite. Na verdade, conseguimos observar poucas telas, já que no ambiente fotografado há mais esculturas do que pinturas.

Figura 7-Fotografia de uma das salas da exposição organizada pela da Muse Italiche em 1928. Acompanha a seguinte legenda: “Aspectos da exposição realizada, no Palácio das Industrias, sobre o patrocínio da Muse Italiche, onde se veem maravilhosos trabalhos de escultura e pintura.” Fonte: Revista Arlequim, 10 de maio de 1928, nº 17, p. 21. Disponível: Biblioteca Brasiliana Digital Guita e José Mindlin. A outra fotografia (fig. 7) apresenta um grupo de artistas que participaram da exposição, ao que parece, em um outro ambiente do evento. Um grupo de homens de terno e, apenas uma mulher, se posicionam em duas fileiras. Neste espaço, é possível observar uma escultura que divide o grupo de artistas quase que pela metade e há algumas telas pequenas na parede. Do lado esquerdo para o direito, no grupo de homens que estão posicionados na fileira da frente, mais visíveis ao ângulo da foto, vemos um senhor de estatura mediana e que seu olhar na hora da foto não estava atraída para a lente do retratista, mas sim, para algo que despertou sua atenção, localizado no lado direito. Sua face, nos parece bem familiar. Acreditamos que

43 Arlequim, 10 de Maio de 1928, nº 17. Disponível na Biblioteca Brasiliana Digital Guita e José Mindlin e pode ser acessada através do endereço eletrônico: < https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm-ext/2857>. Acesso em 30/10/2019. 51

seja o artista Oscar Pereira da Silva, de aparência bem semelhante ao seu autorretrato pintado em 1936. O que nos despertou a atenção, foi o fato da revista não conter nenhuma outra informação da exposição. As fotografias estão dispostas nas páginas da revista, uma após a outra, intercaladas por um texto referente ao mês de Abril, escrito por Braz Glétte. Desta forma, não será possível realizar uma análise acerca da recepção da tela A Noite neste presente trabalho. Como uma alternativa de compreensão da escolha do tema e da composição que Oscar faz ao executar A Noite, sobretudo pelo período em que foi concebida. Consequentemente, iremos examinar os catálogos das exposições gerais do Rio de Janeiro, afim de perceber se outros artistas estavam produzindo telas semelhantes ao nosso objeto de estudo.

Figura 8- Fotografia de uma das salas da exposição organizada pela da Muse Italiche em 1928. Acompanha a seguinte legenda: “um grupo de artistas que concorreram a exposição da Muse Italiche.” Fonte: Fonte: Revista Arlequim, 10 de maio de 1928, nº 17, p. 21. Disponível: Biblioteca Brasiliana Digital Guita e José Mindlin.

52

Figura 9-SILVA, Oscar Pereira da. Autorretrato. Óleo sobre madeira, 28 x 20 cm. 1936. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo- Brasil.

1.2.5-Um outro percurso: os catálogos das exposições gerais de Belas Artes do Rio de Janeiro

Para análise destes catálogos, seguiremos a mesma metodologia aplicada anteriormente, ou seja, levaremos em consideração aquelas obras cujo o título possam sugerir ser alegóricas e o suporte seja óleo sobre tela, assim como A noite de Oscar Pereira da Silva. Ao nos depararmos com os catálogos, todos reunidos na obra cometida por Levy (2003), percebemos que nos primórdios do século XX, a pintura de gênero alegórico estava presente nas exposições. Ao nos atentarmos para as obras apresentadas nos anos de 1890 e 1930, que correspondem respectivamente ao início da primeira República- contexto histórico em que a tela A Noite fora executada, perpassando pelo ano em que fora apresentada por Oscar na exposição da Muse Italiche. Percebemos que as obras que provavelmente são alegorias, estão presentes de forma constante após o ano de 1899. Mencionamos provavelmente, pois, não conseguimos uma reprodução em imagem de todas estas obras e, conforme ocorreu no subcapitulo anterior, a julgar pelo título, também podem ser de gênero paisagístico. O mesmo acontece com obras intituladas “Caridade” e “Inspiração”, onde também podem ser pinturas do cotidiano. Podendo a primeira ser a representação de um indivíduo fazendo o que se pode considerar uma boa ação ao próximo e a 53

segunda, pode estar representando um artista, poeta, construtor no momento em que concebe sua arte e não de fato, ser uma alegoria. O importante é que estas pinturas vão ganhando força, sendo mais numerosas a partir do ano de 1912, somando 11 obras. Só não ultrapassou o ano de 1928, que contou com 19 telas, possivelmente pertencente ao gênero alegórico. Cabe ressaltar que através do catalogo de Levy (2003), percebemos outras produções que possuem um nome que sugere ser uma alegoria, porém, seu suporte não se iguala ao do nosso objeto de pesquisa, um óleo sobre tela. Mas não podemos deixar de evidenciar que o gênero alegórico também pode estar presente em outros objetos artísticos de suporte distinto. São elas: Sonho de Henrique Cavalleiro, uma ilustração que foi publicada no periódico intitulado O Jornal, segundo o catálogo. Encontramos uma ilustração denominada Sonho Mystico, no ano de 1926, podendo ou não ser a referida. Cabe ressaltar que a figura feminina que aparece nesta ilustração não está nua e somente é aparente seu busto.

Figura 10- Ilustração do artista Henrique Cavalleiro para O Jornal, na edição que circulou em 26 de setembro, no Rio de Janeiro no ano de 1926. Intitulada “Sonhomystico”

A próxima obra é do artista João Ludovico Maria Berna, intitulada Alegoria da glória de Bittencourt da Silva, onde se trata de um monumento simbólico. Sua outra obra, Pedro II (alegoria):1) A Justiça de Deus 2) A terra carioca engrinalda de rosas a efígies do ilustre filho, como podemos notar pela temática, provavelmente deve ser uma decoração e pode não apresentar de fato, figuras femininas nuas. Deste artista ainda temos Zumbi, onde se trata de 54

uma alegoria que decora um vaso. As estações brasileiras de Ozório Belém, constituem em um painel decorativo, e por fim, Harmonia de Pedro Bruno, que também é decorativa. As outras telas, em sua grande maioria são de temática que versa sobre o tempo, não muito diferente das obras que apontamos no subcapitulo anterior, expostas na exposição da Muse Italiche, como: Primavera, Outono, Inverno, Manhã e Tarde. Com exceção das telas Melancolia e Sono, respectivamente dos artistas Euclides A. Fonseca e Ernani de Irajá. Uma tela de Roberto Rodrigues nos chamou atenção devido ao título: Noite. Apesar das buscas por uma reprodução desta tela, não obtivemos sucesso. Desta forma, poderíamos comprovar com efeito ser uma representação alegórica e, caso fosse positivo, poderíamos realizar uma bela comparação entre ela e a tela de Oscar. Mesmo que não fosse uma reprodução de uma figura feminina nua, as duas já teriam muito em comum: o tema e o período, caso esta fosse concebida em anos próximos ao d’A Noite. Além das dimensões, que também compõe uma das características que nos chama atenção na tela de Oscar. Porém, assim como o catálogo da exposição da Musé Italiche, o da Exposição Geral de Belas Artes não aponta a data das telas nem a dimensão. Desta forma, em meio a limitações e contribuições, tentamos por um outro viés, ao tirar o foco das produções de São Paulo para o Rio de Janeiro, depreender se outros artistas estavam executando no mesmo período que Oscar, alegorias que tivessem uma composição similar ao d’ A noite. E como foi possível constatar, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, encontramos artistas que possivelmente estavam executando pinturas alegóricas assim como Oscar Pereira da Silva e além. As temáticas destas telas possivelmente dialogam com o nosso objeto de pesquisa- A Noite, ao sugerirem versar sobre a passagem do tempo, seja expressa pelo título “Inverno”, “Outono”, “Manhã”, sendo o mais expressivo, “Primavera”. Apesar, de já ter mencionado que não encontramos imagens destas obras, poderemos aprofundar mais sobre esta produção alegórica através da produção pictórica destes artistas, no próximo capítulo desta dissertação.

1.3-O leilão de 1933

Dentro deste percurso de “mapear” os caminhos que a obra de Oscar Pereira da Silva percorreu desde a sua execução até chegar ao Museu Mariano Procópio, aponta-se através do 55

Jornal do Commercio44 que A noite foi leiloada no ano de 1933. Esta informação se deu em virtude da pesquisa realizada por nós no ano de 201745, ao trabalharmos com as obras deste mesmo artista que apareciam em leilões ocorridos no Rio de Janeiro. O leilão citado, ocorreu nos dias 25, 26, 27 e 28 de julho, exatamente às 5 horas da tarde e foi organizado pelo leiloeiro Júlio Monteiro Gomes. O endereço deste, consta como Avenida da Ligação, número 121, onde entre parênteses, o leiloeiro menciona ser naquela época, a rua Oswaldo Cruz. Não temos como precisar a quem pertenciam estes objetos que foram leiloados, consequentemente, de quem tinha posse da obra de Oscar, A noite. Somente é descrito, tanto no catálogo presente no Jornal do Commercio (1933) quanto no catálogo físico que foi elaborado em ocasião do leilão, como proprietário um “distinto diplomata”. Apesar de não constar o nome do possessor da obra de Oscar, se analisarmos o período e o local onde ocorrera o leilão, podemos deduzir que este indivíduo ocupava uma posição elevada na sociedade. Ao folhearmos o catálogo, percebemos que os objetos que constam presentes no “confortável palacete” em que o sujeito morava, eram de certo luxo. O leilão foi muito diversificado46 em sentido de objetos. Os artigos de arte dividiam espaço com mobílias, cerâmicas de origem portuguesa, inglesa e espanhola. Além de diversos livros, prataria, carro, roupas, tapeçarias e outros. Assim, o proprietário neste momento de A noite era um sujeito que tinha uma vida financeira abastada. Ao julgar pelo ano em que o leilão ocorreu, 1933, poderíamos supor que o “distinto diplomata” poderia ter adquirido A Noite na exposição organizada pela Muse Italiche, mencionada nas seções anteriores deste texto, ocorrida em 1928. Através do catálogo publicado no Jornal do Commercio, podemos saber em qual cômodo ficava a tela de Oscar, sendo no “salão de recepção”. A noite ocupava o lote de número 756, porém, o “distinto diplomata”, não possuía apenas esta tela de Oscar Pereira da Silva em

44 É possível se deparar com outros leilões ocorridos durante o século XIX no Rio de Janeiro, onde o Jornal do Commercio publicava em suas páginas os catálogos com todos os objetos que contemplavam estes eventos. O catálogo referente a obra de Oscar, A Noite, pode ser encontrado no Jornal do Commercio, referente aos dias 24 e 25 de julho de 1933, em um único exemplar, na página 17. 45 Esta pesquisa foi em virtude da entrega de monografia de conclusão de curso, que na época, estávamos obtendo o título de Licenciatura em História, na mesma instituição que hoje cursamos o Mestrado, a Universidade Federal de Juiz de Fora. 46 A respeito sobre como funcionavam os leilões de arte no Rio de Janeiro durante o século XIX, indicamos a leitura da tese de doutorado, intitulada No tempo dos leilões: a construção dos sentidos da arte no Brasil entre os séculos XIX e XX, da pesquisadora Caroline Fernandes Silva. Pois nossa intenção não é suscitar discussões acerca do ambiente de leilão e a obra, mas sim, apontá-lo como uma atmosfera em que a obra permaneceu durante um tempo e que nos revela algumas relações sociais através de sua circulação e auxilia a compor parte de sua história física. 56

sua casa. Encontramos uma outra pintura, denominada no catálogo de A Manhã, ocupando o lote número 258. Ao avaliar a temática, A manhã poderia ser uma obra alegórica assim como A noite, mais ainda, as duas poderiam ser um conjunto de representação da passagem do dia para o anoitecer. Porém, não podemos deixar de mencionar que A manhã pode estar se referindo também a uma pintura de paisagem. Somente olhando para a obra é que poderíamos precisar alguma destas hipóteses. Além das duas telas, também encontramos uma cerâmica com uma pintura do artista, ocupando o lote número 621, porém, o catálogo não menciona qual assunto aborda.

Figura 11- Página do catálogo de leilão organizado por Julio Monteiro Gomes em 1933, onde consta a tela de Oscar Pereira da Silva, A Noite ocupando o lote de número 75. Foto: Eduardo de Paula Machado. 57

Figura 12- Página do catálogo de leilão organizado por Julio Monteiro Gomes em 1933, onde consta a tela de Oscar Pereira da Silva, A Manhã, no lote número 258. Foto: Eduardo de Paula Machado.

Ao percorrer todo o catálogo, outros nomes da pintura brasileira aparecem, como Décio Villares (1851-1931) e Pedro Américo (1843-1905), além de outras obras que também compunham o salão de recepção deste palacete. O catálogo descreve que no cômodo havia uma pintura a óleo representando Joana D’arc; uma marinha assinada por Castagneto; uma pintura a óleo de paisagem, assinada por Batista da Costa; pintura a óleo de um pintor italiano; pintura a óleo representando um trecho da Grã Bretanha, por Victor Meirelles; uma pintura de paisagem do pintor Nicola A. Facchinetti, uma pintura de Arthur Timóteo, representando a “realidade”; 58

pintura a óleo do artista J. Batista, representando um trecho da Tijuca; pintura a óleo de E. de Martino, representando a “bahia do Rio de Janeiro; a fragata Amazonas (1872)” e por fim, uma pintura a óleo representando um busto feminino, do já mencionado Décio Villares. Percebemos que em um mesmo cômodo, haviam várias pinturas de gêneros distintos, como paisagem, marinha e alegoria. Além de outras pinturas, nosso objeto de pesquisa dividia espaço com outros objetos de arte, como medalhas, esculturas, porcelanas, espadas, entre outros. Na imagem contida no catálogo físico, é possível ver que A noite ocupava o centro da parede, tendo um prato decorativo em cada lado. Além de possuir duas telas, também uma em cada lado com representações femininas e duas marinhas. Vemos também outras pinturas menores e um móvel, com muitas porcelanas e algumas espadas de diversos tamanhos no espaço que sobrou da parede.

Figura 13-Página do catálogo de leilão organizado por Julio Monteiro em 1933, onde demonstra a tela de Oscar Pereira da Silva, A Noite, entre outros objetos de arte. Foto: Eduardo de Paula Machado.

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Figura 14- Página do catálogo de leilão organizado por Julio Monteiro em 1933, onde demonstra a tela de Oscar Pereira da Silva, A Noite (detalhe). Foto: Eduardo de Paula Machado.

1.4-A permanência no Museu Mariano Procópio

Posteriormente ao leilão ocorrido em 1933 até a permanência de A noite no Museu Mariano Procópio, não encontramos registro de sua localização neste espaço de tempo. A ficha catalográfica da obra presente no Museu Mariano Procópio47 consta que uma nota no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, datado de 11 de setembro de 1937, traz a notícia que Alfredo Ferreira Lage teria comprado a obra neste ano. Ao confrontar o jornal referido acima, não encontramos esta informação. Todavia, uma pesquisa realizada através de periódicos do período, nos mostrou que a tela de Oscar

47 Maria das Graças de Almeida (org.). Ficha Catalográfica da tela A Noite, de Oscar Pereira da Silva. In: Levantamento de Pinturas de cavalete do Museu Mariano Procópio, de M à P. Fundação Museu Mariano Procópio,2010, p.20-21. Cabe ressaltar que esta ficha representa o único documento presente na instituição com dados da tela de Oscar Pereira da Silva. Ao indagar a origem das informações prestadas na ficha catalográfica, foi informado pelo funcionário do museu que provavelmente o documento que servira de consulta havia se perdido ao longo dos anos. 60

possivelmente passou a compor o acervo do museu alguns meses antes do que está mencionado na ficha catalográfica, sendo abril de 1937, que aliás, Pereira da Silva ainda estava vivo, com 72 anos de idade, vivendo em São Paulo. Uma matéria do Jornal do Brasil48 acerca do Museu Mariano Procópio, aborda alguns nomes de artistas brasileiros referentes as obras presente na instituição e de Oscar Pereira da Silva é contemplado. Como no museu só há uma pintura do artista, que é a tela A noite, acreditamos que esta seja a razão do surgimento de seu nome no acervo, presente na nota. Desta forma, podemos supor que a tela de Pereira da Silva no mês de abril de 1937 já fazia parte do acervo. Não podemos precisar exatamente quando esta tela passou a fazer parte do acervo do museu, por falta de fontes, mas sabemos que antes de 1937, a tela estava em outra localização. Esta hipótese se comprova, ao olharmos as notícias em diversos jornais, sobretudo da cidade do Rio de Janeiro e São Paulo, onde possuem algumas reportagens sobre o Museu Mariano Procópio e, ao abordar os artistas que compõe o acervo, o nome de Oscar não é mencionado. Somente a partir de abril de 1937. Dessa forma, nossa hipótese é que Alfredo Ferreira Lage tenha adquirido a tela A Noite, provavelmente de um indivíduo que a obteve no leilão de 1933.

1.4.1- A Noite e Folhas de Outono: duas alegorias, dois nus femininos no museu Mariano Procópio

A tela de Oscar Pereira da Silva não é a única alegoria presente no acervo do Museu Mariano Procópio. A instituição conta com diversos estudos e desenhos do artista Henrique Bernadelli (1857-1936) de gênero alegórico, duas pinturas de Hipólito Caron (1862-1892) e uma do artista Horácio Hora (1853-1890). Para nós, a pintura de Horácio Hora juntamente com a de Oscar Pereira da Silva nos chama atenção. As duas telas, diferentemente das demais do acervo, são pinturas alegóricas que versam sobre o tempo e também são representações de nu feminino em grandes dimensões. Porém, a tela de Horácio Hora foi executada no ano de 1886 e a de Oscar, em 1927.

48 Esta matéria intitulada: “Da glória as vida para a sombra e o silencio do museu...” apresenta um breve histórico da instituição, bem como as galerias: “Sala Tiradentes”; “Sala Viscondessa de Cavalcanti”; “Sala Maria Pardo”; “Sala de Autógrafos”; “Sala D. Pedro I”; “Sala D. Pedro II”; “Sala de Cultura”. C.f. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 de abril de 1937, p.11. 61

Ao contemplarmos Folhas de Outono (fig. 14), vemos que uma mulher nua ocupa o centro da tela. Com cabelos longos, castanhos, no mesmo tom das folhas da árvore e segura com a mão esquerda em um dos galhos. Um tecido com transparência envolve-la as pernas e mistura-se com o tronco da árvore, tendo o mesmo tom de cor, se tornando um. Sua face apresenta uma expressão calma, com bochechas rosadas. Seus olhos, dois pontos negros, encaram o observador. O fundo escuro contrasta com as folhas da árvore e destaca a pele branca da figura feminina. O movimento na tela é presente através de dois elementos. O primeiro, se dá a ação da figura feminina, ao pendurar-se no galho, o que faz com que algumas folhas desprendam-se da árvore. O segundo, consiste no tecido transparente envolto em suas pernas, em um movimento espiralado, que sugere a presença do vento que sopra, fazendo as folhas soltas seguirem o deslocamento do tecido. Toda a tela possui um fundo escuro e uma luz ilumina a figura feminina. A palidez de sua pele é aparente, propícia as alegorias, como aponta Pessanha (1991) ao mencionar que o nu alegorizado: [...] tende a abolir do corpo a própria carne com suas vicissitudes e palpitações; é nu a serviço de uma ideia, pois transporta uma analogia; é corpo adormecido que não vibra, que paira além do plano das paixões, pois carrega uma significação intangível e incorpórea que o espiritualiza. (1991: 44 p.)

Na ficha catalográfica da obra49, consta que ela chegou ao Museu Mariano Procópio através de Maria do Carmo Penido, no ano de 1944. Fruto de uma doação a pedido de seu tio, o engenheiro Antonio Nogueira Penido. O documento ainda traz a informação que a tela pertenceu anteriormente ao Embaixador Barandier da Cunha e que figurou na Exposição de Paris, sendo premiada. Já a tela de Oscar, acreditamos que tenha chegado a instituição 17 anos antes de Folhas de outono e, apesar da distância temporal entre as duas telas ser de 41 anos, elas apresentam elementos semelhantes. Nas palavras de Lima Júnior (2015, p.241): “ambas carregam em suas composições elementos reiterados, no que tange a representação do corpo feminino, nu, idealizado, dentro de uma pintura de cunho alegórico. O autor chama a atenção para a presença de outros nus femininos, presentes no acervo do Museu Mariano Procópio, como do artista Batista da Costa, Maria Pardos e Fragonard, porém, as afastam das alegorias pelo fato de seus corpos servirem a uma ideia abstrata.

49 Maria das Graças de Almeida (org.). Ficha Catalográfica da tela Folhas de Outono de Horácio Hora. In: Levantamento de Pinturas de cavalete do Museu Mariano Procópio, de H a I. Fundação Museu Mariano Procópio, 2010, p.52-53. 62

Em relação a composição de Horácio Hora, o autor menciona que para expressar a ideia do outono, o artista nos remete ao cair das folhas secas, ocasionado pelos ventos que a própria figura feminina personifica. Para ele, esta simbologia está de acordo com o tratado de emblemas e alegoria executado por Cesare Ripa, uma obra cuja a finalidade é expressar como deveriam ser as noções iconográficas acerca de pinturas que exprimem uma ideia abstrata. Já em relação a tela de Oscar, o autor relata que, da tradição de se representar a noite, o artista apenas manteve o véu negro. Porém, o véu da obra de Pereira da Silva não é negro, mas sim, como abordamos acima, azul escuro, mas que não deixa de representar de fato, como o autor aponta, a tradição.

Figura 16-SILVA, Oscar Pereira da. A Figura 15- HORÀCIO, Hora. Folhas de Noite.1927.Óleo sobre tela, 186 x 45 cm. Museu Outono. 1886.Óleo sobre tela, 260 x 120 Mariano Procópio, Juiz de Fora, Brasil. Foto: cm.Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora- Brasil. Fonte: Catálogo MAPRO Banco Museu Mariano Procópio, 2019. Safra,2006. ,

O autor enxerga nas duas obras, a presença da escola francesa, a École Nationale des Beux-Arts, onde ambos artistas estudaram com grandes mestres. Apesar de reconhecer que nas telas, os artistas se apropriaram de influências de obras tanto do passado quanto 63

contemporâneas, mas não deixam de exibir a tradição: “o corpo feminino nu, idealizado, deslocado para um contexto imaginado, igualmente como fizeram aqueles que lhes serviram de modelo, seja em âmbito nacional, seja internacional.” (pág.249). Outrossim, as semelhanças são mais explícitas ao analisarmos a composição das duas telas. As duas figuras femininas apresentam a cabeça levemente inclinadas para o lado esquerdo, em uma posição ¾ e, apesar de ambas olharem para o espectador, o olhar de A Noite se sobressai, como se ela estivesse olhando o observador por um ponto mais elevado. Ao olharmos para A Noite de Oscar Pereira da Silva, vemos que o movimento espiralado do panejamento que envolve as pernas de Folhas de Outono, se repete na tela, porém, este não é transparente. Além da disposição das pernas nas duas figuras femininas, que se apresentam entrelaçadas. Nas duas telas, a figura feminina possui um braço erguido. O tecido presente em ambas escondem o sexo feminino, deixando apenas uma parte a mostra. Curiosamente, este jogo de ocultação e revelação, deixa aparente nas duas telas a área esquerda da vulva feminina. Sendo na tela de Horácio Hora, mais visível.

Figura 17-HORA, Horácio. Folhas de Outono (detalhe).1886. Figura 18-SILVA, Oscar Pereira da. A noite (detalhe) 1927.

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Figura 19- SILVA, Oscar Pereira da. A Noite. Figura 20- HORÀCIO, Hora. Folhas de Outono. (Detalhe). 1927. (Detalhe).1886.

Assim, o acervo do Museu Mariano Procópio possui duas alegorias e dois nus femininos em grandes formatos. Apesar, como foi apontado, a distância temporal entre as duas em relação a execução ser grande, ambas apresentam muitas semelhanças. O que nos faz pensar um pouco na própria intenção de Alfredo ter adquirido as duas telas. A Noite de Pereira da Silva, provavelmente entrou na instituição por compra, a tela de Horácio Hora, foi fruto de uma doação. Portanto, Alfredo poderia ter recusado a oferta, mas decidiu aceita-la. Pela história física d’A Noite, sabemos que ela chegou primeiro na instituição, no início do ano de 1937 e Folhas de Outono, tardiamente, somente em 1944. Ponderamos se Alfredo tinha a intenção de colecionar para o acervo da instituição, pinturas alegóricas que versassem especificamente sobre o tempo, ou ainda, que apresentassem o corpo feminino despido em grandes formatos. Porém, deve-se atentar que Folhas de Outono pode ter chegado a instituição após o falecimento de Alfredo, no mesmo ano em janeiro e, não temos a data exata que a tela passou a figurar no acervo. Desta forma, pode ser que não tenha sido o próprio Alfredo a aceitar a doação, mas outro indivíduo que estava na diretoria do Museu Mariano Procópio em 1944. Contudo, não poderíamos deixar de apresentar esta questão, pois, as duas obras por si só, nos permitem tais hipóteses. 65

1.5-A visibilidade de A Noite após compor o acervo do Museu Mariano Procópio: exposição e reproduções

Até o momento, nos detemos em apresentar a história física da tela antes de compor o acervo do Museu, neste presente texto nos dedicaremos a abordar sua perceptibilidade após compor o acervo da instituição. Posteriormente a obra de Oscar Pereira da Silva passar a compor o acervo do Museu Mariano Procópio, A Noite teve sua imagem reproduzida em algumas obras de referência. No livro produzido pelo Banco Safra (2006), acerca do Museu Mariano Procópio que relata sobre a vida de Alfredo Ferreira Lage e a constituição do acervo, vemos a obra de Pereira da Silva sendo reproduzida na página de número 192, compondo o título da seção “Pinturas Brasileiras”. A imagem de A Noite acompanha um pequeno texto, fazendo referência a biografia de Oscar, contendo data de nascimento, a concessão do prêmio de viagem, nomes de alguns de seus professores na antiga Academia Imperial de Belas Artes e na França, durante a sua estadia na Europa. O texto aborda algumas de suas premiações e trabalhos que executou, como os painéis das Igrejas Santa Cecília e Nossa Senhora da Conceição. Neste escrito, não há nenhuma informação da obra, apenas o título, data, suporte e dimensão. Apesar de ocupar uma página inteira do livro, não há sequer uma descrição de seus traços formais. Em 1995, o jornal Tribuna de Minas de Juiz de Fora lançou o livro intitulado Museu Mariano Procópio50, cujo o objetivo era ressaltar a importância da instituição para a cidade, afim da preservação de sua história e divulgação do acervo. Além de relatar a história do Museu, o livro apresenta o acervo da instituição, dividindo os objetos por suporte51. Assim, na seção de pinturas, apesar de não mencionar todas que o acervo possui, fato compreensivo, já que a instituição conta com uma quantidade numerosa de telas. Na página de número 60, vemos a imagem de A Noite sendo reproduzida, dividindo a lauda com a tela do artista Pedro Alexandrino (1856-1942), uma natureza morta e na página seguinte, a tela de Pedro Américo (1843-1905), Tiradentes.

50 O jornal Tribuna de Minas disponibilizou o livro para ser acessado online. Pode-se ter acesso a ele no endereço eletrônico, através do link: . Acesso em 03/04/2019. 51 Ao folear a obra, pode-se encontrar os objetos separados respectivamente em: móveis; esculturas; joias e numismática; porcelanas, louças e cristais; pinturas; armaria e indumentária; peças sacras e decorativas; história natural e documentos; acervo geral e por fim, fotografias. 66

As informações que acompanham a obra de Oscar no livro da Tribuna de Minas apenas mencionam o nome do artista, sua nacionalidade, data de nascimento e morte. Junto as informações de Pereira da Silva, o livro apresenta as dimensões de A Noite e seu suporte apenas. Não menciona nenhuma outro informe acerca da tela. A Noite de Oscar Pereira da Silva também é reproduzida em um artigo cientifico52. Na ocasião, o texto aborda os direitos autorais acerca dos objetos que compõe o acervo dos museus. O artigo trata especificamente sobre o uso da pintura de Pedro Américo, A noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor por uma empresa mineira de laticínios. Os autores abordam em um determinado trecho, a temática da obra de Pedro Américo, fazendo referências a deusa grega Nix, abordando a sua simbologia e os traços formais que a mesma apresenta. Neste trecho da escrita, os autores fazem uma comparação da obra de Pedro Américo com a de Oscar, A Noite, juntamente com a La Nuit, do artista francês, William-Adolphe Bouguereau. A tela de Oscar aparece na página 115 do artigo, onde é feita a aproximação entre as duas pinturas por exprimirem traços formais semelhantes e, segundo os autores, por serem uma personificação da deusa grega. Se nos subcapítulos anteriores, ao abordar a exposição organizada pela Musé Italiche, levantamos a hipótese de que seria a única que A Noite tenha figurado, enquanto o artista estava vivo, a participação da tela em outras exposições enquanto este falecera, fora mínima. Ao adentrar o Museu Mariano Procópio, por volta do ano de 1937, a tela de Pereira da Silva participara apenas de uma exposição, esta, organizada pela Pinacoteca do Estado de São Paulo. A exposição intitulada Coleções em diálogo: Museu Mariano Procópio e Pinacoteca do Estado de São Paulo, foi uma iniciativa da Pinacoteca, com o objetivo de apresentar obras do século XIX e primórdios da modernidade, ocupando as galerias do segundo andar da instituição. Fruto do projeto de exposição de longa duração, Arte no Brasil: uma história na Pinacoteca de São Paulo, a instituição fez parcerias com outros Museus, e a vez do Mariano Procópio rendeu uma exposição que permaneceu aberta de 08 de novembro do ano de 2014 a 22 de março de 2015.

52 BOTELHO, André Amud; QUEIROZ, Eneida Quadros; SANTOS, Robson dos; et all. Os direitos autorais e os Museus: o caso brasileiro. IN: Cadernos de Sociomuseologia, 41, 2011, p.85-132. Disponível no endereço eletrônico: acesso em 28/03/2019. 67

Na ocasião, A Noite de Pereira da Silva figurou na temática de representação do feminino, obtendo um artigo dedicado somente a ela, que inclusive já fora citado neste texto, de autoria do pesquisador Carlos Lima Júnior, ocupando as páginas 241 a 251. Pode-se ver uma reprodução da tela na página 207, ao lado de Folhas de Outono, do artista Horácio Hora, também já mencionado. O fato é que, além da obra de Pereira da Silva ter figurado em uma exposição num local distinto- outro estado, ela foi apreciada por um público. Pois, lamentavelmente devido ao fato do Museu Mariano Procópio não ter condições físicas de expor pinturas atualmente, em razão de reformas necessárias no prédio por falta de recursos financeiros, a tela permanece na reserva técnica. Assim, com estas informações, podemos perceber que a tela de Pereira da Silva teve uma visibilidade relativamente pequena. Circulou apenas uma vez, após adentrar o Museu Mariano Procópio e, por estar na reserva técnica, não pode ser apreciada pelo público juiz- forano e demais regiões. Sua visibilidade para a pesquisa também fora mínima. Somente encontramos um artigo que a aborda em destaque, o outro apenas a reporta e, as poucas reproduções que se comprometeram a apresenta-la, não exprimiram dados de fôlego. Desta forma, se evidencia ainda mais a importância deste trabalho. Uma obra tão importante de um artista laureado do Brasil não poderia ficar sem um estudo profundo, ainda mais se pensarmos que ela, pelo menos em se tratando dos outros objetos que compõe o acervo do Museu Mariano Procópio, é a única tela que a instituição e, Juiz de Fora possivelmente pode ter deste artista tão importante.

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CAPITULO 2- A NOITE E ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A PINTURA ALEGÓRICA: HISTORIOGRAFIA E PERSPECTIVA BRASILEIRA

2.2- A alegoria enquanto gênero de pintura

A partir da tela de Pereira da Silva foi possível ponderar sobre o próprio gênero que A noite possui: o alegórico. O que nos faz pensar como o gênero foi abordado dentre os pensadores que se propuseram a tratá-lo, tanto pela perspectiva historiográfica, quanto pela brasileira. Ao perceber o gênero em um discurso teórico, nossa intenção não é de apresentar uma história da alegoria, mas sim, abarcando os ideais de alguns pensadores que contribuem com conhecimentos relevantes a nossa pesquisa. A análise focada na perspectiva brasileira se faz através de algumas críticas de arte que circularam nos periódicos de época, que trataram de algumas pinturas alegóricas. O ato de definir coisas e ações se faz desde a Antiguidade. A necessidade de criar conceitos e definições faz parte da vida humana que destina um significado próprio a cada coisa de acordo com suas características, como bem aponta Platão53 em seu diálogo, ao apresentar uma discussão acerca da definição dos nomes, perpassando por questões de individualidade e coletivo de cada coisa/ser. Quando pensamos na alegoria como um gênero na pintura não é diferente. Alguns pesquisadores nos apresentam uma definição apontando a função e características deste gênero pictórico. Além de, no final do século XVI, ter surgido os tratados alegóricos54 que serviram a muitos artistas como manuais para executar este tipo específico de pintura, como o mais conhecido, o tratado de Cesare Ripa. Para Erika Langmuir (1997), a pintura alegórica pode ser vista como uma linguagem oculta, incorporando uma realidade “superior”, revelando-se apenas para os iniciados. Ou seja, para aqueles que conhecem os significados presentes na simbologia da pintura, que estejam arraigados em uma mesma cultura do artista que a produziu. Ao personificar virtudes, a partir do período Medieval, inspirados por poemas e enciclopédias escritas neste tempo, a autora aponta que essas pinturas tinham a função de transmitir uma mensagem, podendo influenciar os indivíduos a serem bons e fazer o bem.

53 Cratilo. In: PLATÃO. Diálogos: Georgias, Mnexeno, Eutidemo, Menon, Cratilo. Madri: Editorial Gredos, c2008. v.2 (Biblioteca Clássica Gredos, 61; 61 54 C.f. LANGMUIR, Erika. Allegory. Grã Betanha, National Gallery, 1997, p.13. 69

Com relação a simbologia presente na pintura, apesar de existir os manuais que ajudam em parte a decifrar estes códigos, a autora ressalva que eles dependem do contexto. Como menciona o aparecimento da personificação do tempo na tela de Giovanni Battista Tiepolo, Uma alegoria com Venus e o Tempo (fig. 20). Na tela, de acordo com a autora, o tempo não tem a função de apresentar a mortalidade. O bebê que segura em suas mãos, entregue pelas próprias mãos de Vênus, não é mitológico, mas sim, real. Ao deixar sua foice de lado para segurar esta criança, ele representa a eternidade. A autora aponta que provavelmente esta pintura, encomendada para decorar um dos quartos da família Contarini, em um de seus palácios venezianos, era para celebrar o nascimento de uma nova criança ou que ainda estava por vir. Assim, faz todo sentido a representação da mesma, sendo entregue pela própria deusa da beleza, e o desejo de eternidade para ela.

Figura 21-TIEPOLO, Giovanni Battista. Alegoria com Venus e o Tempo.1754-8. Óleo sobre tela, 292 x 190 cm. National Gallery, Londres- Reino Unido. 70

D’Alleva (2012), dialoga em partes com Langmuir (1997) a respeito dos símbolos presentes nas alegorias. Primeiramente, para a autora, uma pintura alegórica consiste em “uma narrativa, que usa um conjunto de símbolos amplamente reconhecido para representar uma ideia ou entidade, através da personificação”55. Estes símbolos são culturalmente específicos e seus significados, diferentemente do que menciona Langmuir (1997), não são sempre evidentes para todos os membros inseridos na cultura em que foi concebida, muito menos, aqueles que não fazem parte dela. Mas falar de simbologia e alegoria não é a mesma coisa. Como a autora mesmo aponta, há uma diferença entre estes dois. Os símbolos para ela são profusamente reconhecidos, representando uma ideia ou entidade. A alegoria, é uma narrativa que retoma estes símbolos para compor sua personificação e transmitir uma mensagem para o observador. Pensando neste sentido, Matilde Battistini (2004) dialoga com D’Alleva (2012), na questão simbólica e o observador, no que diz respeito a transmissão desta mensagem por parte das pinturas alegóricas. Para Battistini (2004), as alegorias:

Possuem um vasto repertório de símbolos do passado e os pintores desenham imagens e códigos de representação, cuja chave de leitura é frequentemente perdida. Esses códigos são parte integrante da estrutura da obra, e o espectador, se não os conhece, não é capaz de reconhecer o que as imagens dizem nem o significado que elas carregam. (BATTISTINI, 2004: p.6, tradução nossa)56

Desta forma, apesar de símbolo e alegoria serem duas coisas distintas, estão ligadas. Ligação esta que está completamente imbuída pela cultura e que, de acordo com as autoras apresentadas até o momento, dependem a compreensão de sua significação, por parte do observador. Walter Benjamim (1984), ao mencionar o gênero alegórico, também traz alguns apontamentos sobre os símbolos. Para o autor, houve um uso desapropriado do simbólico nas investigações artísticas, remetendo a ideia de indivisibilidade de forma e conteúdo na análise. Tal fato ocorre quando ao analisarmos uma obra de arte, a ideia presente nela é qualificada como um símbolo.

55 D’ALLEVA, Anne. Methods e Theories of Art History. 2º ed., United Kingdom, Laurence King Publishing, 2012, p. 21. 56 “Dans le très vaste répertoire des symboles du passé, les peintres ont puisé images et codes de représentation, dont la clef de lecture est souvent perdue. Ces codes font partie intégrante de la structure de l’œuvre, et le spectateur, s’il ne les pas, n’est pas en mesure de reconnaître ce que les images racontent ni la signification dont elles sont porteuses. » 71

Este conceito “errôneo” do símbolo para o autor provém do Classicismo, onde sua estrutura se consolida no belo e no divino. E, para o autor, em compensação a esta interpretação do símbolo, este movimento desenvolveu a alegoria. Uma teoria deste gênero, bem como explicita o autor, ainda não havia se manifestado neste período, nem anteriormente. Mas apresenta o conceito de alegoria como teórico, pois oferecia para o simbólico uma elevação. Um dado importante que o autor nos apresenta é que, como outras formas de expressão, a alegoria não deixou de ter relevância por ter-se tornado obsoleta. Mas o que ocorreu, foi um duelo entre forma antiga e a subsequente, pois o mesmo, ainda não havia atingido um progresso conceitual. Apesar do autor estar mais centrado no gênero literário quando menciona o alegórico, ele nos apresenta alguns ideias importantes sobre o gênero dentro na arte. Benjamim traz alguns conceitos acerca do gênero, que nos faz refletir sobre a função da alegoria enquanto uma forma de expressão na arte. Segundo o autor, Goethe enxerga uma distinção entre procurar o particular a partir do universal e ver no particular o universal. A alegoria para ele, teria fins de encontrar o particular como exemplo do universal. A verdadeira natureza da poesia se expressa no segundo conceito, pois ela manifesta o particular sem remeter ao universal. Mas para Benjamin, quem compreende este particular em toda seu vigor, também compreende o universal, mesmo sem dar conta disso ou que venha ter noção mais tarde. O fato é que, para o autor Goethe não deu importância ao objeto alegórico ao se expressar sobre ele. Sob uma perspectiva histórica acerca do particular e o universal, temos os conceitos que muito contribuíram para a escrita da História e dialoga de certa forma, com os ideias de Walter Benjamim. Geovanni Levi propõe uma análise histórica a partir de uma visão microscópica que consiste em analisar as fontes de forma detalhada e minuciosa. Para o historiador, esta análise em uma redução de escala, “é um procedimento analítico, que pode ser aplicado em qualquer lugar, independentemente das dimensões do objeto analisado.” (LEVI, 1992: p.137). Desta forma, ao reduzir a ótica, é possível se perceber os detalhes que geralmente passam despercebidos quando se faz uma análise em uma escala maior. Na concepção do historiador, a Micro-História:

Dedica-se ao problema de como obtemos acesso ao conhecimento do passado, através de vários indícios, sinais e sintomas. Esse é um procedimento que toma o particular como seu ponto de partida (um particular que com frequência é altamente específico e individual, e seria impossível descrever como um caso típico) e prossegue, identificando seu significado á luz de seu próprio contexto específico. (LEVI, 1992: p. 154) 72

Desta forma, a Micro-História possibilita enxergar a partir do particular algumas particularidades que no geral podem passar despercebidas, justamente por uma análise tão ampla. Tomados os objetos de estudos como únicos, mas que, de certa forma, estão inseridos no geral e fazem parte dela, pois a constituem. Voltando para a análise de Benjamim, o autor menciona que assim como Goethe, Schopenhauer também enxerga a alegoria como negativa:

Se o objetivo de toda arte é a comunicação da ideia apreendida...; se além disso partir do conceito é algo de condenável na arte, não se pode aprovar a prática explícita e proposital de usar uma obra de arte para a expressão de um conceito: é o caso da alegoria... Se portanto uma imagem alegórica tem também valor artístico, este é distinto e independente do valor que possa ter enquanto alegoria. Uma obra de arte desse gênero tem um duplo fim, exprimir um conceito e exprimir uma ideia. Somente o último pode ser um fim artístico. O primeiro é um fim estranho à arte, uma diversão frívola que consiste em construir uma imagem que sirva também como inscrição, à guisa de hieróglifo... (apud BENJAMIN, 1984: 183-4p.)

Walter Benjamim introduz esta fala de Schopenhauer em seu texto para demonstrar como o autor está mergulhado nos preceitos que enxergam alegoria e símbolo como a mesma coisa. Mesmo apontando que o autor tem um conceito distinto do que será ambos, em suma, não se contradizem. Como exemplifica Benjamim, para Schopenhauer um sentimento pode ser induzido em um indivíduo, porém, também pode ser compreendido por epígrafes. Ou seja, em sua concepção por exemplo, a alegria tanto pode ser compreendida por um indivíduo que a expressa em suas diversas formas, ou pela própria palavra alegria, escrita num papel ou qualquer superfície. Interessante como a fala de Schopenhauer se distingue das autoras apresentadas acima e como enxergam a alegoria. Claro que vale pensar que as autoras apontam o conceito do gênero pictórico, na fala do autor, o termo toma uma atmosfera geral no âmbito da arte. Levando a discussão mais além, Walter Benjamim nos apresenta uma concepção moderna entre preceitos de artistas e teóricos a respeito da alegoria. Apesar de mencionar que o próprio termo se perde nos escritos, sendo necessário buscar os originais para resgatá-los e, a presença do Classicismo ser forte, o debate se centra na alegoria como uma ilustração de um significado. Benjamim parece consentir em partes com Creuzer, apesar de apontar uma presença Classicista em seu conceito sobre o símbolo, não o distinguido por completo da alegoria. De acordo com o autor, Creuzer enxerga que a alegoria é a representação de uma ideia geral, que 73

se apresenta em forma distinta do conceito representado. Já o símbolo, é a ideia em sua forma corpórea. Nas palavras do autor, Creuzer menciona que a alegoria é uma representação em que há uma substituição, ou seja, ela não representa com fidelidade o conceito apresentado, já o símbolo, sim. Pois ele está presente no mundo físico e pode ser visto através da “imagem, em si mesmo e de forma imediata”. Desta forma, sob uma visão romântica, Benjamim menciona que a relação entre símbolo e alegoria: [...] pode ser compreendida, de forma persuasiva e esquemática, à luz da decisiva categoria do tempo, que esses pensadores da época romântica tiveram o mérito de introduzir na esfera da semiótica. Ao passo que no símbolo, com a transfiguração do declínio, o rosto metamorfoseado da natureza se revele fugazmente à luz da salvação, a alegoria mostra ao observador a facies hippocrática da história como protopaisagem petrificada. (BENJAMIM, 1984: 188 p.)

Desta forma, Benjamim apresenta um conceito denominado de “morte alegórica”, que significa quando a alegoria apresenta um conceito, ela perde o seu próprio para esta representação, estando portanto, o objeto morto. Ou seja, novamente o autor volta na questão de perda de significado que há na alegoria pela personificação. De acordo com Benjamim, a função da personificação alegórica não é personificar as coisas do mundo, mas sim, conferir-lhes uma forma suntuosa, caracterizando- as como humanas. O que o autor tenta demonstrar ao longo de seu texto, é que ao contrário do que foi apresentado através de alguns teóricos, o gênero alegórico é também uma forma de expressão, de linguagem e escrita. Se Walter Benjamim (1984) se preocupou em agregar importância ao gênero alegórico no século XX, abordando o que alguns teóricos haviam escrito sobre ele em tempos passados, Craig Owens (2004) está voltado em pensar o gênero na contemporaneidade. Owens enxerga o gênero não só como uma técnica, mas também como uma atitude, percepção ou um procedimento. Sua concepção do gênero está atrelado no próprio mecanismo que o mesmo possui: O alegorista não inventa imagens, mas as confisca. Ele reivindica o significado culturalmente, coloca-o como sua intérprete. E em suas mãos a imagem torna-se uma outra coisa. Ela não restaura um significado original que possa ter sido perdido ou obscurecido: a alegoria não é hermenêutica. Mais do que isso, ela anexa outro significado a imagem. (OWENS, 2004: p.3)

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É justamente por não haver este resgate no significado, que o autor aponta a condenação pelo gênero, porém enxerga neste caráter a sua força. Assim, o autor identifica três ligações entre a alegoria e a arte contemporânea. A primeira se faz presente nos trabalhos de três artistas que cita: Troy Brauntuch, Sherrie Levine e Robert Longo. Os seus trabalhos consistem em conceber imagens a partir da reprodução de outras imagens. A lógica do autor consiste no fato de que, se a alegoria como foi mencionado acima, atribui um outro significado a outra coisa já existente. O que dialoga com o que já foi mencionado, com outros autores apresentados, sobretudo com Walter Benjamim (1984). Desta forma, o autor também enxerga como alegórico, o trabalhos destes artistas, já que também se apropriam de uma imagem e lhe conferem outra significação. A segunda ligação se faz presente no que Walter Benjamim57 identificou como “ruína alegórica”, onde as atividades do homem são consumidas pelas natureza, permanecendo na história, se distanciando da gênese. Esta “ruína alegórica”, o autor enxerga na contemporaneidade no movimento artístico site-specificity (lugar especifico). Estes trabalhos de acordo com o autor, são momentâneos e instalados em locações particulares, aspiram monumentos frequentemente, pré-históricos. É uma arte que volta-se para o lugar. O objeto artístico resultante desta vertente, dificilmente são desfeitos mas, são entregues à natureza. O que sobra, são os registros fotográficos. E este fato para o autor é relevante pois, enxerga nestes registros fotográficos um dos impulsos alegóricos mais possantes que Walter Benjamim descrevera: “apreciação da transitoriedade das coisas” e o resgate das mesmas, da eternidade. Destarte, Craig aponta então a fotografia como uma arte alegórica. A terceira e última ligação que o autor enxerga entre o gênero alegórico e a arte contemporânea, consiste no que denomina de estratégias de acumulação, manifestando-se na arte contemporânea por exemplo, na fotomontagem. O autor menciona que, o ato de empilhar em sequencias vários objetos sem uma ideia prévia de objetivo, se assemelha a alegoria pois, não tem nenhum limite “orgânico”, cabíveis de diversas interpretações, propiciadas pelos seus códigos decifráveis. Assim como Benjamim (1984), Owens (2004) também nos apresenta um debate entre a diferenciação de símbolo e alegoria, retomando o que Benjamim apontara, como sendo duas

57 O autor faz muitas referências a Walter Benjamim, a obra citada por nós neste texto, A origem do drama barroco alemão (1984). 75

coisas distintas. Mas o que realmente nos interessa, é a menção do hibridismo presente no gênero alegórico. O autor menciona que o próprio gênero apresenta uma confusão verbal e visual, oriunda de suas categorias estilísticas, combinando meios distintos da arte, que ele mesmo já apontara em seu texto ao fazer esta aproximação do gênero com a arte contemporânea. Ao olhar para as críticas nos periódicos brasileiros a respeito das obras alegóricas dos artistas no período que compreende a primeira metade da República brasileira, percebemos que o hibridismo está presente na fala dos críticos, enxergando a pintura alegórica como outros gêneros e estilos. A primeira tela que desperta questões sobre o gênero alegórico é a de Almeida Júnior (1850-1899), intitulada A pintura (fig. 22), executada em 1892. Na realidade, temos duas críticas sobre esta tela de Almeida Júnior, onde a primeira a aproxima com a decorativa e segunda, discute o Simbolismo. A primeira crítica publicada no jornal Gazeta de Notícias58, onde o escritor permanece anônimo, exalta as qualidades decorativas da pintura do artista, exibida na Exposição Geral de Belas Artes: A Pintura é evidentemente uma alegoria decorativa e sob esse aspecto é necessário considerá-la. Como obra pura da arte, daria campo a muitas discussões, já sobre a equação luminosa do conjunto, dando à procura do belo, se afasta demasiadamente da realidade; como decoração agrada e é suficiente para o fim que se propôs o artista. No conjunto Almeida Junior fica sempre aquela simpática e genial figura de artista, a quem todos amam e respeitam e de quem a pátria pode esperar obras de grande importância e vitalidade.

Bom, gostaríamos de destacar algumas frases do crítico a respeito da tela. Quais seriam as discussões que a obra oferece, considerada como ele mesmo denomina “obra pura de arte”? Além é claro, do afastamento da realidade que ele mesmo aponta, na questão do belo ideal presente na representação da figura feminina. É inevitável não pensarmos na representação da Vênus, sobretudo a de Botticelli (fig.21), pelo corpo feminino nu, ocupando o centro da tela, os longos cabelos ruivos ocultando parte do sexo e a posição em s do corpo, além da névoa branca que surge sob suas pernas, como se fossem águas ou a espuma que originara a deusa. Porque ele simplesmente preferiu não tocar nestas questões? Pelo fato da obra ser alegórica decorativa? Mas o que nos incomoda é quando menciona que “como decoração agrada e é suficiente”. Nos parece que a tela é justificada por

58 Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 24 out. 1894, p.2 76

sua motivação decorativa, ou seja, somente caiu nas graças do crítico porque possui esse fim. Se representasse outra coisa, talvez não teria este mesmo pensamento.

Figura 23- JÚNIOR, Almeida. A pintura (alegoria).1892. Óleo sobre tela, 250 x 125 Figura 22- BOTTICELLI, Sandro. O Nascimento da Vênus (detalhe). c. cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo. 1845. Têmpera sobre tela,172,5 x Fonte: Wikipédia. 278,5 cm. Galeria Ufizzi -Itália. Fonte: Wikipédia.

A outra crítica publicada no mesmo ano que a anterior, porém no jornal A Notícia59, cita a pintura de Almeida Júnior para embasar seus pensamentos sobre um outro gênero de pintura, o Simbolismo: Na pintura, porém, este movimento, que só podia vingar no seu lado idealista e simbólico, era uma inutilidade, como escola, por isso que já existia de longo tempo como simples gênero. Pois não havia a alegoria? Puvis de Chavannes não fez a Apoteose de Victor Hugo, que é simbólica como todas as alegorias? Aman Jean não fez as Estações? E todas essas alegorias que são senão pinturas

59 A Notícia, Rio de Janeiro, 13-13 out. 1894, p. 2. 77

simbólicas? Vede a tela de Almeida Junior, A Pintura. Que é ela senão uma tela simbólica? O simbolismo pictural era, pois, uma superfluidade, uma inutilidade.

O fato é que, o crítico quando escreve estas palavras estava se referindo anteriormente sobre o Simbolismo, o que desaprova. Na pintura, como citado acima, ele enxerga que já havia um outro gênero que desse conta do simbólico, a alegoria, não sendo necessário a criação de mais uma vertente que se ocupasse dela. Mas como já fora apresentado, há uma divergência em se falar de símbolo e alegoria que, como bem demonstrou Walter Benjamim (1984), enxergar os dois como um só, é uma visão equivocada do passado. É justamente isso que o crítico enxerga, ao citar a tela de Almeida Júnior frente ao Simbolismo que abomina: expressa que falar de símbolo é falar de alegoria. A próxima tela é de Rodolpho Amoedo, mencionada em nota pelo Jornal do Commercio60. A nota trata de mencionar seu único trabalho levado para a exposição de 1901, intitulada Saudade (fig.24):

Não nos parece que tenha conseguido realizar completamente na sua alegoria esse delicado sentimento que o poeta tão caracteristicamente qualificou de acre-doce. A figura que ele imaginou está pintada com certa intenção fina e tem expressão; as montanhas do fundo, de um roxo violáceo, de certa simplicidade de forma, possuem o tom sombrio, apropriado ao estado da alma que o artista quis exprimir. Mas a água que separa a figura do fundo montanhoso é feita de maneira que quebra esse conjunto de impressão, e fornece um elemento desarmônico à unidade de efeito. Em uma gama demasiado amarela, em uma estilização' de efeito levada a um excesso deplorável, introduz, afigura-se-nos, uma nota extravagante que discorda com a nobreza da concepção e faz perder o sentimento da Natureza. [...]

Ao procurarmos por uma reprodução em imagem desta obra, encontramos uma datada de 190761, sendo que a nota foi publicada em 1901. Porém, as descrições acima, se assemelham

60 Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 10 set. 1901, p.3 61 De acordo com as informações apresentadas pelo Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro, a obra encontra-se datada de 1907 e há somente esta no acervo com este título do artista. 78

Figura 24- AMOEDO, Rodolfo. Saudade. 1907. Óleo sobre tela,140,5 x 98,7 cm. Fonte: Museu Nacional de Belas Artes.

muito com a composição da tela que encontramos e se olharmos para ela (fig.25), veremos no canto inferior esquerdo, na pedra, a assinatura do artista e a data, onde o último número assemelha-se com o 1. Trata-se de uma paisagem ao fundo com montanhas em tom de roxo, e um lago que separa uma figura feminina das montanhas, como descrito na crítica. Esta figura segura em sua mão esquerda, algo que sugere ser um instrumento musical. O seu corpo coberto por uma veste, não apresenta formas femininas e não possui nenhum fio de cabelo a mostra-também é velado por um longo tecido. O que Rodolpho Amoedo nos apresenta, é um corpo andrógeno, que vaga pela natureza, com olhar baixo (fig.26) mas, que não evoca o sentimento de saudade.

79

Figura 25- AMOEDO, Rodolfo. Saudade (detalhe).

Figura 26- AMOEDO, Rodolfo. Saudade (detalhe).

O fato é que, podemos pensar nesta tela de Amoedo como uma pintura de gênero mitológico, ao apresentar uma figura andrógena com um instrumento musical em meio a natureza que poderia ser uma ninfa ou outro ser. Poderia ser uma passagem de um poema célebre sobre a saudade, ou um trecho de alguma literatura. A crítica ainda continua:

Os cultores dessa escola neo-idealista decorativa, desde Puvis de Chavannes, sempre tiraram os seus elementos da realidade, espiritualizando-os, para chegar ao simbolismo a que queriam atingir, mas nunca deturpando-os ao ponto de fazê-los perderem o seu caráter. Este excesso de estilização, em vez de simplificar e elevar o sentimento, introduz um elemento que se aproxima do grotesco, fazendo perder toda a unidade e grandeza de concepção, e prejudicando o efeito desejado.

Aqui, novamente temos menção ao Simbolismo e uma referência a Puvis de Chavannes. Pela crítica, a falta, ou melhor, o excesso de não denotar muitos detalhes a pintura lhe fez perder seu caráter. Estilização esta, que bem apontou Valle (2007), que diz respeito ao emprego de cores claras e a simplificação da composição, como uma das características da pintura decorativa. A próxima crítica, publicada n’O Jornal62, diz respeito a tela do artista Hélios Seelinger, intitulada Minha Terra. Logo de início, o crítico coloca a tela no patamar das telas históricas:

Entre os quadros de assunto histórico, devemos incluir o painel simbólico e decorativo de Helios Seelinger. O artista desdobrou-o em três partes: a primeira recorda a época das caravelas, os revezes dos navegadores com as surpresas bravias do oceano; a segunda evoca a luta das raças, o surgimento

62 O Jornal, Rio de Janeiro, 26 nov. 1922, p. 3. 80

do tipo brasileiro como símbolo da nacionalidade emancipada e pairando no alto a figura da pátria augurando um Brasil fecundo de paz e de trabalho; a terceira parte é consagrada ao período republicano até aos dias presentes, envolvendo numa alegoria o Exército e a Bandeira. A concepção é imaginosa. Quiséramos, na execução, mais movimento nas águas do oceano revolto. O fato de ter o artista dado às ondas uma direção oposta à posição do observador, estabelece no espirito deste certa confusão, e na tela uma espécie de desequilíbrio. A segunda parte não é intuitiva e pareceu-nos multo brusca a transição da luta das raças para o período republicano. Helios Seelinger consagrou-se à arte decorativa, fez dela a sua especialidade, e ela está realmente no seu temperamento e no seu feitio. O meio tem sido ingrato para o aproveitamento de suas aptidões e do seu espirito emancipado.

A alegoria é encarada propriamente na tela de Seelinger, somente na terceira parte do tríptico, ao Exército brasileiro. Mas se olharmos bem para a obra (fig.26), veremos que ela toda se forma em uma grande alegoria a História do Brasil, tendo eventos marcantes como o descobrimento, a mestiçagem de raças e a instauração da República. O que temos na tela do artista, é um hibridismo entre alegoria e história. Mencionado pela Eliane Pinheiro (2017) em sua dissertação que versa sobre a pintura alegórica na segunda metade do século XIX no Brasil, onde há uma grande produção desse gênero dando ênfase para os temas históricos, como fizera o artista Pedro Américo, com A libertação dos escravos e Paz e concórdia. Ou como deixa claro, estas obras históricas foram interpretadas como alegorias pela crítica.

81

Figura 27- SEELINGER, Hélios. Minha terra.1921.Óleo sobre tela, 600 x 300 cm. Foto: Carlos Lima Júnior.

Nossa última nota, publicada no jornal O Globo63, comenta uma tela do artista Armando Vianna: Armando Vianna tem uma alegoria aos banhos de Copacabana [Imagem] e um nu em vale de lençóis. (grifos nossos).

A tela que o texto faz referência não nos diz muito sobre a obra, porém, diz-nos o suficiente. Ao olhar para a imagem que acompanha o texto (fig.27), percebemos que se trata de uma cena que sugere ser em uma praia. Há uma montanha ao fundo, o mar e uma figura feminina quase no centro da cena, que segura um tecido com os dois braços para o alto, as suas costas. De corpo nu, exibe-o para o observador. Outras duas figuras femininas compõe a cena, sentadas no canto direito da tela, ao que indica as poucas folhas a mostra nos finos galhos, sob uma árvore. Também estão nuas.

63O Globo, Rio de Janeiro, 19 ago. 1929, p. 1. 82

Esta cena encarada como uma alegoria, poderia ser perfeitamente uma cena de banho, como as que o Gérôme pintava, porém, num cenário cultural distinto daquele oriental. O fato, é que temos assim como A noite de Oscar, o nu feminino encarado como alegoria.

Figura 28- O banho. Fonte: A XXXVI Exposição Geral de Bellas Artes- O Jornal 1929.08.16.

Desta forma, olhar para uma alegoria seja no passado ou na contemporaneidade, exige uma cautela. Como foi apresentado, o próprio gênero é complexo de ser compreendido em sua naturalidade está o fato de ser decifrável. Além do tema, o motivo, os símbolos e toda a composição, ela tem a sua própria significação, como apontara Walter Benjamim (1984) e Craig Owens (2004), e sua própria estrutura que perpassa por outros vários gêneros, estilos e apropriações que devem ser lidos com moderação e como um todo.

2.1-Alegorias e pinturas decorativas no Rio de Janeiro e São Paulo

83

Modesto Brocos em seu livro Retórica dos pintores (1933) já na parte finda, dedica algumas linhas para versar sobre os gêneros pictóricos. É na página de número 130, que o artista aborda sobre a alegoria. Em suas palavras:

É muito usada nas capas dos jornais ilustrados e sobretudo nos tectos das habitações, onde dá alegria com suas cores brilhantes de desenhos expressivos e agradáveis à vista. Esta pintura entra mais na arte decorativa e por sua natureza não pode deixar de o ser, porquanto, sendo a pintura alegórica uma ficção, os seus personagens nunca existiram na realidade e permite ao pintor uma larga margem para desenvolver a sua fantasia. (BROCOS, 1933:130-grifos da autora)

Através da fala do artista e então, professor da Escola Nacional de Belas Artes, percebemos uma aproximação entre a pintura alegórica e a decorativa, justamente pela sua temática abranger a abstração (sentimentos, condições de estado humano, ações etc.), o que ele denomina de ficção. É de fato, nas pinturas decorativas que vamos encontrar um número expressivo de alegorias sendo apresentadas nessa primeira metade do século XX, sobretudo, nos espaços públicos. Arthur Valle (2007) demonstra bem como as pinturas decorativas se apresentaram na cidade carioca no período citado. O autor aponta que duas razões justificam a aparição deste gênero nos salões de exposições. A primeira, se refere a demanda por pinturas com esse caráter, ocupando os espaços públicos como teatros, bibliotecas e prédios com finalidades políticas. Para os artistas deste período, Valle aponta que a noção de uma arte brasileira e de pintura decorativa estavam completamente interligados. O que se ampara, pela própria apropriação deste gênero de pintura nos espaços públicos, se tornando portanto, uma forma de difundir os preceitos políticos e moralizantes da política em vigor. Mas o ponto fundamental para nós, é quando o autor menciona a funcionalidade destas pinturas em termos iconográficos “[...] essas funções de persuasão da população e de celebração do regime republicano se refletiam em uma predileção pelas representações alegóricas e, especialmente, pela temática histórica.” (VALLE, 2007: 245-grifos da autora). Assim, depreendemos que a pintura alegórica nesta primeira metade do século XX, é encarada como parte da pintura decorativa, com uma função política. Como podemos perceber na tela do artista Pedro Bruno (1888-1949), intitulada Pátria (fig.28) e a tela de Joaquim 84

Fernandes Machado (1875-?), Alegoria a República (fig.29), ou ainda, a obra de Argemiro Cunha (1880-1940), que aparece com o título “ADea” (fig.30) no site de leilões Catálogo das Artes. Em todas as três pinturas, podemos perceber que as cores predominantes são duas: verde e amarelo- fazendo referência à nossa bandeira e que se destacam na composição. A relação da alegoria e da política fica mais evidente na composição de Joaquim Fernandes Machado, apre-

Figura 29-BRUNO, Pedro. Pátria. 1919. Óleo sobre tela, 278 x 190 cm. Museu da República, Rio de Janeiro-Brasil. Fonte: Museu Benjamin Constant Blog.

sentando-nos uma figura feminina ao fundo das cores nacionais, utilizando um barrete frígio na cor vermelha-grande símbolo dos franceses republicanos que lutaram para instaurar a República na França em 1792. Enfeitada com uma decoração em formato circular, nas cores verde e amarelo, provavelmente fazendo alusão as cores da bandeira brasileira. A segunda e última justificativa para a produção de pinturas decorativas, está centrado em uma influência na fauna e flora brasileira, onde o melhor instrumento para disseminar este conhecimento fundamentava-se em uma arte brasileira, pautada no ensino de arte decorativa, abstraindo a presença de cópias de ornamentos estrangeiros. 85

Figura 30- MACHADO, Joaquim Fernandes. Alegoria à República. 1922. Óleo sobre tela, 54 x 65 cm. Fonte: Catálogo das Artes.

Figura 31-CUNHA, Argemiro. “ADea”. 1930. Óleo sobre tela, 100 x 200 cm. Fonte: Catálogo das Artes.

Os nomes de Eliseu Visconti (1866-1944) e Teodoro Braga (1872-1953) são citados pelo autor como os artistas expressivos nesse seguimento. O ano de 1920, apenas oito anos antes de A noite ser executada, é apontado como já disseminado o conceito de uma arte brasileira expressa através da pintura decorativa. Sobre a fala de alguns artistas do período, como Hélios Seelinger, Marques Junior, Henrique Cavalleiro e o já citado Eliseu Visconti, o autor aponta a importância deste gênero nesse período, encarado como tendência. Se na cidade do Rio de Janeiro os prédios públicos foram ocupados pelas artes decorativas e alegorias, como bem pontua Arthur Valle (2007), tendo um número expressivo de artistas se ocupando deste tipo de pintura, sobretudo porque havia uma clientela. Em São Paulo não fora diferente, porém, o número de artistas que executavam a arte decorativa é relativamente menor comparado com o Rio. 86

Através de notas dos jornais analisados entre os períodos de 1898-1930, aparece com mais frequência o nome de dois artistas: Carlos de Servi (1871-1947)64 e Rodolpho Chambelland (1879-1967). Tarasantchi (2006) menciona que Carlos de Servi fez algumas pinturas decorativas na capital paulista, como uma alegoria ao Barão do Rio Branco e a já citada, Arte e Pátria, ambas em Belém. Grande parte das pinturas decorativas em São Paulo aparecem ocupando frequentemente as igrejas e em algumas exposições, onde podemos também encontrar obras que sugerem ser alegóricas, como a tela Inspiração, apresentada por Theodoro Braga em 192565. A respeito desta exposição, a nota que circulou no dia 21 de agosto do Jornal Correio Paulistano66, menciona algo interessante para o nosso discurso. O escritor, que não assina o texto, menciona que Theodoro Braga apresenta uma renovação nas artes no que tange a decorativa, tornando-a nacional. Esta nacionalidade expressa pelo crítico se faz pelo tema que o artista empregou: o folclore brasileiro. Estas obras são ilustrações que figuraram nas histórias da Biblioteca Didática Infantil, sendo elas: Curupira, Saci-Pererê, Pira-i-nara, substituindo as histórias estrangeiras. Quatro dias após esta crítica, o artista recebe mais uma67 em relação a esta mesma exposição ocorrida na Galeria Jorge. Desta vez, o crítico anônimo menciona que Theodoro Braga é o único artista em São Paulo que se ocupa da arte decorativa, restringindo-se ao meio nacional através da arte aplicada à indústria, na flora e na fauna bem como na indumentária indígena. Ao apontar a temática da fauna e flora como um meio do artista expressar o nacional, depreendemos que Theodoro Braga estava dialogando com as produções decorativas produzidas pelos artistas cariocas, mesmo que estas não se manifestassem em pintura mural mas sim, como a ponta o crítico, em artes aplicadas. O discurso da arte decorativa em São Paulo tem uma discussão de mais força no artigo publicado em 1930, na Gazeta68. O texto aparece com o seguinte título: “Ignorância artística

64 Segundo a autora Ruth Sprung Tarasantchi, o artista de origem italiana, fixou residência em São Paulo em 1896, onde executou grande parte dos seus trabalhos, executando encomendas particulares e expondo em algumas exposições coletivas e individuais. C.f. TARASANTCHI, Ruth Sprung. Pintores paisagistas: São Pauilo,1890 a 1920.São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2016, p.155-57. 65 C.f. Correio Paulistano, São Paulo, 24 de agosto de 1925. Coluna “Registros de Arte”, título “Exposição de pintura Theodoro Braga”. 66 Correio Paulistano, São Paulo, 21 de Agosto de 1925. Coluna “Registro de Arte” título “Exposição”. 67 Correio Paulistano, São Paulo, 24 de agosto de 1925. Coluna “Registros de Arte”, título “Exposição de pintura Theodoro Braga”. 68 A Gazeta, São Paulo, 25 de fevereiro de 1930, p.6. Título: “Ignorância artística das gerações mentaes do Brasil”. 87

das gerações mentaes do Brasil”. O autor abre sua fala mencionando como a arte é considerada nesse período pelos brasileiros:

As artes, infelizmente, por aqui, ainda são consideradas adereços, confeitos da preparação normal, de que o indivíduo pode quase sempre abrir mão. Em vez de serem consideradas essenciais ao complemento dos homens de boa sociedade, essas entidades estéticas são tidas como supérfluas, senão prejudiciais as mais das vezes à vida ordinária do cidadão.

Ao mencionar “homens de boa sociedade” o autor se refere a elite, pois no parágrafo logo acima deste trecho que destacamos, faz uma crítica a essa classe social em nosso país, que segundo ele, “não demonstram entender alguma coisa de arte, de letras, música ou canto” e ao apontar a questão nas artes plásticas, menciona:

Não conhecemos os legítimos valores pictóricos, nem compreendemos a finura daqueles que tudo sacrificam pelo prazer emotivo de uma impressão de arte. Daí resulta o desinteresse, a pobreza apresentada pelos nossos grandes edifícios, pelos nossos chamados monumentos, no que diz respeito à decoração pictórica ou mesmo, á simples ornamentação dos seus interiores. Não reconhecemos a necessidade de prestigiar os artistas, enriquecendo com as produções dos seus pinceis a massa dos nossos valores patrimoniais e, quando o fazemos, nem sempre as nossas resoluções são firmes e acordes.

Esses apontamentos do autor em relação as artes plásticas muito nos interessa, sobretudo quando menciona a utilização dos espaços públicos com pinturas. A falta dessa utilização dos edifícios, para o autor está ligada completamente a uma vertente política. Para ele, o Império facultou poucos edifícios com valiosas decorações. Isso, porque o monarca “embora espirito de poderosa ilustração”, preferia aos estudos íntimos, não se interessando pelas ocorrências da vida exterior, sendo sua vida de caráter simples. Se para o escritor a monarquia não legou esta arte para o Brasil, em muito a República compensou. Para ele, o advento do novo sistema de política no Brasil, “trouxe reservas novas de cultura que tornaram possível o cultivo mais interessado das belas artes”. Que como produto, resultou na decoração pictórica de diversas igrejas e edifícios públicos com pinturas murais. Como exemplo dessa herdade da República, o autor cita a cidade carioca com as decorações presentes na Igreja da Candelária, executada pelo artista Zeferino da Costa, e o Teatro Municipal, cuja as decorações foram executadas pelo artista Eliseu Visconti, onde aponta ser um dos edifícios que mais apresenta um ambiente artístico do pais. 88

Prosseguindo em sua fala, autor se dedica a gastar algumas linhas elogiando Eliseu Visconti, como um artista brilhante citando mais algumas de suas pinturas decorativas, como as do Conselho Municipal e o painel decorativo das Sessões da Câmara dos Deputados Federais. Apesar dos elogios, o autor aponta a decepção de ver em Visconti, o título de artista decorador no pais. Com exceção ao artista Rodolpho Chambelland, acrescentando a sua fala, não haver nenhum outro decorador no Brasil. Já em São Paulo, o maior monumento que os paulistas possuem é o Museu do Ipiranga, ressaltando o seu acervo de “gosto”, porém, quando se trata de arte decorativa “não encontramos grandes coisas a mostrar”. A respeito dos edifícios públicos paulistas:

[...] são pobres de arte e, relativamente a templos católicos, somente a abadia de S. Bento e a igreja de Santa Efigênia possuem telas verdadeiramente reputadas obras de arte. As suas lindas pinturas murais são, porém, obras de artistas estrangeiros sendo que, só a cidade de Santos, em nosso Estado, pode oferecer o espetáculo de realizações brasileiras, decoradas pelo talento de pintores brasileiros.”

Percebemos pela fala do autor, que não era suficiente que os prédios brasileiros fossem decorados com arte, mas também, para serem considerados como tal, haviam de ser executados por pintores brasileiros. Será que a questão pelo lamento ao apontar Eliseu Visconti como um representante de força nas artes decorativas no Brasil se faz por este ser um ítalo-brasileiro? Seja como for, o único prédio público que destaca em São Paulo, se localiza em Santos na Bolsa de Café, contendo telas do artista Benedito Calixto, que executou três pinturas e um vitral para a instituição69. Hoje o prédio é conhecido como Museu do Café, e as obras de Benedito Calixto estão situadas na “Sala do Pregão”, local onde eram realizadas as convenções que designavam as cotações das sacas do café. A fala do autor se encerra, mencionando que mais um prédio carioca irá receber uma pintura decorativa, o edifício do Fórum, e, como uma espécie de alerta, sugere aos cariocas um certo zelo, ao entregar o trabalho para “curiosos bisonhos”, sendo que na capital, reside “o decorador do Teatro Municipal”. Entre tantas observações acerca da arte decorativa, percebe-se que o autor descreve com mais folego, aquelas que situam-se na cidade carioca, e com certa desconsideração, a cidade paulista.

69 C.f. Museu do Café. acesso em 21/11/2019. 89

Curioso é o fato do autor não citar as pinturas decorativas executadas por Oscar Pereira da Silva na capital paulista e encomendas para algumas instituições e mansões. Grande parte destas pinturas decorativas são pinturas de gênero alegórico, assim como nosso objeto de pesquisa, A noite.

2.2-As pinturas alegóricas de Oscar Pereira da Silva

O que temos de escritos hoje acerca da produção de pinturas com temas alegóricos de Oscar Pereira da Silva ao nosso conhecimento, está no catálogo já citado por nós muitas vezes ao longo deste texto. Trata-se da obra da autora Tarasantchi (2006). Nele, a autora aborda algumas obras alegóricas do artista e, apesar de não aprofundá- las, nos fornece algumas informações importantes. Ela menciona que Oscar era um dos poucos artistas que executava este tipo de pintura para compor as casas dos paulistanos assim, Oscar era muito pleiteado a compor este gênero de pintura no período. A autora ainda menciona que o artista executava alegorias não só para as mansões paulistanas, mas também para alguns prédios públicos, como a Escola Politécnica de São Paulo, onde executou Desembarque do café no porto de Santos (FIG-CI- 8) e apresenta também um estudo para a sala da congregação da mesma instituição; o Teatro Municipal de São Paulo, com painéis representando a música e a dança; e a Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz, pertencente a USP, executando uma alegoria representando o algodão; para a Vila Penteado, duas alegorias representando os estágios da indústria e por fim, um estandarte para a Faculdade de Medicina. A autora aponta algumas telas, mas sem apresentar informações de sua localização, nem a origem de sua encomenda, como é o caso de Cenas de paraíso (FIG- CI- 14-a; b;) e Alegoria a São Paulo com a Vitória (FIG-CI- 13). Dessa maneira, podemos coligir que as alegorias de Pereira da Silva não estavam confinadas somente a decorar casas, mas eram um tipo de produção apreciada pela sociedade no período em que foram concebidas, ocupando diversos espaços. Com relação a temática das obras alegóricas, a autora menciona que as fontes de inspiração espelham os quadros de sua autoria, versando sobre história e religião. As alegorias de Oscar possuem as mais variadas temáticas. Encontramos cenas representando o paraíso, a indústria, a música, a comédia, a dança, o algodão, a cidade de São Paulo, as artes e de conceitos políticos. 90

O jornal Correio Paulistano70 em uma coluna intitulada “Independência da Syria” em letras grandes, nos apresenta uma alegoria de Oscar. A nota reporta que a tela foi encomendada pelo sr. Dr. Assad Bechara, que na ocasião, estava residindo em São Paulo e disseminava ideias acerca da Independência da Síria e enviou para o presidente Wilson. De acordo com a nota, a tela deveria figurar a Casa Branca, nos Estados Unidos da América. O periódico confirma ser o trabalho de Oscar e descreve a temática onde, “a Syria é representada appellando ao presidente pela sua Independência”. O jornal ainda descreve que a tela foi recebida em Nova Iorque pelo dr. Jhon R. Motti. O presidente não chegou a acusar seu recebimento pessoalmente pois, na ocasião, como menciona o secretário do Estado, Alvy A. Adec, estava doente. A nota deixa claro que a tela não era apenas um presente para o presidente, mas sim, um apelo do sírio para que os americanos concedessem a independência a Síria e, no final do texto, o secretário menciona que tomará os passos necessários para encaminhar o assunto ao presidente. Outra informação valiosa da nota do periódico, é a respeito de seu título. Em resposta ao sírio, o secretário menciona que a tela foi “intitulado por vós Uma visão da Syria”, o que nos faz pensar que, este título foi concedido por Oscar ou atribuído pelo sírio afim de reafirmar e deixar claro as suas intenções com os americanos. É solene notar que, a produção alegórica de Oscar serviu para fins políticos, como nesse caso especifico, por uma tentativa de conquista da independência da Síria e que, provavelmente a tela atravessou as fronteiras do Brasil, chegando até a América do Norte, onde outras sociedades e culturas tiveram a possibilidade de entrar em contato com uma obra de um artista brasileiro. Sonho de Beethoven é o título que nomeia a próxima alegoria de Pereira da Silva. Em pesquisa nos periódicos, encontramos algumas notas que mencionam uma obra de Oscar sobre Beethoven no ano de 1885. Porém, estes periódicos tratam da tela como se fosse um retrato de Beethoven, não uma pintura de fato alegórica. O Jornal do Commercio71 menciona que há um retrato de Beethoven exposto na galeria A la Glace Élégante, pintado por Pereira da Silva. A nota o elogia, apesar de contar apenas 19 anos de idade. No texto, Oscar só recebe elogios pelo desenho, modelo, colorido, pelos tons empregados e pela tinta que contempla o fundo da tela.

70 Correio Paulistano, 25 de janeiro de 1920. 71 Jornal do Commercio, 11 de julho de 1885. 91

Chega-se a mencionar até que é a melhor obra do artista. Nossa indagação é que tratam da tela como um retrato de Beethoven. Distinta do Sonho de Beethoven (fig. 31) que encontramos a reprodução no livro de Laudelino Freire (1914), referindo pertencer a galeria do Dr. Annibal Bevillacqua. A partir da nota no jornal Gazeta de Notícias72 sabemos qual a localização da tela na época que Oscar a executou. Esta informação ainda nos impõe mais dúvidas acerca de se tratar ou não da mesma pintura, a alegoria e o retrato. Pois, a nota menciona ter sido feita para o Clube, e o Laudelino (1914), de estar em coleção particular. A nota do Gazeta de Notícias73 é mais rico em informações e fulcral para nossa pesquisa. A nota traz alguns detalhes que são precisos: “[...]a expressão do grande mestre, encostado à mesa em que compõe, [...] O próprio vago das visões, ao longe, [...]”. Estas descrições que aparentemente sou poucas, a nós, foram precisas, sobretudo para comparar com a imagem que está reproduzida no livro de Laudelino (1914) (fig.31). Ao olhar para a foto da tela, apesar de se apresentar em preto e branco, vemos que um homem- Beethoven, está exatamente como a nota menciona: encostado sobre a mesa. Sobre este móvel, vemos que há vários papéis dispostos, uns abertos e outros fechados, bem enrolados. Poderíamos deduzir assim como a nota faz referência, que o mestre estaria em um momento de composição e os papéis ali disponíveis, estão prontos a guardar sua criação. Outro ponto forte da descrição da nota do periódico é “o próprio vago das visões, ao longe”. Na reprodução do livro, vemos ao fundo da tela, que uma figura feminina abre uma cortina, que sugere emanar uma luz (não podemos ter certeza, pois a reprodução da tela é em preto e branco) onde percebemos no canto inferior direito, que uma figura humana provém desta abertura. Pode-se deduzir que seja de fato como o título sugere no livro, ser o sonho de Beethoven que, devida a sua posição, parece de fato, ter-se despreocupado de seus afazeres e parece estar envolto com outras coisas, perceptível em seu olhar que sai para fora da tela, mirando algo que não está perto de si. Assim, deduzimos, através dos poucos detalhes presentes na nota do jornal, em comparação com a reprodução em imagem presente no livro de Laudelino (1914), ser a mesma obra. Talvez, os periódicos citados aqui, se refiram a tela como um retrato de Beethoven pelo fato da posição e ângulo que o artista escolheu enquadrar a personagem.

72 Gazeta de Notícias, 30 de maio de 1885. 73 Gazeta de Notícias, 6 de julho de 1885. 92

Figura 32- Reprodução da tela Sonho de Beethoven, de Oscar Pereira da Silva. Fonte: Livro de Laudelino Freire, Galeria Histórica dos Pintores no Brasil.

E na época em que Laudelino escreveu o seu livro. A obra de Pereira da Silva tenha sido vendida ou doada para algum indivíduo, o que justificaria seu surgimento na galeria. Na tela Sonho de Beethoven, temos a representação de um indivíduo que se encontra em um local que não tem a presença de instrumentos musicais mas, há papéis sobre a mesa, podendo inferir que ele está em um momento de criação. A forma como Oscar representa a personagem, nos lembra o retrato que executou do arquiteto Ramos de Azevedo (fig.32), onde temos igualmente a visão do corpo desta personagem somente do tronco para cima e está em seu ambiente de oficio, ou seja, um retrato relacionado com o trabalho. Pode ser que, o fundo de Sonho de Beethoven, apesar do título, tenha sido encarado pelos indivíduos na época como uma referência ao momento de criação da personagem, como se fizesse parte da composição do instante em que o retratado está envolvido. Como fora mencionado nas notas dos periódicos, ligado ao seu trabalho e não como de fato, uma composição alegórica relacionada a uma fantasia ou abstração. 93

Figura 33- SILVA, Oscar Pereira da Silva. Retrato do engenheiro Ramos de Azevedo. Óleo sobre tela, 57 x 80 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo. Fonte: Itaú Cultural.

Figura 34- Reprodução da tela Sonho de Beethoven, de Oscar Pereira da Silva. Fonte: Livro de Laudelino Freire, Galeria Histórica dos Pintores no Brasil.

A mesma nota do jornal Gazeta de Notícias nos informa que por ocasião desta pintura, foi concedido a Oscar o título de sócio do clube. Esta informação para nós é muito valiosa, pois, sabemos que Alfredo Ferreira Lage74 foi diretor por muitos anos e fundador do Museu Mariano Procópio, e era membro deste mesmo clube no período. Portanto, podemos lançar a hipótese de uma possível relação entre Oscar Pereira da Silva e Alfredo Ferreira Lage, por ter adquirido A noite para seu museu e, pelo fato de Oscar ter executado uma pintura representando uma rua da cidade de Juiz de Fora, justamente a que leva o nome do pai de Alfredo. Pois, se Oscar recebeu do clube o título de sócio, significa que a partir deste momento teve consentimento para frequentá-lo, e pode ser que neste local o artista tenha criado algum vínculo com Alfredo, estreitando as relações entre eles.

74 O nome de Alfredo Ferreira Lage aparece na programa da instituição como membro. C.f. Programa Club Beethoven: 3.º grande concerto symphonico. Rio de Janeiro, Typographia de G. Leuzinger & Filhos, 1884. 94

Outra pintura alegórica de Oscar que tivemos conhecimento através de periódico, versa sobre a poesia. O Correio Paulistano75menciona que Pereira da Silva executou esta alegoria para a casa de Veridiana Valéria da Silva Prado, em São Paulo. Na ocasião, o jornal menciona que a tela foi encomendada pelo Sr. Antonio Prado, dono atual no período da residência76. Pela descrição da tela presente no jornal, a obra de Oscar é composta por diversas figuras femininas, onde dançam a entonação de poemas gregos da personagem principal. Puttis e querubins também figuram na tela, dançando e cantando e, ao fundo, vê-se figuras representando a deusa Minerva e a Escultura. É difícil abordar sobre a composição da tela como cores, elementos e figuras, pois não temos uma reprodução em imagem, apenas podemos imaginar como a tela de Oscar é, através da descrição do periódico. Porém, percebemos que as alegorias de Oscar não ocupavam apenas prédios públicos em São Paulo, mas também estavam presentes em coleções particulares. O fato é que, temos a presença de obras alegóricas de Oscar em duas residências muito importantes na capital paulista: A chácara Maria de Veridiana Prado e a Vila Penteado77 de Olivia Guedes Penteado. Sergio Miceli (2003) aponta que estas duas construções, na época eram o centro de grandes reuniões e de mecenato artístico, sobretudo, a Vila Penteado. De origem abastada, os proprietários, assim como outros-colecionadores e amantes da arte, se envolveram em grandes questões artísticas na capital paulistana. O autor aponta que, Olivia Guedes Penteado e seu esposo, Paulo Prado, somando-se a Freitas Valle e a Villa kyrial, entre outros, formavam o mecenato paulistano, abastados financeiramente, patrocinavam a arte na capital. Estavam ligados aos acontecimentos modernistas do período, beneficiando os novos artistas que emergiam nestes preceitos. Eles se envolveram em reformas no Liceu de Artes e Ofício, na regulamentação do pensionato, bem como a reforma do Museu Paulista.

75 Correio Paulistano, 6 de fevereiro de 1919. 76 Hoje, parte da residência foi tombada como patrimônio histórico da cidade, que se refere ao espaço que contemplava a Vila Maria. De acordo com o site do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, artístico e Turístico de São Paulo, as obras de arte que permaneciam na residência também foram preservadas. O texto somente aponta para um painel de Almeida Júnior, intitulado Aurora, porém, na nota citada acima, menciona ser uma representação da noite; e uma escultura em mármore do artista Victor Brecheret, representando Diana. O texto não faz nenhuma alusão a tela de Oscar Pereira da Silva. C.f.: < Http://condephaat.sp.gov.br/benstombados/antiga-casa-de-dona-veridiana/#> acesso em 07/07/2017. A imagem da tela de Almeida Júnior pode ser conferida na página online da Wikimedia Commons, através do endereço eletrônico: acesso em: 05/12/2019. 77 São três telas que representam alegorias a Indústria através do tempo. As mesmas podem ser contempladas no caderno de imagens que a companha este capitulo, com as respectivas numerações: FIG-CI- 3, FIG-CI-4 e FIG- CI-6. 95

Apesar das decorações de Oscar nas duas vilas não terem sido executadas exatamente no ano que se compreende como emergente das artes modernas-1922, estes colecionadores optaram por um estilo distinto em sua residência, daquele que patrocinavam -o encarado como moderno. O autor indica que aparenta ser contraditório o que realizavam: patrocinavam e incentivavam segundo Miceli (2003) os artistas “modernos”, porém, em suas residências, as decorações ficavam a cargo dos “acadêmicos”. Ele menciona que apesar destes grandes colecionadores paulistas incitarem a arte moderna, para a decoração de seus interiores e a produção de seus retratos e de parentes, preferiam confiar nos artistas “acadêmicos”. Isto se justifica porque, segundo o autor, estes artistas “acadêmicos” eram reconhecidos como consagrados e, ao encomendar pinturas a eles, revela “horizontes conservadores de seus padrões de gosto e sensibilidade”. Destarte, as telas alegóricas de Pereira da Silva também agradavam um público que incentivava outras vertentes artísticas- distinta do que ele produzia no momento, ligado aos cânones tradicionais das belas artes. O que demonstra que de fato, que a modernidade nas artes não encobriu os artistas que não se ocuparam deste estilo artístico nesse momento. Retomando as alegorias de Pereira da silva, encontramos uma tela intitulada “Figura alegórica” (fig.35) no site de leilões Catálogo das Artes78. Esta obra para nós é muito interessante pois, a julgar pelo título, não conseguimos compreender sua temática e, devemos nos atentar que por estar em leilão, as chances deste título ter sido atribuído pelos leiloeiros são grandes. Ao contemplá-la, vemos que uma mulher ocupa o centro da tela, sendo permitido visualizar somente o busto. Está trajando uma veste branca, com um tecido aerófano envolto que se estende até o seu único braço aparente. Seus cabelos são longos e negros, como o fundo que envolve a cena. Seu olhar é voltado para o alto- o céu talvez. Uma iluminação sobressai no ambiente, projetada pelo pequeno ponto luminoso que segura em sua mão. Poderíamos sugerir ser uma estrela. Ao ter uma figura feminina central na tela e que segura uma estrela em sua mão, nos recorda a própria composição da tela A noite, âmago dos nossos estudos.

78 Pode-se ter acesso a imagem da obra, bem como de algumas informações a respeito dela, como data, suporte e dimensão, através endereço eletrônico disponível na página online da instituição. C.f. < Https://www.catalogodasartes.com.br/obra/tUeBU>. 96

Figura 35- SILVA, Oscar Pereira da. A noite (Detalhe). 1927. Óleo sobre tela, 186 x 45 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora-Brasil. Foto: Da autora.

Figura 36- “Figura alegórica”. 1910.Óleo sobre cartão, 50 x 54,5 cm. Fonte: Catálogo das Artes. As duas telas possuem uma diferença de 27 anos entre elas. Mas apesar disso, além do ponto luminoso na mão, os traços da face da figura feminina são similar. Porém o suporte é diferente, além das dimensões. Esta “Figura alegórica” não possui grandes formatos e, a figura feminina ao que consta, não está nua como A noite. Desta forma, seria “Figura alegórica” um estudo para A noite? Não temos como afirmar tal questão e, se fosse assim, por qual circunstância o artista levaria a executar seu estudo somente dez anos após? Bom, no momento, não sabemos a resposta. Não encontramos na produção de Oscar alguma tela que se assemelhasse a esta, somente temos A noite que se familiariza com os elementos presentes nela. Não temos informação se o artista fez outra obra representando o anoitecer, que pode ser o caso, ou, a tela mencionada, pode não ser um estudo, mas sim, uma obra acabada. O fato é que as duas pinturas apesar de algumas distinções já apresentadas aqui, dialogam de certa forma, apesar da distância temporal entre elas. Como vimos até o presente momento, Oscar Pereira da Silva tem um número considerável de alegorias em sua produção, onde elas atuam em lugares distintos e diversos. Na sua grande maioria, são alegorias que possuem a figura feminina como representação da 97

temática, o que dialoga com o próprio gênero pictórico, pensado em termos mais teóricos como bem explicita Pinheiro da Silva (2017)79. A autora aponta que a atribuição da figura feminina nas alegorias se faz por um viés linguístico, ou seja, por grande parte das virtudes e sentimentos serem substantivos femininos na língua latina, a representação se adequa a esta norma. Salvo a algumas exceções, onde alguns termos são compreendidos pela cultura como propriamente masculinas, por exemplo a guerra e a ira. Podemos observar esta exceção na pintura de Pereira da Silva, ao olharmos para a sua Alegoria ao renascimento das artes. Nela, vemos que unicamente duas figuras masculinas compõe o cenário. Trata-se de um menino que está sentado ao chão e possui algumas folhas a sua frente, qual parece escrever algo.

Figura 37- SILVA, Oscar Pereira da. Renascimento as artes. Fonte: Catálogo Ilustrado, organizado por De Wilde da Exposição Geral de Belas Artes em 1884. Um homem maduro em pé, próximo a ele, segura uma espécie de vareta nas mãos. Parece passar alguns ensinamentos ao menino. O ambiente da cena é ao ar livre, com vegetação entorno e uma pequena ovelha, deitada próximo a criança.

79 C.f. PINHEIRO DA SILVA, Eliane. A construção do visível: alegoria na pintura brasileira na segunda metade do século XIX. Dissertação de Mestrado, pág. 39-40. 98

Como aponta a autora, a temática diz respeito às artes e, ao olhar para a produção de alguns artistas, elas vem dominadas por representações femininas. Como é o caso de Alegoria as artes (fig.37) de Leon Palliére. Apesar da temática distinta, se seguirmos o pensamento da autora, a arte está ligada aos fatos artísticos, como a dança, música, pintura, escultura, literatura, entre outros. Onde estes fatos artísticos, são substantivos femininos. Porém, como a alegoria de Oscar é ao renascimento das artes, esta é expressada pelo aprendizado de um menino ainda jovem, ou seja, uma arte que deve novamente aprender o seu percurso. A autora faz uma comparação desta tela com outra de Pereira da Silva, denominada Infância de Giotto (fig.38), onde o renascimento das artes estaria ligada a este artista representado na tela. O significado desse ressurgir da arte, acontece a partir de Giotto.

Figura 38-PALLIÈRE, Jean Leon. Alegoria as artes. 1885. Óleo sobre tela, 415 x 305 cm. Museu Nacional de Belas. Fonte: Google Arts and Culture. 99

Figura 39-SILVA, Oscar Pereira da. A infância de Giotto.1895. Óleo sobre tela, 138 x 75 cm. Foto: Da autora.

O tratamento nas pinturas decorativas de Pereira da Silva em grande maioria se assemelham com o que Valle (2007) apontou em sua tese. O autor menciona a predileção pelo emprego de tons claros, remetendo-se a Puvis de Chavannes- artista francês que certamente os pintores que realizaram sua viagem de pensionato na França tiveram contato. Dentre a temporalidade apresentada pelo autor em relação a estes artistas que poderiam ter tido contato com as pinturas decorativas de Chavannes, compreendendo o período entre 1880-1910, Oscar poderia estar nesta lista de artistas. Richard Santiago (2017) ao analisar as alegorias de Pereira da Silva no Teatro Municipal de São Paulo, aproxima as obras A música e A dança (respectivamente fig. FIG-CI-11 e 12) ás pinturas realizadas especificamente em teatros, no fim do século. Semelhando a composição aos pincéis dos artistas franceses Marcel Jambon (1848-1908) e Georges Clarin (1843-1919): 100

Têm por espirito a natureza sublime das pinturas plafond do teatro finessecular, tão simbólicas quanto carnais. Nesse sentido, os pincéis franceses de Marcel Jambon e Georges Clarin ditaram moda: corpos femininos sensuais suspensos no firmamento, tons pastéis elegantes, panejamentos irrequietos, luminosidade sobrenatural que se furta a definir a aurora ou o crepúsculo visto que o domínio das artes prescinde da temporalidade dos homens. (COSTA, 2017: p. 499).

O autor vai mais além, ao mencionar os aspectos “inovadores” que Oscar apresenta nestas obras, que dialogam com essa nova forma de conceber a pintura decorativa, se tratando da apropriação dos teatros:

Pereira da Silva alinha esses painéis a essa nova voga da decoração teatral, menos regrada, ligeiramente mundana e plenamente festiva. São fendas superlativamente belas na estrutura teatral, um ponto de religamento entre o sublime e o terreno em prol de todos os gozos. (COSTA, 2017: p. 499).

Desta forma, fica evidente que Pereira da Silva empregara seus conhecimentos herdados dos artistas franceses para conceber estas alegorias. Grande parte delas possuem esta estilização apontada por Valle (2007), mas não todas. Como é o caso de Uma comédia ambulante nas ruas de Atenas (fig.40), onde as cores empregadas são mais fortes e Costa (2017) também apontara em seu texto, ao compará-lo com a representação de Gustav Klimt (1862-1918) que toma a mesma temática. Enquanto a tela de Klimt é mais sóbria em tons mais frios, o autor aponta que a tela de Oscar é mais quente e alegre. Esta diferença se centra para o autor na própria questão do ambiente, onde:

Pereira da Silva é muito mais musical e festivo, justamente porque sua pintura se destinava a um salão social, afastado da atividade cênica em si e, portanto, mais mundano, enquanto Klimt decora o teto sobre uma das escadarias monumentais do teatro vienense, o espaço cerimonial por excelência no interior desses edifícios. (COSTA, 2017: p. 504).

Destarte, esta diferença no tratamento da tela de Oscar não se justifica segundo o autor por uma questão de técnica propriamente, mas sim, de uma adequação ao ambiente para o qual a obra fora destinada. Mas se analisarmos uma matéria do jornal Diário de São Paulo80, escrita por Menoti del Picchia que dedicou uma página a Oscar em ocasião de seu falecimento, entre suas palavras e frases para homenagear o artista, veremos que ele aborda algo interessante sobre as pinturas do Teatro Municipal:

80 Diário de São Paulo, São Paulo, 19 de janeiro de 1939. “Oscar Pereira da Silva”, por Menoti del Picchia. 101

As decorações que deixou ao “plafond” do Municipal, são obras-primas. Ali revela elle uma medida e justa sobriedade de tons e uma admirável potência desenho. Há, nesses trabalhos da finalidade decorativa, um aristocrático bom gosto, uma eloquência singela que persuade sem precisar recorrer a estridência dos lances theatraes. Bastaria essa obra monumental para consagrar seu nome. (grifos nossos)

Assim, se pensarmos na fala de Costa (2017) e de Picchia, veremos que ambos se contradizem. Enquanto para Costa (2017) a novidade que Oscar traz e que remete ao artistas franceses se concentra na composição mais alegre e viva, justamente por se tratar de uma decoração para teatro, que articula com o ambiente. Para Picchia, o artista consegui êxito em sua decoração sem ter que recorrer ao que ele enxerga como extravagancias que o próprio ambiente poderia proporcionar as pinturas. Nossa intenção aqui ao confrontar estes dois ideias não é de apontar algum que seja uma verdade absoluta, mas sim, apresentar que há pensamentos distintos sobre as obras de Pereira da Silva e que promovem uma provocação as nossas concepções. Se tratando dos modelos empregado por Pereira da Silva para compor suas representações alegóricas pouco temos informações. Porém, sua filha Helena Pereira da Silva Ohashi, nos traz uma informação interessante sobre as composições alegóricas executadas para o Teatro Municipal de São Paulo:

[...] meu pai trabalhava nas composições para os painéis do Teatro Municipal; os desenhos eram passados no papel, aumentados maior que o natural; servi de modelo para quase todas as figuras de suas composições. A principal delas era o teatro grego ambulante. (OASHI, 1969: p.9. Grifos nossos)

As obras que a filha de Pereira da Silva se refere são: Uma comédia ambulante nas ruas de Atenas81, A música e A dança (respectivamente fig. FIG-CI-10,11 e 12) Obviamente nossas comparações entre as figuras nas obras e a imagem de Helena são frágeis. Apenas dispomos no momento de duas fotografias que apresentam a filha do pintor. Helena nasceu no ano de 189582, e quando Oscar executara os painéis do Teatro Municipal, contara com 17 anos de idade, sendo ainda muito jovem. Na primeira fotografia (fig.40), Helena contava com 45 anos e na segunda (fig.44), 38. Há uma distância temporal bem grande em relação a data de execução dos painéis e as fotografias. Certamente Helena poderia apresentar uma aparência distinta das fotografias,

81 82 C.f. TARASANTCHI, Ruth Sprung. Pintores paisagistas: São Paulo, 1890 a 1920. Edusp, São Paulo, p.275. 102

porém, podemos ter uma concepção ainda que duvidosa, dos traços fisionômicos de Helena e as figuras nas obras de Oscar. Esta informação nos faz pensar se ele empregara a filha também como modelo para compor A noite.

Figura 40- Detalhe de uma fotografia Figura 41- SILVA, Oscar Pereira da. A música de Helena, publicado no jornal A (detalhe).1911. Noite-RJ, no ano de 1940.

Figura 43-SILVA, Oscar Pereira da. A música Figura 42 SILVA, Oscar Pereira da. A música (detalhe). 1911. (detalhe). 1911.

103

Figura 44- Detalhe de uma fotografia de Helena. Tirada em 1938. Figura Fonte: Wikipédia. Figura 45 -SILVA, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927.

Figura 46- SILVA, Oscar Pereira da. A dança. (detalhe). 1911. Figura 47-SILVA, Oscar Pereira da. A dança. (detalhe). 1911.

Figura 48- SILVA, Oscar Pereira da. A dança. (detalhe). 1911. 104

Ao comparar suas as obras alegóricas com A noite, percebemos que ela se faz uma exceção. Como alegoria que versa sobre o tempo, encontramos somente ela. Em relação ao formato e dimensões somente A noite é um óleo sobre tela de tamanho considerável. As outras alegorias que Oscar executou são grandes, porém estão em painéis ou em paredes. Se compararmos com as alegorias do café e do algodão, elas também apresentam grandes dimensões em um óleo sobre tela, porém não abordam a temática do tempo e não apresentam o nu feminino. Ao contrário do que foi apontado pelo autor do artigo “Ignorância artística das gerações mentaes do Brasil”83, São Paulo possuía sim artistas que executavam pinturas decorativas e sobretudo, nos espaços públicos paulistas. Claro que não em um número expressivo como o Rio, mas apontamos os nomes de Carlos de Servi, Rodolfo Chambelland, Benedito Calixto e o mais importante para nós, Oscar Pereira da Silva. Vale ressaltar que grande parte das alegorias de Pereira da Silva apresentadas aqui, foram encomendadas para decorar prédios, como o Teatro Municipal, Escolas e Faculdades, bem como residências privadas, como as vilas Maria e Penteado. Estas telas do artista aqui comentadas, não representam o total de sua produção desse gênero em especifico, de certo, há outras alegorias presentes em instituições e residências brasileiras que desconhecemos, bem como pode haver mais em território internacional, como foi o caso da tela que aborda a Síria.

2.3- A figura feminina como representação alegórica da República Brasileira

Joseph Jurt em seu artigo84 menciona que a utilização de pinturas alegóricas no início da República brasileira foi usual. Esta, surgia da tentativa dos positivistas na criação de símbolos oficiais para o novo sistema de política implementado. Assim, ao lado da execução de bandeiras e hinos, as pinturas alegóricas serviam a esta função. Porém, José Murilo de Carvalho (2005) aponta que diferentemente dos franceses que se apropriaram justamente da figura feminina para contrapor ao do monarca, os brasileiros tinham o futuro da monarquia na própria imagem feminina: a princesa Isabel.

83 Rever nota de rodapé número 57. 84 JURT, Joseph. O Brasil: um estado-nação a ser construído. O papel dos símbolos nacionais, do império a república. In: Revista Mana, vol.18 no.3 Rio de Janeiro Dec. 2012. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132012000300003> acesso em 29/12/2019. 105

O autor relata que houve uma tentativa dos positivistas brasileiros para anular a imagem de Isabel como monarca através de seu esposo, o Conde D’Eu. Assim, tentavam desmoralizar o conde e o fato de ser francês, os auxiliavam nessa missão o aproximando do regime antigo. Desta forma, a figura feminina poderia ser utilizada com êxito pelos positivistas para representar a República. Como obra expressiva deste período, o autor aponta a tela executada pelo artista Décio Villares, A República (fig.49), que também ficou responsável pela criação da primeira bandeira da República no ano de 1889. Mas como podemos perceber na tela de Joaquim Fernandes, Décio não foi o único a representar a república através da figura feminina. A obra intitulada Alegoria a República (Fig.50), apresenta assim como a tela de Décio Villares (fig.49), um busto feminino de perfil olhando fixamente para o lado esquerdo e ambas, portam um barrete frígio na cabeça. Porém, na tela de Décio, é verde, assim como as suas vestes. Com as bordas em amarelo, fazendo forte alusão as cores da bandeira nacional.

Figura 49- VILLARES, Décio. A República. Fonte: Wikipédia. Figura 50- MACHADO, Joaquim. Alegoria a República. 1922. Óleo sobre tela, 54 x 65 cm. Fonte: Catálogo das Artes.

106

O autor aponta que as pinturas de Daumier, Le Republic (fig.51), e de Delacroix- A liberdade guiando o povo (fig.53), foram muito representativos para os artistas brasileiros neste período. A tela do artista Manuel Lopes Rodrigues, A república (fig.52), lembra a tela de Daumier (fig. 42), ao apresentar uma figura feminina sentada em uma espécie de trono porém, ao invés de segurar uma bandeira, porta uma espada. Encomendada pelo então presidente da República Prudente de Morais, serviu como menciona o autor, “quase uma imagem oficial da República”. Porém, com a queda do preço do café no exterior, a alegoria executada pelo artista, influenciada nos modelos franceses, em nada representava o cenário político do período.

Figura 51- DAUMIER, Honoré. The Republic. 1848. Oil on canvas, 73 x 60 cm. Musée d’Orsay, Paris-France. Fonte: Musée d’Orsey.

Figura 52-RODRIGUES, Manual Lopes. A República.1896.Óleo sobre tela,230 x 120 cm. Museu de Arte da Bahia. Fonte: Wikipedia.

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Figura 53- DELACROIX, Eugène. A liberdade guiando o povo. 1830. Óleo sobre tela, 260 x 325 cm. Museu do Louvre, Paris-França. Fonte: Waburg- Banco Comparativo de Imagens.

A tela de Manuel apresentava uma república serena em contraposto ao cenário de desagrado. Já não cabia mais como símbolo, permanecendo assim, no Museu localizado na Bahia. A representação alegórica da República através da figura feminina não alcançou êxito neste período. José Murilo de Carvalho (2005) aponta que a figura feminina no Brasil foi muito marcada pelos princípios católicos, onde a figura da virgem Maria era influente. Mesmo o novo sistema de governo ter realizado a separação da Igreja e Estado, o autor aponta que os eclesiásticos se opuseram contra os positivistas, em relação a imagem da figura feminina alegorizada como representante da república, em oposição a da virgem Maria, obtendo êxito nos questionamentos. O autor menciona que, no dia 8 de setembro-após a data que se comemora a proclamação da independência do Brasil, Aparecida foi proclamada rainha do país, em 1902. Desta forma, o autor enxerga a disputa entre o Estado e a Igreja, pela representação da nação. José Murilo de Carvalho ressalta que a imagem da virgem sobrepujava em questão simbólica cívica, as “alegorias republicanas”. Para o autor, a virgem além de ter raízes na fé católica, era negra e brasileira. Já as alegorias, compunham uma República branca e com forte presença francesa. Mas os apontamentos do autor vão muito além. Para ele, a figura feminina representada pelos artistas brasileiros não eram a “mulher do povo”. Elas denotavam em sua composição 108

traços estrangeiros, estes, segundo o autor, oriundos da estadia dos artistas na Europa pela concessão do prêmio de viagem85. Mas o autor não renega completamente a herança francesa nos artistas brasileiros. Apesar de mencionar que durante a República a pintura deveria ter uma estética que lhe representasse, distinta do Clássico empregado durante a monarquia, ele salienta o “jeito revolucionário” dos artistas franceses. Para Murilo de Carvalho, os artistas brasileiros durante a primeira fase da República, não empregaram um tom revolucionário para a figura feminina, como Delacroix fizera em A Liberdade guiando o povo (fig. 53), ou As sabinas de David. O ponto de crítica do autor é que os artistas brasileiros em sua visão, reafirmaram de certa forma a posição que as mulheres ocupavam imposta pela sociedade. Ao representarem como verdadeiras mulheres da sociedade, como a Dame à la rose, de Belmiro de Almeida, onde o autor faz crítica até ao nome da pintura ser em francês. É claro que há exceções, estas deixadas pelos artistas positivistas que representaram a República na figura feminina. Outra questão, é o fato de grande parte dos artistas (aqueles que não se diziam positivistas), apresentarem a mulher como uma figura sensual, desnuda, com presença da cultura de fin de siècle. O que segundo Murilo de Carvalho, os artistas positivistas não pintavam esse tipo de mulher, pois era imoral. Desta forma, o autor indaga o porquê dos artistas brasileiros, que copiavam a estética estilística e técnica dos artistas franceses, também não faziam como eles: “pintar a República como mulher independentemente de haver uma base social [...]?” e vai mais além ao mencionar o porquê de não terem tentado criar de fato uma alegoria da república. Destarte, outra razão apontada para o fracasso da alegoria republicana se centra na própria representação na figura feminina. Na França, tanto na revolução que instaurou a república como em outras posteriores, as mulheres haviam participado deste movimento. Fato que no Brasil não ocorrera. A ela, somente era conferido uma função na vida privada, assim como também não ocupavam nenhum cargo político ou administrativo. Na França, o autor explicita que a utilização da alegoria sob uma representação feminina, tinha a função de contrapor à imagem masculina do rei e sua iconografia provinha da representação da Liberdade. Porém no Brasil, a estrutura fundamental era o exército.

85 Para saber mais, C.f. CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Os Prêmios de Viagem da Academia em Pintura. In: PEREIRA, Sonia Gomes (Org.). 185 anos da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001/2002: 69-92. 109

Como quase todos os cargos da Administração seriam ocupados por um oficial, o autor menciona que o conceito de Liberdade expresso pelos franceses, não cabia na representação alegórica brasileira-esta, que predominava valores de ordem e disciplina. A qualidade da mulher enquanto “artesã da República” fica evidente na tela do artista Carlo de Servi, Arte e Pátria (fig.54) e de Pedro Bruno, A pátria (fig.55). A tela de Carlo de Servi também apresenta uma figura feminina com preceitos políticos e dialoga com as demais obras apresentadas até aqui. Aldrin Moura de Figueiredo menciona em seu texto86, que a tela alegórica do artista foi adquirida pela Intendência e que, apresenta símbolos políticos republicanos, particularmente os celebrados pelos paranaenses:

O busto de Rio Branco, um medalhão com a figura de Mariane e o cenário com nítido colorido art nouveau e orientalista. A mulher artesã da pátria, como vislumbrada na tela, é parte de um projeto mais amplo também desenhado na época por vários artistas sob comando do mecenato estatal. (FIGUEIREDO, 2014: 33-34).

Figura 54-SERVI, Carlo de. Arte e Pátria. Óleo sobre tela, 90,5 x 63,3 cm. 1900. Museu de Arte de Belém, Pará-Brasil. Fonte: Wikipédia.

86 FIGUEIREDO, Aldrin Moura. O museu como patrimônio, a república como memória: arte e colecionismo em Belém do Pará (1890-1940). In: Revista Antíteses, v. 7, n. 14, p. 20-42, jul. - dez. 2014. Disponível em: < Http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/viewFile/20524/15661> acesso em 29/22/2019. 110

Figura 55- BRUNO, Pedro. Pátria. 1919. Óleo sobre tela, 278 x 190 cm. Museu da República, Rio de Janeiro-Brasil. Fonte: Wikipédia.

Aline Tosta dos Santos (s.d.) menciona com mais minúcias o cenário vivido pelas mulheres durante a primeira República brasileira. Como uma forma de tornar o país progressista, os positivistas investiram em uma modernização no Brasil, tanto em aspectos arquitetônicos, como no social. No que diz respeito ao social, a autora aponta que a medicina foi institucionalizada para “reger” assuntos relacionados aos espaços urbanos, relações familiares e o trabalho. Tomados por ideias que baseavam as diferenças físicas e morais entre homens e mulheres no sexo, as mulheres eram encaradas como frágeis e imprevisíveis. Conceitos estes que eram baseados nos princípios dos filósofos iluministas, a exemplo de Rousseau, que enxergava a inferioridade nas mulheres por não conter a razão. Esta, somente os homens possuíam. A educação também lhes eram vetadas, pois acreditava que as mulheres nasceram somente para obedecer e agradar o homem. Desta forma, a autora aponta que foi criado duas representações do feminino. A primeira enxerga as mulheres dona-de-casa passivas, esposa, afetiva e mãe. E a segunda, prostituta que degenerou a fragilidade e delicadeza da mulher. Aquelas que trabalhavam em fábricas, sobretudo no horário noturno, eram encaradas como negativas a sociedade. Pois o ideal nestes primeiros anos da República brasileira, era que 111

a mulher fosse uma boa dona-de-casa. Que se dedicasse a gerar bons filhos que seriam bons cidadãos. Assim, suas tarefas se limitavam a ser:

[...] responsável pela saúde das crianças e do marido, pela felicidade da família e pela higiene do lar, num momento em que cresce a obsessão contra micróbios, a poeira, o lixo e tudo que facilita a propagação das doenças contagiosas. A casa é considerada o lugar privilegiado onde se forma o caráter das crianças, onde se adquirem os traços que definirão a conduta da nova força de trabalho do país. Daí a enorme responsabilidade moral atribuída a mulher para o engrandecimento da nação. (Rago, 1985, p.80 apud SANTOS, s.d.: [p.8])

Desta maneira, não havia sentido a representação da República se fazer na imagem da mulher brasileira, como bem aponta Murilo de Carvalho (2005). O autor menciona que além da tentativa frustrada do uso da figura feminina como representação da República, essa nova forma de política não trouxera muitas mudanças no que diz respeito às artes, além do nome da Antiga Academia Imperial de Belas Artes, para Escola Nacional de Belas Artes. O autor aponta que não se procurou redefinir a estética, excetuando-se os artistas positivistas. A pintura histórica continuou a ser executada como faziam os grandes mestres, Pedro Américo e Vitor Meireles. Prova disso, ele aponta a inexistência de alegorias femininas nos salões de exposições, personificando a República. A justificativa que o autor fornece, se faz justamente pelo fato dos artistas estarem ligados ao império, devido ao patrocínio que receberam e desta forma, estavam distantes da República. E de fato, grande parte das alegorias apresentadas nas exposições, tanto no Rio de Janeiro e São Paulo, abordam temáticas que versam sobre o tempo, como A noite, de Pereira da Silva. Mas não acreditamos que a escolha da temática das obras, ou a falta dela, indique as despreocupação dos artistas com o novo regime político. Porém, pela fala de Murilo de Carvalho, pensando na própria questão da representação feminina nesta primeira metade do século XX, sobretudo como imagem da República brasileira, é algo complexo. Isto porque envolve questões além da arte, da representação, perpassando por inquirições de gênero e repensar o próprio lugar que a mulher ocupava nesta sociedade, bem como dentro do âmbito político. Questões estas que para a época, não eram suscitadas e, acreditamos que lograr esta tarefa aos artistas do período, é uma tarefa árdua. Destarte, acreditamos que a falta da criação propriamente de uma alegoria feminina que representasse a República brasileira pensando nestas questões, não cabia de fato os artistas apresentar uma mulher que a própria sociedade não a acolhia enquanto uma figura participativa no âmbito político, como o próprio autor apresentou. 112

Mas não podemos deixar de mencionar que a pintura alegórica sempre esteve presente, seja na Império ou na República. Este gênero não deixou de ser apresentado pelos artistas. Estiveram presentes tanto em óleo sobre tela e pinturas murais, decorando os espaços públicos e interiores de residências particulares.

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2.5- Caderno de Imagens-Cap. 2-Obras alegóricas de Oscar Pereira da Silva FIG. 1 ATÉ FIG. 16

FIG-CI-1-SILVA, Oscar Pereira da. Figura alegórica.1910. Óleo sobre cartão, 50 x 54,5 cm. Fonte: Catálogo das Artes Leilões.

FIG-CI-2-SILVA, Oscar Pereira da. Alegoria ao Renascimento da arte. Fonte: Catálogo Ilustrado da Exposição Geral de Bellas Artes de 1884, organizado por De Wilde.1884.

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FIG-CI-5-SILVA, Oscar Pereira da. FIG-CI- 1-SILVA, Oscar Pereira da. A Alegoria a indústria. Vila Penteado. Fonte: FIG-CI-4- SILVA, Oscar Pereira da. A indústria do XV. 1903. FAU Maranhão Dissertação de Mestrado de Eliane Pinheiro, indústria do séc. XVII. 1903. FAU. Maranhão (USP)-Vila Penteado. Fonte: Livro Oscar A construção do visível: alegoria na pintura (USP)-Vila Penteado. Fonte: Livro Oscar Pereira Da Silva de Ruth brasileira na segunda metade do século Pereira Da Silva, de Ruth Tarasantchi-2006. Tarasantchi-2006. XIX-2017.

FIG-CI-6-SILVA, Oscar Pereira da. Estudo para a sala da Congregação da Escola Politécnica de São Paulo. Fonte: Livro Oscar Pereira Da Silva de Ruth Tarasantchi-2006.

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FIG-CI-7- SILVA, Oscar Pereira da. Estandarte da Faculdade de Medicina de São Paulo. 1916. Óleo sobre seda, 160 x 130 cm. Fonte: Livro Oscar Pereira Da Silva de Ruth Tarasantchi-2006.

FIG-CI-8- SILVA, Oscar Pereira da. Embarque do café no porto de Santos. C. 1911. Óleo sobre tela, 290 x 395 cm. Salão nobre da ESALQ, Piracicaba. Fonte: Livro Oscar Pereira Da Silva de Ruth Tarasantchi-2006. 116

FIG-CI- 9- SILVA, Oscar Pereira da. Alegoria do algodão. C.1916. Óleo sobre tela, 217 x 290 cm. Fonte: Livro Oscar Pereira Da Silva de Ruth Tarasantchi-2006.

FIG-CI- 10- SILVA, Oscar Pereira da. Uma comédia ambulante nas ruas de Atenas. 1911. 370 x 109 cm. Teatro Municipal de São Paulo, São Paulo- Brasil. Fonte: Wikimedia Commons.

117

FIG-CI- 11- SILVA, Oscar Pereira da. A música. C. FIG-CI- 12- SILVA, Oscar Pereira da. A dança. C. 1910. Painel lateral no Foyer do teatro Municipal de 1910. Painel lateral no Foyer do teatro Municipal de São Paulo. Fonte: Tese Richard Santiago Costa-2017. São Paulo. Fonte: Tese Richard Santiago Costa- 2017.

FIG-CI- 13-SILVA, Oscar Pereira da. O sonho de Beethoven. Fonte: Livro de Laudelino Freire, Galeria Histórica dos Pintores do Brasil.

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FIG-CI-14-a e b-SILVA, Oscar Pereira da. Cenas do paraíso.

Aquarelas, 36 x 22 cm. Fonte: Livro Oscar Pereira Da Silva de Ruth Tarasantchi, 2006.

FIG-CI-15-SILVA, Oscar Pereira da. Alegoria a São Paulo com a Vitória.1932. Fonte: Livro Oscar Pereira Da Silva de Ruth Tarasantchi-2006.

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FIG-CI- 16-SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927.Óleo sobre tela, 186 x 45 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio.

120

CAPITULO 3- A NOITE E A REPRESENTAÇÃO FEMININA

3.1- A “mulher espiritual”

Grande parte das pinturas alegóricas são representadas por figuras femininas. Dificilmente veremos uma figura masculina representando o amor ou a caridade, porém, não se exclui a possibilidade de haver alegorias com a representação masculina. Eliane Pinheiro em sua Dissertação de Mestrado intitulada: A construção do visível: alegoria na pintura brasileira na segunda metade do século XIX (2017), aborda sobre esta questão. A autora menciona que grande parte das alegorias trazem como personificação a figura feminina justamente por estas abstrações (sentimentos, virtudes, condições de estado humano, etc.) terem a sua origem na língua latina e se apresentarem no gênero feminino. Somente as abstrações que exprimem algumas ações de certa forma indelicada, são personificadas através da figura masculina. A fala da autora é facilmente visualizada na obra de Pompeu Batoni (1708- 1787), intitulada Alegoria da guerra e da paz (fig.56). Nela vemos uma figura masculina e outra feminina, sob um cenário escuro acinzentado. A figura masculina apresenta traços fortes, um corpo musculoso e traja uma armadura de guerra. Com escudo e uma espada empunhados nas duas mãos, parece estar pronto para o combate. Toda esta força e rigidez presente na figura masculina é contraposta com a delicadeza da figura feminina. De pele pálida e com os seios à mostra, ela carrega apenas um ramo de folhas em suas mãos. Traja uma veste na cor branca, com uma capa alaranjada. A mão esquerda, toca levemente a espada empunhada pelo guerreiro, como se fizesse um sinal para abaixar a sua arma. Sua altura em relação ao homem é inferior, porém, exatamente no centro da tela o olhar de ambos se encontram. Trata-se, da representação alegórica da paz e da guerra, onde este último é personificado na figura masculina e o primeiro na feminina, de acordo com que Elaine Pinheiro descreve. O corpo nu feminino, tema caro a História da Arte desde a antiguidade, também se faz presente em representações alegóricas. Porém, apresentam algumas particularidades, estas, que José Américo Pessanha descreve bem:

121

Figura 56- BATONI, Pompeu. Alegoria da guerra e da paz.1766.Óleo sobre tela, 136 x 99 cm. Instituto de Arte de Chicago, Chicago- EUA. Fonte: Wikipédia.

O nu alegorizado é atemporal; recuo no tempo- que o mitifica- tende a abolir do corpo a própria carne com suas vicissitudes e palpitações; é nu a serviço de uma ideia, pois transporta uma analogia; é corpo amortecido que não vibra, que paira além do plano das paixões, pois carrega uma significação intangível e incorpórea que o espiritualiza. (PESSANHA, 1991: 44-45)

Dessarte, o nu presente nas pinturas alegóricas é um nu distinto pois, seu corpo não apresenta uma “carne” propriamente dita. Geralmente, o corpo feminino é apresentado com uma pele pálida sem coloração, conferindo a figura feminina uma aura espiritual. O corpo apresentado não é carnal, ou seja, não representa um corpo de uma mulher do mundo real. Isto, porque este gênero de pintura bem como explicita o autor mais adiante em sua fala, serviu de justificativa a muitos artistas no passado para representar o corpo feminino nu87.

87 Juntamente com a temática orientalista, desta forma, para estes artistas pintar o outro era aceitável. Pois estas temáticas (alegoria e orientalismo), conferem uma distância entre o artista e o objeto, seja temporal ou geográfico. Assim, “o nu é sempre o outro”. C.f. PESSANHA, José Américo Motta. Despir os nus. In: O desejo na Academia 1847-1916. Pinacoteca do Estado de São Paulo, 1991, 44-51p. 122

Podemos observar esta qualidade na representação do anoitecer do artista Michele di Rodolfo (1503-1577), executada entre os anos de 1553-1555, intitulada Allégorie de la Nuit (fig.57). Na cena, vemos uma figura feminina sentada, com o braço esquerdo apoiado na perna direita, com a face voltada para baixo e parece estar adormecida. Seu corpo, torneado com músculos a mostra, remetendo ao ideal de beleza grega, nos apresenta uma pele pálida, que somado a luminosidade que a envolve, nos sugere ser algo espiritual, inalcançável. Entre as suas pernas há algumas folhagens verdes e flores, em tom rosa e azul. Onde uma coruja, animal atribuído a representação do anoitecer por ter hábitos noturnos88, se faz

Figura 57- Ghirlandaio, Michele di Rodolfo del. d’aprés Michel-Ange.1553-1555. Allégorie de la Nuit. Huile sur bois ; 135 x 196 cm. Palácio Collona-Roma. Fonte : Pinterest. presente. Com sua mão direita, segura uma máscara fazendo alusão aos poemas de Orfeu89. Sua cabeça está envolta por um tecido que mescla duas tonalidades: o roxo e o preto. Este, pode ser o manto, que de acordo com o tratado de alegoria de Cesare Ripa90, acompanha esta representação.

88 C.f. BATTISTINI, Matilde. Symboles et Allégories. Paris, Éditions Hazan, 2004, p.68-73. 89 ibidem, 68-69p. 90 C.f. RIPA, Cesare. Iconologie or moral emblems. London, Benf Motte, 1709, p.20. 123

Acima da figura feminina, vemos uma figura masculina com traços infantis que possui uma chama de fogo tímida e a ergue para uma lâmpada. Esta, ao que parece, se encontra sob um móvel coberto por um tecido avermelhado e apresenta sob os pés, mais duas máscaras. O fundo da cena é coberto por tons escuros, cinza e preto. A pele extremamente pálida, presente nas pinturas alegóricas, também pode ser observada em outra representação do anoitecer, esta, executada pelo artista Auguste-Alexandre Hirsch (1833-1912), produzida no ano de 1875 (fig.58). Nela, a aura “espiritual” é mais perceptível, pois, além de apresentar uma pele excessivamente branca, a figura feminina possui uma luminosidade maior que na tela de Ghirlandaio (fig.57).

Figura 58- HIRSCH, Auguste-Alexandre. Night. 1875. Óleo sobre tela,105 x 168 cm. Fonte: Wikipédia. O corpo feminino na composição de Hirsch, diferentemente do apresentado na tela anterior, não denota uma delimitação por músculos, mas sim, “chapado”. São as linhas que delineiam as formas. Toda a construção dessa composição de representação do anoitecer, ao apresentar a figura feminina deitada, adormecida, com o braço esquerdo segurando a cabeça que repousa, e a mão direita que segura um ramo de folhas, nos remete à uma representação delicada. Cujo o símbolo que nos diz esta mensagem, é a presença do manto negro, que surge detrás de sua cabeça. Claro que poderíamos demonstrar mais algumas representações do anoitecer e que, certamente encontraríamos as mesmas características em relação ao corpo feminino: nu, de pele insípida e com uma luminosidade que eleva o corpo a uma sensação espiritual. 124

A noite (fig. 59), nosso objeto de pesquisa nos chama muita atenção. Vemos uma figura feminina nua, que ocupa o centro da tela. Sua face, em posição ¾, encara o observador com seu olhar. Uma coroa de folhas verdes adorna seus cabelos longos e negros, que voam pelo céu. Na mão direita, com as pontas dos dedos, segura um grande ponto luminoso. Já a esquerda, com a palma voltada para o alto, toca o tecido transparente, em cor azul escuro. Este panejamento corta a tela desde a parte superior até a inferior sendo conduzido por puttis que acompanham o movimento espiralado do mesmo, em torno do corpo da figura feminina. Com o tecido nas mãos, os puttis surgem da parte superior da tela até a inferior, sugerindo ajeitar o panejamento sob o céu. O plano de fundo que contempla o cenário do céu noturno é repartido em duas cores: azul escuro e laranja. Pequenos pontos luminosos são perceptíveis ao redor da figura feminina. Percebemos que o artista, assim como os outros apresentados aqui, manteve a tradição do manto como representação do anoitecer.

Figura 59- SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019.

125

Ao concentrarmos nossa atenção para a figura feminina, percebemos que em representação corpórea, ela se faz distinta. Porém, conserva a apresentação do ideal de beleza grego, presente na apresentação de um corpo delimitado por músculos, este, mais expressivo que na tela de Ghirlandaio (fig.57). Mas, ao mirarmos a sua pele, percebemos que a mesma não apresenta uma pele pálida, sem suas “vicissitudes” e “palpitações” como bem apontara Pessanha (1991). Esta composição do anoitecer, nos apresenta uma mulher real, não há nada de espiritual nela, pelo contrário, ela é bem carnal. Poderíamos realizar uma análise comparativa desta tela com a de outro artista, de mesma temática e temporalidade, para averiguar se outros também estavam executando alegorias do anoitecer com estas mesmas características. Porém, em nossas pesquisas, A Noite de Pereira da Silva se faz a representação do anoitecer mais recente, ou seja, executada no início do século XX. A outras duas representações e, outras que evidentemente nos deparamos em nossas pesquisas, correspondem ao período dos séculos XV-XIX. Dessarte, se a representação do corpo feminino na alegoria de acordo com Pessanha (1991), serviu aos artistas do passado como justificativa para se pintar o corpo nu, sendo “sempre o outro”, a tela de Pereira da Silva aponta para uma geração “alegórica” que não se utiliza da justificativa para apresentar o outro. Aqui, o outro está bem próximo. A noite poderia ser encarada como uma mulher do cotidiano do artista. Seus traços faciais poderiam ser familiares a de uma dama da sociedade, não de uma deusa mitológica como a Vênus. Nem há mais a presença da áurea “espiritual”, muito menos, falta de carnalidade no corpo. Muito pelo contrário, o que vemos, se assemelha com um corpo feminino que se faz presente em nosso mundo, apesar de se apresentar enquanto uma personificação do anoitecer.

3.1.2- A “inocência violentada”

Edward Lucie-Smith (1981), ao trazer a luz seus apontamentos sobre a representação do corpo feminino nu, traz uma seção dedicada as pinturas alegóricas. Além de abordar questões sobre o nu justificado e a pele pálida, o autor indica a sexualidade dentro deste gênero de pintura. 126

Para ele, “em meados do século XVIII, artistas europeus tornaram-se cada vez mais preocupados com a ideia de inocência feminina e sua violação.” (LUCIE-SMITH, 1981: 120- 121). E nos apresenta a alegoria de Barão François, intitulada Flora, datada de 1802. Nela, podemos observar que uma figura feminina nua ocupa o centro da tela, com os braços cruzados acima dos seios, parece abraçá-los. Seu corpo é envolto por um tecido esvoaçante e transparente, que se movimenta ao ritmo do vento. Seus pés tocam uma pequena porção de terra, que sugere ser arredondada-talvez o mundo. Flores coloridas e delicadas caem- lhe do corpo para esta porção de terra. De olhos fechados, bochechas ruborizadas e uma expressão prazenteira, sugere agradar-lhe o momento.

Figura 60-GÉRARD, Barão François. Flora. 1802. Óleo sobre tela, 169 x 105 cm. Museu de Grenoble- - Jean-Luc Lacroix. Fonte: WikiArt.

E de fato é justamente este prazer que o autor aponta. Em sua perspectiva, o artista emprega uma novidade no que tange o gênero de pintura alegórica. A sexualidade feminina. Esta é expressa pelo toque da mulher em seus próprios seios e a fisionomia deleitável explícita em sua face, indicando sentir prazer ao receber o toque do vento em seu corpo. 127

Pensando na fala do próprio autor ao expressar a preocupação dos artistas do século XVIII com a inocência violada das mulheres, nos faz pensar no caso do artista ítalo-brasileiro Eliseu Visconti (1866-1944). Dentre a sua produção, é possível encontrarmos duas pinturas alegóricas em óleo sobre tela versando sobre a juventude e a primavera. Miriam Seraphin (2003) ao discorrer sobre a representação de nu feminino na produção pictórica do artista, nos aponta algo interessante que perpassa por estas duas representações. A autora menciona que é possível identificar a representação não de mulheres com o corpo nu, mas sim, meninas que estão amadurecendo. Fator este, que denotou alguns apontamentos positivos e outros nem tanto ao artista. O fato é que, ao estudar a tela No verão (fig.61), seu objeto de estudo que resultou em sua dissertação de Mestrado91, a autora menciona que esta pintura, e outras denotam uma sexualidade infantil. Percebidas na tela No verão, por exemplo, ao apresentar duas meninas nuas na cama, onde uma está adormecida, mas a outra, olha diretamente para o observador. Seus corpos nus tocam-se entre si e nos lençóis da cama. A rubescência na face poderia sugerir este prazer do toque da pele com o tecido. A ideia da sexualidade e da inocência violentada expressa pelo autor Lucien-Smith (1981) pode ser percebida de certa forma nesta produção de Visconti. Ao observamos as suas alegorias Gioventù (fig.62) e Primavera (fig.63), temos a descrição destes corpos púberes nus. Como Miriam Seraphin (2003) nos apresenta, grande parte da crítica encarou estas produções do artista, como belas representações da “pura inocência” feminina. Outra parte, encarou Visconti como um pedófilo. Justamente por representar meninas nuas. Se pensarmos na fala de Lucie-Smith (1981), Visconti não estava representando apenas meninas púberes nuas. Mas pode tratar-se justamente desta inocência violentada que dialoga de certa forma com esta nova produção, manifestando-se igualmente na pintura alegórica, representadas pelos artistas europeus no período. Desta forma, ele não era um pedófilo, mas sim, um artista que estava acompanhando a produção do momento. Ele não era o único a realizar tal temática, porém, sua abordagem ao tema, é que se apresenta distinta.

91 C.f. SERAPHIM, Miriam Nogueira. No verão (1894) de Eliseu d'Angelo Visconti. 2003. 2v. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: . 128

Figura 61-VISCONTI, Eliseu. As duas irmãs ou No verão.1894.Óleo sobre tela, 58,9 x 80,4 cm. Museu Nacional de Belas Artes-RJ. Fonte: Projeto Eliseu Visconti.

Figura 62-VISCONTI, Eliseu. Gioventù. 1898. Óleo sobre tela, 65 x 49 cm. Museu Nacional de Belas Artes- Figura 63-VISCONTI, Eliseu. Primavera. c. 1912. RJ. Óleo sobre tela, 119 x 80 cm. Localização desconhecida. Fonte: Projeto Eliseu Visconti.

129

Outra questão é a inocência apontada pela crítica nestas telas. Característica que a nós não se apresenta de forma expressiva. Muito pelo contrário- não há nada de virtuoso nestas pinturas. Basta olhar com atenção para a própria composição que o artista emprega para compor estes corpos. Nas duas alegorias (figs.65,66), as faces das meninas nos apresentam uma atmosfera de malícia. Com olhos de fundos totalmente negros, toda a áurea imaculada se perde em uma profunda escuridão. Essa característica também se a presenta na tela No verão (fig.64), na menina que encara o observador.

Figura 64- 1912VISCONTI, Eliseu. Gioventù (detalhe). 1898 Figura 65- VISCONTI, Eliseu. Primavera (detalhe). C.1912.

Figura 66- VISCONTI, Eliseu. No verão(detalhe)1894.

Cabe ressaltar que especialmente Gioventù (fig.62), nos apresenta um corpo juvenil, com uma pele embranquecida, que como vimos, compõe uma das características deste tipo de representação dentro da pintura alegórica. A tela Primavera (fig.63), além de apresentar uma certa malícia nos olhos profundamente negros, é marcante a sua expressão facial. Sua face é voltada para baixo, mas não deixa de encarar o observador. Apesar de apresentar as bochechas coradas, sua face é envolta por uma sombra escura, o que confere ainda mais esse ar de tenebroso na tela. Além de seu corpo esquelético, que completa essa sensação e os tons avermelhados, fortes, gritantes que o artista emprega. Miriam Seraphin (2003) destaca bem esta atmosfera 130

“impura” presente nestas representações de Eliseu Visconti, onde, apesar da crítica, não apresentam em nada a pureza. Encontramos igualmente esse corpo juvenil nu, representando o anoitecer. Trata-se da tela de Charles Joshua Chaplin (1825-1891), intitulada La nuit (fig. 67). Na tela, podemos ver que uma figura feminina ocupa o centro da tela e com o braço direito erguido, segura um panejamento, que voa para trás de si. O braço esquerdo, segura outra ponta desse mesmo tecido, atrás de sua cabeça. Seus longos cabelos escuros voam no céu em que se encontra. Firmada sob uma nuvem acinzentada, e, ao que sugere, adormecida. Toda a ambientação da tela é pautada em cores claras, cinza e branco. Um ponto luminoso acima de sua cabeça, nos indica quem ela é: personificação do anoitecer. Como mencionamos acima, o corpo apresentado é de uma menina jovem, que está para entrar na fase adolescente, apresentando seios ainda pequenos. Com a pele extremamente pálida, este corpo se apresenta de forma “chapada”, sem delimitações de músculos, como fora apontado, ao apresentar a tela do artista Auguste- Alexandre Hirsch (fig.58).

Figura 67- CHAPLIN, Charles Joshua. La Nuit. Gouache, Figura 68- Palau de Cervelló- Allegoria de la nit sostre del Figura saló de ball. Fonte : Wikimédia Commons. 32 x 20cm. Fonte: Artnet. 131

Ou ainda, em outra representação do anoitecer que decora o Palácio Cervelló, na Espanha. Nesta pintura, também temos um corpo nu jovem representando o anoitecer que permanece os atributos das outras pinturas aqui apresentadas: o manto escuro e a coruja. Diferentemente, esta noite está alada dialogando com o tratado de Cesare Ripa92. Além de possuir dois puttis que a acompanha, segurando ramos de folhas, onde provavelmente são de papoulas93, fazendo alusão a um de seus filhos- o sono. Dessarte, não era apenas Eliseu Visconti que estava empregando “menininhas” para a sua representação pictórica, sobretudo, a alegórica. Certamente se averiguarmos, iremos encontrar mais artistas que, como bem apontou Lucien-Smith (1981), se preocupavam com esta temática e, pode ser que a apresentaram através de corpos de jovens meninas. E, como podemos ver, no que diz respeito ao gênero alegórico e a representação do nu feminino, esta temática não passou despercebida. Aqui, a “inocência violentada” pode ser expressa pela sexualidade, como a representação de Barão François (fig.60), ou pela própria apresentação do corpo púbere nu, onde há a passagem da fase infantil para a adolescência, onde desejos e prazeres começam a ser descobertos pela menina que se transformará em uma mulher. Dessa maneira, podemos concluir que, nas representações alegóricas apesar de suas especificidades com relação a própria representação do corpo feminino nu, como bem foi apontado por Pessanha (1991), sem as suas “vicissitudes e palpitações” nos transpondo a uma atmosfera “espiritual”, há algumas exceções. Exceções estas que se fazem presentes especificamente na representação do anoitecer, como podemos perceber na tela do artista Oscar Pereira da Silva (fig.59), ao nos apresentar um corpo real e carnal, longe de apresentar uma mulher ideal e espiritual, que não despertaria sensualidade e desejos a quem a vislumbra. Ou a sexualidade presente neste gênero, que acompanha a produção dos artistas do século XVIII, como fora ilustrado por Lucien-Smith (1981), percebidas nas telas de Eliseu Visconti, Gioventù (fig.62) e Primavera (fig.63) e o artista francês, Charles Joshua Chaplin, com sua representação do anoitecer, La Nuit (fig.67) Desta forma, as representações alegóricas do anoitecer devem ser olhadas com certo zelo, elas apresentam rupturas e permanências com a sua tradição de representação, no que toca a simbologia, presente nos tratados alegóricos, que serviu de manual a tantos artistas neste tipo específico de produção, como bem pontua Erika Langmuir (1997).

92 C.f. RIPA, Cesare. Iconologie or moral emblems. London, Benf Motte, 1709, p.20. 93 C.f. BATTISTINI, Matilde. Symboles et Allégories. Paris, Éditions Hazan, 2004, p.68-73. 132

Mas que, ao apresentarem o corpo feminino nu, não deixaram de acompanhar a produção vigente no período, dentro do próprio gênero de pintura. Desta forma, estas produções nos fazem pensar na própria representação alegórica enquanto gênero dentro da pintura, ao perpassar por dois: a alegoria e o nu feminino. Depreende-se então que, a compreensão deste tipo específico de produção, pensada enquanto gênero, é mais complexa do que parece. Se debruçar somente sobre tratados alegóricos e dicionários de simbologia, auxiliam, no que compete ao reconhecimento dos símbolos que a compõe. Porém, não são suficientes para compreender a pintura como um todo. Pois ela não é somente uma alegoria, mas ela passa a pertencer também ao outro gênero, no caso aqui apresentado, o nu feminino, que carece de outras vertentes e leituras para realizar tal análise.

3.2-As mulheres sob os pinceis de Oscar Pereira da Silva

3.2.1-O artista “Pompier”

Apesar de Pereira da Silva ter ficado conhecido por executar vários gêneros de pintura durante a sua carreira94 e não ter se especificado em apenas um e por declarar-se um pintor de pintura histórica no início do século XX95-mesmo período em que executara nosso objeto de pesquisa, A noite, destacamos nesse trecho, sua execução de pinturas de gênero nu feminino. Ao analisar este gênero especifico dentro da produção do pintor, acreditamos ser possível compreender mais sobre a própria composição da tela A noite, já que a mesma se apresenta como uma pintura híbrida, sendo uma alegoria e um nu feminino. Desta forma, iremos nos valer da crítica encontrada nos periódicos, livros e manuais, bem como trabalhos de alguns pesquisadores que abordaram este gênero na produção pictórica de Pereira da Silva. Olhando para a produção como um todo, afim de perceber como o nu feminino aparece em sua produção, como o artista concebe o corpo feminino e para além, como o gênero era compreendido por outros, buscamos uma conexão destas pinturas do artista com A noite, onde

94 F. Acquarone em sua obra intitulada História da arte no Brasil (1939). Ao mencionar o artista, dedica-lhe as seguintes palavras: “Porque Pereira da Silva tentou todos os gêneros, e em todos soube sair-se com brilhantismo.” (pág.206). A obra da autora Ruth Sprung Tarasantchi (2006), intitulada Oscar Pereira da Silva, que aborda de forma breve, os gêneros de pintura executado pelo artista, onde podemos encontrar natureza morta, bíblico, mitológico, alegórico, nu feminino, gênero, entre outros. 95 C.f. FREIRE, Laudelino. Galeria histórica dos pintores no Brasil. Rio de Janeiro, Typographia Röhe, 1914, pág. 17. 133

apesar de não termos encontrado críticas especificas sobre ela, acreditamos ser possível ter uma maior interpretação da mesma, através desta análise. A primeira tela mencionada é Escrava Romana (fig.69), executada no ano de 1894, mencionada na Gazeta Artística: revista quinzenal-Música, Literatura e Bellas Artes96, publicado no ano de 1911 e dedica as seguintes palavras para a figura feminina:

[...] Aquelas carnes desnudadas tem vida intensa e o frescor da mocidade. A pose da <>, magnificamente estudada, mostra todas as difficuldades do desenho, vencidas com muita felicidade; a sua phisionomia foi tratada com distincção e naturalidade; as cores mornas da carne não têm mais que o calor de um corpo que não provoca desejos de volúpia, mas que nos transporta o espirito para tempos longínquos, áureos tempos da humanidade, abafados pelos séculos.

Percebemos na fala do crítico que, além de ressaltar a maneira com que Oscar domina o desenho e modelado da pose da figura feminina, há uma menção da tonalidade que o artista emprega para compor o tom da pele. Que, apesar de possuir uma carnalidade de “vida intensa e o frescor da mocidade”, não denota ao seu olhar, para quem observa, uma sensualidade que provoca prazeres. Marcela Formico (2012) em sua dissertação que analisa justamente esta obra de Pereira da Silva, a coloca numa vertente de arte “pompier”, que segundo suas palavras, encontra neste gênero, uma perspectiva popular. O que mais nos interessa, é que a autora aponta as características do nu feminino nessa concepção:

[..]os nus são retratados com o máximo de idealização, sem oferecer a presença de pelos em qualquer região do corpo. O ideal de beleza feminino neste estilo artístico são corpos que quanto mais alvos forem melhor será, mais inacessível a figura feminina se torna para os reles mortais que apreciam seus corpos expostos nas paredes dos Salões de Arte, imagens estas provenientes das mais diversas composições: alegorias, figuras mitológicas, odaliscas, femme fatales ou mulheres bíblicas (Judiths, Salomés, Dalilas). (FORMICO, 2012: pág.119)

Desta forma, a autora chega à conclusão que a tela de Pereira da Silva apresenta um domínio do desenho, porém, apesar de apresentar uma pele com tonalidade clara, o artista não idealiza a figura feminina como propõe a arte “pompier”, se enquadrando a Escrava Romana, num conjunto de representação de nu feminino orientalista, se aproximando das composições de Gérôme.

96 Gazeta Artística: revista quinzenal-Música, Literatura e Bellas Artes, ano II, nº14, fevereiro de 1911, pág. 3. 134

Na perspectiva da autora, a figura feminina de Pereira da Silva não apresenta uma mulher virginal com traços leves e pele lisa, mas sim, uma mulher com corpo maduro e com curvas. Desta forma, se pensarmos na vertente do nu dentro da arte “pompier” citada pela autora, a Escrava Romana se encaixa em termos, pois, a figura feminina não apresenta pelos, seu corpo de certa forma, é idealizado pois apresenta belas formas que se remetem ao Clássico, a pele é clara, porém não passa a mensagem de ser um corpo inalcançável. Da mesma maneira, podemos pensar n’A noite (fig.70), que se encaixaria na arte “pompier”, mas assim como a Escrava Romana (fig. 69), a tela nos apresenta uma carnação viva e não alva, um corpo feminino também de uma mulher madura, apesar de ser uma alegoria. Além das duas figuras femininas exibirem sua nudez sem embaraço. Se somarmos a fala do crítico com os apontamentos de Formico (2012), percebemos que ambos destacam a coloração da pele da figura feminina nua, apesar de ser uma temática que serviu de subterfúgio para muitos artistas para compor o nu, como já fora mencionado neste capítulo. Se olharmos para as duas telas, veremos que a face de ambas as figuras femininas apresentam uma familiaridade nos traços, a posição da cabeça em ¾ e os longos cabelos negros. Porém, a composição corpórea é bem distinta. A Escrava romana apresenta um corpo com mais carne, enquanto A noite, um corpo musculoso e bem definido. Destarte, o que une Escrava Romana com A noite, apesar do distanciamento temporal entre as duas telas, é a coloração que Pereira da Silva emprega para compor o corpo feminino nu. Em duas telas de temáticas onde o gênero utiliza o tema como distância temporal entre artista e obra para a composição. Wenceslau de Queiroz dedica algumas páginas á Oscar Pereira da Silva, na revista Panóplia97, publicada no ano de 1917. Além de abordar alguns aspectos da vida de Oscar, dedica-lhe umas palavras sobre o gênero de nu feminino em sua produção:

[...] O estudo de nú já não tem para elle segredos de espécie alguma. Todos os quadros fazem parte da Pinacotheca de São Paulo e que já enumerámos98, são modelares nesse sentido. O nosso pintor cultúa a forma como um pagão: é um perfeito helleno, mas forrado de um expressionista hodierno. Além dessas telas, existem outras nesta ou naquela galeria particular. Taes são: <>, uma lindeza como expressão e como colorido; <>, uma bella visionação de artista inspirado; <>, <>, <>, <> e tantos outros trabalhos do gênero figurista, em que dignos de nota são o desenho, o colorido,

97 Panóplia, mensário de arte, sciencia e literatura, anno I, São Paulo, junho, 1917, nº 1,2º edição, 38-40 p. 98 As telas citadas pelo crítico são: Criação da vovó; Escrava romana; Pendant la pose; Fundação de São Paulo e podem ser vistas na página on-line da Enciclopédia Itaú Cultural, disponível no endereço eletrônico: < Https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10329/oscar-pereira-da-silva/obras?p=2> 135

a iluminação, a vida expressiva do facies e de todo o corpo humano, aquelle sentimento da carne, emfim, para nos servimos de uma maneira de dizer admiravelmente significativa de um estheta, o sentimento da carne que, não raro, é o desespero do artista e que pode ser a sua grande gloria, como no caso pertinente. <>, por exemplo, é a Kypris de hoje: é a deusa humana do hodierno sensualismo, perante a qual todos se prosternam na missa negra do amor carnal. (QUEIROZ, 1917: 39-40 p.)

O crítico menciona muitas telas de Pereira da Silva, inclusive algumas que não são de gênero nu feminino, como Infância de Giotto, Sonho de Beethoven e Napolitana. Mas o interessante é que ele ao mesmo tempo que ressalta a boa forma nos corpos representados pelo artista, como um “bom helleno”, remetendo possivelmente a idealização da beleza, lhe confere uma característica de pintor moderno.

Figura 70- SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Óleo Figura 69- SILVA, Oscar Pereira da Silva. Escrava sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz romana. 1894. Óleo sobre tela,146,5 x 72,5 cm. Pinacoteca de Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019. do Estado de São Paulo, São Paulo-Brasil. Foto: Da autora.

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Por isso menciona que cultua a forma como um pagão. Porém, não aponta quais traços seriam estes característicos da modernidade “expressionista” de Pereira da Silva, nem cita as telas que teria enxergado tais particularidades. Ao mencionar o gênero figurista, Wenceslau destaca a maneira que Oscar compõe o corpo feminino, de forma viva. Representação esta, tão importante na carreira dos artistas e que, em sua opinião, Oscar encontrou glória, como por exemplo, na tela Salomé. Ana Carolina de Souza e Gabriella de Amorim (2008) colocam as telas de Oscar, Escrava Romana (fig.70), Odalisca (71) e Sansão e Dalila (72) em uma mesma perspectiva: a femme fatale. Poderíamos acrescentar a este grupo, a tela Salomé, citada na crítica acima. Na história bíblica, Salomé dança para Herodes e depois de evolver-lhe, pede a cabeça de João Batista. Marcela Formico (2010), nos traz a informação de duas versões desta tela, onde no ano de 1900, Pereira da Silva teria executado Salomé (fig.74) com os seios à mostra, e em 1913, teria realizado uma versão com a figura feminina utilizando um adorno em tons dourados, ocultando os seios e aparece com a nomenclatura de Odalisca (fig.73).

Figura 71-SILVA, Oscar Pereira da. Odalisca. c.1900. Fonte: Figura 72- SILVA, Oscar Pereira da. Sansão e Dalila.1893. Óleo sobre Wikipédia. tela,59 x 78,1 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro-Brasil. Foto: Da autora.

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Figura 73- SILVA, Oscar Pereira da. Odalisca. 1913. Figura 74- SILVA, Oscar Pereira da. Salomé. Fonte: Óleo sobre tela, 77 x 48 cm. Coleção Privada- Paris, Marcela Formico, Olhares inocentes á jogos de França. Fonte: Wikimedia Commons. sedução- a composição do feminino na arte de Oscar Pereira da Silva. O curioso é que em ambas, Oscar Pereira da Silva não representa Salomé dançando para Herodes, mas sim, sentada em um cenário luxuoso com muitos tapetes e ela mesma encontra- se com muitos adornos. Mas os objetos que porta em suas mãos são emblemáticos: uma faca e uma bandeja de ouro. Seja como for, as autoras mencionam que as três telas formam um conjunto de mulher objeto e femme fatale. No caso de Escrava Romana (fig.70), que se oferece e não demonstra estar desconfortável com a situação, seria a mulher objeto. Já Sansão e Dalila (fig.72), Odalisca (fig.73) e Salomé (fig.74), esta última, citada por nós, compõe o tipo de mulher que “manipula seus amantes aos sabores de seus desejos e, ardilosamente, os envolve em um jogo de sedução e perigo, onde as regras são ditadas unicamente por elas.” (SOUZA PEREIRA, Ana Carolina; GEN, Gabriella; 2008: p.5). 138

Cabe mencionar que a tela Salomé, citada na crítica, pode ser outra e não a apresentada por nós. Encontrada no site de leilões Capadócia99, a tela de Pereira da Silva aparece com o título Salomé (fig.75), que bem pode ter sido atribuído pelo leiloeiro e sem datação, porém, a composição da tela apresenta elementos que sugerem esta temática. Temos uma figura feminina deitada sob um tapete, com os braços apoiados em sua cabeça, com expressão risonha, parece agradar-lhe o momento. Seu corpo, apesar de estar vestido, o tecido do mesmo é transparente, revelando sua carnação. Toda a cena é bem escura, porém, ela é iluminada por um faixe de luz que emana da parte central da tela, por uma luminária. Em primeiro plano, temos dois objetos fundamentais a cena representada: uma espada e uma bandeja de ouro. Elementos que novamente se reprisam neste tipo de representação, já executada por Pereira da Silva e que foi apontado aqui, Odalisca/Salomé (figs.73,74) As autoras apontam uma dificuldade na compreensão da execução de Pereira da Silva no que corresponde a tela Sansão e Dalila (fig. 72), e, como pontuam, poderíamos pensar não somente nesta tela em especifico, mas também neste conjunto de representações em que possui a femme fatale como protagonista. O fato está em o artista ser um homem que prezava os valores morais. Fato este, que pode ser averiguado através da autobiografia de sua filha, Helena Pereira da Silva Oashi, que relata alguns fatos da personalidade do pai, revelando-se um Oscar muito retraído. Porém, as palavras de Jorge Coli (2010) sobre artista e autor nas artes, pode iluminar esta questão. Em seu texto, o autor menciona que, pensando na obra de arte enquanto pensamento e não objeto: Partindo dela, somos levados a deduzir que uma obra de arte condensa um pensamento, e que esse pensamento não é o pensamento do artista: é o pensamento da obra. O artista, o criador, é um indivíduo que pensa como cada um de nós, por meio de palavras e de frases. [...] Quando produz uma obra, emprega elementos que constituem um pensamento objetivado e material. (COLI, 2008: p.1)

Destarte, uma obra de arte tem uma certa autonomia de seu criador, mas não significa que esteja completamente desvinculado do mesmo. Coli menciona que um conjunto de obras de um mesmo artista, pode expressar seu pensamento, onde é possível depreender regulares características formais e estilísticas. Portanto, encontra duas unidades distintas, o que denomina de genética, sendo uma pertencente ao artista, e outra, a obra de arte.

99 A imagem da obra pode ser acessada na página online do Leilão, através do endereço eletrônico: acessado em 14/01/2020. 139

E sob contribuições do campo do cinema, o autor apresenta uma distinção entre autor e artista, sendo o primeiro aquele que “reúne as constantes do pensamento artístico embutido nas obras” e o segundo, “aquele que está na gênese da obra”.

Figura 75-SILVA, Oscar Pereira da. “Salomé”. Óleo sobre tela, 74 x 100 cm. Fonte: Capadócia Leilões.

Portanto, o autor reconhece que, conhecer dados biográficos sobre o artista, seja importante para compreender a concepção da obra, porém, a partir deste instante, a obra de arte fala por si. E nesta linguagem da obra, ela pode tanto dialogar com a “genética” do artista ou repudiá-la. Por conseguinte, o fato de Oscar Pereira da Silva ter sido um homem mais reservado, digamos assim, em sua vida pessoal, não significa que como artista, não poderia de forma alguma ter executado nus que representassem mulheres que vão contra a moral da época, como as femmes fatales. Pensando neste grupo existente na produção de Pereira da Silva, A noite (fig.69) não se encaixa em termos de apresentar uma mulher fatal. Entretanto, ela conserva uma característica que tem sido constante na representação feminina de Oscar: a carnação. Novamente neste grupo, temos o tema como motivo para representar o nu feminino, no caso, a temática orientalista, assim como A noite tem a alegórica. Apesar disso, as femmes 140

fatales e A noite apresentam uma carnação e coloração na pele, novamente se distanciando da palidez que afasta o artista da representação. Francisco Acquarone (s.d.) além de enxergar a preferência de Oscar em executar gênero de nu feminino, toca na questão de representação do corpo humano:

Oscar Pereira da Silva tinha uma predileção especial para pintar nús. É uma tendência que o elevava sobremodo, pois os profissionais da palheta conhecem, perfeitamente, a extrema dificuldade que o gênero oferece. (ACAQUARONE, s.d.: p.197)

Para o autor, o “segredo” para executar com excelência o gênero, consistia: [...] no poder de interpelação do artista, capaz de fazer o sangue circular sob a pele dos modelos, impregnando-lhes uma impressão de forte sensualismo.” (ACQUARONE, s.d.: p.197) Ao mencionar a sensualidade que os nus podem despertar, Acquarone aponta que o mesmo pode se rebaixar ao ser libidinoso, como também enaltecer o espirito, levando a uma exaltação dos sentidos, ao apogeu da verdadeira arte. Em suas palavras, Pereira da Silva tinha os mesmos preceitos do belo que os helenos, “consagrando os princípios de que a natureza só é bela no triunfo imortal, no esplendor luxuriante das formas puras, da carne viçosa e fresca...” (ACQUARONE, s.d.: p.198.) Ao falar de sua Salomé (fig.74), as qualidades que destaca são as “carnes fartas e maciez de sua pele quente e sensual”, atributos estes que também encontra em sua tela intitulada Lydia (fig.76). Ao mencionar esta pintura de Pereira da Silva, Acquarone aponta que a mesma possui temática orientalista, sendo possível enxergar uma “cena em câmera privada”, apresentando uma cortesã com suas escravas. A tela infelizmente foi destruída em um incêndio no ateliê de Pereira da Silva, como relata o autor. Porém, apresenta-nos uma reprodução fotográfica da obra sem informações de dimensão ou a data de execução. Como a reprodução está em preto e branco, não temos como averiguar a composição do corpo de Lydia, que provavelmente, é a figura feminina central, deitada em uma grande e luxuosa cama. Desta forma, resta-nos acreditar nas palavras do autor, mas o fato é que novamente temos uma temática orientalista, onde o gênero de nu feminino nos é apresentado. E mais uma vez, assim como as outras falas aqui exibidas, o que mais chama atenção nos nus que Oscar está executando, além do desenho e a composição do corpo humano, é como o artista compõe o feminino, apresentando mulheres com vicissitudes, numa temática que elas não deveriam apresentar esta característica, se pensadas dentro da vertente de arte “pompier”. 141

Acquarone (s.d.) menciona outro nu de Pereira da Silva, denominando-a de “Modelo”, tratando-se da tela Durante a pose. Em um cenário de ateliê, Oscar nos apresenta uma figura feminina nua em primeiro plano, sentada ao que sugere ser uma cama, com tecidos bem avermelhados ao seu fundo. No segundo plano, temos um homem já aparentando certa idade,

Figura 76 -SILVA, Oscar Pereira da. Lydia. Fonte: livro de F. Acquarone, Mestres da pintura no Brasil. perceptível pelos cabelos e barbas embranquecidos, sentando em um banquinho, com pincel e paleta em punhos, em frente a um grande cavalete. Novamente o autor não mede elogios para a tele de Oscar:

O modelo é, realmente magnifico. Bem proporcionado, de carnação rosada e discreta, a moça chega a ser bela e atraente. Sentada, em pôse estável e descansada, o colorido do seu corpo tem um relevo marcante sôbre o fundo escuro dos panejamentos pesados. (ACQUARONE, s.d.: p. 199)

142

Figura 77-SILVA, Oscar Pereira da Silva. Durante a pose. 1914. Óleo sobre tela,130 x 97 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo- Brasil. Foto: Naiany de Araújo Santos Costa.

Da mesma maneira que o autor aponta a carnação da tela Lydia, presente na figura feminina, ele destaca a mesma característica em Durante a pose. Percebemos que quando Acquarone (s.d.) menciona os nus de Pereira da Silva, além de elogiar como outras críticas aqui apontadas, o desenho e composição do corpo humano, o que mais lhe chama atenção é a carnação destas mulheres. O anuário do Museu de Belas Artes (1946) ao referenciar as telas expostas naquele período, especificamente o nu feminino, na “segunda galeria de artistas brasileiros”, menciona duas telas de Pereira da Silva:

Na pequena tela “Sansão e Dalila” de Pereira da Silva, Oscar, a figura do herói bíblico é vibroso nú de escorço, na meia tinta, constratando com o busto claro e opulento de Dalila, e o tronco da figura do primeiro plano tratado em claro escuro. “Dorso de mulher”, do mesmo artista, é conseguido com modelado 143

justo e bela côr na carnação acetinada de mulher ruiva. (ANUÁRIO MUSEU DE BELAS ARTES, 1946: p.104)

Esta é a primeira análise que apontamos em nosso texto que se preocupa em falar de um nu masculino de Pereira da Silva, presente na tela Sansão e Dalila (fig.72), já apontada anteriormente. De fato, Pereira da Silva executou alguns nus masculinos, mas em comparação com os femininos, este último, encontramos em maior quantidade executados pelos pinceis do artista. O que nos interessa na análise que contempla o Anuário do Museu de Belas Artes (1946), é referência que faz da tela Dorso de mulher (fig.78), destacando neste texto, assim como os demais aqui apresentados, a carnação da figura feminina, o colorido da pele e o desenho do corpo humano. Tarasantchi (2006) também dedica algumas palavras para esta tela de Pereira da Silva, mas diferentemente das outras apreciações, não centra seu olhar para a pele das figuras femininas: A pincelada, neste caso, é anulada. Temos aí uma aula de academia, quanto ao colorido de tons suaves, estudo de volumes e tratamento detalhado dado ao cabelo. (TARASANCHTI, 2006: p.48).

A autora aponta que Oscar Pereira da Silva ao executar seus nus femininos, estes se apresentam menos definidos pela sensualidade, concretos e mantendo a qualidade artística. Pela fala da autora, os nus de Oscar não são marcados por um sensualismo porém, pelas obras apontadas até este momento e o julgamento de outros críticos, percebemos que os nus femininos de Pereira da Silva apresentavam volúpia ao observador. Esta qualidade pode não ser a característica máxima neste gênero pictórico do artista, mas estão presentes, seja nos adornos, tecidos transparentes e coloração da pele da figura feminina e o próprio fato do corpo estar desnudo.

144

Figura 78-SILVA, Oscar Pereira da Silva. Dorso de mulher. 1893. Óleo sobre tela, 90 x 64 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-Brasil.

3.2.2- A modernidade nas mulheres de Pereira da Silva

Ao abordar a tela Nu inacabado (fig.79), Tarasantchi (2006) apresenta uma nova fatura na pintura de Pereira da Silva. A obra apresenta cores fortes que se diferem dos tons claros presentes em suas obras, as pinceladas são mais soltas, que nas palavras da autora: “tem trechos espatulados”. Mas não deixa de citar as mesmas características que inferimos até o momento através das análises apresentadas: o bom desenho, colorido da pele da figura feminina e volume do corpo. E de fato, a tela se difere grandemente dos nus apresentados até aqui de Pereira da Silva. Apesar de não termos uma precisão da data de execução de Nu inacabado (fig.79), poderíamos colocá-la em uma proximidade temporal com outra pintura executada por Oscar Pereira da Silva, que se assemelha muito com a tela, trata-se de “Nu feminino” (fig.80), cujo a reprodução da tela foi encontrada no site de leilões James Lisboa100.

100 A imagem da obra pode ser acessada através do endereço eletrônico do leilão, disponível em: acesso em 12/08/2019. 145

“Nu feminino” consta logo após a assinatura do artista, o número 34, provavelmente referindo-se ao no de 1934, cinco anos após o artista ter executado A noite, nosso objeto de estudo. Ao olhar em conjunto com Nu inacabado (fig.79), podemos inferir que as duas telas partilham do mesmo clima, ou seja, mesma temática e elementos. Nas duas telas temos um corpo feminino nu deitado sobre um sofá, ou cama. Na mesma posição, de costas para o observador, cabeça em ¾, há tecidos de tons fortes sobre o leito em que repousa o corpo. Aliás, esta posição da figura feminina muito nos recorda Uma odalisca (fig.81) de Ingres, executada no ano de 1814. Apesar da composição corpórea entre os dois artistas serem bem distintas. Nas telas de Pereira da Silva temos um corpo feminino mais colorido, de pele viva, tal como as análises até aqui apresentadas mencionaram. Diferente da pele alva que Ingres apresenta, além das costas da figura feminina ser mais alongada. Mas percebemos o quão Pereira da Silva apresenta de fato uma distinção na maneira de pintar dos cânones ditos clássicos. Como é perceptível a liberdade do pincel na tela, nos traços e na composição. Porém, ao olharmos bem para os corpos femininos, percebemos que tanto em Ingres quanto em Pereira da Silva, eles são marcados pela linha e não pela forma. Estes corpos também são lisos, não apresentando uma musculatura aparente. A diferença nas telas de Pereira da Silva consiste no tratamento que o artista lhe confere, sendo “Nu feminino” (fig.80) apresentado com mais detalhes, de fato, uma obra terminada. Já que Nu inacabado (fig.79) não foi terminada pelo artista, onde Tarasantchi (2006) chama atenção pela falta de detalhes nos pés da moça. Podemos perceber que o artista emprega em ambas, uma pincelada mais solta, podendo ser perceptível as marcas da trajetória feita pelo pincel na tela, sobretudo no fundo e ao mesmo tempo, preserva como Tarasantchi (2006) apontou, características de seus nus do início de sua trajetória enquanto artista.

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Figura 79-SILVA, Oscar Pereira da. Nu (inacabado). Óleo sobre tela. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo- Brasil. Foto: Da autora.

Figura 80-SILVA, Oscar Pereira da. “Nu feminino”. 1934. Óleo sobre tela, 40 x 52 cm. Fonte: James Lisboa Leilões.

Figura 81-INGRES, Jean-Auguste Dominique. Uma odalisca. 1814. Óleo sobre tela, 91 x 162 cm. Musée du Louvre, Paris- França. Fonte: Warburg-Banco Comparativo de Imagens. 147

Se Nu inacabado (fig.79) e “Nu feminino” (fig.80) expressam uma modernidade na maneira de Oscar Pereira da Silva pintar, distinta de suas obras anteriores, o que dizer de sua tela, também um nu feminino, Mulher nua reclinada (fig.82), com datação próxima, encontrada no site de leilões Catalogo das Artes101? A tela apresenta uma concepção semelhante das duas últimas citadas aqui, uma mulher nua, sob uma cama ou sofá, com diversos panejamentos compondo o ambiente. Cores fortes e o traço do pincel são predominantes. Em Mulher reclinada, Pereira da Silva parece deixar mais aparente o trajeto do pincel, assim como os artista modernos o fizeram. O corpo feminino apresenta nesta obra o mesmo tratamento do cenário, onde percebemos que o artista deixou aparente as pinceladas. Demonstrando pouca preocupação com o traço perfeito, perceptível nos pés da mulher que representa, praticamente se unindo com a base que a sustenta.

Figura 82-SILVA, Oscar Pereira da. Mulher reclinada. 37/39. Óleo sobre tela, 31 x 17 cm. Fonte: Catalogo das Artes Leilões. Portanto, não finalizando assim como em Nu inacabado (fig.69). Mas ainda assim, conserva o modelado e a coloração da pele da modelo. Mas nem todos estudiosos de Pereira da Silva apontam o mesmo olhar sobre esta nova forma de pintar do artista. Se Tarasantchi (2006) enxergou uma certa modernidade em Nu inacabado (fig.69), Cezario (2005) pondera:

101 A imagem da obra pode ser acessada através do endereço eletrônico na página online, disponível em: < Https://www.catalogodasartes.com.br/obra/DUzPtA/> acesso em 27/09/2018. 148

Um estudo sobre Nu inacabado (sem data), revela sua preocupação em tentar atingir uma perfeição quase arquitetônica da figura feminina. Nesta tela horrível, há uma mulher deitada na grama, de costas e desnuda, com o rosto de lado, perfilado, sem a menor perspectiva ao fundo, embora utilizasse cores rosas, num fundo paisagístico. Talvez, estivesse lecionando a algum aprendiz, fazendo uso daquela tela e por algum contratempo, teve de interromper e nada possibilitou retomadas das atividades. (CEZARIO, 2005: p.35)

Destacamos dois fatos na fala do autor. O primeiro, corresponde ao cenário da tela ser paisagístico. Para o autor, a figura feminina está deitada na grama, a nós, parece que ela se deita sob uma espécie de cama ou sofá, como já foi apontado anteriormente, sobretudo, pelo fato de estar apoiando seu braço esquerdo sob algo que sugere ser uma almofada. Destarte, a nós, a cena representada por Pereira da Silva poderia ser de intimidade feminina ou ateliê e não uma cena de mulher representada na natureza, o que descartaria o mal gosto apontado pelo autor, de Oscar empregar o tom de rosa para o fundo da tela. Segundo, é que ele se refere a obra como se fosse apenas um estudo, de forma a menospreza-la. Sua percepção sobre a representação feminina de Pereira da Silva se revela ainda mais ao abordar a tela Mulher de turbante (fig.83): [...] contendo um rosto e busto de mulher branca, lenço amarrado na cabeça e braços desnudos, revelando uma mulher bem modernizada visualmente, parece muito mais ter tido motivação treinatória, ou seja, não passava de um estudo sobre aspectos e formas figurativas e realistas sobre o “feminino”. Embora já tivesse realizado seu Durante a pose (1914), com fortes traços realistas e academicistas. (CEZARIO, 2005: p. 34)

Figura 83-SILVA, Oscar Pereira da. Mulher com turbante.1930. Óleo sobre tela, 41 x 33 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo- Brasil. Fonte: Wikipédia. 149

Como percebemos na fala do autor, novamente uma tela de Pereira da Silva é tratada como se fosse menor, por ser considerada um estudo do artista e não esquece de citar os princípios clássicos de Oscar, ao mencionar Durante a pose (fig.77). O autor aponta este certo desprezo justamente pelas telas do artista que apresentam elementos pictóricos modernos. Portanto, deduzimos que para o autor, as telas do artista que apresentavam uma fatura moderna, não passavam de estudos. E não propriamente uma nova técnica ou vertente que Pereira da Silva estava experimentando e produzindo, assim como outros artistas, como veremos mais adiante. Poderíamos aqui citar mais telas do artista que possuem características semelhantes: o emprego de tons fortes, as pinceladas livres, onde Oscar fez questão de deixar visível o percurso do pincel e corpos marcados pela linha e não pela forma. Como é o caso de Mulher com vaso de flores (fig.84), e Praia d’enseada do Guarujá (fig.86), ambas encontradas no site de leilões James Lisboa102. A maneira como Oscar compõe as flores e folhas com pinceladas rápidas, nos remete as pinturas impressionistas dos artistas franceses Oscar-Claude Monet e Édouard Manet. Consequentemente podemos dizer que estes aspectos modernos nas pinturas de Pereira da Silva estiveram presentes em sua produção. Podemos deduzir através de Nu inacabado (fig.79), Nu feminino (fig.80) e Mulher reclinada (82), que Oscar não estava executando estas pinturas com este tipo de fatura para ensinar somente seus alunos, mas sim, estava estudando e experimentado outros estilos pictóricos. Estas obras nos indicam que Pereira da Silva possuía conhecimento de outras vertentes na pintura, fato que fica evidente se olharmos para a biografia do artista. Veremos que Oscar durante sua vida, apesar de manter sua residência no Brasil, realizava viagens constantes para a França com finalidade de aprimorar os estudos acerca da pintura103 e certamente durante a sua

102 Pode-se ver a imagem das obras na página online do site de leilão, disponível respectivamente em: acessados em 22/02/2020. 103 C.f. TARASANTCHI, Ruth Sprung. Oscar Pereira da Silva. 2006. 150

Figura 85-MONET, Claud. A vila de Vétheuil. C.1881.Óleo sobre tela, 14,4 x 22,6 cm. Museu de Belas Artes de Rouen. Fonte: Warburg- Banco Comparativo de Imagens.

Figura 84-SILVA, Oscar Pereira da. Mulher com vaso e flores. Óleo sobre cartão,20,5 x 14,5 cm. Fonte: James Lisboa Leilões.

Figura 86-SILVA, Oscar Pereira da. Praia d’Enseada Guarujá. 1930. Óleo sobre cartão, 20 x 47 cm. Fonte: James Lisboa Leilões.

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Figura 87-MANET, Édouard. Banco no jardim de Versailhes. 1882. Óleo sobre tela, 87 x 105 cm. Fonte: Warburg- Banco Comparativo de Imagens. estadia na França, teve contato com as obras destes artistas e possivelmente de outros. Mas Pereira da Silva não foi o único artista brasileiro que atuava entre características estilísticas encaradas como modernas e clássicas na arte. Ana Paula Nascimento (2012) menciona que na capital paulista, havia obras de alguns artistas que se diferenciavam daquelas produzidas no século XIX:

Não estavam alheios ao que acontecia ao redor, tanto que incluíram em suas composições elementos do impressionismo e do pós-impressionismo, embora continuassem fiéis a uma pintura representativa cunhada nos preceitos das escolas de belas artes, sem romper com os cânones basilares formacionais. (NASCIMENTO, 2012: p.28)

A autora menciona que alguns artistas que habitavam a capital paulista, buscaram associar convenções modernistas com conhecimentos técnicos e valorização da pintura das academias, por volta da década de 30. Grande parte destes artistas formaram grupos, como a Família Artística Paulista104 e outros realizaram seus estudos de forma independente, mantendo as lições do passado para trabalhos futuros.

104 Segundo Ana Maria Barbosa de Faria Marcondes, este grupo de artistas foi marcado por certa rejeição daqueles intitulados “modernos”, justamente pela rede de sociabilidade que se estabelecia, pois eles aceitavam qualquer artista que quisesse fazer parte do grupo, independente da técnica artística empregada, proporcionando grandes experiências entre eles. A autora, sob palavras do Crítico Mário de Andrade, enfatiza que este grupo era desprezado pelos modernistas que os percebiam como academicistas, e estes por fim, estes, não os aceitavam como semelhantes. O rótulo de academicistas se justificava no fato do grupo valorizar de certa forma, o retorno na arte clássica, explícita em alguns preceitos das academias. Por outro lado, o desprezo por parte do ditos acadêmicos, se baseia no fato da experimentação e agregação de novas técnicas na pintura, com os estilos modernistas oriundos de artistas europeus, sobretudo, como aponta a autora, italianos. Desta forma, temos um grupo de artistas “misto”, 152

Citando alguns nomes, a autora menciona Gastão Worms (1905-1967), Quirino da Silva (1897-1981), Raphael Galvez (1907-1998) e Rossi Osir (1890-1959). Geração contemporânea a Oscar Pereira da Silva mas que, de certa forma, as produções pictóricas dialogam no mesmo tempo e no espaço. Ao analisar algumas obras destes artistas, especificamente o nu feminino, os elementos clássicos se apresentam na apresentação do corpo humano, não rompendo totalmente com as técnicas da belas artes, no que diz respeito ao volume, iluminação e sombras. Porém, o moderno consiste em uma não representação autêntica do corpo humano, como pode ser contemplado nas telas: Nu (1934), Nu (1936) (figs. 88,89). Lucie-Smith (1981) ao abordar o gênero nu feminino, nos apresenta uma concepção semelhante ao cenário paulista artístico, em se tratando do tema no modernismo, proferindo: “No nu moderno há uma constante oscilação entre o classicismo e o oposto.”105 (LUCIE- SMITH, 1981: p.138). Para ele estes dois mundos da pintura, o clássico e o moderno, pode ser reconhecido na pintura de Henri Matisse (1869-1954), intitulada Carmelina, (fig.90) de 1903. Ao compará-lo com seu mestre, Gauguin (1848-1903), apresenta um aspecto que o difere: “Ele sempre tenta impor uma noção de balanço e ordem no que faz.”106 (LUCIE-SMITH, 1981: p.138). Ao olhar para a tela de Matisse, percebemos que a proporção do corpo humano é mantida e os volumes são conferidos pelas sombras. O magnifico nesta obra é poder ter a visão do artista executando a pintura através do espelho, localizado atrás da modelo que inclusive, nos fornece uma visão de sua parte de trás do corpo. Além de ser perceptível uma pincelada mais solta na composição da tela, aqui também o corpo é demarcado pela linha e não por músculos, não sendo um nu idealizado. Estas duas vertentes da pintura, que se opõe, pode ser presenciado na obra de Edgar Degas (1834-1917), intitulado The Tub (fig.91). Apesar do artista neste período como menciona o autor não ter utilizado os recursos da fotografia para capturar o movimento como fizera para representar seus cavalos de corrida e bailarinas, a própria torção que a figura feminina apresenta, não “foge do esperado”. que empregava duas vertentes distintas em suas obras de arte. Dentre os nomes dos artistas integrantes, a autora cita: Anita Malfatti, Armando Balloni, Arnaldo Barbosa, Arthur Krug, Hugo Adami, Joaquim Figueira, Francisco Rebolo, Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Clovis Graciano, Fulvio Pennachi, Manuel Martins, Humberto Rosa e Mario Zanini, entre outros. C.f. MARCONDES, Ana Maria Barbosa de Faria. Entre Vanguardas: outro lado de uma mesma geração modernista. 2018. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) -Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2018, 178 f. Disponível em: < Https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21731> acesso em 24/01/2020. 105 “In the modern nude there is a constant oscillation between classicism and its opposite”. 106 “He is always trying to impose a notion of balance and order in what he does”. 153

Figura 88- MUGNAINI, Túlio. Nu. 1936. Óleo sobre tela,55 Figura 89- WORMS, Gastão. Nu. 1934. Óleo sobre tela, 72 x 46. Associação Paulista de Medicina, São Paulo- Brasil. x 60 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo- Fonte: Catálogo da Pinacoteca da Associação Paulista de Brasil. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural. Medicina.

Figura 91- DEGAS, Edgar. The tub. C.1885. Fonte: Edward Lucie- Smith. The body.

Figura 90- MATISSE, Henri. Carmelina. 1903. Óleo sobre tela,80 x 64 cm. Fonte: Wahoo Art.com 154

Ao examinarmos algumas obras de Pereira da Silva neste presente texto, buscando algumas relações no cenário artístico paulista e europeu, podemos perceber que aquelas que apresentam características pictóricas modernas, se concentram na década de 30, mesmo período que os artistas paulistas estão formando grupos e tentando equilibrar conceitos clássicos com modernos. O mesmo acontece quando olhamos para um cenário internacional porém, a temporalidade se faz bem anterior aos experimentos da arte brasileira. Mas que não deixa de apresentar certa presença nas obras destes artistas. De fato, não encontramos alguma informação que apontasse que Oscar tenha feito parte de algum grupo porém, Pereira da Silva pode ter sido um destes artistas que realizavam seus estudos de forma individual, como indicou Ana Paula Nascimento (2012). De certo, há algumas diferenças nas representações do corpo feminino destes artistas para a composição de Pereira da Silva. Na tela de Gastão Worms (fig.89), apesar de apresentar um corpo feminino em proporções e geometrizado, esta composição lhe tira a característica de um nu idealizado. A tela de Túlio Mugnaini (fig.88) conserva mais características semelhantes as telas de Oscar aqui apresentadas, Nu inacabado (fig.79), Nu feminino (fig.80) e Mulher reclinada (fig.82), onde a herança na representação do corpo humano das academias foi mais preservado, em contraste com um cenário de tons fortes e abstratos. Porém, na década de 30, em meio a estas experimentações artísticas na capital paulista, não encontramos somente telas com características modernas na produção de Pereira da Silva. É possível observar nus femininos que mantém forte ligação com os cânones tradicionais da pintura. Grande parte, nos são apresentadas mulheres nuas em locais fechados, que assim como os outros nus apontados aqui, estão dispostos sob vários panejamentos. A cena nos remete a um momento de intimidade, onde encontramos mulheres que parecem estar confortáveis na cena. Como é o caso de Nu107 (1936) (fig.92), onde podemos observar uma mulher nua sob a cama, que contempla a sua face através de um espelho de mão. Sua pele apresenta a coloração viva, tão mencionada pelos críticos. Nesta tela, Pereira da Silva confere um movimento a tela através das dobras dos tecidos que estão presentes na cena, sobretudo, o transparente sob a vulva feminina, agregando-lhe uma sensualidade por ter a intenção de ocultá-la, mas que falha, revelando-a.

107 Esta pintura de Pereira da Silva foi encontrada uma reprodução no site de Leilões Catalogo das Artes, e pode ser acessado através do site online, disponível em: acesso em 13/08/2018. 155

Ou ainda Nu feminino108 (fig.93) de mesma data, onde a figura feminina nos é apresentada em pose semelhante, deitada sobre lençóis. Diferentemente dos outros nus de Pereira da Silva, este nos apresenta um corpo mais pálido, nos remetendo à arte “pompier”. Porém, aqui o tema não é bíblico, oriental nem alegórico- o que desperta a nossa atenção. E por fim, Nu109 (fig.94) de 1937, onde o cenário se reprisa. Porém, não temos uma mulher nua sob uma cama ou sofá deitada, mas sim, sentada e que encara o observador. Há vários panejamentos no fundo da cena de diferentes tons, estampas e drapeados. O corpo meio pálido da modelo se destaca em meio as cores fortes utilizadas pelo artista. Cabe ressaltar que, assim como nos nus apontados de Pereira da Silva com características modernistas, nestas telas há a preservação do modelado e proporção do corpo humano. Este, que se compõe de forma não idealizada, mas delimitada pela linha e não pela forma. Desta maneira, podemos perceber que o nu feminino teve várias formas de representação na produção de Pereira da Silva, não se limitando apenas há uma vertente da arte e Ana Paula Nascimento (2012) traz uma concepção sobre esta variedade de representação do nu que para nossa análise, se faz pertinente:

A retratação do corpo é uma tradição na arte ocidental anterior mesmo à formação das academias de belas artes. Porém, sua representação pode ocorrer de maneiras mais diversas: buscando a cópia mais fiel de um corpo físico, ou de forma distorcida, a enfatizar processos psíquicos, ou ainda aproximando- se das geometrizações. Apesar das regras, sempre há espaço em seu interior para a transgressão. NASCIMENTO, 2012: p.41)

Portanto, a produção de Pereira da Silva não só dialoga com a dos artistas europeus, mas também com os grupos formados pelos artistas brasileiros paulistas. Oscar Pereira da Silva era um artista de seu tempo e possuía conhecimento do que acontecia a sua volta não permanecendo alheio a esses eventos.

108 Esta pintura de Pereira da Silva foi encontrada uma reprodução no site do Blog Ribeirão Preto Cultural Jaf, e pode ser acessado através do site online, disponível em: < Https://ribeiraopretoculturaljaf.blogspot.com/2018/10/nu-feminino-nu-feminino-oscar-pereira.html> acessado em 24/01/2020. 109 Esta pintura de Pereira da Silva foi encontrada uma reprodução no site de Leilões Catalogo das Artes, e pode ser acessado através do site online, disponível em: acessado em 30/09/2018. 156

Figura 92- SILVA, Oscar Pereira da. Nu. 1936. Óleo sobre tela, 81 x 46 cm. Fonte: Catálogo das Artes Leilões

Figura 93- SILVA. Oscar Pereira da. Nu feminino. 1936, óleo sobre tela, 40 x 83 cm. Coleção Particular. Fonte: Blog Ribeirão Preto Cultural Jaf.

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Figura 94- SILVA, Oscar Pereira da. Nu. 1937. Óleo sobre tela, 46 x 53 cm. Fonte: Catálogo das Artes Leilões.

3.2.3- A noite na produção de Pereira da Silva

Como podemos depreender, a representação feminina foi uma constante na produção pictórica de Oscar Pereira da Silva, nos apresentando transmutações em sua fatura, nos legando nus variados. Ao olharmos para A noite (fig.95), o ano de sua execução (1927), concebemos que se encontra próxima da década onde o artista experimentou novas vertentes para compor o corpo feminino despido. Não encontramos outras telas que tivesse datação anterior ao nosso objeto de pesquisa que apresentasse uma fatura semelhante. Ao concentrarmos nosso olhar na produção pictórica de nu feminino do artista, percebemos que a tela apresenta algumas semelhanças e distinções das pinturas que executou neste período. Vimos através de análises, que o modo como Pereira da Silva compunha a carnação feminina chamou muita atenção de críticos e estudiosos. Principalmente o modelado do corpo humano e a coloração da pele da figura feminina. Se pensarmos na tela A noite pelo tema, ao primeiro instante poderíamos “encaixar” a obra dialogando com o período em que o artista apresenta vários nus considerados como arte 158

“pompier”. Porém, assim como outras telas já apontadas, A noite não apresenta todos os elementos da arte “pompier”, como o mais característico, a pele alva. A noite apresenta uma carnação, sua pele é viva e colorida. Ela não representa uma mulher inalcançável. Característica esta, que Alex Miyoshi (2010) aponta ao abordar algumas mudanças que emergiram no final do século XIX, se tratando especificamente da representação feminina. Ao mesmo tempo em que a Vênus era percebida como um símbolo ideal de beleza e um tema muito representado pelos artistas, era concebida com certo receio pela crítica. O que o autor nos mostra, é que nesse período uma concepção diferente de beleza feminina começa a despontar. A questão da idealização e da perfeição começa a ser confrontada. Hora, não haviam mulheres na sociedade que fossem uma Vênus. E uma sensualidade começa a despontar nestas cenas com mulheres comuns despidas. O interessante a nós, é quando o autor menciona a tela de Alexandre Cabanel (1823- 1889), intitulada O nascimento da Vênus (fig.96). Executada no ano de 1875, o autor menciona que o artista nos apresenta uma carnalidade realista porém, a relativizou pelo tema e paisagens fictícios. Pensando na composição de Pereira da Silva, seria A noite também relativizada pelas mesmas qualidades? É certo que há algumas diferenças entre ambas. Apesar do autor enxergar certa carnalidade na Vênus de Cabanel, a nós, o corpo da jovem deusa não deixa de remeter a pele pálida, tão comuns das alegorias. Por outro lado, A noite de Pereira da Silva conserva um corpo extremamente idealizado. Percebemos que ele é todo demarcado pela musculatura, na verdade, é só o que vemos. A mulher que Oscar nos apresenta não possui curvas naturais de um corpo feminino. Detalhe este que fica mais evidente, quando concentramos nosso olhar nos seios da figura feminina (fig.97), onde não há volume natural da carne, mas sim, o músculo. Mas não deixa de apresentar uma corpo menos planificado, ao dar um tom de cor para a pele da figura feminina. O autor menciona a paisagem na pintura de Cabanel, sendo junto com o tema, relativos em meio a realidade da carne na figura feminina. Se julgarmos pelo tema de Pereira da Silva, este também é relativo, pois se trata de uma mulher humana representando o anoitecer. Já a paisagem, não podemos concordar nem discordar. 159

Figura 95- Oscar Pereira da Silva. A noite. 1927. Óleo sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora- Brasil. Foto: Museu Mariano Procópio, 2019.

Figura 96-CABANEL, Alexandre. O nascimento da Vênus. 1875. Óleo sobre tela. 130 x 225 cm. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque- EUA. Fonte: Wikipédia.

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Figura 97- SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Detalhe.

Oscar pouco nos permite ver sobre o ambiente em que se passa a cena. A figura feminina ocupa exatamente o centro da tela. Algumas partes das laterais são tomadas pelo movimento esvoaçante do tecido que surge desde a parte superior até a inferior da tela, além dos puttis que o acompanham. O que está atrás destes personagens e o que o artista nos permite ver, é duas cores que dividem a tela quase pela metade. Tons de azul e laranja e alguns pequenos e quase imperceptíveis pontos brancos na parte superior. Todos estes elementos nos sugerem ser o céu onde a figura fermina e os puttis, flutuam. Pereira da Silva não compôs com minúcia o cenário da cena como fizera com seus personagens. Em comparações com outras representações do anoitecer, vemos que a ambientação da figura feminina fora um elemento importante, devido aos detalhes que os artistas se empenharam em executar sobretudo, para compreender e decodificar a cena representada. Como por exemplo, a tela de Gérôme (1824-1904), Nuit (fig.98) professor de Oscar, onde é possível ver estrelas, a lua e nuvens-elementos que completam a nossa percepção de um céu. Ou a de Juan Antonio (1779-1860), Allegory of night (fig.99), onde o artista não só reproduz um céu com estrelas e nuvens, mas também nos permite enxergar um pouco da terra, ao conceder para o observador a visa de algumas rochas, folhagens e lagos. De fato o que Oscar Pereira da Silva nos apresenta é uma abstração como fundo de cena para a composição de A noite, tal como percebida nos seus nus femininos, nas telas Nu inacabado (fig.79), Nu feminino (fig.80) e Mulher nua reclinada (fig.82), já apontadas no 161

subcapítulo anterior. Claro que a pincelada que o artista emprega é diferente dos outros nus, mantendo mais o rigor das belas artes e os tons aplicados, sendo mais claros.

Figura 98-GÊROME, Jean- Léon.Noite.c1850- Figura 99- Ribera y Fernandez, Juan Antonio. 55.Óleo sobre tela,46 x 76,5 cm.Museu de Orsay, Alegoria da noite.C.a.1819.Óleo sobre tela,87 x 54 Paris-França. Fonte: Warburg- Banco Comparativo cm. Série as horas do dia. Cassino de la Reina. de Imagens. Museu do Prado. Fonte: Wikidata.

Ao olhar com atenção para algumas partes do corpo da figura feminina de A noite, depreendemos que apesar de toda a composição do corpo humano, Pereira da Silva não se preocupou em finalizar e dar acabamento para algumas partes. Ao olharmos para a mão esquerda da figura feminina (fig.100), percebemos que o artista não lhe deu acabamento, deixando a parte final dos dedos quase abstratos, assim como a palma da mão. Já a direita (fig.101), o artista mantém a mesma abstração, onde os dedos são formados por manchas de tintas e sombras, desconsiderando o realismo, omitindo as unhas dos dedos. Igualmente é ponto luminoso que a figura feminina sugere segurar com sua mão direita. Ele é composto por várias pinceladas em diferentes direções, em tons brancos e amarelos. E bem no meio, o artista deixa um pouco da tinta em relevo, formando uma camada grossa e com volume na tela. 162

A falta de acabamento também está presente nos puttis (fig.102), exatamente nas mãos. Onde os dedos assim como da figura feminina, são praticamente abstratos e com uma pincelada distinta da empregada do resto do corpo, sobretudo da face. Porém, percebemos que Pereira da Silva confere um tratamento diferente para a composição deste corpo feminino. A pincelada das mãos e da coroa de flores que lhe enfeita os cabelos, são criados a partir de movimentos rápidos, enquanto a face, recebeu do artista mais atenção. Oscar fez questão de concentrar seus esforços no rosto da figura feminina (fig.103), onde podemos enxergar estes cuidados por exemplo, no brilho dos olhos, o rosado da bochecha, a boca bem desenhada, o nariz e as sobrancelhas. Minúcias estas, que contrastam com o acabamento da coroa de flores e a mão esquerda, nos apresentando um rosto de uma mulher muito fiel ao da realidade, comum da sociedade.

Figura 101- SILVA, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927. Figura 100- SILVA, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927.

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Figura 102- SILVA, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927. Figura 103-SILVA, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927.

Portanto, podemos inferir que a tela A noite apresenta faturas distintas em sua composição, estas, ligadas as academias de belas artes e outras que provém de uma vertente fora do rigor do ensino, encarado como moderno. Olhando para um todo na produção pictórica de Pereira da Silva sobre nus femininos, A noite dialoga com a sua produção, no que tange estas qualidades. Podemos ver que o artista experimenta novas técnicas na década de 30 e, A noite poderia ser o marco do prelúdio destas experiências de Oscar em sua carreira. A carnalidade tão apontada pelos críticos e estudiosos, a coloração da pele se mantém nesta tela. Esta, que se apresenta dentro de uma nova configuração do que é a beleza feminina, não sendo mais idealizada. Porém, também apresenta características ligadas as academias, tendo portanto A noite, um misto de elementos que perpassam ora pelo academicismo, ora pelo modernismo.

164

CAPÍTULO 4-A NOITE E OSCAR PEREIRA DA SILVA: SOCIABILIDADE COM O ARTISTA PEDRO AMÉRICO

2.1- Dois pintores, dois brasileiros e nenhum encontro

Oscar Pereira da Silva iniciou os estudos na Academia Imperial de Belas Artes no ano de 1880110, com 15 anos de idade. Neste período, Pedro Américo (1843-1905) era professor da AIBA e contava com 37 anos, residindo na Itália111. Os desencontros que ocorreram na vida destes dois artistas era habitual. Pela data que Oscar entra na AIBA, as chances de Pedro Américo ter sido seu professor eram grandes, se o mesmo não pedisse constantemente licenças de saúde para não dar aulas112. No ano de 1884, quando Pedro Américo expôs a sua tela A Noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor, juntamente com mais dez obras na Exposição Geral de Belas Artes do Rio de Janeiro, Zaccara (2011) aponta que em uma carta escrita para o Ministro de Negócios, o artista as executou nas pausas das dores físicas que sentia e ainda, que fossem expostos nas mesmas circunstâncias que dos outros participantes. Segundo a autora, Américo desejava que estas obras fossem expostas em uma sala a parte, pois eram uma demonstração pública de seu afeto pelo país, apesar de ser um artista brasileiro, professor de uma instituição brasileira, residia em outro país. Assim, mais uma oportunidade do encontro entre Américo e Pereira da Silva se perde. De acordo com a obra de Levy (2003)113, Pereira da Silva expõe curiosamente duas cópias. Uma do artista Almeida Júnior, intitulada O descanso da modelo e outra, a famigerada A batalha de Avaí, de Pedro Américo, juntamente com outras duas telas, um retrato e uma alegoria, intitulada Alegoria ao renascimento da arte. No ano de 1885, novamente tem-se uma nova chance para um encontro entre os artistas. Pedro Américo agora com 42 anos de idade, volta para o Brasil com sua família e Oscar, com

110 C.f. TARASANTCHI, Ruth Sprung. Oscar Pereira da Silva. São Paulo, Empresa das Artes, 2006, p.24. 111 C.f. ZACCARA, Madalena. Pedro Américo: um artista brasileiro do século XIX. Recife, Editora Universitária UFPE, 2011, p. 117-124. 112 Com relação a este fato, durante o período que Pedro Américo foi professor da Academia Imperial de Belas Artes, a autora Madalena Zaccara aponta em sua obra intitulada Pedro Américo: um artista brasileiro do século XIX (2011), que o artista exerceu seu cargo efetivamente por apenas quatro anos e quatro meses. Pedro Américo pedia licenças constantemente alegando problemas de saúde, porém, ambicionava outras funções ao mesmo tempo, como ser o cônsul do Brasil na Itália- país onde residia com sua família e político no Brasil. 113 LEVY, Carlos Roberto Maciel. Exposições Gerais da Academia Imperial e da Escola Nacional de Bellas Artes: período monárquico- catálogo de artistas e obras entre 1840 e 1884. Rio de Janeiro, Publicação ArteData, 2003, p.355. 165

20 anos de idade, ainda aluno da AIBA, poderia ter tido a chance de ser aluno do artista. Porém, Pedro Américo pede uma nova licença para tratar a saúde como aponta Zaccara (2011) e também para executar a tela O grito do Ipiranga. Infelizmente para Oscar, Pedro Américo não esteve presente para apreciar a tela que reproduziu. Enfim, aos 25 anos de idade, Pereira da Silva parte para a França após esperar por três anos devido ao impasse dos júris em relação ao prêmio de viagem de 1887, como bem aponta Cavalcanti (2006), que inclusive, menciona114 através de nota publicada no periódico Jornal do Commercio, pelo pseudônimo Zeuxis que tal situação não ocorreria se um dos grandes mestres do período estivessem presentes: Victor Meirelles e justamente Pedro Américo, que bem sabemos onde estava. Assim, enquanto em 1890, Oscar parte para a Europa, Pedro Américo retorna para o Brasil deixando sua família na Itália, afim de estabelecer negócios na agora, República brasileira. Zaccara (2011) menciona que Américo obtivera sucesso em sua viagem e, no dia 15 de fevereiro, juntamente com sua família, fixa residência no Rio de Janeiro para assumir o cargo de deputado da Parahyba do Norte. A estadia de Américo no Brasil não durara muito tempo. Apenas três anos depois, em 1893, após seu mandato ter terminado e o mercado de arte não está favorável, ele volta para a Itália com a família. Enquanto isso, Oscar segue com seus estudos na França, frequentando os ateliês de Gérôme e Bonnat. Interessante como os dois artistas estavam geograficamente perto, em dois países fazendo fronteira, mas novamente, nenhum encontro. No ano de 1899, Pedro Américo já nos seus últimos anos de vida, faz uma viagem à França, no qual, segundo Zaccara (2011), pede recomendações a princesa Isabel que lá se encontrava exilada, para se apresentar a alguns artistas, como a autora mesmo nomeia, “artistas oficiais, em moda”, pois não desejava ser encarado por eles como um desconhecido. O que nos chama atenção, é que dentre estes artistas, o nome de Bonnat aparece. O mesmo artista com o qual Oscar tivera aulas, apenas três anos atrás. Pereira da Silva retornara da França havia três anos. Novamente temos um desencontro. Agora, o artista fixara residência em São Paulo e realizar várias exposições individuais. Mas apesar disso, curiosamente neste período, estava expondo algumas cópias realizadas das obras de Pedro Américo.

114 C.f. CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Belmiro de Almeida, Oscar Pereira da Silva e o polêmico concurso para Prêmio de Viagem de 1887. In: Anais do XXVI Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte. São Paulo, SP: Comitê Brasileiro de História da Arte, 2006, p.5. Disponível em: < Http://www.eba.ufrj.br/ppgav/anacanti/pdf/oconcursode1887.pdf> acesso em 20/05/2019. 166

1905- Nosso ponto final. Este ano marca o falecimento do artista Pedro Américo, aos 62 anos de idade, exatamente no dia 7 de outubro na Itália. Neste mesmo ano, Oscar com 40 anos de idade, continuava a realizar diversas exposições individuais e apresenta em especial, segundo Tarasantchi (2006), Escrava Romana115, uma de suas obras mais conhecidas e que lhe rendeu elogios. Portanto, apesar de vários desencontros entre Pedro Américo e Oscar Pereira da Silva, estes artistas estão conectados através de nosso objeto de pesquisa, A noite. Assim, apesar de aparentemente terem sido distantes em vida, se fazem ligados pelos pincéis.

2.2- As duas “noites”: relação entre Oscar Pereira da Silva e Pedro Américo

Como vimos, as vidas de Pedro Américo e Oscar Pereira da Silva não foram marcadas por encontros, mas sim, por vários desencontros. Porém, através de duas telas específicas, estes dois artistas possuem uma forte conexão. As telas de ambos os artistas, A Noite (fig.105) e A noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor (fig.104) possuem afinidades no que diz a respeito à composição, apesar de terem sido concebidas em tempos distintos. Primeiramente, as duas telas versam sobre a mesma temática: uma representação alegórica do anoitecer. Em ambas, as figuras femininas nuas, se erguem no céu com os braços abertos. As duas figuras femininas representam a noite. Nas duas composições elas não estão só, mas acompanhadas por pequenas crianças aladas. Na tela de Pereira da Silva, estes puttis são mais numerosos, em comparação com a tela de Américo porém, apesar de apresentar somente duas, o artista nos indica quem são- diferente de Oscar. Pedro Américo emprega símbolos para seus puttis onde, para o gênio do estudo, folhas de pergaminho que segura em sua mão e apoia com a perna esquerda, onde realiza a leitura auxiliado pela luz da tocha que porta; para o gênio do amor, um arco e flecha, que está armado pronto para atirar, nos remetendo a imagem do cupido.

115 Para mais informações acerca desta pintura de Pereira da Silva, confrontar a dissertação de mestrado da pesquisadora Marcela Formico, intitulada A “Escrava Romana” de Oscar Pereira da Silva: Sobre a circulação e transformação de modelos europeus na arte acadêmica do século XIX no Brasil. Disponível no endereço eletrônico: . 167

Figura 105 - SILVA, Oscar Pereira da. A noite. 1927. Figura 104- AMÉRICO, Pedro. A noite Óleo dos sobre tela, 145 x 85 cm. Museu Mariano acompanhada dos gênios do estudo e do amor. Procópio, Juiz de Fora-Brasil. Foto: Museu Mariano 1886. Óleo sobre tela,260 x 195 cm. Museu Procópio,2019. Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro-Brasil. Foto: Da autora.

A cabeça das duas figuras femininas (figs.106, 107) se apresentam de forma semelhante: ambas estão em posição 3/4 com o olhar voltado para o observador. As duas possuem cabelos longos, negros que voam pelo céu, inclusive, fazendo alusão a força do sopro do vento, que os assenta para o lado esquerdo. Porém, a noite de Oscar possui os cabelos adornados com uma coroa de folhas verdes.

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Figura 107-AMÉRICO, Pedro. A Noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor (detalhe). 1886.

Figura 106-SILVA, Oscar Pereira da. A noite (detalhe). 1927.

Outra semelhança entre as telas é a mão que segura um grande ponto luminoso, qual sugere ser uma estrela. Ao olharmos para as duas telas (figs.108,109), percebemos que a posição dos dedos são análogos, executando o mesmo movimento. A diferença reside na composição que cada artista emprega ao executar a estrela. Na obra de Oscar, vemos que a estrela possui tons de amarelo e branco desvanecido, quase acinzentado sendo perceptível pela fatura, uma pincelada mais rápida, onde podemos avistar o percurso que o pincel utilizado trilhou. Diferentemente da composição de Pedro Américo, que nos apresenta uma estrela em tom branco, cintilante, de modo que o centro concentra mais tinta e, espalha-se para as pontas afim de dar efeito de luminosidade. Porém, não vemos como na tela de Oscar, o percurso do pincel.

Figura 108- SILVA, Oscar Pereira da. A Noite. (detalhe). 1927. Figura 109 - AMÉRICO, Pedro. A Noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor (detalhe). 1886

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Além das pernas das figuras femininas (figs.110,111), onde nas duas telas se apresentam em posições congêneres. Nas duas representações as pernas estão dispostas uma sobre a outra e chegam a se encostar na altura dos joelhos. Enquanto uma perna está reta, a outra está levemente dobrada. Mantendo nossa atenção nas pernas das suas figuras femininas, podemos perceber ainda que o tecido que as cobrem, fazem um jogo de revelar e esconder seu sexo.

Figura 111- AMÉRICO, Pedro. A Noite Figura 110- SILVA, Oscar Pereira da. A noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor (detalhe). 1927. (detalhe). 1886.

Este jogo acontece nas duas telas de formas distintas. Enquanto na pintura de Pedro Américo o tecido é transparente, deixando à mostra a vulva feminina. Na pintura de Pereira da Silva o tecido não é transparente, porém não cobre toda a região do sexo feminino, deixando o lado esquerdo aparente. Com tantas semelhanças entre as duas telas, poderíamos instigar se Oscar Pereira da Silva buscou uma inspiração na tela de Américo para compor sua representação do anoitecer. Após algumas investigações, conseguimos comprovar este dado visual que se faz uma confirmação documental. Através do jornal Gazeta de Notícias116, tivemos informação que Oscar apresentou duas telas no salão Vieitas, onde uma é um retrato e a outra uma cópia da tela de Pedro Américo, A Noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor.

116 Gazeta de Notícias, 7 de fevereiro de 1889, pág. 1. 170

Figura 112- Nota do jornal Gazeta de Notícias onde informa que Oscar expos duas telas, onde uma é cópia da tela de Pedro Américo, A noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor. Publicado no dia 7 de fevereiro de 1889.

Infelizmente não conseguimos localizar esta obra em nossas pesquisas, nem encontrar uma reprodução da mesma. Mas esta limitação não impediu que avançássemos com fôlego sobre este caminho. Assim, mesmo a vida de Oscar Pereira da Silva e Pedro Américo ter sido marcada por vários desencontros, seguimos para uma outra esfera que esta informação nos permitiu examinar: Oscar Pereira da Silva executando reproduções de telas de outros artistas.

2.3- Oscar e as reproduções de obras

O ato de copiar era uma atividade muito comum na formação dos alunos que desejavam se tornar pintores formados pelas Academia Imperial de Belas Artes. Pereira (2016) menciona que os alunos da Academia tinham contato com obras daqueles considerados grandes mestres europeus, através das cópias realizadas pelos pensionistas- constituída como uma etapa fundamental na formação. Dessarte, o ato de copiar telas destes artistas era a forma na qual os alunos tinham de se relacionar diretamente com as produções europeias, visto que, somente aquele aluno que vencesse o concurso para obter o prêmio de viagem, é que teria oportunidade de fato, de ter contato direto com telas dos grandes mestres. Dentre as suas utilidades, além da didática, a autora aponta que as cópias serviam para os alunos resolverem alguns problemas de composição ao executar uma pintura. Ao citar alguns deles, menciona o colorido e questões de luz, onde para solucionar estes obstáculos, os alunos recorriam as telas de distintos artistas de múltiplas épocas, sobretudo dos encarados como grandes coloristas. Além de, ao entrar em contato com telas de vários artistas, buscarem seu próprio estilo de pintar. A autora também aborda que as cópias tinham a função de apresentar aos alunos um conhecimento sobre a tradição Clássica da arte europeia, encarada como Moderna, englobando artistas que atuaram após o Renascimento. Desta forma, a Academia comprava cópias para o seu acervo ou recomendava aos pensionistas para que as executassem. 171

Em seu texto, a autora menciona as cópias realizadas pelos pensionistas da Academia, distinguindo-as pelas escolas que pertenciam as telas originais. Apesar da autora aprofundar mais as cópias realizadas da escola italiana, iremos nos deter somente a francesa pois, foi a escola em que Oscar Pereira da Silva completou seus estudos. A autora identificou 32 telas do acervo do Museu Dom João VI, onde apenas 7 telas são oriundas da escola francesa, sendo a italiana detentora do maior número de telas copiadas. Dentre este conjunto de telas, a autora aponta duas sendo de autoria de Oscar Pereira da Silva: Cristo Morto, indicada como cópia da tela de Phillipe de Champaigne, e Excomunhão de Roberto, o Piedoso, de Jean-Paul Laurens. Tarasantchi (2006) aponta que Pereira da Silva foi conhecido e prezado por executar cópias esmeradas, tanto de artistas do passado quanto de sua contemporaneidade. A ação de realizar estas cópias não só fizeram parte da vida de Oscar enquanto aluno, mas se tornou uma atividade lucrativa enquanto artista já formado. A autora menciona que durante o século XIX, um artista que era capaz de reproduzir telas com o máximo de fidelidade possível, era muito admirado pois, nem todos possuíam esta habilidade. Perpassando pela escola francesa, a autora relata que os alunos realizavam cópias no Museu do Louvre, sendo um requisito para cumprirem o currículo integral do curso. A finalidade era assim como na Academia do Rio, aprender com as técnicas dos grandes mestres do passado. Ao mencionar as cópias realizadas pelos alunos brasileiros enquanto pensionistas exibidas em uma exposição ocorrida na Pinacoteca do Estado de São Paulo, a autora destaca que as reproduções executadas por Pereira da Silva comparadas com as de outros artistas o torna superior neste tipo de representação. Oscar não só realizou cópias das telas de outros artistas, mas de suas próprias telas, onde a autora ressalta que eram reproduzidas em diversas versões. Como é o caso das telas O concertador de porcelana e Escrava Romana. A pesquisadora Formico (2012) menciona em sua dissertação de Mestrado, o descobrimento de uma cópia da tela Escrava Romana (fig.113), cujo a Pinacoteca do Estado de São Paulo detém uma tela no acervo, até então considerada única. A autora menciona que após uma restauração na pintura foi constatado que a obra presente no acervo da instituição era a segunda versão da original, comprovado pela inscrição feita pelo próprio artista na parte inferior da tela. 172

A pesquisadora conseguiu encontrar uma “outra escrava” num acervo particular localizado no Rio de Janeiro, onde apresenta algumas diferenças da versão presente na Pinacoteca. A pesquisadora nos chama atenção para alguns detalhes que apresentam distinções entre as duas telas. Como por exemplo, o ventre desta figura feminina, qual na tela localizada no Rio de Janeiro, é menos saliente que a versão da Pinacoteca. As duas mãos da escrava também despertou a atenção da pesquisadora. Na versão do Rio de Janeiro a mão não possui pulseiras, onde na versão da Pinacoteca dispõe. Além de identificar diferenças no traço fisionômico da escrava, ressaltando um olhar mais forte na versão da Pinacoteca, justificado pela técnica do desenho e sombras que o artista empregou.

Figura 114-SILVA, Oscar Figura 113- SILVA, Oscar Pereira da. Escrava Pereira da. Escrava Romana. Romana.1894. Óleo sobre Óleo sobre tela,146, 5 x 72,5 tela,146, 5 x 72,5 cm. cm. Coleção Particular- Pinacoteca do Estado de São Gabriela Ramaciotti, Rio de Paulo- Brasil. Fonte: Janeiro Fonte: Dissertação Warburg-Banco Marcela Formico-2012. Comparativo de Imagem. 173

Figura 115- SILVA, Oscar Pereira da. Escrava Figura 116- SILVA, Oscar Pereira da. Escrava Romana(detalhe). Óleo sobre tela. Pinacoteca do Romana(detalhe). Óleo sobre tela,146, 5 x 72,5 cm. Estado de São Paulo -Brasil. Fonte: Waburg-Banco Coleção Particular Gabriela Ramaciotti- Rio de Comparativo de Imagens. Janeiro. Fonte: Dissertação Marcela Formico-2012.

Figura 117- Figura - SILVA, Oscar Pereira da. Figura 118- Figura- SILVA, Oscar Pereira da. Escrava Romana. (Detalhe). Óleo sobre tela. Escrava Romana. (Detalhe). Óleo sobre tela,146, 5 x Coleção Particular- Gabriela Ramaciotti- Rio de 72,5 cm. Pinacoteca do Estado, São Paulo- Brasil. Janeiro Fonte: Dissertação Marcela Formico-2012. Fonte: Warburg - Banco Comparativo de Imagens.

A cópia da tela O Concertador de porcelanas (fig.119) também é apresentada pela pesquisadora no mesmo acervo que se encontra Escrava Romana. Oscar executara a tela original quando ainda estava estudando na França, apresentando-a em sua grande exposição juntamente com mais 32 obras no Rio de Janeiro ao voltar para o Brasil. Formico (2012) aponta que esta tela também apresenta algumas distinções de sua original. Como o fundo na cena, onde os cartazes de propaganda que formam uma parede são de anúncios distintos. 174

Na cópia, Oscar não pinta a coluna presente no lado esquerdo da tela que compõe juntamente com os cartazes o fundo do cenário. Os materiais que estão ao chão perto da figura idosa masculina- o concertador, também são diferentes em ambos os quadros mas como a pesquisadora aponta, não destoam um do outro, pois, ainda auxiliam a compor a temática do trabalho. A pesquisadora chama a atenção para o vaso que se localiza junto as estas ferramentas da labuta onde, na tela original é bem mais acabado e rico em detalhes que na cópia. Uma diferença discrepante que ela relata, consiste na cor da jaqueta que este homem traja. Na tela original, ela se apresenta em vermelho, já na cópia, é azul e foi introduzido pelo artista um bolso que não existe na primeira tela executada.

Figura 119- SILVA, Oscar Pereira da. O Figura 120- SILVA, Oscar Pereira da. O consertador Consertador de porcelanas. 1895. Óleo sobre tela. de porcelanas.1894. Óleo sobre tela, 92 x 73 cm. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural. Coleção Particular- Gabriela Ramaciotti-Rio de Janeiro. Fonte: Dissertação Marcela Formico-2012.

2.3.1-As cópias de Oscar de artistas estrangeiros

Dentre as reproduções de telas de outros artistas identificamos algumas produzidas pelo Oscar que são de artistas estrangeiros. Algumas foram executadas quando ainda era aluno da Academia e outras já era um artista formado. 175

As primeiras telas são as apontadas por Tarasantchi (2006): Cristo morto, cópia de Philippe Champaigne (1602-1674) e Excomunhão de Roberto, o Piedoso, de Jean- Paul Laurens (1838-1921).

Figura 121- CHAMPAIGNE, Phillippe. Cristo morto. a. 1654.Óleo sobre tela, 68 x 197 cm. Museu do Louvre, Paris- França. Fonte: Wikipédia.

Figura 122- SILVA, Oscar Pereira da. Cristo morto. C. 1892. Óleo sobre tela, 26 x 74,7 cm. Museu Dom João VI, Rio de Janeiro-Brasil. Fonte: Wikipédia.

Encontramos uma imagem no Wikipédia117 fazendo referência à esta tela executada por Oscar, onde a datação é imprecisa, apontando ter sido executada por volta de 1892- ano que coincide com a estadia do artista na França. Ao olharmos para a cópia de Oscar (fig.121) e a tela original (fig.122), percebemos que assim como as suas próprias execuções, ele realiza esta obra com algumas distinções. Ao contemplarmos a obra em um aspecto geral, percebemos que o artista nos deixa mais próximo

117 Pode-se ter acesso a imagem e demais informações no endereço eletrônico da Wikipédia, disponível em: acesso em 18/06/2019. 176

do corpo de Cristo, ao contrário da tela original, onde constatamos uma certa distância entre observador e o corpo masculino. A face da figura masculina em sua testa, na tela original apresenta algumas marcas com pequenas manchas avermelhadas, causadas pelo uso da cora de espinhos que se encontra caída do lado esquerdo da tela na parte inferior, perto do corpo. Porém, em sua representação Oscar não apresenta um Cristo com a testa ferida pela coroa. Não há nenhuma gota de sangue. O mesmo ocorre com a ferida presente na costela do homem, onde na tela original possui uma abertura e dela emanam gostas de sangue. Não vemos o mesmo na tela de Pereira da Silva, apenas a ferida que se apresenta em um tom escuro, não se remetendo ao vermelho. A própria representação do corpo masculino apresenta algumas distinções de composição. A costela do homem na tela original está mais robusta, tonificada. Já na tela de Oscar, se apresenta menos tonificada e demarcada, se misturando com a parte do abdômen. Por fim, temos o pé esquerdo do homem que na tela original possui uma ferida semelhante ao do abdômen, com pequeno gotejamento de sangue. Entretanto, novamente Oscar a representa de forma suave, apenas por um ponto escuro, sem a presença de sangue. Na tela Excomunhão de Roberto, o Piedoso, novamente temos um cenário mais próximo do observador, ou seja, o ângulo que Oscar reproduz nos permite visualizar melhor os detalhes da cena. Percebemos nesta reprodução que, assim como a outra tela, o artista procurou estresir fielmente a tela de Laurens. As diferenças entre as duas percebidas por nós são escassas. Apenas o ângulo e a face da figura feminina sentada ao lado do homem que ocupa o centro da cena, não possui os traços tão definidos como na tela original (fig.124).

Figura 123- SILVA, Oscar Pereira da. Excomunhão de Roberto, o Piedoso. (Cópia do original de Jean-Paul Laurens). 1892. Óleo sobre tela, 79,6 x 115 cm. Museu Dom João VI, Rio de Janeiro-Brasil. Fonte: Wikimedia Commons.

177

Figura 124- LAURENS, Jean-Paul. Excomunhão de Roberto, o Piedoso.1875. Óleo sobre tela, 130 x 218 cm. Musée d’Orsay, Paris-França. Fonte: Musée d’Orsay. Tarasantchi (2006) menciona algumas cópias realizadas por Oscar de outros artistas estrangeiros. A primeira delas, Enlevement da Psyché (126), que hoje compõe o acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Trata-se de uma reprodução da tela de Proudhon (1809- 1865), executada no ano de 1914, onde Oscar já não era mais um aluno da Academia e sim, um artista formado. A respeito desta tela, a autora menciona que o mais interessante é a convenção que Pereira da Silva executa a pele das figuras humanas, sobretudo na cor e textura. Ela ainda menciona que o artista no mesmo ano, executou outra cópia em Paris, Adoração dos Pastores(127)118, uma reprodução da tela de Ribera (1951-1652), que igualmente a cópia de Proudhon, compõe o acervo da Pinacoteca. Como mencionamos acima, Oscar não era mais um aluno da Academia assim, não necessitava realizar cópias de outros artistas. Mas como já foi abordado, a cópia era uma atividade presente em sua vida. A autora menciona ainda que ele viajava constantemente a França para estudar mais sobre arte assim, depreendemos que estas reproduções possam ser frutos de sua aprendizagem na França por conta própria.

118 Ao realizar uma busca por uma reprodução em imagem da tela de Ribera, encontramos uma que indica o nome do artista como José de Ribera e a autora Tarasantchi (2006), menciona na legenda da cópia feita por Oscar, Diego de Ribera. Ao pesquisar brevemente sobre o artista, não encontramos de fato, o nome que a autora menciona, mas sim, José Ribera. 178

Figura 126-PROUD’HON, Pierre-Paul. L'enlévement Figura 125-SILVA, Oscar Pereira da. Enlevement da de Psyché. 1808. Óleo sobre tela, 195 x 157. Museu Psychè. (Cópia de Proudhon).1914. Óleo sobre tela, 171 do Louvre, Paris-França. Fonte: Akg- Imagens. x 148 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo- Brasil. Foto: Da autora.

Figura 127- SILVA, Oscar Pereira da. Adoração aos pastores. (Cópia de Diego de Rivera). 1914. Óleo sobre tela, 196 x 149 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo. Figura 128-RIBEIRA, José de. A adoração aos Fonte: Livro Oscar Pereira da Silva- Ruth Sprung pastores1648. Óleo sobre tela, 239 x 181 cm. Museu Tarasantchi. do Louvre. Paris-França. Fonte: Blog Cores e Cheiros.

179

A autora nos apresenta mais algumas cópias do artista. Ela menciona que Oscar executou no ano de 1913, a pedido do Governo do Estado algumas reproduções dos artistas Velásquez (1599-1660), Piter Paul Rubens (1577-1640), Rembrandt (1606-1669) e Ribera (1591-1652). A autora não especificou exatamente quais telas seriam estas, e traz a imagem de uma reprodução da tela de Pablo Salinas, Ceia de cardeais (fig.129), que não é mencionada em seu texto. Ao realizamos uma busca por uma imagem da tela original, não encontramos uma obra com o título apontado pela cópia realizada por Oscar, que consta no livro da autora. Porém, encontramos uma obra muito semelhante, Três prelados- as festas natalinas (fig.130), que contém o mesmo tema: três religiosos sentados a uma mesa com xícaras, flores e um grande candelabro sob a mesa. Um luxuoso lustre no teto também se apresenta em ambas as cenas, como igualmente a vestimenta destes religiosos se assemelham. As diferenças residem em uma das figuras masculinas apresentado por Oscar. Na tela original, dois cardeais estão sentados à mesa, conversando enquanto um deles está em movimento semelhante a de quem se levanta da cadeira. Na composição de Pereira da Silva, este cardeal se localiza entre os dois que estão sentados, próximo a uma vela do candelabro prestes a acende-la com a chama de outra vela. Notamos também que a tela original possui uma grande pintura do lado esquerdo do ambiente- um retrato talvez. Na tela de Oscar existe uma pintura porém, esta ocupa o centro da cena e o personagem também é diferente, em pose distinta da tela ordinal.

Figura 129-SILVA, Oscar pereira da. Ceia de cardeais (Cópia de Pablo Salinas). Óleo sobre tela, 50 x 70 cm. Fonte: Livro Oscar Pereira da Silva- Ruth Sprung Tarasantchi.

180

Figura 130-SALINAS, Juan Pablo. Três prelados- festa natalina. s.d. Óleo sobre tela, 60,2 x 82,1 x 2 cm. Museu de Arte de São Paulo, São Paulo- Brasil. Fonte: MASP.

Através de uma nota da revista O Pirralho119 que relata algumas exposições de artistas, há um comentário sobre a exposição de Oscar Pereira da Silva ocorrida na rua Bôa Vista, que por sinal, o periódico menciona ser grande parte das telas, reproduções de outros artistas. Uma destas telas é uma cópia de Rembrandt, intitulada São Mateus. Esta tela não poderia ser a mencionada pela Tarasantchi (2006), fruto do pedido do Governo do Estado, pois a mesma foi executada no ano de 1913, na França. A nota da revista se refere ao ano de 1912, um pouco antes de Oscar realizar esta encomenda. Não encontramos uma reprodução em imagem da cópia desta tela porém, nos deparamos com uma pintura que pode ter servido de base para a reprodução de Oscar. Trata-se de Evangelista Matheus (fig. 131). A tela foi executada por Rembrandt em 1661 e hoje pertence ao acervo do Museu do Louvre e através dela, poderemos imaginar como seria a temática e a composição da reprodução de Oscar. O site de leilão denominado Catálogo das Artes120, aponta outra cópia de Rembrandt, atribuída a Oscar Pereira da Silva que, apesar de não mencionar o título da obra, sabemos que trata-se de O banho de Betsabé (fig.132). No site, a tela está datada em 1905. Assim, se for mesmo de autoria de Oscar, ele a executou antes da tela mencionada anteriormente e, vemos

119 O Pirralho, 3 de agosto de 1912, p.29, nº 52. 120 Pode-se ter acesso a esta imagem e outras obras de Oscar Pereira da Silva e outros artistas, através do endereço eletrônico do leilão, disponível em: < https://www.catalogodasartes.com.br/inicio/>. 181

uma predileção de Oscar pelo artista, ao realizar novamente uma reprodução de mais uma de suas pinturas.

Figura 131-REMBRANDT, Van Rijin. Evangelista Matheus. 1661.Óleo sobre tela, 96 x 81 cm. Museu do Louvre, Paris-França. Fonte: WahooArt.com

Figura 133- SILVA, Oscar Pereira da. “Cópia de Figura 132-REMBRANDT, H. van Rijin. O banho de Rembrandt”. 1905. Óleo sobre tela, 144 x 144 cm. Fonte: Betsabé. 1654. Óleo sobre tela, 142 x 142. Museu Do Louvre, Leilão Catalogo das Artes. Paris- França.

182

A nota da revista O Pirralho ainda menciona mais duas obras de Pereira da Silva que figuraram nesta exposição. Como apontamos acima, o escritor profere que grande parte destas telas que Oscar apresenta são cópias. Trata-se de Fidalgo hespanhol e Ceramica Grega, onde estas duas obras receberam duras críticas do escritor, sendo apontadas como “possui certa dureza” e “horrível”. Aliás, uma fala nos chama muito atenção: “Oscar Pereira da Silva é um copista explendido, tem um bello colorido e quasi sempre o seu desenho é perfeito; porém, não é artista.” O escritor desta nota e dono destas palavras apenas se identifica na revista como R. Esta fala muito nos mostra como as cópias de Oscar eram vistas neste período e dialoga com a fala da autora Tarasantchi (2006), mencionando que elas agradavam o público. Mas, como uma moeda tem dois lados, o escritor desta nota desaprova Oscar enquanto artista, seus originais não lhe agradam, e curiosamente para ele, as cópias que realiza são melhores do que suas criações inéditas. Retomando o site de leilões aqui já mencionado, o Catálogo das Artes, apresenta uma outra cópia atribuída a Oscar Pereira da Silva, intitulada de “Nu” (134) e datada de 1923. Trata- se de uma cópia da tela de Ingres (1780-1867), intitulada A Fonte (135). Ao olharmos para as duas telas, cópia e original, percebemos que há algumas distinções. Na cópia, os traços do rosto são distintos da tela original, apresentando olhos mais pequenos e uma face arredondada e mais cheia. A mão que segura o vaso que emana água na parte superior, apresenta o dedo mindinho que sugere estar fazendo mais força para segurar o objeto, enquanto na tela original, se apresenta de forma delicada. No umbigo da figura feminina nua também há um contraste. Na cópia, ele se apresenta sem profundidade, como consta na tela original de Ingres. O ventre é menos saliente também, onde na original percebemos uma voluptuosidade. Desta forma, podemos concluir que as reproduções que Oscar executava, não o impunham uma visão de um mero imitador, mas sim, eram muito bem vistas, tanto pelo público quanto pela crítica. Além disso, percebemos a sua predileção por artistas da escola francesa, o que demonstra quem eram os “grandes mestres do passado” para Pereira da Silva que, mesmo não tendo mais a obrigação de reproduzi-los enquanto aluno da Academia Imperial, não deixou de apresentar seu aprendizado com estes mestres, durante a sua carreira já consolidada e encarado ele próprio pela sociedade paulista como um grande mestre.

183

Figura 134- Silva, Oscar Pereira da. “Nu”. Figura 135- Ingres, Jean- Auguste Dominique. A

1923. Óleo sobre tela, 64 x 130 cm. Fonte: fonte. 1820. Óleo sobre tela, 83 x 163 cm. Musée

Catálogo das Artes. d’Orsay, Paris-França.

Fonte: Warburg- Banco Comparativo de Imagens.

2.3.2- As reproduções de artistas nacionais

Além de realizar cópias de artistas estrangeiros sobretudo franceses, Oscar Pereira da Silva executou algumas reproduções de artistas nacionais, tanto do passado, quanto de sua contemporaneidade. A autora Tarasantchi (2006) indica algumas destas reproduções de artistas brasileiros que Oscar executara. Dentre elas, Caipiras negaceando e Descanso do modelo, de Almeida Júnior (1850-1899) e Estudo de mulher de Rodolfo Amoedo (1857-1941). Em pesquisa no acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo encontramos na pasta do artista, alguns catálogos e recortes de jornais que apresentavam algumas obras de Oscar que foram leiloadas durante o século XIX início do XX. 184

Uma das obras que aparece é justamente a cópia de Descanso do modelo (fig.136), citada acima. Na legenda da foto do recorte do jornal Diário Popular121, a cópia aparece com o título de “Repouso do modelo”, e figurou o leilão ocorrido do dia 29 a 31 de outubro de 1984. Poucas são as informações que o recorte nos oferece, acrescentando que o leilão contará com obras de mais artistas, como Antonio Parreiras, Anita Malfatti e outros.

Figura 136- Imagem que acompanha o recorte do jornal Diário Popular, onde informa acerca de um leilão que ocorreu entre os dias 29 e 30 de outubro em São Paulo. A imagem é a cópia da tela de Almeida Júnior, executada por Oscar Pereira da Silva.

Figura 137-JOSÉ FERRAZ DE, Almeida Júnior. Descanso de modelo.1882. Óleo sobre tela,100 x 130 cm.Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro-Brasil. Fonte: Warburg-Banco Comparativo de Imagens.

121 Diário Popular, 25 de outubro de 1984. 185

A tela de Almeida Júnior é datada de 1882 e nesta época Pereira da Silva acabara de adentrar a Academia como aluno. Duas hipóteses nos são viáveis a respeito desta tela. A primeira é que Oscar tenha contemplado esta pintura na exposição geral de 1884 ou na primeira vez que o artista apresentou sua tela junto com outras que havia executado na França, durante sua estadia como pensionista, em 1882. Acreditamos que Pereira da Silva desejou representar a pintura de um grande artista brasileiro do período. A segunda, que como já fora designado, tenha sido fruto de alguma encomenda pois, se fez parte dos objetos de em um leilão posteriormente a sua execução, significa que ela pertencia a uma residência particular e, pode ser que o dono tenha adquirido de outra pessoa em um outro leilão anterior. Em uma nota do jornal Gazeta de Notícias122, há menção de uma reprodução da tela A batalha dos Guararapes, do artista Victor Meirelles (1832-1903). Esta nota foi publicada no ano de 1880, quando Pereira da Silva acabara de entrar para a Academia Imperial de Belas Artes assim, estava na condição de aluno não experiente, mas iniciante. A própria notícia afirma que Oscar tinha apenas 14 anos de idade e somente 6 meses que frequentava a Academia e já estava apresentando uma cópia de um grande artista do período e que fora seu professor na instituição. A nota nos informa que esta cópia estava sendo exposta na vitrine da Notre Dame e que, através desta tela, o artista estava recebendo muitos elogios: “Os seus mestres, cheios de enthusiasmo, já são os primeiros a apresentar Oscar como digno de toda a animação e merecedor de grandes elogios”. Mas esta não fora a única tela de Meirelles que Oscar reproduziu. Em 1889, Pereira da Silva executa uma cópia da tela Batalha do Riachuelo123(fig.138), que hoje permanece no Palácio Pedro Ernesto, na cidade do Rio de Janeiro. Em uma nota do Jornal do Commercio124, encontramos informações a respeito desta execução. De acordo com o periódico, a tela foi encomendada pela câmera municipal da corte e permaneceria em sua “sala de honra”. O que confirma assim, o que já fora mencionado durante este texto a respeito das cópias que Oscar executava. Percebemos que o artista concretizava as suas reproduções com muita minucia e o máximo de fidelidade as originais que ele poderia empreender, como apontado mais acima pela Tarasantchi (2006), elas não eram encaradas como telas inferiores, justamente

122 Gazeta de Notícias, 17 de janeiro de 1880. 123 Tomamos conhecimento desta obra de Oscar através da professora Maraliz Christo que, gentilmente nos cedeu a imagem da tela. 124 Jornal do Commercio, 10 de agosto de 1889. 186

por se tratar de cópias, mas sim, como obras que individualizaram o artista, ou seja, o tornaram único neste quesito de produção.

Figura 138- SILVA, Oscar Pereira da. Batalha do Riachuelo (cópia). 1889. Óleo sobre tela, 1,16 x 2,04 cm. Palácio Pedro Ernesto, Rio de Janeiro-Brasil. Foto: Maraliz Christo.

Figura 139-SILVA, Oscar Pereira da. Batalha do Riachuelo (cópia) detalhe. 1889. Óleo sobre tela, 1,16 x 2,04 cm. Palácio Pedro Ernesto, Rio de Janeiro-Brasil. Foto: Maraliz Christo.

Vemos ao longo deste subcapítulo cópias executadas por Oscar enquanto era aluno da Academia, outras enquanto pensionista na França e obras de sua trajetória já marcada enquanto um artista formado e encarado como mestre. Esta análise nos permitiu apreender como Pereira da Silva era percebido através destas reproduções que, tão novo já demonstrava talento e chamava atenção enquanto artista. Não 187

importava o período que Oscar executava as cópias de outros pintores, seu talento sempre era reconhecido e apreciado através delas. Nos chama muita atenção o fato do artista ter realizado cópias não só das telas de artistas estrangeiros, mas também de nacionais. Era comum no cotidiano de um aluno da Academia Imperial realizar tais pinturas porém, de artistas estrangeiros. Mas, no caso de Pereira da Silva como foi apontado neste texto, é passível de compreensão a presença de artistas nacionais ao executar reproduções. Em entrevista a Laudelino Freire (1914), o Oscar é questionado sobre quem seriam os artistas brasileiros mais notáveis de sua época. Em sua resposta, aparece justamente nomes de artistas que encontramos presentes em suas reproduções como Pedro Américo, Rodolfo Amoedo e Victor Meirelles. Se a realização de cópias tinha a finalidade de aprender com os mestres estrangeiros, através dessa produção especifica de Pereira da Silva, vemos que ele não só considerava artistas forâneos como tal, mas nos mostra que o Brasil também possuía pintores digno de ser considerados como tal.

2.3.3-As reproduções de obras de Pedro Américo

Além de executar reproduções de alguns artistas brasileiros, conseguimos identificar que Oscar também fizera numerosas cópias das telas de Pedro Américo, além da tela A Noite acompanhada dos gênios do estudo e do amor. A primeira delas é da tela Judite e Holofernes (fig.140), onde Formico (2012)125 aponta uma diferença entre a reprodução de Oscar e a original de Pedro Américo: o rosto, onde na tela original é oval, porém Oscar acaba executando uma face plenamente redonda. Esta característica que a autora aponta é muito interessante, pois ela menciona ser uma idiossincrasia que se segue em sua produção pictórica acerca do feminino. A autora aponta que apesar da tela não estar datada, ela remete aos anos em que Oscar era aluno na AIBA pois, segundo sua opinião, ele não dominava a técnica de luz e sombras, perceptível na pintura. O que faz com que ela seja em suas palavras: “uma figura ignóbil.”126

125 FORMICO, Marcela Regina. A “Escrava Romana” de Oscar pereira da Silva: sobre a circulação e transformação de modelos europeus na arte acadêmica do século XIX no Brasil. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Instituto de Artes Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, p.220, 2012. 126 Ibidem, p.165. 188

Figura 140- SILVA, Oscar Pereira da. Judite e Holofernes. Coleção Arnésio Urbano Júnior. Figura 141- AMÉRICO, Pedro. Judite e Holofernes. Óleo Fonte: Livro Quatro Grandes Pintores de São sobre tela, 72 x 52 cm. 1880. Óleo sobre tela, 229 x 141, Paulo. (s.d.). 7 cm. Museu Nacional de Belas Artes-Rio de Janeiro, Brasil Fonte: Google Artes e Cultura.

Figura 142-SILVA, Oscar Pereira da. Judite Figura 143- AMÉRICO, Pedro. Judite e Holofernes. . e Holofernes (detalhe) (detalhe)1880.

189

A próxima reprodução que encontramos é da tela A rabequista árabe (fig.144). Nos deparamos com esta pintura no site de leilões Catálogo das Artes127, que atribui autoria á Oscar Pereira da Silva. A única ressalva que fazemos, é em relação a data da tela. No site menciona que a obra fora produzida no ano de 1957, porém, Oscar já havia falecido neste período em 1939. Sabemos que Pedro Américo também executava reproduções de suas telas. Zaccara (2011) menciona que o artista as executava para quem lhe encomendasse. Porém, ele também não poderia ter executado esta cópia na data apontada pelo site de leilão, pois, já havia falecido no ano de 1905. Ao observamos a reprodução da tela Rabequista árabe no canto inferior direito, percebemos que contém algo escrito. E está localizada exatamente no mesmo espaço em que Pedro Américo assinou e datou a sua tela. Até os traços da escrita são bem semelhantes, porém, percebemos que talvez o conteúdo seja distinto, aparentando ter mais palavras que a tela de Pedro Américo. Poderíamos tentar aproximar esta parte da tela, pois assim descobriríamos se ali consta a assinatura de Oscar, o que nos permitiria afirmar que a reprodução seja verdadeiramente de sua autoria, ou não. Ao menos, poderíamos identificar se a obra seria uma cópia executada pelo próprio Pedro Américo ou por outro artista. Mas infelizmente não conseguimos realizar tal ação, a qualidade da imagem que dispomos no momento não nos permite utilizar tal recurso, sendo assim, pelo menos sabemos que há algo escrito nesta região da tela, onde o artista se preocupou em colocar exatamente como Pedro Américo fizera em sua obra. Porém, ao pesquisarmos nos periódicos da época, o jornal A Folha Nova128, traz uma nota onde menciona que Oscar expôs na Glace Elegante, uma tela intitulada Lição de rabeca. A nota ainda menciona ser o último original do artista, o que provavelmente seria a tela mais recente que executara na época. Ao procurar pelo significado da palavra rabeca, que até então desconhecíamos, conseguimos averiguar através da Biblioteca da Fundação Joaquim Nabuco129, que se refere a um instrumento musical de origem árabe, que precedeu o violino, cujo o som soa por fricção e se toca com um arco.

127 A obra citada pode ser vista na página online do site de leilões de arte, Catálogo das Artes, através do endereço eletrônico disponível: < http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1147/rabequista-arabe> acesso em 15/04/2019. 128 A Folha Nova, 21 de Outubro de 1884. 129 A biblioteca pode ser acessada através de seu endereço eletrônico disponível na página online: acesso em 02/07/2019. 190

Dessarte, podemos indagar apesar de várias dúvidas apontadas acima com relação a autoria da tela, que muito provavelmente se trata de uma cópia da tela de Pedro Américo, a rabequista árabe.

Figura 144-Silva, Oscar Pereira da. “Figura Figura 145- AMÉRICO Pedro. Rabequista tocando violino”. 1957. Óleo sobre tela, 55 x 74 árabe.1884. Óleo sobre, tela, 87,60 x 60 cm. cm. Fonte: Catálogo das Artes Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro- Brasil. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural.

Figura 146- AMÉRICO Pedro. Rabequista árabe (detalhe). 1884. Óleo sobre, tela, 87,60 x 60 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro- Brasil. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural.

191

Através de umas notas publicadas em alguns periódicos, conseguimos ter notícia que Oscar reproduziu mais telas de Pedro Américo. O Diário do Brazil130 menciona a reprodução da tela Batalha do Avai, executada por Pedro Américo em 1872-79. O periódico Gazeta da Tarde131, também menciona esta cópia realizada por Oscar, onde o enche de elogios e o escritor parece impressionado com o talento do artista, que contava na época com apenas 18 anos de idade. A reação positiva a tela de Oscar é tanta, que o escritor a compara como “uma das primeiras manifestações de um Oracio Vernet” e ainda menciona o fato de Pereira da Silva não ter tido experiência artística fora do território nacional.

Figura 147- Nota do jornal Diário do Brazil, qual informa que Oscar expos uma tela na galeria Moncada. Trata-se de uma cópia da tela de Pedro Américo, Batalha do Avaí.

A outra tela que Oscar reproduziu aparece com o título de Heloísa e o jornal Gazeta de Notícias132 nos informa desta cópia. Acreditamos que embora não tenhamos a reprodução em imagem desta tela, se trate de uma cópia da tela de Pedro Américo intitulada: O voto de Heloísa133 executada e 1880, pertencente hoje ao Museu Nacional de Belas Artes.

130 O Diário do Brazil, 6 de março de 1884, na página 2. 131 Gazeta da Tarde, 14 de março de 1884. 132Gazeta de Notícias, 3 de novembro de 1888, pág. 1. 133 A referente pintura pode ser vista através do Google Arts & Cultura, disponível no endereço eletrônico: acessado em: 22/05/2019. 192

Figura 148- Nota do jornal Gazeta de Notícias, qual informa que Oscar Pereira da Silva expos duas telas na galeria Vieitas, onde uma delas é uma cópia da tela de Pedro Américo, que aparece com o título de Heloísa.

Uma nota do jornal Correio Paulistano134nos informa outra cópia realizada por Oscar de Pedro Américo. Trata-se da tela Independência ou Morte (fig.150). Apesar do periódico trazer uma reprodução em imagem desta obra, a qualidade não é aprazível, dificultando assim, que façamos uma análise comparativa entre a cópia e a original.

Figura 149- Nota do jornal Correio Paulistano, onde menciona a cópia que Oscar executou da tela de Pedro Américo: Independência ou Morte.

134 Correio Paulistano, 7 de setembro de 1904, pág. 1-2. 193

Figura 150- Reprodução da tela de Oscar Pereira da Silva, cópia de Pedro Américo, da tela intitulada: Independência ou Morte, que ilustra a primeira página do jornal Correio Paulistano.

Figura 151- AMÉRICO, Pedro. Independência ou Morte (Grito do Ipiranga). 1888. Óleo sobre tela, 415 x 760 cm.Museu Paulista, São Paulo- Brasil. Fonte: Warburg Banco Comparativo de Imagens.

O jornal Diário de Notícias de 1889135, nos informa de outra tela executada por Oscar que também é uma cópia de Pedro Américo. Infelizmente a nota não aborda o nome da pintura, somente menciona ser uma tela de Américo e que pertence ao acervo do Museu de Belas Artes.

135 Diário de Notícias, 8 de fevereiro de 1889, pág. 2. 194

Juntamente com esta cópia, Oscar expôs na casa Vieitas uma tela de temática religiosa e um retrato representando Nossa Senhora.

Figura 152- Nota do jornal Diário de Notícias, onde aponta que Oscar Pereira da Silva expôs dois quadros na galeria Vieitas, sendo um deles, uma cópia de Pedro Américo. Através da nota do jornal Gazeta Litterária136, temos a informação que o catálogo elaborado pelo De Wilde, com algumas ilustrações de obras que figuraram na Exposição Geral de Belas Artes do Rio de Janeiro, ocorrida no ano de 1884, tinha como função aproximar o público das artes. O periódico menciona que as ilustrações referentes ás telas do artista Pedro Américo, foram elaboradas por Oscar. A nota menciona curiosamente que ninguém havia mencionado este fato. Não encontramos outras fontes que comprovassem tal ato, nem que dissesse o contrário. A própria página que vem após a folha de rosto do catálogo, palavras quais o documento mencionar pertencer ao próprio De Wilde, pronuncia que grande parte das ilustrações foram executadas pelos próprios artistas a que se referem, ou seja, realmente nem todos executaram as ilustrações referentes as suas próprias pinturas.

Figura 153- Nota do jornal Gazeta Litterária, onde menciona que as ilustrações presentes no Catálogo Ilustrado da Exposição Artística na Imperial Academia de Belas Artes, referentes às telas de Pedro Américo, são de autoria de Oscar pereira da Silva.

136 Gazeta Litterária, 2 de setembro de 1884, pág. 15, na coluna intitulada “Movimento Artístico”. 195

Figura 154- Página do Catálogo Illusrado da Exposição Geral de Bellas Artes-1884, organizado por De Wilde, onde menciona que nem todas as obras foram executadas pelos próprios artistas que fazem referência as telas apresentadas na exposição.

Desta forma, esta informação sustenta a hipótese de que realmente Oscar Pereira da Silva possa ter executado os desenhos que se referem as obras de Pedro Américo. As ilustrações137 que constam no catálogo referente às telas de Américo, concernem as obras: A carioca; Joana D’Arc; Judith rende graças a Jeová por ter conseguido livrar sua pátria dos furores de Holofernes; Retrato de D. João IV, infante, Duque de Bragança; “A vaidosa” e por fim, mas não menos importante, A noite e os gênios do estudo e do amor.

137 Preservamos os nomes das ilustrações conforme aparecem no catálogo, bem como a grafia, afim de manter o conteúdo na íntegra do documento. 196

Figura 155- A Carioca. Fonte: Catálogo da Exposição Figura 156- Figura- AMÉRICO, Pedro. A Artística da Academia Imperial de Belas Artes. Org. Carioca.1882.Óleo sobre tela, 205,5 x 134 cm. por Wilde,1884. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro- Brasil. Fonte: Wikipédia

Vale destacar que, ao comparar as telas originais com as ilustrações do catálogo, estamos lidando com obras de suporte distinto. Assim, haverá uma diferença entre elas naturalmente. Com relação ao desenho da tela A carioca (fig.155), percebemos que a linha que forma o tronco do corpo da figura feminina não é reto como na tela original, conferindo algumas curvas extras para este corpo. O ventre é mais saliente no desenho do que a tela de Pedro Américo realmente nos apresenta. Já os seios, quase não são perceptíveis aos nossos olhos. Os pés, não tem o acabamento como na tela de Américo, onde na ilustração, somente vemos apenas três dedos. Mas a marca da tela de Américo foi mantida, justamente o exagero do tamanho da coxa da perna esquerda da figura feminina. Na ilustração que representa a tela Joana D’Arc (fig.157), observamos que há algumas proporções exageradas. Por exemplo, ao olharmos para a cabeça desta figura feminina, percebemos que ela é bem menor em relação ao corpo, fato que não ocorre na tela original, onde há simetria. 197

Figura 157- Joana D’Arc. Fonte: Catálogo da Figura 158- AMÉRICO, Pedro. Joana D’Arc.1883. Exposição Artística da Academia Imperial de Belas Óleo sobre tela, 229 x 156 cm Museu. Nacional de Artes. Org. por De Wilde, 1884. Belas Artes, Rio de Janeiro-Brasil. Fonte: Wikipédia.

Já a ilustração da tela Judith rende graças a Jeová por ter conseguido livrar sua pátria dos furores de Holofernes (fig.159), percebemos que dialoga com a cópia realizada por Oscar Pereira da Silva. Retomando a fala da pesquisadora Formico (2012), qual menciona que a face da figura feminina deixa de ser oval para ser totalmente redonda na cópia executada por Oscar. Percebemos que na ilustração o mesmo acontece. Como também o ventre de Judith se apresenta mais proeminente do que a composição de Pedro Américo. Notamos que há a presença de uma faixa na vestimenta da figura feminina, logo abaixo dos seios, que não faz parte da tela de Américo e nem está presente na cópia executada por Oscar.

198

Figura 159- Judith. Fonte: Catálogo da Exposição Artística da Academia Imperial de Figura 160- AMÉRICO, Pedro. Judith rende graças a Jeová por ter conseguido livrar sua Belas Artes. Org. por De Wilde,1884. pátria dos furores de Holofernes.1880.Óleo sobre tela, 229 x 141 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro-Brasil. Fonte:

Wikipédia.

Figura 161 -SILVA, Oscar Pereira da. Judite e Holofernes. Óleo sobre tela, 72 x 52 cm. Coleção Arnésio Urbano Júnior. Fonte: Livro Quatro grandes pintores de São Paulo.

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Na ilustração que representa a tela Retrato de D. João IV, infante, Duque de Bragança (fig.162), vemos que as pernas da criança são bem mais esguias do que a tela original. Observamos também que o desenho das mãos da figura infantil não são ricas em detalhe quanto na pintura de Américo. Na ilustração, mal percebemos as formas dos dedos, apenas o contorno do membro.

Figura 162- Retrato. Fonte: Catálogo da Exposição Figura 163- AMÉRICO, Pedro. Retrato de D. João da Artística Academia Imperial de Belas Artes. Org. IV, Duque de Bragança. 1879. Óleo sobre tela,152 x por De Wilde,1884. 106 cm Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro-Brasil. Fonte: Wikipédia.

Na ilustração que se refere a tela “A vaidosa” (fig.164), percebemos que os traços empregados para a composição da face da figura infantil feminina, conferiu-lhe um semblante dessemelhante ao da pintura de Pedro Américo. Na tela original, o olhar da menina mira o espectador. Já na ilustração, seu olhar parece distante, vago, olhando para algo fora do desenho e, os traços empregados tiraram-lhe as características infantis, concedendo-lhe uma aparência madura. A sombrinha que porta em suas mãos que ajuda-lhe a sustentar sua posição, também se apresenta com traços díspares. Na tela de Pedro Américo, este objeto apesar de ser afilado, os babados da renda conferem certo volume. O que não ocorre na ilustração, sendo muito afinado e sem detalhes. 200

Figura 164- Retrato. Catálogo da Exposição Figura 165- AMÉRICO, Pedro. “A vaidosa”.1881. Artística de Belas da Academia Imperial de Artes. Óleo sobre tela, 109 x 175 cm. Coleção Privada. Org. por De Wilde,1884. Fonte: Wikipédia.

A última ilustração e a mais importante para nós, se refere a tela A noite e os gênios do estudo e do amor (fig.166). Diferentemente das outras ilustrações aqui apresentadas, esta nos chama muita atenção, não só por se tratar da mesma temática que trabalhamos, mas pelo próprio desenho. Os detalhes da ilustração são muitos semelhantes em alguns pontos com a tela original de Pedro Américo, como o movimento dos dedos que segura o ponto luminoso, o olhar da figura feminina que diferentemente da ilustração anterior, permanece encarando o espectador. O movimento do panejamento que cobre o corpo feminino, sugerindo a força do vento para o lado esquerdo, assim como o fogo que se avoluma para o lado direito, exatamente como encontramos na composição de Américo. Mas o detalhe mais importante para nós, são os pés da figura feminina. O artista que executou esta ilustração, mantivera a anotação que Américo representou nesta tela. O dedo hálux, ou conhecido popularmente como “dedão”, está exageradamente afastado dos outros em ambos os pés. Mencionamos mais acima, que Oscar Pereira da Silva realizara uma cópia justamente desta tela de Américo porém, ela foi executada cinco anos mais tarde, em 1889. Seria notável 201

se dispuséssemos da reprodução em imagem desta cópia executada por Oscar para comparar com a tela de Pedro Américo e a ilustração. Assim, poderíamos através dos traços, falar com veracidade que ele mesmo executara estes desenhos, mas por hora, podemos apenas supor.

Figura 166- A Noite. Fonte: Catálogo da Exposição Figura 167- AMÉRICO, Pedro. A noite e os gênios Artística da Academia Imperial de Belas Artes. Org. do estudo e do amor. 1883. Óleo sobre tela, 260 x por De Wilde,1884. 195 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro- Brasil. Fonte: Warburg Comparativo Banco de Imagens.

Assim, diante destas cópias aqui apresentadas executadas por Oscar Pereira da Silva, podemos inferir que entre os artistas brasileiros que mais reproduziu, são as telas do pintor Pedro Américo. Em entrevista a Laudelino Freire (1914), quando Oscar é questionado sobre quem seriam os dez artistas mais notáveis do Brasil, em primeiro lugar, o pintor menciona nada mais nada menos que o nome de Pedro Américo. O mesmo acontece quando é questionado de forma mais íntima, acerca de quais seriam os artistas que mais influíram em sua carreira. Novamente, o nome de Pedro Américo é citado. Deduzimos que, apesar destes dois artistas não terem mantido uma relação de amizade, Oscar nutria uma admiração pela figura que Pedro Américo representava no período enquanto artista brasileiro: um grande mestre. Sentimento este que se desvela nas reproduções que executava constantemente do artista. 202

Por fim, diante de todas estas informações aqui apresentadas, A Noite não se apresenta como mais uma criação entre tantas dentro da produção de Oscar Pereira da Silva ou como uma mera semelhança com a tela de Pedro Américo que se faz por coincidência, mas representa uma relação entre dois artistas que, nas vivências da vida, fora marcada por desencontros. Porém, a tela é muito expressiva e se apresenta como um belo modelo de admiração que Pereira da Silva nutria pelo grande pintor que foi Pedro Américo.

203

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para construir este estudo da tela A noite, foi necessário ir além do campo da Arte, estabelecer ligações interdisciplinares com outros campos do conhecimento. Metodologia esta já apontada pela primeira geração dos Annales, ao indicar uma necessidade de ampliação dos horizontes no campo de pesquisa do historiador, através da interdisciplinaridade e multidisciplinaridade, onde Bloch (2001) assinalava a sua importância:

Toda ciência, tomada isoladamente, não significa senão um fragmento do universal movimento rumo ao conhecimento [...] para melhor entender e apreciar seus procedimentos de investigação, mesmo aparentemente os mais específicos, seria indispensável associá-los ao conjunto das tendências que se manifestam, no mesmo momento, nas outras ordens de disciplina. (BLOCH, 2001, p. 30)

Desta forma, buscamos dialogar teóricos da História com a História da arte e a Literatura, ao analisar questões sociais, culturais e históricas- necessárias para a compreensão e investigação da própria tela de Pereira da Silva. Conhecimentos estes, que se desvelaram e se construíram conduzidos pela sua própria narrativa. Ao realizar esta pesquisa através de uma pintura de um artista, acreditamos que:

Entender o fator preponderante da realização de uma imagem pelo artista em um determinado local é, antes de tudo, compreender a obra não em chaves de originalidade, mas percebê-la em um ambiente cultural que dialoga e se mostra a partir das relações seguidas de demonstrações em cada obra. Este ambiente cultural não diz respeito apenas aos anos que circundam a vida do artista, mas àqueles que a obra analisada suscita. (COSTA JÚNIOR, Martinho Alves, 2013: 356-7)

Desta forma, no decurso desta dissertação pela análise de A noite, foi possível depreender não só informações sobre a obra ou artista, mas do próprio mundo em que estavam inseridos. Este, pertencente à História da Cultura. Através da trajetória de A noite, foi possível depreender um pouco sobre relação entre paulistas e italianos na capital paulista por volta dos anos 1928, sobretudo no campo das artes. Relação esta, que não era muito amigável. Enxergar como as exposições de arte aconteciam no período que compreende a primeira República brasileira e a importância das exposições coletivas, que começavam a surgir. Bem como o próprio acervo do Museu Mariano Procópio, ao apontar A noite dentro do acervo e compará-la com a tela de Horácio Hora-Folhas de Outono. 204

O próprio gênero da tela de Pereira da Silva nos levou a questões acerca da própria alegoria dentro da pintura. Questões que trouxeram obstáculos a nossa pesquisa, mas ao mesmo tempo, a tornaram ainda mais instigante. Assim, foi possível perpassar pela própria indagação do que seria de fato uma pintura alegórica e além. Como o gênero era compreendido pelos críticos brasileiros durante a primeira República brasileira. E como foi possível perceber, esta compreensão não se faz de forma imediata. Estudar o gênero alegórico implica em complexidades, pois a obra alegórica pode perpassar por outros gêneros dentro da pintura, se tornando hibrida- como foi o caso de A noite, apresentando uma pintura alegórica que também é um nu feminino. Desta forma, foi necessário analisar a tela de Pereira da Silva nestes dois aspectos, qual foi revelador para a nossa pesquisa. Ao olhar a obra enquanto uma pintura alegórica, detivemos a compreensão que Oscar Pereira da Silva não se utilizou da literatura-como fizera alguns artista, para compor a sua representação do anoitecer. Além de vermos algumas transformações na própria composição de uma obra alegórica, que se desprende de suas qualidades espirituais, que em grande parte apresenta uma mulher inalcançável e que não desperta lascívia ao espectador. Para apresentar uma mulher com traços fisionômicos comuns aos das mulheres da sociedade, onde o observador facilmente poderia identifica-la. Além, da própria carnalidade presente na coloração de uma pele que vibra. É esta mulher que Oscar Pereira da Silva nos apresenta em A noite. Pelo estudo da alegoria, foi possível passar por outros caminhos. Como ponderar o papel da mulher na primeira República brasileira, ainda que de forma breve. Ao estabelecer uma conexão com a representação feminina em contraposto com a imagem masculina da monarquia, a proposta dos positivistas era criar uma nova imagem para o novo regime de política do Brasil. Esta, que se centrou na própria representação alegórica da República. Como pontuou José Murilo de Carvalho (2005), esta representação tendo como protagonista a mulher, não durou muito tempo, pelo simples fato das mulheres brasileiras não terem participação na vida política brasileira, diferente das francesas. As mulheres, eram vistas como indivíduos que deveriam manter habilidades domésticas. Deveriam cuidar da família e dos filhos. Ser uma verdadeira “artesã da pátria”. Desta forma, a imagem da mulher começa a ser desapropriada para representação da República, desta forma, as alegorias com esta temática vão deixando de ser frequente e, coincidentemente, vão abrindo espaço para a temática da passagem do tempo. 205

Como acontece com a representação de Pereira da Silva e tantos outros artistas. Não encontramos fontes que nos apontassem ou indicação a predileção pelos tema nas pinturas alegóricas. Mas o fato é que elas estavam agradando o público naquele período. A imagem da mulher durante a primeira República ainda teve um período desmoralizador, como aponta Murilo de Carvalho (2005), sendo estampado em muito jornais a imagem da República como prostituta, com finalidade de mostrar o descontentamento do povo com o novo regime, através do gênero alegórico. Por outro lado, ao se atentar para a tela de Oscar Pereira da Silva enquanto uma pintura de nu feminino, foi possível perceber por meio de comparações com outras telas de mesmo gênero do artista, que este não era alheio ao que ocorria a sua volta. Oscar soube executar nus femininos com tamanha realística, outros com estética fortemente ligada aos cânones da belas artes. Outros, que evidenciavam estilos reputados como moderno. Percebemos que não só os nus de Pereira da Silva apresentavam este estética pictórica, mas em cenas de gênero e paisagem. Estas que se aproximam de grandes mestres franceses, como Édouard Manet, mas também dos próprios artistas paulistas. Através de Ana Paula Nascimento (2010), foi possível realizar esta ligação, onde, as telas de Pereira da Silva assim como dos artistas paulistas, denotavam características mistas de estéticas acadêmicas e modernas. Fato que se apresenta como uma informação importante não só para o estudo de nosso objeto de pesquisa que se encontra nas origens destas experimentações do artista, mas também para a própria história de Pereira da Silva, que foi ao longo do tempo, encarado como um artista acadêmico. Nossa pesquisa demonstra que Oscar experimentou outras técnicas de estudo e que estes trabalhos não eram apenas estudos para exercer seu magistério. As telas compunham seu acervo pictórico de trabalho e estudo. Outra informação que foi possível descobrir através do estudo e análise de A noite, foi a admiração que Pereira da Silva nutria pelo artista Pedro Américo. Apesar de no percurso da pesquisa não ter encontrado documentos que indicassem uma relação de amizade entre os dois artistas, foi possível constatar esta afeto de Oscar por Américo. A partir deste caminho, a pesquisa abriu portas para conhecer uma outra “face” de Pereira da Silva, esta, como um artista que executava cópias de outros e partir delas, demonstrava suas habilidades enquanto pintor e ao mesmo tempo, sua apreciação por artistas que compreendia como mestres, tantos estrangeiros, como nacionais. 206

Assim, realizamos uma pesquisa em que você leitor, tivesse a oportunidade de observar a História por outras lentes. Estas, da História da Arte e da Cultura. Ao traçar a trajetória d’ A Noite, percebemos o quão singular esta tela de Pereira da Silva se apresenta a nós, mesmo anos após a sua execução. O fato de não termos encontrado um estudo de fôlego sobre ela, nos chama ainda mais atenção pois, até textos breves como artigos são escassos. Uma obra tão representativa, com uma força tão expressiva em sua composição não poderia ficar as trevas da pesquisa e do conhecimento. Como podemos constatar, através de seu percurso, mesmo pelas limitações impostas pela falta de informações mais precisas, tivemos conhecimentos tanto acerca do pintor quanto de relações sociais advindas da tela. Até o próprio percurso que a tela fez se faz peculiar. Uma pintura que foi executada em São Paulo em 1927, permaneceu lá por uma breve temporada e aparece no estado do Rio de Janeiro por volta de 1933 e, por fim, também por um finito período, mostra-se provavelmente quatro anos mais tarde, na cidade de Juiz de Fora, compondo o acervo do Museu Mariano Procópio. Desta forma, através de A Noite, três estados brasileiros encontram-se ligados: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, transversalmente pela História da Arte e pela Cultura.

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ACERVO DA BIBLIOTECA BRASILIANA DIGITAL GUITA E JOSÉ MINDLIN:

Título: Arlequim: Revista de actualidades Editor: Mennucci, Sud, 1892-1948; Goulart, Mauricio; R. Neto, Américo. Ilustrador: Villin, J. G. Imprenta: São Paulo: Typ. Irmãos Ferraz, 1927-1928 Periodicidade: Irregular Descrição física: 25 fasc. Coleção: 1927 (n. 01-07); 1928 (n. 08-25) Referência completa: ARLEQUIM: Revista de actualidades. São Paulo: Typ. Irmãos Ferraz, 1927-1928. 25 fasc. URI: acesso em 13/11/2019.

ACERVO DO MUSEU DE ARTE MURILO MENDES- BIBLIOTECA DORMEVILLY- MINAS GERAIS, JUIZ DE FORA

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ACERVO DO MUSEU DE ARTE MURILO MENDES- BIBLIOTECA POLIEDRO- MINAS GERAIS, JUIZ DE FORA

TURIM 1911: Vestígios de uma exposição universal. São Paulo: Pinacoteca do estado, 2014. 80 p.

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Programa Club Beethoven: 3.º grande concerto symphonico. Rio de Janeiro, Typographia de G. Leuzinger & Filhos, 1884.

Maria das Graças de Almeida (org.). Ficha Catalográfica da tela A Noite, de Oscar Pereira da Silva. In: Levantamento de Pinturas de cavalete do Museu Mariano Procópio, de M á P. Fundação Museu Mariano Procópio,2010, p.20-21.

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MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES- BIBLIOTECA- PASTA “OSCAR PEREIRA DA SILVA”

Recorte de Jornal-Diário de São Paulo, São Paulo, 19 de janeiro de 1939. “Oscar Pereira da Silva”.

MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES -CATÁLOGO DE OBRAS- BIBLIOTECA

Reprodução em imagem- AMOEDO, Rodolfo. Saudade. 1907. Óleo sobre tela,140,5 x 98,7 cm.

PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO- BIBLIOTECA WALTER WEY E CEDOC: “PASTA OSCAR PEREIRA DA SILVA”

Recorte de jornal- Diário Popular, São Paulo, 25 de outubro de 1984. 217

MUSE ITALICHE Sociedade Italiana de Cultura. 1ª Exposição de Bellas Artes, Palácio das Indústrias. Catálogo Geral. São Paulo, 1928, 48 p.

CEZARIO, Hernane Douglas. Obras que dialogam entre si: estudo comparado entre os trabalhos de Almeida Júnior e Oscar Pereira da Silva. São Paulo, 2005, 51 p.