3. Estéticas Da Periferia: As Imagens Da Favela No Cinema Novo E No Cinema Da Retomada
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3. Estéticas da Periferia: as imagens da favela no Cinema Novo e no Cinema da Retomada Uma das marcas da cena artística, cultural e midiática brasileira contemporânea é a grande produção e proliferação de novelas, minisséries, documentários e ficções cinematográficas que abordam os territórios periféricos, os sujeitos excluídos socialmente e as culturas marginalizadas. A favela, o morro, o gueto, o subúrbio e o sertão ganham visibilidade nos meios de comunicação de massa como objeto de análise, fascínio e espetacularização. Programas televisivos como Cidade dos Homens (Rede Globo ), Antônia (Rede Globo ), Central da Periferia (Rede Globo ), Vidas Opostas (Record ) e Duas Caras (Rede Globo ), entre outros produtos midiáticos, reafirmam clichês, estigmas e estereótipos que marcam estes territórios de miséria e exclusão social. No entanto, devido ao caráter heterogêneo e diversificado dos produtos midiáticos, os aspectos positivos, glamourizados, de pureza e ingenuidade também são apresentados nessas produções televisivas. No campo cinematográfico não é diferente. Muitas imagens, discursos e narrativas sobre os territórios marginalizados e periféricos ganham destaque no cinema brasileiro contemporâneo. O denominado Cinema da Retomada não deixa de retratar em larga escala os sujeitos sociais, as culturas e territórios que vivem à margem de um centro de poder político, econômico, social e cultural no Brasil. A favela, o subúrbio e o sertão são tematizados em ficções cinematográficas como: Como Nascem os Anjos (Murilo Salles, 1996); Central do Brasil (Walter Salles, 1998); O Primeiro Dia (Walter Salles, 1998); Orfeu (Cacá Diegues, 1999); O Invasor (Beto Brant, 2001); Cidade de Deus (Fernando Meirelles e Kátia Lund, 2002); Quase Dois Irmãos (Lúcia Murat, 2004); Antônia (Tata Amaral, 2006); Cidade dos Homens (Paulo Morelli, 2007); Tropa de Elite (José Padilha, 2007), e outros filmes que, se fossem citados, constituiriam uma listagem imensa. Até nas produções cinematográficas internacionais as favelas do Brasil ganham destaque e visibilidade. No filme O Incrível Hulk (Louis Leterrier, 2008), o personagem principal da história, o Dr. Bruce Banner (cientista que se transforma no super-herói Hulk), 48 esconde-se dos seus inimigos na favela da “Rocinha 1” no Rio de Janeiro. Em uma das cenas iniciais, a câmera sobrevoa o morro da Rocinha, ganham destaques os barracos que constroem um retrato da marginalidade e da exclusão dos moradores dessa comunidade carioca 2. Outra cena interessante é a perseguição dos militares americanos ao Dr. Benner dentro da favela: moradores, barracos, terraços, becos e vielas facilitam a fuga do cientista, já adaptado ao território irregular do morro, e confundem os soldados americanos, não acostumados à geografia irregular e labiríntica do local. Este interesse midiático internacional pelas favelas cariocas não é um fenômeno recente. Segundo Ivana Bentes um momento extracinematográfico importante na construção desse novo imaginário sobre a periferia é a vinda do cantor Michael Jackson ao Brasil. Em 1998, Michael Jackson decide filmar o seu novo videoclipe num morro do Rio de Janeiro, colocando os moradores como figurantes num superespetáculo visual. Esta produção reafirma o interesse cultural e midiático sobre aquilo que é periférico e marginal no Brasil. Signo desse novo contexto, um pop star internacional usa imagens da miséria como um “plus” que incrementa sua própria imagem, jogando, no circuito visual internacional, as imagens da favela Dona Marta como algo típico e original. No título do clipe, Jackson ainda fazia um apelo vagamente político: “They don´t care about us”. (BENTES, 2007: 194) É importante ressaltar que este grande boom de imagens, discursos e narrativas sobre os territórios e sujeitos periféricos não fica restrito aos filmes de ficção e nem às produções extracinematográficas. A partir dos anos 90, o subúrbio, a favela e o sertão também são retratados em diversos documentários nacionais. Os sujeitos marginalizados e excluídos são um dos principais temas da produção de documentários no Brasil 3. 1 As filmagens realizadas no Rio de Janeiro foram feitas na favela Tavares Bastos (se passando por Rocinha), em Santa Teresa (que também faz as vezes de Chiapas, no México), na Lapa e na floresta da Tijuca (ou Guatemala, para o filme). As imagens da Rocinha ficaram restritas às tomadas aéreas da localidade. Fica evidente nesse filme a idéia de uma periferia global e homogênea. 2 Atualmente as imagens midiáticas dos morros, da violência e da pobreza têm substituído a idéia de um Rio de Janeiro como território de belas praias e mulheres, local de samba, carnaval e de habitantes simpáticos, felizes e agradáveis. A cada dia fica fixo no imaginário social a idéia do Rio de Janeiro “cidade partida” ao invés do Rio “cidade maravilhosa”, como se vê em filmes como Notícias de uma Guerra Particular, Quase Dois Irmãos, Tropa de Elite, entre outros . 3 SOUZA, Gustavo. Traficantes, justiceiros e rappers: A ivasão dos setores da margem na produção nacional de documentários. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação da ECA/UFRJ, 2006. Este trabalho investiga a 49 Documentários como: Rio Funk (Sérgio Goldenberg, 1995) , Notícias de uma Guerra Particular (João Salles e Kátia Lund, 1998) ; Santo Forte (Eduardo Coutinho, 1999) ; Ônibus 174 (José Padilha, 2002) ; Sou Feia mas Tô na Moda (Denise Garcia, 2004) ; Fala Tu (Guilherme Coelho, 2004) ; Meninas (Sandra Werneck, 2006) ; Falcão, Meninos do Tráfico (MV Bill e Celso Athayde, 2006) , apresentam e discutem as dificuldades, os problemas sociais, econômicos e culturais dessas zonas e sujeitos que vivem à margem da sociedade . Aparecendo como tema ou como cenário, os territórios periféricos geram um rico material simbólico que repercute no imaginário social. Porém, devemos frisar que esta hiperprodução de imagens e narrativas cinematográficas sobre a periferia não é algo recente na história do cinema brasileiro. No fim dos anos 50 e durante os anos 60, o cinema nacional já oferecia uma certa visibilidade, colocava em debate aspectos políticos, culturais, sociais e econômicos do sertão e da favela. O movimento conhecido como Cinema Novo colocava como tema e cenário as zonas excluídas do Brasil, filmes como: Rio, 40 graus (Nelson Pereira do Santos, 1955), Rio, Zona Norte (Nelson Pereira do Santos, 1957), Cinco Vezes Favela (uma produção constituída de cinco curtas metragens: Um Favelado , de Marcos Faria; Zé da Cachorra, de Miguel Borges; Escola de Samba, Alegria de Viver , Carlos Diegues; Couro de Gato, de Joaquim Pedro de Andrade; Pedreira de São Diogo , Leon Hirszman, 1962), Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964), Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (Glauber Rocha, 1969) , Câncer (Glauber Rocha, 1968/72), entre outros, já geravam uma pluralidade de imagens e narrativas sobre os territórios de miséria. Perante esta multiplicidade de narrativas cinematográficas sobre estas zonas marginais, levantamos os seguintes questionamentos: Quais são as aproximações e as diferenças entre as produções cinematográficas do Cinema Novo e do Cinema da Retomada? Como a favela é representada nesses filmes de ontem e hoje? Não pretendemos dar conta da multiplicidade e diversidade de produções do Cinema Nacional que tematizam estes territórios. Sabemos que todas as obras, apesar de em alguns pontos seguirem uma ética e uma estética do seu tempo, carregam suas grande produção de documentários que abordam os sujeitos e setores marginais e periféricos “pós-1993” no Brasil. 50 particularidades, singularidades que os distinguem de outras obras cinematográficas anteriores ou posteriores. Pensando nisso, abordaremos três filmes que consideramos representativos em suas estéticas e em seus temas do Cinema Novo e do Cinema da Retomada. Os filmes dos anos 50 e 60 que serão analisados são Cinco Vezes Favela e Rio, 40 graus , porque abordam as favelas do Rio de Janeiro e, de alguma forma, tratam do cotidiano e da cultura popular do morro: as crenças, as dificuldades, as preocupações, o trabalho, os conflitos, as alegrias, o samba, o carnaval. A terceira produção, que será nosso material de reflexão, é o longa-metragem Câncer , de Glauber Rocha, no qual podemos encontrar algumas idéias da “Estética da Fome” que orientaram diversas produções cinematográficas deste período. Já os filmes nacionais contemporâneos a serem analisados são: Cidade de Deus , que gerou grandes debates intelectuais, estéticos e sociais sobre as representações das favelas e dos excluídos socialmente; Quase Dois Irmãos , que dialoga diretamente com os temas tratados pelos cineastas do Cinema Novo e coloca em foco a cultura do morro, o funk e o samba; Tropa de Elite , que tematiza a favela, o narcotráfico, a corrupção policial, a criminalidade, a violência urbana, a juventude da periferia e suas relações com os jovens da classe média, enfim, os temas muito reincidentes nas produções cinematográficas atuais. Um dos primeiros diretores a levar a favela para as telas do cinema foi Humberto Mauro, com Favela dos Meus Amores , de 1935, estrelado e produzido por Carmen Santos para a Brasil Vita Filme . Este filme foi feito com a participação da população da Providência. No entanto, essas imagens foram perdidas num incêndio no depósito da Brasil Vita Filme em 1957. É importante ressaltar que na época do cinema mudo, ainda que de forma espaça, a periferia e os sujeitos marginalizados já ganhavam destaque. Conforme Souza, filmes como Santa Maria Atualidades (Francisco Santos, 1912),