Geordie Grieg Café Com Lucian Freud.Pdf
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Tradução de WALDÉA BARCELLOS 1ª edição 2013 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G862c Grieg, Geordie, 1960- Café com Lucian Freud [recurso eletrônico] / Geordie Grieg ; tradução Waldéa Barcellos. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Record, 2013. recurso digital Tradução de: Breakfast with Lucian Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-01-10167-9 (recurso eletrônico) 1. Freud, Lucian, 1922-2011. 2. Freud, Lucian, 1922-2011 – Narrativas pessoais. 3. Pintores – Grã-Bretanha – Biografia. 4. Livros eletrônicos. I. Título. 13-07241 CDD: 927 CDU: 929:75 Título original em inglês: Breakfast with Lucian Copyright © Geordie Greig, 2013 Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito. Proibida a venda desta edição em Portugal e resto da Europa. Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela EDITORA RECORD LTDA. Rua Argentina 171 – 20921-380 – Rio de Janeiro, RJ – Tel.: 2585-2000, que se reserva a propriedade literária desta tradução Produzido no Brasil ISBN 978-85-01-10167-9 Seja um leitor preferencial Record. Cadastre-se e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções. Atendimento direto ao leitor: [email protected] ou (21) 2585-2002. What matter? Out of cavern comes a voice And all it knows is that one word ‘Rejoice!’ Conduct and work grow coarse, and coarse the soul, What matter? Those that Rocky Face holds dear, Lovers of horses and of women, shall, From marble of a broken sepulchre, Or dark betwixt the polecat and the owl, Or any rich, dark nothing disinter The workman, noble and saint, and all things run On that unfashionable gyre again.* “The Gyres”, W. B. Yeats “Dull not to.”** H. L. C. Greig (1925-2012) Notas: * Em tradução livre: Que importa? Da caverna vem uma voz / E tudo o que conhece é aquela única palavra: “Regozijai-vos!” / A conduta e o trabalho se embrutecem, como se embrutece a alma, / Que importa? Aqueles a quem Cara de Pedra se afeiçoa, / Amantes dos cavalos e das mulheres, / Hão de desenterrar do mármore de um túmulo quebrado, / Da escuridão entre o furão e a coruja / Ou de qualquer nada pleno e escuro, / O trabalhador, nobre e santo, e todas as coisas giram/ Naquele vórtice antiquado mais uma vez. “Os vórtices” de W. B. Yeats. [N. da T.] ** Forma sintética de dizer “Aproveite as oportunidades que a vida oferece porque seria tolice não fazê-lo.” [N. da T.] Para Kathryn, Jasper, Monica e Octavia Sumário Prefácio 1. Café da manhã 2. Assédio 3. Primeiros tempos 4. Primeiros amores 5. Obsessão 6. Legado de Lorna 7. Caroline 8. Tinta 9. Amantes 10. História de uma filha 11. Dois retratos tardios 12. Marchans e o jogo 13. Prole 14. Finale Agradecimentos A família de Lucian (Árvore Genealógica) Notas Índice Prefácio m meados da década de 1990, Lucian Freud impediu a publicação de sua biografia Eautorizada. Muito embora tivesse cooperado com o escritor, pagou-lhe uma quantia substancial para dispensá-lo. Quando leu os originais, Lucian ficou estarrecido com a possibilidade de que tantos detalhes íntimos chegassem ao conhecimento do público. Foi abandonada a ideia de publicar o livro, enquanto ele estivesse vivo. Quando eu era repórter no Sunday Times, em fins da década de 1980, outro escritor contou- me que gângsteres da região do East End de Londres o tinham procurado em casa, a pedido de Freud, e o tinham ameaçado com consequências desagradáveis, se ele não parasse de fazer pesquisas para uma biografia. Aquele livro também definhou. Este livro não sofreu obstruções por parte dele. Ao longo da última década de sua vida, nós nos encontramos para tomar o café da manhã com regularidade; e, durante nossas inúmeras conversas, Lucian aos poucos foi se abrindo. Com o tempo, ele concordou em me deixar gravar o que dizíamos. Tínhamos um acordo que me permitia publicar em diferentes revistas e jornais o que ele me contava. O livro que resultou disso, começado após sua morte, encara a vida e obra de Lucian da perspectiva de alguém que acompanhou sua carreira por 35 anos, mas somente conquistou sua confiança nos dez últimos anos de sua vida. 1. CAFÉ DA MANHÃ al-arrumados, ligeiramente encurvados e em silêncio, os dois homens pareciam Mpersonagens chegando para um ensaio geral de Esperando Godot. O café da manhã com Lucian começava invariavelmente do mesmo jeito, com o Velho Mestre da arte britânica e David Dawson, seu assistente, mais jovem, percorrendo a pé os poucos metros que separavam a casa do pintor em Kensington Church Street, em Notting Hill, do restaurante Clarke’s. Lucian costumava vestir um sobretudo cinza de cashmere respingado de tinta e botas pretas de amarrar, do tipo usado por operários, o que lhe conferia uma aparência rebelde em termos de vestimenta. O casaco era de Issey Miyake, e sua camisa branca, que não tinha sido passada a ferro, estava amarfanhada, mas era cara. Lucian chegava ao Clarke’s quando o restaurante ainda estava fechado. Ele e David passavam discretamente pela porta da delicatéssen vizinha ao restaurante e entravam no salão vazio por um corredor lateral. A loja, que vende croissants de amêndoas, pains au chocolat, queijos orgânicos, quiches, tortas de limão, pãezinhos de salsicha e pães comuns, tem um bom movimento, mas o café da manhã ali ao lado era um privilégio que Sally Clarke — proprietária do restaurante e uma das últimas retratadas por Lucian — somente concedia a ele. Na realidade, o local tornou-se um salão particular matutino para Lucian e seus convidados. Trata-se de um restaurante pequeno, para a classe alta, que está estabelecido em Kensington há mais de um quarto de século. Seus frequentadores muitas vezes salientavam que ali se sentiam mais como num jantar entre amigos do que num restaurante, já que, na maior parte desse período, Sally Clarke não oferecia uma escolha em menu, mas apenas o que tinha resolvido preparar naquele dia. Nos últimos anos, essa característica distintiva foi substituída por algo mais maleável, havendo possibilidade de escolha entre três ou quatro pratos a cada dia, sempre preparados com ingredientes frescos, conforme a estação. O Clarke’s é um ponto de encontro discreto e prestigiado pelo alto escalão da BBC e por figuras como Bryan Ferry, Salman Rushdie e Dame Maggie Smith. Quando a líder oposicionista birmanesa, Aung San Suu Kyi, esteve no Reino Unido, em junho de 2012, depois de um exílio de 24 anos, foi ali que ela fez seu único almoço em Londres, no dia de seu aniversário de 67 anos. Senhoras inglesas de certa idade, em seus cashmere, apreciam sua atmosfera tranquila. Um cartão sobre a mesa avisa que é proibido o uso de telefones celulares. O duque e a duquesa de Cambridge são seus frequentadores. O restaurante está situado em meio a imobiliárias e antiquários especializados, sendo fácil deixar de percebê-lo; mas, uma vez que se entre por suas portas de madeira e vidro, fica evidente sua superioridade diante de quase todos os outros restaurantes na área. Lucian tinha começado a frequentar o minúsculo café na entrada do Clarke’s em 1989 com Leigh Bowery, o exuberante artista performático australiano, cujas bochechas com piercing e peruca loura ou cabeça raspada faziam com que Lucian, ao seu lado, parecesse uma figura anônima. Ele tornou-se modelo de Lucian e recebia pagamento para posar nu. Lucian adorava as toalhas de mesa brancas e engomadas, as mocinhas bonitas em uniformes de chef, a atmosfera leve e arejada, com arranjos coloridos de flores no balcão do bar, a comida deliciosa e, naturalmente, sua amizade com Sally. Seu estilo chique desleixado e seu toque de desalinho dissimulavam um homem de discernimento e bom gosto. Tudo era intencional. O café da manhã no Clarke’s era um precioso período de descanso para ele. Lucian tinha uma programação de trabalho interminável, contínua, desde que nenhuma oportunidade de levar uma mulher para a cama se apresentasse, como disse um gaiato, já que parecia que sua libido nunca se reduziu. De vez em quando, ele agarrava de brincadeira a coxa de uma convidada, das garçonetes ou de Sally, que riam, achando graça. De algum modo, ele se safava, mesmo com um gesto que, se feito por outros, poderia ter parecido grosseiro ou imprudente. A intenção era brincalhona, quase cômica e provida de carinho, tendo se originado numa era anterior aos tempos do politicamente correto. Era também prova de um homem que agarrava a vida. Não havia regras, pelo menos não no campo da diversão. Ele era alguém que fazia de tudo, impunemente. Mas a verdade é que seu avô Sigmund disse certa vez “não existe nada que se possa chamar de brincadeira”. Lucian e David iam ao Clarke’s a pé para tomar café na maioria dos dias, e por quase dez anos, com intervalos, geralmente aos sábados, eu pertenci ao pequeno elenco de amigos convidados, muito embora fôssemos mantidos separados. Lucian distribuía seu tempo entre amantes antigas e recentes, marchands, seus filhos, moldureiros e amigos. O leque era amplo: desde uma bela garota com câncer terminal que trabalhava para a rainha, um ex-dependente de heroína que tinha passado um período preso, seu fornecedor de vinhos, seu leiloeiro preferido, seu bookmaker até o pintor Frank Auerbach, seu amigo mais antigo. Freud era um grande desagregador. Poucos de nós tinham sua permissão para ver uns aos outros. Os pontos centrais na sua idade avançada eram seu ateliê de pintura e o Clarke’s. Todas as pessoas que lhe eram importantes nos seus últimos anos se encontravam lá.