Universidades Lusíada

Almeida, Diogo Rafael Soares de, 1989- O claustro como elemento catalisador da vida monástica : da clausura à cidade de Lisboa http://hdl.handle.net/11067/1538

Metadados Data de Publicação 2015-05-18 Resumo A presente investigação tem como objectivo a reflexão sobre a influência dos conventos no desenvolvimento de alguns aglomerados urbanos e a influência no seu tecido urbano. Nesse sentido é necessário entender essas construções como excepções para que, pelo seu valor histórico e pela memória que transmitem, eles adquiram valor contaminante. Por outro lado a vida cenobita e as construções que materializam esses ideais, também são alvo de estudo e permitem destrinçar vários aspectos dos edificios ... Palavras Chave Claustros (Arquitectura), Arquitectura religiosa, Conventos - Reforma para outro uso - - Lisboa, Convento das Bernardas (Lisboa, Portugal), Convento de São Francisco da Cidade (Lisboa, Portugal), Convento das Inglesinhas (Lisboa, Portugal) Tipo masterThesis Revisão de Pares Não Coleções [ULL-FAA] Dissertações

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UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA

Faculdade de Arquitec tura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Realizado por: Diogo Rafael Soares de Almeida Orientado por: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Constituição do Júri:

Presidente: Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha Orientador: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel Arguente: Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves

Dissertação aprovada em: 13 de Maio de 2015

Lisboa

2014

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Diogo Rafael Soares de Almeida

Lisboa

Dezembro 2014

U NIVERSIDADE L U S Í A D A D E L ISBOA

Faculdade de Arquitectura e Artes

Mestrado Integrado em Arquitectura

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Diogo Rafael Soares de Almeida

Lisboa

Dezembro 2014

Diogo Rafael Soares de Almeida

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.

Orientador: Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Lisboa

Dezembro 2014

Ficha Técnica

Autor Diogo Rafael Soares de Almeida

Orientador Prof. Doutor Arqt. Bernardo d'Orey Manoel

Título O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Local Lisboa

Ano 2014

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação

ALMEIDA, Diogo Rafael Soares de, 1989-

O claustro como elemento catalisador da vida monástica : da clausura à cidade de Lisboa / Diogo Rafael Soares de Almeida ; orientado por Bernardo d'Orey Manoel. - Lisboa : [s.n.], 2014. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.

I - MANOEL, Bernardo de Orey, 1969-

LCSH 1. Claustros (Arquitectura) 2. Arquitectura religiosa 3. Conventos - Reforma para outro uso - Portugal - Lisboa 4. Convento das Bernardas (Lisboa, Portugal) 5. Convento de São Francisco da Cidade (Lisboa, Portugal) 6. Convento das Inglesinhas (Lisboa, Portugal) 7. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 8. Teses - Portugal - Lisboa

1. Cloisters (Architecture) 2. Religious architecture 3. Convents - Remodeling for other use - Portugal - 4. Convento das Bernardas (Lisbon, Portugal) 5. Convento de São Francisco da Cidade (Lisbon, Portugal) 6. Convento das Inglesinhas (Lisbon, Portugal) 7. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations 8. Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon

LCC 1. NA4940.A46 2014

À memória dos meus avós.

AGRADECIMENTOS

Aos meus avós que estariam, e estão, orgulhosos desta minha pequena, grande, conquista.

Aos meus pais, José e Inês, o incondicional apoio que sempre me prestaram, bem como a paciência, os conselhos e o carinho que têm para comigo. A vós o meu maior e mais sentido respeito e agradecimento por tudo.

À Margarida pelo apoio e ajuda incondicional nos bons e maus momentos que acompanharam, e acompanham, este meu percurso de vida. A ti um muito obrigado.

Aos meus amigos, e colegas, que também me acompanharam e que estão e estiveram sempre comigo nos momentos cruciais.

Ao Professor Doutor Arqº Bernardo D’Orey Manoel, pela disponibilidade e comprisso com que orientou esta dissertação, bem como pelo contributo e partilha de conhecimento ao longo deste percurso académico. Um muito obrigado.

Aos ateliês, Arquisoma e Gonçalo Byrne arquitectos, pela disponibilidade e partilha de informações valiosas para o desenvolvimento deste trabalho.

Um agradecimento especial também às funcionárias da Biblioteca da Universidade Lusíada de Lisboa, pela paciência, apoio e incansável ajuda.

Aos que me acompanharam e acompanham nesta fase importante da minha vida, a todos um bem haja.

APRESENTAÇÃO

O claustro como elemento catalisador da vida monástica:

da clausura à cidade de Lisboa

Diogo Rafael Soares de Almeida

A presente investigação tem como objectivo a reflexão sobre a influência dos conventos no desenvolvimento de alguns aglomerados urbanos e a influência no seu tecido urbano. Nesse sentido é necessário entender essas construções como excepções para que, pelo seu valor histórico e pela memória que transmitem, eles adquiram valor contaminante.

Por outro lado a vida cenobita e as construções que materializam esses ideais, também são alvo de estudo e permitem destrinçar vários aspectos dos edificios monásticos e, ou, conventuais. Nesse sentido surge o espaço claustro como elemento fundamental da vida cenobita, que comporta em si diversos níveis de abordagem, como a geometria, a simbologia ou a sua vivência.

Surge a necessidade de eleger e estudar três casos (na cidade de Lisboa), que permitem identificar o modo como determinaram a evolução da cidade e como também a adaptabilidade programática a que foram sujeitos ao longo dos tempos.

Palavras-chave: Convento, memória, mosteiro, cidade, claustro, tecido urbano, morfologia

PRESENTATION

The cloister as a catalyst for monastic life: from enclosure to Lisbon city

Diogo Rafael Soares de Almeida

The present work has the purpose of reflecting about the influence of convents in the development of urban city agglomeration and its influence on the urban fabric. To fully understand this ideas it is necessary to take in these constructions/buildings as an exception. This way the historical value and the memory of the building influence and contaminate the enviroment in which they are implanted.

On the other hand, the cenobite life and constructions which materialize this ideas are also important to study because it allows to comprehend the meaning of all the structural components of convents and monasteries. This way the cloister emerges as the fundamental element of the cenobite’s life which comprises diferent levels of approach as geometry, symbology and the personal experience that it enables.

As a result we selected three study cases, within the city of Lisbon, to identify the adaptability of this constructions throughout time and the role that it plays as a determinant factor in the city evolution.

Keywords: Convent, memory, monastery, city, cloister, urban fabric, morphology

“Ninguém fabrica para um dia, nem para hum ano só; porque naturalmente nos parece que havemos de durar muito […] Duremos na duração da obra, já que em nós mesmos he tão pouco o que duramos.”

Matias Ayres (1777), apud GOMES, Paulo Varela (1988); A cultura arquitectónica e artística em Portugal no séc. XVIII. Editorial Caminho. p. 83

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS

a.C. - antes de Cristo

E.U.A. - Estados Unidos da América

I.S.E.G.. - Instituto Superior de Economia e Gestão

Séc. - Século

S. - São

St. - Santo

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – “Ligação pedonal entre a Rua do Carmo e o pátio B. Reabilitação do chiado por Siza Vieira (Ilustração nossa, 2014) ...... 29 Ilustração 2 - “Teatro di Marcello”, gravura de Giovanni Piranesi, no séc.XVIII (Wilton- Ely, 2008, p. 181) ...... 38 Ilustração 3 - Teatro de Marcelo, em Roma, ainda com marcas da ocupação (Ilustração nossa, 2013) ...... 38 Ilustração 4 – “Ville of Arles”, arena de Arles transformada em cidade fortificada. Gravura do séc XVII. (Dave, 2013) ...... 38 Ilustração 5 – Vista aérea da Arena de Arles, em cerca de 1970. ([adaptação a partir de] Bernard, 2013) ...... 38 Ilustração 6 - Detalhe dos baixos-relevos da coluna de Trajano, em Roma (Ilustração nossa, 2013) ...... 41 Ilustração 7 – “Victoria Dacica” (representação da batalha de Dácia) por Pietro Santi Bartoli, 1650. ([adaptação a partir de] Codrinb, 2013) ...... 41 Ilustração 8 – Núcleo antigo de Varsóvia, após bombardeamento. (Bayres, 2012) ..... 43 Ilustração 9 – Núcleo antigo de Varsóvia, após reconstrução. (Bayres, 2012) ...... 43 Ilustração 10 – “Vista geral do Castelo de São Jorge, tirada da Baixa Pombalina”. (SIPA, 2014) ...... 45 Ilustração 11 – Ritmos, na ala do Convento de São Francisco da Cidade. (Ilustração nossa, 2013) ...... 46 Ilustração 12 – Padrão dos Descobrimentos, sito no aterro de Belém. (Ilustração nossa, 2012) ...... 46 Ilustração 13 – Panteão Nacional, ou Igreja de Santa Engrácia. (Ilustração nossa, 2013) ...... 46 Ilustração 14 – Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel, em Sesimbra. (Ilustração nossa, 2013) ...... 49 Ilustração 15 – Escola Superior de Educação de Setúbal, projecto do Arqº Siza Vieira. ([adaptação a partir de] Guerra, 1993) ...... 49 Ilustração 16 – “Penguin Pool”, Zoo de Londres, projecto do Arq. Berthold Lubetkin. F. W. Bond, 1938. (W. Burck, 2013)...... 50 Ilustração 17 – Pátio do Museu da Memória de Andaluzia, Espanha, projecto do Arq. Alberto Campo Baeza. Javier Callejas, 2009 ([adaptação a partir de] Callejas, 2014) 50 Ilustração 18 – “Monte Athos, monasterio de santa Laura. Plano ideal. Según A. Lenoir”. (Braunfels, 1975, p. 24) ...... 55 Ilustração 19 – “Monte Athos, monasterio Rossicon. Según A. Lenoir.” (Braunfels, 1975, p. 25) ...... 55 Ilustração 20 – Monte-Cassino, esquema. Según J. V. Schlosser”. (Braunfels, 1975, p. 55) ...... 57 Ilustração 21 - Perspectiva da Abadia de Monte-Cassino. Reconstrução, segundo Conant. (Norberg-Schulz, 1985, p. 62) ...... 57

Ilustração 22 – “El plano de San Gallen” (Braunfels, 1975, p. 59) ...... 58 Ilustração 23 - Planta da Abadia de Cluny III em 1157. (Jordan, 1985, p. 110) ...... 59 Ilustração 24 – Perspectiva da Abadia de Cluny III. (http://www.cultus.hk/his5532/cluny.html) ...... 59 Ilustração 25 – Claustro da Abadia de Cister, em 1613. (Cocheril, 1998, p. 18)...... 61 Ilustração 26 – Vista do Mosteiro de Cister. (Buzz, 2005) ...... 61 Ilustração 27 - Planta da Abadia de Claraval. (Buzz, 2005) ...... 63 Ilustração 28 - Vista da Abadia de Clairvaux. (Braunfels, 1975, p. 94) ...... 63 Ilustração 29 – Planta do Mosteiro de São Francisco de Assis. (Soliloquio in Compagnia, 2014) ...... 64 Ilustração 30 – Vista panorâmica do Mosteiro de São Francisco de Assis. (Braunfels, 1975, p. 180) ...... 64 Ilustração 31 – “Casa nº 33, Priene, c. século III a.C.” (Ching, 2008, p. 154) ...... 67 Ilustração 32 – “Recinto do Santuário de Apolo Delfeno, Mileto, c. século II aC. (Ching, 2008, p. 155) ...... 67 Ilustração 33 – Planta da Casa dei Vetti, em Pompeia com demarcação do peristylium. ([adaptação a partir de] Jordan, 1985, p. 69) ...... 68 Ilustração 34 – Peristilo da Casa dei Vetti, em Pompeia. ([adaptação a partir de] Lima, 2010)...... 68 Ilustração 35 – Esquema da relação geométrica com o simbolismo, na concepção do espaço claustral. (Ilustração nossa, 2014) ...... 69 Ilustração 36 - Excerto do plano de Saint Gallen. ([adaptação a partir de] Braunfels, 1975, p. 59) ...... 71 Ilustração 37 – Planta da abadia de Cluny na metade do século XI, segundo K. J. Conant. ([adaptação a partir de] Duby, 1989, p. 54)...... 72 Ilustração 38 - “Planta-tipo de uma abadia cisterciense (segundo A. Dimier)”. ([adaptação a partir de] Jorge, 2010, p. 29) ...... 73 Ilustração 39 – Claustro do Mosteiro de São Bento em Santo Tirso, por M. Castro (Ilustração nossa, 2011) ...... 74 Ilustração 40 – “Mosteiro de Alcobaça. Claustro de D. Dinis visto da Torre norte da Igreja”. ([adaptação a partir de] Moreira, 2008) ...... 74 Ilustração 41 – Ritmos de um claustro, vista do pátio. (Ilustração nossa, 2014) ...... 75 Ilustração 42 – Palazzo della Ragione, em Pádua. ([adaptação a partir de] Schirato, 2012) ...... 83 Ilustração 43 – Granada, planta de Alhambra (cerca de 1830). (Rossi, 2001, p. 78) .. 83 Ilustração 44 – Milão, por Braun & Hogenberg, em 1612. (Sanderusmaps, 2014) ...... 85 Ilustração 45 – Île de la Cité, em 1609. (Clements, 2007) ...... 85 Ilustração 46 – “Olissippo quae nunc Lisboa”. Excerto da perspectiva da cidade no séc. XVI, por Jorge Bráunio. (Braun, 2014) ...... 90

Ilustração 47 - “Excerto da planta de Lisboa levantada em 1856/58 e publicada em 1884 […]. Sobre ela foram traçadas as cercas moura e fernandina por Augusto Vieira da Silva.” (Dias, 1988) ...... 90 Ilustração 48 - Planta da cidade de Lisboa (antes do terramoto), em 1650, de João Nunes Tinoco. ([adaptação a partir de] Tinoco, 1853) ...... 92 Ilustração 49 – “Carta Topográfica da Cidade de Lisboa […]”, por Duarte José Fava (c. 1808). A azul escuro estão representados os mosteiros, conventos e palácios que se iam desenvolvendo nos terrenos periféricos. (Fava, 1808-) ...... 93 Ilustração 50 – Processo de crescimento de alguns aglomerados urbanos, através da presença do convento. (Ilustração nossa, 2014) ...... 94 Ilustração 51 – Implantação de alguns mosteiros e conventos na cidade de Lisboa, com as respectivas cercas conventuais. (Lisboa, 1993) ...... 98 Ilustração 52 – Implantação a Poente, de mosteiros e conventos na estrutura urbana, com as respectivas cercas. (CML, 1993) ...... 98 Ilustração 53 – Implantação a Nascente, de mosteiros e conventos na cidade, com as respectivas cercas. (CML, 1993)...... 98 Ilustração 54 - “Crescimento orgânico. Lisboa antes do terramoto, segundo a planta de 1650, e Crescimento racional. A reconstrução pombalina, segundo o plano de Eugénio dos Santos – Carlos Mardel (1755). (Lamas, 2000, p. 135) ...... 100 Ilustração 55 – Esquema do processo de transformação das cercas conventuais em malhas urbanas mais ou menos consolidadas. (Ilustração nossa, 2014) ...... 101 Ilustração 56 – Vão da Igreja do Museu do Banco de Portugal. (Ilustração nossa, 2014) ...... 103 Ilustração 57 – “Trecho da cidade de Lisboa, apresentando a círculo vermelho a localização do Convento de São Francisco da Cidade. ([adaptação a partir de] Google Maps, 2014) ...... 105 Ilustração 58 – “Perspectiva conjectural do território da Pedreira, nos fins do século XIII. Vê-se no primeiro plano, ao centro, o Convento do Espírito Santo da Pedreira (hoje os Armazéns do Chiado), […] em frente, em direcção ao Poente, a estrada de Santos, depois «rua pública da Pedreira» (a Rua Garrett de hoje); à esquerda o Convento de S. Francisco e os Mártires; [...]”. (Sequeira, 1939, p. 16-17) ...... 107 Ilustração 59 - Excerto da perspectiva de Lisboa no séc. XVI, Urbium Praecipvarum Mundi Theatrum QuintumI, por George Braunio. Com o nº 25 o Convento de S. Francisco, o nº 60 a Porta Duque de Bragança e nº 134 o Palácio do Duque de Bragança. (Calado, 2000, p. 19) ...... 108 Ilustração 60 – Excerto da Planta de Lisboa em 1650, por João Nunes Tinoco, onde é visível a dimensão da cerca conventual de S. Francisco. (Cristino da Silva, 1973, p. 11) ...... 110 Ilustração 61 – “Panorâmica de Lisboa. Gravura em cobre, Ioam Schorquens, 1619-22, […]”, com o nº 8 o Convento de S. Francisco. (Calado, 2000, p. 19) ...... 110 Ilustração 62 – Implantação do convento na colina de São Francisco. Maqueta do Museu da Cidade, antes de 1755. (Ilustração nossa, 2014)...... 111 Ilustração 63 – Convento de São Francisco da Cidade, junto à antiga igreja dos Mártires. Maqueta do Museu da Cidade, antes de 1755. (Ilustração nossa, 2014) ... 111

Ilustração 64 – Excerto da “Planta nº 2, Plano da Cidade de Lisboa baixa arruinada […], Sebastião Poppe e José Domingos Poppe [Séc. XVIII]”. (Teixeira, 1999, p. 307) ...... 112 Ilustração 65 – “Vista da Ribeira antes do Terramoto de 1755. Desenho à pena com aguarela, de J. Na. Dos Reis Zuzarte, vendo-se claramente a igreja dos Mártires, a igreja de S.Francisco e o edifício conventual […]”. (Calado, 2000, p. 31) ...... 112 Ilustração 66 – Modelo tridimensional digital do aspecto que se prevê ser a constituição do Convento de São Francisco da Cidade, antes do terramoto de 1755. (Cidade, 2014) ...... 113 Ilustração 67 - Organização do Convento de São Francisco. A mancha o traçado do convento. ([adaptação a partir de] Cristino da Silva, 1973, p. 14) ...... 114 Ilustração 68 – Trecho da planta apresentada para a reconstrução da baixa arruinada pelo terramoto. (Cristino da Silva, 1973, p. 12) ...... 114 Ilustração 69 – Planta das construções da zona A, com o barracão da Igreja, encostado à fachada actual do Largo. (Cristino da Silva, 1973, p. 15) ...... 114 Ilustração 70 – Vista da zona B, no actual sítio do Museu do Chiado. (Cristino da Silva, 1973, p. 26) ...... 114 Ilustração 71 – Vista do pátio do Governo Civil, antes de 1954. (Calado, 2000, p. 45) ...... 115 Ilustração 72 – Interior da Cisterna. (Calado, 2000, p. 33) ...... 115 Ilustração 73 – Planta e vista da parte do claustro que resistiu ao terramoto de 1755. (Cristino da Silva, 1973, p. 18) ...... 116 Ilustração 74 – Vista do claustro. (Ilustração nossa, 2014) ...... 116 Ilustração 75 - Organização dos diferentes espaços ocupados em 1973. (Cristino da Silva, 1973, p. 43) ...... 119 Ilustração 76 – Planta do 1º pavimento (abaixo da cota do Largo) e 2º pavimento (entrada), em 1936. ([adaptação a partir de] Pascoal e Teixeira, 2011) ...... 119 Ilustração 77 – Plantas do 3º e 4º pavimento, em 1936. A verde o pátio da cisterna e a azul o pátio do Governo Civil. ([adaptação a partir de] Pascoal e Teixeira, 2011) ..... 120 Ilustração 78 – Secção AB, onde se pode verificar a relação dos diferentes desníveis dos espaços interiores do convento. ([adaptação a partir de] Pascoal e Teixeira, 2011) ...... 120 Ilustração 79 – Maqueta do Museu do Chiado. Vista da Rua de Serpa Pinto. (Portugal, 2014b) ...... 121 Ilustração 80 – Sequência espacial um. Entrada no convento e no pátio. (Ilustração nossa, 2014) ...... 122 Ilustração 81 – Sequência espacial dois. Chegada ao terraço e descida ao claustro antigo. (Ilustração nossa, 2014) ...... 124 Ilustração 82 – Sequência espacial três. Chegada ao último pavimento. (Ilustração nossa, 2014) ...... 125 Ilustração 83 – Sobreposição do primitivo Convento de São Francisco da Cidade sobre malha urbana actual. (Ilustração nossa, 2014)...... 128

Ilustração 84 – Trecho da cidade de Lisboa, apresentando a círculo vermelho a localização do Convento das Bernardas do Mocambo. ([adaptação a partir de] Google Maps, 2014) ...... 129 Ilustração 85 – Bairro do Mocambo, com o Convento das Bernardas. Maqueta do Museu da Cidade, antes de 1755. (Ilustração nossa, 2014)...... 131 Ilustração 86 – Convento das Bernardas, no eixo central do terreiro. Maqueta do Museu da Cidade, antes de 1755. (Ilustração nossa, 2014)...... 131 Ilustração 87 – Excerto da “Carta Topográfica da Cidade de Lisboa […]” de 1808, por Duarte José Fava. A tinta escura estão representados os conventos existentes. (Fava, 1808-) ...... 132 Ilustração 88 – Excerto das cartas nº41 e nº49 do “Atlas da Carta Topográfica de Lisboa”, por Filipe Folque entre 1856-1858. ([adaptação a partir de] Folque, 2000) . 132 Ilustração 89 – Esquisso da Igreja de “N. S. Da Nazaréth”, por A. Pedroso. (Vale e Gomes, 1993) ...... 134 Ilustração 90 – Fachada do Mosteiro de Nossa Senhora da Nazaré do Mocambo. (Vale e Gomes, 1993) ...... 134 Ilustração 91 – “Vista aérea do Convento das Bernardas e de parte do denso tecido urbano da Madragoa antiga. ([adaptação a partir de] Carvalho, 1997, p. 38) ...... 135 Ilustração 92 – Ortofotomapa do Bairro da Madragoa actualmente. ([adaptação a partir de] Google Maps, 2014) ...... 135 Ilustração 93 – Corte transversal do Convento das Bernardas do Mocambo, antes da intervenção. ([adaptação a partir de] Carvalho, 1997, p. 42) ...... 136 Ilustração 94 – “Planta-tipo de uma abadia cisterciense (segundo A. Dimier)”. ([adaptação a partir de] Jorge, 2010, p. 29) ...... 138 Ilustração 95 – Planta do Convento das Bernardas, com demarcação a cor dos diferentes espaços. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 118) ...... 138 Ilustração 96 – Excerto da carta nº 49 do “Atlas da carta topográfica de Lisboa”, por Filipe Folque em 1856. ([adaptação a partir de] Folque, 2000) ...... 139 Ilustração 97 – Proposta em planta de reconstituição do jardim claustral do Convento das Bernardas. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 118) ...... 139 Ilustração 98 – Ala do claustro do Mosteiro de Alcobaça. (Ilustração nossa, 2013) .. 139 Ilustração 99 – Ala Sul do claustro do Convento das Bernardas. (Ilustração nossa, 2014) ...... 139 Ilustração 100 – Ala Sul do claustro do Convento das Bernardas. (Ilustração nossa, 2014) ...... 139 Ilustração 101 – Esquema de funcionamento dos espaços interiores. (Arqui III, 1996) ...... 141 Ilustração 102 – Perspectiva do claustro. Em cima era proposta uma malha que avançaria da parede. (Arqui III, 1996) ...... 141 Ilustração 103 – Esquema dos acessos aos vários espaços. (Arqui III, 1996) ...... 141 Ilustração 104 – Proposta de aproveitamento da cisterna com entradas de luz em três momentos. (Arqui III, 1996) ...... 141

Ilustração 105 – Plantas da proposta de intervenção, começando o piso 1 à cota da Rua da Esperança. (Arqui III, 1996) ...... 143 Ilustração 106 – Vista do claustro antes da intervenção. (Arqui III, 1996) ...... 143 Ilustração 107 – Ala do claustro antes da intervenção. (Arqui III, 1996) ...... 143 Ilustração 108 – Plantas das habitações de tipologia T1 e T2 (duplex). Proposta. ([adaptação a partir de] Arqui III, 1996) ...... 144 Ilustração 109 – Sequência espacial um. Entrada para o átrio, e antecâmara para o claustro. (Ilustração nossa, 2014) ...... 146 Ilustração 110 – Sequência espacial dois. Entrada no claustro e percurso pelas alas. (Ilustração nossa, 2014) ...... 146 Ilustração 111 – Sequência espacial três. Subida, com antecâmara para a galeria. (Ilustração nossa, 2014) ...... 147 Ilustração 112 – Sequência espacial quatro. Escada de acesso ao piso superior, e patamar da escada de acesso ao claustro...... 147 Ilustração 113 – Sobreposição do primitivo Convento das Bernardas do Mocambo sobre malha urbana actual. (Ilustração nossa, 2014) ...... 148 Ilustração 114 – “Trecho da cidade de Lisboa, apresentando a círculo vermelho a localização do Convento das Inglesinhas. ([adaptação a partir de] Google Maps, 2014) ...... 149 Ilustração 115 – Excerto da “Carta Topográfica da Cidade de Lisboa […]” de 1808, por Duarte José Fava. A tinta escura estão representados os conventos existentes. (BNP, 2014) ...... 150 Ilustração 116 – Excerto das cartas nº41 e nº49 do “Atlas da Carta Topográfica de Lisboa”, por Filipe Folque entre 1856-1858. ([adaptação a partir de] Folque, 2000) . 150 Ilustração 117 – Painel de azulejo com a Vista de Lisboa entre 1700 e 1725, onde está assinalado o Convento das Inglesinhas. Abaixo pode ver-se o Convento da Esperança (com o respectivo Largo) e o Mosteiro de São Bento do lado direito. (Portugal, 2004) ...... 151 Ilustração 118 – Mancha do Convento das Inglesinhas. (Ilustração nossa, 2014) .... 152 Ilustração 119 – Indicação das várias dependências do extinto convento. (Ilustração nossa, 2014) ...... 152 Ilustração 120 – Sequência espacial um. Entrada no átrio, com pavimento rampeado e o pórtico ao fundo. (Ilustração nossa, 2014) ...... 155 Ilustração 121 – Sequência espacial dois. Galeria dois do claustro, cisterna e escada “túnel”. (Ilustração nossa, 2014) ...... 156 Ilustração 122 – Sobreposição do primitivo Convento das Inglesinhas, sobre malha urbana actual. (Ilustração nossa, 2014) ...... 157 Ilustração 123 – “[Zona A] Planta do 1.º, onde se instalaria a Galeria de Pinturas, que poderia servir simultaneamente para a realização das sessões Régias e trienais.” (Cristino da Silva, 1973, p. 21) ...... 185 Ilustração 124 – “[Zona A] Planta do 2.º, pela entrada principal do edifício, mostrando pé-direito duplo da citada galeria.” (Cristino da Silva, 1973, p. 21)...... 185

Ilustração 125 – “[Zona A] Planta do 3.º, mostrando o Salão de Leitura projectado para a Biblioteca Pública.” (Cristino da Silva, 1973, p. 22) ...... 186 Ilustração 126 – “[Zona A] Secção transversal e longitudinal da Galeria de Pinturas, onde poderiam ser levadas a efeito as sessões Régias trienais.” (Cristino da Silva, 1973, p. 22) ...... 186 Ilustração 127 – “Frontispício do corpo projectado para o edifício da Biblioteca Pública e da Academia de Belas Artes” (Cristino da Silva, 1973, p. 20) ...... 187 Ilustração 128 – “Pormenor do corpo da entrada principal, segundo uma variante do mesmo frontespício” (Cristino da Silva, 1973, p. 20) ...... 187 Ilustração 129 – “[Zona B] Planta do 1.º, piso do corpo B, que a Academia destinava à instalação de uma grande aula de escultura tendo anexo um anfiteatro para desenho de modelo vivo, oficina de formador, depósito de formas e de gesso, etc.” (Cristino da Silva, 1973, p. 23) ...... 188 Ilustração 130 – “[Zona B] Planta do 2.º, piso do mesmo corpo, onde se previa a instalação de uma grande galeria de pinturas, tendo anexo as aulas de Pintura História, de Paisagem e de Desenho.” (Cristino da Silva, 1973, p. 23) ...... 188 Ilustração 131 – “[Zona B] Fachada do corpo projectado voltada para a antiga Rua Nova dos Mártires.” (Cristino da Silva, 1973, p. 26) ...... 189 Ilustração 132 - Plantas do piso 1 e 2 do novo corpo projectado na zona A, de apoio à Academia Nacional de Belas Artes (Cristino da Silva, 1973, p. 5)...... 193 Ilustração 133 – Plantas do piso 3 e 4 do novo corpo projectado na zona A, de apoio à Academia Nacional de Belas Artes (Cristino da Silva, 1973, p. 49-50) ...... 194 Ilustração 134 – “Alçado principal, sobre o Largo da Biblioteca.” (Cristino da Silva, 1973, p. 54) ...... 195 Ilustração 135 – “Corte Transversal.” (Cristino da Silva, 1973, p. 54) ...... 195 Ilustração 136 – Perspectiva do estado actual da fachada e a proposta para a sede da Academia Nacional de Belas Artes (Cristino da Silva, 1973, p. 55) ...... 195 Ilustração 137 – Plantas dos pisos 1, 2 e 3 do Convento das Bernardas do Mocambo, antes e depois da intervenção. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 117-118 ; Arqui III, 1996)...... 199 Ilustração 138 – Plantas dos pisos 5, 6 e 7 do Convento das Bernardas do Mocambo, antes e depois da intervenção. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 117-118 ; Arqui III, 1996)...... 200 Ilustração 139 – Cortes da proposta de intervenção no Convento das Bernardas do Mocambo. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 121)...... 201 Ilustração 140 – Alçados da proposta de intervenção no Convento das Bernardas do Mocambo. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 120)...... 202 Ilustração 141 – Alçados da proposta de intervenção no Convento das Bernardas do Mocambo. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 120) ...... 203 Ilustração 142 – Planta do piso -1 (à cota da Rua das Francesinhas), dos edifícios novos do Instituto Superior de Economia e Gestão. (Byrne, 1993) ...... 207 Ilustração 143 – Planta do piso 0, dos edifícios novos do Instituto Superior de Economia e Gestão. (Byrne, 1993) ...... 209

Ilustração 144 – Planta do piso 2, dos edifícios novos do Instituto Superior de Economia e Gestão. (Byrne, 1993) ...... 210 Ilustração 145 – Cortes A, B e C, dos edifícios novos do Instituto Superior de Economia e Gestão. (Byrne, 1993) ...... 211 Ilustração 146 – Alçados Nascente e Norte, dos edifícios novos do Instituto Superior de Economia e Gestão. (Byrne, 1993) ...... 212 Ilustração 147 – “Convento do Santo Crucifixo, também conhecido por convento das Francesinhas, fachadas principal e lateral”, cerca de 1910. (Benoliel, c. 1910) ...... 215 Ilustração 148 – Pedras provenientes da demolição do Arco de São Bento colocadas no terreno onde foi o Convento das Francesinhas”. (Portugal, s.d.) ...... 215 Ilustração 149 – Claustro do Convento das Francesinhas. (Lisboa, s.d.) ...... 215 Ilustração 150 – Painel de azulejo com a Vista de Lisboa entre 1700 e 1725, onde está assinalado o Convento das Francesinhas. (Portugal, 2004) ...... 215 Ilustração 151 – “Planta do Convento de Esperança…..”. (DISPERSOS VOL. 1 VIEIRA DA SILVA) ...... 218 Ilustração 152 – “Entrada do Convento da Esperança”. (Marzagão, 2013) ...... 218 Ilustração 153 – Convento da Esperança (Claro, s.d ...... 218

SUMÁRIO

1. Introdução ...... 27

2. Memória e Tempo ...... 29

2.1. Convento e Património ...... 35

2.2. Convento e Herança ...... 51

2.3. Convento e Urbanidade ...... 76

2.4. Convento e Morfologia ...... 95

3. Convento e Tempo ...... 103

3.1. Urbanidade e Convento de São Francisco da Cidade ...... 105

3.2. Memória e Convento das Bernardas do Mocambo ...... 129

3.3. Tempo e Convento das Inglesinhas ...... 149

4. Considerações Finais ...... 159

Referências ...... 163

Bibliografia ...... 177

Anexos ...... 179

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

1. INTRODUÇÃO

A presente dissertação pretende elaborar uma reflexão sobre o papel das instituições monásticas na evolução de Lisboa, que de algum modo actuaram num dado momento da sua história, como participantes activos no desenvolvimento de aglomerados urbanos, que constituem hoje a cidade.

Desse modo foi necessário principiar o estudo com a valorização da arquitectura enquanto objecto isolado que, pelo valor histórico e pela memória presente na cidade, adquire valor contaminante. O exemplo que se aponta no estudo aborda as noções de monumento e monumento histórico (no sentido que lhe dá Françoise Choay e Alois Riegl) que permite entender o modo como o património é afecto à vivência da cidade.

No mesmo sentido é abordada a potencionalidade desses “elementos primários” (designação de Aldo Rossi) influênciarem o desenvolvimento desses tecidos urbanos, quer através da presença da própria arquitectura no contexto urbano, quer pela actuação da memória, que de alguma maneira mantém a identidade da cidade.

Assim pretende-se reflectir sobre o significado que têm os conventos na estrutura urbana contemporanea e o modo como pode ser devolvida a sua vivência na relação com a cidade e com o espaço urbano, sem que a sua identidade histórica seja comprometida.

Para isso a abordagem pretende compreender a motivação do modo de vida monástico, como também as construções que acompanharam esse processo. Assim será estudada a origem do convento (ou mosteiro), como construção de aspiração a uma vida em clausura, bem como as várias soluções arquitectónicas correspondentes ao ideal de cada ordem religiosa.

A compreensão destas premissas resulta numa leitura crítica sobre três casos de estudo, que se entendem importantes na estrutura religiosa e urbana da cidade. No mesmo sentido foi necessário fazer um percurso (passado a escrito), que pretende transmitir uma vivência do espaço monástico, identificando-o como identidade autónoma, participante na cidade através das suas relações.

O primeiro caso, Convento das Bernardas do Mocambo (de 1653), permite de algum modo entender o processo de adaptação de um edificio conventual a uma malha urbana mais ou menos consolidada, como é o Bairro da Madragoa. No mesmo sentido

Diogo Rafael Soares de Almeida 27 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

verificamos a possibilidade desse conjunto estabelecer uma relação mais directa com o espaço público, através da participação do claustro, ainda que controladamente.

O segundo caso, Convento de São Francisco da Cidade (de 1217), permite incidir o estudo numa abordagem morfológica da cidade, entendendo-o como pólo organizador de um aglomerado urbano. Do mesmo modo constituiu um significado na vida da cidade, pela sua presença e permanência, que permitiram criar um processo de transformações constantes na sua funcionalidade. Ainda que o caso em estudo não apresente as caracteristicas conventuais originais, foi possível entender os seus espaços relacionáveis no ambiente citadino.

Num terceiro caso, o Convento das Inglesinhas (de 1651), pretende-se demonstrar a capacidade que os edifícios conventuais adquirem na transformação do espaço público e na sua relação com a cidade. Embora ainda relativamente isolado, o convento, através do seu programa, teve a capacidade de se transformar em parte intregrante do espaço público. Desse modo reconstituiu um processo que fora em tempos habitual, a cedência gradual das cercas conventuais.

Com estes três exemplos pretende-se reflectir na transformação (reutilização) que os conventos podem promover, no sentido de criar uma relação diferente com o espaço urbano.

Diogo Rafael Soares de Almeida 28 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

2. MEMÓRIA E TEMPO

Ilustração 1 – “Ligação pedonal entre a Rua do Carmo e o pátio B. Reabilitação do chiado por Siza Vieira (Ilustração nossa, 2014)

Os homens que inventaram o tempo, inventaram por contraste a eternidade, mas a negação do tempo é tão vã como ele próprio. Não há nem passado nem futuro mas apenas uma série de presentes sucessivos, um caminho perpetuamente destruído e continuado onde todos vamos avançando. (Yourcenar, 1984, p. 19)

Diogo Rafael Soares de Almeida 29 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Diogo Rafael Soares de Almeida 30 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

“Tempo1”, uma complexa palavra, que de algum modo representa a constante relação da Arquitectura2 com a história, e com a própria contemporaneidade que a acompanha, desde as suas primeiras expressões.

Na realidade, a arquitectura consta de: ordenação, que em grego se diz táxis, disposição, à qual os Gregos chamam diathesis, euritmia, comensurabilidade, decoro e distribuição, esta em grego dita oeconomia. (Vitrúvio, 2006, p. 37)

E porque, não só está presente em toda a correlação que compõe o pensamento arquitectónico, mas também como afirmação de uma quarta dimensão na arquitectura, o espaço-tempo3. Dimensão essa que, imaterialmente, se distingue de outras três variáveis, e que atinge a sua virtude máxima quando trabalhada de um modo sensitivo. O tempo aqui, como uma espécie de “Imaginar a Evidência”4. E evidência porque, se por um lado não é possível o manuseamento da “matéria” tempo, enquanto forma, por outro é trabalhável de modo subconsciente. Sensibilidade, no modo de ver, ouvir e sentir, o tempo e o espaço. Isto é arquitectura, assim o entendemos.

O homem é tempo. O homem é espaço. O homem necessita de espaço objectivo no tempo objectivo. Aqui nasce um sistema de relações entre espaço e tempo. A arquitectura nasce pela constatação da necessidade de um sistema de relações com consequências espaciais objectivas. (Manoel, 2012, p. 37)

1 Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, designa “Duração limitada das coisas; duração limitada, em oposição ao conceito de eternidade; a propriedade que as coisas têm de coexistirem ou de se sucederem, considerada objectivamente; sucessão de dias, horas, momentos || Período; época; lapso de tempo futuro ou passado. || Um longo lapso de anos; a idade; a antiguidade. (Vol. VI, 1991, p. 267) 2 Do latim architectura, vê a sua origem do grego arché (primeiro ou principal) + tékton (construção), que identificava e propunha uma definição para o acto de construir, ou erigir algo, com sabedoria e regra. Ainda que a definição da palavra nos remeta para uma clara ligação ao acto de construir, o valor da arquitectura não se esgota nesse simples acto. Arquitectura vai muito além de uma mera disciplina técnica ou plástica, que pretensiosamente mostram as várias definições. É uma arte. Mas uma arte não apenas bidimensional ou tridimensional, mas sim multidimensional, que envolve variados factores intersticiais da percepção humana, e que surge de uma reflexão profunda das suas variadas essências sensoriais, no intuito da organização e valorização do espaço. Ver, ouvir, tocar, são parte da experiência que a arquitectura, quando trabalhada de modo exímio, tem como valor intrínseco. De qualquer dos modos, a valorização da arquitectura está no modo como as três “matérias trabalháveis” (luz, matéria e proporção), são relacionadas entre si, e no modo como essa relação se estabelece com o Homem e em consequência com a Natureza. 3 O conceito Espaço-Tempo está associado à disciplina da Arquitectura (e das artes no seu todo, de modo diferenciado), como algo metafisico, que intervém na vivência do espaço arquitectónico. Estes termos estão associados ao movimento do corpo no espaço, e na sua deslocação enquanto matéria sensorial. Diz-nos Sant’Anna Dionísio que “[…] o espirito do Homem começou a ver duas espécies de substância, ambas indestrutíveis (o espaço e o tempo), que seriam como que o suporte da substância preenchente e secundária: a matéria” (Dionísio, 1959, p. 12). Assim, “o espaço e o tempo são quantidades dinâmicas e quando um se move ou uma força actua, a curvatura do espaço e do tempo é afectada. Por outro lado, a estrutura do espaço-tempo afecta o movimento dos corpos e a actuação das forças.” (Neves, 1991, p. 71) 4 “Imaginar a Evidência”, título de um livro do arquitecto Álvaro Siza Vieira. Título que nos parece adequado para definir de algum modo o contexto dos conceitos de “tempo” e “espaço”, que estão intimamente ligados ao pensamento e vivência da Arquitectura, e que nos sugere essa quase “evidente” relação, que de algum modo é “imaginada”.

Diogo Rafael Soares de Almeida 31 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Na contemporaneidade esse factor é de extrema importância no papel do pensamento arquitectónico, não só na procura de respostas, como na interrogação permanente, a que se propõe o projecto. Falamos de um tempo como algo que acompanha a arquitectura, e o modo como este, influenciador das nossas vivências espaciais, nos contextualiza e nos submete à sua interpretação.

E o que é a cidade5 senão um “contentor de tempo”6, onde nos deparamos com uma mistura de marcas temporais, que de algum modo as caracterizam e que fazem com que tenham o seu carácter único em cada parte do Mundo. Marcas do tempo que encontramos não só em edifícios, como na própria organização da cidade, nas suas ruas e praças. Um tempo que não esquece os seus precedentes e que oferecendo contudo bases críticas no pensamento de cidade, e na sua evolução.

É este sentido, crítico e interpretativo da evolução da cidade, que nos leva à relevância do tema e ao modo como pode ser feita a reintrodução de alguns desses fragmentos do passado na vida da cidade contemporânea. Como se mantivéssemos esses resquícios do passado, numa espécie de memória, que vivenciamos e usufruímos de modo diferenciado.

Uma atitude de reabilitação (e reestruturação) dos elementos que contribuíram, e contribuem, para a formação da cidade desde a sua formação. Elementos esses que, hoje, constituem uma solução à destruição de grande parte das cidades históricas mundiais, com as suas áreas de protecção e mesmo com a sua presença, que muitas das vezes oferece base de sustentação à reabilitação de espaços urbanos.

No caso dos edifícios monásticos (casos em estudo), a reconversão dos seus espaços pode oferecer à cidade contemporânea um modo de habitar diferenciado e apelativo, entendendo essas construções como uma memória na vida da cidade, que em caso contrário são deixados ao abandono e em consecutiva ruína. Uma atitude, que por um lado constitui um modo sustentável de evolução da cidade, como também uma resposta quase historicista no combate ao esquecimento dessa mesma evolução.

5 “A palavra cidade é adoptada em dois sentidos para indicar uma organização da sociedade concentrada e integrada, que começa há cinco mil anos no Próximo Oriente e que desde então se identifica com a sociedade civil; ou então para indicar o cenário físico desta sociedade. A distinção é importante pelo motivo prático que o cenário físico de uma sociedade é mais duradouro do que a própria sociedade e pode ainda encontrar-se – reduzido a ruínas ou em pleno funcionamento – quando a sociedade que o produziu já há muito desapareceu.” (Benevolo, 1984, p. 15) 6 A expressão chega-nos de uma conferência, na Universidade Lusíada de Lisboa (Ciclo de conferências de arquitectura – “escala de intenções”, a 5 de Maio de 2009, do Arquitecto Gonçalo Byrne que falando das cidades dizia que estas eram como “contentores de vida”. Deste modo adaptámos a expressão, se nos é possível, atribuindo um valor transversal a toda a arquitectura, o tempo.

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E se a cidade apresenta esses fragmentos do tempo de modo constante, é porque existe de facto um relacionamento muito estrito entre o que nos antecede e o que nos precede, que segundo Bernardo Manoel7, nos intuí a presença do tempo e que “refresca” a memória em cada história construída. Segundo o autor, “[…] a memória é o conjunto de inscrições que por instituição mantém no presente as vidas passadas. [...] uma inscrição que cristaliza um novo tempo e um novo espaço.” (2012, p. 25). Seguindo essa premissa, entendemos a memória como registo interpretativo do passado, e que nos permite pertencer a um determinado lugar, num determinado contexto.

O arquitecto trabalha manipulando a memória, disso não há dúvida, conscientemente mas a maioria das vezes subconscientemente. O conhecimento, a informação, o estudo dos arquitectos e da história da arquitectura tendem ou devem tender a ser assimilados, até se perderem no inconsciente ou no subconsciente de cada um. (Vieira, 2009, p. 37)

Ao reflectir, questionamos: o que é então a memória, sem a dimensão tempo? A questão que nos inquieta procura um modo de olhar o passado como algo imediato ao ser humano, e que “[…] não é simples recordação. É história viva que descobre em si mesma o seu próprio sentido.” (Manoel, 2012, p. 25). A memória como registo do tempo, no presente. A nossa interpretação do tempo, no consciente.

Entendendo deste modo que, sem essa “dimensão” de tempo, não existe memória, pois nada nos é registado. E nada nos interroga mais sobre o passado, que a memória, o despertar do antes, no agora. O tempo está assim presente na vida do Homem, como algo intrínseco que nos define no mundo.

Se por um lado as memórias estabelecem um contacto com o passado, por outro é através delas que a maior parte do sentido nostálgico na arquitectura se compõe. Veja-se como exemplo, ainda que inconclusivo, o caso dos memoriais, construídos em

7 Bernardo D’Orey Manoel (1969- ), nasceu em Lisboa, Portugal. Licenciado em Arquitectura no ano de 1993 pela Universidade Técnica de Lisboa. Colabora a partir de 1989 em vários ateliês dos quais se destacam o de Thiago Braddell, Carlos Roxo, Jorge Cid, e o de Alberto de Souza Oliveira. Funda, com João Almeida e Luís Torgal, o ateliê “92, Arquitectos” no âmbito do qual recebem, no ano de 1993, o prémio “Jovens Criadores da Europa e do Mediterrâneo”. Paralelamente à actividade profissional, inicia a carreira docente em 2000, na Universidade Lusíada de Lisboa, como Assistente Estagiário. Obtêm o grau de Mestre em 2006 pela Universidade Lusíada de Lisboa. Docente convidado nos Workshops “Arquitectura, Cidade e Território”, Universidade de Delft e “Trans-Tage”, École Superieur d’Architecture de Nantes, ambos em Lisboa, 2007. Critico convidado nos júris de Laurea na Universidade de Arquitectura de Trento, Itália, Trento, 2007. Obtêm o grau de Doutor em 2009 pela Universidade Lusíada de Lisboa em parceria com a Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona. […] Autor de diversos artigos dos quais se destacam: “A Casa da Rua Feio Terenas”, “Cidades Tácteis” e “Futuro como Renascimento”. É desde 2010 Professor Auxiliar com Regência da cadeira de Projecto III (2º ano do 2º ciclo de estudos curriculares) na Univ. Lusíada de Lisboa.» (Manoel, 2012)

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prol de uma comemoração a algo do passado, uma espécie de “reencontro” com esse passado. Aqui a memória desempenha um papel fundamental no acompanhamento do objecto construído, que procura no entendimento do espectador a alusão a algo, através de um significado.

O presente das coisas passadas é a memória; o presente das coisas presentes é a vida, e o presente das coisas futuras é a espera. A nossa relação com a Cultura apenas pode assim ser entendida a partir da História, das diferenças, da complexidade e do pluralismo, da responsabilidade e da capacidade criadora. (Martins, 2009, p. 35)

Assim existe sempre essa relação espectador-objecto, onde a memória coexiste numa espécie de elo de ligação, que subentende algo através da sua vivência. “A arquitectura, vista sob a perspectiva da memória, é um gesto humano que nasce na capacidade de sonhar, de buscar referências e de questionar.” (Manoel, 2012, p. 35).

Portanto, segundo Manoel, de modo quase inato, quando falamos de tempo e memória, estamos em certo sentido, a estabelecer o nosso contexto, sentido e vivido, na história. História que aprendemos, estudando, mas acima de tudo que apreendemos, vivendo.

Não há lição melhor que a memória do nosso próprio tempo.

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2.1. CONVENTO E PATRIMÓNIO

Património e monumento

São muitas as características que podem classificar o património, e são também muitos os exemplos, uns negativos e outros positivos, de como essa pertença histórica pode influenciar e caracterizar a estrutura urbana, de modo a propiciar novos espaços, antes sem identidade, e a estabelecer de um modo metafórico, a memória de um lugar, entendendo-o como conjunto de relações que se estabelecem a partir do sítio e do programa.

Deste modo achamos importante, ainda antes de abordarmos essa possibilidade, esclarecer alguns desses parâmetros que estabelecem as bases de argumentação para a importância desse património histórico e do modo como é tratada a necessidade da sua recuperação, enquanto conjunto, e consequente reestruturação no contexto urbano.

Por património, podemos entender todo o legado deixado pelas várias camadas de tempo que nos antecedem, e que de algum modo foram importantes no contexto da época em que foram criados. Tal como nos refere Françoise Choay8 (2008, p. 11), património histórico, “[...] designa um fundo destinado ao usufruto de uma comunidade alargada a dimensões planetárias e constituído pela acumulação contínua de uma diversidade de objectos que congregam a sua pertença comum ao passado [...]”.

Esse património, histórico, que hoje nos chega, exige por parte de cada indivíduo uma profunda sensibilidade na maneira como são articulados esses conjuntos na estrutura contemporânea, e no modo como essa articulação pode ser executada.

Ainda assim, como consequência, não podemos abordar a questão do património histórico sem deixar de apontar as várias noções que dele derivam, sendo que nos interessará focar o vasto tema no património edificado, que compreende todas as

8 Françoise Choay (1925- ), é historiadora das teorias e formas urbanas e arquitectónicas, e professora de Urbanismo, Arte e Arquitectura na Université de VIII. Cursou filosofia antes de se tornar crítica de arte. Nos anos 50 colaborou nas revistas L'Observateur, L'OEil e Art de . Nos anos 60 dirigiu a secção parisiense da Art international. Da década de 70 até hoje, publicou diversos estudos sobre arquitectura e urbanismo, onde se encontram, entre outras, as obras L'urbanisme, utopies et réalités : Une anthologie em 1965, L'Allégorie du patrimoine em 1992 e Patrimoine en questions : Anthologie pour un combat em 2009. Os seus últimos trabalhos contribuem para a consciencialização do património mundial, e para a sua respectiva preservação, manifestando sempre o destaque do património edificado como algo importante para a conservação das cidades e do seu tecido urbano.

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construções feitas pelo Homem, que marcam a história nos seus vários períodos de existência.

Como nos sugere Choay (2008, p. 12), ainda antes de uma classificação como património edificado, encontramos uma tentativa de destacar esses valores históricos construídos, com a noção de monumento histórico, que outrora permitia o distanciamento perante outras construções de menor relevância histórica, ainda que de maneira pouco estudada nos seus factores e parametrização. Assim as duas expressões deixaram de ser sinónimas a partir dos anos sessenta do séc. XX, “[… ] por via da anexação de novos tipos de bens e através do alargamento do quadro cronológico e das áreas geográficas no interior dos quais se inscrevem estes bens.” (Choay, 2008, p. 12).

Segundo a autora, podemos começar por situar o aparecimento da denominação de monumento histórico, no sentido das artes em geral, em Roma por volta de 1420, altura em que o Papa Martinho V9 “[…] restabelece a sede do papado na cidade desmantelada, à qual ele deseja restituir o seu poder e o seu prestígio.” (Choay, 2008, p. 33).

Contudo foi numa pequena elite ainda no Quattrocento10 italiano, que se manifestou o interesse intelectual e artístico sobre os monumentos da Antiguidade, e que estabeleceu pela primeira vez o “[…] distanciamento (histórico) […], entre o mundo contemporâneo ao qual pertencia e a longínqua Antiguidade, de que estuda os vestígios.” (Choay, 2008, p. 40). Deste modo assistimos, na sua contemporaneidade, à actuação do peso histórico sobre a classificação de um monumento que em épocas

9 Papa Martinho V (1368-1431), nasceu em Roma, Itália. Pontificado entre 1417-1431, foi o papa com o qual terminou o longo cisma do Ocidente da Igreja, entre os papas de Avignon e os de Roma. Em 1420 regressa a Roma para assumir o poder, após esta estar sob alçada da rainha Joana de Nápoles. Com a cidade de Roma parcialmente destruída e com muitos edifícios de Roma em ruínas, foi necessário um “poder” forte no combate à decadente situação, e começou então uma operação complexa de reconstrução. 10 Quattrocento, expressão italiana que designa a generalidade dos eventos e movimentos culturais e artísticos da história, que ocorreram em Itália (e na Europa consequentemente), no séc. XV. Período esse que, começa por volta do ano de 1400, e que vem na origem do Renascimento – que “[…] iniciado em Itália, pode ser considerado como uma fase histórica desde a centúria de quatrocentos até ao primeiro terço do século XVI (Burckhardt), ou como uma sucessão de fases como características próprias numa evolução dialéctica desde o humanismo do século XV até ao eclectismo romântico (Venturi).” (Rodrigues, Sousa, Bonifácio, 1990, p. 230) –, dividindo o período em Trecento (1300), Quattrocento (1400), Cinquecento (1500), numa tentativa de “sugerir uma mudança de perspectivas intelectuais e culturais do tardo e do pós-medieval em Itália. […] O Quattrocento foi um período de prosperidade crescente e de constate progressão nas artes em direcção ao equilíbrio harmonioso alcançado no Alto Renascimento. […] É considerado o seu início em 1401, com um concurso para desenhar as portas Nascente do Baptistério de Florença, terminando em 1503 com a eleição do cardeal Giuliano della Rovere, como Papa Júlio II.” ([Tradução nossa a partir de] Encyclopædia Britannica, 2014).

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anteriores não se verificou devido à falta de um distanciamento temporal, que inevitavelmente pendia para o âmbito da Arqueologia.

Contudo, e recuando um pouco na história, não foi espontânea essa consciência do séc. XIV, que aparece de modo subtil ainda no séc. III a.C. sobre um olhar historiador e preservador, onde se encontram algumas colecções de obras de arte antiga que vem antecipar em certo sentido o museu, tal como o conhecemos hoje. Esta consciência surge nos Atálidas11 e nos Romanos, que se debruçam sobre a arte Grega aquando das suas pilhagens a edifícios públicos. Diz Choay (2008, p. 34), que os Atálidas “[…] procuravam com fervor, sensibilidade e perseverança, as esculturas e os objectos de arte decorativa que a Grécia clássica produziu […]”, pela sua qualidade intrínseca, e não pelo seu valor histórico ou por considerar como tesouro.

No Império Romano12 encontram-se muitas obras gregas pilhadas, que se manifestam na decoração de algumas habitações da elite social, e mais tarde na decoração do próprio espaço público romano. Mas o evidente interesse que os Romanos demonstraram pela arte grega condizia com a tentativa de “[…] impregnar-se, através da visão, do mundo plástico da Grécia, tal como procuravam impregnar-se do pensamento da Grécia por via da prática da sua língua.” (Choay, 2008, p. 36).

Contudo essas obras não despultaram nos seus saqueadores um apreço histórico. Como nos refere Choay:

O seu valor não deriva nem da sua relação com uma história que eles autentificariam ou permitiriam datar, nem da sua Antiguidade: eles dão a conhecer os feitos de uma civilização superior. São modelos, apropriados para suscitar uma arte de viver e um requinte que só os Gregos tinham conhecido. (2008, p. 36)

Na antecipação de uma consciência sobre o valor histórico dos monumentos, encontramos as contribuições dos escritos humanitas13, entre as grandes invasões e o

11 Atálidas, linhagem grega que governou a cidade de Pérgamo, assim denominados devido ao nome dos seus três reis. Átalo I Soter (241-197 a.C.) que lutou contra Filipe V da Macedónia. Átalo II Filadelfo (159-138 a.C) participou, ao lado dos Romanos, na destruição da Liga Aqueia (146). Átalo III Filomotor (138-133 a.C.) celibatário, legou o seu reino aos Romanos. Pérgamo, em grego Pergamon, anterior cidade da Mísia (Ásia Menor), actual Bergama (província de Izmir, Turquia). Capital do reino dos Atálidas, também chamado reino de Pérgamo (c. 282-133 a.C.). 12 Império Romano, compreendido entre o ano 27 a.C. e o ano de 14 d.C., dominou a maior parte do território “Europeu”, com o grande poderio militar. 13 Do Latim humanitas, significa aquele que é das Humanidades, dos estudos superiores de línguas, literaturas, história, filosofia. A palavra no singular, humanidade, significa, entre outras designações, o “Modo de agir ou de se comportar tendo em conta os interesses ou desejos dos outros, solicitude do ser humano pelo seu semelhante.” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea - Academia das Ciências de Lisboa, Editorial Verbo, 2001, p. 2010)

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final da Idade Média14, nos séculos VI a XIII, marcada fortemente pela sensibilidade e pelo saber literário. É certo que estes textos contrariavam de certo modo a barbárie de destruição que acompanhava a época, onde inúmeros monumentos e edifícios foram ocupados, arrasados e muitos outros que serviram de pedreiras a novas construções.

Os exemplos que se conhecem vão desde o Coliseu de Roma, onde são fechados os arcos ocupando-os com habitações e oficinas e construída uma Igreja dentro da arena, ao Teatro de Pompeia ocupado também por mercadores e pequenos restaurantes (trattorie). Também o teatro de Marcelo (Ilustrações 2 e 3) em Roma, foi ocupado por trapeiros, adelos e tabernas, e ainda hoje apresenta marcas visíveis dessa ocupação. As arenas de Arles (Ilustrações 4 e 5) em Provença, foram também transformadas em cidadela, com habitações nas antigas bancadas e uma Igreja no centro.

Ilustração 2 - “Teatro di Marcello”, gravura de Giovanni Piranesi, Ilustração 3 - Teatro de Marcelo, em Roma, ainda com marcas da no séc.XVIII (Wilton-Ely, 2008, p. 181) ocupação (Ilustração nossa, 2013)

Ilustração 4 – “Ville of Arles”, arena de Arles transformada em Ilustração 5 – Vista aérea da Arena de Arles, em cerca de 1970. cidade fortificada. Gravura do séc XVII. (Dave, 2013) ([adaptação a partir de] Bernard, 2013)

14 Idade Média, compreendida entre o ano de 476 e o ano de 1453. Estas datas condizem com o período histórico marcado pela queda do Império Romano do Ocidente (476), e a conquista de Constantinopla pelos Turcos Otomanos (1453).

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Com a cristianização em ascensão e fortemente marcada pela conversão de vários territórios em massa, os seus edifícios, em muitos casos são destruídos, queimados e pilhados, salvo os casos em que são convertidos, sem a mínima consciência de preservação de um património.

Contudo, e no cenário de barbárie que se vivia, o exemplo máximo na luta contra essa corrente, é dado pelo papa Gregório I, que adverte os seus missionários para que “[…] «não destruam os templos pagãos, mas apenas os ídolos que eles acolhem» […].” (Choay, 2008, p. 38). Esta doutrina, que vai muito para além do interesse utilitário, estabelece com os vestígios da Antiguidade um apelo ao sentimento humanitário, e de pertença humana.

Atracção intelectual, é certo, mas também sedução da sensibilidade: as obras antigas fascinam pelas suas dimensões, pelo requinte e pela perícia da sua execução, pela riqueza dos seus materiais. (Choay, 2008, p. 38)

O contributo das vertentes humanísticas (em boa parte da Igreja que possuía grande parte dos tributos literários e do saber), veio a ser continuado e aprofundado pelo Quattrocento italiano que, como nos refere Choay, aborda definitivamente os três discursos, que contribuem para a forma primitiva do monumento histórico, da perspectivação histórica, da perspectivação artística e da conservação.

Os séculos XV e XVI seguintes vêm de algum modo criar as condições necessárias para a estruturação de uma cronologia, na abordagem aos monumentos. Com a ascensão do conceito de museu, materializado em meados da mesma época, coleccionam-se pinturas, esculturas e objectos de arte, abrindo caminhos para a conservação de monumentos de arquitectura. Um conservadorismo levado a cabo pela musealização de documentos que descreviam o edifício, através de imagens e textos.

Esta atitude primária dos humanistas é precedida, e quase revolucionada, pelos séculos seguintes onde se destacam os antiquários15, normalmente eruditos e cultos, que envolvem os edifícios em profundas pesquisas e meticulosos estudos. Choay diz- nos que “entre a segunda metade do séc. XVI e o segundo quartel do séc. XIX, as antiguidades são objecto de um imenso esforço de conceptualização e de recenseamento”, facilitando “a sua entrada na memória” (2008, p. 66). Esta atitude

15 “A palavra, caída em desuso nessa acepção, merece ser conservada devido à sua conotação precisa e concreta. […] designa aquele que é «sabedor no conhecimento dos antigos e que tem curiosidade por eles»” (Choay, 2008, p. 66)

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conservadora, por parte destes antiquários, revela-se então pelos testemunhos materiais do passado, como inscrições ou conjuntos edificados, onde “[…] esses objectos não podem enganar o tempo, como ainda fornecem informações originais”. (Choay, 2008, p. 66)

Muito contribuíram então artistas como o pintor Peter Rubens16, ou o gravurista Pietro Bartoli17, que nos deixa uma representação exímia da coluna do imperador Trajano (Ilustrações 6 e 7), e Giovanni Piranesi18, com uma inigualável iconografia das antiguidades, que demonstra uma sensibilidade emocional no modo como se vê e sente o espaço ou o objecto retratado. Uma sensibilidade que nos invoca uma memória histórica, de que não tivemos presença e a que, de algum modo, queremos pertencer.

Trata-se de uma apropriação do passado, no papel, que contextualiza o esforço dos eruditos na procura de uma musealização de obras, que de outra forma não poderiam ser vistas pelo público em geral. Podemos assim antever, em certo sentido, a separação daquilo que é uma “conservação iconográfica”, do que é passível de ser “conservação real”.

16 Peter Paul Rubens (1577-1640), nasceu em Siegen, na Alemanha. Pintor, diplomata, empresário, colecionador e teórico de arte, trabalhou para o duque de Mântua como pintor da corte. Ao completar a fusão da tradição realista da pintura flamenga com a liberdade criativa dos temas clássicos da pintura italiana do Renascimento, revitaliza e redireciona a pintura do norte da Europa, desenvolvendo um estilo próprio, acrescentando maior luminosidade às cores e reduzindo o contraste claro/escuro. Enviado a Roma em 1601, pinta obras como “A Coroação de Espinhos” (1602), “Retrato do Duque de Lerma” (1603) e “Circuncisão” (1605), sob influência de Michelangelo. 17 Pietro Santi Bartoli (1635-1700), nasceu em Perugia, Itália. “Pintor desenhador e gravador. Especializou-se na reprodução de objectos antigos (lucernas, jóias, pinturas, moedas). Autor de vários volumes, como o da representação detalhada (123 baixos-relevos, sobre acontecimentos históricos e vida quotidiana de Roma) da coluna de Trajano (1673) e da coluna Antonina (cerca de 1672, com 72 baixos- relevos), teve um papel importante no levantamento de muitas ruínas que se encontravam em Roma. 18 Giovanni Battista Piranesi (1720-1778), nasceu em Veneza, Itália. Figura incontornável no trabalho de representação e um fantástico desenhador, estudou arquitectura, arqueologia e engenharia (com disciplinas como cenografia e perspectiva). De formação veneziana, chegou a Roma em 1740 para ser aprendiz de Giuseppe Vasi (1710-1782, grande mestre de representação, que elaborou diversas perspectivas de Roma). Nas suas representações, Piranesi encontra um modo de mostrar ao espectador uma experiência sensorial diferente. Carregados de uma forte poética, os seus desenhos conseguem criar ambientes de grande intuição e que prefiguram na memória de cada um aquilo que pretende transmitir. Esse carácter romântico dos seus desenhos é transmitido através de composições dinâmicas, de efeitos lumínicos e de uma forte representação dramática, que de algum modo incita ao imaginário do observador. Os seus trabalhos como, as Vedute di Roma (vistas de Roma) a partir de 1947, estabelecem o seu ponto de partida para uma carreira como desenhador. A sua formação em arqueologia permite-lhe também a obra Le Antichità romane (as antiguidades romanas) em 1756, mas é com a obra Carceri d' Invenzione (prisões imaginárias) ainda em 1749 (e posteriormente trabalhada em 1960) que Piranesi consegue o destaque do seu trabalho. A inequívoca obra é um marco importante no trabalho de representação, que procura nas ruínas romanas a sua base dramática, para a criação das carceri imaginárias, num trabalho exímio de luminosidade e perspectiva.

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Ilustração 6 - Detalhe dos baixos-relevos da coluna de Trajano, Ilustração 7 – “Victoria Dacica” (representação da batalha de em Roma (Ilustração nossa, 2013) Dácia) por Pietro Santi Bartoli, 1650. ([adaptação a partir de] Codrinb, 2013)

Contudo, passados longos anos de evolução das directrizes e de uma abertura cronológica onde as obras se inseriam, e sobre questões de uma conservação iconográfica ou conservação ou real, a primeira consciencialização de conservação dos monumentos nasce com a primeira Comissão dos Monumentos Históricos, em 1837. Ate à data os monumentos históricos são classificados em três categorias: vestígios da Antiguidade, edifícios religiosos da Idade Média e castelos.

Este período, que condiz com o fim da Revolução Francesa19, veio dinamizar a consciência de uma preservação dos valores da antiguidade, que pejavam os territórios romanos e gregos, até aqui admirados e estudados por uma pequena elite social, tornando-se clara a intenção de institucionalizar os procedimentos jurídicos e técnicos que acompanham o processo de conservação e preservação dos monumentos.

Com o final da Segunda Guerra Mundial20, a necessidade de catalogar os diversos bens culturais, de origem arqueológica ou da própria história da arquitectura, cresceu

19 Revolução Francesa, compreendida entre 1789 e 1799 em França, estabeleceu o ponto de revolta contra o Antigo Regime. A revolução fundou dois regimes efémeros (a monarquia constitucional e a I República). As origens da revolta iniciam-se no final do séc. XVIII, a burguesia, cujo papel económico crescera, deseja chegar ao poder; as ideias dos filósofos, como Montesquieu, Voltaire, Diderot, Rousseau, que combatem o absolutismo, propagam-se rapidamente. Por outro lado, na sequência de más colheitas, o país atravessa uma crise económica, enquanto o défice do Estado torna imperiosa uma reforma fiscal. Os frutos da Revolução fazem-se sentir nos princípios fundamentais da Revolução, como é o caso da liberdade e da igualdade proclamadas na Declaração dos Direitos de Homem e do Cidadão. São assim instauradas a liberdade individual e as de opiniões e expressão. A igualdade, em contrapartida, esbarra com os limites impostos pela burguesia. Por outro lado, a Revolução desempenha uma importante função na história das ideias políticas, ao evidenciar o papel do processo revolucionário. 20 Segunda Guerra Mundial, compreendida entre 1939 e 1945, foi a segundo grande conflito bélico a nível mundial. Os motivos para o conflito prendem-se com a vontade de Adolf Hitler em dominar a Europa e libertar a Alemanha da humilhação a que teria sido sujeita pelo Tratado de Versailles (1919). Depois de Hitler ter anexado a Áustria e a parte da Checoslováquia que já fora território alemão (vindo a ocupar a

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exponencialmente, tendo sido criadas várias denominações para toda e qualquer construção, pública e privada, de carácter rural e urbano. Apresentando-se assim três noções de classificação:

- arquitectura menor, expressão oriunda de Itália usada para designar as construções privadas não monumentais, muitas vezes erguidas sem o concurso de arquitectos;

- arquitectura vernacular, expressão oriunda de Inglaterra usada para distinguir os edifícios característicos dos diversos territórios;

- arquitectura industrial das fábricas, das estações, dos altos-fornos, reconhecida em primeiro lugar pelos Ingleses. (Choay, 2008, p.12)

Ainda assim, não se tratou apenas de classificar edifícios individuais isolados do seu contexto, passando a ser conotado como património edificado, mais tarde, conjuntos edificados e tecido urbano, que incluíam aglomerados de cidades, cidades, aldeias, bairros urbanos e quarteirões, como consta na lista do Património Mundial estabelecida pela UNESCO21.

Veja-se o exemplo de Varsóvia22, cidade arrasada pelos bombardeamentos alemães e reconstruída integralmente como havia sido antes (Ilustrações 8 e 9) e que consta, desde 1980, na lista da Unesco como Património Cultural da Humanidade.

totalidade do país em Março de 1939), assina com a U.R.S.S. o pacto germano-soviético, no dia 23 de Agosto de 1939. Uma semana mais tarde, a 1 de Setembro, a Alemanha invade a Polónia levando, assim, o Reino Unido e a França a declararem-lhes guerra, no dia 3. 21 UNESCO, United Nations Organization for Education, Science and Culture, (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), fundada em 1945, trabalha no sentido de criar diálogos entre civilizações, culturas e populações, baseado no respeito pelos valores partilhados. No que respeita ao património, em toda a sua abertura, existe uma lista de Património Mundial, que abrange 759 propriedades culturais. Em Portugal existem 15 propriedades inscritas, exemplificando, Paisagem Cultural de Sintra (1995), Centros Históricos de, Évora (1986), Porto (1996), Guimarães (2001) e Mosteiros de, Batalha (1983), Jerónimos (juntamente com a Torre de Belém em 1983), e Alcobaça (1989). 22 Varsóvia, capital da Polónia, ocupada na II Guerra Mundial pelos alemães em 1939. Em 1940 parte da cidade foi transformada em gueto Judeu, cercada por muros de grandes dimensões, e em 1944 foi destruída por completo pelas forças alemãs, deixando a maior parte da cidade em ruínas. A decisão da sua reconstrução remonta a Dezembro de 1944, justificada pela sua importância para a identidade nacional do povo polaco, e possível devido aos desenhos métricos existentes, pinturas e a documentos escritos que sobreviveram à destruição. Foram executadas algumas alterações nos interiores dos edifícios, contudo a identidade do espaço público e a originalidade dos seus edifícios, foi restabelecida, como se de um monumento nacional se tratasse. Em 1945 foi nomeada capital da Polónia, e desde 1980 pertence à lista da Unesco como Património Cultural da Humanidade.

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Ilustração 8 – Núcleo antigo de Varsóvia, após bombardeamento. Ilustração 9 – Núcleo antigo de Varsóvia, após reconstrução. (Bayres, 2012) (Bayres, 2012)

A necessidade de estabelecer essa separação, que pretende de algum modo definir o quadro cronológico do domínio da arqueologia a par do monumento, abre caminho à discussão sobre os dois termos que estão na génese da questão sobre práticas patrimoniais, que desde a segunda metade do séc. XIX ao início do séc. XX adquirem noções diferentes.

A natureza afectiva do destino é essencial: não se trata de fazer verificar, de fornecer uma informação neutra, mas de excitar, pela emoção, uma memória viva. Nesse primeiro sentido, chamar-se-à monumento a qualquer artefacto edificado por uma comunidade de indivíduos para se recordarem, ou fazer recordar a outras gerações pessoas, acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças. (Choay, 2008, p. 17)

Se por um lado o termo monumento23 propôs dar maior importância a uma determinada construção, por outro distingue-se do conceito de monumento histórico24, surgido mais tarde, que subentende uma diferenciação no modo de apropriação, e que veio a ser definidor de duas abordagens em relação ao objecto construído.

Os dois conceitos, opostos ou quase antinómicos, pretendem clarificar através da interpelação da memória, aquilo que é produzido por um passado histórico, de um memorial a esse mesmo acontecimento. Podemos então definir esses memoriais como, «comemorativos» que “recordam um passado cujo peso e, a maioria das vezes, o horror, impedem de os confiar apenas à memória histórica” (Choay, 2008, p. 23).

Esta diferenciação, segundo Alois Riegl25, caminha no sentido da distinção entre: monumento, como uma criação deliberada (gewolte), pensado e executado como tal, à

23 Do Latim monumentum, que deriva de monere (advertir, recordar), que interpela à memória. 24 Expressão que só entrou nos dicionários na segunda metade do séc. XIX, datando o seu aparecimento ainda em 1790 por L. A. Millin aquando, no contexto da Revolução Francesa, são elaborados os conceitos de monumento histórico e os instrumentos de preservação que lhe estão associados. (Choay, 2008, p.27). 25 Alois Riegl (1858-1905), nasceu em Linz, Áustria. Historiador de arte austríaco, também com formação de jurista e filósofo, foi professor de História de Arte na Universidade de Viena, desde 1897 até à sua morte. Foi nomeado também Presidente da Comissão austríaca de monumentos históricos em 1902. É recordado principalmente como o fundador do conceito de “Kunstwollen” («desejo de arte»). Desejava

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priori, e: monumento histórico, não desejado inicialmente (ungewolte) e criado enquanto tal, mas à posteriori, perante a abordagem do historiador e do amador, que, por força de uma representação da memória o selecciona, perante os demais edifícios não tão marcantes culturalmente. Choay (2008, p. 170) diz-nos ainda que a atitude de Riegl “[…] é estruturada pela oposição de duas categorias de valores. Uns, ditos «de rememoração» (Erinnerungswerte), estão ligados ao passado e fazem intervir a memória. Os outros, ditos «de contemporaneidade» (Gegenwarstswerte), pertencem ao presente […].” Deste modo Riegl aborda a questão ainda com um novo valor, a que chama “antiguidade”, que emerge na segunda metade do séc. XIX, e que está ligado à idade do monumento com as devidas marcas temporais. (Choay, 2008, p. 171).

Todo o objecto do passado pode ser convertido em testemunho histórico sem ter tido por isso na sua origem um destino memorial. Inversamente, recordêmo-lo, todo o artefacto humano pode ser deliberadamente investido de uma função de memória. [...]

O monumento tem por finalidade fazer reviver no presente um passado engolido pelo tempo. O monumento histórico mantém uma relação diferente com a memória viva e com a duração. (Choay, 2008, p. 25)

Então, segundo a perspectiva de Riegl, podemos referenciar-nos através de um valor imensurável, do peso histórico, que actua sobre o juízo feito a cada objecto construído. Diríamos deste modo que, ao olharmos para o caso de uma edificação como o Castelo de São Jorge26 (Ilustração 10), ou para o Convento de São Francisco da Cidade27

compreender por que motivo o estilo mudava através dos tempos, pensando que era inapropriado explicar essa mudança em termos de materiais e técnicas. Em vez disso propôs a ideia de um impulso estético dinâmico, que reflectia o desejo inato para a mudança, já que cada geração via de modo diferente o seu antecessor. A sua obra mais notável, Der moderne Denkmalkultus (O Culto Modero dos Monumentos), formou um dos pensamentos mais críticos do domínio patrimonial, estabelecendo alguns conceitos importantes que fizeram parte da génese de uma consciência do património histórico e cultural. 26 Situado no ponto de maior altura da colina de São Jorge, a data da sua presumível edificação remonta ao séc. 48 a.C., primeira fortificação construída, concedendo a Lisboa a categoria de município romano. “Castelo Medieval, de planta aproximadamente rectangular, cuja muralha, de paramentos verticais e espessos, é coroada por merlões quadrangulares sem seteiras, interrompida por 10 torres de planta quadrada, tendo algumas 1 a 2 pisos. A sua abertura é feita ao nível do adarve. Este é aberto e corre em volta de toda a muralha. Uma Torre de couraça desce do pano de muralha. Uma barbacã reforça 2 das faces da muralha, estando numa aberta a porta principal do castelo. A barbacã está rodeada nas 2 faces por um fosso.” (SIPA, 2014) 27 Convento masculino edificado em 1217 no local de uma ermida pertencente à Ordem de São Francisco, implantado, em ligeiro declive, a meia encosta da colina de São Roque, na freguesia de São Nicolau. O convento é composto por uma Igreja, localizada do lado esquerdo das alas conventuais, que se elevam a dois e três pisos de altura, em torno de dois claustros e três pátios de menores dimensões. O conjunto edificado varia entre os três e quatro pisos adaptando-se em perfeita harmonia ao desnível do terreno. Com o terramoto de Lisboa em 1755, o edifício sofreu uma parcial destruição e várias transformações foram feitas desde a sua original construção, muitas delas com acrescentos e modificações de volumetria, mantendo-se em linhas gerais a sua composição. Após a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, o edifício passa a albergar o espólio de livros religiosos. Entre 1836 e 1839, é instaurada a Academia de Belas Artes e a Escola de Belas Artes que passam a funcionar em separado. É também entre 1991 e 1994, com obras de remodelação, que se junta às anteriores funções, o Museu

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(Ilustração 11), estaríamos diante de um monumento histórico. Exemplos que de alguma maneira não se valem pelo carácter comemorativo ou alusivo, mas que permaneceram no tempo, influenciando o contexto da evolução histórica da cidade. Edificações construídas em função de uma causa que não a celebração de um momento histórico, mas que em todo o caso participam nessa mesma celebração histórica de modo consequente, à posteriori. Em oposição entende-se que, ao falar do exemplo do Padrão dos Descobrimentos28 (Ilustração 12), estamos perante um monumento, feito à priori, que não comporta um peso histórico, mas que em certo sentido adquire importância na celebração do um qualquer momento.

Ilustração 10 – “Vista geral do Castelo de São Jorge, tirada da Baixa Pombalina”. (SIPA, 2014)

de Arte Contemporânea, passando a chamar-se Museu Nacional de Arte Contemporânea (actual Museu do Chiado). 28 “Arquitectura civil comemorativa do século 20. Padrão comemorativo dos Descobrimentos Portugueses, em forma de nau, com estrutura de betão revestida a cantaria, em cujos lados surgem as figuras esculpidas dos grandes responsáveis pela gesta portuguesa ou pela cultura do tempo, contendo, no interior, um auditório e salas de exposição […] com 56 m de altura, 20 m de largura e 46 m de comprimento, assentando em fundações com 20 m de profundidade, de planta rectangular, com o lado Sul facetado […].” (Bandeira e Figueiredo, 2008). Em 1939 foi elaborado o projecto do monumento, no âmbito dos planos para a Exposição do Mundo Português, pelo arquitecto José Ângelo Cottinelli Telmo, com apoio do escultor Leopoldo de Almeida. Em 1940 é inaugurado como construção efémera, sendo edificado em materiais perecíveis, como ferro e cimento. É “desmontado” em 1943 após a conclusão da exposição e novamente reconstruído entre 1958 e 1960, envolto em grandes discussões sobre a sua permanência ou não, segundo o projecto original de Cottinelli Telmo, e concluído por António Pardal Monteiro (devido à morte de Cottinelli Telmo). O interior foi executado pelo próprio António Parda Monteiro, e a zona envolvente pelo arquitecto Cristino da Silva, que concebe a rosa dos ventos do pavimento. As esculturas ficaram a cabo de Leopoldo de Almeida, auxiliado por Soares Branco e António Santos.

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Ilustração 11 – Ritmos, na ala do Ilustração 12 – Padrão dos Ilustração 13 – Panteão Nacional, ou Convento de São Francisco da Cidade. Descobrimentos, sito no aterro de Belém. Igreja de Santa Engrácia. (Ilustração (Ilustração nossa, 2013) (Ilustração nossa, 2012) nossa, 2013)

Esta separação de termos, na sua relação com o tempo, memória e saber, para além da diferente abordagem contextual comporta ainda uma outra consciência histórica que caminha no sentido da sua conservação.

Diferentes sentidos e diferentes modos de acção ainda que de uma atitude consubstancial. Por um lado encontramos na abordagem aos monumentos uma desafectação e quase esquecimento, afecto à corrosão temporal. Negligência no modo da sua preservação, muitas vezes com a sua destruição ou mesmo em intervenções menos felizes, que deixam cair a sua importância na banalidade do tempo.

Uma outra abordagem que tem vindo a existir com maior frequência deixa prever uma continuidade da memória, no caso do património edificado (incluindo os monumentos considerados históricos), que por um lado têm a imutabilidade como peso de relevância, inseridos num contexto marcante indissociável, e por outro numa perspectiva de consolidação objectivada e vincada pelo saber da história.

Diz-nos Choay (2008, p. 14) que esta atitude de preservação, que começou com grande fulgor e quase exclusivamente na Europa no séc. XIX, viria a ser exportada para outros continentes. Japão e Estados Unidos da América foram alguns dos países que, com atitudes diferenciadas, atenderam à necessidade de consciência por parte das entidades para o património edificado.

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Segundo a autora, encontram-se duas atitudes; por um lado o Japão, que até aqui tinha mantido a “reconstrução ritual” dos seus monumentos, reconstruindo-os do modo mais fiel possível para substituição dos degradados templos, e adoptando o museu e a preservação enquanto testemunho do passado. Por outro os encontramos os E.U.A, que não se interessavam pela acuidade do seu património edificado (apenas de algumas personalidades relevantes), mas sim pela protecção e preservação do seu património natural (Choay, 2008, p. 14).

Em 1931 surge a primeira Conferência Internacional para a Conservação dos Monumentos Históricos29, realizada em Atenas, mas apenas com participação de países Europeus. Uma segunda conferência, em 1964, é realizada em Veneza onde participam três países não europeus: Tunísia, México e Peru. No entanto, só anos mais tarde é assinada a Convenção do Património Mundial, onde se inscrevem oitenta países mundiais (Choay, 2008, p. 14).

Deste modo estas reuniões permitiram criar os princípios que hoje regem a atitude por parte das entidades, no modo de actuação sobre o património edificado, bem como a sua valorização enquanto conjunto edificado no contexto urbano.

Conservar, recuperar é um processo indissociável dum acréscimo de vitalidade, com novos pólos de interesse e atracção, e não uma mera operação museográfica ou decorativa para turistas ou saudosistas. Valoriza-se o que é antigo introduzindo a contemporaneidade. (Santos, 2000, p. 10)

Este interesse demonstrado nos últimos anos pela preservação de património edificado histórico, e o seu consequente culto, questionaram de algum modo a maneira de olhar para o sentido de património como algo que capacita a memória, entendendo assim as construções como necessárias à vida quotidiana.

29 Em Outubro de 1931 foi elaborada, durante o I Congresso Internacional de Arquitectos e Técnicos em Monumentos, a Carta de Atenas. Este congresso contou com a presença de 120 peritos de 24 países, e tendo como temática a longevidade dos monumentos históricos susceptíveis de ameaça externa, aqui se constituiu o primeiro acto normativo internacional exclusivamente dedicado ao património e incidindo sobre a problemática do restauro de monumentos. Na conferência foram explanados os princípios gerais e doutrinas relativos à conservação de monumentos. Constatando-se uma tendência para o abandono das reconstituições integrais e considerando-se que só a manutenção adequada, regular e permanente pode assegurar a conservação dos edifícios. Caso o restauro seja incontornável dever-se-á respeitar a obra histórica ou artística, sem eliminar estilos de nenhuma época. A Conferência defende que os monumentos devem ser afectados a usos que respeitem o seu carácter, a fim de assegurar a sua longevidade.

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É nesse ponto de vista que muitas das cidades têm sofrido várias intervenções, que qualificam não só o próprio edifício, como o contexto em que este se insere no tecido urbano. Como nos refere Leonardo Benevolo30:

Os monumentos e os ambientes característicos têm de coexistir com as estruturas e as instalações da cidade contemporânea, porque o interesse formal tem um lugar circunscrito entre os interesses heterogéneos da cidade burguesa; os monumentos e as obras de arte têm as qualidades que faltam ao ambiente comum e permitem saborear – como pausa e recreio salutar – a harmonia que se perdeu no resto da cidade e da vida quotidiana. (Benevolo, 1984, p. 74)

Contudo não é menos verdade que em certo sentido, na cidade contemporânea, essa mesma coexistência vê-se dificultada, pois as novas questões funcionais a que a cidade deve responder são de uma complexidade que outrora as cidades não davam importância, ou não eram problemas que se interpunham na formação da cidade (Benevolo, 1984, p. 75). Diz-nos também o autor que a conservação desses organismos, “[…] não interessam como ornamentos secundários da cidade contemporânea, mas como exemplos de um ambiente heterogéneo […]”, que é mais antigo por origem e em simultâneo mais moderno por virtualidade de desenvolvimento.

Neste sentido entendemos que a dificuldade hoje sentida por parte das entidades está na solução pouco passiva com que os edifícios são abordados. Uma das questões prende-se com a resposta mais acertada, no modo como reabilitar um edifício inscrito em protecção de património. E de que modo essa reabilitação pode oferecer benefícios para a cidade contemporânea, sem perder a sua identidade e a memória que podemos reter da sua história?

Esse paradoxal critério, do que era e do que pode vir a ser, arrasta consigo para o debate as questões do património e pode em alguns casos restringir a actuação nesses edifícios. Se por um lado a arquitectura não pretende esconder o seu tempo, por outro trabalha nele, demonstrando uma sensibilidade inata que actua sobre a memória, de cada um, para todos.

30 Leonardo Benevolo (1923- ), nasceu em Orta, Itália. Arquitecto e historiador de arquitectura e urbanismo, estudou arquitectura em Roma e doutorou-se em 1946. Professor de História da Arquitectura, nas Universidades de Roma, Florença, Veneza e Palermo, também leccionou em universidades estrangeiras como Estados Unidos e Japão. Entre muitas outras, tem como obras teóricas mais notáveis a, Storia dell'archittetura moderna (História da Arquitectura Moderna) em 1960, Storia dell'architettura del Rinascimento (História da Arquitectura do Renascimento) em 1968, The origins of Modern Town Planning (As Origens do Urbanismo Moderno) em 1971, La città e l'architetto (A Cidade e o Arquitecto) em 1984. Dentro da sua profissão como arquitecto, com a influência do Movimento Moderno, contam-se várias participações em estudos de planeamento e regeneração de áreas urbanas e centros históricos.

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Património e memória

Ilustração 14 – Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel, Ilustração 15 – Escola Superior de Educação de Setúbal, projecto em Sesimbra. (Ilustração nossa, 2013) do Arqº Siza Vieira. ([adaptação a partir de] Guerra, 1993)

A memória do que passou é o que nos permite ter identidade e construir as relações com o Mundo e conosco próprios. A memória é o sentir registado. É o facto de nós sermos o próprio tempo que nos permite continuar integrados no passado vivo, no presente. (Manoel, 2012, p. 34)

Com a afirmação que nos refere Manoel (2012, p. 34), podemos retirar da arquitectura a sua vertente social, ou mesmo o sentido poético que a acompanha, se a entendermos como uma espécie de história contada a partir da vivência que proporciona. Uma memória que nos chega como herança, trabalhada no sentido abstracto, e que nos invoca, quase de um modo instintivo, uma sensação de pertença na história, escrita a cada dia de maneira diferenciada (Ilustrações 14, 15, 16 e 17).

É neste deambular, entre a herança e memória, que o arquitecto, dentro da sensibilidade que lhe é inerente, deve estabelecer os princípios de qualquer intervenção no património ou em qualquer pré-existência histórica. Esses valores abstractos, materializados na consciência de cada indivíduo, pretendem, sem rejeitar a história e a tradição, “[…] exprimir uma clara posição de quem acredita na capacidade que a arquitectura tem de dar respostas concretas às exigências da vida contemporânea.” (Fernandes e Cannatá, 1999, p. 9),

Esta mutabilidade de um passado, como constante na evolução do tempo, presente em arquitectura é descrita por Nicola Di Battista31, onde refere que os arquitectos não

31 Nicola Di Battista (1953- ), nasceu em Abruzzo, Itália. Arquitecto e professor, fundou atelier próprio em Roma, em 1986. Estagiou entre 1981 e 1985 no atelier de Giorgio Grassi, em Milão. Professor de projecto em arquitectura, na ETH Zurique entre 1997 e 1999, lecciona também em várias universidades italianas e estrangeiras, como a Faculdade de Arquitectura da Universidade de Cagliari, Sardenha. Entre 1989 e 1995 foi vice-presidente da revista Domus, sendo eleito presidente em 2013. A valorização dos

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olham para o passado na procura de uma harmonia inata, mas em certo sentido “[…] a preciosa lição que nos oferece o passado, essa não morre essa fica e aguarda que alguém a colha e a transporte para o futuro.” (Battista, 1999, p. 11)

Um passado que nos recorda, acima de tudo, como em certos momentos o homem conseguiu reunir, no nosso ofício, feitos espantosos: das primeiras pirâmides egípcias aos anfiteatros romanos, das igrejas góticas aos palácios do renascimento, da intervenção urbanística do séc. XIX aos arranha céus modernos, um conjunto de obras que para nós não são em caso algum apenas lembranças, mas estímulos e armas para prosseguir. Estão ali, claros e vivos, à nossa frente, a impor com a sua presença física o papel e a força que a arquitectura teve ao longo do tempo na vida do homem. (Battista, 1999, p. 11)

Este sentido de preservação contudo, não assenta na adoração ou em nenhum culto à antiguidade, nem pretende retirar da arqueologia as suas conquistas. Em arquitectura, e na relação holística do Homem com o seu habitat, a preservação dessa identidade é conquistada quando atinge a maturidade do passado. Quando se lhe presta um tributo, dizendo assim, no seguimento de uma memória passada, mas que está presente, e que é apresentada em pressupostos da vida contemporânea.

Não se pretende, antes de mais, reanimar ou restabelecer uma imagem passada, mas sim o sentido estruturante que, essa imagem ou objecto, teve outrora na cidade. Pretende-se assim, de algum modo, dar continuidade a um corpo antigo, com uma nova alma, atribuindo-lhe um sentido diferente num contexto diferenciado.

Ilustração 16 – “Penguin Pool”, Zoo de Londres, projecto do Arq. Ilustração 17 – Pátio do Museu da Memória de Andaluzia, Berthold Lubetkin. F. W. Bond, 1938. (W. Burck, 2013) Espanha, projecto do Arq. Alberto Campo Baeza. Javier Callejas, 2009 ([adaptação a partir de] Callejas, 2014)

seus projectos testemunham uma consciência do passado, no desejo de uma continuidade entre os elementos históricos e a inovação contemporânea. Entre outros destacam-se o projecto de ampliação do Museu Arqueológico Nacional de Reggio Calabria (1ºprémio, 2011), o projecto de ampliação do Museu de História Natural e Arqueologia e praça de Santa Corona (1ºprémio, 2001). Com a colaboração do arquitecto Eduardo Souto Moura, conta-se a reabilitação do Castelo de San Michele, em Cagliari, Sardenha.

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De facto, a Arquitectura pode ser encarada como testemunho de passagem do tempo, através do qual os seus objectos vão adquirindo uma consciência e uma memória, transpondo os limites do presente e procurando as suas origens no passado e as suas projecções no futuro. (Morais, 1995, p. 33)

No seguimento desta premissa achamos necessário estabelecer uma metodologia, não um modus operandi32, que identifique as vantagens e desvantagens de uma reabilitação, que por um lado apresenta um modo sustentável de evolução da cidade, e que por outro condiz com uma reformulação de funções, de um estado obsoleto para uma revitalização do próprio edifício.

E se essa premissa, em arquitectura tem um significado inato, também é verdade que põe em evidência toda a capacidade efémera das construções, em que a própria perenidade tem o seu limite. Onde o tempo, digno na sua atitude perante a arquitectura, expressa através da ruína a sua incapacidade de mudança, apresentando a beleza do seu envelhecimento.

2.2. CONVENTO E HERANÇA

Para de algum modo entendermos a importância dos conventos na organização e desenvolvimento de alguns aglomerados urbanos e na consequente expansão da cidade, necessitamos de aprofundar os conhecimentos sobre os mosteiros e conventos que, tal como a cidade, representam uma vontade de reunião, neste caso de uma certa comunidade religiosa, monástica33.

O termo monástico, representa um modus de vida. Uma vida de devoção, contemplação, reunião e isolamento, que pretende estabelecer um caminho religioso em comum, regrado pelo estudo eclesiástico.

El orden, el silencio, la humildad, la austeridad y el ascetismo arquitectónicos, así como la paz de Dios de un monasterio benedictino o cisterciense deparan al visitante una alegría cognoscitiva, de la cual nacen experiencias sobre las condiciones de la creación arquitectónica en general. Así se percibe cómo toda arquitectura monástica depende de las reglas monacales. (Braunfels, 1975, p. 13)

32 Expressão em latim que significa “modo de operar”. Maneira de praticar uma operação ou de desenvolver determinada actividade. (Priberam, 2013, http://www.priberam.pt/DLPO/modus%20operandi) 33 Uma vida em comunidade religiosa, ou monástica. Neste sentido achamos necessário definir o monaquismo, “Do latim eclesiástico monachismus, derivado de monachus, «monge», procedente do grego monos […] «único», «solitário». Vida retirada do mundo, feita de orações e de contemplação e orientada pelos votos de pobreza, de castidade e de obediência.” (Comte e Bel, 1999, p. 447)

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Nesse sentido surge a necessidade de uma construção para a comunidade se estabelecer, com as condições necessárias à sua sobrevivência. Assim surge a Abadia34 (Mosteiro ou Convento), como construção “ideal” para essa vida religiosa. Segundo Santo Agostinho35, a “Cidade de Deus”, expressando a vontade de criar uma cidade governada e legislada por Deus (Martins, 2006, p. 86).

Los monasterios eran “islãs ordenadas y tranquilas dentro de una sociedad que luchaba por liberarse de una profunda confusión”, y contribuyeron, esencialmente, a dar una base económica y cultural a la civilización medieval. (Norberg-Schulz, 1985, p. 62)

Definição

Para melhor compreender as estruturas monásticas teremos de definir à partida o que se entende por Mosteiro e Convento, sendo que existem várias definições possíveis para definir uma e outra nomenclatura. Neste sentido começamos pelo, Dicinonário de História Religiosa de Portugal, que nos propõe a definição de:

Convento – Comunidade dos religiosos membros das ordens mendicantes, cuja forma de vida representa uma viragem face ao modelo monástico, e se inspira no ideal de pobreza pessoal e colectiva; a organização é centralizada e itenerante, propiciadora de uma nova prática de evangelização [...]. (Chorão, 2000, p. 19)

Mosteiro – Sede dos membros das ordens monásticas, institutos de vida consagrada sui juris, que praticam a vida contemplativa, estável, separada do mundo, expressa no lema ora et labora [...]. (Chorão, 2001, p. 274)

Segundo o Dicionário Cultural do Cristianismo:

Convento – (Do Lat., «assembleia, reunião».) Casa religiosa fundada depois do séc. XIII para uma ordem mendicante ou para uma congregação moderna. Distingue-se do mosteiro pelo facto de os membros destas comunidades não serem monges mas religiosos.

34 Abadia, “casa religiosa cujo superior, por decreto formal da Santa Sé, tem a designação de abade, se é de religiosos, ou de abadessa, se é de religiosas. As grandes abadias floresceram, sobretudo na Idade Média, a partir de Carlos Magno, tendo ficado famosas, entre outras, as de Claraval, Cluny, Fulda e Montecassino. Centros de vida religiosa e cultural, a Europa deve-lhes o desenvolvimento das letras e das artes, o progresso agrícola e técnico, e ainda as primeiras instituições de assistência. Em Portugal as abadias mais importantes foram as cistercienses de Alcobaça, Lorvão e Tarouca e as beneditinas de Paço de Sousa, Pendorada e Tibães.” (Chorão, 1997a, p. 4). 35 Santo Agostinho (354-430), “bispo e doutor da Igreja […]. Natural de Tagaste, no Norte de África, após uma juventude agitada – apesar da educação que lhe deu sua mãe, Santa Mónica –, recebeu de Santo Ambrósio o baptismo em 387. Em 391 foi ordenado sacerdote, tendo sido feito bispo em 396, imortalizando a sua sé de Hipona. Teólogo, filósofo, moralista, dialéctico e orador, foi chamado o «doutor da graça». O seu pensamento, influenciado pelo platonismo, foi retomado ao longo da história da filosofia pelas mais diversas correntes.” (Chorão, 1997b, p. 62)

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Mosteiro – Conjunto de edifícios onde vive uma comunidade de monges ou de monjas e, por extensão, de cónegos regulares ou de cónegas. O mosteiro medieval compreende um conjunto de construções que servem de habitação e lugar de oração dos monges ou monjas. Segundo o respectivo grau de autonomia, o mosteiro pode chamar-se abadia ou priorado. (Lemaître ; Quinson e Sot, 1999, p. 87)

Sobre a diferenciação destes termos, o Dicionário Temático Larousse: Civilização Cristã define:

Convento – Casa de religiosos ou de religiosas fundada por uma ordem mendicante ou uma congregação. A comunidade que reside num convento é formada por religiosos; a comunidade que reside num mosteiro é formada por monges. Por vezes, também se chama «convento» a um pensionato de raparigas mantido por religiosas. (Comte, 2000, p. 205)

Porém alguns autores propõem a atribuição do termo mosteiro às casas religiosas masculinas e convento às casas religiosas femininas. Do mesmo modo, outros autores defendem a teoria de que o mosteiro é assim designado por estar isolado da cidade, atribuindo a designação de convento aos conjuntos construídos dentro do perímetro urbano. No entanto entendemos que, pelas definições acima referidas, devemos atribuir o nome de mosteiro às casas religiosas das ordens monásticas e convento às casas religiosas das ordens seculares, mendicantes ou «congregações».

Deste modo o mosteiro, dirigido por um monge (ou monja), pertence a todas as ordens monásticas, como são exemplo os Beneditinos, os Cluniacenses, os Cistercienses ou os Jerónimos. Do mesmo modo o convento, dirigido por um frade (ou freira), pertence a todas as ordens não monásticas ditas mendicantes, como são exemplo os Franciscanos, os Dominicanos, os Agostinhos ou Carmelitas, que explicaremos adiante.

Convento e contexto

Un anhelo de abandonar el mundo para iniciar, una vida solitaria en el seno de una comunidad, en la cual todo nuevo día adquiere un sentido especial gracias a esa verdad máxima o atrevida utopía, según la cual una ininterrumpida meditación sobre Dios permite olvidarse y, al mismo tiempo, encontrarse a sí mismo. (Braunfels, 1975, p. 13)

A possível origem do mosteiro, em consequência directa do monaquismo, remonta ao Antigo Egipto, onde nos chegam relatos de monges36 eremitas (do erêmos, que

36 Monge, “[…] homem que vive solitário (do grego monos, que significa único), […]. Logo nos primórdios da cristandade, definiu aquele que se separou dos outros, aquele que se afastou da vida civil e social, para se dedicar completamente à oração e ao serviço de Deus, quer tenha vivido verdadeiramente

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significa «deserto»), que se isolaram no deserto (cenobitas) de modo a afastarem-se dos seus semelhantes na cidade, seguindo uma vida religiosa e solitária (Comte, 2000, p. 447). Estes monges ficariam conhecidos através da sua acção como «Padres do Deserto» (Murray, 1986, p. 17).

Deste modo surgem “[…] vários estabelecimentos em Tabena, em Cete, em Nítria” (Comte, 1999, p. 447), que se caracterizam por uma vida comunitária intensa, regrada e de isolamento. Neste caso:

Em vez de viverem em células disseminadas pelo deserto, em volta de um ponto fulcral, reuniram-se no interior de uma muralha, tanto para melhor poderem lutar contra os demónios e reduzir os perigos da solidão como para pôr em comum e comercializar os frutos dos seus trabalhos manuais. Por conseguinte, tornou-se necessário organizar a vida da comunidade nesses embriões de mosteiros, instituir um regime comum de orações e trabalho. (Murray, 1986, p. 25)

Diz-nos ainda Wolfgang Braunfels37 que os gregos que viviam segundo a regra de S. Basílio38, deixaram verdadeiros complexos monásticos, e que “[…] hubo y sigue habiendo aldeas-monasterio y ciudades-monasterio […]” (1975, p. 15). Assim, encontram-se províncias-mosteiro, como a Tabaida do antigo Egipto e estados- mosteiro como o de monte Athos (Ilustrações 18 e 19), na Grécia. Contudo diz-nos ainda o autor que apesar da criação destas comunidades, “[…] la Iglesia oriental no desarrolló ninguna normativa concerniente a monasterios.” (1975, p. 15).

isolado, como eremita e como anacoreta, ou em grupo, com outros, numa pequena comunidade, como cenobita.” (Murray, 1986, p. 15) 37 Wolfgang Braunfels (1911-1987), nasceu em Munique, Alemanha. Historiador de arquitectura medieval e Professor de História de Arte. Estudou História de Arte e Literatura nas Universidades de Colônia (Alemanha), Paris (com Henri Focillon), Florença e finalmente em Bonn (Alemanha) na Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität. Diplomou-se em 1937, com uma dissertação sobre o arquitecto e decorador do período Rococó, François de Cuvilliés. Em 1945 foi nomeado curador do Museu Wallraf- Richartz, em Colônia. Em 1953 foi nomeado Professor Ordinarius de História de Arte na Technische Hochschule, em Aachen, Alemanha. Em 1969 publica a obra, Abendländische Klosterbaukunst (Arquitectura Monástica Ocidental), um estudo aprofundado sobre mosteiros, desde a fundação, com as suas estruturas, funcionamentos e ordens, ao projecto do Convento de La Tourette, de Le Corbusier. 38 São Basílio (329-379) – “Bispo de Cesareia de Capadócia, padre da Igreja Grega, orador e escritor clássico […]. Viajou pelo Egipto e pelo Oriente, para conhecer a vida dos monges. Viveu como monge no Ponto. Ordenado de presbítero, voltou a retirar-se para a vida monacal. […] As suas reformas litúrgicas tiveram grande repercussão no Oriente. […] é considerado sobretudo como o grande patriarca do monacato oriental (sobretudo bizantino). […] O monacato basiliano é pacomiano; mas ainda mais organizado, com menor número de monges e maior parcimónia nos rigores corporais.” (Sotomayor, 1998, p. 372-374)

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D

F

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Ilustração 18 – “Monte Athos, monasterio de santa Laura. Ilustração 19 – “Monte Athos, monasterio Rossicon. Según A. Plano ideal. Según A. Lenoir”. (Braunfels, 1975, p. 24) Lenoir.” (Braunfels, 1975, p. 25)

Com a procura de uma ordem que pudesse regrar essas células comunitárias, o ocidente adopta o sistema monástico, porém de um modo mais estruturado. Segundo Fernand Comte39 (2000, p. 447), rapidamente se expande este modo de vida, chegando ao “[…] Ocidente com S. Martinho de Tours, em 372, e S. Cassiano, em 416 […]”, notando-se aqui um ideal monástico mais ou menos fixado.

No entanto esta manifestação não acontece pela simples necessidade de expansão, mas sim por influência dos «padres do deserto» do Oriente e que os padres Ocidentais procuraram praticar nos seus territórios (1986, p. 26).

Durante el siglo IV se desarrolló el sistema cenobítico, en el cual la comunidad religiosa vivía reunida en un monasterio que constaba de celdas, refectorio, iglesia e instalaciones secundarias, como la cocina y una casa de huéspedes. Por lo común, los diferentes elementos formaban un recinto alrededor de una iglesia situada en el centro. Dentro de este recinto reinaban el silencio, la humildad y el ascetismo. (Norberg- Schulz, 1985, p. 62)

Diz-nos ainda Comte (2000, p. 447) que, “[…] a partir do séc. VI, os mosteiros começam a difundir-se através de toda a Europa […]”. Dado ao crescimento exponencial de mosteiros na Idade Média encontram-se mosteiros “[…] construídos no centro das cidades, outros em vilas, ou em pleno campo ou em lugares afastados de

39 Fernand Comte (1932- ), nasceu em França. Professor diplomado em Teologia e Literatura. Escreveu vários artigos para a Encyclopædia UniversalisI, como também várias obras, incluindo Les grandes figures de la Mythologie (As grandes figuras da Mitologia) em 1989, Les héros mythiques et l’homme de toujours (Os heróis míticos e o homem de sempre) Seuil, em 1993, e ainda o Dictionnaire de la civilisation chrétienne (Dicionário da civilização cristã) Larousse, em 1999.

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tudo e de todos” (Murray, 1986, p. 28), numa organização algo caótica e sem unidade entre si.

Neste ambiente desorganizado e algo anárquico surge a regra de S. Bento40 (Beneditinos), que viria a tornar-se a regra regente em quase todos os mosteiros do Ocidente, caracterizada por uma vida monástica regrada e centrada na obediência (Murray, 1986, p. 30). Diz-nos Braunfels (1975, p. 39) que, “fueron los benedictinos quienes crearon las bases para la Edad Media latina”, e que “[…] los abades benedictinos buscaron transformar sus monasterios en perfectos instrumentos para la puesta en práctica de la regla monástica.” (1975, p. 15). Comte (2000, p. 447) diz-nos que:

Nos mosteiros, o tempo é repartido entre o ofício litúrgico, o trabalho manual e a meditação. A comida é frugal e o sono muito curto. O monge habita sozinho numa cela e apenas se junta aos companheiros para os exercícios comuns.

Os principais deveres dos monges beneditinos consistem na oração, na leitura e no trabalho manual. A regra evita os excessos do ascetismo individual. Com os eremitas de Santo Agostinho, institui-se o costume dos três votos de religião: o voto de obediência, o voto de pobreza e o voto de castidade. Será esta, de ora avante, a regra para todos os monges.

Deste modo S. Bento começou por fundar um mosteiro, em Subiaco41 e uma outra Abadia de Monte-Cassino, no ano de 529 (Ilustrações 20 e 21). Contudo com a morte de S. Bento a regra não se deteve, passando a ser designada como a «Carta do monaquismo». “Na mesma época, outra Regra, escrita pelo monge irlandês Colomban, conhecia uma rápida difusão” (Murray, 1986, p. 31), sendo progressivamente atenuada e absorvida ainda no séc. VII, suplantada pelos beneditinos.

40 São Bento de Núrsia (c. 480-c. 547), nascido Benedito da Nórcia, “fundador do monaquismo ocidental […]. Natural de Núrsia, em Itália, para escapar ao ambiente corrupto de Roma fez-se anacoreta em Subiaco. Agregando-se-lhe companheiros, em 529 transferiu-se para Monte Cassino, onde fundou os Beneditinos. Pelo seu contributo para a civilização europeia, Paulo VI, em 1964, proclamou-o patrono da Europa.” (Chorão, 1997c, p. 352). 41 Subiaco, comuna italiana da região da Lazio, na província de Roma.

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Ilustração 20 – Monte-Cassino, esquema. Ilustração 21 - Perspectiva da Abadia de Monte-Cassino. Reconstrução, Según J. V. Schlosser”. (Braunfels, 1975, p. 55) segundo Conant. (Norberg-Schulz, 1985, p. 62)

Já no séc. IX é construída uma outra abadia beneditina, de Saint Gallen42, no ano de 820, situada na Suíça. “A planta […] de Saint Gall representa a vontade do Abade Gotzberg de levar a cabo um plano perfeito e ideal, de acordo com as regras da ordem beneditina.” (Villamariz, 1997, p. 29).

Contudo, o plano ideal de Saint Gallen (Ilustração 22) não foi construído na totalidade, acabando por se tornar utópico. Ainda assim permitiu conceber um modelo complexo de organização interna que um mosteiro requeria e que viria a influenciar a construção dos vários mosteiros que se seguiram. (Villamariz, 1997, p. 29). Em Saint Gallen encontramos um plano que reintroduz no espaço o ideal monástico ocidental, na procura do lado ascético por excelência.

42 Abadia de Saint Gallen – “Abadia beneditina da Suíça, (Sankt Gallen), fundada por Otmar, que antes de 750 restaurou o ermitério […], nessa altura sem monges. Povoou-o de religiosos réticos e alamanos e deu-lhe a Regra de S. Bento. Tornou-se posse dos bispos de Constança, até obter de Luís, o Pio, a imunidade (816-818) e o privilégio de eleger abade (833). Foi uma das mais importantes abadias imperiais da época carolíngia. São célebres a planta dos seus edifícios, o número dos monges, as riquezas fundiárias, a biblioteca, os seus músicos (Notkero), historiadores (Ratperto), poetas e professores. Este esplendor diminuiu com os assaltos dos Húngaros (926, 937) e a má vontade dos imperadores Otões. Depois de um período de nova prosperidade [entre] 976-984, voltou a decair em virtude das lutas das Investiduras (1077-1121). As dificuldades agravaram-se no séc. XV, com a revolta dos burgueses da cidade criada junto da abadia, pouco depois de ter adoptado sucessivamente as reformas monásticas de Kastl (1427-1442) e de Subiaco (1442-1457). No fim do séc. XV, o abade fundou um principado territorial que durou até 1800, e restaurou o mosteiro e a disciplina. […] Dotado de edifícios barrocos em 1740- 1767, veio a ser suprimido pela Revolução Francesa, em 1805.” (Mattoso, 1999, p. 1339-1340).

Diogo Rafael Soares de Almeida 57 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

En el plano quedan delimitados claramente entre sí cuatro áreas principales del monasterio. Ello puede considerarse como uno de los aspectos innovadores en el pensamiento monástico de Haito. Los sínodos de Aquisgrán, y probablemente también las experiencias arquitectónicas de la corte imperial, fueron la causa de que sometiera el conjunto del organismo monástico a un examen sobre su funcionalismo orgánico.

La primera de dichas áreas está constituida por el claustro, las edificaciones monacales en torno a él: el aislado mundo del dormitorio al Este, del refectorio al Sur y de la cilla y bodegas de vino y cerveza al Oeste. A este ámbito, en el cual las horas del día se cumplían sin el menor estorbo y en estricto cumplimiento de la regla, sólo se podía acceder a través de una única entrada situada en el locutorio de los monjes, en donde a cada visitante se le lavaban los pies según prescribe la regla. (Braunfels, 1975, p. 63)

No plano de St. Gallen, as celas monásticas estão dispostas ao redor da igreja segundo os princípios metódicos e humanos de São Benedito, de forma bem diferente dos planos do Egipto ou da Irlanda, que têm muito de aleatório – um contraste característico entre os esquemas dos orientais e do Ocidente. Essa localização dos dormitórios, refeitórios e despensas, servirá de modelo durante séculos. (Pevsner, 1982, p. 40)

Ilustração 22 – “El plano de San Gallen” (Braunfels, 1975, p. 59)

Segundo Comte (2000, p. 448), no séc. X a comunidade monástica Ocidental vive “[…] um clima geral de anarquia e de desgraça que os atinge […]”, surgindo algumas reformas eclesiásticas nomeadamente com a construção da Abadia de Cluny43, em

43 Abadia de Cluny, abadia beneditina em Saône-et-Loire (Mâcon, França), “fundada em 11.9.910, pelo duque Guilherme da Aquitânia e confiada ao abade Bernão, vindo do Mosteiro de S. Martinho de Autun. Convencido de que a falta de liberdade das instituições religiosas era o principal motivo da decadência da Igreja no seu tempo, o duque da Aquitânia pôs o mosteiro sob a protecção da Sé Apostólica, a fim de o

Diogo Rafael Soares de Almeida 58 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

910 (Ilustrações 23 e 24), que de algum modo “[…] contribuiu muito para o renovamento monástico e a normalização da vida pública”. Neste sentido da respectiva Ordem de Cluny44 (Cluniacenses, que se regem pela a regra beneditina), que traz um novo “despertar espiritual nos séculos X e XI” (Murray, 1986, p. 34).

A arquitectura reflecte na perfeição as aspirações do monaquismo. A Abadia de Cluny ergue-se, imensa e grandiosa, como uma nova Jerusalém, lugar destinado a assegurar a transição entre a vida terrestre e a paz eterna. (Chorão, 1997, p. 611)

Ilustração 23 - Planta da Abadia de Cluny III em Ilustração 24 – Perspectiva da Abadia de Cluny III. 1157. (Jordan, 1985, p. 110) (http://www.cultus.hk/his5532/cluny.html)

Do mesmo modo surgem outras ordens na tentativa de formar novas instituição monástica, ainda que seguindo a Regra de S. Bento. Diz-nos Murray (1986, p. 39), que “[…] começou com as ordens italianas dos Camáldulos, de Fonte Avellana […] e

isentar da autoridade episcopal e do patronato leigo. Com o mesmo fim, estabeleceu que o abade fosse eleito livremente pelos monges. […] A celebridade de Cluny atingiu o auge durante o abaciado de Sto. Hugo (1049-1109), mas pouco depois atravessava as primeiras crises de carácter económico e disciplinar, sob os abades Pôncio de Melgueil (1109-1122) e Pedro, o Venerável (1122-1156); as medidas tomadas por este último não foram suficientes para resolver todos os problemas. No séc. XIII tornou-se comenda dos reis de França e sofreu as maiores dificuldades durante a Guerra dos Cem Anos e as Guerras de Religião. […] O mosteiro foi secularizado em 1787-1793 e destruído e saqueado em 1793- 1798.” (Mattoso, 1998, p. 205-206). 44 Ordem de Cluny, segue a regra beneditina, interpretando-a de modo diferente e com outras aspirações. “Os Cluniacenses sonhavam com uma sociedade conduzida para o bem, por guias verdadeiramente puros, inteiramente libertos das corrupções do século, por «perfeitos». Por eles próprios. […] Aperfeiçoando os outros. […] Os mosteiros cluniacenses queriam formar, na terra, uma colónia do imaterial, a testa de ponte do reino dos céus. Para isso, os monges subordinavam as tarefas da inteligência ao que era, para eles, a opus Dei, o «trabalho de Deus» por excelência: o exercício litúrgico. (Duby, 1982, p. 163-164).

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de Vallombreuse, fundada por S. João Gualberto (1073)”, seguido de França, “[…] em torno de quatro centros: a Cartuxa45, Grandmont, Fontevrault46 e Císter47.”

Deste modo surge uma das abadias mais importantes desta nova reforma pelas mãos dos abades de Císter (cistercienses), ainda no séc. XI e que configura um novo olhar para a Regra de S. Bento (tal como tinha acontecido com Cluny). Assim em 1075, surge a primeira comunidade de cenóbios de Císter, em Molesme48, com a construção de uma abadia nesse local, fundada pelo abade Roberto (Martins, 2011, p. 56).

Em Molesme foi imposta a estrita observância da Regra beneditina e a sua comunidade cenobítica tinha como características particulares (e necessidade fundamental) o afastamento da sociedade e a ausência de contactos com os habitantes mais próximos. Deste modo a comunidade de Molesme e o seu Mosteiro estavam encerrados ao mundo, submetendo-se ao seu abade Roberto que afirmava ser no ascetismo que se deveria buscar a mais fiel aproximação ao ideal de vida religiosa. (Martins, 2011, p. 57)

Em poucos anos, com a rápida adesão de vários devotos ao mosteiro e com o aumento de problemas na organização e controlo disciplinar, o mosteiro de Molesme perde poder, dando origem à fundação de um novo mosteiro em França. O Mosteiro

45 Ordem da Cartuxa – “Esta ordem foi fundada em 1084 por S. Bruno que, depois de ter sido cónego e mestre das escolas de Reims, se retirou para o deserto da Cartuxa, perto de Grenobla. Ali, instaurou uma vida semi-eremítica, pondo o acento no trabalho manual, no estudo e nos exercícios espirituais, na abstinência e no mais profundo silêncio. Ali, os monges viviam e trabalhavam como reclusos, em celas separadas, só se reunindo para as missas conventuais, o passeio hebdomadário ou por ocasião das únicas refeições que tomavam em comum, aos domingos e dias santificados.” (Murray, 1986, p. 39-40) 46 Ordem de Grandmont e Fontevrault – “Não se passou com estas ordens o mesmo que com a da Cartuxa e, um século após a sua fundação, ambas declinaram. […] Grandmont foi fundada pelos discípulos de Estêvão de Muret que, depois da morte desse santo eremita, ocorrida em 1124, escolheram aquele local, em plena região do Limousin, para levarem uma vida de contemplação e de silêncio. No século XII, os monges de Grandmont […], tiveram um certo êxito, e a Ordem espalhou-se por toda a Aquitânia. […] E depois de vários movimentos de revolta por parte dos conversos, a Ordem desapareceu, progressivamente, no século XIII. Fontevrault, por seu lado, apresentava um carácter especial. O mosteiro principal tinha, como dirigente, uma abadessa geral, suposta representar a Virgem Maria; […] Criado no Anjou, por Roberto de Abrissel, Fontevrault reuniu, aquando da sua fundação (que teve lugar em 1101), vários conventos para recolher os discípulos – homens e mulheres – do célebre monge pregador. A Regra era a de S. Benedito, mas insistia muito na abstinência e no silêncio.” (Murray, 1986, p. 40) 47 Ordem de Císter – “A Ordem de Císter foi fundada por Roberto, um monge beneditino, abade de Molesme que, em 1098, se retirou para Císter. Aí, Roberto definiu as bases da vida cisterciense que se caracterizou pela pobreza e pelas privações, tanto na vida material como na vida comunitária (alimentação mais frugal, indumentária grosseira de lã branca, edifícios austeros, supressão das litanias e procissões), pela reabilitação do trabalho manual (os monges cultivavam as suas terras, sem aceitarem benefícios: nem de serventias nem de rendas), pela busca de solidão (mosteiros edificados longe das povoações), pela supressão de riquezas nos ofícios (os próprios vestuários litúrgicos ficavam simplificados) e, enfim, pela autonomia de cada mosteiro. No início, a Ordem teve algumas dificuldades para recrutar adeptos, embora, logo em 1100, se tenha colocado sob a protecção do papa e tenha beneficiado da mesma isenção que a Ordem de Cluny. E só depois da chegada de uma personagem fora de comum – Bernardo de Fontaines, que se apresentou em Císter com trinta companheiros – a Ordem começou verdadeiramente a desenvolver-se e se tornou «o mais admirável instrumento de propaganda monástica jamais conhecido».” (Murray, 1986, p. 42) 48 Molesme, comuna da região de Côte-d’Or, no leste de França.

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de Cîteaux49 (Ilustrações 25 e 26), designado de Novum Monasterium50, representa a afirmação da Ordem de Cister e a construção de uma abadia que pudesse concretizar o ideal cisterciense (Martins, 2011, p. 58).

Cister traduz deste modo um esforço de regresso às origens, à pureza original da Regra de S. Bento isenta das interpretações e desvios dos séculos transcorridos, como também o desejo de procurar Deus na solidão do “deserto”, em pobreza, com independência face ao poder secular de então. Assim, pobreza, solidão e penitência serão as bases de Cister. (Martins, 2011, p. 59)

Ilustração 25 – Claustro da Abadia de Cister, em 1613. (Cocheril, 1998, p. 18) Ilustração 26 – Vista do Mosteiro de Cister. (Buzz, 2005)

Os cistercienses foram os construtores encarniçados mas, por toda a parte, esforçaram-se por imprimir o que, para eles, tinha mais importância que a estética, isto é, a sobriedade, que se devia incorporar à sua vida espiritual e ascética. (Murray, 1986, p. 111)

Com a rápida expansão dos ideais de Cister, cada vez com mais crentes, outros mosteiros são construídos de modo mais ou menos espontâneo. Esta premissa leva ao reforço da nova Ordem, e ao modus de vida que pretendem instaurar. Numa

49 Mosteiro de Cîteaux, (ou de Cister). “Mosteiro situado no departamento da Côte-d’Or, Beaune, comuna e St.-Nicolas-les-Cîteaux, fundado no princípio de 1098 por S. Roberto, abade beneditino de Molesme. No tempo do seu sucessor, Sto. Aubry, o Nouveau Monastère conheceu grandes dificuldades. Foi o terceiro abade, o inglês Sto. Estêvão Harding (1109-1133), quem consolidou a fundação e deu à Ordem de Císter a organização hierárquica. O domínio de Císter formou-se rapidamente e tronou-se considerável. […] apesar dos seus vastos domínios e riquezas, a abadia conheceu graves dificuldades, em consequência das guerras que devastaram a Borgonha e também por causa da má administração de certos abades, que recusavam submeter-se à fiscalização do capítulo. […] 65 abades governaram o mosteiro até à Revolução Francesa. Neste época, foi vendido como bem nacional. Depois de muitas vicissitudes, veio a ser adquirido, em 1898, pelos Cistercienses da Estrita Observância (chamados também Trapistas). A abadia de Císter, possuía uma rica biblioteca que a Revolução dispersou. Uma boa parte destes fundos conserva-se hoje em Dijon.” (Cocheril, 1998a, p. 17). 50 Expressão em latim, que designa Novo Mosteiro.

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estrutura hierárquica bem organizada são criadas novas abadias, como que ramificações da “abadia-mãe” (Cîteaux), essas filiais são designadas “abadias-filhas”.

Este centralismo se tuvo que manifestar también, más que en los cluniacenses, en el aspecto arquitectónico. Dado que la vida en todos los monasterios cistercienses tenía que desarrollarse día tras día según unas mismas normas, en teoría también todos sus monasterios tenían que ofrecer el mismo aspecto. (Braunfels, 1975, p. 121)

“Em apenas dois anos, sob o abaciado de Sto. Estêvão Harding nasceram quatro abadias-filhas, La Ferté (1113), Pontigny (1114), Clairvaux (1115) e Morimond (1115), […]” (Martins, 2011, p. 63). Das quatro, a de maior impacto é o Mosteiro de Clairvaux51 (Ilustrações 27 e 28). Fundada por S. Bernardo Claraval52, aquando da sua afirmação na Ordem de Císter, esta abadia reúne os preceitos essenciais da organização de um mosteiro cisterciense, influenciando todas as construções da Ordem daí em diante.

Em Arquitectura, está primeiro o significado do sítio e não o do objecto em estudo, pelas suas interligações ao nível do desenho e da construção. Isto é, o sítio determina a forma e o carácter da obra e exprime o modo de pensar a Arquitectura. A escolha do genius loci cisterciense, que radicava na exegese absoluta da legislação beneditina, constituiu uma preocupação deveras exemplar, durante os primórdios cistercienses, com reflexos práticos no planeamento orgânico dos seus mosteiros. (Jorge, 1999, p. 6)

51 Mosteiro de Clairvaux (Claraval), “situado no departamento do Aube, Bar-sur-Aube, comuna de Ville- sous-la-Ferté, fundado a 26-6-1115, […] por Sto. Estêvão, abade de Cister. […] Claraval é a terceira filha de Cister e o mosteiro mais importante da Ordem. Quando S. Bernardo morreu, a abadia tinha fundado c. 80 mosteiros, ficando mais tarde à cabeça de 356 abadias de homens, situadas sobretudo na França, Países Baixos, Itália, Ilhas Britânicas, Espanha e Portugal. Todas as abadias portuguesas dependiam de Claraval, directamente ou por meio de Alcobaça. […] A partir do séc. XV, o poder de Claraval declinara. A reforma fez desaparecer as abadias da Europa Central, Ilhas Britânicas e países escandinavos. […] Claraval foi governado por 51 abades. O mais ilustre foi S. Bernardo, primeiro abade e fundador, falecido em 1153. […] Depois da supressão, em 1790, a Abadia de Claraval foi vendida. Serviu para diferentes indústrias, sendo cedida ao Estado, que a transformou, em 1808, em prisão. A igreja desapareceu em 1819. A construção dos conversos é quanto resta do mosteiro da Idade Média.” (Cocheril, 1998b, p. 74- 75). 52 São Bernardo de Claraval ou de Fontaine (1090-1153), nasceu em Dijon, França. Abade cisterciense, santo e Doutor da Igreja. “É o maior impulsionador da Ordem de Cister e uma das personalidades eclesiásticas mais influentes do século XII. […] Em 1112 entra para a Abadia de Cister, da qual Santo Estêvão Harding havia acabado de ser eleito abade. […] funda com um grupo de trinta monges, uma nova casa cisterciense em 1115 no Vale de Langres, chamada Vale Claro ou Clairvaux – Claraval. A esta grande abadia-mãe, ficaram ligadas a maioria das abadias portuguesas e espanholas. […] Durante os 38 anos que durará o seu abaciado, a acção de Bernardo marca definitivamente a política de França e do próprio ocidente medieval, enquanto Cister atinge 165 mosteiros, tendo o próprio fundado cerca de 68. […] Como Doutor da Igreja destacam-se os seus escritos, sermões, planos e projectos que estruturavam as suas ideias dentro da própria Ordem. […] S. Bernardo de Claraval é o autor de diversos escritos onde ressalta a doçura e a dedicação a Deus como entidade de amor e caridade, mas evidenciou-se sobretudo por ser o grande impulsionador do culto e contemplação de Maria, bem como o autor da Regra para a Ordem dos Cavaleiros Templários.” (Portugal, 2014a).

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Ilustração 27 - Planta da Abadia de Claraval. Ilustração 28 - Vista da Abadia de Clairvaux. (Braunfels, 1975, p. 94) (Buzz, 2005)

Já no séc. XIII surgem as Ordens Mendicantes53, uma vertente de religiosos que, “[…] já não têm como ideal a vida de comunidade, mas a pregação, o ensino, o serviço dos pobres, e instalam os seus conventos nas cidades.” (Comte, 2000. p. 448). Esta posição é comentada por Murray (1986, p. 39) que aponta para um “[…] recuo da Ordem dos Beneditinos que permanecerá excessivamente agarrada à sua tradição e não conseguirá impor-se em todos os domínios”. Diz-nos ainda o autor que, neste sentido a Igreja procurará apelar a novos homens, favorecendo a fundação das Ordens dos Pregadores e dos Mendicantes.

Assim encontramos um outro modo de entender a organização monástica, que se reflecte na construção dos seus mosteiros. Um dos exemplos que podemos observar é o de São Francisco de Assis (Ilustrações 29 e 30), “[…] un buen ejemplo del proceso que durante los siglos XIII y XIV tuvo lugar en muchos lugares de Europa.” (Braunfels,

53 Ordens Mendicantes, designam-se assim as ordens que não receberam benefícios eclesiásticos, como os «frades pregadores» (dominicanos) e os «frades menores» (franciscanos). (Murray, 1986, p. 50) “O incremento das ordens mendicantes teve uma grande influência na vida religiosa; graças a elas, a cisão não foi tão nítida entre as ordens estritamente monásticas e a comunidade dos padres seculares. As ordens mendicantes não se limitaram a ocupar um lugar intermediário, orientando-se para actividades apostólicas e de caridade; com o decorrer dos anos, ordens tradicionais, como as mendicantes e as seculares, influenciaram-se cada vez mais umas às outras, tanto do ponto de vista das ideias e da espiritualidade como o do da distribuição das tarefas.” (Murray, 1986, p. 52)

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1975, p. 187). Sem que tenha criado uma Ordem propriamente dita, S. Francisco54 pretendia estabelecer um modus de vida monástico diferente dos seus antecessores e para isso “[…] no aceptaba la vida planificada de antemano; para vivir bastaba confiar en Dios.” (Braunfels, 1975, p. 187).

Ilustração 29 – Planta do Mosteiro de São Francisco de Assis. Ilustração 30 – Vista panorâmica do Mosteiro de São Francisco (Soliloquio in Compagnia, 2014) de Assis. (Braunfels, 1975, p. 180)

É neste sentido que assistimos não apenas a uma influência directa, mas sim a várias transformações de ideais que se vão materializando nos mosteiros e conventos de cada época. Com estas novas ordens, surgem outras variações de estruturas monásticas ou conventuais. Contudo os elementos principais estão sempre presentes adquirindo uma ou outra especificidade consoante o período em que é construído.

O espaço monástico

Em todas as construções monásticas que encontramos, os elementos que as compõem assemelham-se, sendo possível fazer não uma caracterização geral, mas um paralelismo que acompanha as diversas formas que se desenvolveram a partir de um modelo. Modelo esse que começa com o plano da Abadia de Saint Gallen, e que

54 São Francisco de Assis (1182-1226), nascido em Assis, Itália. Fundador dos Franciscanos. Francisco nasce numa família abastada, ocupada de festas contínuas. Participou na guerra de Assis, e foi feito prisioneiro. Após cativeiro e uma longa doença, refugia-se na igreja em ruínas de São Damião. Ao rezar vê Cristo, que lhe diz para reconstruir o seu santuário. “Sem laços, sem bens, sem domicílio, Francisco vive como um eremita. […] Em poucos anos, os discípulos afluem. Ele instala-os juntamente com leprosos ao pé da capela da Portioncule, em Assis. […] A vida deles constitui um desafio: buscam a pobreza, a vivência comunitária, a solidariedade com os mais pobres. Não são muito sábios. Dado que lhes falta dinheiro, não possuem livros em número suficiente, mas aspiram a uma vida de simplicidade, não de conhecimentos. São frades menores. Francisco pronuncia os votos de pobreza, de castidade e de obediência no dia 16 de Abril de 1209, junto do cónego Pedro de Cátina, e a sua comunidade dá-se a conhecer sob o nome de ordem franciscana. É aprovada por Inocêncio III.” (Comte, 2000, p. 295).

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se desenvolve em Clairvaux, atingindo o que entendemos ser o culminar de uma primeira intenção de isolamento por parte de uma comunidade religiosa.

O espaço monástico é assim o reflexo de um ideal, de uma visão do mundo, de um sistema de valores que tudo organiza e modela. Razões de ordem espiritual e material exercem um papel decisivo na escolha dos locais de edificação de cada mosteiro […]. (Martins, 2006, p. 87)

Com a designação de Santo Agostinho, que se refere ao mosteiro como “A cidade de Deus”, podemos começar por fazer uma descrição, que culminará com a importância dos espaços interiores na vida monástica. Diz-nos Ana Maria Martins55 (num estudo sobre as construções na Ordem de Císter) que:

O espaço monástico pode-se constituir como um organismo territorial apropriando-se do território, modelando-o e alterando-o conforme as suas necessidades. Mas também pode ser apresentado como um organismo urbano na medida em que pode ser entendido como tendo características urbanas, fazendo parte integrante de realidade urbana contribuindo para o seu desenvolvimento. (Martins, 2011, p. 209)

O mosteiro (ou convento), sendo a casa religiosa por excelência, e dando resposta à necessidade dos religiosos em clausura, apresenta-nos uma estrutura fortemente ligada ao mundo sagrado e à simbologia do elementos que o compõem. Nesse sentido e observando a planta de algumas abadias anteriormente referidas, podemos verificar alguns elementos principais constituintes nas edificações monásticas. Começando pela localização, diz-nos Christian Norberg-Schulz56 que:

Geográficamente, los monasterios eran unidades relativamente aisladas, pero como se basaban en los mismos valores fundamentales y en el mismo modo de vida, formaron una red de lugares análogos. (Norberg-Schulz, 1985, p. 79)

55 Ana Maria Tavares Martins ( - ). Licenciada em Arquitectura (1997) pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (FA-UTL). Doutora pela Universidade de Sevilha (Espanha) com a tese “As Arquitecturas de Cister em Portugal. A actualidade das suas reabilitações e a sua inserção no território”. Docente do Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura da Universidade da Beira Interior onde lecciona disciplinas de História de Arquitectura, Teoria da Arquitectura e Desenho. Investigadora do C-MADE (Centre of Materials and Building Technologies) da Universidade da Beira Interior e do CEAA (Centro de Estudos Arnaldo Araújo da Escola Superior Artística do Porto). Principais linhas de investigação: Arquitectura Monástica, Protecção e Reabilitação do Património Arquitectónico. 56 Christian Norberg-Schulz (1926-2000), nasceu em Oslo, Noruega. Arquitecto, historiador e teórico. Influenciado por Sigfried Giedion, Walter Gropius e Mies van der Rohe, a sua contribuição para a história da arquitectura Barroca e Rococó foi notável, desenvolvendo as suas teorias através do conceito de genius loci (algo relacionado com o espírito do lugar). Em 1952 influenciado por Giedion funda o PAGON (Progressive Architects Group Oslo Norway), na tentativa de criar uma delegação norueguesa nos CIAM (Congresso Internacional de Arquitectura Moderna). Como arquitecto projecta três casas de vidro e aço (1953-1955, em co-autoria com Arne Korsmo), numa colina perto de Oslo, projecto com influência clara de Mies. Entre 1963 e 1975 edita a revista ByggekunstI, começando também a sua carreira como professor na Oslo School of ArchitectureI. As suas obras de maior relevo são, Intentions in Architecture (Intenções em Arquitectura) em 1963, Existence, Space and Architecture (Existência, Espaço e Arquitectura) em 1971, Genius Loci, Towards a Phenomenology of Architecture (Genius Loci, Para uma Fenomenologia da Arquitectura) em 1980, entre outras.

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Assim encontramos exemplos muito idênticos no seu modo de estruturação. De um modo transversal a todas as Ordens monásticas, e por regra, os mosteiros encontram- se implantados em sítios isolados de aglomerados urbanos, fora dos centros urbanos ou de cercas defensivas. Deste modo são auto-suficientes, reservando aos monges a sua própria sobrevivência. São estes que cultivam os seus próprios alimentos, trabalhando as terras envolventes ao mosteiro.

De um outro modo existem mosteiros dentro do tecido urbano, e que participam na vida activa da cidade. Este modo de vida, mais aberto ao exterior, é muito frequente no caso dos Dominicanos ou Franciscanos, que têm como modo de vida a interacção com as populações e com os mais necessitados.

Los monasterios eran asentamientos concentrados, con funciones tanto sagradas como temporales. Una ideia clara de tales asentamientos nos la da el plano ideal – año 820, aproximadamente – que se conserva en la biblioteca del monasterio de St. Gall. En lugar de la sencilla interioridad de los monasterios primitivos, encontramos aquí una organización diferenciada, en cuyo centro está el “claustrum” de los monjes. (Norberg- Schulz, 1985, p. 79)

Podemos assim entender os elementos basilares de um mosteiro, que se estrutura a partir de dois elementos fundamentais: a Igreja e o Claustro. Contudo, se atentarmos para o programa dos edifícios monásticos, vemos instantaneamente a sua estrutura fortemente marcada pela premissa do isolamento, vivendo o interior de modo intenso e regrado.

Assim, o mosteiro vive de si mesmo e não necessita da relação com o exterior para a sua subsistência, logo encontramos uma construção em que o elemento chave do mosteiro se encontra no interior, (de)limitado. Falamos obviamente do claustro, um dos elementos com maior presença no mosteiro, ainda que seja a igreja o espaço áureo da religiosidade.

“Se a igreja é a cabeça, o Claustro é o coração de todo o complexo conventual.” (José Custódio Vieira da Silva, apud Villamariz, 1997, p. 29). De um modo geral é este elemento que estrutura o mosteiro e que carrega a simbologia ancestral da comunidade interior.

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Claustro e contexto

A palavra Claustro deriva do latim claustrum, que segundo o Vocabulário Técnico e Crítico de Arquitectura, caracteriza-se por:

Construção normalmente de forma quadrangular, com um ou dois andares constituídos por galerias cobertas, abertas para um pátio através de arcadas. Estrutura fundamental de um mosteiro, surge quase sempre encostado a um dos lados da igreja, desenvolvendo-se à sua volta as várias dependências conventuais, muitas delas comunicando directamente com as galerias. (Rodrigues; Sousa e Bonifácio, 1990, p. 84)

A sua origem, mais uma vez, recorda-nos a influência mediterrânica das casas-pátio e desse elemento aberto ao exterior, ainda que na privacidade do interior. No mesmo sentido, podemos entender essa influência transformada pelos gregos, tanto no exemplo da Casa de Priene do séc. III a. C. (Ilustração 31), como no Santuário de Apolo Delfeno do séc. II a. C. (Ilustração 32), construções que se desenvolvem em torno de um pátio ladeado por uma colunata.

Ilustração 31 – “Casa nº 33, Priene, c. século III Ilustração 32 – “Recinto do Santuário de Apolo Delfeno, Mileto, c. século II aC. a.C.” (Ching, 2008, p. 154) (Ching, 2008, p. 155)

Do mesmo modo, encontramos nas habitações romanas, como é o caso da Casa dei Vetti em Pompeia (Ilustrações 33 e 34), um pátio (ajardinado por vezes) cercado por uma colunata, com o nome de peristylium57. Este espaço aberto ao exterior, para onde convergem as diferentes dependências da casa, permite receber iluminação e ventilação natural.

57 Expressão em latim de Peristilo. Origem do grego peristylos; “Colunata paralela às fachadas de um edifício formando uma galeria.” (Rodrigues; Sousa e Bonifácio, 1990, p. 212). O espaço era geralmente composto por um jardim no seu interior.

Diogo Rafael Soares de Almeida 67 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 33 – Planta da Casa dei Vetti, em Pompeia Ilustração 34 – Peristilo da Casa dei Vetti, em Pompeia. ([adaptação com demarcação do peristylium. ([adaptação a partir de] a partir de] Lima, 2010). Jordan, 1985, p. 69)

É a partir da intimidade deste pátio que todo o outro espaço se organiza, quer seja o espaço construído quer o espaço conquistado. (Manoel, 2012, p. 23)

Neste sentido a evolução do claustro adopta um sentido de ordem simbólica e organizativa, chegando à planificação de mosteiros, palácios e algumas igrejas. Nas construções monásticas este elemento ganha uma força e determinação bastante peculiar, acabando por se tornar num espaço ascético, que caracteriza esse modo de vida cenobita. Uma das primeiras manifestações do claustro surge-nos no plano do Mosteiro de Saint Gallen (Ilustrações 22 e 36), “[…] como parte fundamental e estruturadora de um mosteiro […]”. (Villamariz, 1997, p. 29).

O claustro aparece na Idade Média, de um modo geral, como vazio central polarizador dos espaços comunitários, acumulando um carácter funcional com um sentido vivencial. É, a um tempo, o centro à volta do qual o mosteiro se organiza enquanto espaço arquitectónico e enquanto corpo colectivo vivo. (Correia, 1998, p. 17)

Muito para além de um espaço físico, palpável, o claustro assume-se como centro do cosmos monástico. Diz-nos Jorge Muchagato58 (1997, p. 70) que, “[…] tal como um universo que se organiza a partir do centro, o mosteiro, microcosmo do extenso macrocosmo da criação divina, […] organiza-se a partir do claustro […]”, referindo-se a este como um espaço da “harmonia do Homem com Deus”.

58 Jorge Muchagato (1966- ), nasceu em Cascais. “É licenciado em História da Arte pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Em 1994-1995 participou, enquanto técnico da Câmara Municipal de Sintra e autor convidado, com o texto Sintra no Século XIX: Natureza, Urbanismo e Arquitectura entre a realidade e a ficção: 1791-1926, elaboração do dossier de candidatura de Sintra a Património Mundial/Paisagem Cultural. No âmbito do estudo que tem vindo a desenvolver sobre a arquitectura da época manuelina e a arquitectura revivalista dos séculos XIX e XX, tem participado em vários colóquios e conferências.” (Muchagato, 1997)

Diogo Rafael Soares de Almeida 68 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

A geometria, enquanto base de conformação espacial, originária da observação do firmamento, da agrimensura ou do empirismo da própria construção, converte-se na estrutura estereométrica, principio abstracto inteligível e medição simbólica para o sensível, resultante da associação poética entre a física e a mística […]. (Pinto, 2005, p. 211)

Segundo Muchagato (1997, p. 70), “[…] o claustro é, na paradoxal rotundidade dos seus quatro lanços cobertos rodeando um espaço aberto ao céu, quadratura e circularidade, a imagem simbólica da totalidade.” Com esta descrição do autor, podemos entender a existência de uma forte presença simbólica, tanto na concepção do espaço arquitectónico (claustro), como na comunidade que procura nesse simbolismo e na presença cósmica, um modo de compreender o mundo que o rodeia.

Estamos assim perante a relação do espírito, representado pelo círculo, com a matéria, representada aqui pelo quadrado59. Deste modo:

O simbolismo é o único meio que permite ao homem romper com o círculo material que limita a sua inteligência do universo, e atingir graus de consciência muito mais elevados. (Braizinha, 1989, p. 252)

Ilustração 35 – Esquema da relação geométrica com o simbolismo, na concepção do espaço claustral. (Ilustração nossa, 2014)

O claustro entendido como espaço simbólico que procura no confronto do espírito com a matéria, uma relação cósmica. Desse modo, constituído por uma espécie de axialidade do simbólico, caracteriza-se por um “[…] «espaço funcional a um tempo aberto e fechado […] carregado de valores de civilização por via de duas tradições culturais, a muçulmana e a cristã» (Horta Correia apud Muchagato, 1997, p. 70).

59 Vitrúvio (Capítulo I do Livro III), em a “Relação da circunferência e do quadrado com o corpo humano”, diz-nos que: “De modo semelhante, sem dúvida, os membros dos edifícios sagrados devem ter em cada uma das partes uma correspondência de medida muito conformemente, na globalidade, ao conjunto da magnitude total. Acontece que o umbigo é, naturalmente, o centro do corpo; com efeito, se um homem se puser deitado de costas com as mãos e os pés estendidos e colocarmos um centro de compasso no seu umbigo, descrevendo uma circunferência, serão tocados pela linha curva os dedos de qualquer uma das mãos ou dos pés. Igualmente, assim como o esquema da circunferência se executa no corpo, assim nele se encontra a figura do quadrado; de facto, se medirmos da base dos pés ao cocuruto da cabeça e transferirmos esta medida para a dos braços abertos, encontrar-se-á uma largura igual à altura, como nas áreas definidas em rectângulo com o auxílio do esquadro [Norma].” (Vitrúvio, 2006, p. 109-110).

Diogo Rafael Soares de Almeida 69 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Diz-nos ainda Muchagato (1997, p. 70) que:

A estruturação geométrica da espacialidade e a articulação nesta de uma narratividade mediatizada pela iconografia constituem as duas categorias simbólicas nas quais se fundamentam os significados do claustro […].

Nesse sentido, S. Bernardo Claraval designou-o de Paradisum Claustralis60, entendendo que “[…] a vida no claustro cisterciense não só [é] um ideal de vida mas também uma imagem e uma antecipação do paraíso.” (Martins, 2011, p. 91). E se a igreja consiste, como é de esperar, no elemento mais importante da vida religiosa, o claustro por seu lado torna-se numa espécie de elo, que relaciona a vida espiritual à vida terrena, ou dito de um outro modo, do espírito com a matéria. Diz-nos Aurora Carapinha61 (2001, p. 73) que:

O claustro é o auge e âmago da vida monástica. Onde interior, exterior, o intangível e o tangível se fundem num só espaço. É o lugar onde os raios de sol invadem o quotidiano dos homens em oração, onde o espírito de Deus se funde com o dos Homens.

A clausura no interior da qual os religiosos se fecham tem por função isolá-los do mundo exterior, mergulhá-los em total contemplação e preservá-los da contaminação maligna e da sedução dos prazeres terrestres. […] Ela anuncia-lhes não só o caminho para a santificação como os projecta, irreversivelmente, num outro universo rigorosamente estruturado pela regra da ordem que impede qualquer perturbação na ocupação do espaço e do tempo.

Definido normalmente por planta quadrada, o claustro funciona como núcleo geratriz, que desenvolve em torno deste as diferentes dependências monásticas. Deste modo, tanto no exemplo do plano de Saint Gallen, o primeiro estruturado a partir de um

60 Para São Bernardo de Claraval, a expressão Paradisum Claustralis, relacionada com as palavras em latim Paradisus (paraíso) + Claustrum (claustro), pretende transmitir o ascetismo ligado ao claustro, entendendo-o como lugar divino, onde o paraíso desde à terra. Para S. Bernardo este espaço monástico estaria na base de uma vida de clausura, onde não haveria nada que distraísse os religiosos nas suas rotinas diárias, de estudos eclesiásticos e orações. Assim chegariam ao paraíso, lugar de repouso final nessa vida de devoção. 61 Aurora da Conceição Parreira Carapinha ( - ). Arquitecta Paisagista. Desde 1995 é doutorada em Artes e Técnicas da Paisagem pela Universidade de Évora, onde é professora auxiliar do Departamento de Paisagem, Ambiente e Ordenamento. Directora do curso de Doutoramento de Arquitectura Paisagista da Universidade de Évora. Investigadora do Centro de História de Arte de Investigação Artística onde coordena, dois projectos de investigação sobre “O conceito de paisagem na Cultura portuguesa” e sobre “A transformação da Paisagem em Portugal nos últimos sessenta anos” integrados na linha de investigação de Paisagem e Estética da Paisagem. Desde 1996 é docente convidada do Curso de Especialização em Conservação e Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos (CECRE) na Universidade Federal da Baía, Salvador, Brasil. De 2003 a 2005 foi Membro do Conselho Consultivo do IPPAR. Foi consultora dos estudos “Contributos para a Identificação e Caracterização da Paisagem em Portugal Continental” e “Caracterização da Paisagem de Óbidos” desenvolvidos pelo Departamento de Planeamento Biofísico e Paisagístico da Universidade de Évora de acordo com os protocolos assinados entre a Universidade de Évora e DGOTDU e a Câmara de Óbidos.

Diogo Rafael Soares de Almeida 70 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

claustro, como no mosteiro cluniacense e cisterciense, encontramos uma disposição semelhante.

Embora, como dissemos anteriormente, o plano de Saint Gallen não tenha sido construído na sua verdadeira plenitude, influenciou fortemente os seus sucessores. Nos três exemplos (Ilustrações 36, 37 e 38), o claustro assume a magnificência da sua presença apresentando uma disposição clara em torno do pátio, composto por uma galeria coberta de acesso às várias dependências monásticas. Dependências essas que, na transversalidade a todas as ordens monásticas, estão organizadas de modo específico em relação às direcções cardeais.

A clausura, da qual do exterior só os muros são vistos e sentidos, abriga no seu interior um conjunto de espaços articulados: capítulo, refeitório, dormitório, igreja, no centro do qual só um espaço é aberto ao céu; o claustro, espaço fechado, mas também totalmente aberto. (Carapinha, 2001, p. 73)

De um modo geral encontramos a seguitnte disposição: a igreja posicionada a Norte (a cinza), o refeitório a Sul (a azul), o capítulo ou dormitório a Este (a amarelo), e as provisões a Oeste (a verde).

1 – Igreja 2 – Casa de hóstias 3 – Dormitório 4 – Lavatórios 5 – Latrinas 6 – Refeitório 7 – Celeiro 8 – Cozinha a – Escritório e Biblioteca b – Sacristia W – Jardim do claustro (com cisterna ao centro)

Ilustração 36 - Excerto do plano de Saint Gallen. ([adaptação a partir de] Braunfels, 1975, p. 59)

Em Saint Gallen a disposição das diferentes dependências (funções monásticas) encontra-se do seguinte modo: “[…] dormitório a este, refeitório a sul (e junto ao refeitório aparece já um lavabo para as abluções dos monges) e armazém a oeste […]” (Villamariz, 1997, p. 29).

Diogo Rafael Soares de Almeida 71 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Diz-nos a autora que, “[…] a forma básica do claustro fica definida e daí em diante este esquema irá ser utilizado como modelo: tanto cluniacenses como cistercienses irão repetir cuidadosamente as disposições de Saint Gall”. (Villamariz, 1997, p. 29).

A. Igreja B. Sala do Capítulo C. Parlatório (dormitório no 1º andar) D. Quarto E. Refeitório F. Celeiro G. Biblioteca H. Claustro dos monges I. Claustro dos noviços J. Cemitério Ilustração 37 – Planta da abadia de Cluny na metade do século XI, segundo K. J. Conant. ([adaptação a partir de] Duby, 1989, p. 54).

No entanto, é com a ordem cluniacense e cisterciense que o claustro assume uma maior importância, tanto como elemento organizador de toda a estrutura do mosteiro como de elemento “repartidor” das várias funções, sistematizando assim a vida de clausura. É com os cluniacenses, no séc. XI, “[…] que o claustro se torna a principal peça arquitectónica do mosteiro e (…) cada vez mais a casa espiritual dos monges.” (Braunfels, apud Villamariz, 1997, p. 30).

O mosteiro estrutura-se, deste modo, a partir do claustro, sofrendo por vezes algumas alterações por motivos de implantação no território ou por questões regionais, mas mantendo-se o plano de base sempre idêntico […]: uma galeria (a galeria norte ou a galeria sul) encostada à igreja, onde os monges se dedicavam à leitura e à meditação e que recebia por este motivo o nome de claustro da leitura ou da colação; na galeria seguinte estavam instaladas a sacristia e a sala do capítulo (que dava o nome à galeria – claustro do capítulo), sobre as quais surge invariavelmente o dormitório dos monges, enquanto no lado oposto se erguem as habitações dos conversos; na terceira galeria situa-se o refeitório, com a cozinha de um dos lados, designando-se esta galeria como claustro do refeitório, o qual também pode receber o nome de claustro da sexta devido à procissão que por aí passa, da igreja para o refeitório […]. (Villamariz, 1997, p. 30)

Diogo Rafael Soares de Almeida 72 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

3. Escada do dormitório G. Sala dos monges 4. Porta dos monges H. Calefactório 5. Coro dos monges I. Refeitório dos monges 8. Coro dos conversos J. Cozinha 9. Porta dos conversos K. Refeitório dos conversos 10. Púlpito do leitor L. Passagem M. Celeiro A. Igreja N. Corredor dos conversos B. Sacristia P. Claustro do mandatum C. Armarium (Biblioteca) Q. Lavabo D. Sala do Capítulo E. Escada p/ dormitório dos monges (1º andar) F. Auditorium ou Parlatório Ilustração 38 - “Planta-tipo de uma abadia cisterciense (segundo A. Dimier)”. ([adaptação a partir de] Jorge, 2010, p. 29)

Na planta-tipo cisterciense encontramos uma disposição muito idêntica, que segundo Ana Martins (2011, p. 276), representam os quatro elementos essenciais de uma vida em clausura religiosa, o spiritus (igreja, a Norte), anima (sacristia e sala do capítulo, a Este), corpus (refeitório e cozinha, a Sul), domus conversorum (celeiro e dormitório dos conversos, a Oeste). Assim:

Os lugares regulares, também chamados de clausura ou edifícios claustrais, são de acesso reservado aos monges, onde eles exercem o fundamental da sua quotidianidade cenobítica. Organizam-se em torno do claustro, estão agregados de modo homogéneo e pedagogicamente localizados e dimensionados, sem espaços intersticiais nem disfunções, e têm uma essência autónoma e monofuncional, mas integrada. O “coração” ou centro vital do mosteiro situa-se a norte ou a sul da igreja, reflectindo a topografia natural do sítio, conforme referimos antes, e é constituído por quatro galerias cobertas. O pátio é um espaço amplo e geralmente quadrado, ocupado por um jardim ou vergel; daí, a designação medieval de jardim fechado (hortus conclusus). (Jorge, 2010, p. 12)

O acesso às várias dependências do mosteiro é feito através de uma galeria coberta que percorre as quatro alas conventuais e que circunscreve o claustro. Um espaço pensado a partir do vazio do pátio, dando-lhe forma e que de alguma maneira condiz com a necessidade de uma interiorização com a constante ligação à comunidade no interior.

O claustro permite dar resposta, em termos arquitectónicos, às mais variadas exigências comunitárias. Era no claustro que os monges se encontravam antes e depois do trabalho, era nele que faziam as suas leituras e seguiam as procissões sendo neste ultimo caso como que um prolongamento da Igreja. (Martins, 2011, p. 310)

Embora o claustro fosse o centro da vida monástica, com algumas reuniões, leituras e outras cerimónias, também servia como meio de sustento do convento. Nesse sentido,

Diogo Rafael Soares de Almeida 73 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

na maior parte dos exemplos, encontramos no claustro uma estrutura ajardinada (ou horta), que poderia servir para cultivo, muito frequente na vida em clausura.

Essa premissa é também evidente através da existência, na maioria dos exemplos, de um sistema de recolha de águas, tanto pluviais como provenientes de linhas de água. Desse modo surgem a cisterna e a fonte, que normalmente marcam o centro geométrico do claustro. Um sistema utilizado pelos cenóbios como elemento essencial, a água, para a sua sobrevivência bem como pela sua simbologia, numa espécie de paralelismo “[…] com os rios que cruzavam o Jardim do Paraíso.” (Villamariz, 1997, p. 31). Desse modo:

[…] [o] claustro, visto como um centro cósmico, concentrando em si mesmo três níveis do universo: o mundo subterrâneo representado pelo poço, a superfície do solo; e o mundo celeste representado por uma árvore, roseira, coluna ou por uma cruz. O claustro é assim visto um espaço íntimo e próximo com o divino. (Carmo, 2013, p. 94)

Diríamos então, que o claustro funciona como o grande “espaço público” da vida em clausura. Um espaço que transcende a sua própria função, e que permite a elevação infinita do espírito, ele próprio infinito. Entendemos, de um mesmo modo, através do que nos refere Muchagato, que o claustro pode muito bem estabelecer-se como lugar cósmico, na procura de uma ascensão ao divino (Villamariz, 1997, p. 70).

E porque não nos é possível falar do claustro sem dissecar o seu significado ancestral, é na sua dimensão etérea contudo, que nos permite entende-lo como espaço de memória e reflexão. Nesse sentido a solidão permitiu aos monges entender a sua própria presença no mundo, através do caminho da contemplação, oração e reflexão.

Ilustração 39 – Claustro do Mosteiro de São Bento em Santo Ilustração 40 – “Mosteiro de Alcobaça. Claustro de D. Dinis visto Tirso, por M. Castro (Ilustração nossa, 2011) da Torre norte da Igreja”. ([adaptação a partir de] Moreira, 2008)

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Ilustração 41 – Ritmos de um claustro, vista do pátio. (Ilustração nossa, 2014)

Deste modo a dimensão poética que carregam os seus materiais, as suas formas e os seus ritmos, traduzem-se na expressão de um tempo, inscrito num lugar próprio (Manoel, 2012, p. 25). Mais uma vez, luz, matéria e proporção (incontornáveis da arquitectura) encontram-se ao mesmo tempo para nos transmitir uma essência que só o espaço revela. Segundo Manoel, não existe outro modo de o compreender, senão vivendo-o e experimentando-o, deixando-nos tocar por aquilo nos (co)move.

E ao experimentar este espaço, o que nos toca é a verdade construída. Não há falsos ambientes, nem falsos contornos, há sim verdadeiras histórias inscritas em cada pedra62, cada sombra ou cada som. E quando tudo isto parece verdadeiro, chega-nos o silêncio, este “[…] a condição de possibilidade para a apropriação íntima do espaço.” (Manoel, 2010, p. 48)

A pedra desmaterializada pelo brilho da luz, as galerias atravessadas pelas zonas de sombra e luz, fixas e em movimento, o jardim parcialmente envolvido pela sombra são manifestações da interpenetração das ordens divinas e humanas, do finito e do infinito. (Carapinha, 2001, p. 73)

Ao confrontar o claustro, sentimos algum receio de o atravessar directamente. Olhamos com desconfiança a sua abertura ao céu infinito. Aguardamos. Optamos por percorrer as galerias, com passos ritmados pela sombra das colunas que nos vão

62 Diz-nos Raul Lino (1992, p. 63) num belo texto que: “A pedra, em que o nosso país é tão rico, dá material precioso na arquitectura e na decoração; sendo pena que o seu preço mão permita mais largo emprego. A cantaria dá interesse à construção de variadas maneiras; pela contextura e pela cor natural, que põem ainda nas superfícies mais lisas sua vida e expressão; pelo ar nítido de acabamento que imprime à obra onde quer que se empregue a emoldurar vãos; pela dignidade elementar ou pela graça rítmica das suas juntas; pela robustez natural, pelo encanto que revela da habilidade e do gosto de quem trabalha, em suma, é um dos mais nobres materiais que podemos usar.”

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mostrando aos poucos a verdadeira dimensão do espaço. Ritmos, pela presença da luz que, ora fere o olho, ora ilumina o caminho e que nos prende à vontade de continuar. A “[…] luz que constrói o tempo.” (Baeza, 2013, p. 14)

A luz, tal como o ar na Música, atravessa o espaço criado […] para que soe. E, como um milagre, quando a luz chega, parece que conseguimos tocar o tempo. Algo que, parecendo inacessível, está ao nosso alcance e nos comove. […] O milagre espacial do tempo tangível é uma realidade ao nosso alcance. (Baeza, 2013, p. 14)

Sentimos, dentro da sensibilidade que o tempo nos transmite, o peso (gravidade) que os blocos de pedra exercem sobre o seu congénito, empurrando-o contra o chão. Aquele chão que também pisamos, irregular, transformado, gasto por outros passos, com outros ritmos. O ritmo do espaço marcado pela gravidade material, em uníssono com a leveza espiritual. Deste modo:

Falar da gravidade é dizer que a estrutura constrói o espaço arquitectónico, é tentar sublinhar a sua importância não só como mera transmissora de cargas mas como algo mais importante: estabelecer a ordem do espaço. (Baeza, 2013, p. 13)

2.3. CONVENTO E URBANIDADE

No sentido de propor um estudo da evolução da cidade através de elementos urbanos, que se destacam pela sua memória, identidade ou história (monumento histórico), achamos necessário num primeiro momento, entender de que modo esses elementos têm a capacidade de se afirmar como polos de atracção ou de “força motriz”, no crescimento de um determinado trecho urbano.

Para isso fazemos um estudo tranversal a alguns períodos da história, em que essa realidade se materializou e desse modo verificamos que os conventos tiveram essa capacidade de se constituirem como pólos de atracção, ainda que construídos (à data de fundação) de um modo quase isolado e aleatório no território. Hoje, na sua maioria, encontram-se diluidos na malha urbana, o que evidencia esse carácter configuratório de aglomerados populacionais.

Pode-se entender as estruturas urbanas de hoje, como resultado de inúmeras alterações consecutivas nas várias camadas de tempo e que de algum modo resolveram necessidades inerentes aos vários períodos da cidade. Uma evolução lenta, de aceitação temporal, sobreposições, regenerações e costuras urbanas,

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relacionados com modos vivenciais e utilidades diferenciadas. Tudo isso dentro de um mesmo pano de fundo, que constitui a cidade. Como nos refere Keil Amaral63, a cidade como organismo vivo, mutante.

As cidades são algo mais do que conjuntos de edifícios ladeando ruas e praças. São organismos vivos. Os edifícios, as ruas, e as praças formam, com as pessoas que ali habitam, transitam, trabalham e passeiam, unidades coerentes e características. A relação entre as construções e quem nelas vive e viveu é complexa, mas efectiva e constante. Complexa como a própria vida, mas tão real como ela. (Amaral, 1969, p. 31)

Baseando-nos na descrição do autor entendemos que, se essa complexidade de relações atribui-lhe o seu carácter teatral, em que cada actor participa diariamente no desenrolar da peça, não é menos verdade que a cidade construída nasce em si como consequência das necessidades de cada tempo.

Desse modo são indissociáveis, e quando o crescimento da cidade é resolvido sem ter em conta esses intervenientes, existem danos muitas vezes irreparáveis e consequências profundas no seu desenvolvimento (Amaral, 1969, p. 16). Portanto, a reflexão que a cidade desencadeia, deve ser sempre equidistante do pensamento das suas funcionalidades e actuantes complexas. Diz-nos o autor que:

O homem urbano, citadino, continua precisando de criar hábitos e relações. Hábitos para lhe facilitarem o dia-a-dia e relações para o eximirem à solidão demolidora das grandes urbes modernas. (Amaral, 1969, p. 17)

No sentido da importância dessas relações que o autor refere, a arquitectura como meio activo na participação e concretização de cidade, deve propor e desenvolver uma estrutura que dê resposta às condicionantes da vida citadina. Fernando Távora64, diz-

63 Francisco Keil Amaral (1910-1975), nasceu em Lisboa. Importante arquitecto português da sua geração e um dos que maior influência exerceu no desenvolvimento da arquitectura moderna em Portugal. É diplomado pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Através da Câmara Municipal de Lisboa, dedicou-se principalmente ao traçado das grandes zonas verdes que então eram planeadas, sendo o autor dos arranjos dos Parques de Monsanto e do Campo Grande (década de 40) e de muitos dos seus edifícios, alguns em colaboração com Alberto J. Pessoa e Hernâni Gandra, onde desenvolve todo um vocabulário formal que procura tirar partido de uma cuidada relação com o sitio e a vegetação que se tornaram constantes em muitas das suas obras. 64 Fernando Luís Cardoso de Menezes de Tavares e Távora (1923-2005), nasceu a 25 de Agosto, no Porto. Arquitecto, professor e ensaísta português, é uma das figuras incontornáveis da arquitectura portuguesa. Ingressou, em 1941, na Escola de Belas Artes do Porto, para estudar no Curso Especial de Arquitectura. Ingressou em 1945 no Curso Superior de Arquitectura na mesma instituição […] Em 1947 publica o seu ensaio O problema da casa portuguesa. Falsa arquitectura. Para uma arquitectura de hoje, onde sintetiza uma noção de arquitectura moderna aliada a uma tradição cultural. Entretanto, em 1955, integrou a equipa responsável pelo Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa, um trabalho pioneiro no estudo da arquitectura nacional, promovido pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos e publicado em 1961. […]. No exercício da arquitectura, tem como obras mais marcantes; o Mercado Municipal de Santa Maria da Feira (1953-59), a Casa de Férias no Pinhal de Ofir, em Fão (1957-58), a Ampliação das instalações da Assembleia da República, em Lisboa (1994-99), ou a Casa dos 24, no Porto (1995-2000). Ainda assim podemos evidenciar obras de reabilitação, que marcam a sensibilidade do arquitecto perante o património

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nos que “[…] a boa arquitectura é aquele lugar onde as pessoas se sentem bem”. (Fernando Távora, apud, Moura, 2008, p. 69-70).

Este sentimento por parte do arquitecto Távora, resume a essência do propósito da arquitectura na vida do Homem, acompanhando-a desde a sua origem, e que faz dela uma arte na concretização de cidade.

A arquitectura explícita no sentido mais alargado que reencontra na cidade o seu “estirador”, resultante de uma reflexão que é transversal a todas as escalas, desde a escala urbana, da cidade, para a escala humana, do edifício. Desse modo começamos pela escala urbana, relacionando-a com o edificio isolado.

Elementos primários como urbanidade

Podemos entender a evolução da cidade sob variados factores, como a funcionalidade (talvez a mais influente), a mobilidade, a segurança, entre outras. Porém um dos factores que se revelam com maior influência são os “monumentos históricos” (na perspectiva de Alois Riegl), entendidos como catalisadores de crescimento urbano, através da sua presença, e, ou, arquitectura individualizada (no sentido do objecto arquitectónico).

A cidade é portanto um lugar artificial de história no qual cada época – todas as sociedades acabam por se diversificar da que as precedera – tentam, mediante a representação em si própria nos monumentos arquitectónicos, o impossível: assinalar aquele tempo determinado, para além das necessidades e dos motivos contingentes porque os edifícios foram construídos. (Aymonino, 1984, p. 11)

Aldo Rossi65 (2001, p. 31), fala-nos de uma cidade, “[…] entendida como uma arquitectura […]”, onde a “[…] criação de um ambiente mais propício à vida e a

como a recuperação do Convento de Santa Marinha da Costa (transformação em pousada), em Guimarães (1985-1992) e a reabilitação do Centro Histórico de Guimarães – património da UNESCO em 2001 -, e também a reabilitação e expansão, do Museu Nacional Soares dos Reis (1988-2001), e do Palácio do Freixo (1996-2003), ambos no Porto. “Ficou a obra de um dos maiores vultos da Arquitectura Contemporânea Portuguesa, fundador e mestre da "escola do Porto", que precocemente reconheceu talento no aluno Álvaro Siza e soube, como ninguém, fazer a síntese entre a arquitectura tradicional nacional, marcante na sua obra dos anos 50 e 60, e a arquitectura moderna internacional, bem presente nos seus projectos dos anos 80 e 90 do século XX. É um autor da continuidade, avesso a rupturas, para quem uma obra arquitectónica tem de ser entendida no contexto do ambiente envolvente. Como o próprio dizia, «eu sou a arquitectura portuguesa».” (Universidade do Porto, 2008). 65 Aldo Rossi (1931-1997), nasceu em Milão, Itália. Arquitecto, professor e ensaísta. Ainda estudante, na Faculdade de Arquitectura do Politécnico de Milão, inicia, a partir de 1955, a divulgação da sua actividade teórica na revista Casabella-Continuitá. Uma colaboração que se mantém até 1964, sob direcção de Ernesto Nathan Rogers. Pioneiro na releitura da arquitectura do iluminismo e do movimento moderno, refundamentou o conhecimento, a teoria e o processo da composição arquitectónica na história e na

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intencionalidade estética são os caracteres estáveis da arquitectura […]”. Na sua obra A Arquitectura da Cidade, o autor explora o sentido da cidade através da arquitectura (individualizada) que a compõe, “[…] porque esta arquitectura é parte integrante do homem; é a sua construção.” (2001, p. 33). Segundo o autor:

[…] com o tempo a cidade cresce sobre si mesma; adquire consciência e memória de si própria. Na sua construção permanecem os motivos originários, mas ao mesmo tempo a cidade esclarece e modifica os motivos do seu próprio desenvolvimento. (Rossi, 2001, p. 31)

[…] por arquitectura da cidade podem entender-se dois aspectos diferentes: no primeiro caso é possível comparar a cidade a um grande manufacto, uma obra de engenharia e de arquitectura, maior ou menor, mais ou menos complexa, que cresce no tempo; no segundo caso podemo-nos referir a áreas mais delimitadas da cidade, a factos urbanos caracterizados por uma sua arquitectura e, portanto, por uma sua forma. (Rossi, 2001, p. 43)

Nesse sentido o autor refere-nos que, a cidade como um todo, está ligada de certo modo a diferentes “factos urbanos” que se formam à medida das necessidades particulares de cada tempo, e assim constituída de diferentes factos arquitectónicos isolados. Uma arquitectura entendida pelo autor como, “[…] coisa humana que forma a realidade e conforma a matéria segundo uma concepção estética […].” (Rossi, 2001, p. 50).

A cidade entendida quase como “contentor temporal”, que se vai desenvolvendo, crescendo e adaptando, através de várias construções (em vários períodos).

Deste modo, segundo Rossi (2001, p. 43), verificamos na maior parte das cidades da Europa, “[…] grande edifícios, ou conjuntos edificados, ou agregados que constituem verdadeiros bocados de cidade e cuja função dificilmente é a originária”. Nesse sentido o que revela a estrutura da cidade é a própria forma do edificado, ainda que as funções se modifiquem ao longo dos tempos.

[…] a cidade é algo que permanece através das suas transformações, e as funções, simples ou multíplices, que a cidade sucessivamente satisfaz são momentos na existência da sua estrutura. (Rossi, 2001, p. 72)

dinâmica dos processos urbanos. A Arquitectura da Cidade, de 1966, constitui um marco teórico fundamental na bibliografia do último século. A Autobiografia Científica (1981) e Os Cadernos Azuis (1968- 1992) constituem documentos imprescindíveis para o conhecimento do seu pensamento como arquitecto e grande figura da cultura italiana contemporânea. Foi assistente de Ludovico Quaroni em Arezzo e de Carlo Aymonino em Veneza. Professor desde 1965, leccionou em Milão, Veneza, Palermo. Desenvolveu e dirigiu estudos de tipologia e morfologia urbanas que, alargando o campo do conhecimento disciplinar e os nexos entre os factores que determinam a dinâmica e a forma urbanas, influenciaram e se traduziram em numerosos projectos urbanos.” (Rossi, 2001)

Diogo Rafael Soares de Almeida 79 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ainda segundo Rossi (2001, p. 45), “[…] a individualidade depende certamente mais da sua forma do que da sua matéria, embora esta tenha um papel importante […]”. Porém alerta-nos para o facto de “[…] a sua forma ser organizada e tornada complexa no espaço e no tempo […]”, entendendo que o valor não seria o mesmo se esse facto arquitectónico fosse destituído do seu contexto, ou se tivesse sido construído recentemente. Segundo o autor, nesse caso, “[…] não apresentaria ainda aquela riqueza de motivos com que reconhecemos um facto urbano.” (Rossi, 2001, p. 45).

Aqui podemos fazer uma comparação com o que nos diz Alois Riegl (Choay, 2008, p. 170) quando se refere aos monumentos históricos. Para o autor, estes só diferem dos monumentos porque têm o peso histórico que os acompanha até hoje, ou seja, um valor dado à posteriori da construção.

No que nos refere Rossi, entende-se que o factor tempo é também reconhecível na própria evolução da cidade, através dos seus factos arquitectónicos isolados. Como exemplo o autor refere o Palácio da Razão de Pádua66 (Ilustração 42) em Itália, comentando que:

[…] fica-se sobretudo impressionado pela pluralidade de funções que um palácio deste tipo pode conter e por estas funções serem, por assim dizer, totalmente independentes da sua forma, e no entanto é exactamente esta forma que nos fica gravada, que vivemos e percorremos e que, por sua vez, estrutura a cidade. (Rossi, 2001, p. 44)

Porém, o autor comenta que o consenso pode não ser no sentido positivo, pois cada individuo tem a sua própria vivência do espaço e uma experiência própria daquele determinado facto arquitectónico. Assim existe quem repugne e quem atribua um valor significativo. “Neste sentido, embora seja extremamente difícil, dada a nossa educação moderna, temos que reconhecer uma qualidade ao espaço […]”, que seja de algum modo transversal a toda a história da cidade. Contudo, estamos perante diversas questões que se colocam ao estudar estes factos urbanos isoladamente, “[…] como a individualidade, o locus67, o desenho, a memória” (Rossi, 2001, p. 45).

66 Palazzo della Ragione (também designado por Salone), em Pádua, norte de Itália. Construído no ano de 1219, em pleno período românico romano, para ai se instalar a sede do governo e os tribunais. Em 1306 foi ampliado, recebendo a cobertura que nos chega até hoje, em forma de casco de barco invertido (tecto carenado). A sua sala de grandes dimensões (Salone) mede 81m de comprimento por 27m de largura, elevando-se num pé direito de 27m de altura. 67 Locus (do latim loci, que designa lugar). Lugar, entendido metafisicamente como conjunto de relações que se estabelecem entre paisagem natural e paisagem humanizada. Em arquitectura o conceito de “lugar” é importante na medida em que ao humanizar a paisagem, o Homem está de certo modo a transforma-la, marcando uma posição de força que se traduz na sua contextualização perante o mundo. Ou seja, através do “lugar”, o Homem cria a sua própria estrutura, o seu próprio modo de vida. Daí que

Diogo Rafael Soares de Almeida 80 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ainda assim é também através do estudo da morfologia urbana68 – que Rossi (2001, p. 46) define como “[…] descrição das formas de um facto urbano […]”, propondo-a apenas como “um instrumento” – que nos podemos aproximar da estrutura da cidade, ainda que lhe falte o carácter “qualitativo”, ou mesmo um “significado”69.

Um estudo morfológico que, segundo José Ressano Garcia Lamas70 (2000, p. 38), “[…] supõe a convergência e a utilização de dados habitualmente recolhidos por disciplinas diferentes, […] a fim de explicar […] a cidade como fenómeno físico e construído”. Contudo diz-nos Rossi (2001, p. 52) que:

[…] o todo é mais importante que cada uma das partes; e que apenas o facto urbano na sua totalidade, por consequência também o sistema viário e a topografia urbana até às coisas que se podem apreender passeando de um lado para o outro numa rua, constituem esta totalidade.

Neste sentido entendemos a cidade como conjunto de factos urbanos e arquitectónicos que a caracterizam e estruturam, procurando abordar a questão dos

este conceito tenha sido importante na arquitectura, nomeadamente na chamada “Escola do Porto”, onde a leitura crítica do sítio propõe a transformação daquela paisagem, de modo a criar um “lugar”. O lugar entendido como consequência da transformação humana, e que o contextualiza através de várias relações que se estabelecem entre as partes (físicas, espirituais). Ignasi de Sola-Morales, citado por Pedro Lebre diz que: “A noção de lugar não designa simples determinações fotográficas ou geométricas mas o contexto no qual se produz o encontro com um mundo habitado por sentidos, por memórias, por divindades. A noção latina de genius loci constitui o termo comum para designar experiências de desvelo (de manifestações) e encontro através dos quais fazer arquitectura e construir constituem um verdadeiro acto iniciático, único e irrepetível no espaço e no tempo.” (Lebre, 2011, p. 122) 68 Para uma possível definição de morfologia urbana, e segundo José Ressano Garcia Lamas, “é o estudo da forma do meio urbano nas suas partes físicas exteriores, ou elementos morfológicos, e na sua produção e transformação no tempo. Todavia, é necessário sublinhar que um estudo morfológico não se ocupa do processo de urbanização, quer dizer, do conjunto de fenómenos sociais, económicos e outros, motores da urbanização. Estes convergem na morfologia como explicação da produção da forma, mas não como objecto de estudo. […] Um estudo de morfologia urbana ocupa-se da divisão do meio urbano em partes (elementos morfológicos) e da articulação destes entre si e com o conjunto que definem – os lugares que constituem o espaço urbano. O que remete de imediato para a necessidade de identificação e clarificação dos elementos morfológicos, quer em ordem à leitura ou análise do espaço quer em ordem à sua concepção ou produção.” (Lamas, 2000, p. 38) 69 Diz-nos também o autor que, para o estudo da cidade, devemos ter em conta “o modo como os homens se orientam na cidade, a evolução e a formação do seu sentido do espaço” (Rossi, 2001, p. 50). Estudos estes, orientados por Kevin Lynch e Max Sorre, que se baseiam em premissas antropológicas relacionando-as com as características dos espaços. 70 José Manuel Ressano Garcia Lamas (1948- ), nasceu em Lisboa. “Licenciado em Arquitectura pela ESBAL em 1972, é doutorado em Urbanismo pelo Institut d’Aménagement Régional d’Aix-en-Provence em 1975. Docente das cadeiras de Planeamento Urbano e Projecto de Arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, onde se doutorou em Planeamento Urbanístico em 1990. É actualmente professor catedrático daquela Faculdade e professor catedrático convidado do Instituto Superior Técnico. Director das revistas Arquitectura (1978 a 1984) e Arquitectura Portuguesa (1986 a 1988). É membro da Associação Internacional de Críticos de Arte da Associação de Urbanistas Portugueses e da Ordem dos Arquitectos. Tem publicado vasta bibliografia sobre assuntos da sua especialidade. Autor de numerosos projectos de edifícios, equipamentos e planos de urbanismo. Em 1998 com os seus trabalhos (Plano de Urbanização, Plano de Salvaguarda e Valorização da Zona Histórica e projecto de Recuperação do Teatro Faialense), […] recebeu um prémio especial de Mérito – no Concurso Europeu de Urbanismo da C.E. – Conselho Europeu de Urbanismo” (Lamas, 2000)

Diogo Rafael Soares de Almeida 81 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

monumentos históricos (no sentido de Alois Riegl) como tais factos urbanos, que devem ser também considerados “elementos primários”71. Esta designação é dada por Aldo Rossi (2001, p. 124) no sentido em que estes “[…] participam da evolução da cidade no tempo de modo permanente, identificando-se frequentemente com os factos constituintes da cidade […]”, funcionando como “núcleos de agregação”.

Neste sentido um edifício histórico pode ser entendido como um facto urbano primário; ele resulta desligado da sua função originária, ou apresenta no tempo várias funções, no sentido do uso a que é destinado sem, no entanto, modificar a sua qualidade de facto urbano gerador de uma forma da cidade.” (Rossi, 2001, p. 127)

Porém, segundo o autor, estes elementos primários não se resumem apenas aos monumentos, mas sim a todos os “[…] elementos capazes de acelerar o processo de urbanização de uma cidade [...].” (Rossi, 2001, p. 124). Desse modo funcionam como catalisadores principais na dinâmica da cidade, que apresentam qualidades específicas, “[…] principalmente pela sua insistência num lugar, pelo desenrolar de uma acção precisa, pela sua individualidade” (Rossi, 2001, p. 128).

[…] o monumento é uma permanência, porque, pode sustentar-se, está já em posição dialéctica em relação ao desenvolvimento urbano, isto é, concebe a cidade como uma coisa que cresce por pontos (elementos primários) e por áreas (bairros e residência), e, enquanto nos primeiros é preponderante a forma realizada, nas segundas aparecem em primeiro plano os valores do solo. (Rossi, 2001, p. 133)

Como exemplo o autor recorre novamente ao Palácio da Razão de Pádua, onde aponta para a existência de um carácter de permanência72 que o edificio representa na cidade, referindo que:

[…] aqui, a permanência não significa apenas que neste monumento ainda se experimenta a forma do passado, que a forma física do passado assumiu funções diferentes e continuou a funcionar, condicionando aquele contorno urbano e deste constituindo ainda hoje um foco importante. Em parte, este edifício é ainda usado […]. E isto prova a sua vitalidade.

71 “A classificação proposta por Milizia, que trata precisamente dos edifícios e da cidade simultaneamente, diferencia os edifícios urbanos em privados e públicos, entendendo pelos primeiros as habitações e pelos segundos os elementos principais a que eu chamarei primários” (Rossi, 2001, p. 66). 72 O conceito de permanência foi estudado por Marcel Poète (1866-1950, historiador do Urbanismo Francês), que se ocupou dos factos urbanos “enquanto indicativos das condições do organismo urbano […]” que “constituem um dado preciso, verificável na cidade existente” onde “a sua razão de ser é a sua continuidade; às notícias históricas é necessário juntar as geográficas, económicas estatísticas, mas é o conhecimento do passado que constitui o termo de confronto e a medida para o porvir.” (Rossi, 2001, p. 64). Este conceito é desenvolvido mais tarde também por Pierre Lavedan (1885-1982, historiador de Arte Moderna e de Arquitectura Urbana), que analisa os factos urbanos através da persistência, que se torna a geratriz do plano. “[…] esta geratriz é o principal objectivo da pesquisa urbana, porque com a sua compreensão, é possível remontar à formação espacial da cidade; na geratriz está compreendido o conceito de persistência, que também se estende aos edifícios físicos, às ruas, aos monumentos urbanos.” (Rossi, 2001, p. 65).

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Esta persistência e permanência é dada pelo valor constitutivo; pela história e pela arte, pelo ser e pela memória. (Rossi, 2001, p. 77)

Outro exemplo dado pelo autor é o Alhambra de Granada73 (Ilustração 43), em Espanha, onde “[…] a forma está, por assim dizer, isolada na cidade, nada se lhe pode acrescentar, a forma constitui uma experiência de tal modo essencial que não pode ser modificada […]”. Diz-nos ainda que, aqui encontramos um modo diferente na vivência da cidade, em relação à de Pádua, onde “[…] a forma do passado assumiu uma diferente função, mas está profundamente inserida na cidade […].” (Rossi, 2001, p. 77).

Ilustração 42 – Palazzo della Ragione, em Pádua. ([adaptação a Ilustração 43 – Granada, planta de Alhambra (cerca de 1830). partir de] Schirato, 2012) (Rossi, 2001, p. 78)

Deste modo entende-se que a cidade, para além da sua realização num todo, tem de facto alguns elementos que a fazem “única”, e que agem individualmente para a sua identidade, ou mesmo memória. Mesmo que esses factos urbanos não estejam directamente relacionados na estrutura urbana, dela dependem e dela também são precursores. Agem na estruturação e evolução da cidade, numa espécie de “[…] passado que ainda experimentamos […].” (Rossi, 2001, p. 75).

Rossi (2001, p. 76) baseando-se na teoria de Marcel Poète, diz-nos que:

[…] as cidades permanecem sobre os seus eixos de desenvolvimento, mantêm a posição dos seus traçados, crescem segundo a direcção e com o significado de factos mais antigos que os actuais, factos esses muitas vezes remotos. Por vezes estes factos permanecem, são dotados de uma vitalidade contínua, outras vezes perecem; fica então a permanência da forma, dos sinais físicos, do locus.

73 Alhambra, situa-se em Granada, Espanha. Situado no topo de duas colinas adjacentes, acima da cidade baixa, define-se por um conjunto fortificado e edificado com residências mouriscas do período medieval, que se manteve intacto até aos dias de hoje. O conjunto ainda apresenta o tecido urbano, a arquitectura e as características desse período árabe, em território espanhol.

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Nesse sentido entendemos ser possível fazer um estudo da cidade baseado em elementos primários, ou de permanência (neste caso os conventos), que influenciaram de algum modo a evolução da estrutura urbana, possibilitando novas dinâmicas com a sua presença. Assim, diz-nos Rossi (2001, p. 79) que, “[…] o processo dinâmico da cidade tende mais para a evolução do que para a conservação e que, na evolução, os monumentos se conservam e representam factos propulsores do mesmo desenvolvimento.”

Entendemos, de um mesmo modo, que a possível evolução da cidade na contemporaneidade, prende-se na premissa da reabilitação desses elementos primários, cozendo-os com novas construções, no sentido de intervir cirurgicamente nas diversas áreas degradadas, que Rossi (2001, p. 138) designa por “[…] tempos mortos da dinâmica urbana.”

Porém achamos necessário fazer uma abordagem à evolução das cidades e do seu tecido antigo na tranversalidade da história, acompanhando os exemplos de Aldo Rossi, como paralelismo (se é possível fazer) à cidade de Lisboa. Contudo, sem esquecer as primeiras manifestações de aglomerados urbanos, entendemos que é a partir do período medieval, e das primeiras construções monásticas ocidentais, que podemos basear o estudo que pretendemos.

Contextualizando, diz-nos Rossi (2001, p. 132) que em Roma, “[…] o núcleo original, encerrado entre muralhas, protrai-se com individualidade própria […]”, ainda que se desenvolvam à sua volta vários burgos (das cidades italianas), ou faubourgs (das cidades francesas). Outro exemplo dado pelo autor é a cidade de Milão (Ilustração 44), alertando que a sua estrutura monocêntrica não se desenvolve a partir do centro histórico, mas sim definida por alguns elementos primários como “[…] o centro galo- romano, os conventos, as obras pias […]”, entre outras.

Ainda segundo Rossi (2001, p. 132) que Paris, fora do perímetro da Cité74 (Ilustração 45), era constituída por mosteiros, centros mercantis e Universidade, em diferentes

74 Ile de la Cité, é uma “ilha da cidade”, implantada no rio Sena. A ilha é natural e constitui-se como o principal centro da cidade (Paris) medieval francesa. No extremo ocidental esta situado um palácio desde o perído Merovíngio, e no lado oriental situa-se a Catedral de Notre Dame, o centro religioso desde o século X. Entre os dois extremos da ilha foi-se desenvolvendo um aglomerdo urbano com residências e comércio. Hoje em dia estão situados o Conciergerie (antigo Palácio da Cidade), a Prefecture de Police (Sede da Polícia), o Palais de Justice (Palácio da Justiça), o Hôtel-Dieu de Paris, e o Tribunal de Commerce (Tribunal do Comércio).

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localizações de cada um dos lados do Sena, onde “[…] em torno destes constituem-se centros de vida urbana; [e] à volta das abadias constituem-se os bourgs.”

Ilustração 44 – Milão, por Braun & Hogenberg, em 1612. Ilustração 45 – Île de la Cité, em 1609. (Clements, 2007) (Sanderusmaps, 2014)

Já Wolfgang Braunfels (1983, p. 21) refere que: “Como […] movimiento contrario al proceso reductor de las ciudades antiguas actuó el constante aumento de las instituciones eclesiásticas […]”, entendendo o urbanismo como “[…] un proceso de construcciones continuo, tal como ha propugnado Aldo Rossi […]”. Neste sentido o autor aponta as instituições eclesiásticas como pólos organizadores de estrutura urbana.

Desde el siglo V hasta fines del XI, en la mayoría de los viejos centros creció el número de claustros y conventos dentro y fuera de los muros de las ciudades. (Braunfels, 1983, p. 21)

O mesmo acontecia nas cidades da Grécia antiga e de Roma antiga (na sua primeira manifestação), que José Lamas (2000, p. 139) refere num estudo que permite entender o espaço urbano como relação da vida citadina. Diz-nos o autor que, na génese da cidade grega “[…] os espaços públicos significantes estão ligados à religião e ao poder […]”, apresentando vários princípios da lógica de formação do espaço público:

A colocação de edifícios singulares – monumentos – em «composição orgânica», assimétrica, mas inter-relacionados por distâncias e vazios, e em situação predominante na estrutura urbana. O conjunto de grandes edifícios e equipamentos de carácter comercial, cívico, cultural e religioso ocupa os pontos fulcrais das cidades e organiza as estruturas urbanas. (Lamas, 2000, p. 139)

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No mesmo sentido, na cidade de Roma antiga “[…] a delimitação do perímetro da cidade e o seu traçado obedeciam a um ritual religioso, a uma ordem sagrada.” (Lamas, 2000, p. 144), que acompanhava a sua formação.

Com a queda do Império Romano, o crescimento demográfico das cidades diminuiu, surgindo a “cidade medieval” como paradigma de uma organização orgânica, e quase desorganizada. Diz-nos José Lamas (2000, p. 151) que “[…] a formação das cidades medievais tem diversas origens […]”, apontando algumas possibilidades dessa transformação.

- antigas cidades romanas que permaneceram, ou que, tendo sido abandonadas, são posteriormente reocupadas;

- burgos que se formam na periferia da cidade romana, […] e que se desenvolvem até formar cidades;

- antigos santuários cristãos instalados fora das cidades romanas e que, no período medieval, vão formar novos núcleos urbanos;

- cidades que se formam pelo crescimento de aldeias rurais;

- novas cidades, como as bastides, fundadas, como bases comerciais e militares, a partir de um plano geométrico predeterminado. (Lamas, 2000, p. 151)

Segundo o autor, “[…] o crescimento e a instalação de novas funções, como as ordens militares e religiosas, conduzem a uma sobreposição de traçados […]” (Lamas, 2000, p. 151). Assim o traçado ortogonal desenvolvido pelos romanos vai ser sobreposto pelo traçado radiocêntrico, característico de muitas cidades medievais. Desse modo “[…] a cidade «cresce» e «diminui» em períodos alternados […].” (Lamas, 2000, p. 152).

Entende-se com este estudo de José Lamas as premissas que permitiram desenvolver a cidade medieval (precedente de uma outra), relacionado-a de algum modo com o estudo de Aldo Rossi. Nesse sentido os dois autores evidenciam o carácter de “contaminação” por parte dos elementos primários (onde se inserem os conventos), ou de factos urbanos pontuais, que permitiram desenvolver uma estrutura relacionável entre as diferentes construções e períodos.

Desse modo entende-se que a cidade cresceu através de elementos específicos, primários segundo Rossi, que agem de modo catalisador no crescimento da cidade. Porém existem outros factores que marcam esse crescimento, como o carácter das

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necessidades de uma determinada sociedade no tempo. François Ascher75, no seu estudo antropológico e sociológico da cidade, refere que:

As formas das cidades, quer tenham sido pensadas de raiz quer sejam o resultado mais ou menos espontâneo de diversas dinâmicas, cristalizam e reflectem as lógicas das sociedades que acolhem. Assim, a concepção das cidades antigas expressava mais particularmente os preceitos religiosos e militares que constituíam as “justificações” primordiais das cidades e dos grupos sociais que as habitavam. (2010, p. 22)

Segundo o autor, “[…] o crescimento das cidades esteve sempre correlacionado ao longo da história com o desenvolvimento dos meios de transporte e de armazenamento dos bens necessários […].” (Ascher, 2010, p. 21). Neste sentido podemos entender o crescimento da cidade pela sua necessidade de “actualização” perante os diversos problemas que vão surgindo, “[…] em particular das técnicas de construção em altura, da gestão urbana dos fluxos e dos serviços (redes viárias, esgotos, água, etc..), bem como exigências de protecção e controlo.” (Ascher, 2010, p. 22).

Na opinião do autor, a génese da cidade medieval esteve sempre ligada ao problema da insegurança, e por esse motivo as populações refugiam-se atrás das muralhas (Ascher, 2010, p. 22). Este ambiente da cidade medieval explica algumas das premissas do seu desenvolvimento e que José Lamas reforça:

A antiga cidade era geralmente pequena. A sua forma ligava-se estreitamente a um sítio e a limites (defensivos, administrativos e de fiscalização) que estabeleciam uma barreira entre espaço «construído» e não construído (espaço rural). (2000, p. 64)

Na perspectiva do autor, com a evolução das técnicas militares e a crescente industrialização, a cidade extravasa os seus limites, caracterizando-se por uma diluição do espaço “construído” e “não construído”, outrora bem definido. Como consequência, assistimos a um consumo de novas áreas, imanente a novo hábitos e necessidades das populações, onde “[…] a mobilidade tornou-se uma quarta dimensão, […] na composição espacial.” (Lamas, 2000, p. 64).

75 François Ascher (1946-2009), nasceu em Metz, França. Urbanista e Sociólogo, é diplomado em Ciências Económicas, e doutorado em Estudos Urbanos e Ciências Humanas. É especializado em estudos dos fenómenos metropolitanos e em planeamento urbano. Em 1981 é nomeado director do Instituto de Urbanismo da Academia de Paris. “Consagrado com o Grand Prix de l’Urbanisme 2009, […] foi um dos mais influentes investigadores e profeta do novo paradigma do urbanismo contemporâneo que anunciara em 1995 com Metapolis: Acerca do Futuro da Cidade.” (Ascher, 2010)

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Através do que os autores referem, verificamos que o caminho percorrido até aos dias de hoje, no que respeita às cidades e à sua evolução, baseia-se em acrescentos, remendos e, ou, costuras que deram resposta a determinadas necessidades nos diferentes estádios do Homem.

Segundo Lamas (2000, p. 134), o modo de crescimento das cidades provêm genericamente de dois processos fundamentais, um de génese espontânea, que o autor designa por orgânico, e outro segundo um plano pensado, racional.

As diferenças entre o crescimento orgânico e racional são primeiro que tudo de ordem processual, pelo diferente modo de produção do espaço; são também de ordem morfológica, pela diferenciação da forma geral das cidades decorrente da diferente geometria de traçados. (Lamas, 2000, p. 134)

Convento como urbanidade

Ao estudar a evolução da cidade de Lisboa através da influência dos conventos (elementos primários) que foram de algum modo determinantes no crescimento da estrutura urbana, deparamo-nos com a necessidade de estabelecer dois pontos iniciais.

Se de algum modo essas construções foram importantes no crescimento da estrutura urbana, por outro não se constituíram como os principais intervenientes. Existem muitos outros factores determinantes que poderiam ser referenciados, mas que não se relacionam directamente ao estudo que pretendemos desenvolver.

Como verificámos anteriormente, a vida monástica ocidental só começa com algum rigor a partir do séc. IV, logo após a queda do Império Romano, com a construção de vários mosteiros pela Europa. Porém, em Lisboa só no séc. XII é construído o primeiro edifício monástico (Mosteiro de São Vicente de Fora), logo após a conquista da cidade aos mouros, em 1147.

Em toda a Idade Média, a localização [de um] edifício no espaço urbano era dada nos documentos por um ponto significante dessa zona da cidade, sendo as igrejas a referência por excelência. (Carita, 1999, p. 22)

Nesse período a cidade de Lisboa encontra-se em plena revolução e reestruturação. Com a conquista da cidade, nasce a necessidade de “povoar” o ideal cristão e para isso são construídas igrejas e casas religiosas, que vêem de certo modo fundar

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freguesias e aglomerados urbanos mais ou menos importantes. Citando Norberto de Araújo76:

Quando Lisboa se tornou portuguesa a sua fisionomia devia ter muito, senão tudo, de moirisco, no semblante das ruas e casas, nos costumes locais e hábitos de trabalho. Havia que cristianizar e nacionalizar. Tarefa esta ingente, não nos ficaram notícias do seu processo e da sua evolução. Mas dúvida não resta de que quando D. Afonso Henriques […] se lançou em suas aventuras militares, Lisboa afonsina estava estabelecida sòlidamente, amparada às normas, leis e costumes do Portugal medieval. Extravasava já das linhas da Cerca, e alargava a sua grande póvoa nova pela área extra-muros, irradiando por todas as zonas a Norte, Oriente e Ocidente, tìmidamente é certo, mas obedecendo a um destino que havia de cumprir-se no decorrer do século XIII. (Araújo, 1947, p. 145-146)

A descrição parece-nos importante pelo facto de aludir quanto à morfologia da cidade no período da reconquista, marcada pela difusão do ideal cristão. Diz-nos o autor que: “No longo período de dominação muçulmana […] os cristãos continuaram, ou começaram a gozar de certa liberdade de culto, e havia igrejas e mosteiros disseminados por toda a parte.” (Araújo, 1947, p. 146), formando-se algumas paróquias fora do primitivo núcleo da cidade, constituída pela Cerca Moura77 (Ilustração 47).

76 Norberto Moreira de Araújo (1889-1952), nasceu a 21 de Março de 1889, em Lisboa. Jornalista e escritor. Em 1904 entra como aprendiz na Imprensa Nacional, frequentando posteriormente o Curso Superior de Letras. Em 1916 chega a redacção do jornal O Mundo, ingressando um ano depois no jornal A Manhã. Foi também jornalista do Diário de Notícias, do Século da Noite, e do Diário de Lisboa, permanecendo neste último até ao seu falecimento. Como escritor são várias as obras, 31 ao todo entre livros técnicos de arte, poesia e teatro, na qual se destaca a obra Da Iluminura à Tricomia (1915). Contudo Norberto de Araújo destaca-se como olisipógrafo erudito, com várias obras dedicadas ao estudo sobre a cidade de Lisboa, que nos chegaram até hoje e que constituem um testemunho bastante relevante da história da cidade. Entre muitas outras encontram-se o Inventário de Lisboa (1939), Legendas de Lisboa (1943) e Peregrinações de Lisboa (1939), obras que se destacam pelo profundo conhecimento do autor sobre as fontes e dos estudos sobre o passado de Lisboa, como os seus monumentos, instituições, e episódios da vida citadina. (Lisboa, 2005). 77 Cerca Moura, ou cerca velha, constitui a primitiva muralha defensiva da cidade de Lisboa, datando de 48 a.C. quando Lisboa recebe o título de município romano. (SIPA, IPA.00003128). “A cerca moura era formada por três lanços, dois nascendo das muralhas do Castelo, e descendo pela encosta sul até à praia do Tejo; e o terceiro ao longo dessa praia, unindo-os e fechando assim o recinto da Cidade. O lanço ocidental saia do ângulo sudoeste da muralha do Castelo, seguia por trás das casas baixas do lado oriental das Escadinhas de S. Crispim, descia ao longo da actual Calçada do Correio Velho, atravessava o Largo de Santo António da Sé, seguia pelo meio do quarteirão dos prédios do lado oriental da Rua da Padaria, e ia terminar perto do actual Arco Escuro. O lanço oriental nascia do ângulo sueste do recinto do Castelo, seguia por entre as casas e jardins dos prédios situados na Travessa do Funil, Largo do Contador-mor e Travessa de Santa Luzia, e os da Rua do Infante D. Henrique, até ao Largo das Portas do Sol; dai descia primeiramente ao longo do lanço superior, em escadinhas, da Calçada de S. João da Praça, e depois por entre as casas desta calçada e as da Rua do Limoeiro, edifício da prisão, e beco do Marquês de Angeja, até à Rua de S. João da Praça, donde continuava por entre os prédios da Travessa do Chafariz de El-Rei e os da Rua da 58 Judiaria, até terminar no mencionado chafariz. (Silva, 1954, p. 58)

Diogo Rafael Soares de Almeida 89 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 46 – “Olissippo quae nunc Lisboa”. Excerto da perspectiva da cidade no séc. XVI, por Jorge Bráunio. (Braun, 2014)

Ilustração 47 - “Excerto da planta de Lisboa levantada em 1856/58 e publicada em 1884 […]. Sobre ela foram traçadas as cercas moura e fernandina por Augusto Vieira da Silva.” (Dias, 1988)

Segundo o mesmo autor, no séc. XII já com a reconquista de Lisboa, foram fundados dois templos, um a Oriente – que viria a chamar-se de S. Vicente – e um outro no monte a Ocidente, chamado posteriormente dos Mártires.

Até ao final do século XII contavam-se na cidade, que já não se continha evidentemente dentro dos muros da antiga Cerca, mais cinco freguesias paroquiais além das cinco anteriormente citadas: Santa Maria Madalena (1164), abaixo da Sé, S. Bartolomeu, S. Martinho e S. Jorge, as três (1168) muito próximas e acima da Sé, e S. Pedro, em Alfama (1191) […]. (Araújo, 1947, p. 147)

Diogo Rafael Soares de Almeida 90 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

No decorrer do séc. XIII o crescimento da cidade expande-se de modo acelerado, contando com vinte e três freguesias. Sete encontravam-se dentro da cerca primitiva e as restantes do lado de fora. Oito do lado Oriental, na encosta do Castelo e oito do lado Ocidental, também na encosta e no vale da Baixa. Uma delas, a dos Mártires, encontrava-se na colina que viria a designar-se de S. Francisco, ou Monte Fragoso. (Araújo, 1947, p. 148).

A todos estes templos e pequenas igrejas há que acrescentar os mosteiros de fundação de Duzentos, e que imprimiram à vida e à fisionomia de Lisboa um aspecto peculiar. (Araújo, 1947, p. 149)

Segundo Araújo (1947, p. 149), encontra-se, fora da primitiva cerca (nos seus primeiros extravasamentos), o mosteiro de S. Vicente construído em 1147, que “[…] como todos os mosteiros, exerceu uma certa influência na vida social e política da Lisboa dos séculos XII e XIII”. A este exemplo há que acrescentar um outro convento, de S. Francisco, construído no designado Monte Fragoso em 1217, e o de S. Domingos, “[…] junto ao «Rossio», em chãos ainda alagadiços […].” (Araújo, 1947, p. 149), construído em 1242.

O crescimento da cidade foi-se expandindo para fora de muros, e em 1373 é construída uma segunda cerca defensiva, a Fernandina78 (Ilustração 47), que iria

78 Muralha Fernandina, ou cerca nova, constitui a segunda cintura defensiva da cidade de Lisboa, mandada construir pelo rei D. Fernando, em 1373-1375. “A muralha que fechava o circuito da zona ocidental anexada inseria-se na Torre de S. Lourenço, que ainda lá vemos na Costa do Castelo, descia pela encosta, formando o fundo do palácio e jardim dos marqueses de Ponte do Lima, ou de Castelo Melhor, continuava através de quintais, e pelo sítio da fachada posterior dos prédios construídos no lado norte das actuais Escadinhas da Saúde, até ao vale onde corre a Rua da Mouraria. Atravessava este vale, constituía a frente do palácio que foi dos marqueses de Alegrete, que deita sobre o largo e a desaparecida Travessa de Silva e Albuquerque, cortava a Rua da Palma, e subia pela encosta do monte de Sant'Ana, através do quarteirão de prédios situados entre a Calçada do Monturo do Colégio, hoje Calçada Nova do Colégio, e a Rua de Martim Vaz. Atingia o seu ponto mais alto na linha de cumiada do monte, próximo do sítio do cruzamento desta última rua e do Beco de S. Luís da Pena com a Calçada de Sant'Ana, onde começava um lanço descendente até ao vale das Portas de Santo Antão, passando através do quarteirão constituído pelo mosteiro da Encarnação, em parte fundado sobre a muralha, e pelas trazeiras do palácio Alverca ou Pais do Amaral, onde actualmente é a sede da Casa do Alentejo. Atravessava a muralha o fundo do vale de Valverde, seguia ao longo da Travessa do Forno, e pelo sitio onde se construiu o palácio da Inquisição, que assentava em parte sobre ela, aproveitando-a para a sua fachada sobre as hortas de Valverde, no sítio da Praça dos Restauradores. Começava aqui um novo lanço ascendente, pelo monte de S, Roque, aproximadamente segundo a linha da fachada, que deita para a gare, da Estação do Rossio, seguia através do edifício da Escola Académica, que pertence hoje à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, e do local ocupado com várias dependências da Misericórdia de Lisboa, indo terminar numa torre que se levantava perto do centro do actual largo Trindade Coelho, antigamente Largo de S. Roque. Daí descia a muralha pela encosta do monte até ao Rio Tejo, ao longo e através dos prédios do lado oriental da Rua da Misericórdia (rua larga de S, Roque) e do Alecrim, pela ilharga das igrejas do Loreto e da Encarnação, que ficavam de fora, pelo local da esplanada da Cervejaria Jansen (a que hoje chamam Retiro da Severa), cujos muros de suporte são em parte a própria muralha da cerca, voltando em seguida para nascente até ao começo inferior da Travessa do Cotovelo.

Diogo Rafael Soares de Almeida 91 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

aumentar o perímetro da cidade e estabelecer um novo limite. Porém foi insuficiente e anos mais tarde já estavam fixados alguns aglomerados urbanos fora da muralha.

Ilustração 48 - Planta da cidade de Lisboa (antes do terramoto), em 1650, de João Nunes Tinoco. ([adaptação a partir de] Tinoco, 1853)

Segundo José Augusto França79, na cidade de Lisboa “[…] o desenvolvimento realizava-se conforme necessidades minimamente locais e obedecendo também a

Dai, ao longo do que era então praia, e é hoje aquela travessa e a Rua do Arsenal, seguia a muralha pela margem do Tejo, depois através dos edifícios da ala norte do Terreiro do Paço, e da Rua da Alfândega, até inserir-se na cerca velha ou moura, próximo da Rua dos Arameiros. A muralha do circuito oriental da cerca fernandina nascia do canto nordeste do Castelo, descia até ao sitio do demolido arco de Santo André, no alto da calçada deste nome e contiguo ao palácio dos condes da Figueira, na calçada da Graça, cuja directriz acompanhava até ao largo da mesma denominação. Ai atravessava o planalto do monte da Graça, desde a igreja do ex-convento até quase ao topo superior da actual Rua da Verónica. Começava então um novo lanço descendente, até ao Rio Tejo, atravessando a cerca do ex-convento de S. Vicente até à sua igreja, passando pelo local desta em direcção ao canto sueste do enorme edifício do convento. Seguia pelo meio do quarteirão de prédios onde se acha o edifício da Fundição de Canhões, até ao sítio onde convergem as Ruas dos Remédios, do Paraíso e do Museu de Artilharia. Continuava daí em direcção ao Tejo, segundo um traçado que se desconhece, onde ficava o termo inferior do lanço. Dele partia o último lanço da cerca nova, seguindo paralelamente ao rio, pelo interior das lojas da Rua do Jardim do Tabaco, do Terreiro do Trigo e do Largo do Terreiro do Trigo, indo inserir-se na muralha da cerca moura, próximo, mas da banda de fora, da porta de Alfama ou de S. Pedro.” (Silva, 1954, p. 61-63) 79 José Augusto França (1922- ), nasceu em Tomar, Portugal. Historiador, ensaísta e crítico de arte. Diplomado pela École d'Hautes Études de Paris e doutorado pela Sorbonne, é membro de academias de artes e cultura em Portugal e em França. Dedicando-se especialmente à investigação e ao ensaísmo, dirigiu o Departamento de História de Arte da Universidade Nova de Lisboa. Foi presidente do ex-Instituto de Cultura e Língua Portuguesa e da Academia de Belas-Artes e director do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, em Paris. Enquanto teórico e divulgador, pertenceu ao Grupo Surrealista de Lisboa, de que fizeram parte, entre outros, Mário Cesariny de Vasconcelos e Alexandre O'Neill. Colaborou, com artigos de crítica de arte e cinema, em inúmeras revistas e jornais literários portugueses e estrangeiros, destacando-se, no último caso: Art d'Aujourd'hui e Cahiers du Cinema e foi director de Unicórnio e co- director de Cadernos do Meio-Dia.

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pólos de atracção que eram os conventos [Ilustração 49], as novas paroquiais e algumas casas nobres, que aglutinavam clientelas.” (1989, p. 16).

Entretanto, também as ordens religiosas se tinham instalado na cidade: logo os Agostinhos, em S. Vicente, a seguir à conquista, os Franciscanos cerca de 1217 e os Dominicanos depois, cerca de 1240, uns junto da Igreja dos Mártires, no monte Fragoso que tomou o nome de S. Francisco, os outros no Rossio, já então enxuto e que a partir do seu convento se definiu. Também perto de S. Francisco (ao fundo do actual Chiado) se edificou, a partir de 1279, o convento do Espírito Santo da Pedreira, enquanto Santo Eloy era fundado em 1286, Santa Clara em 1292 e outros Agostinhos, Descalços, fundaram em 1291 o seu convento na Graça. Frades franceses da Ordem da Santíssima Trindade chegados a Lisboa em 1217, por seu lado começaram a erguer o convento em 1283, não longe dos Oratorianos […] (França, 1989, p. 16)

“São estes os principais núcleos da cidade medieval […]”, diz-nos França. (1989, p. 17). Esta breve descrição cronológica que o autor refere, permite identificar as várias ordens religiosas que se intalaram na cidade de Lisboa no séc. XIII, com várias construções que constituíam núcleos dinâmicos na morfologia da cidade.

Segundo o mesmo autor, “[…] à entrada do século XVI, Lisboa modificou profundamente a sua estrutura urbana, física e simbolicamente […]” (1989, p. 19), crescendo para Oriente, pela Graça, Olarias e arrabalde da Senhora do Monte. Crescimento esse também feito para Norte, pelos campos de Santa Clara e de Sant’Ana, “[…] com os seus mosteiros franciscanos, o primeiro medieval, o segundo de meados de Quinhentos […]." (França, 1989, p. 21).

É certo que Lisboa antiga foi de início acatitada no seu reduto, estendendo-se depois pelos subúrbios e englobando agora uma área que em tempo recuados era campo recortado por ribeiros, salpicada de mato, terras de semeadura, olivais e quintas, onde, pelos seus bons ares, sossego e curta distância da corte, se foram espalhando congregações religiosas e palácios senhoriais, com as suas cercas, hoje zonas perfeitamente integradas na grande metrópole. (Caeiro, 1989, p. 9)

Ilustração 49 – “Carta Topográfica da Cidade de Lisboa […]”, por Duarte José Fava (c. 1808). A azul escuro estão representados os mosteiros, conventos e palácios que se iam desenvolvendo nos terrenos periféricos. (Fava, 1808-)

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Ilustração 50 – Processo de crescimento de alguns aglomerados urbanos, através da presença do convento. (Ilustração nossa, 2014)

Desse modo podemos verificar a relação do desenvolvimento urbano através dos mosteiros e conventos que se iam construindo em terrenos baldios fora dos limites da cidade murada. Entre os conventos também podemos destacar palácios de famílias abastadas, como o Paço de Santos, Paço dos Távora no Campo Pequeno, entre outros (França, 1989, p. 26).

Outra série diz respeito a conventos, uma vintena (21, entre enumerações de 1554 e de 1620, mais 44 até 1745 quando somarão 87 na cidade e seu termo – e mais em Lisboa do que em todo o reino, afirmava-se em 1651), incluindo as grandes casas de S. Bento da Saúde e dos Jesuítas da Santo Antão, e ainda os Paulistas, as Trinas e o convento do Rato – este num largo que, longe da cidade murada, era já uma importante placa distribuidora para os arrabaldes, de que dependerá o urbanismo futuro desta parte ocidental da cidade. (França, 1989, p. 26).

Todos estes edifícios religiosos, construídos na sua maioria em terrenos isolados da cidade fortificada, trouxeram vários devotos às igrejas dos mosteiros e conventos. Desse modo foi-se construindo em terrenos, na maioria rurais, vários aglomerados populacionais que deram origem a malhas urbanas mais ou menos consolidadas, que se iam organizando em torno desses núcleos religiosos (Ilustração 50).

O mosteiro é um centro religioso isolado, independente da cidade e profundamente vinculado ao campo. Grande parte da colonização agrária europeia ficou a dever-se a estes centros monásticos [...]. (Chueca, 1996, p. 83)

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2.4. CONVENTO E MORFOLOGIA

A relação do homem com o território alterou-se no tempo, resultando da evolução dos aspectos socioeconómicos, transformando progressivamente o território, gerando outras tensões, das quais resultaram outros usos e ocupações ligados a um passado/presente […]. (Morais, 1995, p. 112)

Verificámos anteriormente, a capacidade que os edifícios religiosos tiveram em promover desenvolvimento urbano através da sua localização, na maioria das vezes isolada da cidade consolidada (Ilustrações 49 e 50). Esta realidade verifica-se muito por força da capacidade de atracção que o acto religioso teve na concentração de população em torno das igrejas, que de algum modo constituiu um dos factores de fixação e expansão urbana.

No entanto, o desenvolvimento de um aglomerado urbano pode ser sempre atribuído a diversas razões primárias, como religiosa, militar, económica, entre outras. Porém verificamos que em qualquer desses casos responde sempre a uma qualquer função.

As necessidades de defesa, a proximidade da água, a capacidade dos terrenos para aceitar a construção, o abrigo dos rigores climáticos, são factores tradicionais que ao longo da história interferiram na escolha do sítio; as necessidades políticas, administrativas, religiosas ou económicas, as de prestação de serviços, as equidistâncias dos centros urbanos entre si ditadas pelas respectivas áreas de influência, são factores de localização geral sempre actuantes. (Fernandes, 1987, p. 80)

Contextualizando esse processo, podemos começar pela presença dos Romanos na cidade de Lisboa (e no território em geral, a partir do séc. II a. C.), que tiveram uma afirmação bastante racionalizada no modo de implantação urbana. Não renegando o carácter da cidade pré-romana por completo, adaptaram-na às suas ideologias, com implantações urbanas na sua maioria em relevos acidentados, especialmente no interior do território em detrimento do litoral.

«Se é certo que muitos castros80 se arruinaram, […] outros transformaram-se completamente no sentido ideal das cidades romanas, obdecendo no seu arranjo aos conceitos urbanísticos correntes no tempo do Império. […].» (Orlando Ribeiro, apud Fernandes, 1987, p. 81)

A ocupação romana vem de algum modo criar um “[…] sentido de urbanidade, monumentalidade e centralidade, transformando o primitivo núcleo de expressão rural

80 Castro do Castrum, é um termo utilizado pelos romanos para designar uma área de terreno reservado à utilização das legiões romanas para aquartelamento. Compoto por planta rectangular ou quadrada, era normalmente fortificado com torres de vigia.

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num centro urbano.” (Lisboa81, 1993). O Cardus e o Decumanus82, constitui-se como o sistema base estruturante, dando inicio a uma expansão urbana pouco pronunciada, mas que vai permitir um crescimento acentuado na Idade Média. Assim:

Entre o castrum e o cais, respeitando as qualidades e a natureza da primeira implantação, desenvolveu-se a cidade que se consolidou e expandiu com base numa estrutura viária interna e externa. (Lisboa, 1993)

O período muçulmano83 (entre os séc. VIII e XII), permitiu de algum modo alterar o espaço urbano, adaptando-o ao seu conceito de urbanidade, de espaços mais intimistas e fragmentados. Um conceito individualista no sentido da vivênvia do espaço público que “[…] terá importância sobretudo como prolongamento da tradição urbana antes firmada, aproveitando-se as cidades já existentes, embora distorcendo as suas malhas e criado algumas extensões novas […].” (Fernandes, 1987, p. 82). Segundo o mesmo autor verificamos como paradigma a malha urbana de Alfama (na colina do Castelo).

«As cidades muçulmanas obedecem a conceitos de certo modo opostos aos do urbanismo romano : casas que abrem para a intimidade dos pátios interiores, ruelas estreitas e toruosas onde cada esquina oferece um refúgio para o ataque ou a defesa, becos sem saída que levam a residências particulares e subtraem a vida familiar ao bulício da rua.» (Orlando Ribeiro, apud, Fernandes, 1987, p. 82)

A expansão da cidade, que se fez nesse período marcado por uma economia rural, articulava-se com os terrenos agrícolas envolventes, “[…] através de caminhos abertos ao longo de percursos naturais e do rio […].” (Lisboa, 1993). Desses caminhos contam-se algumas vias que os romanos construíram no período da sua ocupação.

Com a conquista aos mouros (1147) e com a entrada no periodo medieval, a cidade sofre grandes mudanças na sua estrutura. Uma modificação nos “[…] conteúdos e simbolos da cidade […], pela introdução de um universo cultural bem distinto […].” (Fernandes, 1987, p. 82). Assiste-se a uma espécie de “desurbanização” que,

81 Estudo com o título “Lisboa: Morfologias Urbanas 1850.1950”, desenvolvido pela Direcção do Projecto de Planeamento Estratégico (CML), para a elaboração do Plano Director Municipal de Lisboa. 82 Cardus Maximus e Decumanus Maximus, constituem os eixos principais de orientação que os romanos aplicavam na construção dos edifício (e não só). O centro da cidade era definido pelo ponto de intersecção entre o Cardus Maximus (ou eixo principal) a via Norte-Sul, e o Decumanus Maximus, via Este-Leste. 83 “A cidade consolidada era formada por dois núcleos: a alcáçova no sítio fortificado do castelo e a medina que se estendia ao longo da encosta da Sé até às margens do rio e do esteiro. Apesar da instabilidade militar que se intensificou no contexto da reconquista cristã a partir do século X [com] concentração populacional no interior da cerca velha, surgiram dois pequenos arrabaldes respectivamente a oriente e a ocidente. Na parte oriental, no sítio de Alfama, formou-se um primeiro núcleo residencial agarrado à encosta e ocupado pela aristocracia muçulmana. A ocidente, o desenvolvimento [e] ocupação da margem do esteiro com equipamentos portuários (os cais) e comerciais.” (Lisboa, 1993).

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apoiando-se na estrutura muçulmana, substituí gradualmente o tecido edificado, expandindo à medida que se tornava um centro administractivo e económico importante.

O crescimento foi mais acelarado quando Lisboa tomou para si o estatuto e as funções de capital do país, em meados do século XIII, assumindo-se não só como centro político-administrativo mas também como grande porto de comércio externo português. A drenagem e a sedimentação do esteiro possibilitaram a ocupação do vale da Baixa com o carácter de bairro residencial e comercial e o equipamento do porto atraiu a Alfama novos moradores, enquanto os grandes conventos implantados na colina fronteiriça dos Mártires geraram também novas ocupações. (Lisboa, 1993)

Com a construção da segunda cerca defensiva, a cidade aquire novos contornos, “[…] estruturada em bairros, com uma especialização funcional e uma ocupação social diferenciada dotada nos tradicionais instrumentos de gestão e enquadramento administrativo […].” (Lisboa, 1993). Desse modo a malha urbana no interior da muralha era caracterizada por “[…] formas de crescimento empirico, não programado, mas diversificado no que se refere ao modelo dos traçados.” (Lisboa, 1993).

Uma estrutura morfológica assente nos traçados orgânicos medievais mais ou menos consolidados com limites bastante definidos. Fora da cerca defensiva a expansão fazia-se junto às margens do rio de modo disperso, dando origem a arrabaldes rurais agrícolas ou piscatórios. Também se fazia essa expansão através dos primitivos caminhos que, saíndo das várias portas da muralha, rasgavam o campo aberto. (Lisboa, 1993). Desse modo surge a capacidade catalisadora dos conventos. Assim:

Os diversos núcleos, que assumiram a imagem de bairros, desenvolveram-se frequentemente em volta de complexos arquitectónicos notáveis (igrejas, palácios, conventos), de estruturas funcionais e de espaços comerciais ou em função dos percursos mais importantes. (Lisboa, 1993)

A concentração de conventos e mosteiros acabou por atrair e fixar os fiéis nesta zona, dando origem a um processo irreversível de dinamização urbana, económica e social, que não só fomentou a criação de algumas infra-estruturas de apoio às populações […] como também estimulou a abertura de pequenas oficinas e lojas que reflectiam a especialização oficial dos novos residentes (tecelões, carpinteiros, ourives, pintores, entalhadores, etc.), acabando por promover a constituição de importantes freguesias [Ilustração 51] […]. (Mourão, 2010, p. 117)

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Ilustração 51 – Implantação de alguns mosteiros e conventos na cidade de Lisboa, com as respectivas cercas conventuais. (Lisboa, 1993)

Ilustração 52 – Implantação a Poente, de mosteiros e conventos Ilustração 53 – Implantação a Nascente, de mosteiros e conventos na estrutura urbana, com as respectivas cercas. (CML, 1993) na cidade, com as respectivas cercas. (CML, 1993)

No séc. XV (época de Descobrimentos), com a mudança do centro administrativo (sede do poder) do Castelo para o Terreiro do Paço, é consolidada a frente ribeirinha, que permite um desenvolvimento da cidade no sentido da valorização do rio, com comércio e actividades ligadas à exposição marítima. Desse modo “[…] foram-se consolidando ocupações junto das vias da saída da muralha que eram antigos caminhos e percursos (Portas de Santo Antão/São José; Santa Catarina/Bica/Poço

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dos Negros) e formando núcleos autónomos ao longo dos percursos ribeirinhos (Santos, Madragoa, Junqueira, Belém).” (Lisboa, 1993). Por essa razão verificamos que a localização dos conventos tem maior presença junto aos limites ribeirinhos.

Ao mesmo tempo é tomada a primeira consciência de urbanismo na cidade, com a iniciação de várias “[…] intervenções programadas, apoiadas em instrumentos jurídicos adequados. Num contexto onde a cultura urbanística assenta no humanismo e na racionalidade […]” (Lisboa, 1993). O Bairro Alto84 é o exemplo dessa primeira intervenção de traçado rectilíneo e racionalista na expansão da cidade.

Com o terramoto de 1755, o urbanismo em Lisboa veio ser posto à prova, desenvolvendo-se uma inteligente intervenção de costura urbana, que acabou por consolidar dois “tipos” de malha. (Lamas, 2000, p. 134), no núcleo da cidade. Se por um lado encontramos uma malha orgânica proveniente da sua fundação, por outro sobrepõe-se em certo sentido, o traçado regrado, racional, do Plano da Baixa85 pós- terramoto (Ilustração 54).

É possível ainda verificar essa estrutura orgânica em certas áreas da cidade, como é o exemplo de Alfama e Mouraria, que mantiveram de uma maneira ou outra o seu traçado de fundação. Um crescimento influenciado por um elemento primário (na perspectiva de Aldo Rossi), o Castelo de São Jorge, desenvolvendo-se pelas encostas da colina, numa malha urbana adaptável ao um terreno em declive.

84 Vila Nova de Andrade ou Bairro Alto de São Roque, “[…] desde o primeiro loteamento da Vila Nova de Andrade em 1513 até ao Bairro Alto de S. Roque consolidado na segunda metade do século XVI e durante o século XVII […]. Embora esta metodologia tenha já começado a ser ensaiada no século XV no interior da cidade medieval, na Vila Nova do Olival do Carmo e no núcleo ribeirinho do “Cata-que-Farás” contíguo à cidade antiga mas bem implantado para além dos seus limites físicos, a nova urbanização é uma experiência de grande dimensão onde a estrutura viária marca a ortogonalidade e os elementos edificados se inserem na unidade tipológica e morfológica do conjunto.” (CML, 1993). 85 Plano da Baixa, elaborado por Eugénio dos Santos (Capitão) e Carlos Mardel (Tenente Coronel), sob directrizes de uma Dissertação feita por Manuel da Maia (engenheiro-mor do reino). Nessa Dissertação, Manuel da Maia, faz um estudo aprofundado e detalhado, onde enumera todos os problemas de que a cidade sofria antes do terramoto, bem como as possíveis soluções que devem constar no plano. “A planta de Eugénio dos Santos cobre a parte central da cidade na sua baixa entre as colinas do Castelo e de S. Francisco, mas sobe também por esta, cumprindo soluções idênticas, embora de modo menos rigoroso, conforme o terreno pedia e permitia – tal como numa outra zona, ribeirinha, estendida para poente, até S. Paulo, se verificava. A sua parte principal define-se entre o Terreiro do Paço e o Rossio, regularizando as duas praças tradicionais e criando, de uma para outra, uma rede de ruas longitudinais e transversais, cortando-se em ângulos rectos, com importância variada que é expressa pela largura dos seus leitos, passeios (e esgotos), inovação nos hábitos urbanos.” (França, 1989, p. 45)

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Ilustração 54 - “Crescimento orgânico. Lisboa antes do terramoto, segundo a planta de 1650, e Crescimento racional. A reconstrução pombalina, segundo o plano de Eugénio dos Santos – Carlos Mardel (1755). (Lamas, 2000, p. 135)

Este plano racional, de influência hipodâmica permitiu de algum modo diluir os principais pólos de aglomeração urbana, como é o exemplo dos conventos, onde podemos incluir o Convento de S. Francisco da Cidade, o Convento do Carmo, o Convento da Trindade (destruído), e a igreja dos Mártires (antiga localização, junto ao Convento de S. Francisco). Porém:

Enquanto o Estado se encarregava da reconstrução da Baixa, a Igreja empreendia na construção de uma anti-Baixa que surgia, primeiramente, sob a forma de um acampamento montado de emergência – em jeito de «nova cidade improvisada» - e que depois se foi transformando num verdadeiro milagre da desmultiplicação das cercas e hortas de cenóbios em parcelas de arrendamento. (Mourão, 2010, p. 118)

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Desse modo nos aglomerados urbanos mais afastados do núcleo central da cidade, não incluídos no plano, permitiram uma urbanização através de cedências de áreas das cercas conventuais, atitude bastante frequente (Ilustração 55). Numa descrição de 1704, verificamos o relato de uma doação de terrenos ao Duque de Bragança, por parte do Convento de S. Francisco da Cidade:

E nam sò repartiram os Frades com tanta liberalidade da sua cerca com seo visinho o Duque Dom Jayme, mas tambem a diminuiram pella parte das ruas que chamam do Sacco, Figueyra e Ametade, dando, ou vendendo a outras pessoas pera fabricarem casas, (o que licitamente podiam fazer) porque como claustraes que eram, estavam dispensados na matéria da pobreza possuindo rendas em commum: e assim quando lhes era conveniente, podiam desfazer-se de algumas, com licença do Pontifice. (Jesus e Pereira, 1946, p. 60)

Este processo de formação da malha urbana foi importante no sentido em que houve um crescimento quase anárquico de alguns aglomerados urbanos. Deste modo para além das vias, os conventos estabeleciam “ordem” no território. Se observar-mos algumas plantas da cidade, verificamos que existe de facto uma área cercada em que o convento se encontra inscrito, e que de alguma maneira foi reduzindo, com construções, até chegar ao que hoje se apresenta, um convento inscrito dentro de uma malha urbana mais ou menos consolidada.

Ilustração 55 – Esquema do processo de transformação das cercas conventuais em malhas urbanas mais ou menos consolidadas. (Ilustração nossa, 2014)

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3. CONVENTO E TEMPO

Ilustração 56 – Vão da Igreja do Museu do Banco de Portugal. (Ilustração nossa, 2014)

Em Arquitectura, a relação homem/lugar é tão forte e verdadeira que se torna estruturante em todo o processo de produção dos objectos arquitectónicos. E de tal modo esta relação é determinante na concepção e concretização dos projectos e na passagem à obra, que não existe Arquitectura sem lugar. (Morais, 1995, p. 30)

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3.1. URBANIDADE E CONVENTO DE SÃO FRANCISCO DA CIDADE

Ilustração 57 – “Trecho da cidade de Lisboa, apresentando a círculo vermelho a localização do Convento de São Francisco da Cidade. ([adaptação a partir de] Google Maps, 2014)

O caso particular do Convento de São Francisco da Cidade, permite entender o modo de desenvolvimento de um trecho urbano, através da influência da sua localização e da consequente “gentrificação86” em torno. Um elemento primário (no sentido que lhe dá Aldo Rossi). Contudo resta-nos hoje pouco (ou quase nada) da construção primitiva do convento, baseando-nos assim em vários apontamentos e ilustrações de alguns autores, que nos permite traçar um percurso temporal.

Fundado em 121787 por Frei Zacarias, o Convento de São Francisco da Cidade, marca de certo modo o principiar da vida “monástica” na cidade de Lisboa. Contudo, falar do Convento de São Francisco é como falar da própria história da cidade e de todas as adversidades que ponturaram a sua evolução. A história do convento é penosa e cheia de acontecimentos trágicos, tal como a própria cidade. Entre incêndios e terramotos, chega-nos uma parte da memória da sua existência.

[…] o qual Convento, posto que fique muyto proximo à cidade, fica jà fora dos muros della nam sò dos antigos, mas tambem dos que estam delineados de novo, tendo dentro dos mays antigos se o assento o de que vamos falando, que conforme a Historia Serafica teve seo principio no anno de 1217, quando chegou a Lisboa o Sancto Frey Zacarias […]. (Jesus e Pereira, 1946, p. 58)

E foi este mesmo, onde agora estamos, despovoado nesse tempo, e apartado da cidade sobre uma eminência, da banda do Ocidente, chamada Monte Fragoso, por

86 “Processo de valorização imobiliária de uma zona urbana […].” (Priberan, 2014) 87 Sob reinado de D. Afonso II, “O Gordo” (1185-1223), rei português entre 1211 e 1223.

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razão dos precipícios que hoje ficam encobertos com as casas. (Frei Manuel da Esperança, apud Calado, 2000, p. 13)

O convento situa-se na colina a que lhe deu nome, de São Francisco, ou também Monte Fragoso (designação anterior), por ai se encontrar um monte constituido por uma série de fragas. Numa ilustração representativa do séc. XIII (Ilustração 58) aparece o nome de Pedreira a designar o sítio da colina, juntamente com a descrição de Gustavo de Matos Sequeira88:

[…] um cómoro a que os moradores da vila chamavam a Pedreira. Parte formado por areias mortas aglomeradas, parte por pedreira bruta, êsse cómoro ganhara no seu extremo Sul pendido sôbre as teracenas reais, um novo nome depois que lá no alto se empuleirara, ao lado do templo consagrado aos Mártires de 1147, um mosteiro Franciscano. Era a barroca de São Francisco. (Sequeira, 1939, p. 16)

Na sua obra O Convento de S.Francisco da Cidade, Margarida Calado89 (2000, p. 13) diz-nos que: “O local escolhido para a construção […] situava-se junto à cidade, a norte da primeira Igreja dos Mártires, mas num local relativamente isolado […]”. Com o que refere a autora podemos entender e “imaginar” (ainda que não seja suficiente) o Convento de São Francisco isolado, coroando a colina90.

[…] que naquelle tempo era um monte despovoado, e apartado da Cidade, e por sua aspereza, e precipicios circunvisinhos que o rodeavam, assim pela parte por onde corre o rio, como pella a que olha para o Oriente, aonde naquele tempo, era a povoaçam da Cidade, competindo muyto bem ào sitio o nome que tinha de monte Fragoso. (Jesus e Pereira, 1946, p. 59)

88 Gustavo Adriano de Matos Sequeira (1880-1962), nasceu em Lisboa. Olisipógrafo, jornalista, político e escritor português. Frequentou o Colégio Militar, o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, a Escola Politécnica de Lisboa e por fim o Curso Superior de Letras. Foi comissário interino do Governo no teatro Nacional D. Maria II e chefe de gabinete do Ministro das Finanças. Colaborou na organização da Exposição Olisiponense no Museu do Carmo em 1914, da Exposição Bíblio-iconográfica de Lisboa e da Exposição do Terramoto de 1755, ambas em 1935. Fez também parte da organização da Exposição do Mundo Português em 1940, entre outras. Foi um dos impulsionadores, e presidente, do grupo Amigos de Lisboa, e director da revista Olisipo. Várias são as suas obras literárias destacando-se, Depois do Terramoto - Subsídios para a História dos bairros Ocidentais de Lisboa (4 vol.) entre 1916 e 1934, Tempo Passado em 1924, O Carmo e a Trindade (3 vol.) entre 1939 e 1941, Oito Séculos de História em 1956, entre outras. 89 Margarida Calado (1947- ), nasceu em . “Licenciada em História (1973) pela Faculdade de Letras de Lisboa e doutorada em 1996 pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com uma tese sobre Arte e Sociedade na Época de D. João V. […] presidente do Concelho Pedagógico da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, onde exerce desde Outubro 1973. Autora de diversos trabalhos na área da História da Arte, colaborou nomeadamente no Dicionário da Arte Barroca em Portugal, e tem desenvolvido investigação no edifício que desde 1836 recebeu no seu espaço a então Academia de Belas Artes – o Convento de S.Francisco da Cidade […]” (Calado, 2000) 90 Norberto de Araújo na sua obra Peregrinações em Lisboa, refere-se à existência de um “Bairro de S. Francisco”. “Pelo decorrer dos séculos XIII e XIV S. Francisco engrandeceu-se, e os palácios nobres surgiram, tìmidamente, aqui e ali. O terramoto varreu tudo, e nas reedificações e urbanização nem vestígios ficaram dêsse «Bairro de S. Francisco».” (Araújo, 1938, p. 22)

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Ilustração 58 – “Perspectiva conjectural do território da Pedreira, nos fins do século XIII. Vê-se no primeiro plano, ao centro, o Convento do Espírito Santo da Pedreira (hoje os Armazéns do Chiado), […] em frente, em direcção ao Poente, a estrada de Santos, depois «rua pública da Pedreira» (a Rua Garrett de hoje); à esquerda o Convento de S. Francisco e os Mártires; [...]”. (Sequeira, 1939, p. 16-17)

No terceiro quartel do século XIII assentavam no alto da Pedreira quatro casas de devoção: – o templo dos Mártires e o mosteiro de S. Francisco, na banda do Sul (abaixo da estrada ou rua da Pedreira), a Casa do Santo Espírito, na parte central, à beira do declive, e o cenóbio dos Trinitários na parte mais alta, entre os olivais que continuavam para o Poente e Norte. (Sequeira, 1939, p. 17)

Segundo Calado (2000, p. 13), a partir de 1244 o convento sofre alterações, procedendo-se à sua “[…] primeira ampliação, dado que a igreja primitiva se mostrou logo demasiado pequena para as necessidades dos fiéis.”91 A construção de uma nova igreja surge já em 1246. Diz-nos a autora que, com a construção do convento, “[…] muitos artífices e novos moradores vieram trabalhar nas hortas e quintas dos frades.” (Calado, 2000, p. 13).

[…] e como arquitectura, e medidas della eram tam ajustadas com espirito da pobreza, e da humildade, a fabrica do novo Convento, se fez em tam breve tempo, que tendo principio a obra no anno de 1216 sem ser necessario multiplicar officiaes, pode ficar acabada tam brevemente, […]. (Jesus e Pereira, 1946, p. 59)

Contudo desconhecem-se as características do primitivo convento, dado às destruições de que foi alvo por várias vezes. Ainda assim diz-nos Calado (2000, p. 13) que possivelmente “[…] seguiria o modelo habitual dos conventos da época […].”

91 “[…] no pouco espaço que de tam largo sitio, escolheram para a fabrica do Convento, que traçaram em tudo tam limitado que sendo começado no anno de 1217, quando foy no de 1244, já se fabricava outra Igreja, porque a primeyra com tam pequena, e apertada nam era capaz de receber os muytos ouvintes […].” (Jesus e Pereira, 1946, p. 61).

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[…] uma igreja conventual, com o coro adequado ao número de frades […]; junto à igreja, o claustro, para onde abriam as outras dependências, como a Casa do Capítulo, o refeitório e dependências a ele ligadas e a biblioteca, que, sabemos, existia neste Convento. No piso superior do claustro, ficavam os dormitórios, com celas individuais para estudo e repouso. Junto ao edifício haveria ainda um espaço fechado para cultivo e lazer.92 (Calado, 2000, p. 13)

O convento comportava quatro dormitórios, tendo o primeiro capela, como todas as alfaias sagradas e ornamentos necessários ao culto; era o compartimento que contava mais celas, sendo estas em número de cinquenta e quatro. (Calado, 2000, p. 18)

“Quanto à igreja conventual, teria certamente as características comuns a outros edifícios da ordem franciscana construídos em Portugal nessa época, […].” (Calado, 2000, p. 13).

Quando referimos que o Convento de São Francisco está ligado à própria história da cidade de Lisboa, é no sentido da sua persistência perante as adversidades a que esta cidade foi sujeita. Neste sentido diz-nos Calado (2000, p. 14) que, quando “[…] em Fevereiro de 1372 os Castelhanos cercaram Lisboa93 […] estabeleceram o seu aquartelamento em S. Francisco.” Deste modo podemos referir uma primeira “reocupação” do convento.

Ilustração 59 - Excerto da perspectiva de Lisboa no séc. XVI, Urbium Praecipvarum Mundi Theatrum QuintumI, por George Braunio. Com o nº 25 o Convento de S. Francisco, o nº 60 a Porta Duque de Bragança e nº 134 o Palácio do Duque de Bragança. (Calado, 2000, p. 19)

92 Diz-nos a autora que, segundo uma inscrição de 1310, as obras do claustro, capela e sala do capítulo foram da responsabilidade de um tesoureiro real chamado João Moniz (Calado, 2000, p. 13). 93 “D. Henrique e o nosso Infante D. Diniz, que com ele vinha, escolheram para pousada o Mosteiro de São Francisco a cavaleiro de grande vale, e fronteiro à cidade murada, onde mais de metade da população de Lisboa se acolhera.” (Sequeira, 1947, p. 186)

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Na sequência da construção de uma segunda muralha defensiva, a Fernandina, o convento passa a estar inserido no perímetro da cidade. Consequentemente, são traçadas novas ruas e abertas portas na muralha, de acesso ao convento (Ilustração 59). A principal articulação era feita através da rua das Portas de Santa Catarina94, que ligava os conventos existentes no Monte Fragoso95. “Pela calçada de S. Francisco fazia-se a ligação com a rua Nova dos Mercadores” (Calado, 2000, p. 14).

Em 1517, o rei D. Manuel96 “[…] determinou ampliar a Igreja fabricando hum grandioso templo […]” (Jesus e Pereira, 1946, p. 61). Assim “[…] do mesmo modo se foy alargando o convento, por se ter augmentado o numero de os seos moradores […].” (Jesus e Pereira, 1946, p. 61).

As dimensões do convento eram tais que o próprio Filipe II lhe chamou «cidade de S. Francisco», designação que terá ficado até à época do Marquês de Pombal. (Calado, 2000, p. 18)

Nada se sabe ao certo do arquitecto desta nova igreja, atribuída assim a João de Castilho97, uma hipótese muito provável na medida em que se conhece a sua participação na construção da capela-mor. Contudo a nova igreja98 “[…] teve uma orientação diferente da primitiva, com a fachada virada a nascente, para a cidade.” (Calado, 2000, p.15).

94 A antiga Rua das Portas de Santa Catarina é a actual Rua Garrett. A Porta de Santa Catarina pertencente á Muralha Fernandina, estava situada no actual sítio do Largo do Chiado (antigo Largo das Duas Igrejas), entre a Igreja da Nossa Senhora da Encarnação e a Igreja de Nossa Senhora do Loreto. 95 Situavam-se neste Monte Fragoso o Convento do Espírito Santo (hoje os Armazéns do Chiado), o Convento da Trindade (Cervejaria Trindade), o Convento do Carmo (quartel GNR), o Convento de São Francisco da Cidade (Faculdade Belas Artes) e a Igreja dos Mártires (à data localizada junto ao Convento de São Francisco, hoje na Rua Garrett). 96 D. Manuel I, “O Venturoso” (1469-1521), rei português entre 1495 e 1521. 97 João de Castilho (1470-1552), nasceu em Cantábria, Espanha. Arquitecto espanhol, foi um dos percursores do estilo renascentista em Portugal, realizando a maior parte da sua carreira em território nacional. É considerado um dos mais influentes arquitectos do séc. XVI, tanto em Portugal como na Europa. Autor de várias intervenções, destaca-se pela sua obra no Convento de Cristo em Tomar, como a Portal sul, e do Coro Alto da igreja entre 1513-1515 (concluindo a obra começada por Miguel de Arruda), e alguns detalhes no claustro norte e poente como a Hospedaria (entre 1533-1552). Outras intervenções dizem respeito ao Mosteiro dos Jerónimos em Belém em 1516. 98 Sobre a descrição da igreja: “Ficou a Igreja de Sam Francisco, pello desenho com que a fundou ElRey Dom Manoel, um dos mayores templos, que hoje tem a Cidade. Hè de três naves, como costumavam sêr todos até ao tempo da sua fundação. Formam as três naves sinco grandes colúnas de pedra por cada banda com seos capyteis, ornadas as colunas, e os capyteis com seos ramos de ouro. E sobre as dittas colúnas se formam de cada parte quatro grandes arcos de pedraria, a que tambem fazem ornamento outros ramos de ouro, semelhantes áos das colúnas. Sobre os arcos se levantam, e sustentam os tectos das dittas três naves todos de meya laranja, forrados de bordo, e lavrados com quadrados miúdos. A altura, que do tecto destas naves vay ao pavimento da Igreja he grande: mas assim o pedia a grande extensam do comprimento da Igreja.” (Jesus e Pereira, 1946, p. 63).

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Ilustração 60 – Excerto da Planta de Lisboa em 1650, Ilustração 61 – “Panorâmica de Lisboa. Gravura em cobre, Ioam por João Nunes Tinoco, onde é visível a dimensão da Schorquens, 1619-22, […]”, com o nº 8 o Convento de S. Francisco. cerca conventual de S. Francisco. (Cristino da Silva, (Calado, 2000, p. 19) 1973, p. 11)

As sucessivas obras a que o convento foi sujeito até ao século XVI99, modificaram a sua original construção, pois encontramos intervenções feitas em toda a transversalidade de estilos arquitectónicos. Contudo essas intervenções foram desenvolvendo tanto as dependências do convento, como da própria malha urbana que se ia desenvolvendo à sua volta. Diz-nos Júlio de Castilho que:

Essa horta, que era grande, deu para muitíssimo: não só para se desmembrar, indo ampliar os domínios de tais e tão opulentos senhores, como eram os duques, mas também para se rasgar em ruas, algumas das quais ainda existem. (Castilho, 1937, p. 167)

Entre 1500 e 1502, “[…] foram cedidos dois lotes da cerca do convento ao duque de Bragança, para a horta do seu paço […] situada a poente.” (Calado, 2000, p. 15). Deste modo a dimensão da cerca conventual ia reduzindo e progressivamente ocupada com construção. Ainda assim podemos observar no excerto da planta de João Nunes Tinoco (Ilustração 60) a dimensão da cerca conventual de S. Francisco antes do terramoto (1650).

Depois das obras do século XVI, os limites da cerca conventual de S. Francisco eram definidos a poente, pela rua do Saco (Serpa Pinto) até aos terrenos do duque de Bragança; a sul pela rua do Ferragial (Vítor Cordon), a norte pela rua da Parreirinha (Capelo) e a nascente pela rua de S. Francisco (Ivens). (Calado, 2000, p. 18)

99 Diz-nos Júlio de Castilho (1937, p. 168) que, “[…] foi nos primeiros anos dêsse século activo e empreendedor que Lisboa cresceu desmedidamente para esse banda; e já antes do seu considerável desenvolvimento com a fundação do Bairro Alto, ela tinha entrado a retalhar em seu exclusivo proveito municipal a cerca dos franciscanos.”

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Ilustração 62 – Implantação do convento na colina de São Ilustração 63 – Convento de São Francisco da Cidade, junto à Francisco. Maqueta do Museu da Cidade, antes de 1755. antiga igreja dos Mártires. Maqueta do Museu da Cidade, antes de (Ilustração nossa, 2014) 1755. (Ilustração nossa, 2014)

Contudo em 1707 o convento é fortemente afectado por um violento incêndio, proveniente de um foguete que se introduziu pelo telhado a descoberto da igreja (Calado, 2000, p. 27), em obras. Um outro incêndio em 1741, de maiores dimensões, acabou por reduzir o convento a cinzas100. (Calado, 2000, p. 28).

Diz a autora que, na sequência de um levantamento feito após este último incêndio, chega-nos uma descrição do claustro, da Igreja e da Casa do Capítulo:

Na quadra nascente do claustro, encontravam-se as Capelas de Nossa Senhora a Formosa, a segunda da parede norte, a Capela da Via Sacra, a Capela de Nossa [Senhora] da Piedade. Havia ainda na Capela das Encimadas, Capítulo e cemitério antigo. No claustro de dentro, estava a quadra De Profundis e a quadra das Chagas, para onde dava a porta da Ordem Terceira; na quadra do Norte, ficava o cemitério da Confraria de S. Diogo. (Calado, 2000, p. 30)

Na descrição acima referida, podemos observar a importância mais uma vez do espaço claustral na vida monástica do Convento de São Francisco. Desse modo verificamos também, através da planta posterior a 1755 (Ilustração 64), que os claustros eram ajardinados, o que reforça a participação do claustro no rito monástico, que com o jardim ganha um maior significado.

100 Diz-nos Calado (2000, p. 29) que: “Graças ao empenhamento do rei D. João V, foi possível reconstruir de novo o Convento. Logo de início, enviou os seus arquitectos e engenheiros para analisarem a situação, fazerem um novo dormitório e reconstruírem o Convento. A primeira pedra para a construção do dormitório viria a ser lançada em 2 de Março de 1742, no pátio da Cisterna, sendo mestre da obra Custódio Vieira.”

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Ilustração 64 – Excerto da “Planta nº 2, Ilustração 65 – “Vista da Ribeira antes do Terramoto de 1755. Desenho à pena com Plano da Cidade de Lisboa baixa arruinada aguarela, de J. Na. Dos Reis Zuzarte, vendo-se claramente a igreja dos Mártires, a igreja […], Sebastião Poppe e José Domingos de S.Francisco e o edifício conventual […]”. (Calado, 2000, p. 31) Poppe [Séc. XVIII]”. (Teixeira, 1999, p. 307)

Numa descrição dos claustros do Convento de São Francisco, retirado do livro História dos Mosteiros, Conventos e Casa Religiosas de Lisboa101, lê-se:

No claustro descendo da Igreja se contam sinco capellas, que ainda, que foram feitas com custo, e boas pinturas, ào presente se acham com menos asseyo e ornato; todas teem dono, e carneyros pera sua sepultura. […] passaram tambem muytas pessoas de conta a llegar jazigo nos Claustros do Convento. E assim me parece se pode affrimar com verdade, que nam hà convento nesta cidade, que em sua Igreja e Claustros recolha mays sepulturas de noberza [nobreza] do que o convento de Sam Francisco: porque como ele seja o mays antigo, que hà de Religiosos, depoys de Sam Vicente, sò eles acompanhavam os defunctos, quasi todos os mays nobres, e honrados, se mandavam sepultar em sua Igreja e Claustros. […] Em hum lanço deste claustro, tem seo logar a casa do capitulo de uma communidade tam numerosa: e desta casa como tam grande se servem, e aproveytam os Irmãos da Terceira ordem pera sanctos, exercicios, e varias funções, especialmente pera aquellas que a ditta Terceira ordem costuma fazer na somma na Sancta.

A este claustro tinha a Ordem Terceira dois lanços pera sepultura dos seos defunctos. Agora porem lhe sam consedidos outros dois, pera o mesmo affeyto. E obrigados da liberalidade com que o convento os faz senhores de todos os quatro lanços do seo Claustro, pera as sepulturas de seos irmãos, tomaram eles à sua conta ornar o claustro, separando os tectos dos quatro lanços dele, que estavam pouco compostos, e sem asseyo de formosura; e tudo agora lhe crescerà, porque sobre os melhoramentos dos tectos, que tiveram os lanços, começaram tambem a cobrir de bom azulejo as paredes com tençam de melhorar os passos que no Claustro havia, acrescentando os que faltavam […].

101 “História dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa. Na qual se dá noticia da Fundação, e fundadores das instituições religiosas, igrejas, capelas e irmandades desta Cidade”. Escrito entre 1704 e 1708.

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Ao ditto Claustro, de qua acabamos de falar se segue outro tambem grande, no qual se acham outras sinco capellas, cujas paredes sam todas azulejadas, e os tectos ornados de pinturas. […]

Alèm dos dittos dous Claustros, hà ainda outro mays alto em sitio, porque fica no andar da Portaria que è o mays levantado do convento; e todo este Claustro è da Terceyra ordem pera sepultura dos irmãos della. Tem este Claustro seis capellas, duas dellas sam administradas pella Ordem Terceira, nas quaes se diz Missa todos os dias: huma se intitula de Sancto Christo, outra do Sanctuario, que o tem muy perfeyto […]. Hà mais um corredor comprido, no fim do qual fica uma capela intitulada da Senhora da Soledade […] e todo o corredor è azolejado, e pintado o tecto.

As oficinas deste grande Convento, e seos dormitòrios, posto que nam tenham aquelle ornato, e asseyo que hoje se vê em muytos dos conventos desta Cidade; […] tem porem ainda assim o convento habitaçam sufficiente pera mays de cem Religiosos […]. (Jesus e Pereira, 1946, p. 77-79)

Deste modo verificamos que o claustro não servia apenas para os rituais litúrgicos e oração, como também de sepulcrário, com capelas destinadas a cada figura religiosa. E apesar de na ordem franciscana não existir uma participação activa e muito focada no espírito interior com a consequente valorização do claustro, o mesmo adquire um sentido restrito e ao mesmo tempo de fruição pela cidade (controlado pelos monges).

Assim existe notoriamente esse lado mais privado, de reflexão e clausura, embora contrastante com a participação do dia-a-dia na vida urbana através do ensino, da caridade e da pregação religiosa, a que se dedicavam com maior frequência. Numa representação tridimensional feita pelo Museu da Cidade (Ilustração 66), permite-nos destrinçar de algum modo algumas questões sobre a estrutura do Convento de São Francisco da Cidade antes do terramoto (1755).

Ilustração 66 – Modelo tridimensional digital do aspecto que se prevê ser a constituição do Convento de São Francisco da Cidade, antes do terramoto de 1755. (Cidade, 2014)

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Ilustração 67 - Organização do Convento de São Francisco. A mancha o Ilustração 68 – Trecho da planta apresentada para a traçado do convento. ([adaptação a partir de] Cristino da Silva, 1973, p. 14) reconstrução da baixa arruinada pelo terramoto. (Cristino da Silva, 1973, p. 12)

Através das plantas (Ilustrações 67 e 68), verifica-se a possível organização do convento com a representação dos espaços mencionados nas descrições dos vários autores referenciados.

A azul a Igreja; a vermelho o claustro (numa cota abaixo do Largo, e que seria o principal) de que sobreviveu parte; a castanho um segundo claustro (à mesma cota do principal); a amarelo um terceiro claustro à cota da entrada do convento; e a verde o quarto claustro a uma cota superior (o actual pátio da Escola de Belas Artes), onde se encontra a cisterna (Ilustração 72).

Ainda a roxo (actual pátio do Governo Civil) e a cinza-escuro, um quarto e quinto claustro que existiria, mas que não revela qualquer vestigio. As designações A e B (Ilustrações 67, 69 e 70) são referentes às “[…] zonas que receberam as primeiras obras de adaptação” (Cristino da Silva, 1973, p. 14), pós-terramoto.

Ilustração 69 – Planta das construções da zona A, com o Ilustração 70 – Vista da zona B, no actual sítio do Museu do Chiado. barracão da Igreja, encostado à fachada actual do Largo. (Cristino da Silva, 1973, p. 26) (Cristino da Silva, 1973, p. 15)

Diogo Rafael Soares de Almeida 114 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

O modo de vida monástico no Convento de São Francisco da Cidade sofre uma mudança com o Terramoto de 1755, que devastou quase por completo o convento e parte da cidade de Lisboa.

O terramoto abateu totalmente o coro, a igreja, com a respectiva capela-mor, as varandas do claustro grande, junto da igreja e os seus arcos, que se conservaram na reedificação. (Calado, 2000, p. 32)

Contudo a destruição que a cidade sofreu foi em grande medida mais desastrosa que no próprio Convento de São Francisco, onde apenas foi atingido “[…] em cerca de 25% da sua resistente estrutura voltada a sul graças à grande espessura das suas paredes mestras e sólidas abóbodas […].” (Cristino da Silva, 1973, p. 13).

Da primitiva construção do convento só restou o lanço de “[…] um amplo claustro de traçado clássico [Ilustrações 73 e 74], localizado entre o convento e a devastada Igreja de S. Francisco […]” (Cristino da Silva, 1973, p. 18), abaixo do nível do actual Largo da Academia Nacional de Belas Artes. Também “[…] no mesmo piso se situava outro claustro, e no andar da portaria um terceiro […].” (Calado, 2000, p. 32).

Resistente à destruição foi também a cisterna, “[…] toda em pedra de cantaria, coberta por abóboda de berço” (Calado, 2000, p. 33), presente num outro claustro, no piso superior (hoje o pátio da Academia das Belas Artes). Outra parte que resistiu foi o Hospício da Terra Santa (futura Secretaria do Governo Civil).

Ilustração 71 – Vista do pátio do Governo Civil, antes de 1954. (Calado, 2000, p. 45) Ilustração 72 – Interior da Cisterna. (Calado, 2000, p. 33)

Diogo Rafael Soares de Almeida 115 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 73 – Planta e vista da parte do claustro que resistiu ao terramoto de 1755. Ilustração 74 – Vista do claustro. (Cristino da Silva, 1973, p. 18) (Ilustração nossa, 2014)

Nas sucessivas obras de reconstrução do convento, ou parte do que dele restava, vários espaços conventuais sofrem grandes modificações. Houve no mesmo sentido a vontade de reconstruir a igreja, que se reedificou com o projecto de Honorato José Correia (arquitecto da Real Obra da Agoa Livre) (Calado, 2000, p. 34). Contudo a igreja nunca foi concluída102, “[…] pelo que os serviços religiosos tinham lugar num velho barracão, que veio a ser demolido [Ilustração 69] para permitir a iluminação directa da sala de leitura da Biblioteca Pública de Lisboa […].” (Calado, 2000, p. 35).

Diz-nos Calado (2000, p. 34) que no início do séc. XIX (ano 1817) é criado nas dependências do convento um hospital regimental de tropas inglesas103, e que também funcionava a livraria “[…] na parte baixa do convento, que constituía o seu pavimento de pedra […]”. Ainda no antigo local da Igreja de S. Francisco foi construído um novo edifício, e reconstruído o Hospital da Ordem Terceira na Rua Serpa Pinto, datada de 1779 (Calado, 2000, p. 36).

Nesta altura ainda funcionava no Convento de São Francisco as actividades monásticas, dividindo-se entre o edifício religioso e uma outra parte com várias utilizações104. Este período marca a transformação do convento em espaço “vazio” que era utilizado para variados fins. Com a extinção das ordens religiosas, essa mudança

102 A igreja foi parcialmente demolida em 1839, “[…] tendo-se dali levado alguma cantaria e seis colunas jónicas aproveitadas para a fachada do Teatro Nacional D. Maria II […] e sendo outras utilizadas para o altar-mor da Igreja de S. Julião.” (Calado, 2000, p. 35). 103 A autora baseia-se num documento de 1827. No mesmo documento diz que esse hospital permanecia Convento de São Francisco ainda em 1832. 104 Esta realidade é citada pela autora do relatório de 1931 e 1941 da Venerável Ordem Terceira de S. Francisco da Cidade que, ao referir-se á livraria, diz: “é grande, e patente a quem dela procura utilizar-se, com interesse público, não podendo mudar-se para o antigo local, não só porque ele está servindo de Casa do Capítulo, mas também por os seus restantes quartos estarem ocupados pelos religiosos, depois de se lhes tirarem os seus últimos quartos para o Hospital”.

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lenta que vinha a ser feita, passou a rápida mudança105 (tal como aconteceu em todos os conventos da cidade).

Convento e transformação

Com a extinção das ordens religiosas em 1834106, a transformação que o convento sofre progressivamente acentua-se e adquire uma ocupação bastante distinta da vida monástica. As dependências do convento são ocupadas, repartindo o edifício em instituições públicas. Este cenário condiz com a necessidade que neste período se fazia sentir no país, numa população em crescimento constante. Assim acontecia um pouco em todos os conventos que foram extintos. Contudo o Convento de São Francisco não foi incluído em Fazendo Pública, ficando para usufruto do Estado.

Com a descrição de Júlio de Castilho verificamos a quantidade de espaços diferentes que o convento adquiriu, desde instituições, a escola, quartel, loja, oficinas, entre outras.

[…] sendo vasto o convento de S. Francisco da Cidade […], e tão vasto que no que dêle resta se alojam estabelecimentos e instituições importantes, como a Biblioteca Nacional, a Academia Real das Belas Artes com as sua aulas, secretaria, biblioteca, armazéns, galerias (…) e pátios, o Governo Civil com o seu jardim, a policia com as suas dependências, o Gimnásio Clube, as enormes propriedades dos srs. Iglésias, a Sociedade de Geografia, um ferrador, um armazém de marcenaria, uma tenda, uma loja de papel, três canteiros, várias cocheiras particulares e muitos prédios […]. (Castilho, 1937, p. 168)

As primeiras instituições a ocupar o convento foram a Biblioteca Nacional107, com “[…] 120 aposentos ou saletas, distribuídos ao longo de 14 corredores enormes em dois pavimentos […]” (Araújo, 1938, p. 25), e a Academia Real de Belas Artes108, ambas instaladas em 1836. Sobre a Academia, diz-nos Cristino da Silva109 (1973, p. 13) que

105 Diz-nos Calado (2000, p. 35) que “[…] a Igreja foi dada à Ordem Terceira de S. Francisco, conservando o culto por algum tempo.” 106 Após a extinção das ordens religiosas o Convento de São Francisco fica como depósito geral livreiro dos restantes conventos extintos. 107 “A Biblioteca Nacional, com o título de Biblioteca Pública da Corte, foi criada em 29 de Fevereiro de 1796, por D. Maria I, e aberta em 1798, ocupando parte do segundo pavimento do edifício do Terreiro do Paço, lado poente […]. O seu primeiro fundo foi o da livraria da Real Mesa Censória, recebendo sucessivamente livros de várias casas culturais, religiosas e palacianas, entre as quais a da Academia Real da História. Só em 1836 se instalou aqui, em S. Francisco, e então nela ingressaram as livrarias dos Conventos extintos em 1834 […].” (Araújo, 1938, p. 24). 108 A Academia Real de Belas Artes, foi instalada no convento em 1836 e em 1911 é convertida em Conselho de Arte e de Arqueologia. Contudo em 1932 é instituída de novo como Academia, agora Nacional de Belas Artes. 109 Luís Ribeiro C. Cristino da Silva (1896-1976), nasceu em Lisboa. Arquitecto e professor, foi uma das maiores referências da arquitectura portuguesa e um dos arquitectos que iniciaram a experimentação do movimento moderno em Portugal, num período marcado pelo Estado Novo (e “sua arquitectura”).

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“[…] instalou-se este organismo, da melhor forma que lhe foi possível, nas húmidas e sombrias dependências deixadas pelos franciscanos […].”

[…] que lhe permitiu ocupar a totalidade da superfície dos dois pavimentos inferiores do extinto convento, onde, pouco a pouco, foram sendo construídos, nos espaços livres existentes, os primeiros «ateliers» de pintura histórica e de paisagem, de escultura, aulas de estátua, de modelo vivo, de desenho e de gravura, além das galerias para as exposições trienais, dependências estas que na sua maioria ficaram instaladas na zona posterior do edifício, voltada para poente, confinando com a antiga Rua Nova dos Mártires, presentemente Rua Serpa Pinto. (Cristino da Silva, 1973, p. 14)

Em 1862, é aberta a Galeria Nacional de Pintura (substituida em 1911 pelo Museu de Arte Contemporânea110) no “[…] pavimento natural do casarão franciscano […].” (Araújo, 1938, p. 25). No ano de 1881 é criada a Escola de Belas Artes111 “[…] nos baixos do Convento, para os quais de desce por uma escada, à direita […]” (Araújo, 1938, p. 29). Em 1965 abandona o convento a Biblioteca Nacional.

A articulação interior dos seus quatro pavimentos era constituída, na quase totalidade, por uma infinidade de pequenas celas distribuídas segundo uma apertada malha modular, dispostas ao longo de extensas e húmidas galerias, onde a luz natural mal entrava. (Cristino da Silva, 1973, p. 13)

Nas plantas que Cristino da Silva (Ilustração 75) nos apresenta, verificamos a organização dos diferentes espaços ocupados em 1973. A amarelo o espaço pertencente ao Museu de Arte Contemporânea; a vermelho a Academia Nacional de Belas Artes; a azul-claro a Escola Superior de Belas Artes (estas três com acesso pela Porta da Academia112); e a azul-escuro o espaço pertencente ao Governo Civil. O pátio da cisterna (antigo claustro) é comum à Biblioteca e à Academia, quase como elemento distribuidor dos vários espaços (tal como acontecia com o claustro).

Diplomado pela Escola de Belas Artes de Lisboa em 1919, estudou em Paris entre 1920 e 1925, tendo sido professor na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, e vice-presidente da Academia Nacional de Belas Artes (na presidência de Raul Lino). Nas suas obras contam-se o Cineteatro Capitólio (1925-1931), o Pavilhão de Honra e de Lisboa da Exposição do Mundo Português (1940), o plano do conjunto urbano da Praça do Areeiro (1941-1960) e arquitecto-chefe do projecto da Cidade Universitária de Coimbra (1948). Recebeu o Prémio Valmor e o Prémio Municipal de Arquitectura em 1944. 110 “O Museu Nacional de Arte Contemporânea é um desdobramento (Maio de 1911) do Museu de Belas Artes, nas Janelas Verdes, onde ficou instalado o Museu Nacional de Arte Antiga. A porta do Museu, no corredor do pavimento da entrada do edifício – foi construída há uma vintena de anos pelo Mestre arquitecto José Luiz Monteiro […].” (Araújo, 1938, p. 25). Em 1991 sofre obras de remodelação passando a designar-se hoje Museu do Chiado. 111 A Escola de Belas Artes é criada em 1881, quando se separa da Academia, a qual estava agregada até então. Em 1950 passa a designar-se Escola Superior de Belas Artes e em 1992 assume o estatuto de Faculdade de Belas Artes, ficando agregada à Universidade Técnica de Lisboa. 112 A Porta da Academia de Belas Artes foi desenhada em 1910-20 por José Luiz Monteiro (1848-1942).

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Ilustração 75 - Organização dos diferentes espaços ocupados em 1973. (Cristino da Silva, 1973, p. 43)

Aqui nota-se o feitio conventual do edifício, expresso em corredores, claustros desfigurados em pátios cortados por barracões, e um «pátio da cisterna». (Araújo, 1938, p. 29)

Através das plantas de 1936 (Ilustrações 76 e 77) verificamos a estrutura que hoje nos chega do convento. A vermelho o claustro primitivo com a arcada ainda visível; a amarelo a cisterna que resistiu; a verde o pátio da cisterna (pátio comum no tempo de ocupação da Biblioteca e da Academia); e a azul o pátio do Governo Civil.

Ilustração 76 – Planta do 1º pavimento (abaixo da cota do Largo) e 2º pavimento (entrada), em 1936. ([adaptação a partir de] Pascoal e Teixeira, 2011)

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Ilustração 77 – Plantas do 3º e 4º pavimento, em 1936. A verde o pátio da cisterna e a azul o pátio do Governo Civil. ([adaptação a partir de] Pascoal e Teixeira, 2011)

No sentido da valorização do edificio e da melhoria das condições dos espaços, a Academia de Belas Artes promoveu várias obras e projectos113. Segundo Cristino da Silva (1973, p. 18), foram demolidas as antigas construções da zona A (Ilustração 69), e criada uma entrada principal “[…] formando um longo átrio no eixo das antigas galerias de acesso”. Foi também construido o muro junto à fachada para o Largo, tapando a parte arruinada do antigo claustro.

Ilustração 78 – Secção AB, onde se pode verificar a relação dos diferentes desníveis dos espaços interiores do convento. ([adaptação a partir de] Pascoal e Teixeira, 2011)

113 Em 1852 é apresentado um projecto para a fachada nascente (Anexo A), da autoria de João Pires da Fonte, professor de Arquitectura da Academia de Belas Artes, que não se realizou. Alguns anos depois, outro projecto (Anexo B) surgiu com a necessidade de criar a Sede da Academia, também não realizado. Sobre as obras de melhoria, diz-nos Cristino da Silva (1973, p. 19): “[…] foram tomados em consideração, não só a valorização da parte plástica de toda a zona nascente do edifício, criando um monumental frontispício de equilibradas proporções clássicas […], como, sobretudo, a localização de duas novas e importantes dependências – uma galeria de exposições e um amplo salão de leitura –, consideradas absolutamente indispensáveis para o regular funcionamento da Academia e da vizinha Biblioteca Pública, dependências estas que por se destinarem à admissão do público, foram dispostas em comunicação directa com a entrada principal destes estabelecimentos.”

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Ilustração 79 – Maqueta do Museu do Chiado. Vista da Rua de Serpa Pinto. (Portugal, 2014b)

Hoje encontramos instalados no Convento de São Francisco da Cidade, a Faculdade de Belas Artes, (na quase totalidade dos seus espaços) e do lado poente (Rua Serpa Pinto) o Museu do Chiado114 (Ilustração 79). Embora estes organismos não tenham acesso directo entre eles, sente-se a presença da memória do convento em cada espaço. Existem duas abordagens possíveis ao convento, deste modo tentaremos percorre-los.

Mas mesmo semi-destruído era ainda uma bela lição de arquitectura, uma das melhores que a Escola nos dava – o seu estímulo maior, compreendo agora, residia precisamente na sua autenticidade, mesmo numa certa decrepitude, marca da longa vivência que representava – era um edifício de origem muito remota, sujeito a sucessivas transformações e reconstruções e que antes de ser escola, fora convento, biblioteca e quartel. Aí funcionava a escola de arquitectura […] (Alves, 2004)

Convento e percurso

Chegando ao Largo da Academia de Belas Artes, deparamo-nos com uma espécie de “manta de retalhos”. Um muro “velho” encostado à fachada que apresenta um “toque” conventual (só pode ser aqui, pensamos nós). A porta surge com escala de cidade. Convida, e nós entramos. Um porteiro do lado direito acena com a cabeça. (Mais um pensará ele). Do lado esquerdo, alunos coabitam entre conversas e fumo de tabaco. Gargalhadas despreocupadas (em contraste com a ideia do silêncio conventual).

Subimos os primeiros degraus na espectativa. Chegámos ao patamar principal do convento. Um caixa de escadas, pensamos nós. Mas destas já não se fazem, são “à antiga”! Dois lanços que sobem, aquele outro que desce. Dúvida, subir ou descer, eis a questão. Em frente um longo corredor. Lá ao fundo uma porta, e que bela porta!

114 Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado surge no espaço do antigo Museu de Arte Contemporânea (1911), que sofreu danos com o incêndio do chiado em 1988, após reabilitação entre 1991 e 1994 segundo o projecto do arquitecto Jean Michel Wilmotte.

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Contudo a dúvida desvanece rapidamente, uma luz irrompe pelas janelas dos patamares a meia altura, nos lanços que sobem. Adornam o caminho. São de uma luz amarela, reflectida no rodapé de azulejo que nos chega à cintura. Castanho e amarelo, num olhar mais atento. Convidativo porém, espreitamos uma outra luz, mais ténue. Escondida, como que receosa. Ouvem-se murmúrios ao fundo.

Ao contornar, um amarelo vivo que ofusca, vindo de fora. É o pátio, um antigo claustro. “[…] grande vazio cúbico aberto na massa da construção […]” (Alves, 2004), diz um professor. Paredes de um amarelo vivo. Uma arcada de três vãos ao fundo. De lá, um som do exercício culinário. É a cantina! A arcada (da autoria de Custódio Vieira sabemos nós), remete-nos para a ideia de claustro. É a memória trabalhada! Desenhada na fachada, uma sombra fria, austera. Desce a parede em direcção ao pavimento. Este cor de tijolo, vivo, porém gasto. É a energia que mantém a matéria viva perante a insistência do tempo.

Dois elementos de pedra saem do chão. Têm formas elementares, uma circular outra rectangular. Um olhar curioso para dentro apercebe-se facilmente da cisterna. “[…] espécie de ventre pétreo de baleia, mergulhada no interior da terra.” (Alves, 2004). O amarelo das paredes, chama-nos constantemente (ou não seria o amarelo a cor da “atracção do olhar”). O ritmo dos vãos, pequenos, recorda uma prisão, (dos filmes é claro), mas também porque o convento não é mais que uma “prisão”, do pecado exterior.

Ilustração 80 – Sequência espacial um. Entrada no convento e no pátio. (Ilustração nossa, 2014)

Voltamos para dentro pela mesma porta. Do lado esquerdo um lanço de escada que nos leva às profundezas do convento. De lá ecoam sons de serras eléctricas, martelos e outros sons de trabalhos manuais. Descemos curiosos. Lá em baixo um pé-direito com escala de “gigante”, lugar húmido com cheiro de bafio. Do lado esquerdo uma

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gravura belíssima. Desconhecida, como outras tantas que pejam o convento. Por trás de uma outra porta, martelos que castigam uma pedra, serras que separam dois lados de uma madeira. É o producto da “natureza” trabalhada pelo Homem.

Uma brecha na porta revela aquilo que só pode ser visto. Artistas, ainda na sua inquietude de vida. Questões trabalhadas no gesso e nas estruturas estranhas metálicas que parecem ganhar vida própria. Como pano de fundo a revelação daquilo que parece ser um claustro, ou parte dele (que sobreviveu para contar a história aos curiosos destas coisas). Tectos abobadados, bastante mal tratados. Tubagens! Paredes descascadas! É o que acontece quando o tempo tem ajuda do esquecimento.

Subimos novamente pela mesma escada, de pedra gasta. A curva arriada no meio do degrau revela quase como um polígrafo o sítio exacto dos passos. O corrimão, também de pedra, frio, macerado, aconchega a mão como que feito para nós próprios. Em frente uma abertura rasgada na horizontal abre-se ao exterior. Luz, novamente!

Já na entrada, mais uma vez, avançamos para o lado direito (como quem vem da entrada). Uma galeria com tecto abobadado. Percorremos, guardados por um exército (pequeno) de estatuária, pendurada na parede. De repente, paramos de súbito. A porta que vimos anteriormente esta agora de frente. Nada à sua volta nos distrai. Apenas encimada por uma inscrição: “Academia Nacional de Belas Artes”, (sabemos nós de antemão que o desenho é do Mestre José Luiz Monteiro).

Do lado direito um corredor profundo, que se perde na penumbra do fim. Avançamos, no sentido oposto. De frente uma luz intensa, cega por segundos. Uma porta revela a saída para um pátio. Ao sair, a ideia de pátio é transformada na realidade de um terraço.

A pedra do pavimento revela um outro tempo. Bastante crua e lascada, rude para um pé descalço. A superfície irregular de Lioz (pedra de Lisboa dizia em tempos um professor), nada condiz com um amarelo bastante vivo, quase chocante. Contudo não importa aqui as “decorações”, mas sim a verdade construída. A “placa” de pedra eleva-se por cima da galeria do antigo claustro (que resistiu).

Voltamos novamente para dentro, agora com outra motivação. Uma escada com desenho curioso apresenta-se do lado esquerdo. É oval. Dupla axialidade. Barroco! Um escadório bastante suave, mas escuro, sem grandes aberturas, que gira em torno

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de um núcleo fechado (aproveitado para elevadores). No interior não se “sente” a dupla axialidade, mas os passos acentuam-se no eixo maior e retraem-se no menor (algo que só experimentado várias vezes se apercebe).

No fim, novamente a escala “gigante” (como se não fosse para humanos, mas sim para deuses). Altos tectos abobadados. Esquecidos. Paredes descascadas, riscadas. Estátuas amontoadas na esperança de dias melhores, como que cada rosto transmitisse algo. Da esquerda uma luz intensa, e um som de máquina de café. Não condiz mais uma vez. (Os vários tempos misturados). Ao apercebermo-nos do espaço onde estamos, faz sentido o desgaste. O claustro sobrevivente revela-se.

A escala é bastante acentuada pelo restrito espaço do pátio (que seria um pátio claustral, com jardim, de dimensões maiores). Dois ciprestes apresentam-se num eixo central do pátio (é curiosa a relação do cipreste com a morte, e no entanto este tramo do claustro sobreviveu). Das arcadas, tapadas com vidro, saí um ou outro aluno. É uma sala de trabalhos manuais (o barulho das serras e das marteladas). Os pilares espessos das arcadas fazem o dobro da dimensão humana, tanto em espessura como em altura.

O espaço em que o silêncio reinava outrora, é agora cheio de vida. Sons profundos ecoam na altura dos tectos. As pedras aguentam mais um tempo, mais uma geração, de tantas transformações a que o convento se habituou. No claustro sente-se a frescura, pela sombra e pela barreira que a massa permite. Uma rampa ferrugenta, no pátio, desafia o claustro. Nada tem a ver. Sem sentido, contudo era necessário criar um acesso. No patamar de cima, mais salas. Atulhadas de pequenos artefactos académicos. Descemos. Saímos do claustro, e continuamos no interior.

Ilustração 81 – Sequência espacial dois. Chegada ao terraço e descida ao claustro antigo. (Ilustração nossa, 2014)

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Subimos novamente a “caixa de escada”, barroca. São degraus e degraus, pontuados por patamares que acedem aos pavimentos do convento. Saímos no último patamar como que a querer descobrir o fim. Contudo, somos arrebatados mais uma vez pela luz, agora cortante, rasgada na parede do lado direito. Um vão, desenhado no pavimento pela sombra. Do outro lado, um longo corredor que se perde lá no fundo (uma luz ao fundo do túnel, para quem tem entregas). Uma experiência fantástica!

Um longo corredor ritmado pela presença pontual da luz, proveniente dos vários vãos abertos ao exterior (do lado esquerdo). Do lado direito, baixas portas compostas por dois momentos, a porta propriamente dita e uma pequena “janela” a encimá-la. Divididas apenas por uma espécie de verga, em pedra como os contornos da porta. (tão baixas, que alguém se lembrou de cortar a verga em algumas). São as antigas celas!

Os vãos do lado esquerdo abrem-se à cidade. São como que pequenos quadros suspensos (cada um com o seu tema, dependendo do olhar e da sensibilidade de cada Homem). Lá ao fundo em tempos, estaria o azul cristalino do Tejo, perdendo-se no oceano. Sem ponte (uma modernice), sem casario a perder de vista. Estaria sim pejado o rio de velas e barcaças, amontoadas no estaleiro (hoje a Ribeira das Naus). Estaríamos na “Pedreira”, no cimo do monte fragoso como era designado (lembramo- nos).

Ilustração 82 – Sequência espacial três. Chegada ao último pavimento. (Ilustração nossa, 2014)

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Percorremos o corredor, vãos de janela do lado esquerdo, “celas” do lado direito. Paramos! Agora existe porta de um lado e do outro. Diferente do até aqui encontrado. Chegámos ao eixo transversal da ala conventual! O vão de janela que estaria aqui, é um vão de porta. Uma tela maior. Marca o eixo do claustro. A abertura chega-nos aos pés. A sensação de libertação apodera-se por momentos.

Sente-se o calor do exterior, ainda que no interior esteja ameno (quase frio). São grossas as paredes. Têm quase um metro de espessura! Incrível, mesmo no último pavimento. A subtracção de matéria que tanto se falava nas aulas, está aqui presente. (imaginamos as aulas de arquitectura que se dariam aqui. Outros tiveram-nas, e boas115!). Continuamos.

Deste mesmo corredor ecoam sons variados, que reflectem nos tectos abobadados, numa síntese sonora. Conversas, gargalhadas. Preocupações de alguém que corre com uma pasta na mão, e grita “já venho”. O som fica mais nítido, à media que nos aproxima-mos do cruzamento de corredores. É quase como uma rua. Não sabemos quem vem do lado direito ou esquerdo. Vários encontrões já se deram aqui. É a correria do tempo, cada vez mais curto. Nada do que se viveria em tempos de clausura. Do exterior nada se ouve. É a clausura de outros tempos, que nos chega da memória “imaginada”.

No cruzamento à direita, uma porta da “cela” aberta. A luz do pátio da cisterna entra- nos na retícula ocular. Ofusca por momentos. Lá em baixo, conversas que chegam ténues. É a reverberação no interior do pátio que faz “subir” o som. Um professor discute na sala com um aluno sobre desenho. Ensinamento de outros tempos. Continuamos.

Ao continuar em frente, uma outra “caixa de escada”, quadrangular, desta vez mais modesta, fechada, sombria. Paredes caiadas, muito mal tratadas. Descemos. Degraus gastos, cheiro de bafio. Uma abertura algo retraída, pequena. Espreitamos. Daqui vê- se o antigo volume circular das latrinas. Cor vermelho, quase ocre. Chegamos ao patamar do segundo pavimento. Bastante idêntico ao terceiro. Corredores, “celas”, cheiro de uma mistura qualquer de vinil.

115 Como nos refere Rui Alves (2004), professor da Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa na citação acima transcrita.

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Algumas mesas de trabalho dispostas no corredor permitem aos alunos trabalhar. Computadores ligados (já não se desenha no papel, é uma pena). Entre dentes diz-se mal de um professor, sussurros e gargalhadas. Esta zona do convento é escura. Não é de admirar, ao olhar a planta de segurança verificamos que nos encontramos num corredor com “celas” de um lado e de outro. Bastante diferente das restantes, não existe luz directa.

Ao fundo do corredor, novamente uma luz que invade o espaço. Recorta a parede e o pavimento. Um outro vão de janela. O exterior apresenta um amontoado de pátios e varandins, das habitações contiguas. Vários pássaros voam livres de folha em folha. Chilros que ecoam através do vazio. Uma escada de ferro bastante bem desenhada, entre as ramificações de uns quantos arbustos, que crescem apenas com a sua própria vontade. Continuamos à direita pelo corredor. Ao fundo, um outro vão. Luz!

Ao fundo novamente à direita, encontramos a “caixa de escada” da entrada (dos azulejos amarelos e castanhos). Deste pavimento verificamos que os vãos abertos para o escadório estão à cota que nos encontramos (as relações visuais, vêm à memória). Descemos ao primeiro patamar entre os lanços, e a relação desaparece, até reaparecer no pavimento inferior.

Curiosa é também a diferente vivência dos dois lanços simétricos da escadaria. Do lado virado ao pátio, a norte, a luz que entra algo tímida, sem grandes recortes de sombra. Do lado virado a sul, em quase oposição, encontramos uma luz com bastante presença. Reflectida pelo vidrado dos azulejos, cria uma tonalidade amarelada nas paredes.

Os degraus sobressaem em linhas carregadas. Apresentam as marcas do tempo, corroídos aqui e ali. A pedra Lioz tem essa mágica corrosão, como se fosse uma massa de remendos. Degrada-se aos bocados, um após outro. Degradação que, tal como o Convento de São Fransciso da Cidade, mantém aqui e ali a memória dos vários períodos de transformação.

À saída fica a sensação de que poderia ser feito algo na tentativa de realçar a presença do convento. Porém o seu corpo permanece, ano após ano, desde os tempos em que deste mesmo sítio do Largo da Academia Nacional de Belas Artes se deslumbrava a cidade cercada pela primitiva cerca moura, crescendo e avançando para poente, até ser magnificamente cozida ao Convento de São Francisco.

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Ilustração 83 – Sobreposição do primitivo Convento de São Francisco da Cidade sobre malha urbana actual. (Ilustração nossa, 2014)

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3.2. MEMÓRIA E CONVENTO DAS BERNARDAS DO MOCAMBO

Ilustração 84 – Trecho da cidade de Lisboa, apresentando a círculo vermelho a localização do Convento das Bernardas do Mocambo. ([adaptação a partir de] Google Maps, 2014)

O Convento das Bernardas do Mocambo (também Abadia de Nossa Senhora da Nazaré do Mocambo ou Real Mosteiro da Nossa Senhora da Nazaré do Mocambo), situa-se na zona ocidental de Lisboa, no antigo Bairro do Mocambo que, tal como sugere o nome, compreendia o núcleo e ponto central da população africana na “cidade”, e que corresponde à encosta que desce da Lapa a Santos, no hoje designado Bairro da Madragoa.

Este bairro, “[…] um dos vários povoados piscatórios que, a partir do séc. XVI, desde as portas de Stª Catarina até Alcântara, foram integrados numa via ribeirinha de expansão da cidade medieval para oeste […]” (Almeida, 2000, p. 116), “[…] junto de um velho caminho de saída para oeste, na envolvente de um antigo santuário cristão datável dos séculos IV a VI […]”116 (Matos. J.L., 1996, p. 4).

Acabou por ser desenvolvido em redor de vários conventos “[…] cujas cercas quase se tocavam e que, conjuntamente com as grandes casas senhoriais, definiam e ordenavam o perímetro urbano.” (Almeida, 2000, p. 116)

Os mosteiros definiam o perímetro urbano e era à sua volta, e muitas vezes sob a sua égide, que crescia a cidade. Entre meados do século XVI e finais do seguinte, a Esperança, São Bento, as Francesinhas, as Inglesinhas do Quelhas, as Bernardas, os Marianos e os discípulos de São joão de Deus marcaram a imagem definitiva da

116 “Perto do santuário paleo-cristão existiu certamente um povoado tardo-romano (séc. IV a VI), com ocupação posterior na época árabe […].” (Luís de Matos, 1999, p. 5)

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estrutura do local, ora [condicionando] a malha urbana, ora adaptando-se a ela com alguma habilidade, como é o caso deste convento das Bernardas, perfeitamente encaixado na ortogonalidade empírica do bairro do Mocambo, ou Madragoa. (Matos, J.S., 1996, p. 3)

Diz-nos José Silva Carvalho117 (1997, p. 35) que, “[…] a relação do Mocambo com o rio era fácil e directa, vivendo parte importante dos seus habitantes de tarefas a ela ligadas”. Esta afirmação do autor, permite-nos uma breve ideia de como seria então o antigo bairro do Mocambo, uma azáfama de embarcações e de gentes que se amontoavam para o comércio de produtos, ou mesmo para os actos religiosos que se espalhavam um pouco pelas inúmeras igrejas que existiam (um pouco o que acontecia no centro da cidade propriamente dita, ainda que, numa dimensão menor).

A vasta zona ocidental de Lisboa conheceu uma activa urbanização ao longo dos séculos XVI e XVII. Nesse processo tiveram especial intervenção as ordens religiosas, pois esse espaço largo ao longo do rio foi o território de eleição para a construção das novas casas, impostas por uma estrutura social de contornos muito próprios. (Matos, J.S., 1996, p. 3)

Uma movimentada zona periférica da cidade que, “[…] com a entrada do século XVIII, adensa-se e desenvolve-se, [...] no preenchimento da malha já apontada no século anterior” (Carvalho, 1997, p. 116), e que para esse desenvolvimento muito contribuiu o “[…] eixo ordenador a sul da malha reticulada do Mocambo […]” (Carvalho, 1997, p. 116), uma velha estrada denominada da Esperança (actual Rua da Esperança), que estabelecia a ligação a ocidente a partir da cidade murada.

A cidade pós-medieval (séc. XV a XVIII), desenvolve-se à beira rio, estruturando-se nesta zona ocidental junto da “via de Horta Havia”. Trata-se de um percurso que constituiu matriz urbana fundamental ligando as Portas de Santa Catarina (no Chiado) aos povoados de pescadores da Bica e do Mocambo (Madragoa), ao velho santuário Paleo-Cristão e ao Palácio Real de Santos, terminado no povoado de pescadores de Alcântara. (Matos. J.L., 1996, p. 4)

117 José Silva Carvalho ( - ), nasceu em Lisboa, Portugal. “Arquitecto de profissão, como projectista e autor de publicações e comunicações várias tem-se dedicado particularmente à requalificação do património edificado. Tendo nascido, vivido e trabalhado na área da Estrela, Lapa e Madragoa, no sector da reabilitação urbana do Município de Lisboa formou e coordenou entre 1991 e 1997 o gabinete da Madragoa.” É também Chefe de Divisão do Gabinete Local da Madragoa e S. Paulo, da Direcção Municipal de Reabilitação Urbana, da Câmara Municipal de Lisboa. Na sua obra “Madragoa: sons e arquitecturas”, “associa […] o carácter único dos sons e das arquitecturas, entre uma alma bairrista e um passado que lhe deu forma e substância, fazendo coincidir a evolução histórica e urbanística com a evolução de um gosto e de uma sensibilidade muito próprias” (Carvalho, 1997)

Diogo Rafael Soares de Almeida 130 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 85 – Bairro do Mocambo, com o Convento das Ilustração 86 – Convento das Bernardas, no eixo central do Bernardas. Maqueta do Museu da Cidade, antes de 1755. terreiro. Maqueta do Museu da Cidade, antes de 1755. (Ilustração (Ilustração nossa, 2014) nossa, 2014)

“Empregou-se na urbanização um sistema de quadriculagem hipodâmica de que restam marcas evidentes, acentuada e completada pela re-urbanização pombalina pós-terramoto.” (Matos. J.L., 1996, p. 5).

O caso da Madragoa, desenvolvida em redor do complexo quadrangular do Convento das Bernardas, é bem o exemplo disto, com a sua malha urbana em quadriculagem que rompe com a tradição medieval e antecede de um século a afirmação deste tipo de urbanismo na época pombalina. (Almeida, 2000, p. 116)

A sua localização muito perto do rio Tejo constituía, à data de construção do convento, o limite ribeirinho da cidade de Lisboa ainda antes das alterações feitas pelo aterro que começou no séc. XIV, que consolidou uma zona de areal mal qualificada, e posteriormente pelo aterro da Boavista118 no séc. XIX, que configurou a frente ribeirinha, em consequência da construção do porto de Lisboa e da linha ferroviária, e que ainda hoje consiste na artéria principal de ligação nascente-poente, junto ao rio.

Afastado consideravelmente dos limites da cidade propriamente dita, delimitada na época pela cerca Fernandina, ergue-se o convento, ainda na sua primitiva construção,

118 O Aterro da Boavista constituiu uma das obras públicas de grande impacto na cidade de Lisboa. Iniciado em 1855, teve como motivação a ligação do Caís do Sodré a Alcântara através da actual Avenida 24 de Julho, e para isso foi necessário criar um aterro em toda aquela zona de enseada, conquistando assim terreno ao rio Tejo. A enseada foi em tempos de atracação de embarcações, delimitada por um caminho à beira-rio, actualmente a Rua da Boavista, iniciando-se na Praça de São Paulo, onde terminava a reconstrução Pombalina, até à actual Rua do Cais do Tojo, seguindo depois para ocidente pela Calçada Marquês de Abrantes. Até ao princípio do séc. XIX, as descrições da Boavista referem a sua insalubridade causada pela acumulação, na frente de rio, de lodos e detritos urbanos. A sucessão de epidemias que grassavam nesta área terá sido um dos motivos para esta grande obra. Numa planta de 1850 surge já a zona completamente aterrada, resultado da legalização das ocupações do rio a que a Câmara procedeu. A regularização da frente sobre o rio e formação do Aterro (Rua 24 de Julho) iniciou-se em 1858 e prolongou-se por vários anos. A Praça D. Luís I foi aberta em 1862. Veio a ser ajardinada, reservando espaço a nascente para um mercado, o actual Mercado da Ribeira, projectado em 1870 pelo Engº Frederico Ressano Garcia. No final do século XX, iniciou-se o aterro para a construção do caminho- de-ferro, a que se seguiu um outro, para a construção do porto.

Diogo Rafael Soares de Almeida 131 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

em 1653, que juntamente com outros edifícios religiosos, promoviam o retiro espiritual para freiras e frades que escolhiam o caminho de devoção religiosa.

Ilustração 87 – Excerto da “Carta Topográfica da Cidade de Ilustração 88 – Excerto das cartas nº41 e nº49 do “Atlas da Lisboa […]” de 1808, por Duarte José Fava. A tinta escura estão Carta Topográfica de Lisboa”, por Filipe Folque entre 1856-1858. representados os conventos existentes. (Fava, 1808-) ([adaptação a partir de] Folque, 2000)

O convento foi fundado sobre a Ordem de Císter119, segundo as premissas de S. Bernardo de Claraval, e sob invocação de Nossa Senhora da Nazaré. A sua primitiva construção, inicialmente como recolhimento de mulheres penitentes (que não tinham ainda nenhuma invocação religiosa), data de 1653, sob permissão régia de D. João IV120.

Surge assim uma construção improvisada, “[…] funcionando em casa ou casas que, com os respectivos páteos ou jardins, terão ocupado sensivelmente o espaço do edifício actual […]” (Matos, J.L., 1996, p. 5).

Provavelmente essas casas localizar-se-iam junto da rua da Esperança, na faixa de terreno onde se construiu depois, uma estranha Igreja levantada sobre uma estrutura arquitectónica de suporte, o escadório barroco, e, no canto sudeste entre a rua da Esperança e a Calçada do Castelo Picão um conjunto de estruturas cuja configuração

119 “Implantada em Portugal desde meados do século XII, a Ordem de Cister acompanhou a formação do território e a afirmação política da primeira dinastia. Estendendo progressivamente os seus mosteiros nas regiões centro e norte, graças à especial protecção régia, os monges brancos contribuíram de forma decisiva para a colonização e desenvolvimento das vastas áreas que ocuparam aplicando técnicas agrícolas inovadoras e intensivas e, sobretudo, uma grande disciplina de organização do espaço.” (Portugal, 2014c). 120 D. João IV, “O Restaurador” (1604-1656), rei português entre 1640 e 1656.

Diogo Rafael Soares de Almeida 132 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

interior e exterior não é consensual com todo o resto do edificado. (Matos, J.L., 1996, p. 5)

A construção do convento é feito num ritmo lento e à medida que novas devotas vinham integrar a vida comunitária e contribuindo com os seus bens para a edificação121. Assim surge “[…] pouco a pouco, durante alguns anos (máximo de cinquenta) o edifício actual” (Matos, J.L., 1999, p. 5), fechando a clausura em 1655. Ainda no séc. XVII é construída a Igreja, segundo o plano do mestre João Antunes122.

Numa descrição de 1706, o Convento era composto de uma vasta Igreja a que se tinha acesso por escadaria, um coro com 57 cadeiras, uma vasta Sala do Capítulo com trabalhos em talha e seis grandes dormitórios, todos com altos lambrins de azulejos e celas também decoradas com azulejos. (Vale e Gomes, 1993)

A pobreza se observa com grande perfeyçam, porque na cella nam ha mays que huma barra com humas taboas de pao, e em cima hum enxergam de palha, mantas d’estamenha, huma cruz de pao sancto, huma pia de agua benta de barro vidrado, hum escabelo de madeyra tosca, alguns livros spirituaes e huns instrumentos da penitencia, e este he todo o movel da cella. (Jesus e Pereira, 1946, p. 446)

Presume-se que no período ante-terramoto se tenha optado por construir o edifício novo na plataforma superior organizando-se nesse momento uma solução arquitectónica de continuidade, de menor solidez, para reunir os antigos espaços habitados ao edificado mais recentemente. (Matos, J.L., 1996, p. 6)

121 “[…] crescendo o numero das que requere o statuto a que deram occasiam as obras do convento que, como nam teve padroeyro nem renda que suprisse as despezas necessarias, foy preciso valer dos dotes das Religiosas pera continuar as obras, que ainda que se nam acham ao presente [1706] de todo acabadas he já pouco o que lhe falta […].” (Jesus e Pereira, 1946, p. 446) 122 João Antunes (1643-1712), nasceu em Lisboa, Portugal. “Arquitecto Régio de D.Pedro II e de D.João V, é uma das figuras mais marcantes da Arte portuguesa do Barroco.” Discípulo do padre Francisco Tinoco da Silva, inicia-se na actividade em cerca de 1681, frequentando a Aula do Paço da Ribeira com o mestre Filipe Terzi. Superintendente de pedreiro e carpinteiro, vai acumulando vários cargos de nome como, arquitecto das Ordens Militares a partir de 1697, arquitecto Régio, nas obras do Paço da Ribeira (por morte de Francisco Tinoco) a partir de 1699, e finalmente arquitecto da Casa da Rainha. (Infopédia) A sua obra é executada em grande parte pela influência barroca, e dos “modelos italianizados”, que de um modo peculiar reinventa-a, “com uma competência que se estendia, do risco de arquitectura, às traças de retábulos, lavabos, púlpitos e mobiliário litúrgico, à traça de palácios, casas civis e arquitecturas efémeras, e ao desenho das entarsias, os característicos embutidos marmóreos. Com a sua obra de génio, a construção portuguesa evolucionou os tradicionais modelos «estilo chão» para um figurino de gosto internacional.” Entre essas obras está a finalização da Igreja de Santa Engrácia (a partir de 1690 até à sua morte), começada por João Nunes Tinoco em 1682 (inacabada e terminada só em 1966, com a construção da cúpula), actual Panteão Nacional. O outro exemplo é a Igreja do Bom Jesus da Cruz , em Barcelos, (1701-1705). Ambas as obras denotam a preocupação de três questões fundamentais do Barroco, a planta em cruz grega (ao invés da cruz latina), sem tradição em Portugal, a verticalidade do espaço, e a estratégica posição topográfica do “objecto” (ambas em pontos altos, onde se possam ver de longe). Obras como, o túmulo da Princesa Santa Joana (sito no Convento de Jesus, em Aveiro), o Paço da Bemposta (mandado edificar no início do séc. XVIII, em Lisboa), juntamente com “tantas outras obras relevantes na transição do século XVII para o XVIII”, fizeram com que João Antunes fosse “reconhecido do seu tempo como «arquitecto famoso» […]”. (Portugal, 2014d).

Diogo Rafael Soares de Almeida 133 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 89 – Esquisso da Igreja de “N. Ilustração 90 – Fachada do Mosteiro de Nossa Senhora da Nazaré do Mocambo. (Vale S. Da Nazaréth”, por A. Pedroso. (Vale e e Gomes, 1993) Gomes, 1993)

O convento é quase destruído por completo pelo terramoto de 1755, onde só restou a parte que dá para a Rua Vicente Borga, sendo reconstruído a partir de 1758123 segundo projecto do arquitecto italiano Giacomo Azzolini124 (Ilustração 90), chegado de Bolonha em 1752 (Vale e Gomes, 1993). “Após o terramoto foi certamente reconstruído ao modo antigo o escadório barroco, remodelada a Igreja e as áreas de edificação contíguas à fachada” (Matos, J.L., 1996, p. 6), sendo apenas acrescentada alguma azulejaria pós-pombalina.

Conserva-se o claustro e a sua envolvente quase intactos, a estrutura das paredes (quase cegas) do exterior do edifício, os escadórios interiores, os corredores das celas, as cozinhas, parte da portaria, já que as reconstruções pós-terramoto não alteraram substancialmente a configuração dos espaços, nomeadamente o da Igreja pós- tridentina não assente sobre o solo natural. […] (Matos, J.L., 1996, p. 6)

Após a extinção das ordens religiosas125 em 1834, e seguido de vários arrendamentos é adquirido em 1955 e transformado em Colégio. Durante algum tempo vai passar por

123 Durante este período de ruínas até à reconstrução, as religiosas mudam-se para o vizinho (hoje desaparecido) Convento da Esperança, e em 1786 regressam ao Mocambo, apesar de a igreja ainda não estar concluída. 124 Giacomo Azzolini (1717-1786/87), arquitecto, pintor e cenógrafo italiano. Assistente e sucessor de Giovanni Carlo Bibiena (autor do projecto da Ópera do Tejo, destruída pelo terramoto de 1755). 125 A extinção das ordens religiosas, em 1834, teve antecedentes no século anterior. Com o alvará de 3 de Setembro, o Marquês de Pombal expulsara os jesuítas e incorporara os bens na Fazenda Nacional. Expulsão confirmada por alvará de 1 de abril de 1815. Autorizados a regressar ao país no reinado de D. Miguel e instalados em Coimbra, em 1832, no Colégio das Artes, foram novamente expulsos (decreto de 24 de Maio de 1834) logo que se completou a vitória liberal em todo o país. Os ataques ao poderio e à influência clerical, em particular das ordens regulares, vinham de longe mas foi em 1834, dias depois da Convenção de Évora Monte, que a decisão foi tomada. O ministro da justiça, Joaquim António de Aguiar, redigia o decreto que lhe valeu o nome de «matafrades». Na parte dispositiva, o decreto (cuja verdadeira data é 30 de Maio de 1834, embora aparecesse datado de 28) determinava a imediata extinção de todas as casas religiosas (art.1) e a incorporação dos seus bens na Fazenda Nacional (art.2), à excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos ordinários das dioceses (art.3).

Diogo Rafael Soares de Almeida 134 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

várias utilizações entre as quais o Liceu Politécnico Particular (Vale e Gomes, 1993). As várias transformações126, entre os séculos XIX e XX, vêm modificar em grande escala o edifício original, acabando por ser posteriormente ocupado com habitações de génese ilegal que o modificam o claustro de modo significativo.

[…] em suma, canibalização e destruição dos antigos espaços, estão relacionados com a adaptação do edifício a usos de habitação e comércio, quase sempre de cariz precário e utilizando geralmente materiais de fácil remoção. (Matos, J.L., 1996, p. 6)

É neste cenário de transformações constantes, que a 20 de Março de 1980 é enviado um despacho do Secretário de Estado da Cultura127 que aprova o estabelecimento de uma Zona Especial de Protecção, salvaguardando-o como Imóvel de Interesse Público128, constituindo assim a primeira consciência de preservação do conjunto.

Ilustração 91 – “Vista aérea do Convento das Bernardas e de Ilustração 92 – Ortofotomapa do Bairro da Madragoa actualmente. parte do denso tecido urbano da Madragoa antiga. ([adaptação a ([adaptação a partir de] Google Maps, 2014) partir de] Carvalho, 1997, p. 38)

Embora não tenhamos informação iconográfica do convento construído na sua origem, conseguimos de algum modo observar que se trata de um exemplo de uma construção monástica cisterciense, austera e depurada, que nos permite identificar os seus elementos principais e a sua relação com a malha urbana.

126 Já em 1924 a igreja é transformada em sala de espectáculos, funcionando ai o Cine-Esperança, e finalmente a “[…] 20 de Março de 1980 é assinado o despacho pela Secretaria de Estado da Cultura, que aprova o estabelecimento da Zona Especial de Protecção” (Vale e Gomes, 1993) que protege a área do convento. 127 Secretaria de Estado da Cultura, presidida à data de 1980, por Vasco Polido Valente. 128 Imóvel de Interesse Público, Decreto n.º 2/96, DR, 1.ª série-B, n.º 56 de 06 Março 1996 / ZEP, Portaria nº 512/98, DR n.º 183 de 10 Agosto 1998 *1. “O presente diploma procede, assim, à classificação de um grande número de imóveis, aos quais foi reconhecido relevante interesse arquitectónico, no âmbito de um processo que envolveu as autarquias em causa.” (Decreto nº2/96, de 6 de Março, p.448). Discutido na Presidência do Concelho de Ministros, a 1 de Fevereiro de 1996, composto por, António Guterres, João Cravinho e Manuel Maria Carrilho. Assinado em 15 de Fevereiro de 1996, pelo então Presidente da República, Mário Soares, e referendado em 16 de Fevereiro de 1996, pelo então Primeiro-Ministro, António Guterres.

Diogo Rafael Soares de Almeida 135 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Sabe-se que, desde a origem, a ordem de Cister se distinguiu por um escrúpulo de austeridade levado até ao extremo e que não poupou a arquitectura. Essa austeridade foi acentuada por S. Bernardo a quem se atribui uma planta considerada até estes derradeiros tempos a planta cisterciense por excelência. (Cocheril, 1959, p. 22)

No sentido morfológico do Bairro da Madragoa, o convento age como polo aglutinador de uma malha urbana (Ilustrações 91 e 92), ainda que apontada anteriormente, que se define já com a sua construção. Um ponto nevrálgico na vida quotidiana na cidade que, se por um lado é fechado ao exterior, por outro participa no quotidiano da cidade, promovendo atractividade aos cristãos que se reúnem em torno da igreja.

A sua implantação entre a Rua da Esperança (acesso principal ao convento), a Rua Vicente Borga (antiga Rua da Madragoa), a Calçada do Castelo Picão, e a Travessa do Convento das Bernardas, é feita num terreno de acentuado declive, fazendo com que o Convento das Bernardas se destaque por esse motivo (Ilustração 93). Neste sentido o claustro eleva-se ao nível do terceiro piso (em relação à Rua da Esperança).

Trata-se de uma implantação de difícil topografia onde as cotas se conjugam consoante os espaços interiores, num trabalho de adaptabilidade ao terreno de grande engenho construtivo.

Ilustração 93 – Corte transversal do Convento das Bernardas do Mocambo, antes da intervenção. ([adaptação a partir de] Carvalho, 1997, p. 42)

Contudo o Convento das Bernardas torna-se particular, tanto pela morfologia do terreno como pela sua implantação. Verificamos que por regra os conventos cistercienses são construídos destacadamente dos aglomerados urbanos, implantados segundo algumas premissas que têm que ver com a subsistência dos seus residentes. Assim é impreterível que os conventos sejam construídos junto a linhas de água, e ou em terrenos férteis, que forneçam condições vitais para uma vida de clausura.

Diogo Rafael Soares de Almeida 136 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Como podemos verificar, o Convento das Bernardas contradiz em certo sentido esta premissa, apresentando-se “[…] com uma clausura inserida num contexto de uma malha urbana.” (Santos e Ferreira, 1996, p. 123). Essa “adulteração” de princípios é explicada pelo facto de alguns conventos não serem “[…] fundados mas filiados pelo que tiveram de se apropriar de construções pré-existentes” (Martins, 2011, p. 97), o que nos remete para o caso do convento em estudo.

Do mesmo modo, o convento destaca-se pela “diferente” orientação, sofrendo uma rotação planimétrica de quase 180º graus em relação à regra geral cisterciense, (como acontece quando o terreno não permite seguir a regra), posicionando a igreja a Sul, o que explica a sua inserção na malha definida. A igreja situa-se no ponto de menor cota, diferente ao habitual dos mosteiros cistercienses que “[…] por regra, fica sempre no ponto mais alto.” (Jorge, 1999, p. 46).

E se a igreja consiste, no elemento mais importante da vida religiosa, o claustro por seu lado torna-se numa espécie de elo, que liga a vida espiritual à vida terrena. As dependências monásticas desenvolvem-se em torno do claustro e, como verifica-mos anteriormente, estão regradas segundo as referências cardeais, que perfazem as funções essenciais da vida monástica.

Para os Cistercienses a simplicidade das linhas, a pureza das formas, a luminosidade e o seu claro-escuro bastam-se por si só. A arquitectura e a arte cistercienses não têm como finalidade o deleite pois nada deverá desviar a atenção de Deus. Desde o plano das abadias à simplicidade dos materiais escolhidos tudo se conjuga para elevar a procura de Deus e busca da santidade. (Martins, 2011, p. 91)

Como referimos anteriormente, o Convento das Bernardas contrapõe a premissa da orientação monástica cisterciense com a sua rotação de 180º graus (Ilustrações 94 e 95). Um dado que apenas podemos prever devido à sua quase total destruição pelo terramoto, ainda assim há informações que corroboram esta premissa, nomeadamente com o que nos refere João de Almeida129, um dos arquitectos responsáveis pela intervenção.

129 João de Almeida (1924- ), nasceu em Lisboa. Arquitecto e pintor, foi um dos responsáveis pela intervenção no Convento das Bernardas (Atelier Arqui III). Iniciou a sua carreira como arquitecto em “[…] finais dos anos sessenta, quando concluída a sua formação, em Lisboa, […] após uma passagem pela Escola do Porto e estágios na Suíça, Alemanha e Barcelona, tem vindo nos últimos anos a dedicar-se à pintura. Ligado ainda como estudante ao Movimento de Renovação da Arte Religiosa, em cuja fundação participou, conjuntamente com Nuno Teotónio Pereira, Nuno Portas e muitos outros, a sua tese de arquitectura foi o projecto da Igreja Paroquial de Paço de Arcos. Deve-se-lhe ainda o projecto da Igreja de Moscavide. […] Co-autor ao longo dos anos de numerosos projectos, […] assinou entre outros o da renovação do Museu Nacional de Arte Antiga, o de um condomínio privado no Centro Histórico de Lisboa,

Diogo Rafael Soares de Almeida 137 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Diz-nos Almeida (2000, p. 117) que foi “[…] quando se tornou patente que ali se localizava a antiga cozinha e o refeitório das freiras […]”, referindo-se à ala situada a Norte do convento, é que se percebeu que o Convento das Bernardas seguia inteiramente o plano cisterciense. Deste modo podemos fazer uma restituição iconográfica sobre a possível disposição do Convento das Bernardas (séc. XVII), comparando-a com a planta tipo cisterciense (c. séc. XII).

Ilustração 94 – “Planta-tipo de uma abadia cisterciense Ilustração 95 – Planta do Convento das Bernardas, com (segundo A. Dimier)”. ([adaptação a partir de] Jorge, 2010, p. demarcação a cor dos diferentes espaços. ([adaptação a 29) partir de] Almeida, 2000, p. 118)

Spiritus (igreja) - Norte Anima (sala do capítulo, dormitório piso 1) - Este Claustrum (claustro, pátio) Corpus (cozinhas, refeitório) - Sul Domus Conversorum (ala de conversos) - Oeste

Os monges pertenciam quase exclusivamente à nobreza e por isso dedicavam-se á oração e a sua vida decorria à volta do claustro, onde se situavam as diversas dependências reservadas aos monges. (Sêrro, 2012, p. 250)

Neste sentido a comparação permite dissecar o que, segundo Ana Maria Martins, constituí a organização “tipo” do mosteiro cisterciense:

O claustro era o epicentro do espaço monástico, três dos seus lados correspondem às funções essenciais: spiritus (igreja) a norte, anima (sacristia, sala do capítulo, salas de trabalho intelectual) a este, corpus (cozinha, calefactório, refeitório, latrinas) a sul e o quarto lado do claustro, a oeste, é aberto aos irmãos conversos, é o domus conversorum (celeiro, dormitório, refeitório, latrinas). (Martins, 2011, p. 276)

O claustro do Convento das Bernardas é constituído por planta quadrada (aqui sofre uma ligeira deformação devido à malha urbana), com o centro definido pela cisterna.

na zona da Academia das Ciências, a que em 1990 foi atribuído o Prémio Valmor, o da reabilitação e reconversão do Convento das Bernardas em Lisboa e o da renovação parcial dos Paços do Concelho de Lisboa após o incêndio de 1995, […]. Para a Expo 98, foi co-autor do projecto do Edifício Administrativo, galardoado com uma menção honrosa do Prémio Valmor.” (Almeida, 2008)

Diogo Rafael Soares de Almeida 138 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Desenvolve-se através de quatro galerias compostas por arcadas, em tramos de cinco arcos cada130.

Verificamos também a existência de uma cisterna, que marca o centro do pátio claustral, e que poderia conter em tempos uma fonte, como era frequente. Neste sentido a carta topográfica de Lisboa de 1856131 (Ilustração 96), permite-nos verificar que o pátio seria ajardinado com a respectiva fonte a pontuar o centro.

Ilustração 96 – Excerto da carta nº 49 do “Atlas da carta Ilustração 97 – Proposta em planta de reconstituição do topográfica de Lisboa”, por Filipe Folque em 1856. ([adaptação a jardim claustral do Convento das Bernardas. ([adaptação partir de] Folque, 2000) a partir de] Almeida, 2000, p. 118)

Ilustração 98 – Ala do claustro do Mosteiro Ilustração 99 – Ala Sul do claustro do Ilustração 100 – Ala Sul do claustro do de Alcobaça. (Ilustração nossa, 2013) Convento das Bernardas. (Ilustração Convento das Bernardas. (Ilustração nossa, 2014) nossa, 2014)

130 O claustro do Convento das Bernardas apresenta-nos uma construção barroca, que difere significativamente do caso dos mosteiros medievais cistercienses do séc. XII (Ilustração 98). Sobre essa diferenciação, Ana Martins (2011, p. 310-311) na sua Tese de Doutoramento faz um apontamento sobre a comparação dos claustros medievais e os claustros renascentistas (e posteriores). Diz-nos a autora que: “Os claustros medievais tinham um conceito de espaço extremamente fechado, pois as arcadas que se abriam para os pátios eram assentes em elevados parapeitos” e que, “o espírito renascentista altera esta situação ao dotar o claustro de «construções à escala terrestre» […]”. Deste modo os claustros construídos a partir do renascimento descarregam as suas arcadas directamente no solo, permitindo a abertura das galerias directamente para o pátio. Ver comparação dos claustros nas Ilustrações 98 e 100. 131 Carta nº 49 do “Atlas da Carta Topográfica de Lisboa, sob a direcção de Filipe Folque: 1856 – 1858”.

Diogo Rafael Soares de Almeida 139 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Convento e intervenção

A intervenção no Convento das Bernardas do Mocambo, para além da sua reabilitação enquanto edifício histórico, permite, no nosso entender, uma restituição da memória. Memória que nos permite de algum modo participar na própria história do convento, através da sua vivência e usufruto, transportando-nos para um outro ambiente, de um outro tempo.

[...] o convento veio a ter os mais diversos usos e chegou aos nossos dias em estado de profunda degradação, com as celas das freiras em redor do claustro ocupadas por mais de noventa famílias, a igreja transformada em sala de espetáculos (o Cine- Esperança do princípio do séc. XX) e muitos outros espaços destinados a oficinas e armazéns. (Almeida, 2000, p. 116)

Com a degradação gradual que o convento foi tendo ao longo do tempo, permitiu que algumas das suas características se alterassem profundamente, ou mesmo que se apagassem por definitivo. Por esta razão foi imperativo restituir a memória do passado que o convento poderia transmitir, fundando “[…] uma nova realidade com traços assumidamente contemporâneos.” (Arqui III, 1996, p. 2)

Uma reabilitação que “[…] deverá entender-se aqui como renovação que vai para além do simples restauro e reposição do primitivo […], mas sim pelo “[…] respeito pelos grandes traços histórico-morfológicos do edifício […].” (Arqui III, 1996, p. 1). Para isso é necessário um “[…] diagnóstico que permita entender o estado de conservação e segurança do monumento, a sua estrutura original e as alterações ocorridas […].” (Arqui III, 1996, p. 2).

Nesse sentido o projecto desenvolvido pelo ateliê Arqui III132 de recuperação do convento, estabeleceu logo à partida vários pontos de interesse que deveriam ser concretizados. Alertava José Sarmento de Matos133, no seu contributo histórico para o projecto, para que:

Deverá ser realçada a marcada dicotomia entre um exterior quase cego – espécie de ilha fechada no contexto urbano – e um interior alegre e festivo, bem evidente na

132 Arqui III, arquitectos associados. Fazem parte desta equipa, o Arqº. João de Almeida (arqº coordenador), o Arqº. Pedro Ferreira Pinto e o Arqº. Pedro Emauz. A equipa de projecto conta ainda com os colaboradores, Arqº. António Tudela, Arqº. Bernardo Pimentel e a Arqª. Sofia Ferreira Pinto. O projecto do Convento das Bernardas do Mocambo foi desenvolvido entre os anos 1996 e 2000, promovido pela EBAHL (Equipamentos dos Bairros Históricos de Lisboa) em concurso público. Teve o contributo histórico de vários intervenientes, como o historiador José Sarmento de Matos e o arqueólogo José Luís de Matos. 133 José Sarmento de Matos (1946- ), nasceu em Lisboa. Olissipógrafo e historiador desenvolveu vários estudos sobre a cidade de Lisboa, compreendendo a sua formação e evolução.

Diogo Rafael Soares de Almeida 140 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

exuberância colorida das pinturas setecentistas que ainda se reconhecem sobre as arcarias do claustro. […]

A ter em conta, ainda, o facto de a primitiva estrutura conventual se encontrar quase intacta – caso raro em edifícios semelhantes – pelo que as indispensáveis adaptações a uma nova funcionalidade deverão respeitar dentro do possível essa memória viva que dá a todo o conjunto a sua lógica própria. (1996, p. 3)

Deste modo a intervenção surgiu no sentido da preservação dos carácter arquitectónico do edifício, tentando de alguma maneira “limpar” as alterações que foram feitas ao longo dos anos, e devolver uma possível realidade do edifício original.

Ilustração 101 – Esquema de funcionamento dos espaços Ilustração 102 – Perspectiva do claustro. Em cima era proposta interiores. (Arqui III, 1996) uma malha que avançaria da parede. (Arqui III, 1996)

Ilustração 103 – Esquema dos acessos aos vários Ilustração 104 – Proposta de aproveitamento da cisterna com espaços. (Arqui III, 1996) entradas de luz em três momentos. (Arqui III, 1996)

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O programa do concurso pretendia de algum modo a reabilitação do conjunto conventual (ocupado por habitações de génese ilegal134, Ilustrações 106 e 107), mantendo o carácter habitacional o quanto possível, criar um núcleo museológico135, um restaurante, um centro de convívio para a terceira idade136, um espaço polivalente na antiga igreja (exposições temporárias ou espectáculos de pequena dimensão).

A proposta (Anexo C) sofreu algumas alterações ao longo do desenvolvimento da obra, que permitiram de algum modo manter as características originais do convento. Estava prevista uma escavação subterrânea do claustro, instalando ai uma sala de exposições, aproveitando o espaço da cisterna e a abertura como entrada de luz. Este espaço faria ligação com o museu à cota do claustro. Contudo não foi executado deste modo, mantendo-se a cisterna fechada, apenas com a abertura visível do claustro.

À cota do claustro foi desenvolvido o espaço de exposições permanentes (Museu da Marioneta), o restaurante (A Travessa) e um espaço de exposições temporárias, como também os acessos à varanda claustral e a algumas habitações em que o acesso é feito pelo interior (Ilustração 103).

Na igreja, também à cota do claustro, foram reabilitadas as pinturas137, mantendo-se o destino inicial como espaço polivalente. Foram desenvolvidas várias habitações138 (Ilustrações 105 e 108) nos pisos acima do claustro que aproveitaram as antigas celas do convento (que já tinham sido ocupadas), ficando os vãos abertos para o vazio claustral. Uma solução que pretende devolver a importância do claustro para a vivência do próprio convento, mantendo-se como núcleo agregador das diversas dependências, tal como acontecia no tempo de funcionamento monástico.

134 O convento foi ocupado gradualmente por habitações de génese ilegal, que transformaram significativamente o seu interior, e também por acrescentos que foram sido feitos sobre a varanda por cima do claustro. (Ilustrações 106 e 107) 135 O núcleo museológico deveria ser destinado às Marchas Populares como faz referência na memória Descritiva do projecto, contudo actualmente está instalado o Museu da Marioneta. 136 O centro para a terceira idade não foi projectado. 137 As pinturas “[…] datam dos anos 20 e são de tipo cenográfico, a preto e branco e de composição DECO. Embora liguem mal com a remanescente ornamentação primitiva da igreja – azulejos policromados e estuques pintados – foi decidido não as retirar, deixando-as como memória do período em que aquele espaço teve importância no bairro como sala de espectáculos:” (Almeida, 2000, p. 116-117). 138 As habitações são constituídas de tipologia T1 e T2 (cerca de trinta ao todo). Os acessos às habitações fazem-se pela varanda superior ao claustro, contudo foram retirados os antigos corredores de acesso às celas das freiras por questões de espaço.

Diogo Rafael Soares de Almeida 142 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 105 – Plantas da proposta de intervenção, começando o piso 1 à cota da Rua da Esperança. (Arqui III, 1996)

Ilustração 106 – Vista do claustro antes da intervenção. (Arqui III, Ilustração 107 – Ala do claustro antes da intervenção. (Arqui III, 1996) 1996)

Diogo Rafael Soares de Almeida 143 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 108 – Plantas das habitações de tipologia T1 e T2 (duplex). Proposta. ([adaptação a partir de] Arqui III, 1996)

No sentido em que propomos fazer um estudo da possibilidade do claustro ser espaço permeável, entre a “cidade” entendida aqui como o conjunto envolvente, e o convento entendido como contentor de espaço (que outrora serviu uma condição e que já não assume), acreditamos que o Convento das Bernardas de certo modo atinge essa possibilidade.

E quando no princípio deste subcapítulo fala-mos de memória, associando o caso em estudo do Convento das Bernardas, estamos em certo sentido a estabelecer uma parametrização no carácter da reabilitação que o mesmo sofreu. Uma reabilitação no nosso entender que atentou sempre ao carácter urbano do conjunto, e naquilo que este poderia oferecer de novo, ainda que mantendo a sua estrutura originária.

Falamos de carácter urbano porque entendemos que, toda e qualquer intervenção tenha a sua afectação na envolvente que o relaciona. No caso do Convento das Bernardas essa envolvente, se por um lado não afectou directamente a reabilitação,

Diogo Rafael Soares de Almeida 144 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

por outro adquiriu uma vivência com o convento que trouxe uma outra dinâmica para o próprio interior do mesmo.

Deste modo sem que a sua identidade fosse posta em causa, o Convento das Bernardas do Mocambo permitiu essa permeabilidade entre a cidade e o claustro. Para isso foi necessário estabelecer um controlo através do programa, para que o claustro não fosse mais um espaço da cidade servindo como praça ou pátio. Neste sentido o claustro assume o seu valor de espaço publico, sem que se banalize a sua presença, como acontecia antes da intervenção.

Para entender a relação que existe entre a memória e a vivência do espaço na contemporaneidade, achamos necessário fazer um percurso, escrito, que deixa de algum modo o registo da vivência do claustro.

Convento e percurso

O acesso ao convento é feito através de um grande escadório em pedra constituído por dois momentos distintos. O primeiro lanço, exterior, convida-nos à entrada. Um segundo, já no interior, relaciona as duas cotas, a da rua e a do claustro.

Após a subida (lenta de preferência) ritmada pelos degraus da escadaria, gastos e usados, deparamo-nos com o atrium139, espaço de transição que conduz aos vários momentos conventuais. A espera no átrio permite-nos verificar o espaço que serviria de transição entre o claustro e o acesso às duas alas separadas. A das freiras e a dos conversos. A igreja apresenta-se-nos do lado esquerdo, já sem som de órgão ou canto. Silêncio absoluto. Espera-nos no interior uma exposição, daquelas que tudo dizem e nada esperam ouvir. Saímos para o átrio, novamente.

O claustro esconde-se para lá da parede. Não o vemos, não o sentimos. Existe acesso directo, mas está fechado. É o Museu da Marioneta, tem de ir por aquela porta! Diz- nos alguém. Seguimos. Atravessamos a porta, espera-nos um corredor, de pequena dimensão. Entre curva para a esquerda e para a direita, uma antecâmara no fim. A luz invade-nos de frente.

139 Designação em latim de Átrio, s. m. (lat. atrium, nártex) 1.Pátio de acesso ao interior de um edifício; vestíbulo. 2.Na antiga casa romana, era um pátio central para o qual convergiam todas as divisões da habitação, coberto por quatro águas formando vão rectangular. 3.Vestíbulo coberto em frente das antigas basílicas.” (Rodrigues, Sousa, Bonifácio, 1990, p. 49)

Diogo Rafael Soares de Almeida 145 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 109 – Sequência espacial um. Entrada para o átrio, e antecâmara para o claustro. (Ilustração nossa, 2014)

Uma porta pesada, de ferro. Ao abrir, uma brisa, e uns quantos sons de gentes no exercício de habitar. Um prato tilinta, uma corda de roupa chia, a tosse de um fumador ecoa. Estamos no interior. Da rua nada se ouve. Sem carros. Sem ruído. Silêncio! Alguns chilros de espécies esvoaçantes. Lá no alto, um pássaro que voa livre.

Encontramo-nos na galeria sul. O espaço faz-nos sentir pequenos. Escala! A pedra confronta-nos, numa espécie de batalha com a luz, que nos conforta. Ritmos, escala e luz. É arquitectura experimentada. Um outro tempo, de um outro modo.

Rendidos à sua glória, avançamos. Lentamente, à espera de um convite, que nos chega pelo ritmo das sombras. Acompanha-nos a nossa sombra. Paralela, projectada na parede branca. Luz filtrada. Mais uma batalha. Agora entre a luz e as colunas. Espessas, de pedra. Pedra desgastada. É o passar do tempo, que inscreve na matéria o seu legado. Tectos abobadados brancos, de linhas ténues, suspensos na engenharia de um outro tempo. A arcada. Quatro alas, cinco arcos cada. Tudo impar. Coincidência? Não! Avançamos.

Ilustração 110 – Sequência espacial dois. Entrada no claustro e percurso pelas alas. (Ilustração nossa, 2014)

Diogo Rafael Soares de Almeida 146 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 111 – Sequência espacial três. Subida, com antecâmara para a galeria. (Ilustração nossa, 2014)

Duas alas percorridas, numa espécie de reconhecimento. Avançamos para o pátio, aberto. O infinito do céu, azul. Luz! (Seria a sensação dos monges?). A marcar o centro, uma abertura. Caixilharia de ferro e vidro, separam o secretismo. O que será? Nada se vê, é escuro. Algumas ervas tentam sobreviver. Existe água! Uma cisterna, ou não seria um convento. Teria fonte, não sabemos, muito provavelmente

Do centro, o claustro mostra-se. A sua dimensão parece menor. Aparece uma galeria a encimá-lo. Existem também janelas e portas. Alguém vive aqui. Claro, o tilintar do prato, a corda da roupa, a tosse. Faz sentido. São habitações. Rapidamente se procura o acesso. As aberturas na parede posterior do claustro revelam o caminho. Avançamos.

Já no interior, mais escuro, uma escada. Subimos. Em curva e contra curva chegamos ao piso superior. A luz, outra vez. De frente uma porta para o exterior. A galeria. Chão de tijolo, cor ocre. Caminhamos. Com algum receio espreitamos algumas janelas. Uma sala aqui, um quarto ali. A porta. Caixilhos brancos, de alumínio. Modernices! (O que diriam os monges?). Avançamos.

Ilustração 112 – Sequência espacial quatro. Escada de acesso ao piso superior, e patamar da escada de acesso ao claustro.

Diogo Rafael Soares de Almeida 147 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

De cima, o claustro esconde-se novamente. Ao fundo, uma ala claustral aparece. O parapeito da galeria revela-se. Uma pintura. Imitação de uma guarda de ferro. Pintada! As cores esbatidas. Um outro tempo, uma moda.

Saímos da galeria, agora por uma porta do outro lado. Uma outra escada. Subimos. Mais portas. Outras habitações, acessos diferentes. Descemos tudo. A meio, uma pausa. Um patamar da escala, permite uma revelação. Um vão horizontal enquadra perfeitamente a cidade, lá ao fundo. Continuamos. Chegamos ao claustro. Percorremos a galeria poente, agora mais rápido. Sem convite, num entendimento óbvio com a luz. Uma porta, preta. Um espaço de exposição do Museu.

A descoberta faz-se sentir. A geometria. Um eixo, a porta. Olhando para o fundo, para a galeria nascente, uma outra porta, alinhada a esta. Centrada em relação ao arco terceiro. Continuamos. Ala sul, paredes meias com o Museu. Porta ao centro. Lá no fundo, na ala norte, o eixo. Porta ao centro! A cisterna, já quase esquecida, reaparece. No centro. Coincidência? Não parece. É o ponto central da axialidade. O ponto central do círculo espiritual. O círculo sob o quadrado. Agora faz sentido!

De súbito uma nuvem. Intensidade de luz reduzida. Sem sombras, sem recortes. Guarda-se o bloco de apontamentos, e a caneta. Caminha-se para a porta de saída. Luz! A nuvem desaparece. O ciclo mantém-se.

Ilustração 113 – Sobreposição do primitivo Convento das Bernardas do Mocambo sobre malha urbana actual. (Ilustração nossa, 2014)

Diogo Rafael Soares de Almeida 148 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

3.3. TEMPO E CONVENTO DAS INGLESINHAS

Ilustração 114 – “Trecho da cidade de Lisboa, apresentando a círculo vermelho a localização do Convento das Inglesinhas. ([adaptação a partir de] Google Maps, 2014)

O Convento das Inglesinhas, como é conhecido o Convento de Santa Brígida (também Convento do Quelhas ou Mosteiro de Sião), situa-se na zona ocidental de Lisboa, fora do limite do tecido urbano circunscrito da Madragoa (antigo Bairro do Mocambo), que se apresenta a sul (Ilustração 114). É também delimitado a poente pela actual Rua do Quelhas (aberta em 1758). Segundo Norberto de Araújo:

O arruamento ou estrada por aí acima, chamou-se «das Inglesas», pela proximidade do Convento das Brígidas, freiras inglêsas, e ia ter a um alto, onde havia uma Cruz de Azuleijo – o sítio dos Navegantes; depois do Terramoto é que começou a chamar-se- lhe Rua do «Quelhas» […]. (1938, p. 34)

É fundado entre 1651-1656, no sítio de uma primitiva construção de 1594, junto à antiga Rua João das Regras140 (actual Rua das Francesinhas) que em tempos “[…] não passava de um caminho estreito, encostado pelo norte ao muro da cêrca do Convento das Francesinhas141, e pelo sul escancarado ao Tejo […].” (Araújo, 1938, p. 33). Designado no séc. XVIII de “Caminho Novo”142.

140 Hoje em dia existe a Rua João das Regras, mas num outro sítio, que faz a ligação entre Rua do Arco do Marquês do Alegrete e a Praça da Figueira. 141 Convento das Francesinhas (ou Convento do Santo Crucifixo), fundado em 1667, pertencente a religiosas capuchas da primeira regra de Santa Clara. Com a extinção das ordens religiosas em 1834, e já com algum estado de degradação, serviu de sede de um Asilo de costureiras, que permaneceu até 1910. A partir desse ano entrou em ruínas até à demolição em 1911. (Anexo E) 142 “Aquêle Pinto Machado, que tinha o seu palácio na Rua do Machadinho – diminuitivo que nasceu do apelido do fidalgo –, foi quem fêz rasgar, depois de 1758, uma serventia já desenhada desde 1680 – «Caminho Novo» – na quinta de D. Francisco Xavier Pedro de Sousa, por alcunho o «Quelhas», quinta na qual o fidalgo tinha sua casa, que bem pode ter sido aquela onde assentou o palácio dos Pinto Machados.

Diogo Rafael Soares de Almeida 149 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 115 – Excerto da “Carta Topográfica da Cidade de Ilustração 116 – Excerto das cartas nº41 e nº49 do “Atlas da Lisboa […]” de 1808, por Duarte José Fava. A tinta escura Carta Topográfica de Lisboa”, por Filipe Folque entre 1856- estão representados os conventos existentes. (BNP, 2014) 1858. ([adaptação a partir de] Folque, 2000)

O mosteiro seguia a ivocação de S. Salvador, de Sião (daí a designação de Mosteiro de Sião), pertencente à ordem de Santa Brígida143. A igreja do primitivo convento é atribuída a João Nunes Tinoco, destruída por um incêndio que afectou o edifício em 1650.

Pouco se sabe das características desse primeiro convento, porém em 1655 as obras do “novo” edifício já estavam avançadas, permitindo o regresso das religiosas que ocupavam temporariamente várias casas ali perto.

Porém a igreja ainda não estava concluída, servindo para tal “[…] huma ermidinha que hoje [1704] he casa do capitulo.” (Jesus e Pereira, 1946, p. 398). A partir de 1672 começou a usar-se a igreja, mesmo não concluída (sem retábulo e terminada anos mais tarde).

(Araújo, 1938, p. 33). Segundo o mesmo autor a designação “Caminho Novo” é oficializada no século XVIII ainda que existisse já um “caminho público estritíssimo”. 143 Ordem de Santa Brígida, criada na Suécia em 1344, com Regra aprovada em 1570 pelo Papa Urbano V. Entre a fuga do Reino de Inglaterra (expulsas no reinado de Henrique VIII) e após 37 anos de realojamentos em vários países da Europa, chegam as religiosas a Portugal em 1594, estabelecendo-se no vizinho Convento da Esperança (Anexo F).

Diogo Rafael Soares de Almeida 150 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 117 – Painel de azulejo com a Vista de Lisboa entre 1700 e 1725, onde está assinalado o Convento das Inglesinhas. Abaixo pode ver-se o Convento da Esperança (com o respectivo Largo) e o Mosteiro de São Bento do lado direito. (Portugal, 2004)

Segundo uma descrição de 1704:

A igreja deste convento he de sufficiente grandesa, com altura, comprimento e largura proporcionada. O tecto he de abobeda de ladrilho; tem sua simalha de pedra que corre toda a igreja à roda, e vay sambrar com a que tem o arco da capela mor, e do ditto arco prossegue na mesma altura até se ajustar com a do retabolo da capela mor, cujo tecto he pintado de hum brutesco ao moderno […]. (Jesus e Pereira, 1946, p. 399)

Com o terramoto de 1755, o convento sofre apenas algumas danificações, mas nada que tenha afectado a sua estrutura geral, “[…] tendo subsistido um bom claustro como marca conventual – era o pequeno convento das Inglesinhas de Santa Brígida, na esquina do designado Quelhas.” (Távora, 2010, p. 121).

Após a extinção das ordens religiosas, o convento é adquirido pelos Jesuítas em 1864, que instalam ai um Colégio. Diz-nos Gonçalo Byrne144 (arquitecto responsável pela intervenção posterior) que foram feitas várias modificações nesse período:

[…] nomeadamente o acrescento de um piso em toda a Ala Nordeste, o alargamento da capela com uma ala exterior a Noroeste, sobre o actual jardim e o acrescento também para Nordeste do corpo destacado do refeitório do Colégio. (Byrne, 2002, p. 1)

144 Gonçalo de Sousa Byrne (1941- ), nasceu em Alcobaça. Arquitecto e professor, diplomou-se em Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, em 1968. Professor catedrático convidado por várias Universidades em Portugal e no estrangeiro, recebeu em 2005 o doutoramento Honoris Causa pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. É autor de variadas obras premiadas nacional e internacionalmente. Recebeu em 2000 o Prémio Valmor e Municipal de Arquitectura, e em 2008 o Prémio Municipal de Arquitectura Diogo de Castilho. Nas suas obras contam-se, o Conjunto Residencial Pantera Cor-de-Rosa, Chelas (1974), o Instituto Superior de Economia e Gestão, Lisboa (1990), o Reconversão do quarteirão Império, Chiado (1994), a Torre de Controle de Tráfego Marítimo da APL, Lisboa (2001), Mosteiro de Alcobaça e área envolvente (2006), o Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra (2010), a Pousada de Cascais (2012), o Teatro Thalia, Lisboa (2013), entre outras.

Diogo Rafael Soares de Almeida 151 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Na década de 1910 (Instauração da República) o extinto convento passa a ser ocupado por variadas instituições, como o Museu da Revolução Republicana, posteriormente Instituto Superior do Comércio145 e finalmente o actual Instituto Superior de Economia e Gestão. Segundo a descrição de Norberto de Araújo:

O casarão enorme, com suas altas paredes conventuais, da côr rosa característica do velho «Quelhas», recebeu, em 1932-1933, um profundo lenho, e bem merecido foi êle, no ângulo sul, onde se começou a erguer um edificio para laboratório do Instituto, obra que não prosseguiu pois foi aproveitada depois para se levantar a sede da Emissora Nacional. […] (1938, p. 36)

Como nos refere o autor, a Emissora Nacional é criada em 1933, ficando num edificio à parte (Palácio da Emissora146) do convento, ainda que inserido no seu perímetro. Do convento é feita uma ligação a este novo volume, que vem desconfigurar de algum modo as caracteristicas do edificio original.

“A Capela «nova» do corpo poente do Convento foi convertida em biblioteca; a capela «velha» é hoje um armazém de uma obra de assistência do Ministério do Interior.” (Araújo, 1938, p. 36).

Ilustração 118 – Mancha do Convento das Inglesinhas. Ilustração 119 – Indicação das várias dependências do (Ilustração nossa, 2014) extinto convento. (Ilustração nossa, 2014)

145 Instituto Superior do Comércio criado juntamente com o Instituto Superior Técnico em 1911, pelo Governo da República. Em 1931 ficou agregado à Universidade Técnica, com a designação de Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. 146 “O primeiro risco do Palácio da Emissora foi do arquitecto Amilcar Pinto; o edifício, porém, deve-se, no seu estado actual [1938], ao arquitecto da Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, Adelino Nunes, que já leva assinalado o seu mérito em muitas outras edificações modernas daquêles serviços públicos.” (Araújo, 1938, p. 36)

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Na planta actual (Ilustração 119), verificamos os diferentes espaços do extinto convento, segundo a descrição dos autores. A azul a “capela velha”, que foi posteriormente armazém (hoje auditório); a verde a “capela nova” convertida em Biblioteca (hoje sala de reuniões); a vermelho o claustro; as restantes dependências do convento eram dispostas nos espaços em torno do claustro, bem como no volume longitudinal, que seria o dormitório das freiras.

O claustro, é composto no piso térreo por três arcadas de cada lado. Na galeria superior, contam-se mais cinco arcadas cada. Ao centro situa-se a cisterna, com a respectiva fonte. A sua pequena dimensão (em relação a outros exemplos), permite verificar que no Convento das Inglesinhas, a permanência e o acto religioso não incluíam o permanecer no claustro, servindo apenas como espaço aberto ao exterior que permitia iluminação e ventilação às várias dependências.

Convento e intervenção

A intervenção é da autoria do ateliê Gonçalo Byrne Arquitectos, desenvolvida entre 1990 e 2000 para o I.S.E.G. (Instituto Superior de Economia e Gestão). Essa intervenção no Convento das Inglesinhas teve como premissa a procura de identidade e do carácter histórico do convento como memória permanente na cidade, bem como da valorização dos seus espaços nessa relação.

Ao pretender ampliar as suas instalações, o I.S.E.G. teve a intenção de valorizar as suas instalações “históricas” e, ao mesmo tempo, requalificar todo este perímetro urbano, constituíndo a sua extensão nos terrenos devolutos da ex-Delegação de Saúde. (Byrne, 2014)

Foram pensadas duas abordagens, uma em torno da reabilitação e outra na requalificação. No antigo edificio conventual a atitude adquiriu um sentido histórico. Foi necessário criar um distanciamento que permitisse de algum modo intervir sem que o carácter conventual perdesse a sua unidade.

Embora não exista um ambiente conventual (silêncio ou orações) própriamente dito, sentimos que aqueles espaços são referências da estrutura monástica. Claustro posicionado ao centro, rodeado por uma galeria que acede aos diferentes espaços. Esta identidade permite a vivência de um espaço contemporâneo, embebido no sentimento de pertença que nos faz recordar algo. Memória.

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Porém o programa continha alguma complexidade por se tratar de uma universidade. A partir desse momento foi necessário criar novos volumes para conter programa, e requalificar aquele pequeno acidente morfológico. A solução partiu da reintrodução do espaço público na vivência do campus universitário do I.S.E.G, de modo a “[…] ser utilizada e percorrida livremente, introduzindo novos percursos de ligação da Rua das Francesinhas à Rua Miguel Lupi […] ampliando as ligações visuais com o Jardim das Francesinhas […].” (Byrne, 2014).

Foi criado no terreno adjacente ao edificio conventual um pódio, que permite estabelecer uma cota diferenciada da Rua das Francesinhas. O acesso é feito por uma “[…] escada rampeada que faz a transição […] com a praça de distribuição onde se implanta a Biblioteca.” (Byrne, 1990).

O pódio recebe programa que dá resposta ao problema do estacionamento e áreas técnicas. Para o estacionamento foram pensados dois blocos de aceso entre à cota do pódio, que permitem ao mesmo tempo a entrada de iluminação natural zenital. Exitem também espaços que se abrem para a Rua das Francesinhas, e zonas de estar numa espécie de praça coberta.

Acima do pódio destacam-se dois corpos paralelepipédicos paralelos, que prefazem o eixo direcional do Jardim das Francesinhas (onde estava situado o Convento das Francesinhas). O programa para estes volumes é composto na sua maioria por espaços de permeabilidade, ou seja, salas de convívio, bar e cantina. No piso superior o programa adquire um caracter mais funciona, com as salas de aula.

Ainda à cota superior do pódio existe um terceiro volume, da Biblioteca, que encerra o perímetro construído a Poente. Existe um ligação pedonal do pódio/praça à cota da Rua Miguel Lupi, feito por uma escadaria agarrada ao volume da Biblioteca.

Convento e percurso

Na Rua do Quelhas nada o faz prevêr. Lá ao fundo, uma caixa branca assente em transparência. Ao aproximar, sete degraus trabalham a topografia, no passeio. A caixa branca, em cima “Instituto Superior de Economia e Gestão”. Um vão permite ver o interior, e mais além. Lá ao fundo, a vida que cresce sob a forma de árvore. Entramos.

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Ilustração 120 – Sequência espacial um. Entrada no átrio, com pavimento rampeado e o pórtico ao fundo. (Ilustração nossa, 2014)

O pavimento rampeado (não uma rampa) do lado direito, mostra-nos a incerteza. Onde vai dar, não sabemos. Vamos a descoberta?. Lá ao fundo, já fora, a árvore convida-nos a juntar a ela. Seguimos, pelo rampeado. Sentimos o toque da madeira na mão, o corrimão. Soa a falso. Revestimento de um aço cinza, quase imperceptivel de longe. Quase a chegar ao patamar, olhamos para baixo. A árvore novamente, agora vista de cima. Lá ao fundo, atrás deste quase pórtico, contemporâneo, um pátio. Ou será a reinterpretação de um claustro. Parece (talvez sejam claustros a mais). Memória.

O rampeado vira à direita, acompanha-nos o corrimão. Viramos. Espaço escuro, lá ao fundo o claustro (este sim). A luz reflecte no espelho de pedra. Chão impecável. Deslizante, suave. Sem saber, estamos no segundo piso do claustro (primeira galeria). Como? Entrámos pela cota mais alta, parece. Revestido com um pano de vidro de uma ponta a outra. Nas quatro alas. Seria aberto em tempo conventual? Não sabemos. Seguimos.

A espessura do caixilho impressiona. É quase como uma moldura, daquelas que se vêm nos quadros antigos, douradas. Aqui são negras. Em cada extremidade, uma porta. Uma pequena varanda faz as delicias de um fumador. Permite estar fora, quase suspenso no vazio do claustro, mas seguro. A guarda de aço, agora sem máscara de madeira. De onde estamos, não rasgam sombras, não há luz directa. A ala que nos precede, essa sim, mergulhada em luz, com colunatas desenhadas a sombra na parede. Uma sucessão de claustros? Imagem estranha. Reflexos do vidro (materiais imprevisíveis).

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Ilustração 121 – Sequência espacial dois. Galeria dois do claustro, cisterna e escada “túnel”. (Ilustração nossa, 2014)

Agora entende-se! O pano de vidro, do lado de cá, quase não se vê o vidro na outra ala. O caixilho esconde-se atrás da arcada. Um pormenor (faz sempre a diferença). Lá em baixo uma fonte, no centro (não se esperaria outra coisa). A cisterna, a água. Mais uma vez a simbologia do claustro.

No alto, a terceira galeria. Sem arcadas. Vidro e estrutura metálica, seguindo a métrica das colunas. Mesmo assim, sem identidade (cá para nós). Falta aquela fina flor, a pedra. Massa, peso, suster. Enfim, questões programáticas (nem sempre vêm com boas intenções).

No corredor, uma poltronas de madeira. Um brilho fantástico, quase mel. Aquece-nos só de olhar. Há frio aqui, mesmo com controlo climático. Não se apaga o tempo. Ele permance, de um maneira ou outra. Seguimos. A meio, uma porta que marca o eixo central. Do outro lado, a porta. Alinhada com a fonte (claro). Continuamos, e descemos por uma escada longa, com patamar a meio. Quase túnel (trás a memória do acesso ao pátio B no Chiado, Siza Vieira).

Chegámos ao último degrau. Uma luz directa que rasga o espaço. Por fim o claustro (no piso térreo). Pilares lineares, frios, linhas quase perfeitas, sem “bocas”. De cima, a geometria da abóboda num tringulo (vela de navio quase), pontiagudo. Um estreito e longo corredor, avança até ao infinito. Do lado esquerdo uma arcada, um resquício de outro claustro? Não sabemos. Dois vãos rompem a parede do túnel. Uma luz entra de rompante, invade e enche o espaço.

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Ilustração 122 – Sobreposição do primitivo Convento das Inglesinhas, sobre malha urbana actual. (Ilustração nossa, 2014)

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de desenvolvimento deste trabalho acompanha de certo modo o percurso feito ao longo dos anos da unidade curricular de Arquitectura e Projecto. Saber entender as premissas de cada tempo foi desde cedo alvo de curiosidade e estudo, ainda que de um modo afastado do tema aqui exposto. Nesse sentido surgem várias interrogações permanentes que acompanharam o pensamento arquitectónico ao longo dos projectos académicos.

As questão da estrutura da cidade, como o tecido urbano e as construções que acompanharam esse processo, foi sempre premissa de arranque em qualquer resposta projectual, que permitiu em certo sentido elaborar uma reflexão crítica baseada em variadas pesquisas feitas em torno da cidade e da sua evolução.

Deste modo surge o estudo sobre o papel das estruturas monásticas na formação de vários tecidos urbanos, bem como da capacidade que tiveram em constituir um modo de vida isolado da cidade, ainda que relacionando-se com esta. Com o estudo elaborado permitiu perceber como foi evoluindo essa relação, verificando-se que de modo geral os conventos foram construídos fora dos núcleos da cidade, fortificada na maioria das vezes, permitindo um desenvolvimento do tecido urbano à sua volta.

Esta premissa foi possível quer pela capacidade que as igrejas conventuais tinham em reunir população crente, quer pelo desenvolvimento criado pelos cenóbios tanto na vida laboral que levavam, como pela interação na vida pública e solidária (ao contrário dos cenóbios monásticos, que levavam uma vida de isolamento, oração e contemplação).

O entendimento deste processo explica de certo modo o aparecimento de variados conventos na cidade de Lisboa, aquando da conquista cristã aos mouros, na tentativa de “espalhar” o mais rapidamente possível o ideal cristão. Nesse sentido o modo de vida conventual insurgiu com maior força do que o modo de vida monástico, que ainda assim teve algumas excepções na cidade.

Do mesmo modo a construção de vários conventos apartados da cidade permitiu a abertura de vias que faziam a ligação entre a “cidade de Deus” e a “cidade dos Homens”. Com a evolução deste fino “rendilhado” foi possível uma consolidação cada

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vez maior e mais compacta do tecido urbano, acompanhando o crescimento exponencial da população e as necessidades que se iam propondo resolver.

Com a extinção das ordens religiosas em 1834, os conventos foram em parte afectos à utilidade pública (Fazenda Nacional). Este processo teve um peculiar desenvolvimento nas estruturas monásticas, que sofreram alterações profundas (com alguns exemplos em que foram mesmo demolidos), servindo um pouco para tudo. Quarteis, escolas, salas de espetáculos, museus, galerias, habitações, são alguns exemplos da ocupação pós-extinção.

Nesse sentido verificamos a capacidade que estes edificios têm de se afrmar como permanências na cidade, que embora destituídos das suas funções primordiais, foram contaminados pelas necessidades da sociedade. Deste modo surgiu a questão que deu origem ao estudo aqui demonstrado. A capacidade destes edificios estabelecerem pontos de contacto com a cidade através da memória que a sua vivência proporciona.

É através desta premissa que tentámos partilhar a experiência de três exemplos. A sua capacidade contaminante no tecido urbano, a regeneração que podem sofrer de modo a criar relações mais directas com a cidade e a memória que imprimem na vida urbana.

Desse modo o Convento das Bernardas do Mocambo permitiu entender a premissa da memória enquanto “matéria” trabalhável, no sentido da sua reabilitação (pelo ateliê Arqui III). Na evolução verificámos a existência de uma particularidade no desenvolvimento da estrutura urbana, com a construção do convento executada numa malha urbana já consolidada e regrada (uma das primeiras manifestações de malha hipodâmica).

De outro modo verificámos que o convento permitiu uma reutilização dos espaços com habitações, de carácter ilegal, o que nos remete um pouco para a própria vida primitiva do convento, com as celas das freiras ocupadas com habitações, o que não deixa de ser curioso.

A reabilitação do convento permitiu de algum modo estabelecer a memória da vida em clausura, no sentido em que foi valorizado o espaço claustral, adquirindo um importante ponto de participação no convento. Um espaço que permaneceu algum tempo ao ideal cisterciense e à sua materialização.

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Tanto pelo programa que foi desenvolvido em torno desse espaço, como pela valorização dos elementos constituintes do convento, importantes para a sua vivência, este exemplo parece-nos importante no sentido da permanência que o conjunto adquire naquele contexto urbano. Assim o convento tornou-se num “limite” habitável que conjugou o carácter programátivo ao carácter social, de modo a tornar a relação com a cidade mais permeável e intemporal.

Na sequência do estudo foi incluido também o Convento de São Francisco da Cidade, que de algum modo transmite a história da própria cidade, e dos seus primeiros extravasamentos. Um “elemento primário” que permitiu contaminar o tecido urbano da colina de São Francisco, adquirindo um papel essêncial no processo morfológico daquele aglomerado urbano.

Assim verificámos que o convento estabeleceu um ponto nevrálgico para o povoamento da colina e permititu em certo sentido um desenho da malha a partir da sua morfologia. Percebemos também que essa premissa estabeleceu um primeiro contacto para a formação do tecido urbano, influênciado pela cerca conventual que foi gradualmente cedida e assim preenchidos os espaços da área exterior do convento, aliás como era corrente.

A história que o conjunto conventual hoje permite estudar é de certo modo insuficiente para conseguirmos relacionar os seus espaços com o ideal franciscano. Porém com algumas descrições e elementos que resistiram ao terramoto de 1755, verificámos que as suas dimensões condiziam com a importância do convento na cidade e da participação franciscana na vida citadina. Desse modo o claustro permitiu não só o isolamento de cenóbitos como também a abertura à cidade, ainda que de um modo controlado.

Com a extinção das ordens o convento passa a diversos usos, que foram modificando a construção (já bastante arruínada pelo terramoto). De academida a escola, passando por museu, o convento adquiriu diversos espaços afectos à participação da cidade. Contudo, entendemos que a memória que ainda experimentamos, estabelece um ponto de contacto na relação com a cidade, ainda que a valorização do conjunto pudesse melhorar com uma atitude de reabilitação (que já se vai fazendo, nomeadamente com o Museu do Chiado).

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De outro modo o estudo do Convento das Inglesinhas (hoje o I.S.E.G.) permitiu questionar a importância da sua presença na malha urbana. Se por um lado os exemplos anteriores funcionaram como catalisadores de um tecido urbano, por outro o Convento das Inglesinhas não adquiriu essa importância. A consequência desse efeito deveu-se, cremos nós, à pouca expressão da ordem religiosa de Santa Brígida na cidade de Lisboa.

Nesse sentido o convento adquiriu um carácter mais isolado na cidade, ainda que tenha influênciado de certo modo a rede viária, como é o caso da actual Rua das Francesinhas, nome dado pela presença do também Convento das Francesinhas. Porém o factor de maior relevância é a ocupação feita após a extinção das ordens religiosas. Esta tranformação constante, ainda que tenha apagado vários vestígios, mateve de certo modo a estrutura conventual, como é o caso do claustro ladeado por alas de acesso às várias dependências.

Verificamos que o claustro é de menor dimensão que o habitual monástico, o que nos permite entender que esse espaço não adquire o valor essêncial da participação na vida religiosa (como no caso cisterciense). Serviria apenas como núcleo distribuidor dos vários espaços, permitindo a ventilação e iluminação desses espaços.

A reabilitação do convento (pelo ateliê de Gonçalo Byrne), estabeleceu como primeiro ponto a reintrodução do conjunto na estrutura urbana, mantendo a sua identidade. Foi conseguido através do respeito pela estrutura conventual, adaptando-a ao programa requerido, que incluíu a construção de uma nova àrea virada à Rua das Francesinhas e ao Jardim das Francesinhas.

Deste modo manteve-se a memória tanto do próprio Convento das Inglesinhas, como do significado que o Jardim comporta, pela presença, do demolido Convento das Francesinhas. Entendemos deste modo a capacidade que o convento permitiu na formação de uma nova àrea, criando relações com a cidade que de outro modo não era possível.

Com o estudo efectuado permitiu-nos esclarecer várias questões relativas a formação da cidade, ou pelo menos do contributo que as construções monásticas tiveram nesse sentido. Ainda que muitas outras fiquem pendentes, entendemos que este trabalho permite um processo evolutivo que se pretende aberto a novas questões.

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Diogo Rafael Soares de Almeida 178

ANEXOS

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

LISTA DE ANEXOS

Anexo A - Desenhos do projecto de remodelação das zonas A e B, por João Pires da Fonte.

Anexo B - Desenhos de proposta para a Sede da Academia de Belas Artes, na zona A.

Anexo C - Projecto de intervenção no Convento das Bernardas do Mocambo, por Arqui III

Anexo D - Projecto de intervenção no Instituto Superior de Economia e Gestão, por Gonçalo Byrne

Anexo E - Apontamentos e ilustrações do Convento das Francesinhas (demolido).

Anexo F Apontamentos e ilustrações do Convento da Esperança (demolido).

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ANEXO A Desenhos do projecto de remodelação das zonas A e B, por João Pires da Fonte

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 123 – “[Zona A] Planta do 1.º, onde se instalaria a Galeria de Pinturas, que poderia servir simultaneamente para a realização das sessões Régias e trienais.” (Cristino da Silva, 1973, p. 21)

Ilustração 124 – “[Zona A] Planta do 2.º, pela entrada principal do edifício, mostrando pé-direito duplo da citada galeria.” (Cristino da Silva, 1973, p. 21)

Diogo Rafael Soares de Almeida 185 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 125 – “[Zona A] Planta do 3.º, mostrando o Salão de Leitura projectado para a Biblioteca Pública.” (Cristino da Silva, 1973, p. 22)

Ilustração 126 – “[Zona A] Secção transversal e longitudinal da Galeria de Pinturas, onde poderiam ser levadas a efeito as sessões Régias trienais.” (Cristino da Silva, 1973, p. 22)

Diogo Rafael Soares de Almeida 186 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 127 – “Frontispício do corpo projectado para o edifício da Biblioteca Pública e da Academia de Belas Artes” (Cristino da Silva, 1973, p. 20)

Ilustração 128 – “Pormenor do corpo da entrada principal, segundo uma variante do mesmo frontespício” (Cristino da Silva, 1973, p. 20)

Diogo Rafael Soares de Almeida 187 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 129 – “[Zona B] Planta do 1.º, piso do corpo B, que a Academia destinava à instalação de uma grande aula de escultura tendo anexo um anfiteatro para desenho de modelo vivo, oficina de formador, depósito de formas e de gesso, etc.” (Cristino da Silva, 1973, p. 23)

Ilustração 130 – “[Zona B] Planta do 2.º, piso do mesmo corpo, onde se previa a instalação de uma grande galeria de pinturas, tendo anexo as aulas de Pintura História, de Paisagem e de Desenho.” (Cristino da Silva, 1973, p. 23)

Diogo Rafael Soares de Almeida 188 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 131 – “[Zona B] Fachada do corpo projectado voltada para a antiga Rua Nova dos Mártires.” (Cristino da Silva, 1973, p. 26)

Diogo Rafael Soares de Almeida 189

ANEXO B Desenhos de proposta para a Sede da Academia de Belas Artes, na zona A

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 132 - Plantas do piso 1 e 2 do novo corpo projectado na zona A, de apoio à Academia Nacional de Belas Artes (Cristino da Silva, 1973, p. 5)

Diogo Rafael Soares de Almeida 193 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 133 – Plantas do piso 3 e 4 do novo corpo projectado na zona A, de apoio à Academia Nacional de Belas Artes (Cristino da Silva, 1973, p. 49-50)

Diogo Rafael Soares de Almeida 194 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 134 – “Alçado principal, sobre o Largo da Biblioteca.” (Cristino da Silva, 1973, p. 54)

Ilustração 135 – “Corte Transversal.” (Cristino da Silva, 1973, p. 54)

Ilustração 136 – Perspectiva do estado actual da fachada e a proposta para a sede da Academia Nacional de Belas Artes (Cristino da Silva, 1973, p. 55)

Diogo Rafael Soares de Almeida 195

ANEXO C Projecto de intervenção no Convento das Bernardas do Mocambo, por Arqui III

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 137 – Plantas dos pisos 1, 2 e 3 do Convento das Bernardas do Mocambo, antes e depois da intervenção. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 117-118 ; Arqui III, 1996).

Diogo Rafael Soares de Almeida 199

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 138 – Plantas dos pisos 5, 6 e 7 do Convento das Bernardas do Mocambo, antes e depois da intervenção. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 117-118 ; Arqui III, 1996).

Diogo Rafael Soares de Almeida 200 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 139 – Cortes da proposta de intervenção no Convento das Bernardas do Mocambo. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 121).

Diogo Rafael Soares de Almeida 201 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 140 – Alçados da proposta de intervenção no Convento das Bernardas do Mocambo. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 120).

Diogo Rafael Soares de Almeida 202 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 141 – Alçados da proposta de intervenção no Convento das Bernardas do Mocambo. ([adaptação a partir de] Almeida, 2000, p. 120)

Diogo Rafael Soares de Almeida 203

ANEXO D Projecto de intervenção no Instituto Superior de Economia e Gestão, por Gonçalo Byrne

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 142 – Planta do piso -1 (à cota da Rua das Francesinhas), dos edifícios novos do Instituto Superior de Economia e Gestão. (Byrne, 1993)

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O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 143 – Planta do piso 0, dos edifícios novos do Instituto Superior de Economia e Gestão. (Byrne, 1993)

Diogo Rafael Soares de Almeida 209 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 144 – Planta do piso 2, dos edifícios novos do Instituto Superior de Economia e Gestão. (Byrne, 1993)

Diogo Rafael Soares de Almeida 210 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 145 – Cortes A, B e C, dos edifícios novos do Instituto Superior de Economia e Gestão. (Byrne, 1993)

Diogo Rafael Soares de Almeida 211 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 146 – Alçados Nascente e Norte, dos edifícios novos do Instituto Superior de Economia e Gestão. (Byrne, 1993)

Diogo Rafael Soares de Almeida 212 O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

ANEXO E Projecto de intervenção no Convento das Bernardas do Mocambo, por Arqui III

Diogo Rafael Soares de Almeida 213

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 147 – “Convento do Santo Crucifixo, também conhecido por convento das Francesinhas, fachadas principal e lateral”, cerca de 1910. (Benoliel, c. 1910)

Ilustração 148 – Pedras provenientes da demolição do Arco de São Bento colocadas no terreno onde foi o Convento das Francesinhas”. (Portugal, s.d.)

Ilustração 149 – Claustro do Convento das Francesinhas. (Lisboa, s.d.)

Ilustração 150 – Painel de azulejo com a Vista de Lisboa entre 1700 e 1725, onde está assinalado o Convento das Francesinhas. (Portugal, 2004)

Diogo Rafael Soares de Almeida 215

ANEXO F Apontamentos e ilustrações do extinto Convento da Esperança (demolido)

O claustro como elemento catalisador da vida monástica: da clausura à cidade de Lisboa

Ilustração 151 – “Planta do Convento de Esperança…..”. (DISPERSOS VOL. 1 VIEIRA DA SILVA)

Ilustração 152 – “Entrada do Convento da Esperança”. (Marzagão, 2013)

Ilustração 153 – Convento da Esperança (Claro, s.d

Diogo Rafael Soares de Almeida 218