O Independente. O jornal que marcou os anos 90 e a direita portuguesa

Eram estes os alvos do jornal de Miguel "O Independente" foi oposição do primeiro governo . de de maioria absoluta do PSD e mudou o jornalismo Esteves Cardoso (MEC) e foi assim Cadilhe, Costa Frei- em Portugal. Ao leme estava Paulo Portas e que Miguel re, Zezé Beleza, Braga Macedo sofreram o duro escrutínio do jornal que abanou o CATARINA FALCÃO Portugal dos anos 90. catarina.falcao(tkionline.pt "Acredito que a linha do jornal foi para líder desta for- o desgaste de um partido, de um e Vivia-se o tempo da primeira maioria abso- do 'gangue da meia-branca'. Era de um governo. Tudo dentro de um pro- luta de um só partido (o PSD) em demo- ma pejorativa que "Independente" se refe- jecto político do director-adjunto", diz Luís cracia. Era o tempo da adesão à Comuni- ria ao homens-novos criados pelo cava- Nobre Guedes, fundador e presidente do dade Económica Europeia, da chegada de quismo, aqueles que apelidava de políti- Conselho de Administração da SOCI, pro- milhares de milhões de contos de dinhei- cos sem currículo e sem história nos círculos prietária de "O Independente". Nobre Gue- ros europeus, de uma só auto-estrada (a lisboetas que tinham chegado ao poder des, contudo, sublinha, que pela redacção Al entre Lisboa e Vila Franca de Xira) e com o primeiro governo de Cavaco Silva do jornal "passou o melhor que o país ço até 1995. tucional - um plano de privatizações e a tinha" a nível jornalístico. De Maio de 1988 Se por um lado, com o seu grafismo ino- abertura da economia ao sector privado. - data da fundação do semanário - até vador, muito inspirado no jornal francês E da oposição, isto é, do PS nem sinal. 1995, o jornal combateu os governos de "Liberation", com capas apelativas e tro- Depois da saída de Mário Soares da lide- Cavaco Silva, denunciou irregularidades cadilhos atrevidos - muitas vezes a roçar rança do Partido Socialista para a Presi- e fez cair ministros ao mesmo tempo que o sensacionalismo -, o jornal trouxe às dência da República, o PS lutava ainda mudou a face do jornalismo em Portugal. bancas portuguesas o colorido que pare- para encontrar uma liderança forte que faltar à o conteúdo destaca- Mas também combateu o Presidente Mário cia imprensa, pudesse fazer frente à confluência em tor- "No início, os restan- Soares, tendo denunciado o chamado caso va-se pela diferença. no da governação de Cavaco Silva e da con- tes meios de ficaram fax de Macau que deu origem a vários pro- comunicação espan- fiança gerada à volta do seu executivo. Era tados connosco, ninguém nos conhecia cessos judiciais que levaram Carlos Melan- o tempo que Jorge Sampaio (secretário- não íamos às conferências de cia e outras figuras gradas do soansmo ao porque geral do PS) e António Guterres (líder par- estavam marcadas e pro- banco dos réus. imprensa que lamentar) conspiravam um contra o outro. curávamos as nossas próprias histórias", Era assim "O Independente". Um jor- Mas o que muitos admiravam em Cava- acrescenta a jornalista. nal que não acreditava na neutralidade, co, outros consideravam arrogância, lem- MAIORIA "O assumindo-se como "democrata e con- A CONFIANÇA NA Independen- brando que uma maioria absoluta não vida do servador", financiado por investimento te" apareceu na primeiro-minis- equivalia a uma carta-branca. Entre estes, coisas lhe cor- privado num panorama em que a maior tro Cavaco Silva quando as encontrava-se o jovem Paulo Portas. A bem. de ter dado a parte dos órgãos de comunicação per- riam bastante Depois Portas irritava a faceta tecnocrata de Cava- absoluta PSD nas elei- tenciam ao Estado. O semanário consi- primeira maioria ao co - "um homem que tende a julgar que derava "a liberdade acima da igualda- ções de 1987, o país atravessava um perío- um bom documento técnico vale mais do económico alavanca- de", segundo o seu estatuto editorial, ela- do de crescimento que um razoável acordo político" - e a sua da Comuni- borado pelo já popular MEC e pelo seu do pelos fundos provenientes omnipotência - "um homem que final- - a tinha não adjunto Portas. dade Europeia que Portugal mente terá percebido que a política 1986 - e uma de inves- "O jornalismo era muito cinzento, espe- aderido em política morreu nem se esgota nele". Quanto aos infra-estruturas todos o de Por- cialmente o jornalismo político. Muito pou- timento em por seus ministros, em Agosto 1988, ir mais sabe o cos jornalistas tinham agendas próprias. país. Mas Cavaco queria longe, pre- tas escreve: "ninguém que esperar Era muito institucional. Mudámos tudo parava já as reformas do sistema finan- deles, nem para o bem, nem para o mal". do fiscal, concretizando em E "O analisaria um um. isso", diz ao a jornalista Graça Rosendo, ceiro e regime Independente por 1989 - através da segunda revisão consti- que trabalhou no jornal desde o seu come-

Cavaco Silva não só tinha maioria, mas também a confiança da população MANITI. MOI/RAUSA O COMBATE CADÍLc-íG NÃO PA-.'- rV^O"ru L-A COMEÇA No princípio de 1989, "O C/'.'~A NAS A''''oFÍ.' ; nA3. Independente" consegue a sua primei- ra grande história. Miguel Cadilhe, na altu- 6 de Janeiro de 1989 Miguel Cadilhe, ra ministro das Finanças, teria comprado primeiro ministro das Finanças de um apartamento de luxo nas torres das Cavaco, compra casa nas novas Torres Amoreiras e não teria pago o imposto de das Amoreiras e não paga o imposto da aquisição do imóvel - na altura SISA, ago- SISA porque faz a compra através de ra IMT - por ter comprado a proprieda- permuta, apesar do valor do apartamento de através de uma permuta. Para além ultrapassar em muito o valor mínimo para disso, a mudança do ministro tinha sido isenção. Antes, o Indy tinha noticiado que feita pela Guarda Fiscal. Confrontado com Cadilhe tinha usado a Guarda Fiscal para estes factos, Miguel Cadilhe fazer as mudanças para a nova casa. Foi respondeu: "Se me perguntarem se mal, eu o primeiro caso do jornal comprei digo não, eu acho que comprei bem. Se não soubesse gerir a minha casa, mal esta- ria a o COS 'A FHEiHE DFMíTE-^ APO: ; gerir património do Estado". "Acredito OCNLNGLA DL FRA.UDÍ." que o jornal mudou a manei- ra como os políticos encaravam até aí a 24 de Março de 1989 Costa Freire, realidade", diz Graça Rosendo referindo- secretário de Estado da Saúde, é se ao caso de Cadilhe. A jornalista defen- implicado por um relatório da Inspecção de que "O Independente" não acabou com Geral das Finanças em fraudes a impunidade, mas levou "a que os titula- relacionadas com diversos concursos da res de cargos políticos tivessem mais cui- construção do Hospital S. Francisco dado com o faziam". O ministro sai- Xavier. O documento confirmou as que ria do governo em 1990. denúncias de "O Independente" que Em Março do mesmo ano, Costa Freire, levaram à demissão do governante. Costa secretário de Estado da Saúde demite-se. Freire foi acusado e acabou por ser preso Um relatório da Geral das Finan- preventivamente. Mais tarde foi ilibado. Inspecção ças vem dar razão a uma série de repor- tagens do jornal de Portas e aponta o envol- vimento do governante em várias irregu- laridades e pagamentos a empresas fantasmas em obras de vários hospitais. Seria o abalo da A imagem de Winston Churchill a primeiro ministra da Saú- de, Leonor comemorar a vitória dos Aliados contra a Beleza, que estava em pé de com os médicos. Alemanha de Hitler foi a base de uma guerra Seguiram-se o caso dos hemofílicos e o envolvimento do campanha de marketing que pretendia irmão José, mais conhecido identificar o jornal com os valores por Zézé, no caso da fraude dos conservadores, mas também com a cultura hospitais. Nesta altura, a anglo-saxónica que inspirava Miguel redacção começa a aper- ceber-se da dimensão "O Esteves Cardoso (filho de uma britânica) e que Independen- Paulo Portas. Churchill simbolizava te" está a tomar. "Havia chamadas constan- tes à descobrir também a resistência do jornal contra a quinta-feira para as nossas continua na 'ditadura' da maioria cavaquista. página seguinte »

16 de Fevereiro de 1990 Num fax enviado ao então governador de Macau, Carlos Melancia, a empresa alemã Weidleplan pede a Melancia a devolução de um alegado suborno de 50 mil contos que lhes deveria garantir a concessão da obra do aeroporto daquele território então sob administração portuguesa. Melancia foi acusado por corrupção, sendo absolvido pelo Supremo Tribunal de Justiça. "CDS e "O Independente" combateram o cavaquismo em duas frentes"

O líder do CDS entre 1992 e 1998 diz que havia "uma sintonia total entre o PP e aquilo que Paulo Portas pensava para a direita" a influência de Qual real "O - mais que a Cavaco Silva. O PP Independente" no período do protagonizou um combate ao cavaquismo? cavaquismo e "O Independente" L 'hu estou convicto Eu "O penso que Independente" protagonizou no plano da inter- deu losse voz a um sentimento bastan- venção jornalística também um que se hoje te adormecido na sociedade por- combate ao cavaquismo. Eram director d' "O de em tuguesa cansaço profundo duas frentes que combateram, cie à de maioria Independente" relação governação cada uma no seu campo, objec- absoluta do professor Cavaco Sil- tivamente o cavaquismo. próprio já tinha mas outro lado va, por penso que Considera que Paulo Portas desrruido o Pai;]o o contribuiu jornal essencialmen- terá primeiro utilizado o jornal Portas te lider do para dizer aos portugueses para influência e depois con- aquilo que eles desconheciam em trolar o CDS/PP? CDS- Po absoluto sobre o conjunto de pes- Um dia hei-de responder a isso. soas que se serviam do Estado. Tenho a minha opinião clara sobre E na transição do CDS para o essa matéria, mas num contexto Partido Popular, houve distinto. Pergunto-me sim, se isso influência do jornal? foi usado para a conquista de pro- Fui um dos preponentes para essa tagonismo e poder político, pon- mudança. O CDS era visto como do em causa todo o seu trabalho o partido dos ricos com uma fra- como director. Se fizermos uma ca penetração do operariado - análise aos textos escritos, às teses não falo do meio rural. Esta mudan- e teorias defendidas pelo então foi de ça encontro à afirmação de director de "O Independente" e uma direita popular que não teve aquilo que mais tarde o político nada a ver com "O Independen- Paulo Portas diz e faz, pensare- te". É evidente que a mudança mos que um vive em Marte e o para PP, que correspondeu a uma outro vive no planeta Terra. Há de conteúdo mudança e do con- efectivamente no plano dos valo- ceito da direita em Portugal, não res e dos comportamentos, uma é alheia à ideia que "0 Indepen- mudança estruturalmente radi- dente" transportava no sentido cal no Paulo Portas. Eu estou con- em que pudesse existir uma direi- victo que se fosse hoje director d' ta diferente, interventiva, nacio- "O Independente" ele próprio já tinha destruído o Paulo Portas nal, patriótica, anti-federalista e líder do CDS-PP. anti-marcha que a União Euro- peia estava a ter. No plano de com- bate e intervenção política havia uma sintonia total entre pensa- mento e identidade entre aquilo que eu desejava para o PP e aqui- lo que Paulo Portas pensava para a direita portuguesa. Havia então uma sintonia? Havia uma sintonia principal- mente na crítica ao cavaquismo económica e administrativa da sociedade, conservador na Opinião organização social e nacionalista na defesa da soberania contra o federalismo europeu. O velho CDS de Freitas não Ojornalítico Paulo Portas era nada disso. Se esses eram os valores, a estratégia também era simples: SOU DOS QUE PENSAM que Paulo Por- «o centrismo não existe», «o inimigo é a esquerda», na tas nunca será tão bom político como foi qual incluía o PSD de Cavaco Silva, «não há alianças», a jornalista. Mas quem leia os mais de «democracia cristã não chega» e eram necessárias «novas 400 artigos de opinião que publicou no bandeiras». seu jornal ao longo de sete anos, não Foi assim que surgiu o CDS/PP de Manuel Monteiro, como resiste à mistura das duas profissões também foi assim que surgiu a candidatura de Basílio que o articulista Portas encarnou na Horta contra Mário Soares (apoiado pelo PSD) nas presi- perfeição. denciais de 92 - depois de falhadas as proto-candidaturas Comecemos pelo óbvio: são muitas as de Lucas Pires e Pedro Ferraz da Costa activamente pro- contradições entre o que Portas escreveu entre 1988 e movidas nas páginas de "O Independente". Todos em 1995 e aquilo que pensa e pratica hoje em dia. É certo que comum tinha um objectivo: combater o cavaquismo e o só os burros não evoluem, mas nunca o jornalista Paulo soarismo. Portas perdoaria uma só incongruência de qualquer outro Paulo Portas conseguiu com que "O Independente" fosse, que tivesse tido o seu percurso. como diria Lenine, "muito mais do que um jornal. Pode Com a ponta da sua caneta 'Futura', Portas conseguiu ser sobretudo um organizador colectivo". Esse terá sido de do fazer uma oposição sistemática e persistente ao primeiro- sempre o objectivo Paulo Portas com a criação jor- ministro Cavaco Silva, sendo aos olhos da opinião pública nal. Mas um dia ele próprio nos dirá se assim foi. o verdadeiro líder da oposição. Mas, mais importante que tudo, foi a partir da sua coluna "Antes pelo Contrário" que luis. rosa @ionline. Pt a direita portuguesa perdeu os complexos do salazarismo e foi reconstruída de alto a baixo. Portas destruiu a teoria da equidistância e centrista de Freitas do Amaral, que tanto se 'casava' com o PS como com o PSD, e criou nas suas páginas o programa ideológi- co do CDS/PP. Enquanto idolatrava Francisco Sá Carneiro e Margaret Thatcher, o director de "O Independente" impunha a necessidade de criar um partido liberal na organização

O DIA EM QUE MEC E PORTAS CONCORDARAM COM CUNHAL 18 de Maio de 1990 É uma das melhores entrevistas da história de "O Independente". Miguel Esteves Cardoso e Paulo Portas conseguiram convencer Álvaro Cunhal, o histórico secretário- geral do PCP, a conceder uma entrevista de fundo ao jornal que se assumia como de direita. O resultado é um diálogo vivo, culto e espantosamente conciliador: os três concordaram que eram conservadores. manchetes" conta Graça Rosendo. Tam- ram-me de viver numa casa da Seguran- Adelino Maltez afirma que a direcção do bém Mira Amaral, ministro da Indústria e ça Social e foram tirar-me fotografias à jornal pretendia "ver-se livre de uma direi- da Energia na altura relembra em declara- porta de casa", recorda Silva Peneda, que ta que não lhes agradava". E alguns epi- ções ao i que o executivo "começava a sema- explicou ao jornal que ocupava a casa cedi- sódios, como as bandas desenhadas de na a perguntar quem é que ia ser baleado da por um amigo (Pereira da Silva, antigo Macário Correia, fazendo referência às n' "O Independente" de sexta-feira". chefe de gabinete do ex-ministro do Tra- suas origens, segundo o professor, indica- "Soubemos que irritávamos verdadeira- balho) que era o locatário do imóvel. "Era vam "um jornal de queques da linha", que mente Cavaco Silva quando este arranjou um jornal que procurava o escândalo fácil mais tarde, através de Paulo Portas, aca- esquemas para descobrir quem nos pas- e não considero que fosse um jornal sério", bou por "marcar a direita em Portugal". sava a informação, enviando diferentes afirma Silva Peneda. O SALTO DE PAULO PORTAS "Uma estraté- de versões para os vários ministério, A que Apesar ter defendido 127 casos con- gia política do director do Independente" tra "O e ter saísse no jornal, era a nossa fonte", conta Independente" apenas perdi- é assim que Nobre Guedes define a linha do Nobre Guedes, era o advo- Graça Rosendo que admite que o jornal quatro, que editorial seguida por Paulo Portas. O homem do considera "generalizou o off e as fontes anónimas" gado jornal, que nalgumas que jurou jamais juntar-se ao outro lado, ocasiões o foi "claramente de e quebrou o tabu de publicar documen- jornal longe começou por aproximar-se do CDS num mais", havendo muitas "saí- tos antes da sua aprovação. pessoas que período de transição do partido, primeiro ram muito melindradas, feri- "As fontes de informação do jornal esta- magoadas com a tentativa (falhada) de impulsionar das e muito de acu- vam dentro do próprio cavaquismo", expli- injustiçadas" algumas a candidatura presidencial de Francisco sações feitas pelo semanário. "Era uma ca o professor José Adelino Maltez, acres- Lucas Pires e depois com o apoio à candi- forma de jornalismo assentava no ata- centando que algumas das notícias pas- que datura de Basílio Horta às presidenciais sadas ao semanário tinham como objectivo que pessoal. Eu fui poupado, nem tenho de 1991. Basílio Horta foi o único candida- liquidar politicamente alguns membros razões de queixa, mas senti em vários cole to de direita nessas eleições -já que Mário do governo. "Essas notícias eram favorá- gas", declara Mira Amaral. Soares era apoiado pelo PSD - e obteve veis a certas forças dentro do próprio exe- João de Deus Pinheiro, então ministro 14% dos votos, uma melhoria face ao resul- cutivo", afirma Maltez. Mira Amaral diz dos Negócios Estrangeiros conta, entre tado das legislativas de 87 que deram ao que muitas manchetes do Independente risos, a história da manchete do Indepen- partido apenas 5% dos votos. mostravam "que havia fugas dentro do dente que o ligava ao roubo de uma man- Mas a verdadeira intervenção política governo", como ele próprio chegou a dizer ta da TAP depois de um voo. "Podiam-me fez-se através de Manuel Monteiro. Anti- a Cavaco Silva. ter acusado de qualquer coisa porque como go líder da Juventude Centrista - agora "Com certeza que era incómodo para é óbvio não era um ministro perfeito. Mas Juventude Popular - assume em 1992 a Cavaco ter pessoas no Conselho de Minis- do roubo de uma manta? Quem me conhe- liderança do CDS e travará as suas maio- tros ou na Comissão Política do PSD que ce sabe que seria incapaz disso e a opinião res batalhas com Paulo Portas ao seu lado. depois contavam o que se lá passava den- pública apercebeu-se que no jornal os Enquanto tratava do jornal, Portas tam- tro", afirma Luís Nobre Guedes. assuntos não eram tratados de fornia séria", bém escrevia os discursos de Monteiro, afirma Deus Pinheiro. aconselhava-o, tendo mesmo chegado a LONGE DEMAIS "Tinha um objectivo claro Graça Rosendo afirma ter sido contra a participar informalmente em reuniões da que era derrubar ou minar, atacar e dene- publicação dessa história e reconhece que direcção do partido. grir Cavaco Silva e os seus ministros. Era "houve exageros e pouca noção dos limi- "A minha primeira direcção no CDS tem de um jornal de combate ao governo", diz tes", por isso acredita que haja pessoas um conjunto significativo pessoas que vinham da estrutura directiva d' "O Inde- José Silva Peneda, então ministro do Empre- que ficaram sentidas, mas afirma que no go e da Segurança Social. "A mim acusa- jornal "não foram contadas mentiras". pendente". Nobre Guedes era presidente

A UGT E AS FRAUDES DO FUNDO SOCIAL EUROPEU 6 de MARÇO DE 1992 Torres Couto, Paulo Portas e Miguel histórico secretário-geral da UGT, faz a Esteves Cardoso lide- capa do jornal. A manchete é o culminar raram um projecto de uma série de artigos sobre alegadas inovador na imprensa fraudes dos dirigentes daquela central em Portugal sindical na gestão de subsídios da D.R. Comunidade Económica Europeia (antecessora da União Europeia) para a formação profissional. O caso levará a uma acusação do Ministério Público e a um julgamento, mas acabou por prescrever. meira cambalhota da SOCI, Pais do Amaral, um dos princi- para jovens agricultores no valor de 10 mil política. Ignorando tudo contos - a batalha do tal o tinha escrito, acabou pais accionistas daquela empresa, e Fran- Independente, que por apoiar o do seu ex-inimigo de cisco Fino. Estamos a falar de três ou qua- como a CDS, torna-se a Europa Fazem- estimação. "Acredito a linha do foi tro pessoas do jornal que estavam lá" diz se inquéritos aos deputados sobre o Tra- que jornal para ao i Manuel Monteiro, acrescentando, con- tado de Maastricht, pede-se um referen- o desgaste de um partido, de um líder e tudo, que a autoria ideológica na transi- do, tudo para proteger a soberania nacio- de um governo. Tudo dentro de um pro- ção do CDS para o Partido Popular é sua. nal e parar o furor federalista. jecto político do director-adjunto", conclui Embora também assuma o papel deter- Paulo Portas e Cavaco Silva acabariam Nobre Guedes, sublinhando no entanto minante do jornal nessa transformação. por abandonar ao mesmo tempo os seus que pela redacção do Independente "pas- sou melhor "Havia uma sintonia entre partido e jor- cargos. Um para entrar na política e tor- o que o país tinha" a nível jor- nalístico. nal, principalmente na crítica ao cavaquis- nar-se deputado pelo CDS impulsionado mo (mais que a Cavaco Silva) e isso era pela visibilidade que o cargo como direc- "Na altura, não tinha essa noção", assu- inquestionável", acrescenta. Adelino Mal- tor-adjunto d' O Independente lhe propor- me Graça Rosendo, dizendo que para si o tez diz que Paulo Portas teve um papel cionou; o outro, para sair do governo por- Indy era "um projecto jornalístico" que essencial nesse momento na alteração do que 10 anos no poder cansam e o desgas- tinha "um director-adjunto brilhante". Rosendo eleitorado de direita que, com a sua influên- te, especialmente do seu último mandato, reconhece, contudo, que o jor- cia, passou a ser "mais urbano". já não lhe permitiam o brio de outros tem- nal representou um "salto" para Portas. Apesar de continuar a noticiar escânda- pos. Ironicamente, os caminhos entre os Quanto à importância de um jornal como los dos ministros cavaquistas - em 1992 o dois (que hoje têm uma relação estabili- "O Independente naqueles anos? Tanto jornal avança que Braga de Macedo, então zada) cruzaram-se logo se seguida. Mira Amaral como João de Deus Pinhei- ministro das Finanças da segunda maio- Com a primeira candidatura presiden- ro afirmam que nada mudou na política ria absoluta de Cavaco Silva tinha concor- cial de Cavaco em 1996 (perdeu para Jor- por influência d' "O Independente", mas rido com o nome do cunhado a apoios ge Sampaio), Portas foi obrigado à sua pri- admitem que pode "ter condicionado" algumas medidas. divulgação no jornal de estudos e propos- O escrutínio intenso do "Independente" tas do governo e que isso "deixava o pri- (tal como do "Público") obrigou, contudo, meiro-ministro furioso". a classe política a legislar para evitar novos Adelino Maltez diz que tem saudades do escândalos na gestão dos dinheiros públi- semanário. "Tinha jornalistas geniais e É cos. desta altura que surgem leis como uma grande força editorial, tenho a cer- teza a das incompatibilidades ou a que obri- que um 'Relvas' pelo Independente estava gou os titulares de cargos políticos a divul- já demitido", assegura. O investi- garem os seus rendimentos ao Tribunal gador deixa o aviso que Paulo Portas ain- Constitucional. da pode voltar ao jornalismo: "tem o vício". Com Luís Rosa Graça Rosendo diz que "efectivamente houve recuos" no cavaquismo graças à

BRAGA DE MACEDO OBRIGADO A SAIR DO GOVERNO

7 de Agosto de 1992 O jornal descobre que Braga de Macedo, ministro das Finanças da segunda maioria absoluta de Cavaco Silva, deu o nome do cunhado para conseguir um subsídio de jovem agricultor no valor de 1 0 mil contos. O subsídio foi aplicado na propriedade do ministro no Alentejo, que mais tarde foi investigada pelo Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura.

O TESTE QUE EMBARAÇOU O PARLAMENTO 11 de Dezembro de 1993 Os deputados não estavam habituados a perguntas muitos difíceis, mas o Indy lembrou-se, na sua luta contra o Tratado de Maastricht, de fazer um questionário exaustivo sobre o acto legislativo que criaria a União Europeia. Apesar do apoio unânime do PSD e do PS ao federalismo europeu poucos parlamentares passaram no exame porque desconheciam o Tratado. MARIA RAMOS SILVA mariarsilva(wjonline.pt Quando a insolência cozinhada na noite era o prato do dia O Indy nasceu ao jantar, entre tapas, queijo manchego e copos de vinho, para dar de comer à geração de 70 e provocar azias em estômagos fracos

A sorte sorria aos boémios naquela madru- O "Vida", a revista que acompanhava o tura anglo-saxónica, que se afastava da gada de Agosto de 1988. 0 primeiro teste jornal, apanhava a mesma onda do gru- tradição de uma certa elite cultural de ins- de fogo deflagrava no coração de um Chia- po eufórico que se instalara num primei- piração francófona. "Há uma nova procu- do que acordava em chamas. Eles não se ro andar da Rua Actor Taborda, à Estefâ- ra pela cultura popular no sentido con- levantaram com elas - felizmente ainda nia, paredes meias com os títulos pican- temporâneo. Caracteriza a maneira como não se tinham deitado. "Aquele grupo de tes do velho Cinebolso. Combinava o 'Independente' entra no mercado de for- pessoas, além de trabalhar de dia, tam- reportagem, política, crítica de cultura. ma muito radical. Era completamente dife- bém se divertia à noite. Isso explica que o Um caderno de matérias de fundo com rente, sobretudo no critério de edição foto- 'Independente' tenha feito uma boa edi- entrevistas e trabalhos de investigação, gráfica, e no caderno 3 (a revista "Vida")", ção sobre o incêndio. Começou às cinco onde as crónicas de Vasco Pulido Valen- descreve Manuel Falcão, então subdirec- da manhã, e a maior parte do jornal esta- te, João Bénard da Costa, Agustina Bessa tor do título detido por Pais do Amaral. va a sair do Alcântara-Mar", recorda Pedro Luís, Jorge Molder, Miguel Graça Dias ou Foram os últimos anos de 80 e meados Rolo Duarte, que ingressou em "O Inde- Graça Franco, se cruzavam com especiais de 90. Um jornal nascido em tempos de pendente" como redactor do caderno 3, e sobre o 25 de Abril, aventuras na Coreia reunificação alemã, dissolução da URSS sairia um ano depois da fundação, então do Sul, conversas com Chomsky ou "A Ida- e fim da Guerra Fria, dos protestos dos editor-adjunto. de da Pedra" - ensaio sobre o éden da erva estudantes chineses na Praça Tiananmen, Uma cidade em brasa. Um jornal que se quando MEC foi "comprar droga a Ames- do fim do apartheid, do aparecimento preparava para atear um público que não terdão". Voltou para contar, umas páginas dos Simpson e da invenção do protocolo se revia no exíguo cardápio das bancas. antes do caderno 4, o "Variedades", que http, acontecimentos que a "Time" des- "Nenhum de nós tinha a noção de que esta- recebia o roteiro dos espectáculos. tacava em 1989. va a fazer um jornal revolucionário. A nos- "Era considerado mau jornalismo escre- Mas a frequência da efervescente movi- sa ideia era fazer um jornal que gostásse- ver na primeira pessoa. E no 'Independen- da alfacinha não chegava para consolar mos de ler, que não havia na altura." te' isso era o mínimo. Essa liberdade aca- accionistas frente a frente com os núme- Poucos êxitos caem do céu, mesmo que bou por marcar o jornal e dar-lhe notorie- ros. "No princípio, ao contrário do que se a concorrência dê pouca luta a recém-nas- dade", acredita Rolo Duarte, que, ao lado pensa, o jornal vendia-se muito mal: 20 cidos em timings oportunos. Como lem- de Paulo Gomes, Nuno Miguel Guedes e ou 30 mil. Era o jornal do Portas e do Este- bra Carlos Quevedo, desafiado por Este- Sérgio Coimbra, em permanente e sub- ves Cardoso. Esteve para acabar e tudo. ves Cardoso a assinar as críticas de teatro, versivo modo work in progress, destaca Começou a crescer quando foi o escânda- "O Independente" é fruto da época mas os mentores dessa cisão evidente, quan- lo do Cadilhe e nunca mais parou. Enquan- também de uma escolha e procura dessa do grafismo, títulos e temáticas se eman- to o '' ia marcando mais pelo lado unidade por parte de quem pensava o pro- cipavam do cinzento formato dos contem- institucional, nós ficávamos com a irreve- jecto. "Há algo de acaso, mas também mui- porâneos "O Semanário" ou "O Jornal", rência e uma certa contracorrente", subli- ta força de vontade para procurar esse num país não muito mais colorido. "O nha Rolo Duarte. acaso. A imprensa era muito chata. Havia segredo era a cabeça das pessoas que diri- Em Dezembro de 88 a saga imobiliária os abrilistas e os reaccionários ou saudo- giam o jornal, o Paulo e o Miguel. O Pau- dos cavaquistas estava na ordem do dia. sistas de direita. Consegue-se uma unifor- lo na vertente da política e o Miguel com Sempre às sextas-feiras, para ser mais rigo- midade de estilo, menos formal e careta, aquela cabeça aberta em relação a tudo." roso. O caso Cadilhe arrasta-se pelas pági- com humor e ironia em muitos casos. 'O Duas cabeças para uma única sentença nas do Indy. A terra de Cadilhe, a família Independente' introduz talento, sinceri- de energia descarregada por uma equipa de Cadilhe, a infância de Cadilhe. 140 escu- dade e insolência no panorama." fresca, com uma média de idades de 25, à dos no preço de capa. O escândalo rendia frente de uma revolução a toque da cul- mais que o imposto da sisa num territó- rio em mudança. Em fins de Março de 1988, CGTP e UGT convergiam pela pri- meira vez para um dia de greve geral. Em Julho, o PSD alcançava a sua primeira

A PRIMEIRA ENTREVISTA DE PAULO PORTAS, O POLÍTICO 4 de Agosto de 1995 Paulo Portas tinha saído há semanas da direcção de "O Independente" para se candidatar a deputado do CDS/PP pelo círculo de Aveiro. Foi uma decisão que surpreendeu a maioria da redacção, pois apesar do apoio de Portas ao PP de Manuel Monteiro, o jornalista sempre se jurara que não passaria para a política. A entrevista a Domingos Amaral serve para se explicar aos leitores do Indy.

A PRIMEIRA VÍTIMA NÃO- CAVAQUISTA 13 de Janeiro de 1996 Os primeiros tempos do governo de António Guterres foram agitados. Primeiro faleceu Henrique Constantino, ministro do Equipamento Social, dias depois de tomar posse. Depois o seu sucessor, Francisco Murteira Nabo, poucos dias teve no cargo. A razão: esqueceu-se a pagar a totalidade do imposto de SISA sobre a compra de um apartamento em Lisboa. O número zero do "Indepen- dente" apostava numa imagem moderna em que participaram profissionais como Luís Miguel Castro, Álvaro Rosendo, Inês Gonçalves e Jorge Colombo

maioria absoluta de deputados na Assem- bleia da República, com Cavaco na lide- rança. Éramos 10 milhões. Vivíamos em média até aos 73 anos. Chevignon, Moto- rola, Twingo e cupões de desconto para comprar artigos Uniform enchiam as pági- nas da publicidade. Em Maio desse mes- mo ano o Porto sagrara-se campeão nacio- nal com cinco pontos de avanço sobre o Benfica. Até aqui, pouco de novo, dir-se- -ia. Mas é só impressão. "Era um momento único de transição no país. Política e economicamente esta- va a começar a mudar. Por outro lado, quem era adolescente no 25 de Abril esta- va a chegar à idade mais madura. A gera- ção que entrava nos novos consumos cul- turais ficou satisfeita por ter um guia para a acção", destaca Manuel Falcão. O guia para a acção não fazia cerimónia na irre- verência, sendo recebido com algum temor pela geração anterior, que até então controlara a informação cultural. O manual para uma vida menos banal desfiava amo- res e ódios para todos os tipos de estima- ção. "O Morais", ou Isaltino de A a Z por Constança Cunha e Sá. Professor Karma e Zandinga, farejados pelo sarcasmo da secção "Rantanplan". Margarida Prieto, a "Mulher de Vermelho", então terceira dama portuguesa perfilada por Alexan- dra Tavares Teles, a quem se agradece uma confissão para a posteridade de qual- quer liga de clubes: "Gostava de fazer uma capela para levar os jogadores aos caminhos de Deus." A ironia genética que se estendia às legendas, porque uma vír- gula é muito mais que um sinal de res- piração numa frase: "Miguel Angelo, o dos Delfins, simpatiza com a figura de Judas, o do município, não o da Bíblia." Os bate bolas para a história como o encon- tro Portas, MEC e um Cesariny em sur- reais desabafos. "Já não há povo que quei- ra ser povo." Mas o povo queria ler jornais, nem que fosse para atacar o que acusava de ser uma amálgama de opiniões à margem da orto- doxia jornalística. "Não havia era hipocri- sia e cumplicidade com entrevistados. Não existia o off the com o 'Independen- te"', rebate Carlos Quevedo sobre uma equi- tos, mas "disse muito mal dos transmon- o impacto que um simples jornal podia pa com caita-branca para fazer o que que- tanos". A reacção das costelas descen- ter", acrescentaria Pedro Lomba. ria - e meios para cumprir esse êxito edi- dentes da terra de Torga não demorou. Para a história fica uma outra, começa- torial. "Para toda a equipa fundadora era "Do António Barreto ao Hermínio Mon- da à mesa e repescada do prato do núme- claro que a independência só se ganha assu- teiro, caíram-me todos em cima!" ro zero, onde Esteves Cardoso contou "A mindo posições. Não é com ambiguidade Ao fim de 18 anos, "O Independente" nossa história". Aquela de 12 de Setembro que isso acontece", acrescenta Falcão. punha fim às reticências com um ponto de 1987, dia dos 25 anos de Paulo Portas, Um jornal assumidamente de Lisboa, final na capa, despertando imediata nos- quando umas inocentes tapas e queijo interessante pólo de movimento, mas talgia numa certa família dos 70. "Dificil- manchego deram o mote a uma das nos- sem estar fechado sobre o umbigo da mente eu estaria aqui a matar árvores e sas melhores refeições dos anos 90. Tomos capital, que encarava as reclamações a gastar tinta sem a prosa de Miguel Este- jantar a um restaurante espanhol, onde com a mesma naturalidade com que as ves Cardoso, de Vasco Pulido Valente, de apaziguámos o nosso anti-iberismo [...] provocava. Quando o governo decidiu Paulo Portas, de Leonardo Ferraz de Car- Quando me preparava para provar o vinho, Paulo que o país deixava de ter províncias, a valho, de João Bénard da Costa", escreveu o pousou o garfo e perguntou-me: favor de regiões, MEC envia Rolo Duar- em crónica o jornalista João Miguel Tava- "Porque é que não fazemos um jornal?" E foi o fizemos. Até saber te e a fotógrafa Inês Gonçalves percor- res em 2006, quando o jornal fechou por- que hoje estou para como." rer o país de norte a sul para perceber tas. "Para quem passou pela adolescência se a divisão fazia sentido. Pedro não pou- no princípio dos anos 90 e era, por isso, pou elogios aos alentejanos e aos minho- permeável e insatisfeito, não se imagina

EDIÇÃO PIRATA DO DIÁRIO "PÚBLICO" QUE TARDAVA O diário dirigido por Vicente Jorge Silva adiou a data de lançamento e continuavam a teclar uma catadupa de números zeros. Rapidamente a equipa do "Independente" antecipou-se e lançou um jornal a imitar o grafismo dos números zeros do diário, imitando o estilo de escrita dos colegas, e com o título de "Boneco", para assinalar que eles naquele momento continuavam a escrever apenas para o boneco.

O ÚLTIMO CASO: AS CONTAS DA SUÍÇA DE ISALTINO 4 de Abril de 2003 No dia em que o governo de Durão Barroso comemorava o seu primeiro aniversário, "O Independente" revelou que o ministro Isaltino Morais, o autarca-modelo do PSD, tinha três contas bancárias na Suíça desde os anos 90 que nunca tinha declarado ao Fisco e ao Tribunal Constitucional - como era sua obrigação. Isaltino demitiu-se de imediato após perceber que Durão não perdoaria tal falha.