4 Esboço Histórico Das Relações Diplomáticas Entre Eua E Brasil Durante O Século 19
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88 4 ESBOÇO HISTÓRICO DAS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS ENTRE EUA E BRASIL DURANTE O SÉCULO 19 O objetivo deste capítulo é semelhante ao anterior: realizar, a partir de alguns autores consagrados, um breve histórico das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos no século 19. Os autores utilizados são citados freqüentemente ao longo do texto. Uma primeira observação a ser realizada a respeito do assunto é que, tanto quanto me foi possível averiguar, as relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos neste período não foram e não tem sido um objeto privilegiado de um grande número de estudos acadêmicos de peso. Embora trabalhos de grande qualidade já tenham sido produzidos (utilizo alguns deles neste capítulo), a quantidade de obras parece ainda ficar a dever. O trabalho mais amplamente consultado para a realização do presente capítulo foi Diplomatic Relations Between the United States and Brazil , de Lawrence F. Hill. Embora seu enfoque sejam as relações diplomáticas entre os dois países (conforme o título de seu livro menciona), Hill utiliza também material a respeito de questões comerciais e financeiras, conforme este possa cooperar para a melhor compreensão de questões diplomáticas. Ele baseia-se principalmente em fontes primárias (em grande quantidade) produzidas por seções diplomáticas norte-americanas, além de jornais, publicações oficiais dos dois países e algumas fontes secundárias. Em alguns momentos a obra de Hill é bastante crítica para com os agentes norte-americanos no Brasil. De acordo com ele, isso é apenas resultado da análise das fontes, ou seja, Hill afirma que suas críticas apenas refletem os fatos. Diplomatic Relations Between the United States and Brazil é um trabalho altamente descritivo e minucioso. Seu caráter é predominantemente narrativo, ainda que diversas análises estejam espalhadas ao longo do texto. Hill pauta suas afirmações em uma grande amostragem de fontes, deixando aparentemente pouco espaço para questionamentos. Outros trabalhos consultados incluem Presença dos Estados Unidos no Brasil (Dois séculos de história) de Moniz Bandeira. Este é também um trabalho bastante completo a respeito das relações diplomáticas entre Brasil e Estados 89 Unidos. Não será feito aqui uma resenha completa do livro, uma vez que Moniz Bandeira não oferece informações muito diferentes dos demais autores a serem citados. Cabe apenas ressaltar que a obra de Moniz Bandeira difere dos demais em suas conclusões, uma vez que apresenta um viés claramente economicista e nacionalista. Utilizei também The Unwritten Alliance: Rio Branco and Brazilian- American Relations , de E. Bradford Burns, e Brazil and the United States Toward a Maturing Relationship , de Roger W. Fontaine. Para aquilo que interessa à presente pesquisa, ambos se baseiam em grande parte em Lawrence Hill, além de fontes particulares a seus trabalhos individuais. Uma característica em especial das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos durante o século 19 ressaltada ao longo do capítulo é seu caráter pouco amistoso, algo estranho ao atual estado de tradicional cooperação entre os dois países. Em meados da década de 1960, ao publicar seu livro The Unwritten Alliance: Rio Branco and Brazilian-American Relations , E. Bradford Burns caracterizou as relações entre Brasil e Estados Unidos como uma amizade íntima, ou ainda, um relacionamento “tradicional”. Porém, conforme ele próprio declara, a história das relações diplomáticas entre os dois países durante o século 19 falha em prover subsídios que comprovem esta amizade. Sem entrar em maiores detalhes de sua obra, pode-se dizer que Burns defende a idéia de que EUA e Brasil não eram grandes aliados durante o século 19.1 Escrevendo menos de dez anos após Burns, Roger W. Fontaine também faz uma breve recapitulação das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos ao longo de cerca de 150 anos de história sem caracterizar como amistosas as relações entre os dois países no século 19. 2 Burns e Fontaine não têm em seus livros o objetivo de escrever extensamente a respeito das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos no século 19. O primeiro dedica-se, sobretudo a demonstrar que a amizade “tradicional” entre Brasil e Estados Unidos deve ser datada principalmente a partir do final do século 19, com o advento da república no Brasil, especialmente como 1 BURNS, E. Bradford. The Unwritten Alliance: Rio Branco and Brazilian-American Relations . New York and London: Columbia University Press, 1966. p. ix. Burns considera Lawrence Hill a principal referência a respeito das relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos no séc. 19. 2 FONTAINE, Roger W. Brazil and the United States Toward a Maturing Relationship . Stanford: AEI-Hoover Policy Studies, 1974. p. 8. Fontaine igualmente faz referência a Hill como obra de referência. 90 resultado da política externa do Barão do Rio Branco. O segundo procura apenas oferecer um panorama geral, ao qual seu estudo principal, as relações entre Estados Unidos e Brasil na década de 1970, possa se conectar. Tanto Fontaine quanto Burns fazem referência a Lawrence Hill como a principal autoridade a respeito do assunto sobre o qual eles escrevem apenas brevemente. O livro de Hill cobre um vasto período, indo da independência do Brasil até bem próximo da época de sua publicação, na década de 1930, e igualmente qualifica como pouco amistosas as relações diplomáticas entre os dois países no período já mencionado. De acordo com Lawrence F. Hill, as relações diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos durante o século 19 foram marcadas pela posição relativamente periférica de ambos os países em relação um ao outro. Seu convívio variava entre a indiferença e alguns momentos de maior rivalidade, embora declarações reivindicando maior aproximação possam ser observadas em alguns momentos vindas de ambas as partes. 1 Os títulos de alguns dos capítulos da obra de Hill podem dar uma idéia das relações entre os países no período: “An Inauspicious Beginning”; “Some Improvement”; “Confusion and Misunderstanding” (nesta ordem). Fontaine divide a história das relações EUA-Brasil em dois períodos: o primeiro, indo de 1808 até praticamente o final do século 19, no qual os dois países ocupavam posição relativamente periférica em relação um ao outro; e o segundo, indo do final do século 19 até o período em que o livro estava sendo escrito (e presumivelmente, até nossos dias), no qual houve um crescimento vertiginoso, porém assimétrico, do interesse mútuo dos dois países, com os EUA tornando-se prioridade da política externa brasileira. 2 Durante o primeiro período, os Estados Unidos tinham como prioridades internacionais sua expansão continental rumo ao Oeste, a manutenção da coesão interna, ameaçada pelos conflitos norte-sul, e o isolacionismo em relação a problemas europeus. Já o Brasil havia emergido do período colonial com um grande território, cujas fronteiras procurou manter. Procurou também reforçar as relações com a Inglaterra, igualmente herdadas de Portugal. Estas prioridades, 1 Faço aqui uma análise bastante ampla do livro de HILL, Diplomatic Relations Between the United States and Brazil . Durham: Duke University Press, 1932. 2 FONTAINE, Roger W. Brazil and the United States Toward a Maturing Relationship . p. 8. 91 segundo Fontaine, explicam a importância relativamente baixa dos dois países um em relação ao outro. 1 Fontaine destaca em primeiro lugar que, em comparação com outros países do Hemisfério Ocidental, as relações entre Estados Unidos e Brasil foram sempre relativamente amistosas. Reforçando este ponto, ele destaca os exemplos opostos de Estados Unidos e Argentina, e Brasil e Argentina. 2 Burns destaca diversos aspectos positivos das relações entre os dois países no início do século 19: o Brasil foi o primeiro país latino americano a ter um diplomata norte-americano designado para seu território. Foi também o primeiro país a aprovar a Doutrina Monroe, propondo inclusive uma aliança entre os dois países, rejeitada pelos EUA. O Brasil teve ainda sua independência reconhecida em primeiro lugar pelos Estados Unidos. Em 1828 os dois países assinaram entre si um tratado de aliança, navegação e comércio. 3 Segundo Burns, este início auspicioso não teve prosseguimento por culpa de uma série infeliz de diplomatas inaptos e sediciosos: Condy Raguet (1825-1828), Henry A. Wise (1844-1847) e General James Watson Webb (1861-1869). Estes enviados de Washington com seu comportamento por vezes rude e arrogante deram fim às relações amigáveis entre os dois países. Sua atuação poderia somente refletir de maneira negativa sobre o governo dos Estados Unidos. A pobreza geral da diplomacia norte- americana em relação ao Brasil durante o século 19 é constantemente observada ao longo do presente capítulo. Outro problema recorrente nas relações entre Brasil e Estados Unidos durante o século 19, este apontado por Fontaine, foram as dificuldades encontradas por ambos os países em fazer valer suas declarações de neutralidade em conflitos: houve ocasiões em que navios norte-americanos foram atacados por ingleses em águas brasileiras, assim como ocasiões em que navios uruguaios, em guerra contra o Brasil, foram reaparelhados em portos norte-americanos. Nestes casos, a análise aponta para a possibilidade de que faltava a ambos os países a força necessária para fazer cumprir a lei. 4 Este é mais um tema de destaque nas próximas páginas. 1 FONTAINE, Roger W. Brazil and the United States Toward a Maturing Relationship . pp. 8-9. 2 FONTAINE, Roger W. Brazil and the United States Toward a Maturing Relationship . p. 8. 3 BURNS, E. Bradford. The Unwritten Alliance . p. 58. 4 Fontaine remete aqui a análise de Lawrence Hill sobre o caso. FONTAINE, Roger W. Brazil and the United States Toward a Maturing Relationship . p. 12. 92 Outros episódios de destaque no período incluem os seguintes: a abolição do tráfico de escravos no Brasil e seu impacto sobre as relações entre os dois países; 1 a abertura de rios brasileiros ao comércio internacional 2 e o exílio de ex- confederados para o Brasil. 3 As subdivisões deste capítulo são feitas em primeiro lugar de acordo com esses temas e secundariamente respeitando a cronologia dos eventos.