FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.

BALDOCCHI, José Guilherme. José Guilherme Baldocchi (depoimento, 2012). Batatais - SP, Brasil. 2013. 52 pg.

JOSÉ GUILHERME BALDOCCHI (depoimento, 2012)

Rio de Janeiro 2013

Transcrição

Nome do Entrevistado: José Guilherme Baldocchi Local da entrevista: Batatais – SP, Brasil Data da entrevista: 22 de junho de 2012 Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo de entrevistas em História Oral. Entrevistadores: Clarissa Batalha, Bruno Romano Rodrigues e Thiago William Monteiro. Câmera: Thiago Monteiro Transcrição: Maria Izabel Cruz Bitar Data da transcrição: 30 de maio de 2012 Conferência da Transcrição: Thomas Dreux Data da Conferência: 25 de setembro de 2012 ** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por José Guilherme Baldocchi em 25/04/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.

Clarissa Batalha – Então, a gente vai começar Baldocchi, e se você puder, falar o seu nome completo, a data do seu nascimento e onde você nasceu.

José Baldocchi – Meu nome completo é José Guilherme Baldocchi; eu nasci em Batatais, em 14 de março de 1946.

C.B. – Seus pais são daqui, também?

J.B. – Meus pais nasceram aqui e meus irmãos. Nós criamos uma família toda aqui. Eu iniciei a minha profissão de jogador de futebol no Batatais Futebol Clube, nas divisões inferiores, na época de 1963 a 1964, e fui para Ribeirão Preto por volta... fui transferido, vendido do Batatais para o Botafogo de Ribeirão Preto em 1964 e 1965. Joguei no Botafogo em 1965 e fui vendido para o Palmeiras – se não me engano, acho que foi em maio. Em maio de 1966, eu estava no Palmeiras. Joguei no Palmeiras de 1966 a 1971. Participei da Copa do Mundo de 1970, tive a felicidade de ser campeão do

2 Transcrição

mundo, de ter o prazer de fazer parte de um grupo excelente que até hoje a gente se encontra e se relembra e traz muitas saudades. E de 1971 a 1975, eu joguei no Corinthians Sport Club Corinthians Paulista.

C.B. – Vamos voltar um pouco. O que o seu pai fazia, quando você era criança?

J.B. – Meu pai tinha uma loja de materiais de construção e uma marcenaria. Fazia móveis. Isso já vinha da época dos meus avós paternos, e meu pai seguiu a profissão. E eu sempre gostei muito de marcenaria – mas não aprendi o ofício –, de forma que, quando eu parei de jogar futebol e que eu voltei a Batatais, eu montei uma marcenaria e uma fábrica de móveis. Tocamos uns oito anos ou dez anos e depois ela parou.

B.R. – Você chegou a conhecer os seus avós?

J.B. – Conheci, graças a Deus, tanto os maternos como...

B.R. – Eram de Batatais, também?

J.B. – Não. Os meus avós, os dois avós, maternos e paternos, vieram da Itália. Meu avô por parte de pai veio de Lucca, da província de Lucca, e a minha avó veio da Calábria. Minha avó e meu avô vieram com quatorze ou quinze anos, na época da guerra, se casaram aqui e constituíram família aqui.

C.B. – Aqui em Batatais?

J.B. – É. E eu tenho cidadania italiana; meus filhos têm também. E eu perdi uma chance de jogar na Itália porque não sabia que podia ter tirado a cidadania. Na época em que eu jogava no Palmeiras, eu tinha um amigo italiano que queria me levar para a Itália de qualquer jeito. Mas não podia entrar, tinha...

B.R. – Tinha cota de estrangeiros, não é?

3 Transcrição

J.B. – É, tinha cota de jogadores. E eu tirava o passaporte italiano tranquilo, porque meus avós... Como eu tirei depois. Então, não era para ser, não é? Então, era para jogar aqui, mesmo.

C.B. – E a sua mãe fazia o quê?

J.B. – Minha mãe era professora, mas depois, com três filhos, foi criar os filhos.

C.B. – São três filhos então?

J.B. – São três. São todos vivos. Meus irmãos são vivos. Meus pais já faleceram.

C.B. – E aí como é que era o futebol da criançada? Jogava na rua? Na escola?

J.B. – Eu apanhei muito de chegar em casa tarde. Às vezes, jogava até escurecer e chegava em casa descalço, sujo, aí apanhava, tomava banho e ia dormir.(risos). Eu tive a felicidade... Aqui tem uma faculdade que se chama Claretiano1. É o antigo Colégio São José, que é de padres claretianos. E, na época que eu era moleque e jogava futebol, tinha o internato e o externato. Eu era externo, mas eu participava do colégio vinte e quatro horas. Eu morava ao lado do colégio. E, lá no colégio, tinha campo de menores, médios e maiores, dependendo da faixa etária. Então, foi ali que... Eu gostava de jogar futebol lá. Aí, fechavam o colégio às cinco horas ou seis horas, eu ia jogar futebol de salão no Centro de Cultura Física e, se tivesse depois, ia jogar em algum lugar depois. Eu sempre gostei demais de futebol. Para mim... Eu sempre tive o sonho de ser um jogador de futebol. É claro que, depois, na medida em que for evoluindo, a gente vai sonhando mais alto não é? Eu pensei em jogar no Botafogo: “Vou jogar num time de primeira divisão”, porque o Batatais era de divisão inferior. Aí o Palmeiras apareceu e me contratou, aí os pensamentos vão evoluindo e você vai almejando outras coisas. Aí, quando eu joguei no Palmeiras, o Palmeiras foi bem, tive a felicidade de ser campeão no Palmeiras três ou quatro vezes, e aí apareceu a chance de ser convocado para a seleção.

1 Refere-se ao Centro Universitário Claretiano.

4 Transcrição

Então, aí chega aonde você praticamente sempre sonhou. Todo jogador tem que sonhar, tem que almejar alguma coisa a mais.

B.R. – Você tinha irmãos ou era filho único?

J.B. – Tenho um irmão. Meu irmão jogava futebol, também. Três anos... Eu tenho um irmão e uma irmã. Meu irmão jogava aqui no Batatais, também, mas depois foi para São Paulo...

B.R. – É mais velho?

J.B. – Mais novo.

B.R. – Mais novo. E chegou a jogar profissionalmente?

J.B. – Ele jogou no profissional do Batatais.

B.R. – E depois não seguiu a carreira?

J.B. – Não, não seguiu.

C.B. – Como é que foi a chegada no Batatais? Você foi lá fazer teste?

J.B. – Você fala aqui no Batatais?

C.B. – No clube.

J.B. – Aqui, tinha... Na época, era amadorismo, então, o Batatais jogava com outras equipes e o amador fazia a preliminar. Então, eu fazia parte dos amadores, porque eu não tinha idade – eu tinha quatorze ou quinze anos. Foi aí que começou. Aí, com dezesseis anos, eu já estava no Batatais.

5 Transcrição

B.R. – E quem foi que te chamou para ir para o Batatais? Eles viram você jogando?

J.B. – Me viram jogando.

B.R. – Olheiros?

J.B. – Na preliminar. Na preliminar, você... Hoje não tem mais não é? Então na preliminar, você jogava. E ficava uma festa. “Agora o amadorzinho vai fazer a preliminar.” Vinha time de outros lugares, ou time daqui, do campeonato interno mesmo da cidade. Era uma festa. E eu, com dezesseis ou dezessete anos, entrei para o Batatais.

B.R. – E qual era a rivalidade maior aqui, dos clubes?

J.B. – Aqui não tem muito clube; é só o Batatais.

B.R. – Aqui da região.

J.B. – Da região, na época era a Francana.

B.R. – A Francana.

J.B. - A Francana, toda vez que jogava, tinha briga e tinha bagunça, tanto aqui como lá. Depois foi indo, acalmou. Botafogo e Comercial, não, porque eles estavam na divisão superior e eram times melhores.

B.R. – E, na sua época de amadorismo, chegou a jogar algum time grande aqui, alguém que vocês...?

J.B. – Não, não. Eu joguei só aí e fui para o Batatais. Disputei um Campeonato Paulista da Segunda Divisão pelo Batatais, aí o Botafogo veio e me contratou.

6 Transcrição

B.R. – E aqui mesmo, o senhor não jogou com o Palmeiras ou com o Corinthians?

J.B. – Não, não cheguei a jogar. Fui enfrentar o Palmeiras, o Santos e esses times lá no Botafogo.

C.B. – Você tinha algum ídolo, nessa época de criança, de moleque?

J.B. – Eu era torcedor do Palmeiras. Na minha opinião... Eu gostava do Mazzola2, porque o Mazzola, na época, era centroavante do Palmeiras, depois foi para a seleção; eu admirava o Pelé... Na época, era: Pagão3... O time do Santos era muito bom. Eu era palmeirense, mas a gente torcia para o Santos. Não tinha televisão, também, mas as narrativas dos jogos sempre... O time do Santos era bom demais. Cheguei a ir ver o Santos jogar aqui com o Comercial e com o Botafogo. Então, a gente passa a admirar certos jogadores, de ver jogar.

B.R. – E que posição que você gostava mais? Não foi sempre zagueiro, foi?

J.B. – Não. Eu era lateral-esquerdo. Porque é assim: você é moleque, o mais novo no grupo... O zagueiro central e o quarto zagueiro geralmente eram mais tarimbados e tudo. Então, me botaram para jogar de lateral-esquerdo, porque eu era mais novo, “vai quebrando o galho aí”. Mas aí, depois de poucos jogos, eu vi que... Eu era alto, cabeceava bem e tudo, falei: “Não, eu vou jogar no meio”. Aí fui indo, fui jogar no meio.

B.R. – Essa decisão de jogar no meio foi já no amador?

J.B. – No amador, mesmo.

2 Refere-se à José João Altafini, ex-jogador de futebol. Atuou muito tempo pelo Palmeiras e foi campeão mundial com a Seleção Brasileira em 1958. 3 Refere-se à Paulo Cesar Araújo, ex-jogador de futebol, atuou pela Portuguesa Santista e Santos.

7 Transcrição

C.B. – Tinha um treinamento? Como é que era o dia a dia?

J.B. – Não, não. Ali não tinha treinamento.

C.B. – Não? Era só bater bola?

J.B. – Você jogava, igual eu falei, jogava em campo de pelada, que tinha muito – agora, até não tem mais –, jogava futebol de salão e, no fim de... Os jogos eram só aos domingos. A maioria dos jogos... A maioria, não; 99% eram aos domingos. Então, aos domingos, você ia lá e jogava no amador.

B.R. – E o senhor estudava, ao mesmo tempo?

J.B. – Estudei.

B.R. – Como é que era a sua rotina de...?

J.B. – Estudei. Até, na família, eu tenho um primo dentista, um engenheiro e um médico, mais ou menos da faixa etária minha. E meu pai falava: “Vai estudar. Vai estudar”. Com sacrifício – a gente não tinha muitos recursos –, mas... “Eu vou trabalhar para você estudar.” E eu fui para Ribeirão... Eu terminei o científico aqui e fui fazer vestibular para medicina em Ribeirão. Mas não consegui fazer... acompanhar o cursinho – na época, eu tinha cursinho – porque eu viajei com o Botafogo para a América Central4... Eu ficava fora e, quando voltava, a matéria estava... Eu não conseguia acompanhar. Então, prestei o vestibular, mas não passei. Aí apareceu o Palmeiras.

B.R. – O senhor queria fazer...?

J.B. – Medicina. Aí o meu pai... Eu gostava de biologia, química e biologia, então, saía por aí, e também porque tinha um na família. Minha família incentivava, a gente

4 Tal excursão ocorreu em 1966 e o time dirigido por perdeu apenas uma partida em dezessete jogos.

8 Transcrição

via. Aí o meu pai falou: “Vai para São Paulo. Se der certo, continua; se não der certo, volta e vai estudar, porque senão não tem futuro nenhum”. Mas aí eu fui para o Palmeiras e acabei largando. Não dá para conciliar uma coisa com a outra.

B.R. – E como é que a família via, no começo, esse seu envolvimento com o futebol?

J.B. – A minha, com desconfiança. Assim, torcendo para dar certo, ou então voltar logo, para não ficar muito tempo parado.

B.R. – Porque conta-se, na maioria das vezes, que as famílias não gostavam... não viam com bons olhos a profissão de jogador de futebol.

J.B. – Jogador de futebol... É, que jogador de futebol frequentava boate, ou outro nome, bebia e era irresponsável.

B.R. – Aqui tinha essa imagem dos jogadores?

J.B. – Tinha. Alguns jogadores... Porque, na época, o Batatais buscou jogadores em São Paulo. Veio jogador do São Paulo jogar aqui. Esse Silva que jogou no Comercial, que depois jogou no Santos, que foi da seleção, ele jogou aqui, também; o Bazzaninho, que era irmão do Bazzani que jogou na Ferroviária. Então, tinha jogadores de nome que já haviam passado por clubes que vinham aqui. Então, o pessoal ficava assim. Mas eu acho que vai muito da família. Eu tive a felicidade de ter uma família unida, que me deu apoio, que me ajudou. E eu estou casado há quarenta e dois anos, então, o exemplo que foi dado serviu para a frente.

C.B. – E como é que foi a passagem do amador para o profissional?

J.B. – Foi uma alegria, quando me chamaram: “Você vai assinar como profissional”. Na época, tinha que ter dezoito anos. Eu fiquei no Batatais... Eu assinei

9 Transcrição

como profissional do Batatais e, daí a dois ou três meses, fui vendido. Porque o profissional era de dezoito anos...

B.R. – Então, o senhor já era maior, quando assinou o primeiro contrato?

J.B. – Quando eu assinei, aí eu já tinha dezoito. Eu fui para o Botafogo com dezoito anos.

C.B. – E aí tinha um salário?

J.B. – Aí tinha salário. Tinha luvas, também. Era pequeno, mas tinha. Bicho. Bicho tem até hoje, não é? Quando ganhava os jogos, tinha bicho.

B.R. – Foi no Batatais mais ou menos que você começou a perceber que podia ser... ganhar a vida como jogador? Ou você teve dúvidas... de que a carreira poderia não dar certo?

J.B. – A vontade é tanta que você... Sinceramente, eu não... O dinheiro vinha, você recebia. Igual eu te falei: meu pai trabalhava, lutava para me dar condições. Mas, depois que eu fui para o Botafogo, eu já me virava. Mas o dinheiro não era tudo. Você tem uma vontade enorme de jogar que isso aqui fica às vezes em segundo plano. Você passa a pensar isso depois. Ali, você quer jogar. Se chamar um jogador... “Você quer jogar na seleção de graça seis meses?”. Vai todo mundo. Ninguém quer cobrar nada. A vontade de jogar, de aparecer, de evoluir é muito grande.

C.B. – E você lembra o que você fez com o seu primeiro salário?

J.B. – Lembro.

C.B. – O que você fez?

J.B. – Eu comprei um terreno aqui em Batatais.

10 Transcrição

C.B. – Olha! É mesmo?!

J.B. – É. Meu pai... Eles tinham [a loja] de material de construção, meu pai falou: “Compra um terreno aí e, quando tiver mais alguma coisa, você constrói uma casa”. E foi. Depois eu acabei fazendo duas casas aqui. Essa casa em que eu moro, eu fiz; eu tenho uma casa do meu filho que eu fiz e da minha filha que eu fiz. E eu, jogando futebol, eu construí um prédio na Ricardo Severo5, como eu te falei, na travessa da Caiubi, jogando no Palmeiras. Eu gosto de construção. Eu gosto de imóveis. Eu pego planta... Eu ia fazer medicina, mas eu pegava planta de engenheiro, eu me virava, então... E eu tive apoio do pessoal do Palmeiras na época. Tinha o sr. Bruno Sacomani que era tesoureiro do Palmeiras, ele tinha uma construtora e o engenheiro era muito amigo meu. Quer dizer, você jogando futebol no Palmeiras e indo bem em tudo...

B.R. – Abre as portas.

J.B. – Abre as portas para tudo. Aí eu comprei um terreno lá na Ricardo Severo. Eu falei: “Sr. Bruno, eu vou fazer uma casa”. Ele foi lá: “Não, não vai fazer uma casa aqui, não. Você vai fazer um prédio”. Fiz um predinho de sete andares, jogando futebol. E, na época, eu concentrava, viajava e, quando voltava... Meu irmão me ajudou.

C.B. – Um empreendedor.

J.B. – Eu sempre gostei de fazer outra coisa. Mas futebol é a minha alegria e meu prazer, sempre foi. Eu tenho até um pouco de mágoa agora... Minha patroa falou que eu me magoei muito. Há uns cinco anos, eu tive que fazer uma prótese na cabeça do fêmur, aí o médico falou: “Não, Baldocchi, depois, brincar, você pode”. Operei aqui, com o dr. Marcelino, que hoje é presidente de ortopedia do Brasil, um cara bom pra caramba. Mas disse que podia brincar. Está bom. Mas, depois de ver a prótese, a radiografia e tudo... Aí eu levei em um outro médico em Ribeirão, também, amigo da gente, e ele falou: “Se

5 Refere-se à Rua Ricaro Severo, no bairro de Perdizes em São Paulo. Localizado próximo ao Estádio Palestra Itália do Palmeiras.

11 Transcrição

você quebrar jogando futebol em algum lugar, você vai para a cadeira de rodas”. Aí a minha mulher falou: “Não. Eu aguento você em pé; na cadeira de rodas, não! Você não vai jogar mais!”. Isso me magoou muito. Porque não é que eu jogue... Falar em jogar, pensam que... Nada. Era reunir no fim de semana e ir lá brincar, xingar, gritar, dar risada um do outro. Porque está tudo gordo, tudo fora de forma, então... [risos]

C.B. – Mas qualquer coisa que acontece, aí já viu, não é?

J.B. – Então, isso aí, eu tive que parar e abandonar. Às vezes eu vou lá. Agora eu levo o meu netinho. O maior prazer é levar o meu netinho.

B.R. – Mas não bate mais a bola?

J.B. – Não. Não vou brincar com isso, não. Porque, se eu machucar, depois eu tenho que reoperar, e aí é um trem grave, é uma cirurgia grave e grande que... Não pode brincar.

B.R. – E vem cá, como é que foi esse seu desempenho no Batatais, já como profissional? Como é que foi...? Como você, na verdade, foi parar no Botafogo? Tinha muitos olheiros? Como é que era a ligação do futebol no interior? Como é que era jogar no interior nessa época?

J.B. – Naquela época, os clubes, o Botafogo, o Comercial, a Ferroviária e outros times buscavam jogadores nas divisões inferiores, em Batatais, Franca, Mocóca. Tinha time. Não é aqui, porque é saudosismo, mas tinha realmente jogadores que... Não tinha peneira, mas você dava a bola para dez ou quinze jogadores, você via ali que tinham quatro ou cinco que jogavam bola; o resto era... Vai fazer física, vai correr, não vai virar nada. Então, eu tive a felicidade de disputar um campeonato pelo Batatais que foi bem. O Batatais foi bem, mesmo. E eu joguei contra o Botafogo duas vezes: uma aqui... Na época que não tinha, fazia um amistoso aqui e um em Ribeirão. E eu tive a felicidade de jogar bem, e o Botafogo veio aí e me levou. Depois... Eu fui lá e entrei no time em seguida. No Botafogo, eu não fiquei na reserva. No Palmeiras, eu fiquei cinco meses na

12 Transcrição

reserva, porque o Djalma6... Se o Djalma não tem problema, eu não tinha jogado; eu tinha demorado para jogar e às vezes tinha até pedido para ir embora. Porque você ficar num clube dois ou três anos sem jogar, você não aguenta. Hoje, igual eu disse, mudou tudo, o cara não fica sem jogar, porque é cartão vermelho, cartão amarelo e essas coisas, muda muito, a rotatividade do jogador é muita. Mas mesmo assim... Eu penso assim... O reserva do Rogério Ceni passa apuro, coitado. Agora ele está jogando. Porque o Rogério não saía – não machuca e tudo, não é?

B.R. – E como é que surgiu essa história das estrelas do Batatais? Como é que surgiu? Por que surgiu? Quem que deu a ideia?

J.B. – Se você for lá no campo, têm três estrelas no estádio. Porque o Batatais teve a felicidade... a cidade de Batatais teve a felicidade de ter três jogadores que participaram de Copa do Mundo, o que não é... É uma cidade de sessenta mil habitantes hoje, mas na época tinha quinze ou vinte mil habitantes, depois trinta [mil]... Teve o Batatais, que jogou no Fluminense... O nome dele não era Batatais; era Astrogildo não sei o quê.

B.R. – Algisto [Lorenzato].

J.B. – Algisto. Astrogildo, estou mudando o nome dele. E teve o Zeca Lopes7, que jogou no Corinthians e era um puta de um jogadorzão. Eles foram nascidos e criados e começaram aqui no Batatais. E eu também nasci e me criei e comecei aqui. Então, o Batatais bota uma banca danada: uma cidadezinha pequetitinha teve três que foram lá.

C.B. – E aí, quando você vai para o Botafogo, você vai morar...? Você se muda daqui?

J.B. – Eu fui porque eu estava estudando. No Botafogo, eu fiquei ainda fazendo o cursinho uns quatro ou cinco meses. Eu fui, eu acho que em outubro, ou junho. Eu não

6 Refere-se à Djalma Dias ex-jogador e zagueiro, atuou muito tempo pelo Palmeiras, onde se destacou. 7 Refere-se à José dos Santos Lopes disputou a Copa de 1938 pela Seleção Brasileira.

13 Transcrição

lembro. Datas, eu comecei a relaxar e não guardei mais. Mas eu fiz cursinho, em Ribeirão, uns quatro ou cinco meses. Eu morava sozinho.

C.B. – Morava lá?

J.B. – Mas aí eu não acompanhava o cursinho, como eu falei contigo, porque o Botafogo viajava, jogava, concentrava. E, nesse período, ainda viajou, fez uma excursão para a América Central. O Minelli8 que era o treinador, que depois foi treinador meu no Palmeiras.

B.R. – Então é a primeira vez que você sai do Brasil?

J.B. – Foi a primeira vez.

B.R. – E para onde vocês foram, exatamente?

J.B. – Eu joguei, na América Central – na Guatemala, El Salvador, Costa Rica –, na Venezuela, Peru, Equador... Veio descendo. Jogou para todo lado. E ganhou de um monte de gente.

B.R. – Como foi essa experiência para você?

J.B. – Foi fantástica. O Botafogo voltou... ganhou um monte de títulos. Nós jogamos contra... depois, porque aí você vai vendo, [jogamos] contra o Vélez, que depois foi campeão do mundo contra o Palmeiras... Porque o Palmeiras perdeu uma Libertadores porque não tinha jogador. Disputou o Campeonato Paulista e tudo e, quando chegou lá no fim, não tinha jogador para jogar, estava tudo machucado. Teve que pegar dois ou três que eram do juvenil para pôr. Mas foi válido. Valeu pra burro.

C.B. – Aí você ficou uma temporada no Botafogo?

8 Refere-se à Rubens Minelli.

14 Transcrição

J.B. – Foi. Um ano e pouco.

C.B. – E aí já tinha a rotina de treinos?

J.B. – Tinha. No Botafogo, já disputava a primeira divisão.

C.B. – E como é que era essa rotina de treinos?

J.B. – Jogava mais aos fins de semana: sábado ou domingo. Em Ribeirão, eu já jogava às vezes no sábado, porque tinha iluminação e tudo, mas a maioria dos jogos era no domingo à tarde. Aí treinava... Segunda-feira era a folga, quando jogava domingo, e de terça à sexta era jogo. E naquela época era coletivo. Coletivo que a gente fala é treinar A contra B. E saía pau. Era jogo; não era treino. Você quer jogar... Quem está na reserva quer jogar.

C.B. – Era o rachão. E tinha treino físico, também?

J.B. – Tinha. Tinha preparador físico, tudo certinho.

C.B. – E tinha treino específico para cada posição? Você já estava na posição...

J.B. – Tinha. Tinha. Já tinha. Tinha para zagueiro, com bola alçada na área, para tirar; goleiro... Goleiro, botava o goleiro no gol e ficava chutando, que é uma das coisas que hoje eu acho que o futebol pecou com a gente. Você treinava muito bater no gol, e quando você partia... Pegava a bola, ia na área e tuf no gol. Quando você ia no gol e colocava, o goleiro não ia na bola. Aí o goleiro falava assim: “No jogo, você vai fazer isso?”. E hoje, não, a molecada... A maioria treina... É ao contrário. Porque você vicia. Você memoriza. Você levanta a cabeça, você vê o gol, você quer bater forte. Hoje, não, a molecada chega na frente do gol, levanta a cabeça e... Se for para fazer gol, é aqui. E na minha época, se você fizesse assim, tocando nos cantos, o goleiro não ia. “Ah, não, você não vai fazer isso no jogo, eu não vou.” [risos] É sério. É uma das coisas que treinava errado, que eu acho que hoje nem existe mais, esse treinamento.

15 Transcrição

B.R. – E como é que... Era uma mudança de nível, porque você estava jogando no Batatais, aqui, enfrentava equipes fortes, mas de uma espécie de segunda divisão, não é?

J.B. – Mas é mais fácil, na medida em que você vai subindo, porque você passa a contar com jogadores de maior qualidade: você recebe a bola no chão, você tem cobertura, você tem... É diferente. O jogo é mais... No Palmeiras, o time do Palmeiras tocava a bola. Você corria, mas corria... Você corria o que queria. Quando o trem apertava, tocava a bola.

B.R. – No Botafogo, você se sentia mais seguro para...

J.B. – É. Porque o nível dos jogadores ia subindo.

C.B. – E os rivais do Botafogo quem eram?

J.B. – Era o Comercial.

B.R. – E o Come-Fogo era...?

J.B. – Era brabo.

B.R. – Era pegado, mesmo?

J.B. – Enchia. Lotava o campo. A cidade pegava fogo.

C.B. – E a torcida já era... acompanhava?

J.B. – Era. Era mais do que é hoje. Porque caiu tanto, como é que fala... o nível que a torcida foi se afastando. Na época, o Botafogo não tinha o... Luiz Pereira9; era um

9 Refere-se ao antigo estádio do Botafogo Futebol Clube – SP. Atualmente encontra-se desativado, mas com uma parte de sua arquibancada preservada.

16 Transcrição

campo pequeno lá na Vila Tibério. Era um campo – não sei se você chegou a ver – igual ao do Juventus. Era um campinho pequeno, abafado, fechado. A gente às vezes ganhava dos times grandes porque o campo era pequeno, a gente partia para cima e...

B.R. – Pressão.

J.B. – ...não sobrava espaço.

B.R. – E a campanha do Botafogo nessa temporada?

J.B. – Foi boa. Foi excelente.

B.R. – E como é que surgiu o interesse, não só por você, do Palmeiras por você, mas talvez de outros jogadores ali da geração?

J.B. – Na época que eu fui para o Palmeiras, o Veríssimo, esse que eu falei que era zagueiro central, que era bom jogador, ele foi para o Fluminense, e na época veio o Ferreirinha, que jogava no Corinthians, que era volante do Corinthians, veio para o Botafogo; o Alencar, que era jogador do Palmeiras, veio para o Botafogo. Então, tinha uma mobilidade de jogadores de maior nível, de cima para cá. Saía do Palmeiras e vinha para cá, e do Botafogo ia para outro lugar.

B.R. – E quem é que te levou afinal para o Palmeiras? Como é que foi essa... esse interesse?

J.B. – Quem me levou, até eu comentei contigo, foi... Na época, o sr. Arnaldo Tirone era diretor de Futebol...

B.R. – O pai do presidente atual.

J.B. – É o pai do atual presidente do Palmeiras. Ele veio aí no Botafogo. Eu lembro que ele me contratou, pagou um valor, que eu não lembro mais, e deixou um

17 Transcrição

zagueiro central que era do Bahia e jogava no Palmeiras, que veio para o Botafogo, e o Júlio Amaral, que era juvenil, que depois voltou para o Palmeiras, foi para o profissional, que é pai de um menino que jogou no... O filho do Júlio Amaral foi um bom jogador, um jogador profissional. Não lembro agora o nome dele10 Então, na época, veio o zagueiro central, o Júlio Amaral e o dinheiro. Aí eu fui para o Palmeiras.

B.R. – E foi alguma atuação de destaque que você teve com o Palmeiras? Como é que você acha que eles se interessaram? Você chegou a jogar contra o Palmeiras nessa época?

J.B. – Joguei. No Campeonato Paulista, você jogava aqui e lá. O Botafogo, na época, ganhou do Palmeiras aqui.

B.R. – No campinho abafado.

J.B. – Foi. Em 1965, o Botafogo ganhou do Palmeiras, acho que de três a um ou dois a um, não me lembro mais11. Eu joguei esse jogo. Nesse jogo, o Ademar Pantera12 se machucou, então, eu lembro bem do jogo. Depois, eu fui para o Palmeiras e o Ademar falava: “É, foi você que me machucou”. Eu falava: “Eu não. Você se machucou sozinho”. E foi leal. Foi leal. Não é... Porque eu jogava firme, jogava duro, mas sempre respeitei. Joguei contra o Pelé várias vezes, mas nunca... Chegava junto duro, e acabou. E, nesse lance do Ademar, eu me recordo como se fosse hoje, estava chovendo, ele foi dominar uma bola, a bola escapou e eu dei um carrinho. Mas eu não peguei ele. Ele torceu... Ele virou... Ele era um jogador muito pesado, ele virou o pé e caiu. Aí o dr. Rossetti, que era médico do Palmeiras na época, falou assim: “Não foi fratura de pancada; ele torceu, ele virou o pé”. O Ademar jogava pra caramba, e era... O Ademar era o Ronaldo Fenômeno.

B.R. – Troncudo.

10 Refere-se ao jogador Leandro Amaral, atacante. 11 Refere-se à partida amistosa ocorrida em maio daquele ano, tal jogo terminou com o placar de 5 a 2 para o Botafogo-SP. 12 Ex-atacante do Palmeiras.

18 Transcrição

J.B. – Ele jogava daquele jeito. A gente não acreditava como é que ele jogava daquele jeito. E protegia muito bem a bola e batia forte. Quando ele foi jogar no Flamengo, ele era artilheiro do Campeonato Brasileiro.

B.R. – E como é que foi essa mudança então para São Paulo? Porque vindo de Batatais, já foi para Ribeirão, já começou a ganhar a vida sozinho...

J.B. – Deus ajuda, não é? Então, a gente contribui e tal.

B.R. – Já tinha ido a São Paulo antes?

J.B. – Não. Tinha ido para jogar.

B.R. – Para jogar.

J.B. – Aí ficava concentrado no hotel, ia lá jogar e vinha embora. Eu tinha... Por parte de mãe, eu tinha um tio que morava em São Paulo, na Vila Romana. Até ele já faleceu, ele e minha tia, mas eu devo muito a eles. Era aquela preocupação: “E agora, como é que vai ser?”. Aí ele: “Não, você vem morar aqui”. A Vila Romana é ali na... saindo da avenida Pompéia, subindo, para na Vila Romana. É pertinho do Palmeiras. Pegava um ônibus e descia da Turiassu13. Eu fiquei lá um ano e pouco; depois comprei um apartamento e fui morar só.

B.R. – E a família de palestrinos, como é que...? Teve alguma repercussão, ir jogar no Palmeiras? Vem de família italiana...

J.B. – Ah, todo mundo... Tudo italiano, de lá e de cá, então... A minha avó não gostava do Santos. A minha avó materna morou aqui. Ela não gostava do Santos. Ela falava: “Não, no Santos, no. Porque nós não... É difícil de ganhar do Santos”. Ela não gostava do Santos. [risos] Eu lembro disso.

13 Rua Turiassu, sede do Palmeiras.

19 Transcrição

C.B. – Torcia contra.

J.B. – “Não, vó, uma hora a gente ganha.”

B.R. – E, em São Paulo, você chegou a levar a família?

J.B. – Para assistir?

B.R. – Para assistir e para morar. Ou você foi morar sozinho?

J.B. – Não, para lá, não. Meu pai não ia. É DNA. Meu pai não ia, e minha mãe, também, então... E minha irmã mais nova ficou aqui.

B.R. – Nem para ver os jogos?

J.B. – Eles iam lá, ficavam em casa, iam assistir aos jogos, mas não era sempre.

C.B. – Você não era casado, ainda, não é?

J.B. – Não, não. Eu casei em 1969. E a minha patroa falava: “Se eu soubesse que você ia na Copa do Mundo, eu não tinha casado em 1969, tinha deixado você voltar da Copa”. [risos] Eu casei no dia quinze... Porque entrava em férias no fim do ano. Eu tinha marcado, eu ia me casar em... Eu entrei em férias. E o Palmeiras foi campeão, em 1969. Me deram férias uns três ou quatro dias antes, e eu marquei... O Palmeiras até que fez a festa para mim. Eu ia arrumar um lugar, eles falaram: “Não, você vai fazer a festa lá no clube de campo”. O Palmeiras tinha um clube de campo lá na saída de Santa Isabel, um lugar bonito, muito bem arrumado – a gente concentrava lá –, aí eu organizei e fiz a festa de casamento lá. Aí, no comecinho de janeiro, saiu a convocação. Essa Copa do Mundo de 1970, foi introduzido, pelo Parreira, que era preparador físico, e pelo Coutinho, que faleceu, que era também preparador... Juntaram uma equipe de preparadores físicos que tinham feito curso nos Estados Unidos, de Cooper, aquelas

20 Transcrição

coisas do treinamento de Cooper, e aplicaram tudo isso na seleção. O que nós treinamos, do meio do mês de janeiro até a Copa do Mundo... Tanto que o treinou tinha que ir. Não dava para voltar para trás; você tinha que... Você desgastou, treinou... E eu costumo falar: eu fui reserva, mas eu tenho muito orgulho, porque eu fui reserva conquistando uma posição, fazendo coletivo. Porque tinha coletivo, igual eu te falei. Era A e B. Nessa Copa, tinha só A e B. Na de 1958 e na de 1962, tinha A, B, C e D, tinham quatro equipes. Pode pegar a memória aí que você vai ver como é que era difícil... Vou completar: e treinando contra Jair, Tostão, Pelé, Gérson e . Tinha que chegar o bambu neles e falar: “Aqui é jogo. Para mim é jogo”. Os caras reclamavam: “Porra! Vai devagar!”. E eu: “Não. Você está garantido. Eu, se eu não fizer a minha parte, ele vai me mandar embora”. Então, era muito mais fácil jogar contra os gringos lá na Copa do Mundo do que treinar contra esse time. E o último treino, como vai ficar gravado, alguém mais vai ver, alguém que jogou comigo, foi dia 31 de março, anos da revolução. Foi no Maracanã, portões abertos. Naquele treino, o Zagallo já tinha assumido e ia definir quem ia. Porque, na época, foi cortado seis ou sete, eu não me recordo mais. Bom, A contra B. Você já imaginou, o Maracanã cheio, A contra B. O Zagallo é outro treinador. Você imagina o que nós não fizemos! Nós ganhamos o treino de quatro a um, dos titulares. Isso aí tem tudo gravado, pode procurar que vai achar. Quatro a um. O Dario deixou o Brito... Quase que o Brito brigou com o Dario durante o jogo. O Dario fez dois ou três gols. E a gente botava o Dario para correr – a gente sabia como é que era –, então, o Dario matou o Brito. O Brito queria bater nele. Terminou o treino, os reservas ganharam o treino de quatro a um ou três a um, eu não me lembro bem. Mas ganhou. Aí foi para o vestiário. Aí, no outro dia ia sair a lista. Então, você imagina a força, a vontade que teve naquele treino. O Pelé e o Tostão não reclamavam. Você podia chegar junto com eles, sem ser desleal, mas eles não reclamavam. Mas o Riva reclamava... O Jair também não reclamava muito – ele era muito forte. Agora hoje, não, hoje é diferente: eles fazem dois toques, fazem... E outra coisa: naquela época, os adversários da seleção brasileira eram de um nível muito maior do que a maioria dos jogos que a seleção fez depois. A seleção daqui vai jogar na China, vai jogar não sei aonde, vai jogar no Iraque. Não. Quando se jogava contra seleção, era a seleção da Argentina, a seleção do Uruguai. Não jogava contra a Bolívia, ou contra a Venezuela – com todo o respeito –, porque não tinha, não dava liga.

21 Transcrição

B.R. – Mas a sua primeira convocação para a seleção é com o 14Saldanha?

J.B. – Foi com o Saldanha.

B.R. – Você recorda o ano?

J.B. – Eu era titular do Saldanha. Eu me machuquei em um jogo...

B.R. – Nas eliminatórias, você foi titular... você chegou a jogar?

J.B. – Não, não fui nas eliminatórias. O Saldanha assumiu e classificou nas eliminatórias. Não sei por que cargas d’água, não sei te explicar, ele mudou uma série de coisas: convocou outros jogadores, e ele me convocou. Foi ele que me chamou. E eu comecei como titular.

B.R. – Nessa nova leva?

J.B. – É. Eu me machuquei em um jogo Brasil e Argentina. A vontade de jogar, a ânsia de jogar me prejudicou. Eu me machuquei na altura da canela – não usava caneleira, fez um corte grande –, aí me enfaixou e eu voltei para o segundo tempo. Não sentia dor, palavra de Deus. Falavam: “Você jogou...”. Não. Não sentia dor, não. Só que, na hora que terminou o jogo e eu tirei a faixa, o derrame desceu e o pé ficou do tamanho de uma pipa, uma bola. Inchou tudo. Desceu todo o derrame para o tornozelo, aí eu não conseguia pisar. Aí eu fiquei uns dez dias sem poder treinar.

B.R. – Esse foi o amistoso no Beira-Rio, contra a Argentina?

J.B. – No Beira-Rio, contra a Argentina. Nós perdemos de dois a um. E eu devo a minha recuperação ao falecido Mário Américo, que era massagista da Portuguesa. O Mário era amigo da gente, da Portuguesa, e convivia com a gente em São Paulo, ele era

14 João Saldanha, então treinador da seleção.

22 Transcrição

massagista e ele falou: “Baldocchi, isso aí, se não apertar, você não vai jogar, você não vai treinar e vão te mandar embora”. “Então, vamos lá!” Eu fazia água quente de quatro em quatro horas, água quente e gelo. Água quente... de quatro em quatro horas. E, quando eu digo assim, era meia-noite, quatro horas da manhã, oito horas... Ele não me deixava quieto. No fim, eu botava o pé dentro da água quente e dentro do gelo, eu não sabia o que era água quente e o que era gelo, porque o gelo queima, também. Bom, batalhei... Nessa época, o Tostão também estava machucado. A seleção foi jogar lá em Manaus e nós ficamos fazendo tratamento. Aí chegou esse dia da... No treinamento antes desse jogo de trinta e um de março, teve um dois toques que eles faziam – não era coletivo –, aí o Mário falou assim: “Olha, você tem que...”. Ele era olheiro e deve ter escutado. O Mário me protegeu muito. “Se você treinar e for normal, você fica; se você não treinar, vão te botar na lista.”. Ai ele pegou... E eu ainda sentia dor. Ele fez uma botinha de esparadrapo que só ele sabia fazer, ele e o Nocaute, que depois ficou no lugar... Ele cortava o esparadrapo fininho e ia colocando, intercalando assim. No fim, você mexia com o pé só assim15. Assim, não, você não tinha mobilidade. Quer dizer, parecia uma bota de gesso. Aquilo ali ajudava, tirava a dor. Aí ele me enfaixou e falou: “Vai lá e treina”. Fui lá e treinei, baixei o porrete, corri, fiz tudo que tinha que fazer. Saía água do olho. Mas vai assim mesmo, senão vai embora. Depois de tudo que eu tinha feito, treinado e tudo?! Não. Aí, Deus me ajudou e eu fui.

B.R. – E você acha que, se tivesse o Saldanha como treinador na Copa, você teria chance de ser titular?

J.B. – Eu acredito que sim. Honesta e sinceramente, sim. Mas isso aí só o tempo vai... Podia ter jogado, podia ter sido campeão, podia não ter sido. E outra coisa: o ambiente... Aí vem... Eu respondo assim: eu fui criado dentro de uma família, a respeitar. É claro que às vezes você acha que está errado, mas, dependendo de quem está falando, você respeita, e depois você tem a controvérsia. Aí os caras diziam: “Mas por que você não gritou, não brigou?”. Espera aí. O time começou... A seleção brasileira começou a jogar de uma maneira, o treinador era o Zagallo, que me conhecia... Antes do primeiro jogo da seleção, o Coutinho veio perguntar para mim: “Baldocchi, você joga

15 O entrevistado faz o movimento com o pé indicando qual era a movimentação possível de ser feita.

23 Transcrição

de quarto zagueiro?”. Aquilo ali me deixou... Eu não entendia o por quê. Primeiro: eu comecei a jogar como quarto zagueiro, no Botafogo, e fui para o Palmeiras como quarto zagueiro. Fui jogar porque o Djalma Dias era zagueiro central e saiu, aí eu fui jogar de zagueiro central. Fui para a Copa do Mundo e, quando chegou lá... É onde jogou o Piazza.

B.R. – Aham, improvisado também.

J.B. – E o Coutinho veio me perguntar se eu jogaria de quarto zagueiro. “Eu jogo. Eu comecei a minha profissão... comecei a jogar aí.” Quer dizer, ele não tinha conhecimento, olha bem – e eu tinha sido campeão no Palmeiras quatro vezes e tudo –, que eu jogava de quarto zagueiro. E o Zagallo muito menos. Eu joguei contra o Botafogo como zagueiro central. Então, daí eu parei para pensar e falei... Ir lá e gritar “eu quero jogar”, eu não ia fazer, nunca. Primeiro: isso aí, num grupo... Eu aprendi que, num grupo, você não pode fazer isso, porque você vai acabar ficando isolado, o grupo vai começar a te enxergar diferente: você é o bom, você quer jogar na marra e tudo. Não é assim. E o ambiente era muito bom. O ambiente era bom. É por isso que ganhou. Porque partia do Pelé, que era o maior jogador da seleção brasileira e da Copa do Mundo, a humildade e a sinceridade de falar: “Gente, vamos batalhar, porque nós sacrificamos família, treinamos demais”. Nós ficamos em Guanajuato16, que era numa altitude danada, saía sangue do nariz. Você ia correr, três por quatro tinha que parar para acudir. Então, foi sacrificado; não foi moleza, não. “Então, vamos batalhar para ganhar.” Aí, se eu fosse brigar para jogar, falar “não, eu sou mais jogador, eu quero jogar, eu sou o bom”, eu não ia jogar, em primeiro lugar; não está dentro da minha índole, da minha personalidade fazer isso; e ia bagunçar o ambiente. Como o Edu. Eu costumo falar às vezes... O Rivellino é amigão meu, mas, como ponta-esquerda, o Edu era mais jogador que o Rivellino.

B.R. – O Rivellino jogou improvisado?

16 Cidade mexicana localizada a 3100 metros de altitude.

24 Transcrição

J.B. – É. Se eu jogasse de lateral-direito e me falassem “você quer marcar o Edu ou Riva?”, eu falava: “Me dá o Riva. O Edu, não”, porque o Edu era mais ponta- esquerda. E o Zagallo optou pelo Rivellino, pelo jeito de jogar, pelo jeito que o Zagallo tinha a concepção do futebol. O Zagallo sempre jogou de ponta-esquerda voltando, ajudando a marcar o meio, então, queria que o Riva voltasse. E o Edu não sabia fazer isso. O Edu sabia te driblar, te deixar sozinho, mas, quando ele voltava, ele não dava conta. Com a carroceria dele, ele não dava conta de marcar ninguém. [risos]

C.B. – E essa mudança de treinador que teve, se falava sobre as questões políticas, o que estava acontecendo, por que o Saldanha foi afastado?

J.B. – Isso aí foi muito comentado depois da Copa. Os caras falavam se a ditadura, se o pessoal do Exército, o pessoal da política etc. interferia na escalação ou no modo disso ou daquilo. Não. Isso aí, se alguém falar, está pecando. Eles botaram, como chefe da delegação, um homem do Exército, o Jerônimo Bastos, se não me engano, mas ele nunca abriu a boca para nada. Ele botou ordem, botou disciplina. Isso tinha. A prova é que esse pessoal que eu comentei, o Chirol, o Zagallo... O Zagallo não. O Chirol, o Parreira, o capitão...

C.B. – Coutinho.

B.R. – Cláudio Coutinho.

J.B. – ...o falecido Coutinho, e tinha um outro, de nome que eu não me recordo, que era da Aeronáutica, também, esse pessoal veio tudo de lá para botar ordem. Porque o jogador brasileiro não gosta de treinar; ele quer bola. É bola e bola. Naquela época, treinou, fez tudo. A nossa seleção começava jogando de um jeito e terminava do mesmo jeito. Um calor danado e tinha fôlego para jogar. Eles nunca interferiram em nada.

B.R. – E a sua opinião sobre a demissão, a famosa demissão do Saldanha? Você teria alguma...?

25 Transcrição

J.B. – Aí teve, na época... A gente se concentrava lá em São Conrado, não tinha muita... Os jornalistas é que passavam para a gente o que aconteceu e o que não aconteceu. Mas disseram, e depois a gente lia nos jornais, que o Saldanha... Eu não vi ele falar, mas, pelo jeito, ele falou e confirmou. Ele era um homem austero, disciplinador, e assim, o que ele falava, ele falava, ele não fugia da... Ele disse que, na época, o Garrastazu Médici queria que o Dario fosse convocado. Porque o Dario era bom jogador. Ele era artilheiro, em Minas Gerais. Ele estava no Atlético. “Eu gostaria de ver o Dario na seleção.” Aí essa notícia chegou. Às vezes, o jornalista às vezes pegou e chegou no Saldanha diferente, botou mais pimenta, aí o Saldanha falou: “Não. Manda ele cuidar do ministério dele que eu cuido da seleção”. Aí a coisa pegou fogo. Aí, não sei se foi no outro dia ou depois, ele foi lá se despedir da gente: “Eu vou descer e não sei se volto. Até logo”. Ele tinha a mania de fazer assim.17 “Até logo.”

C.B. – Foi assim, curto...?

J.B. – Foi curto e grosso. Aí, depois a gente ouviu falar que foi assim e assado. Mas não foi... Na seleção em si, não teve interferência, “joga fulano; tira sicrano; bota beltrano”. O Dario tem uma passagem que eu vou contar para vocês. Depois ele vai lá assistir e ele vai dar risada. Na preleção do Zagallo contra a Inglaterra, estava todo mundo concentrado e o Zagallo dando instrução, o Dario levantou e falou: “Olha, Zagallo, eu sonhei que eu joguei e fiz dois gols”. A turma... kakakaka. Ele olhou assim para o Pelé e falou: “É, Edson, então você vai ter que sair, porque dois a zero, nóis não perde para ninguém”. [risos] E ele falou mesmo. O Dario era um palhaço. “Eu sonhei que eu fiz dois gols.” “Então, bota o Dario para jogar. Porque, se a gente sai já com dois a zero, é tranquilo, não vai perder de ninguém.” Então, tem umas passagens da Copa do Mundo que é um barato! O ambiente era bom. O ambiente era fabuloso. O Marco Antônio foi titular até quase chegar à Copa, e acabou jogando o . Porque o Marco Antônio era mais técnico que o Everaldo, era muito mais técnico, tanto com a bola no pé, cabeceando...

17 João Saldanha, em suas apresentações na televisão, despedia-se com uma espécie de continência feita com a mão esquerda.

26 Transcrição

B.R. – O Everaldo era um pouco mais recuado nas jogadas?

J.B. – O Everaldo marcava melhor. E um detalhe: o Marco Antônio às vezes gostava de fazer alguma coisa que... Na defesa, numa Copa do Mundo, você tem que dar um chute lá para a arquibancada, ou de bico, ou de qualquer coisa, e o Marco Antônio fazia graça, dava um chapéu no cara, e o Zagallo ficou com medo de botar ele. Não porque ele era incompetente tecnicamente. Não, ele era até superior ao Everaldo. Mas o Everaldo jogava mais sério.

B.R. – Mais disciplina. E como é que foi a preparação para essa Copa? Vocês ficaram no Retiro dos Padres?

J.B. – É, ficamos aqui em São Conrado uns trinta ou quarenta dias. Inclusive, na época do carnaval, também, nós ficamos lá. Foi cruel. Eles fecharam a gente pra valer. Aí, depois, viajamos para o México, acho que uns vinte ou trinta dias antes. Aí levaram a gente para Guanajuato, não me esqueço. É uma cidadezinha pequena, de bastante altitude. Treinávamos lá.

B.R. – Conta-se... O Dario fala e a crítica esportiva conta que foi uma seleção desacreditada que viajou para o México, porque perdeu para o Olaria num amistoso, porque empatou com o Bangu, porque era uma seleção velha. Havia vários tipos de acusações. Você se lembra de um embarque triste e desacreditado para o México?

J.B. – Não. O elenco. O elenco em si acreditava. Jogador velho, não tinha tanto. Tinha o Pelé que já tinha ido, o Carlos Alberto, o Gérson, o Brito... Acho que tinha mais alguém. Mas não era uma seleção velha também. Acho que o Jair já tinha ido, também. Agora, a seleção ainda não tinha se entrosado. A prova é que estava jogando de um jeito, aí o Zagallo conseguiu botar o Tostão na frente... O Tostão sempre jogou mais recuado. Porque o corpinho dele não dava para ficar encarando aqueles grandões.

B.R. – Porque o Saldanha não queria jogar com os dois juntos.

27 Transcrição

J.B. – O Saldanha falou que o Edson... o Pelé não estava enxergando e o Tostão estava com problema. Eu falei: “Então, está danado! Então, vai jogar com dois cegos?! Tira os dois e bota o Dario aí e pronto!”. [risos] Aí, o que eles jogavam... Então, está bom. Se não estava enxergando e jogou tudo isso; se enxergar, vai jogar mais. O Zagallo conseguiu, é mérito dele, botar a nata da técnica para jogar, sempre resguardando o direito de se defender, porque ele sempre jogou para trás, puxou um para trás. E o time foi bem. O time foi entrosando, foi desenvolvendo, pegou confiança. É o que eu te falei, partindo do Pelé, que já tinha ganhado duas. Quer dizer, uma a mais ou uma a menos, para ele não tinha problema. Mas ele estava empenhado. Ele falou: “É a última que eu venho, eu quero ganhar. Vamos lá!”.

B.R. – Era claro para todos, e para ele sobretudo, que era a última Copa que ele disputava?

J.B. – Era. Para ele era claro: “Vamos lá porque é a última que eu venho”.

C.B. – E tinha esse diálogo com o Zagallo? O Zagallo, com os jogadores, como é que era a relação?

J.B. – Tinha,tinha. O Zagallo até dava liberdade para eu ir e comentar. Às vezes, o Zagallo falava uma determinada coisa que quem está jogando não aceita, porque não é aquilo. Quem está lá dentro sabe que é diferente. “Espera aí. Não dá para fazer isso porque aquilo ali me prejudica; isso aqui...” Aí ele aceitava o diálogo. O Zagallo aceitava o diálogo.

B.R. – Em algum momento você achou que fosse ganhar a vaga e jogar algum jogo da Copa?

J.B. – Quando o Fontana18 jogou, eu achei que ia jogar, no lugar do Fontana, pelo Cláudio Coutinho, que me perguntava...

18 Refere-se à José Anchieta Fontana, ex-zagueiro, atuou pelo Vasco e Cruzeiro.

28 Transcrição

B.R. – Isso foi contra a Romênia?

J.B. – Contra a Romênia. Inclusive, eu já tinha jogado contra a Romênia. O Palmeiras tinha feito uma excursão pela Romênia e nós tínhamos jogado contra eles, e ganhamos deles, lá em Bucareste. Eu achei que ia jogar. Mas depois... Jogou o Piazza, também, de quarto zagueiro, e ficou o Joel de fora, que era do Santos.

B.R. – Jogou o Piazza improvisado?

J.B. – É. E o Piazza era volante. Mas aí se assistir aos teipes... Não eram teipes; eram slides que o Parreira tirava e depois passava. A maioria das equipes não jogava com dois jogadores na frente; era um só. Porque às vezes tinha campeonato aqui que o cara botava um meia e um centroavante na frente, e os dois zagueiros tinham que ficar, e botava um volante na frente. Mas a maioria das seleções, a gente tinha essa vantagem, tinha que pegar um para marcar o negão. Se não tivesse ninguém marcando o Pelé... Alguém que eu falo, sobrando. Um só, não. Eles punham dois. Esse que eles tiravam aqui faltava lá. Então, o Zagallo entendeu que lá não precisava botar dois zagueiros. Botava o Piazza. Porque, se precisasse apoiar, o Piazza tinha mais... Ele já estava acostumado a jogar...

B.R. – [Tinha mais] saída de bola.

J.B. – [Tinha mais] saída de bola.

B.R. – E como que foi a estreia? Porque, logo de cara, a Tchecoslováquia já faz um a zero, num lance bobo. E aquela preparação toda?

J.B. – É por isso que eu falei, o time estava consciente, sabia onde podia chegar, como reagir. Levantou a cabeça e foi. Depois de dois ou três jogos, honesta e sinceramente... “Nós não vamos perder mais. Não vai perder mais”. E, ainda, nós tivemos também a felicidade de... Todo mundo viajou para lá, voltou para cá... E nós ficamos em Guadalajara. Saímos de Guadalajara para decidir, na Cidade do México.

29 Transcrição

Isso aí ajudou, também. Porque viagem cansa: aeroporto, isso e aquilo. Cansa mais do que jogar.

B.R. – E você acha que a partida contra a Inglaterra foi um divisor?

J.B. – É foi uma parada.

B.R. – Porque era a seleção campeã do mundo, naquela altura...

J.B. – Ali, podia ter perdido. Igual eu te falei do Félix, que a gente brincava muito com o Félix, mas o Félix, na hora que precisou dele, ele pegou uma ou duas bolas, uma na cabeça do cara e outra...

B.R. – E bola na trave.

J.B. – ...na trave, e pegou uma outra, também, que, se entram, até logo. Mas valeu. Agora, contra a Itália, na decisão... A gente, sentado de fora, vê melhor do que quem está no banco. Na hora que eu vi a Itália marcando homem a homem, aí eu falei...

B.R. – A Itália que vinha de uma decisão cansativa...

J.B. – Cansativa...

B.R. - ... na semifinal com a Alemanha.

J.B. – Passou apuro. Mas eu digo assim, eles começaram o jogo marcando, vamos supor, o Jair, aquele lateralzão grandão lá, até que faleceu, o italiano, o Facchetti, Facchetti não é? Marcando o Jair mano a mano. Mano a mano que eu falo, “aonde ele for, eu vou atrás”. Ah, está danado. Porque o Jair saía daqui e ia levar ele lá do lado de lá, aí ficava uma estrada aqui para o Pelé... Se for largar um espaço daqueles para o Pelé, está frito. E não foi só o Pelé; entrou o Carlos Alberto, que fez o gol; entrou... Então, do jeito que a Itália jogou contra a gente, não ia ganhar. Podia jogar umas cinco

30 Transcrição

vezes que ia perder. Mesmo jogando bem, ia perder. Você não conseguia marcar Pelé, Gérson, Tostão, e o jogando o que estava, mano a mano. Você tinha que fechar e deixar sempre alguém sobrando ali na frente. Fechar os espaços, mas guardando posição.

B.R. – Você acha que, nesse sentido, a preparação física que você falava, do Chirol, do...

J.B. – Do Parreira, do Coutinho...

B.R. – ...do Parreira e daquelas novas técnicas, foi o trunfo do Brasil?

J.B. – Foi.

B.R. – Porque parece que, pelo menos de cabeça, os segundos tempos do Brasil eram sempre o período decisivo para se virar o jogo. No jogo contra a Itália, mesmo, terminou um a um o primeiro tempo, sendo uma partida muito disputada.

J.B. – É o que eu disse, o Palmeiras, o Palmeiras perdão... A seleção começava jogando num ritmo e terminava no mesmo ritmo. Nós jogamos ao meio-dia, uma hora, no horário deles. Era quente pra caramba. Então, os europeus gritavam, e nós, do jeito que começávamos, terminávamos.

B.R. – A Inglaterra, mesmo, chegou a não descer, me parece. Não teve uma história assim?

J.B. – É. Ficavam jogando água.

B.R. – No intervalo.

J.B. – Era um calor danado.

31 Transcrição

C.B. – E o jogo de quartas, que pegou o Peru? O Didi19 era o treinador.

J.B. – Era o treinador do Peru.

C.B. – Houve uma preocupação: “Será que eles...? Como será o futebol deles?”.

J.B. – O Didi... o Zagallo tinha jogado com o Didi – e o Pelé tinha jogado com o Didi – e respeitava muito o Didi. O Didi era uma criatura fantástica! Todo mundo gostava dele, como homem e como jogador, porque ele jogava pra caramba. Mas a gente sabia... O time do Peru, tecnicamente, tinha bons jogadores – o Cubillas e tudo –, e foi um time que fez gol no Brasil...

B.R. – Um futebol ofensivo, não é?

J.B. – ...fez gol no Brasil tocando a bola. Não foi cruzamento. Entrou tocando e saiu na frente do gol. A desvantagem deles que eu achei é que o goleiro deles era fraco. O goleirão deles nos ajudou bem. [risos]

C.B. – E o jogo seguinte foi contra o Uruguai. Encontrar o Uruguai tem alguma preocupação? Lembra da Copa de 1950?

J.B. – O Uruguai lembra o seguinte: se o Corró... Foi o dia que o Corró fez o gol, no último minuto do primeiro tempo. O Corró empatou o jogo.

B.R. – Corró...?

J.B. – O Corró é o .

B.R. – O Clodoaldo. Sim, foi aquela inversão de posição.

19 Refere-se à Waldir Pereira, ex-jogador de futebol, campeão do mundo em 1958 e 1962.

32 Transcrição

J.B. – É. Se o Corró não faz o gol, se não vira, se nós não voltássemos para o segundo tempo com o empate, aquele jogo também seria muito difícil. Tinha condições de ganhar, porque o [nosso] time era superior, mas eles iam jogar na retranca, iam baixar o porrete. Você vê que aquele jogo foi o jogo que saiu mais botinada. O Pelé deu uma cotovelada num cara lá que, se pega direito, abria; o Carlos Alberto deu num outro. A sorte foi aquele gol que o Tostão meteu e o Clodoaldo entrou e fez. Aquilo ali deixou mais calmo para voltar para o segundo tempo.

C.B. – O futebol sul-americano era mais pegado?

J.B. – E era... Não tinha esse negócio de cartão aí, o cartão era meio escondido, então, o pau roncava. [Inaudível] Uruguai e Argentina. A Argentina só passou a conquistar título depois que parou de dar botinada pra valer, porque jogo contra a Argentina, quase que tinha uma hora que a bola era supérfluo, não precisava da bola.

C.B. – E como é que era assistir a esses jogos? Porque você não estava no banco; estava fora.

J.B. – É pior do que tudo que você imagina. Porque lá dentro, começou o jogo, acabou, você esquenta e vamos lá, o que acontecer... Agora, ali fora, você fica sofrendo, e torcendo, e achando que podia dar. Aquilo ali... “Por que não foi? Dava para ir.” Sofre. Sofre mais do que aquele que não entende nada. Aquele que não entende nada, às vezes, torce... A minha patroa às vezes assiste ao jogo... “Ai!” A bola está para passar a dez metros do gol e ela está... “Ai!” Então, não entende. E a gente que entende, não é assim, sofre mais.

B.R. – E você acha que, como reserva, você podia ter uma participação ativa, no sentido de conversar e incentivar, mesmo nos treinos, de orientar?

J.B. – Mas isso havia. Havia, havia. Eu fui capitão do Palmeiras durante o período que eu joguei. Eu sempre tive, modéstia à parte, uma liderança que não era... O líder não é imposto; ele sai, talvez pela convivência, pelo jeito de... as amizades e tudo. Mas

33 Transcrição

havia, nos intervalos... Nos intervalos, a gente descia para o vestiário, então, a gente conversava, batia papo “ó, assim, assado”. Mesmo o Zagallo, ele aceitava, porque você estava de fora, estava vendo. “Vai em cima do fulano porque aquele lá não...” Eu lembro que tinha um lateral, não sei de que time, não me lembro mais, que a gente falava muito com o Jair: “Parte para cima dele porque ele não dá conta, Jair”. Tem muito isso no futebol. Você sente quando tem um lugar que está mais fácil e tudo. Às vezes o treinador, de dentro do campo, não percebe tanto, mas quem está por fora, de cima, vê que, quando sai por ali, entra fácil. O Zagallo, nesse particular, sempre foi aberto, porque ele era jogador, tinha parado há pouco tempo, então... E alguns jogadores que estavam na equipe já tinham jogado com ele.

B.R. – Fala-se muito de um apoio mexicano.

J.B. – Também.

B.R. – Qual foi a sua visão, lá no México, dessa aproximação?

J.B. – Honestamente, desde o primeiro jogo, os mexicanos torciam pelo Brasil, acho que mais do que o brasileiro, se estivesse lá assistindo. Eles sempre... Não sei por quê. Talvez, pela língua, pelo jeito de se entender – a gente fala português, mas entende eles –, eles sempre torceram pelo Brasil. Na hora que o México saiu... A prova disso, eu não preciso falar nada, foi o último jogo, o que eles fizeram dentro do campo: tiraram o calção do Tostão, a chuteira do outro, a meia do outro. E até hoje. Acho que, se você fizer uma gravação em Guadalajara e na Cidade do México e pegar aquele pessoal da faixa etária da Copa, eles vão lembrar com a maior alegria.

B.R. – Você não chegou a sofrer esse tipo de... porque você estava lá em cima?

J.B. – Eu estava lá em cima, na hora... Aí piorou, porque aí a gente queria descer e não conseguia, porque não tinha espaço, não tinha jeito de descer. Teve que esperar acalmar para ir lá para baixo.

34 Transcrição

[FINAL DO ARQUIVO]

B.R. – Bom, campeão mundial, voltou do México, conseguiu o Fusca do Maluf e trouxe para Batatais?

J.B. – Bom, em primeiro lugar, a gente deve dizer o seguinte: o Maluf, com os acertos ou não, foi o único governador... Ele não era governador; era prefeito de São Paulo. Foi o único do estado que deu prêmio para todos os jogadores. Isso aí tem que ser dito. Porque Minas deu um terreno na Pampulha para os mineiros; o gaúcho homenageou o Everaldo, lá embaixo; agora, São Paulo homenageou todo mundo, inclusive o roupeiro. Ele deu para todo mundo. Aí, eu fiquei com o Fusca um tempo. Aí, depois, os caras falaram: “Vão tomar o Fusca”. Aí eles falaram que eu vendi porque iam tomar o Fusca. Mas não foi, não. É porque aí eu ganhei um pouco mais de dinheiro e comprei um carrinho maior.

C.B. – E como é que era voltar campeão? Como é que é a recepção, a torcida, a imprensa, o reconhecimento?

J.B. – A volta foi... marcou, também. Porque nós chegamos... Eu demorei três dias para chegar em casa. Em casa que eu falo é em Perdizes. Nós ficamos um dia no Rio de Janeiro; depois, fomos para Brasília – teve uma homenagem em Brasília... Chegamos no Rio e, depois, no outro dia, viajamos para Brasília; voltamos e tivemos uma homenagem no Rio; depois, fomos para São Paulo. Em São Paulo, começou lá do aeroporto de Congonhas e foi até lá embaixo. Lotou tudo. E, na rua que eu morava, fizeram uma homenagem na rua inteira. Então, eu demorei três dias para chegar em casa. Na hora que estava assentando a poeira, chegou um pessoal daqui de Batatais – na época, meu primo era prefeito aqui – e falou: “Não, Batatais vai te fazer uma homenagem. É lá na Câmara Municipal, não tem problema, é uma coisa simples e tal”. Foi no quarto dia isso. Aí peguei a patroa – ela estava grávida –, eu falei: “Vamos embora”. Viemos de carro. Quando eu cheguei na entrada da cidade aí, a cidade parada. Fizeram uma festa, uma coisa de louco! Então, eu demorei quatro ou cinco dias para

35 Transcrição

assentar: “Bom, agora estou em casa com a minha família”. Mas valeu, valeu demais. A gente vê as fotos antigas, os amigos da gente e tudo, então, vale muito.

B.R. – Contente na vida pessoal, mas, na vida profissional, imagino que um campeão mundial consiga valorizar seu contrato, ou consiga negociar maiores vantagens, em termos financeiros, no clube. Como foi essa sua relação com o Palmeiras, depois da volta do México?

J.B. – Valeu. Não foi o que é hoje, é claro, mas eu renovei o contrato com o Palmeiras bem. Na época, eu fui vendido para o Corinthians e entrou, na minha transação, o Paulo Borges20, que tinha sido, até então, a maior aquisição do futebol brasileiro. O Corinthians tinha comprado o Paulo Borges por uma fábula. E o Paulo Borges foi para ao Palmeiras, na minha negociação; foi o Polaco21, que era um quarto zagueiro, que depois jogou como titular, um bom jogador; e foi o dinheiro. Quer dizer, eu fui, assinei com o Corinthians um contrato bom e ganhei uma porcentagem, que eu acho que era 15%. Mas não me deram isso; me deram menos. Eu não me lembro quanto que foi. Então valeu. A Copa do Mundo valeu para me dar força para conseguir um contrato melhor.

B.R. – Um contrato melhor. Sobretudo porque, nessa época, os contratos eram um pouco mais curtos, não? Como é que funcionava...via de regra?

J.B. – Eram de um ano ou, no máximo, de dois anos.

B.R. – Dois anos, não é? E por que a decisão – eu não sei se foi sua, gostaria que você falasse – de ir para o Corinthians? Porque o maior rival, na fila... Bom, você, campeão do mundo, jogando pelo Palmeiras, como é que foi ir para o Corinthians?

20 Atacante do Corinthians, ponta-direita, esteve na partida em que o clube alvi-negro encerrou o jejum de onze anos sem vencer o Santos. 21 Carlos Eduardo de Souza, fez dezenove partidas pelo Corinthians e quarenta e oito pelo Palmeiras.

36 Transcrição

J.B. – Agora eu lhe disse, o Luís Pereira era o meu reserva no Palmeiras. Quando eu fui para a seleção, no período em que eu fiquei afastado, o Luís Pereira passou a jogar. Como ele sempre foi um bom jogador, um excelente jogador, quando eu voltei, eu fui jogar com ele, também: ele jogava de quarto zagueiro, e eu, de zagueiro central. Chegou numa determinada hora, o Minelli disse o seguinte: “Eu vou ter que optar por um ou por outro”. O Minelli era o treinador do Palmeiras. “Está bom. O que você fizer, está feito.” Mas eu nunca pedi para sair. Na época... Até tem uma passagem curiosa. O Osvaldo Brandão era treinador do São Paulo. Eu morava na Leão Veloso22, atrás da Sears. Numa determinada noite, apareceu o Osvaldo Brandão lá em casa dizendo o seguinte: “Baldocchi, você quer ir para o São Paulo?”.

B.R. – Isso depois de voltar do México?

J.B. – Depois do México, e já tinha jogado no Palmeiras um bom tempo. Foi uns seis meses depois. Foi em 1971 isso, no começo do ano, entre março e abril, por aí. Aí eu falei: “Eu falar? Meu passe é do Palmeiras”. Ele falou: “Não, nós estamos negociando”, o Osvaldo Brandão, que era treinador do São Paulo. Eu falei: “O que fizer, está feito. Para mim...”. Aí conversei depois com um diretor do Palmeiras, ele falou: “Nós estamos tentando negociar você”. “Está bom. Vou deixar quieto.” Numa hora dessas, a melhor coisa é ficar quieto. “Deixa eu ver o que eles vão fazer. Eles vão ter que vir falar comigo.” Passou uns quatro ou cinco dias, apareceu o Felisberto Pinto, o Gimenez e o Jabur, que era o triunvirato que dirigia o Corinthians – o Matheus havia posto eles lá –, “nós te contratamos.” Eu não esqueço disso. Foi uma noite, eu estava em casa. “Contratou? Ótimo. Tudo bem. Vamos embora.” O que que você.... Não. Porque eu acho o seguinte: pelo tempo que eu fiquei no Palmeiras, eles já conheciam a minha personalidade, o meu jeito de viver, o que eu penso e tudo, então, “está bom, não tem problema nenhum”. Daí a uma semana, eles fizeram a negociação, entabularam e eu fui para o Corinthians. No Corinthians, eu fui recebido muitíssimo bem, mas muito, porque encontrei o , Zé Maria, Rivellino, todo mundo que eu tinha convivido na seleção. Para mim, eu estava em casa, também, embora... A torcida sempre me respeitou. Nunca teve nenhum desagravo, nada.

22 Rua Leão Veloso próxima ao Estádio Palestra Itália.

37 Transcrição

B.R. – Nunca sentiu nenhum tipo de perseguição?

J.B. – Nada, nada. Da torcida, não. Bom, aí o Matheus, Vicente Matheus, que não era presidente, mas que estava mandando, porque havia botado esses três para dirigir, ele estava na Espanha, voltou e não gostou da minha contratação. Aí é que começou a ter problema. Ele disse para mim o seguinte: “Jogador do Palmeiras não dá certo no Corinthians”. “Bom, essa é a opinião do senhor. Eu tenho que jogar e lutar e batalhar.” “Você não tem jeito de pedir para ir embora, para voltar?” Eu disse: “Não. A minha personalidade não ia deixar nunca. Eu não ia fazer isso com a minha consciência. . Se o senhor não me quer, o senhor me vende, me empresta, me doa, mas partindo do senhor, porque eu estou no Corinthians, estou bem, eu tenho amizade e vou jogar”. Aí ele engoliu em seco. Meu contrato era de dois anos. Na época, era o Dino23, o treinador, que já tinha sido jogador, o Dino, um companheirão. Bom, foi bem dois anos. E tem uma passagem também, daí, que... Eu não lembro o ano. Foi em 1974 que o Palmeiras decidiu com o Corinthians, não é?

B.R. – Isso.

J.B. – Naquele ano, o campeonato era dirigido assim: quem era campeão do primeiro turno já era finalista do segundo turno. Eu era capitão da equipe do Corinthians. O Corinthians foi campeão do primeiro turno. Começou o segundo turno, teve um problema sério: no Parque São Jorge, o juiz expulsou o Ado e o Rivellino. Porque eu acho que começaram a minar o Corinthians, para o Corinthians não ganhar o segundo turno, porque aí não teria renda, não teria nem graça. Está bom. Começou por ali. Aí o Corinthians foi indo, foi indo. Não foi bem no segundo turno, mas o time era o mesmo. Nós fomos concentrar para disputar a final uns quinze ou vinte dias antes, e deixou o time reserva jogando. Aí, chegou em... Eu não lembro se em Águas de Lindóia ou Lindóia, ou Poços de Caldas, o dr. Osmar, que era médico do Corinthians, ele veio me falar: “Baldocchi, você não vai jogar”. Aquilo ali, eu estranhei demais, porque eu era o capitão do time, tinha um ambiente formado na equipe... “Por quê?” “Não vai

23 Refere-se à Dino Sani ex-jogador e ex-treinador.

38 Transcrição

jogar.” “Está bom.” Aí o primeiro jogo foi no Pacaembu e o segundo jogo foi no Morumbi. No primeiro jogo, o time não foi muito bem e empatou24. Acho que empatou o primeiro jogo e perdeu o segundo. Então, houve um lance... Eu não lembro bem, mas é o conteúdo. Eu não joguei nem a primeira nem a segunda parte. Fiquei no banco. Sofri igual um desgramado. Sofri barbaridades. Porque eu conhecia a equipe do Palmeiras como a palma da minha mão. Joguei cinco anos lá. Era a mesma equipe: Eurico, Luís Pereira... E eu sentado no banco, assistindo ao jogo, passando apuro, principalmente no segundo jogo, no Morumbi, e não joguei. Aí, depois, o dr. Osmar... “Se você tivesse jogado e se tivesse sido campeão, ele não podia te mandar embora”. Meu contrato ia vencer logo na frente. Aí meu contrato venceu logo na frente – para entender o por quê – e o Matheus não renovou meu contrato.

B.R. – Então, você atribui você não ter jogado essa final ao Matheus, ao dedo do Matheus?

J.B. – Foi o sr. Matheus. Que Deus o perdoe, porque ele está lá em cima, mas eu não joguei por causa disso. Acho que o Riva, o Tião, esse pessoal que jogou comigo sabe, Zé Maria, por que eu não joguei. Tem uma ideia, pelo menos. Porque a gente já sabia antes do jogo. E aquele jogo... O Palmeiras inclusive... O Eurico é meu compadre, é padrinho do meu filho. Eu sabia que o Eurico não ia jogar, porque ele é de casa. Ele estava machucado, não estava treinando. E a gente comentava: “O Eurico não joga”. O Eurico marcava muito bem. “Então, vamos dar um jeito de jogar por ali. Porque ele vai ter que improvisar.” Ele botou o Jair Gonçalves de lateral, que não era lateral. Mas o treinador, por ironia do destino, o treinador do Palmeiras, nessa época, era o Brandão, que era macaco velho. Então, aí, o Corinthians batalhou, batalhou... Jogou errado. No intervalo, eu conversei com o Riva, conversei com... “Olha, está errado. O Luís Pereira nunca jogou sobrando e o Luís Pereira está jogando sobrando o jogo inteiro”. Porque o Vaguinho estava dando um trabalho danado para o Zeca, então, o Vaguinho driblava o Zeca e o Luís Pereira cobria, driblava o Zeca e o Luís Pereira cobria. Aí a gente comentava: “Riva, bota o Lance, bota alguém em cima do Luís Pereira lá no fundo, para segurar ele lá, porque aí o Vaguinho liquida ele por aqui.” Tem umas coisas que quem

24 Tal partida terminou em 1 a 1.

39 Transcrição

joga... O treinador às vezes nem vê, e quem está lá dentro sabe o que está acontecendo. O cara driblava o Zeca e o Luís Pereira roubava. Então, espera aí, pega alguém e põe em cima dele lá porque ele vai ter que ficar marcando o centroavante.

B.R. – Deixa fixo lá.

J.B. – Mas não tinha ninguém que ia lá. Bom, aí eu vi o trem ir, ir, até que saiu o gol e perdemos o jogo. Aí botaram a culpa no Riva depois, que o Riva não jogou bem...

B.R. – E no Ado.

J.B. – ...e no Ado. Botou a culpa em todo mundo. Mas ele não entende que o treinador era o Nelson Duque, que, comparado com o Brandão... O Brandão deixou ele longe, mas longe, longe. Jogou desfalcado. Jogou com um lateral que não sabia marcar. Igual eu estou te falando, bota um cara que não sabe marcar, vai tomar drible pra caramba. Não vai saber cobrir. Quando estiver em linha, vai estar fora da linha de impedimento. Você está marcando aqui e ele está lá dentro da área, está fora de lugar. Aí acabou tendo problema, não renovei o contrato e fiquei um ano e nove meses parado.

B.R. – Mas além de ex-palmeirense, o Corinthians vivia a fila não é?

J.B. – É, o Corinthians estava... E o Corinthians tinha time para ganhar do Palmeiras naquele ano. Tinha time, honestamente. Tinha garra, tinha luta, tinha tudo. Faltou um pouquinho mais o treinador ajudar, e sei lá. E outra coisa – eu afirmo isso, mas uma hora ainda vou pedir a alguém que faça –, eu joguei contra o Palmeiras o tempo inteiro, no Corinthians, e eu nunca perdi um jogo para o Palmeiras. Empatei, ganhei, mas perder, não perdi. Porque, contra o Palmeiras – ele falou que eu jogava... eu chegava junto e tudo –, eu chegava dobrado junto. Dobrado. Teve um lance com o Palmeiras que não foi maldade, eu cheguei duro, cheguei firme, e o Eurico era lateral... O Leivinha estava jogando. Esse jogo foi no Pacaembu. Nós empatamos, um a um ou dois a dois, não me lembro bem. E o Leivinha me enchendo as paciências, falando abobrinha, e o Eurico falou... O Eurico gaguejava. Ele falou: “Pa-para de en-encher o

40 Transcrição

saco dele”.(risos) E eu escutando quieto, não falei nada. Numa bola de escanteio, eu subi de cabeça, eu arrumei o cotovelo na fronte do Leivinha, ele desceu. Do jeito que ele desceu, ele ficou. Mas não foi de propósito. Se fosse, eu falaria. “Eu dei mesmo”. Foi um lance que ele subiu e pegou nele. Ele subia bem. Aí o Eurico falou: “E-e eu não te falei?”. [risos] E eu falava: “Eurico, não foi”. Se fosse, eu falava, “cheguei para dar nele”. Porque é o tipo de jogador que jogou comigo, vai jogar um jogo e vai ficar me enchendo o saco? O que é isso? Eu nunca fiz isso com ninguém. Uma ressalva. Eu admiro demais o . É um puta jogador. Ele tem características de jogador que eu nunca vi: a velocidade dele, o raciocínio dele. Ele é muito ágil, muito rápido. Mas eu acho que ele tem que respeitar um pouco mais o zagueiro. Põe ele para jogar de zaga, para marcar, um exemplo, para tomar drible e tudo. Isso não. Eu joguei contra o Pelé cinco ou seis anos, o Pelé me deu drible, fez gol em cima de mim e tudo, eu nunca dei um pontapé desleal, mas ele também nunca me deu um drible desleal: dar um chapéu, voltar e te dar outro, te jogar no meio das pernas e gozar. Isso aí não. Isso aí o cara tem que respeitar o companheiro. Porque quem joga na linha, a gente costumava falar... Eu tenho que correr para você. Eu tenho que dar trombada, bater no cara, tomar a bola e te dar, e você vai fazer graça, vai fazer o gol e vai vibrar, e a torcida vai bater palma para você. E quem fica aqui atrás... Quando eu falho, eu levo tinta. Goleiro ou beque errou: “Olha lá, errou!”. Então, eu acho que o Neymar vai ter que aprender – e eu acho que ele vai aprender – a respeitar os caras. Respeitar. Se tiver que fazer um drible, dá um drible para fazer o gol. Faz o gol, passa no meio das pernas, mas respeitando o cara. Não vai fazer graça. Ele fez uma graça com o Chicão, acho que uma vez, no jogo com o Corinthians... Aquilo ali, não. Eu acho que ele já aprendeu. Já ensinaram que futebol... E amanhã, se ele fizer uma graça, alguém acaba pegando ele, porque o cara se ofende. A qualidade técnica dele é muito alta, o cara se ofende. Eu repito: “Vem cá, agora você vai ficar de zagueiro e eu vou botar um cara que sabe driblar para ficar te driblando, para você ver o que é bom. Aí você vai ver o outro lado da moeda”.

C.B. – Qual é a maior dificuldade do zagueiro? Qual é o jogador mais difícil de marcar?

41 Transcrição

J.B. – Eu não gostava de marcar gente baixinha. Honestamente, eu tinha dificuldade. O pequetitinho roda rápido, ele vira e sai. O Corinthians tinha um jogador chamado Flávio, um centroavante. Se você não soubesse marcar ele, ele te dava um trabalho danado. Se você encostasse nele, ele dominava a bola, ele rodava você com o braço, ou te empurrava. Aí, quando você chegava nele e a bola vinha, você desencostava dele, ele te procurava aqui, ele não te achava, aí você tomava a bola e jogava tranquilo. Demorei uns dois jogos para marcar ele. Larga ele. Se você encostar nele, você não marca direito. Porque ele era forte, protegia e virava, e quando ele virava, ele te puxava. Agora, o Neymar, para marcar, é dificílimo, porque a velocidade que ele tem... Você só marca ele chegando junto. A bola vem, você tem que chegar junto. Se você não acertar a bola, larga quieto. Outro tem que vir e pegar. Porque não dá tempo. Ele é muito rápido. Nem o Pelé era rápido desse jeito. Nem o Pelé. O Pelé... Eu às vezes comento com a minha patroa, vamos ver o Neymar daqui a uns cinco ou seis anos, porque essa velocidade dele vai diminuir. Ele vai ganhar um pouco de massa muscular, vai... Isso é normal. E ele usa demais isso. Ele vai ter que usar um pouco mais a cabeça – o que ele tem – e passar a jogar mais, porque ele não vai conseguir manter esse ritmo de rapidez durante cinco ou seis anos.

B.R. – Prender a bola.

J.B. – Porque o Pelé, no fim, já dominava, o Pelé já protegia bem a bola. O Pelé, se você chegava junto nele, tinha que chegar firme, porque você batia nele e às vezes caía. Você é que caía, em vez de ele cair, porque ele era forte. E o Pelé não fugia, também. Se o cara dava um pau nele, ele ia lá e dava no cara. Mas jogador bom de marcar é aquele que não dá trabalho. Agora, esses que dão trabalho... [risos]

B.R. – Jogador bom é jogador ruim.

J.B. – O ruim que é bom para marcar.

B.R. – E como é que foi esse período de isolamento no Corinthians? Quer dizer, depois desse...

42 Transcrição

J.B. – Desse incidente, não é?

B.R. – ...desse incidente contra o Palmeiras, o peso caiu nas costas de um ex- palmeirense, também?

J.B. – Eu nem joguei não é? Eu não joguei nem a primeira nem a segunda. E eu classifiquei, porque disputou a final porque nós fomos campeões no primeiro turno. Foi o período pior da minha carreira, porque eu fiquei parado um ano e nove meses. Eu tinha que treinar em horário separado. Eu tinha que ir no clube. Às vezes, o treinamento era de tarde, então, você ia de manhã. Aí, mudava o treinamento, você não podia treinar; tinha que ir embora. Olhar os companheiros... “Até logo. Amanhã eu volto”, e de tarde voltava lá. Porque eu tinha que cumprir horário, porque o advogado da justiça do trabalho dizia que eu tinha que fazer isso, para não abandonar. O Matheus queria que eu arrumasse um clube, que eu trocasse e que eu é que fizesse as coisas. Eu disse: “Não. O senhor me manda embora”. Bom, não consegui. Aí a justiça do trabalho, daí a um ano e nove meses, julgou, aí me deu o passe livre. Foi o período que...

B.R. – Isso foi em 1975, o seu passe livre?

J.B. – Foi em 1975 para 1976. Aí o contrato venceu... Mesmo assim eu tinha contrato. Eu sofri essa penalidade com o contrato em andamento. Aí ele teve que pagar até o final do contrato, em 1975, em junho ou julho de 1975. Aí ele me deu o passe, me pagou o salário – porque, durante esse período, ele não havia pago –, pagou luvas... O que estava escrito no contrato, ele cumpriu. Só que aí eu não consegui jogar mais no futebol paulista.

B.R. – Em nenhum momento, nesse período, você exigiu ou teve um enfrentamento mais duro para jogar, para voltar a jogar no Corinthians?

J.B. – Não não. Não. Ele me afastou definitivo. Aí, depois de uns seis meses, eu passei a não ir mais no Corinthians. Porque o consultor jurídico consultou tudo, que era

43 Transcrição

um crime da mala, eu ter que ir lá treinar sozinho, se eu não pudesse fazer mais aquilo. Só fui voltar a treinar quando a justiça do trabalho me deu o passe livre, que foi um dos primeiros, como eu te disse, quando me deu um atestado [inaudível] dizendo que eu estava livre para jogar onde eu quisesse. Só que aí a Federação Paulista não... Havia um entendimento entre o pessoal de não me contratar. Me magoou muito.

B.R. – Você acha que esse boicote, para além do Corinthians, no futebol paulista todo, também a gente pode atribuir, ou você pode atribuir ao Matheus?

J.B. – É. O Matheus tinha muita força. O dr. Pedro Andrade era advogado da Federação – ele foi meu advogado – e ele dizia que a Federação... Havia um movimento. Porque, se me contratasse, ia abrir uma brecha, porque o jogador ganhava o passe e no outro dia estava contratado ali. Eles usaram esse argumento.

B.R. – E você tinha outros companheiros com o passe livre ou você era o único que tinha?

J.B. – Não, não. Não, não tinha ninguém com o passe livre. E demorou um ano e nove meses para a justiça... Recorreram a Brasília... Fizeram um furdunço.

B.R. – E essa relação passe livre ou passe preso ao clube, como se dizia antigamente, qual é a sua avaliação disso? Porque os jogadores de antigamente reclamavam muito de ter o passe atrelado ao clube, porque ficava sujeito...

J.B. – Ficava sujeito a isso ou aquilo. De outro lado, eu acho que prejudicou demais os clubes. Um exemplo: o Batatais sempre tocou o futebol... Vou começar por aqui. [O Batatais] Me vendeu e vendeu outros jogadores e tudo, então, tinha um dinheirinho, tocava aquilo e sobrava alguma coisa. O Botafogo, idem. O que aconteceu? Passou a entrar empresário, a entrar isso e aquilo, os clubes passaram... E como costuma ficar com o jogador ruim, com o INPS, com o FGTS, com o aviso prévio e com a indenização... O jogador bom vai embora. Isso é no futebol em geral. Quer dizer...

44 Transcrição

B.R. – Isso, para o interior de São Paulo, que revelou e que revela...

J.B. – Um monte de jogadores...

B.R. – ...muitos jogadores...

J.B. – Prejudicou demais. A Ferroviária, que sempre revelou bom jogador, passou apuro; o Guarani; a Ponte Preta está lá devendo para todo mundo. Então, se você analisar, a lei ajudou demais de um lado e prejudicou do outro. Tinha que haver um meio termo. Tinha que deixar... O jogador bom, quando saísse, tinha que deixar alguma coisa para o clube tocar.

B.R. – E você, nesse momento de boicote do Corinthians, pensou em abandonar definitivamente a carreira e não voltar mais?

J.B. – Pensei.

B.R. – Quando pegou o passe, pensou o quê? “Vou voltar?” “Vou ficar?”

J.B. – “Vou parar.” “Vou ficar.” Até eu esqueci de... Eu peguei o passe e fui jogar no Fortaleza. Tinha um médico amigo meu que era dono de um hospital e me conhecia. Ele ficou sabendo e... “Você quer vir jogar aqui?”. Aí eu falei... O Ceará disputava o Campeonato Brasileiro, e o Fortaleza, não. “Então, eu vou jogar no Fortaleza.” “Por quê?” “Porque eu não posso viajar. A minha patroa, com duas crianças pequenas, se eu largar ela sozinha aqui, ela não vai ficar.” Aí eu fui para lá. Ele meu deu o hotel, me deu... Eu não precisei levar nem carro. Me deu um salário bom, me deu carro. Voltei a treinar: na praia, cedo e de tarde. Aí foi o maior sacrifício. A pior coisa do mundo é quando... O jogador sai de férias e, quando volta, já reclama. Você imagina eu, parado um tempo desse. Aí voltei a ganhar massa muscular – treinava na praia e tudo – e voltei a jogar. Joguei umas dez partidas.

B.R. – Você acha que voltou no nível que você...?

45 Transcrição

J.B. – Estava voltando. Aí me machuquei, numa partida entre Ceará e Fortaleza, no Castelão, o campo cheio, no último minuto de jogo. O campo estava molhado, saiu uma falta, eu fiquei na barreira... As coisas ruins, você grava não é? Porque machuca. O cara bateu a falta, o goleiro rebateu e eu fui na bola, para tocar pela linha de fundo. O cara me empurrou, o centroavante me empurrou, eu caí e o goleiro caiu em cima do meu pé. Aí quebrou o pé, estourou o tendão e tudo. Eu saí... O campo assim, eu saí me arrastando um metro para fora, tirei a botina, ele falou: “Quebrou. Quebrou. Quebrou”. Na hora ficou desse tamanho25. Aí, bom, fiquei quieto lá uns dois ou três dias, botaram uma tala, eu voltei para Ribeirão – porque aqui tinha um médico, o dr. Caetano, que é vivo até hoje, médico do Botafogo, bom médico, ortopedista –, para a gente fazer a cirurgia por aqui. Aí eu falei: “Agora eu vou parar”. Estava com vinte e nove anos. Mas não me arrependo. O futebol que me deu... O que eu tenho hoje, o futebol que me deu: criei a minha família, estou olhando os meus netos, enquanto dá, e está bom demais. Não tenho nada a reclamar; só tenho que agradecer a Deus.

B.R. – Essa foi uma parada imposta, praticamente, pelo seu corpo.

J.B. – E que tinha que ser. Tinha que passar por isso.

B.R. – Porque não dependeu tanto da sua vontade, digamos assim. Mas, depois de parar, pensou em algum momento em trabalhar com o futebol de alguma maneira?

J.B. – Os caras falavam: “Vai ser treinador”. Não vou mexer com isso, não. Primeiro, eu pensava assim: eu convivi quinze anos com o futebol, a vida de treinador é igual à de jogador, tem que concentrar, tem que viajar, aí tem que esquentar a cabeça...

B.R. – Tem que cuidar de trinta pessoas.

J.B. – Trinta marmanjos. Você tem que tomar conta: aquele que chega no horário, aquele que foge da concentração, aquele que está tomando uísque. Bom, é pajear

25 Faz gestos indicando o tamanho do inchaço.

46 Transcrição

criança. E outra coisa: meus filhos estavam crescendo... Nessa época, já estavam com quatro e seis anos. São dois anos de diferença. Já estavam maiorzinhos. “Eu vou entrar nessa vida de novo, não vou ver meus filhos crescerem.” Eu vou criar... Eu já gostava de mexer com alguma coisa. Eu sempre tive outra atividade. Se eu não tivesse outra atividade, tinha entrado em depressão. Porque jogador, quando não sabe fazer nada e que para, é cruel. Ele vai jogar na várzea.

B.R. – É a segunda morte.

J.B. – É. É difícil. Eu comentava com um primo meu que é médico: “Vocês, médicos, quando você tem cinquenta anos ou quarenta e cinco, a gente vai no consultório e tem um respeito maior do que quando você tinha trinta e cinco, porque supõe-se que você sabe muito mais hoje do que lá”. Mas o jogador, não. O jogador, passou de vinte e cinco ou trinta anos, o cara está velho, não serve para mais nada. Aí ele vai aprender outra profissão? É duro. Como eu gostava de mexer com outra coisa, eu absorvi bem e toquei bem, não tenho problema nenhum.

B.R. – E aí você fica em São Paulo?

J.B. – Aí eu fiquei em São Paulo mais um ano e pouco e vim para Ribeirão. Fiquei em Ribeirão um ano e pouco e vim para Batatais. Agora, em Batatais, vocês estão me chamando para ir em São Paulo, eu não gosto de ir. [risos]

C.B. – E o futebol atual, você acompanha? Assiste a jogo na televisão?

J.B. – Assisto.

B.R. – Vai em estádio?

J.B. – Não, não vou em estádio, não. O último jogo que eu fui ver em estádio foi no Beira-Rio, Corinthians e Internacional. Teve uma homenagem da CBF para os campeões do mundo e fizeram uma homenagem para mim lá no sul. Era para ir o

47 Transcrição

Dunga; acabou indo o goleiro que era do São Paulo que foi campeão do mundo, também, que é empresário do Adriano.

B.R. – Gilmar26?

J.B. – Gilmar. Aí fizeram uma homenagem para mim e para ele lá, antes do jogo. Eu acabei indo. Deixaram a passagem aí. Foi o último jogo que eu assisti em estádio. Até eu achei um absurdo, porque eu estava tão por fora que eu cheguei no Beira-Rio e só vi camisa vermelha. Eu falei: “Ué, mas aqui o Grêmio não tem torcedor?”. “Não, eles não vêm.” Eu achei um absurdo isso. “Ué, mas é só por causa do Corinthians?” “Não. O pessoal do Grêmio vai no Grêmio e o pessoal do Internacional vem aqui.” Na época que eu jogava, lotava. Jogava o Santos aqui em Ribeirão, tinha torcida de tudo quanto era time. Eu não torcia para o Santos e ia assistir o Santos. Quer dizer, mudou até essa filosofia. Outro dia, eu ouvi falar que estava limitada, a torcida do Palmeiras.

B.R. – A torcida única, não é?

J.B. – Que futebol é esse?!

C.B. – É jogo de uma torcida só.

J.B. – Isso aí magoa também quem jogou, quem vê isso hoje. Os caras brigam antes do jogo. Então, não precisa nem de jogo; briga na segunda-feira, na terça, luta, mata o outro. Pra que isso?! Na minha época... Esse jogo no Morumbi tem uma passagem... Se fosse hoje, matavam a gente. Saímos do Morumbi... Perdemos o jogo para o Palmeiras. O Riva desceu numa avenida perto da casa dele, a pé. Acabou de chegar em casa a pé. O cara me deixou perto do Pacaembu, porque eu morava... Subindo o Pacaembu, sai ali na Cardoso de Almeida27. Ele foi deixar ali porque estava o carro... acho que do Tião... Tinham dois ou três carros lá. Aí ele falou: “Vou subir e vou

26 Refere-se à Gilmar Rinaldi. 27 Rua Cardoso de Almeida.

48 Transcrição

te deixar lá”. Eu falei: “Não, me larga aqui mesmo”. Subi ali e fui a pé para casa. E os caras me conheciam.

B.R. – E tinha acabado de perder.

J.B. – Hoje, se fizer isso, se andar na rua, eles te atropelam, põe você para...

B.R. – E a sua opinião, primeiro, sobre a seleção, a seleção atual, que está passando por uma espécie de reformulação, e a sua avaliação sobre uma Copa no Brasil? A última foi em 1950, você tinha, ali, seus...

J.B. – Eu tinha quatro anos.

B.R. – [Tinha] quatro aninhos. Talvez não se lembre de nada.

J.B. – Não lembro de nada. Meu pai é que falava muito, chorava e reclamava. Bom, eu acho que... Todo mundo fala, a gente... é modismo. Mas não é não. Eu acho o seguinte: o Mano Menezes tem que parar de fazer experiência. Chega. Já experimentou muita gente. Ele tem que definir pelo menos uns vinte a vinte e cinco jogadores e trabalhar só com esses. Não fica mudando... A não ser que machuque. Machucou, troca, vai fazer o quê? Quebrou... Porque ele está trabalhando com muita gente. Vai confundir até ele próprio, porque ele... Agora o Ronaldinho Gaúcho está ruim e o Kaká está melhorando; amanhã, o Kaká está bom e o Ronaldinho Gaúcho está melhorando. Ele sabe o que um sabe fazer e o que o outro sabe fazer, ele que trate de montar uma equipe e exigir de ele fazer aquilo. Se não fizer, fora, e bota outro. Mas está na hora de definir um número limitado de jogadores e trabalhar com aquilo. Agora, parece que ele vai ter que montar uma seleção para as Olimpíadas, que é diferente da Copa do Mundo. Mas eu acredito nessa molecada que vem vindo: Lucas, Neymar... Porque é assim – eu estou até desmerecendo o nosso setor não é? –, a defesa, você arruma sempre mais fácil; o ruim é o ataque.

B.R. – Você acha?

49 Transcrição

J.B. – É. O europeu não ganhava a Copa do Mundo porque não sabia fazer gol, não sabia driblar entende? Então, ele sempre passava apuro. Depois que foi surgindo jogador com mais talento, eles passaram a ganhar. Então, eu acho o seguinte: se o Brasil montar, com essa molecada, Lucas, Neymar, Ganso e mais outros que vão aparecer – até lá vai ter mais jogador –, se montar uma boa equipe, nós temos condições de ganhar, embora tenha que preparar esse pessoal, porque a responsabilidade é muito grande. Você imagina, quando nós fomos jogar lá fora, já... Como vai jogar aqui, então vai pesar um pouco. Mas bem preparado, quando começa o jogo, aquilo ali tem que sair. Vamos jogar, e o que sabe, joga e ponto final.

C.B. – Baldocchi, qual foi o momento mais importante da sua carreira no futebol?

J.B. – Foi a conquista da Copa do Mundo. Embora eu não tenha jogado, foi a maior... Eu cheguei no ápice da minha carreira, da minha profissão. Embora eu não tenha jogado, eu participei do grupo de cabo a rabo. Eu me senti como campeão do mundo, por tudo que eu fiz durante o treinamento e durante as concentrações. Em tudo: pelo grupo... Então, para mim foi isso. Agora, eu tive outras alegrias: quando eu fui campeão pela primeira vez pelo Palmeiras. Na segunda vez, já foi um pouco menos e, na terceira, você vai acostumando um pouco. [risos] Mas tudo faz parte.

C.B. – E seus filhos nunca se interessaram por futebol, jogar futebol?

J.B. – Meu filho até que... Ele andou treinando aí no Batatais. Mas é o seguinte, o futebol é assim: com dezessete ou dezoito anos, eu já estava jogando, então, a minha patroa reclama, eu não ia em carnaval, eu não ia em baile, eu não ia em lugar nenhum, porque sábado concentrava para jogar no domingo. Agora, baile na segunda? Segunda não tem baile. Carnaval, o Botafogo aproveitava a época de carnaval, porque tinha... um hiato de jogos, então, ia excursionar. Então, você sacrifica uma parte da tua juventude para poder se dedicar ao futebol. O meu filho, ia treinar para jogar, ele não aparecia. Por quê? Porque foi dormir às quatro horas, foi num baile, foi... Então, você não pode jogar, não. Não vai jogar. Futebol não é assim. “Não, mas é...” Não. Ou você faz as coisas

50 Transcrição

direito ou não faz. Mas ele não, não... Podia até ser que tivesse um bom futebol. Não sei. Teria que experimentar mais.

B.R. – Na zaga?

J.B. – Mas ele não queria, não. O trem é bravo. Tem que se dedicar à vida de profissional. É claro que, depois, na segunda, você tem folga, na terça. Mas é cruel. E, naquela época, concentrava um pouco mais. Às vezes, concentrava na sexta-feira. Como eu morava em São Paulo só, eu não achava ruim. Depois que eu casei, às vezes eu ficava pior. Mas, pela minha vida, pelo meu... Às vezes o dr. Osmar... Muito no Corinthians isso. Depois que eu casei, eu fui para o Corinthians. [Inaudível]. “Dr. Osmar, é para chegar três horas no Hotel Danúbio, na Brigadeiro” – sempre concentrava por ali –, “mas eu vou chegar à noite.” “Não tem problema.” Dependendo do cara... Agora, tinham outros que ele falava: “Não, você vai chegar às onze horas. Você vai almoçar”, porque o cara era todo... Tinha que botar no prumo.

B.R. – Bom, Baldocchi, então, em nome do Museu do Futebol e da Fundação Getulio Vargas, a gente queria agradecer o seu depoimento – a sua entrevista vai ficar disponível aos visitantes do Museu e a quem consultar o arquivo da Fundação Getulio Vargas –, e muito obrigado pela oportunidade.

J.B. – Eu que agradeço. Foi uma satisfação recebê-los aqui em Batatais.

B.R. – Obrigado.

C.B. – Depois a gente vai mandar uma cópia para você, Baldocchi.

J.B. – Está bom. Depois dá o e-mail direitinho, como é que faz para entrar, porque eu não sei. A minha filha entra, ou a Dinah, a minha patroa, entra para mim.

C.B. – A gente te passa.

51 Transcrição

[FINAL DO DEPOIMENTO]

52