Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Suplemento 12: 111-123

“Massália, cidade foceia: mito ou realidade?” Observações a partir da relação portocidade*

Adriene Baron Tacla * *

TACLA, A.B. “Massália, cidade foceia: mito ou realidade?” Observações a partir da rela­ ção porto-cidade. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Suplemento 12: 111-123, 2011.

R esum o: Em 1973, Roland Martin definiu Massália como a cidade foceia por excelência. Desde então muito tem-se especulado a respeito das relações dessa apoikía com sua cidade-mãe, Foceia, e a conseqüente manutenção de sua rede comercial e cultural no Mediterrâneo ocidental. Nesse sentido, os estudos acerca da identidade massaliota têm seguido rumo à definição de seu caráter singular, da mesma forma que análises das cidades foceias no ocidente têm questionado a existência de um modelo foceu de cidade. Com esse cenário em mente, propomos, nesse trabalho, retomar a discussão da questão do caráter foceu em Massália. Tendo por base os achados arqueológicos, em particular aqueles do antigo Lacydon, bem como a documentação textual acerca dessa fundação colonial, discutiremos como porto e cidade se articulam na construção do “ideal” de cidade foceia e da identidade dos massaliotas em particular.

Palavras-chave: Urbanismo - Morfologia urbana - Porto - Colonização grega - Massália - Identidade.

Introdução celebrado em Marselha o XXV centenário de sua fundação. A festa tinha como tema a o senso comum, Marselha é a narrativa de seu mito de fundação - desde N cidade portuária por excelência. a chegada dos foceus, sua recepção pelo rei Cidade de mercadores, navegantes, piratas e lígure, o convite para que o oikista se jun­ contrabandistas, mais próxima do Mediter­ tasse ao banquete de casamento da princesa râneo do que da França em si. Em 1899, foi lígure e sua, conseqüente, escolha para es-

(*) O presente trabalho consiste em versão modificada das apresentações que fizemos no XIX Ciclo de Debates em Beatriz Borba Florenzano em 2008-2009 e com financia­ História Antiga realizado pelo LHIA/UFRJ e no XVII Con­ mento da FAPESP. gresso Nacional de Estudos Clássicos realizado pela SBEC na (**) Professora de História Antiga da Universidade Federal UFRN (ambos em 2009), onde divulgamos os resultados Fluminense (UFF) e pesquisadora do Núcleo de Estudos parciais de nossa pesquisa de pós-doutoramento, realizada de Representações e Imagens da Antiguidade (NEREIDA). no Labeca/ M AE/ USP sob supervisão da Prof*. Maria [email protected]

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poso da princesa.1 A relação com os foceus exaltava-se o caráter de Marselha, que desde é marcada tanto nos planos de decoração da sua fundação seria, uma cidade anterior festa (Fig. 1), quanto nos estágios da cele­ a todas as outras da França, uma cidade bração (Fig. 2), que culminou com a oferta de cultura e de fortuna, nascida da união de um presente dos achados arqueológicos de um estrangeiro e de uma autóctone...” da Foceia à cidade de Marselha. Com isso, (Morel-Deledalle 1999: 11).

Fig. 1. Desenho da decoração do cais do porto de Marselha em 1899 na celebração do XXV centenário de sua fundação (Morel-Deledalle 1999: 10).

Fig. 2. - Entrada das pentecontéres no porto de Marselha nas festividades de 1899 (Morel-Deledalle 1999: 12).

(1) Essa versão do mito de fundação de Massália nos é reportada por Ateneu (XIII.576) e Justino (XLIII.3-4). Já na nia. Ressaltamos, porém, que esses mitos não são o objeto versão narrada por Estrabão (4.1.4) não há um casamento central do presente trabalho; donde, não nos propomos, entre oikista e indígena, mas sim um oráculo de Ártemis aqui, a fazer uma análise deles, mas somente apontar como de Éfeso que orienta a viagem e a fundação, estabelecendo são eles a base da atribuição popular da “herança’ foceia de Aristarcha como sua sacerdotisa e fundadora da nova colò- Massália.

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Mas seria uma tal visão completamente dis- seu ver, se a definição mais elementar do mode­ tante das informações que temos da cidade de lo reside na prática da emporía, então, ele de fato Marselha na Antiguidade? Esse caráter híbrido, deveria ser estendido a diversas outras cidades definidor da cidade portuária, pode ser de fato coloniais helénicas. evidenciado nos achados antigos? Certamente, é preciso concordar com Bats e Tréziny que é fundamentai atentar para as especificidades locais e para as diferentes experi­ A cidade foceia ências coloniais e urbanísticas. Isto porque cada diferença regional, seja ela de caráter topográfi­ A idéia de Massália (a antiga Marselha) co, sócio-político, econômico ou cultural, há de como a cidade foceia por excelência foi defi­ produzir resultados (e experiências) distintos. nitivamente estabelecida na historiografia por Mais ainda, em contextos coloniais deve-se Roland Martin. Dizia ele que: também atentar para as diferentes formas de “ o primeiro grupo de cidades com voca­ interação com as populações indígenas, posto ção comercial, que (...) seria tentado a designar que delas advêm sociedades díspares, porque sob o nome de tipo foceu (...), se define menos híbridas.2 Todos esses aspectos têm, de fato, pela khóra do que pelos traços de um sítio adap­ gerado uma nova tendência de reflexão sobre o tado à sua função. Elas escolhem uma posição fenômeno urbano no Mediterrâneo, em particu­ fácil de defender: ilha (...) ou melhor promontó­ lar em contextos coloniais. Nesse sentido, veja-se rio dominando uma ou várias baías favoráveis à o debate em Osborne e Cunliffe (2005). instalação de porto...” (Martin 1987: 583). Entretanto, diante da argumentação de Bats Para ele, a definição desse caráter foceu de e Tréziny, devemos nos perguntar: cidade se encontraria demarcado em três pontos 1) Em primeiro lugar, se as diferenças de de aspecto físico da cidade: 1) na paisagem esco­ natureza das fundações também não seriam pre­ lhida, 2) na planta da cidade (porto, muralhas, ponderantes para distinguir essas cidades entre diateíkhisma), 3) na ocupação do território, isto si; afinal estamos a falar de três tipos de funda­ é, na formação da khóra. E por serem cidades ções coloniais - apoikía, empórion e epiteíkhisma. comerciais, sua maior preocupação seria para 2) Quais os pressupostos para se definir um com a proteção do porto e da cidade. modelo? Desde a publicação dessas idéias em artigo 3) O que efetivamente determina o caráter em 1973, depois incluído na coletânea que com­ “foceu”, se assim podemos chamá-lo, nessas pôs sua obra clássica de Arquitetura e Urbanis­ fundações e em Massália em particular? mo (em 1987), muitos foram os pesquisadores que investigaram as relações dessa apoikía com sua cidade-mãe, e a conseqüente manutenção de Das fundações coloniais sua rede comercial e cultural no Mediterrâneo ocidental. Quando se trata dos assentamentos Esse modelo de cidade foi, porém, con­ coloniais helénicos da época arcaica, dois são tundentemente combatido por Bats e Tréziny (1999), que procuraram demonstrar não haver uma homogeneidade nem na arquitetura, nem (2) Devemos, aqui, destacar que o conceito de “hibridiza- no urbanismo, nem tampouco na topografia da ção’ difere substancialmente daqueles de “mestiçagem’ , “assimilação’ ou "sincretismo”, porquanto, apesar de impli­ Foceia, de suas colônias (Lampsakos, Massália, car a idéia de uma aliança, afasta-se da ótica colonialista e Eléia, Alália e Empórion) e das colônias massa- envereda pela abordagem das formas do fenômeno colonial liotas (como por exemplo Olbia e Agathé). Para a partir das vias de negociação, sem recair em polarizações eles, as grandes variações de natureza e caráter binárias do tipo colonizador x colonizado, dominante x dominado. Híbrida, segundo Bhabha (2006), é uma cultura de achados em todas essas cidades, bem como terceira, nova, que não pode ser reduzida à uma mera soma as inúmeras limitações de pesquisa arqueológica de práticas e características das duas culturas originais em impediriam a defesa de tal modelo. Ademais, a uma nova disposição.

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os termos que ocorrem: apoikía e empórion. O Neste sentido, para o caso das colônias de primeiro é comumente definido como “um lar tradição foceia, temos não somente apoikía longe de casa” (LSJ), donde apoikía é empregado (Massália, Alalia, Eléa e Lampsakos) e empória para designar a colônia em si, um estabeleci­ (a própria Empórion, Rhodes e possivelmente mento independente (política e economicamen­ Hemeroskopéion e Mainake3), mas também te), fundado por um oikista (que passa a ser epiteikhísmata (Agathé, Níkaia, Olbia, Tauroeis) cultuado pela coletividade) e que possuía aliança (Fig. 3). Essas últimas foram fortalezas cria­ (política e/ou econômica), além de fortes laços das por Massália a partir do séc. IV a.C. para culturais, com sua cidade-mãe. Um empórion, garantir a rota costeira no sul da França. Com por outro lado, é tido como um entreposto esse desenvolvimento posterior e em contexto comercial ligado a um porto, dependente de tão diferente daquele das colônias foceias do outro assentamento (seja ele uma cidade-mãe ou séc. VI a.C., não podemos presumir que Agathé sua apoikía) e cuja fundação, ao contrário das e Olbia seguissem estritamente um modelo de apoikías, não teria a figura de um oikista, nem cidade foceia da época arcaica. Depois, temos mitos de fundação. De modo geral, seria este o tí­ ainda que dentre os empória da Península Ibérica pico assentamento do período de pré-colonização não há também um padrão específico de plane­ (cf. Roberts 2005). Casevitz (1993: 9-20), porém, jamento de assentamento; ao contrário, a maior alerta que empórion é simplesmente o local onde parte deles é composta de comunidades mistas, se exerce a emporía, ou seja, diferentemente de estabelecidas em assentamentos indígenas (cf. Bresson (1993) para quem esse termo designaria Domínguez 2002). não só o sentido econômico de uma fundação, O que se destaca sobremaneira é que todas mas também um específico caráter político e essas fundações coloniais, independentemente jurídico; o que para W ilson (1997: 110), gera um do período ou região, eram assentamentos modelo que extrapola a especificidade da ativida­ voltados para o comércio, providos de bons de comercial grega arcaica. Por isso, a seu ver, a portos naturais e vinculados a uma koiné foceia. definição de Casevitz seria a mais apropriada ao Porém, cada um desses três tipos de assentamen­ caso grego, uma vez que mantém o caráter genéri­ tos evidencia atitudes distintas ante a alteridade. co do termo. Com efeito, demonstra Wilson que Em outras palavras, a nosso ver, é na identidade é no período clássico que se define uma oposição cultural e na relação porto-cidade que podemos entre apoikía e empórion, sendo no período ar­ encontrar o dito caráter foceu de cidade. caico uma distinção ainda difusa; o que sugere a necessidade de outros critérios para que se defina uma tipologia desses assentamentos em contexto Porto e cidade: Foceia e Massália colonial (Wilson 1997: 113). Na própria documentação textual, a defini­ No caso específico do porto, é de Massália ção desses termos se mostra complexa. Não só que temos os dados mais substanciais, como de­ porque apoikía também poderia designar a “co­ talhamos em outra oportunidade (Tacla et alii, munidade emigrante” (Hansen 2004: 150, n.2), 2011). Isto porque, não só temos poucos dados como também porque há casos de empória que acerca dos portos helénicos da época arcaica de se tornaram apoikías e, posteriorimente, pólis - modo geral, como, para o caso das fundações como é verificado no Mar Negro e na Espanha, por exemplo. As escavações dos empória têm mostrado que eram eles não somente locais de (3) De Hemeroskopéion temos somente referências textuais negociação comercial, mas também de produção que a colocam como uma políkhnia (pequena cidade) dos artesanal (Tsetskhladze 2006: xli). Logo, eviden­ massaliotas localizada entre o rio Jucar e Nova Cartago (Es- cia-se a necessidade de enfocarmos a natureza trabão 3.4.6, 3.4.19), não havendo, pois, achados arqueológi­ cos, enquanto que de Mainake erroneamente, relacionada primeira do assentamento, juntamente com sua por Avieno (427-431) à Malaka (que era fenícia), só se sabe koiné, o sistema de fundações em que se inseria que se tornou uma pólis dos massaliotas (Hansen, 2004, pp. e sua forma de lidar com a alteridade. 161-162).

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foceias, até o presente momento, só dispomos “... um plano de água fechado pela passa­ de conhecimento de um santuário portuário gem natural, as estruturas portuárias estando em Foceia (sem paralelos em suas colônias), instaladas ao longo da margem norte, ao pé da quebra-mares (em Empórion e Massália) e, nesta cidade (...) [e] nenhum traço da muralha fora última, também temos dois cais datando desta encontrado próximo ao mar...” (Flermary et alii época; o que confirma a tendência de achados 2001: 162). de portos helênicos da época arcaica (cf. Black­ Afora isso, os estudos paleoambientais do man 2008). porto de Massália empreendidos por Millet, A Foceia localizava-se ao fundo de uma Blanc e Morhange (2000: 63) mostram que “a grande baía, tendo um promontório rochoso circulação das águas no velho porto é caracteri­ (acrópole) de altitude média, delimitado por zada por correntes muito fortes...” e os setores portos a Norte e a Sul. Alguns acreditam que onde são elas mais calmas “coincidem” com os pudesse ter sido uma ilha (cf. Sartiaux 1921: setores dos achados arqueológicos deste porto 122-124, citando o trabalho do geólogo Dallo- na Antiguidade - nas extremidades da margem ni). A cidade se encontrava em terra firme, norte (Fig. 6a-b). Se a isto também aplicarmos sobre área assaz estreita limitada a Leste por os critérios de legibilidade e imaginabilidade da colinas íngremes, a Oeste pelo mar, a Sul e a cidade de Lynch (1960), veremos que a morfo­ Norte pelas muralhas, com cerca de cinqüenta logía urbana massaliota é dominada pelo porto, hectares. E, com efeito, uma das poucas cidades que também define a singularidade do espaço jônias com muralhas. Seu traçado urbano é pou­ físico dessa cidade. co conhecido (as escavações recentes revelaram “Uma tal imagem da cidade de Massália algumas habitações arcaicas) e de seu porto só também aparece na documentação textual, possuímos uma descrição de Tito Lívio (37.31) a exemplo dos relatos de Avieno (704-713) e que afirma estar a cidade entre dois portos - um Estrabão (4.1.4), o qual descreve a organização grande e outro menor (Fig. 4). da cidade como um teatro sobre o porto, sendo Já no que se refere ao porto de Massália este o traço mais marcante de sua forma. Esses (Fig. 5), temos uma concordância quanto à loca­ dois relatos, assim como os achados arqueológi­ lização do porto tanto na documentação textual cos do porto e da cidade de Massália mostram- quanto na arqueologia, isto é, -no inserido na grade urbana dessa cidade, não

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Fig. 6. a) Mapeamento de circulação das águas no porto de Massália em 600 a.C.; b) Mapeamento aproximado das facilidades de aportamento às margens do porto de Massália em 600 a.C. (Milet, Blanc e Morhange 2000: 62).

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estando ele isolado por muralha como enfatiza Malkin (2001, 2003, 2004, 2005), Osborne Hesnard (2001), mas naturalmente protegido (1998), Stein (2005) e Tsetskhladze (2006)), pela formação topográfica da localidade.” (Tacla destacando a relevância da etnicidade para o et alii 2011:’ 186) estudo das colonizações helênicas. E preciso des­ Aqui, devemos ressaltar que os portos tacar que, como Wilson (2006), concordamos helênicos eram por excelência portos naturais, que não há um processo ou movimento colo­ que ofereciam boas condições de ancoragem e nial helénico uno e homogêneo, o que só nos abrigo (tanto contra intempéries como contra permite falar de colonizações helênicas, desde que pirataria). Assim, os achados de Massália, bem se entenda esse conceito como indicador “... do como de outras cidades helênicas, mostram ato de impor dominação política a populações uma intervenção mínima no porto arcaico (em e territórios estrangeiros...” (Dietler 2005: 54). contraste com os desenvolvimentos do mesmo No caso foceu em particular, temos a existên­ nos períodos subsequentes). cia do que Domínguez (2002: 67) chamou de Por outro lado, os relatos antigos acerca de “colonialismo sem colonização”, posto que Massália criam também a imagem dessa cidade podemos verificar a existência de um substrato com identidade fundamentada em sua herança cultural comum orientando a prática colonial, foceia. Tal, obviamente, se configura como uma o qual está diretamente relacionado à formação forma de afirmação da própria cidade e de seu de uma rede de comércio de longa-distância no corpo cívico, legitimando-se como colonial e final do período arcaico e, por conseguinte, de­ não híbrida frente à dita “barbárie” que a cer­ pendia da criação de assentamentos portuários cava; o que, por sinal, demonstra uma postura e de vias de relacionamento com as populações bem distinta daquela de Empórion com relação indígenas. Como aponta Lomas, à interação com os indígenas. Entretanto, isso “.... os foceus trouxeram consigo um senso não significa que fosse ela culturalmente isola­ bem definido de sua identidade cultural como da, haja vista os relatos de que os massaliotas pólis para o ocidente no meio do século VI a.C. se vestiam como os iberos (Ateneu XII.523b-c) Não obstante, a maior parte dos assentamentos e os achados de casas com telhado de colmo foceus era de pequenos empória com etnicidade no interior da cidade (cf. Hermary et alii 1999; mista, apenas alguns deles desenvolveram com­ Morei 2006). pleta identidade políade...” (Lomas 2006: 176). Mas, então, o que nos permite afirmar ser Neste sentido, e como argumenta Do­ Massália uma cidade foceia? mínguez (2004), havia uma forte identidade foceia nas colônias, a seu ver caracterizada por “frutíferas relações com indígenas vivendo nos A cidade portuária e o éthos colonial foceu territórios em que os gregos estavam interessa­ dos” De fato, entende ele que o fator prepon­ Como argumentamos em outra derante da política colonial (e comercial) foceia ocasião (Tacla et alii, 2011), a cidade portuária seria fundamentado em boas relações e laços constitui um tipo específico de cidade, isto é de amizade com as autoridades indígenas. Tal uma cidade cuja forma e imagem é orientada certamente encontra respaldo nos relatos de Es- para e pelo porto. E a cidade voltada para o mar trabão (3.4.8) e Tito Lívio (34.9) que comentam e para a alteridade que ele traz e representa. as interações próximas entre gregos e iberos em Para compreendê-la é preciso, então, ver que há Empórion, assim como nos mitos de fundação uma correlação direta entre sua natureza, vida de Massália, que, como mencionamos no início política e política de relacionamento com as deste trabalho, colocam uma ênfase considerável populações do interior e com aquelas de além nos casamentos mistos entre colonos gregos e a mar. população local. Da mesma forma, também po­ Vários trabalhos recentes têm contestado dem ser corroborados pelas cartas de comércio a visão tradicional do colonialismo antigo de Pech Maho e Ampurias (cf. Chadwick 1990; (em particular os trabalhos de Dietler (2005), Rodríguez Somolinos 1996; Santiago 2003)

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e pelos achados arqueológicos que indicam a sakos (a primeira fundação foceia, localizada na prática do comércio fundamentada na xenía. costa propôntica da Ásia Menor). A isso soma-se Contudo, isto não seria privilégio foceu. a manutenção de ritos e práticas rituais da Jônia Primeiro, porque uma forte convivência nessas colônias, como atestam o culto a Artemis entre indígenas e helenos é também encontrada de Éfeso, Apoio e Atena em templos erigidos na Sicilia, na Magna Grécia e no Mar Negro. nessas localidades, bem como a ocorrência Depois, porque os mitos de fundação não po- de naískoi, que provavelmente estariam como dem ser tidos como descrição acurada e precisa santuários abertos nas ruas de Massália, Eléia e da realidade nessas colônias; antes de tudo, Empórion, tal qual em diversas cidades jônias são eles uma exaltação dos heróis fundadores (cf. Hermary 2000). Poderíamos, ainda, men­ e, por conseguinte, de seus descendentes e da cionar a existência de um estilo arquitetônico própria cidade. Em terceiro lugar, porque, como monumental comum a essas fundações, apesar demonstra Mele (1979) e verifica-se nos achados de diferenças locais, que sugerem hibridização arqueológicos do Mar Negro (em especial nas como as casas com telhados de colmo encontra­ tumbas trácias - cf. Tsetskhladze 1998), as trocas das em Massália. do período arcaico entre helenos e não hele­ Porém, e acima de tudo, temos ainda a nos seriam sobretudo guiadas pela prática da relação porto-cidade que marca o caráter dessas amizade-hospitalidade, compartilhada tanto por fundações. No sentido que estamos tomando, helenos quanto por bárbaros (cf. Tacla 2001). os portos foceus determinam cidades com um Por fim, o caráter híbrido e de forte interação perfil e uma paisagem especializados. Esse perfil, encontrado nas fundações foceias não é de fato como mencionamos anteriormente, e ao contrá­ um diferencial” foceu, mas sim o caráter dis­ rio do que é sugerido na tese do comércio jônio tintivo e demarcador das cidades portuárias em como defendida por Roebuck (1959), não é o de si. Em outras palavras, é a natureza da cidade um mero centro de transferência de cargas para portuária como nó de entrecruzamento de rotas abastecimento das cidades-mães, mas sim um e trajetos, local de transferência de transporte foco de contatos e comunicação entre grupos marítimo para terrestre, além de foco produtor, e populações heterogêneos (como afirmamos que garante essa proximidade entre helenos e acima). Em consonância com o que defende não helenos, promovendo intensas trocas cultu­ Sanmarti-Grego (1990: 390-391) e como temos rais e produzindo sociedades “multi-étnicas” e, defendido (Tacla et alii, 2011), há uma classifica­ portanto, híbridas. ção específica de tipos de paisagens escolhidas Diante disso, devemos nos perguntar o que para fundações foceias - locais elevados junto à nos permite considerar a existência de um "di­ foz de um rio (fazendo a conexão com o interior ferencial” foceu. Primeiramente, temos que há do território) e locais rochosos (com território a clara definição de uma única rede comercial pequeno) às margens de angras profundas unindo as fundações foceias, o que levou Morei e amplas; locais propícios para o comércio. (1999) a denominá-la como o “commonwealth fo­ Todavia, isso não quer dizer que não fosse o ceu”. As relações entre elas são demarcadas tam­ território massaliota necessariamente inadequa­ bém pela ajuda mútua em caso de guerras como do à agricultura, como afirma a historiografia a batalha de Alalia e a recepção dos refugiados tradicional, mas tão somente que esta não era da Foceia e depois de Alalia tanto em Massália sua prioridade inicial, tendo sua khóra se desen­ quanto em Eléia e Empórion. Há também uma volvido posteriormente (e até para alimentação inscrição epigráfica (I. Lampsakos 4.26)4 que do comércio de vinho massaliota). atesta laços de amizade entre Massália e Lamp-

Considerações finais

(4) Também referida como IK 6.4.26, disponível em: Ásia Minor, IMT NoerdlTroas 6 http://epigraphy.packhum.org/ A construção de modelos constitui, efeti­ inscriptions/main, Último acesso em: 15/09/2009. vamente, o reconhecimento e identificação de

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padrões na documentação, seja ela arqueológica aspectos fundamentais: paisagem adequada à ou textual. No presente caso, o reconhecimento atividade comercial; morfologia urbana domi­ de uma “padronização” e da existência de um nada pelo porto, voltada para o mar e integrada modelo fundamenta-se em dois pontos. Em pri­ com o interior por vias terrestres ou fluviais; meiro lugar, a natureza do assentamento e, em e por fim, a koiné, que garantia uma unidade segundo lugar, e decorrente do primeiro, o con­ cultural dentro de uma rede colonial. Isso texto de cada fundação. Somente a partir desses significa que o “modelo foceu” não é definido fatores é que podemos encontrar a coordenação como um padrão de desenho urbano como e padronização de aspectos físicos, geográficos, pretendia Martin, mas sim de modo colonial culturais e sociais que levem à compreensão de (aqui incluídos colonialismo e tipo de colônia), tipos coloniais distintos. onde a relação porto-cidade mostra-se estratégica Pela tradição literária, o “modelo foceu” de e crucial. Consideramos, pois, Massália como cidade corresponderia a um tipo de cidade de cidade foceia, porque estabelecida dentro dos caráter essencialmente comercial, com peque­ parâmetros foceus - bom porto natural, fecha­ na khóra, território pedregoso não adequado do, protegido, com conexão para o interior e para a agricultura, mas com bons portos, que dominando a forma urbana. Não só seguia ela o dominam a forma da cidade, a qual é fortifica­ éthos colonial foceu, como tornou-se o centro da da. Confrontado com achados arqueológicos rede foceia, substituindo a cidade-mãe. vemos que os portos da Foceia e de suas colô­ A nosso ver, a resposta para a contenda em nias evidenciam portos marítimos facilmente tomo do “modelo foceu” encontra-se, de fato, na defensáveis e estabelecidos nas proximidades correlação entre natureza do assentamento, pai­ de assentamentos indígenas ou em rotas de sagem e tradição cultural; uma combinação nada conexão com eles. estranha à tradição massaliota e foceia em geral. Como vimos argumentando, o “modelo Em suma, é esse éthos colonial associado ao caráter foceu” de cidade mostra-se alicerçado em três portuário que constitui a base do “modelo foceu”

TACLA, A.B. ‘Massilia, Phocaean city: myth or reality?’ Observations from the harbour- city relationship. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, Suplemento 12: 111-123, 2011.

Abstract: In 1973, Roland Martin defined Massilia as the Phocaean city per se. Since then a lot has been discussed about the relationship of that apoikia and its mother-city, Phocaea, as well as the consequent maintenance of Pho­ caean commercial and cultural network in the Western Mediterranean. In that sense, studies on Massiliot identity have followed towards the definition of its singular character; likewise the analyses of Phocaean cities in the West have questioned the actual existence of a Phocaean city model. In face of such a scenario, I propose to recapture the discussion on the matter of Massilia’s Pho­ caean character. Thus, by analysing both the archaeological record (especially the finds from the ancient Lacydon) and the ancient texts on Massilia’s founda­ tion, I will discuss the articulation between harbour and city in the construc­ tion of the ‘ideal’ of Phocaean city and of the Massiliot identity in particular.

Keywords: Urbanism - Urban morphology - Harbour - Greek colonisa­ tion - Massilia - Identity.

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Referências bibliográficas

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