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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU AVM FACULDADE INTEGRADA

O EQUÍVOCO DO DESEJO: um diagnóstico crítico sobre a artificialização patológica da sexualidade pela introjeção de padrões midiáticos

Por: Thiago da Fonseca Vieira

Orientador: Profª. Narcisa Melo

Rio de Janeiro 2016 2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU AVM FACULDADE INTEGRADA

O EQUÍVOCO DO DESEJO: um diagnóstico crítico sobre a artificialização patológica da sexualidade pela introjeção de padrões midiáticos

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre – Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Sexualidade

Por: Thiago da Fonseca Vieira

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AGRADECIMENTOS

À minha esposa, Dione, por seu carinho, seu incentivo e sua dedicação durante meus estudos e meus insights criativos. À minha mãe, Norma e ao meu irmão, Pedro, assim como à minha família, pela base que me proporcionou e pelo porto seguro. Aos meus gatinhos, Nala e Simba, por me escoltarem, dia a dia, em frente à tela do computador. A Sidarta Gautama, pela contribuição filosófica quanto à natureza do desejo, há cerca de 2500 anos.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à humanidade: que o homem não seja capaz de sabotar o pouco que ainda resta da sua própria essência, da sua própria autenticidade.

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RESUMO

Esta obra apresenta o diagnóstico de uma análise crítica acerca da artificialização patológica da sexualidade, assim como seus reflexos no campo do desejo, pela introjeção de padrões midiáticos. Empregando a estrutura conceitual behaviorista radical ao campo psicanalítico exposto à ideologia do discurso televisivo, o presente estudo averiguou a profundidade de alcance do condicionamento do aparelho psíquico do sujeito contemporâneo, assim como projetou suas consequências práticas e teóricas, em nível consciente e inconsciente.

Palavras-chave: sexualidade, psicanálise, behaviorismo, televisão. 6

ABSTRACT

This work presents the diagnosis of a critical analysis of the pathological artificiality of sexuality, as well as its consequences in the field of desire, by means of internalization of media standards. Employing the radical behaviorist conceptual structure to the psychoanalytic field exposed to the ideology of the TV speech, the present study investigated the depth range of the conditioning of the psychic apparatus of the contemporary subject, as well as projected their practical and theoretical consequences, in conscious and unconscious level.

Keywords: sexuality, psychoanalysis, behaviorism, television.

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METODOLOGIA

O método de desenvolvimento para coleta de dados do presente trabalho foi constituído, em suma, por pesquisa bibliográfica e pela sua respectiva aplicação teórica. O procedimento metodológico básico teve por base a pesquisa em livros impressos, e, como apoio, contou com a pesquisa virtual, tanto em sites, quanto em plataformas de pesquisa acadêmica, em blogs e em redes sociais. A bibliografia de base contou, entre outros, com a visão crítica de Pierre Bourdieu sobre a mídia televisiva, com as definições conceituais e estruturas funcionais do aparelho psíquico apresentadas por Sigmund Freud, com o respaldo da teoria psicanalítica, reforçada por Roudinesco, além do respaldo teórico psicológico das Psicologias facilitadas por Ana Mercês Bahia Bock, Odair Furtado, Maria de Lourdes Trassi Teixeira.

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“Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente”.

Jiddu Krishnamurti 9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 13

CAPÍTULO I - COMPORTAMENTO, ATITUDE E SEXUALIDADE 16

1.1) O COMPORTAMENTO NA COMPREENSÃO BEHAVIORISTA 16

1.2) A ATITUDE NA CONCEPÇÃO JUNGUIANA 18

1.3) A SEXUALIDADE NA VISÃO PSICANALÍTICA 21

CAPÍTULO II - TELEVISÃO: A NOVA CAIXA DE SKINNER 31

2.1) O CONDICIONAMENTO NA CAIXA DE SKINNER 31

2.2) TELEVISÃO, DO ROUBO DO TEMPO À ALIENAÇÃO 39

CAPÍTULO III - PERSONALIDADE E O CREPÚSCULO DO DESEJO 48

3.1) CONSCIÊNCIA, ESTRUTURA E DEFESA PSICANALÍTICAS 48

3.2) TELEVISÃO: ALÉM DAS FRONTEIRAS DO PRÉ-CONSCIENTE 58

3.3) SUPERMÍDIA: DO ID SEDUZIDO AO SUPEREGO CORROMPIDO 63

3.4) NIRVANA: O ANIQUILAMENTO DO DESEJO 80

CONCLUSÃO 87

BIBLIOGRAFIA 92

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INTRODUÇÃO

Este estudo tem por tema a influência da mídia na sexualidade. Mais especificamente, visa compreender, como questão central, qual é o reflexo, no campo do desejo, da influência midiática sobre a constituição das atitudes correlatas à sexualidade. A relevância da temática é tomada de consistência dado o crescente apelo de conteúdos sexuais que vêm crescendo em voga na mídia, em especial na televisão. Temas como traição, virgindade, prazer, sadismo, masoquismo, sexo na adolescência, pedofilia, romances proibidos, relações homossexuais, desejo, casamento, romance etc. idealizam-se, com requintes de sensualidade, erotismo, ironia e humor em novelas, programas infantis, comerciais e programas de auditório. A própria infantilização do desejo, que começa no controle remoto, no ensandecido zapear entre canais, pela busca da satisfação imediata e da cessação de qualquer desconforto, já remonta a uma relação visceral entre a televisão e o aparelho psíquico, em especial o Id. Nesse contexto, reveste-se de grande importância o estudo da relação entre mídia, sexualidade e desejo, uma vez que prazer e desejo são molas propulsoras de atitudes e comportamentos e, portanto, delineadores de conduta social e desenvolvimento subjetivo. Dentre nossos objetivos de pesquisa, configuram-se a analise critica da influência da mídia no desenvolvimento da sexualidade e seu reflexo no campo subjetivo do desejo; a ponderação sobre o discurso televisivo e sua intencionalidade; a observação do processo de comunicação persuasiva midiática e sua entrância nas instâncias do desenvolvimento humano; a descrição conceitual e a diferenciação entre comportamento e atitude; a demonstração de como o processo de subjetivação do desejo e de sua percepção pode ser veladamente artificializado pela exposição contínua aos padrões midiáticos vigentes; e a comparação analítica entre o condicionamento de Skinner com o processo infantilização condicionada promovida pela televisão. 11

A exposição continuada à mídia, em especial à televisão, influencia fortemente, ou, até mesmo, determina, a constituição das atitudes correlatas à sexualidade. Essa influência permanente acaba por artificializar o desejo, introjetando controle nas suas camadas mais profundas, a ponto de o sujeito tomar a imposição de padrões comerciais por livre escolha. Dessa forma, produz-se a massificação do desejo, de seus contextos e objetos, consequentemente, da busca pelo prazer (da sexualidade), tornando-os, assim, fontes de sofrimento e, portanto, psicologicamente patológicos. Nossa pesquisa está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, intitulado “Comportamento, atitude e sexualidade”, delinearemos conceitos e diferenciações sobre comportamento, segundo a concepção behaviorista, atitude, segundo a concepção junguiana e sexualidade, com especial enfoque no desenvolvimento psicossexual apresentado por Sigmund Freud, destrinchados social, psicológica e psicanaliticamente, embasado na teoria psicanalítica e em conceituações freudianas, embora também traga pontuais influências tácitas de Jean Piaget e de Lev Vygotsky, de suas teorias do desenvolvimento humano. Em “Televisão: a nova caixa de Skinner”, nosso segundo capítulo, abordaremos conceitualmente a intervenção e a constituição da mídia televisiva, segundo Pierre Bourdieu, correlacionando-a com os estudos de comportamento de Burrhus Frederic Skinner, mais especificamente sobre a “Caixa de Skinner”, propondo o diagnóstico de um comportamento operante que interpenetra no campo da atitude além dos estímulos e das respostas, pela réplica do prazer, desde o controle remoto até a infantilização da satisfação de elementos básicos da sexualidade humana. No terceiro capítulo, denominado “Personalidade e o crepúsculo do desejo”, apresentaremos, segundo a teoria psicanalítica, o modelo topológico da mente e o modelo estrutural da personalidade, levantando hipóteses da interferência midiática em suas estruturas. Em seguida, estudaremos os mecanismos de defesa e a influência midiática em suas tensões. Apresentaremos outros aspectos analíticos acerca da televisão relacionados ao comportamento, ao condicionamento, ao hábito e à 12

constituição psíquica. Retomaremos, por associação psicanalítica, as fases do desenvolvimento psicossexual, assim como sua composição condicionada artificialmente pela mídia televisiva. Sequencialmente, associaremos a teoria psicanalítica dos transtornos mentais com a composição do desejo e da sua subjetiva percepção, constituindo o processo uma violência simbólica, com a sedução do id e com a corrupção do superego. Ainda no terceiro capítulo, apresentaremos a visão filosófica de Gilles Deleuze acerca da constituição conceitual do desejo, acrescida da contribuição de Siddhartha Gautama, acerca do sofrimento humano, assim como de seus estudiosos atuais, em contraponto à análise ocidental midiática capitalista. Dessa forma, pretendemos demonstrar como a exposição continuada à mídia televisiva interfere na constituição do aparelho psíquico, artificializando a sexualidade e o desejo, tornando-os fonte de sofrimento e, portanto, constituindo-os como patológicos.

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O presente trabalho funda-se teoricamente em correntes filosóficas, psicológicas, críticas e sociais de diversas vertentes, cujas quais exporemos resumidamente nesta parte do trabalho e mais detalhadamente no decorrer textual dos capítulos subsequentes. Buscaremos concisão nesta fundamentação teórica, abstendo-nos de descrições explicativas e focando essencialmente na fundamentação referencial de escolas e autores que norteiam a presente pesquisa. A Teoria Social de Bourdieu (1983), pelo viés do estruturalismo construtivista, numa concepção social relacional e sistêmica, norteia a tendência desta pesquisa. Embora não haja necessidade de torná-los explícitos, respaldamo-nos em abordagens conceituais, tais como campo, habitus, capital (além da compreensão marxista, incluindo conceitos de capital social e cultural) e violência simbólica. O viés lingüístico conceitual alia-se à psicologia comportamental, fundamentada no behaviorismo radical de Skinner (1945, 1970, 1982 e 1991), ou seja, à escola behaviorista (BOCK et al., 2008 e LOPES, 2008) para embasar temas concernentes ao comportamento e ao seu condicionamento, assim como a específica exploração analítica quanto à caixa de Skinner. No que tange, a caixa de Skinner e seus respectivos mecanismos de comportamento e condicionamento, embasar-nos-emos, além de Skinner (1945, 1970, 1982 e 1991), em Matos (1995), Todorov (1982 e 2012), Bock (et al., 2008, Lopes (2002 e 2008), Dantas (2016a), Keller (1973), Barros (2003), De Souza (2004) e Guedes (2001). Nosso conceito de atitude será fundamentado em Jung (1991), como “uma disposição da psique de agir ou reagir em certa direção”, embora não utilizemos o conceito de arquétipos desenvolvido pelo mesmo autor. Ainda concernentes e complementares à construção conceitual da atitude, respaldar- nos-emos em Kant (1974) e Bock (et al., 2008). A sexualidade será abordada numa visão psicanalítica, fundamentada em Freud (1969, 1976-a, 1976-b, 1976-c, 1976-d, 2003, 2006) e será 14

respaldada tanto no conceito de libido, quanto do princípio do prazer. Utilizar- nos-emos da mesma Teoria Psicanalítica para demonstrar a estruturação e a estratificação da mente e da personalidade, bem como para embasar os mecanismos de defesa da mente e delinear as fases do desenvolvimento psicossexual. Vygotsky (1987) e Piaget (2002) participarão da fundamentação teórica no desenvolvimento humano, embora não sejam diretamente citados, tal como Freud, nas fases do desenvolvimento psicossexual. Bock (et al., 2008), por seu viés didático-expositivo, servirá como referência-base também à escola psicanalítica. Todo o viés psicanalítico será permeado, em citações ou tacitamente, pelo Vocabulário de Psicanálise, de Roudinesco (et al., 1998). Ainda, acerca dos conceitos freudianos e psicanalíticos, embasar-nos-emos em Chauí (1991), Foucault (1985), Siqueira (et al., 2013), Vitiello (1993), D’Andrea (2001), Lopes (2016b, 2016c), Dantas (2016b) e Volpi (2008). Explicitamente, fundamentaremos nossa análise crítica sobre a mídia televisiva retomando Bourdieu (1997), com ênfase no papel social e na função da televisão e dos fatos omnibus a ela atribuídos. Tacitamente traremos o embasamento da Escola de Frankfurt na crítica à indústria cultural, representada, sem citações textuais, no entanto, com caráter formativo, por Adorno (1996), para o delineamento da crítica de Bourdieu. Mesmo com base em Bourdieu, no desenvolvimento de nossa análise crítica acerca da televisão e de sua análise ideológica, apoiar-nos-emos em Condry (et al., 2007), Leal Filho (2006), Kellner (2001), Costa (2002), Hall (2004), Debord (2003), Ramonet (1999), Bauman (1999), Prado (1973), Ferrés (1998), Chauí (2000), Marx & Engels (1998), Guareschi (1991). Entrelaçando a análise crítica acerca da mídia com os elementos psíquicos da teoria psicanalítica, contamos com os alicerces, além do próprio Bourdieu (1997), de Ramos (2009), Leal Filho (2006), Felice (2009), Barata (2006) e Rees (1989). 15

Por último, fundamentamo-nos nas definições conceituais de Gilles Deleuze (1988 e 1994) sobre o desejo, disposto no documentário “O abecedário de Gilles Deleuze”, limitando-se à definição qualitativa do termo, uma vez que sua conceituação psicanalítica se torna avessa à proposta pela Teoria Psicanalítica de Freud, que embasa nossa fundamentação. Concomitantemente ao pensamento de Deleuze, acerca do desejo, analisaremos a sua conexão patológica com o aparelho psíquico, refletida como sofrimento. Para tal embasar-nos-emos na filosofia de Siddhartha Gautama, trazido nas palavras do próprio Gautama (2002), de Da Silva (et al. 1995), de Asma (2011) e do Dhammapada (2007). Em nossa finalização acerca do desejo e do sofrimento, delinearemos uma costura psicanalítica, sob a égide do princípio do nirvana, respaldados em Freud, através de Gonçalves (2001) e Marcuse (1999).

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CAPÍTULO I COMPORTAMENTO, ATITUDE E SEXUALIDADE

Com vistas à contextualização e à concisão, este capítulo se dedica à análise conceitual de termos, como condição da semântica conclusiva deste trabalho. De acordo com Skinner (1991), respeitável psicólogo behaviorista norte- americano, para o trabalho científico, a definição de termos torna-se tarefa primária e imprescindível, visando, principalmente, a sua diferenciação de uso vulgar. Em se abordando um campo definido, para propósitos de descrição científica, nós esbarramos, de começo, na necessidade de um conjunto de termos. A maioria das linguagens está bem equipada a esse respeito, mas não para nossa vantagem. A maioria desses termos [os do senso comum e os de outras teorias psicológicas] deve ser evitada na descrição científica do comportamento, mas não pelas razões comumente dadas. Não é verdade que eles não podem ser definidos. A objeção importante ao vernáculo na descrição do comportamento é que muitos desses termos implicam esquemas conceituais. Isso não significa que nós de vemos abandonar completamente o discurso ordinário em uma ciência do comportamento. O único critério para a rejeição de um termo popular é a implicação de um sistema ou de uma formulação estendida para além das observações imediatas. (SKINNER, 1991, p. 6-8).

Estratificaremos nossa análise inicial em três sub-capítulos, onde definiremos respectivamente o que tomamos por comportamento, por atitude e por sexualidade.

1.1) O COMPORTAMENTO NA COMPREENSÃO BEHAVIORISTA

O Behaviorismo é um ramo da psicologia que postula o comportamento como seu objeto central. Derivado do inglês, “behavior” (comportamento), o Behaviorismo é também, segundo Bock (et al. 2008, p. 46), definido como “Comportamentalismo, Teoria Comportamental, Análise Experimental do Comportamento, Análise do Comportamento”. 17

Constitui-se o comportamento um “objeto observável, mensurável, cujos experimentos poderiam ser reproduzidos em diferentes condições e sujeitos.” (BOCK et al. 2008, p. 46). O comportamento, numa perspectiva do Behaviorismo Radical, desenvolvido por Burrhus Frederic Skinner, sensivelmente divergente da concepção do fundador da escola behaviorista, John Broadus Watson, admite ainda mais especificidade. Segundo Lopes (2008), na concepção do Behaviorismo Radical, o comportamento é caracterizado por uma relação de interdependência simultânea entre organismo e ambiente. Nesse caso, o cerne conceitual de comportamento se localiza na relação e não em um dos atores, embora o organismo se configure precedente à relação comportamental. Ainda numa perspectiva behaviorista radical, é possível delinear o comportamento como um fluxo. Tal fluxo comportamental pode ser analisado estratificadamente em “eventos comportamentais (respostas), eventos ambientais (estímulos), estados comportamentais (probabilidades ou disposições) e processos comportamentais (contingências)”. (LOPES, 2008) A base do behaviorismo é o contínuo relacional estímulo-resposta, ao qual Bock (et al. 2008, p. 45) conceitua: “certos estímulos levam o organismo a dar determinadas respostas e isso ocorre porque os organismos se ajustam aos seus ambientes por meio de equipamentos hereditários e pela formação de hábitos”. O Behaviorismo, portanto, “dedica-se ao estudo das interações entre o indivíduo e o ambiente, entre as ações do indivíduo (suas respostas) e o ambiente (as estimulações)” (BOCK et al. 2008, p. 46), sem hierarquizar ou temporalizar tais ações. Os behavioristas, portanto, “chegaram aos termos ‘resposta’ e ‘estímulo’ para se referirem àquilo que o organismo faz e às variáveis ambientais que interagem com o sujeito. (BOCK et al. 2008, p. 46). Para dar mais amplitude à compreensão conceitual disposta, acerca do comportamento, recorreremos a definições lingüísticas do termo. 18

Segundo o Moderno Dicionário Michaelis de Português Online1, Comportamento é maneira de se comportar. É também, em sentido psicológico, “designação genérica de cada modo de reação em face de um estímulo presente”, ou “qualquer atividade, fato ou experiência mental, passível de observação direta ou indireta”. Em sentido sociológico, o Michaelis define comportamento como “todas as maneiras de agir relacionadas com a presença ou influência de outros”. De acordo com o Dicio, Dicionário Online de Português2, comportamento é “maneira de se comportar ou de se conduzir; conjunto de ações de um indivíduo observáveis objetivamente”. A definição do termo no Dicio ainda vem acrescida da seguinte explicação: “a psicologia experimental distingue os comportamentos nos quais a resposta do sujeito decorre de um estímulo, daqueles em que não se distingue um estímulo específico.” E ainda define que a psicologia do comportamento é o “estudo sistemático das reações individuais aos estímulos”. Inferimos, portanto, em primeira instância, que comportamento é um contíguo de ações ou reações concreta e objetivamente observáveis, às quais ocorrem por estímulos internos ou externos e que tem por característica a plasticidade adaptativa de função, ou condicionamento, conceito sobre o qual trataremos em nosso segundo capítulo. Uma vez não sofrendo estímulo externo direto ou não tendo sido condicionado, o comportamento advém de uma predisposição natural biopsicossocial à ação, à qual denominamos atitude.

1.2) O ATITUDE NA CONCEPÇÃO JUNGUIANA

De acordo com Jung (1991, p. 395), a atitude define-se como “uma disposição da psique de agir ou reagir em certa direção”, ao passo que “ter atitude significa: estar pronto para algo determinado ainda que este algo seja

1 Sitiado em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php. Última consulta em 25/01/2016. 2 Sitiado em http://www.dicio.com.br. Última consulta em 25/01/2016. 19

inconsciente, pois ter atitude é o mesmo que direção apriorística para o determinado quer ele seja representado ou não”. (JUNG, 1991, p.396). Para majorar a compreensão da acepção de Jung quanto à atitude, torna-se elucidar que usamos o termo “a priori” definido por Immanuel Kant (1974, p. 3) como “independente da experiência e das impressões dos sentidos”. Ou seja, a direção apriorística citada por Jung refere-se à independência da experiência para ser constituída. A direção apriorística característica da atitude conota acesso ao repertório cultural subjetivo precedente.

O conceito de atitude tem certa afinidade com o conceito de apercepção, de Wundt. Dele difere porque o conceito de apercepção inclui o processo de relação do conteúdo prévio com o conteúdo novo, a ser apercebido, ao passo que o conceito de atitude se refere exclusivamente ao conteúdo subjetivo prévio. A apercepção é de certa forma a ponte que liga o conteúdo, já presente e à disposição, ao conteúdo novo, enquanto a atitude representa de certa forma a pilastra de um lado, e o conteúdo a pilastra do outro lado da ponte.. (JUNG, 1991, p. 397)

Quanto à psique, enquanto o Moderno Dicionário Michaelis de Português Online3 tem por definição o “Conjunto dos processos psíquicos conscientes e inconscientes”, Jung (1991, p.387) a define como “a totalidade dos processos psíquicos, tanto conscientes, quanto inconscientes”. Retomando a composição conceitual acerca da atitude, tomamos a dimensão de conjunto quanto à sua constituição:

A disposição, é assim que entendo a atitude, consiste sempre em que estejam presentes certa constelação subjetiva, certa combinação de fatores psíquicos ou conteúdos que determinem o agir nesta ou naquela direção prefixada, ou que concebam um estímulo externo desse ou daquele modo predeterminado. (JUNG, 1991, p.396)

A atitude, enquanto unidade conjunto à priori, na natureza de sua composição formativa, desenvolve-se organiza-se em torno do afeto, tendo, em máxima relevância, a percepção do meio social e a alteridade.

A partir da percepção do meio social e dos outros, o indivíduo vai organizando estas informações, relacionando-as com afetos (positivos ou negativos) e desenvolvendo uma predisposição para agir (favorável ou desfavoravelmente) em relação às pessoas e aos

3 Sitiado em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php. Última consulta em 26/01/2016. 20

objetos presentes no meio social. A essas informações com forte carga afetiva, que predispõem o indivíduo para uma determinada ação (comportamento), damos o nome de atitudes. (BOCK et al, 2008, p.181).

Atitudes são produto de desenvolvimento, originando crenças, valores opiniões e norteando comportamentos em relação aos objetos do meio social. “As atitudes são, assim, bons preditores de comportamentos” (BOCK et al, 2008, p.181), e “possibilitam-nos uma certa regularidade na relação com o meio” (BOCK et al, 2008, p.181). Longe da concepção maniqueísta, as atitudes, enquanto preditoras de comportamento assumem caráter positivo ou negativo, no que concerne à conduta. Isso ocorre pela coerência entre a predisposição à ação e o comportamento propriamente dito. “Temos atitudes positivas em relação a determinados objetos ou pessoas, o que nos predispõe a uma ação favorável em relação a eles. Isto porque os componentes da atitude — informações, afeto e predisposição para a ação — tendem a ser congruentes”. (BOCK et al, 2008, p.181). Jung (1991, p. 395) conceitua a atitude como “uma disposição da psique de agir ou reagir em certa direção” e apostila que ela “significa uma expectativa, e a expectativa sempre atua selecionando e direcionando.” (JUNG, 1991, p. 396). Embora o comportamento natural seja delineado, em regra, pela atitude, não podemos deixar de considerar as contingências instantâneas, que por sua vez, direcionam o comportamento a partir de outra atitude, que as concerne, embora não sejam acessadas em condições padrão de tensão. Observemos, pois, o exemplo criado por Bock para exemplificar elementos externos que desviam o comportamento de sua atitude padrão: Assim, se você se apresenta como estudante e traz em suas mãos este livro escrito por nós, a possibilidade de desenvolvermos uma atitude positiva em relação a você é muito grande, pois já temos anteriormente forma, é de se esperar que nosso comportamento em relação a você seja “favorável”: iremos cumprimentá-lo, convidá-lo para tomar um café na cantina etc. (...) No entanto, não é com tanta facilidade que conseguimos prever o comportamento de alguém a partir do conhecimento de sua atitude, pois nosso comportamento é resultante também da situação dada e de várias atitudes mobilizadas em determinada situação. Então, por exemplo, se estamos atrasados para um compromisso no momento em que encontramos você, é possível que nossa previsão de comportamento favorável não se 21

concretize, pois a situação dada apresenta outros elementos que modificam o comportamento esperado. (BOCK et al., 2008, p.181)

As contingências podem, dessa forma, deslocar o acesso do comportamento para outra atitude adaptada, velada, até então, pela falta de necessidade de serem acessadas, embora estejam efetivamente constituídas. É sabido que as atitudes são passíveis de mudança e que essa mudança é, não raro, motivada pela necessidade de algum processo de adaptação social, como veremos mais detalhadamente em nosso terceiro capítulo Por hora, nos concentraremos num conglomerado específico de comportamentos e atitudes, que proporciona ao humano um conceito exclusivo: a sexualidade.

1.3) A SEXUALIDADE NA VISÃO PSICANALÍTICA

Freud estendeu "a noção de sexualidade a uma disposição psíquica universal e extirpando-a de seu fundamento biológico, anatômico e genital, para fazer dela a própria essência da atividade humana.” (ROUDINESCO et al., 1998, p. 704). A sexualidade constitui-se, em sentido amplo psicanalítico, em uma relação de prazer entre o indivíduo e o mundo. Enquanto disposição, a sexualidade se intersecciona com a atitude. Enquanto manifestação, com o comportamento. Em ambos os campo, suas manifestações podem ser mensuradas como anatômicas ou sociais. Contudo, a sexualidade conceituada por Freud não propõe divisão campal analítica entre essas vertentes. Freud não inventou uma terminologia particular para distinguir os dois grandes campos da sexualidade: a determinação anatômica, por um lado, e a representação social ou subjetiva, por outro. Não obstante, por sua nova concepção, ele mostrou que a sexualidade tanto era uma representação ou uma construção mental quanto o lugar de uma diferença anatômica. (ROUDINESCO et al., 1998, p. 704)

A sexualidade, enquanto essência da atividade humana vincula-se ao princípio de prazer e ao princípio da realidade, que regem o aparelho psíquico. Enquanto o princípio de prazer “tem por objetivo proporcionar prazer e evitar o 22

desprazer, sem entraves nem limites (como o lactente no seio da mãe, por exemplo)” (ROUDINESCO et al., 1998, p. 603), o princípio da realidade transtorna o princípio de prazer, “impondo-lhe as restrições necessárias à adaptação à realidade externa”. (ROUDINESCO et al., 1998, p. 603). Estamos, pois, diante da formação ideológica da atitude. Outra característica da sexualidade é a confusão conceitual leiga que a circunda. Chauí elucida que: a sexualidade não se confunde com instinto, nem com um objeto (parceiro), nem comum objetivo (união dos órgão genitais no coito). Ela é polimorfa, polivalente, ultrapassa a necessidade fisiológica e tem a ver com a simbolização do desejo. Não se reduz aos órgãos genitais (ainda que estes passam a ser privilegiado na sexualidade adulta) porque qualquer região do corpo é suscetível de prazer sexual, desde que tenha sido investida de erotismo na vida de alguém, e porque a satisfação sexual pode ser alcançada sem a união genital. (CHAUÍ, 1991, p. 18)

Foucault (1985, p.100) ainda contextualiza e conceitua a sexualidade como um “dispositivo histórico”: não à realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder. (FOUCAULT, 1985, p. 100)

Freud postulou que “a função sexual existe desde o princípio da vida, logo após o nascimento” (BOCK et al, 2008, p.50) e que seu desenvolvimento é longo e estritamente ligado ao desenvolvimento psicológico. A isso denominamos desenvolvimento psicossexual. O desenvolvimento psicossexual, postulado por Freud, subdivide-se em fases, cuja compreensão, conceituação e definição configuram-se de vital importância para a estruturação dos capítulos subsequentes da nossa pesquisa. Manteremos nosso foco na infância e na adolescência, afim de não extrapolarmos nosso objeto de estudo: a artificialização da sexualidade e seu reflexo no campo do desejo. O desenvolvimento psicossexual é um processo, no qual o sujeito, em sua primeira etapa de vida, relaciona a função sexual à própria sobrevivência. É o período onde o prazer se localiza no corpo do próprio indivíduo, no caso, a criança. “O corpo é erotizado, isto é, as excitações sexuais estão localizadas 23

em partes do corpo, e há um desenvolvimento progressivo que levou Freud” (BOCK et al., 2008, p. 50) a estratificar fisiológica e etariamente, em quatro fases, o desenvolvimento sexual. A primeira etapa do desenvolvimento psicossexual é denominada fase oral. Nessa fase a “zona de erotização é a boca” (BOCK et al., 2008, p. 50). “A Psicanálise nos ensina que, quando somos bebês, o prazer se concentra na zona oral; ou seja, o bebê leva tudo à boca e essa é a região do corpo onde há primazia do prazer que começou com a sucção”. (BOCK et al., 2008, p. 197). Dessa forma o período de aproximadamente um ano a partir do nascimento é denominado fase oral em que os impulsos da criança são satisfeitos principalmente na área dos lábios, da boca, língua, esôfago e estômago, ou seja, a libido está intimamente associada ao processo da alimentação e contato humano, que vem associado ao ato de mamar (objeto da libido). Quando este objeto é abandonado e o bebê começa a fantasiar o seio, sugando seu próprio polegar, tendo início o auto-erotismo Freud. (SIQUEIRA et al., 2013, p. 308)

Vitiello (1993, p.49) ressalta que “a primeira fonte de prazer corporal está na região oral e a amamentação, sem dúvida, deve ser uma fonte de expressivo prazer para o recém-nascido”, estabelecendo estrita comunhão entre prazer e sexualidade e sua relação auto-erótica posterior: Com o desenvolvimento e maturação do sistema nervoso central, e com a gradual aquisição da coordenação motora, a criança se lança à descoberta do seu corpo e dos prazeres que este lhe proporciona. É importante frisar que estas atividades, por não serem reconhecidas como manifestações precoces da sexualidade, não são reprimidas pelos adultos, pois a sociedade desconhece o exercício da sexualidade não genitalizada. (VITIELLO et al., 1993, p.49).

O processo de desenvolvimento psicossexual demonstra a gradual evolução entre etapas, passando o sujeito da fase oral para a segunda fase, denominada fase anal, onde a “zona de erotização é o ânus” (BOCK et al., 2008, p. 50). Nessa fase, “há uma satisfação da criança na produção do ‘cocô’ e do ‘xixi’ e, posteriormente, no controle deles.” (BOCK et al., 2008, p. 197). Durante o segundo e terceiro anos de vida desenvolve-se a fase anal: a criança experimenta satisfação em expulsar as fezes ou em retê- las. Aprende a controlar suas fezes e urina, sua atenção se localiza no funcionamento anal. Essa região torna-se o centro das experiências e se inicia concomitantemente o controle do ambiente. Este controle é uma nova fase de prazer e afeto, instigando um maior interesse nas relações familiares. (SIQUEIRA et al., 2013, p. 308).

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Contudo o controle dos esfíncteres não é um desenvolvimento afetivo- relacional pacífico. Vitiello (1993, p.49) desvela que na fase anal é “exercida a repressão através da demonstração de nojo e desagrado às fezes e à urina. As regras sociais vigentes para as funções fisiológicas de evacuar e urinar são rigorosas, sendo intolerável qualquer transgressão”. Os esfíncteres, dessa forma são controlados por reforço e punição, sendo ambas de cunho afetivo, como elucida Vitiello: “a comunicação de desamor por parte da mãe é o mais eficiente dos recursos de repressão aos sentimentos de prazer e liberdade em relação ao controle dos esfíncteres” (1993, p.49). Ao final da fase anal, a criança começa a ter noção da capacidade sexual (no sentido de potencialidade de prazer) que seu corpo possui. Subsequentemente, no desenvolvimento psicossexual, a criança adentra a fase fálica, cuja “zona de erotização é o órgão sexual”. (BOCK et al., 2008, p. 50). Essa fase é marcada pela “curiosidade sexual que se expressa por meio de perguntas, jogos e brincadeiras, quando a criança se interessa pelas diferenças anatômicas entre os sexos, de onde e como viemos” (BOCK et al., 2008, p. 197), referências de desenvolvimento sadio na criança. É na fase fálica, que a criança adquire a capacidade de andar e de falar. Em decorrência disso, “seu objetivo passa, agora, a ser o de conhecer o ambiente; no campo da sexualidade, fixa-se em conhecer o corpo do outro e os prazeres que este outro corpo pode lhe oferecer”. (VITIELLO et al., 1993, p.50). Enquanto isso, avançando pelo início do período escolar, a criança começa a comparar seu modo “fantasioso” de compreender o mundo com a realidade, “por meio das respostas dadas pelos adultos que a rodeiam” (BOCK et al., 2008, p. 197). Compõe-se, dessa forma, um parâmetro sobre o modo como a sociedade lida com e enxerga a sexualidade. Desse confronto origina-se a sua própria concepção. A fase fálica compreende a iniciação da criança na vida escolar, ou seja, amplia seu contato social e o externa ao seio familiar. Nessa fase, Vitiello (1993, p.50) observa que “a criança inicia o relacionamento interpessoal com outras crianças. A fase de descoberta do corpo do outro inclui a curiosidade pelo corpo da mãe e do pai. Tem início a socialização sexual da criança (...)”. 25

Essa curiosidade sexual se amplia em uma curiosidade sobre o mundo: é a fase dos famosos ‘porquês’ onde se inscreve a curiosidade sobre as diferenças anatômicas entre os sexos e sobre a própria origem (de onde viemos?). É interessante observar que a criança, por volta dos quatro anos, nos quer uma aula sobre orientação sexual, ela só quer saber ‘Como o papai pôs a sementinha dentro da mamãe?’ ou ‘Por onde eu saí da sua barriga?’. (BOCK et al., 2008, p. 197).

Durante esse período de curiosidade infantil, natural da fase fálica, “as atenções da família estão voltadas para o aprendizado do autocontrole. Assim, a criança aprende que os assuntos relacionados aos prazeres do exercício da sexualidade não podem ser tratados com os adultos”. (VITIELLO et al., 1993, p.50). Ocorre, dessa forma, mais um sistema de repressão, que será imprescindível para o avanço à próxima fase do desenvolvimento. Concomitante às dúvidas e às suas descobertas, uma vez que a criança já experimentou o corpo como fonte de prazer nas fases anteriores, com primazia de manipulação e controle na fase anal, ocorre a descoberta dos genitais, “aparecendo de modo mais frequente a masturbação – a manipulação dos genitais (o pênis no menino e o clitóris na menina)”. (BOCK et al., 2008, p. 197). É na idade escolar, durante a fase fálica, que a criança inicia os jogos sexuais, que tem por objetivo a exploração do corpo e acabam por facilitar um desenvolvimento psicossexual sadio, embora também sejam socialmente reprimidos, em especial pelas instituições escola e família. A repressão aos jogos sexuais é de tamanha monta que implica forte sensação de culpa, apesar da criança ainda não ter capacidade de compreender bem o seu real significado. Algumas crianças, principalmente do sexo feminino, por serem mais retraídas e medrosas, não ousam experimentar os jogos sexuais, apresentando, por isso, uma falha no desenvolvimento de sua sexualidade. (...) Além disso, a educação para um papel sexual “adequado” exige uma postura de aceitação e de obediência, o que inviabiliza as práticas clandestinas de jogos sexuais. Mesmo que prazerosas, as experiências de exploração do prazer desencadeiam culpa e sensação de imoralidade tão conflituosas que a criança faz um bloqueio destas lembranças para amenizar seu sofrimento. (VITIELLO et al., 1993, p.50).

O processo de desenvolvimento psicossexual da criança, em especial, na fase fálica, conta com os jogos sexuais, que têm menos conotação erótico- vulgar do que social, interacional e catártica. “Nessa fase tem-se uma intensa exploração das diferenças sexuais e percebe-se a presença de brincadeiras 26

como médico, enfermeiro, trenzinho, papai e mamãe”. (SIQUEIRA et al., 2013, p. 308). A fase fálica é marcada e mediada por repressões e conflitos. Dentre esses conflitos, merece destaque o Complexo de Édipo, conceituado por Freud na teoria psicanalítica.

Nesta fase denominada de fálica, a libido se focaliza nos órgãos genitais e neste momento instala-se o conflito edipiano. Aparece, nesta fase, o fenômeno conhecido como complexo de Édipo, onde a criança sente amor pelo progenitor do sexo oposto e ódio pelo progenitor do mesmo sexo. Este conflito é de ambivalência entre o amor e o ódio, pelos progenitores, pois o seu “objeto de amor” também é a figura disciplinadora que coloca limites e restrições, e o “objeto odiado” é provedor, lhe dá segurança e proteção. (SIQUEIRA et al., 2013, p. 308).

Baseados em Bock (2008, p.50), podemos complementar o entendimento do Complexo de Édipo, em torno do qual “ocorre a estruturação da personalidade do indivíduo”: No complexo de Édipo, a mãe é o objeto de desejo do menino, e o pai é o rival que impede seu acesso ao objeto desejado. Ele procura então ser o pai para “ter” a mãe, escolhendo-o como modelo de comportamento, passando a internalizar as regras e as normas sociais representadas e impostas pela autoridade paterna. Posteriormente, por medo da perda do amor do pai, “desiste” da mãe, isto é, a mãe é “trocada” pela riqueza do mundo social e cultural, e o garoto pode, então, participar do mundo social, pois tem suas regras básicas internalizadas através da identificação com o pai. Este processo também ocorre cora as meninas, sendo invertidas as figuras de desejo e de identificação. Freud fala em Édipo feminino. (BOCK et al., 2008, p. 50)

Da conflituosa fase fálica, na qual, no Complexo de Édipo, começa a se estruturar o superego, a partir do complexo de castração, postulado por Freud, a criança passa a uma fase de “relaxamento” no desenvolvimento psicossexual, adentrando a sua última etapa antes da adolescência. A quarta fase do desenvolvimento psicossexual intitula-se fase de latência, que ocorre entre cinco e dez anos de idade, um período “que se prolonga até a puberdade e se caracteriza por uma diminuição das atividades sexuais, isto é, há um ‘intervalo’ na evolução da sexualidade”. (BOCK et al., 2008, p. 50). Na latência a criança se volta “para o mundo externo, como escola, jogos, amizades e outras atividades, fora do ambiente familiar, passando a buscar novos ídolos e heróis, fora de casa”. (D’ANDREA, 2001). 27

Acentua-se, nessa etapa, “o relacionamento com crianças do mesmo sexo, fortalecendo a identidade sexual”. (SIQUEIRA et al., 2013, p. 308 e 309). “Nessa idade, observamos a existência do ‘clube do bolinha’ (o grupo dos meninos) e do ‘clube da luluzinha’ (o grupo das meninas): eles preferem os iguais, é o processo de definição da identidade sexual”. (BOCK et al., 2008, p. 198). Durante a fase de latência “a criança se volta ao conhecimento do mundo, inclusive do sexo. Inicia-se a aprendizagem dos valores e papéis culturalmente aceitos, pois o ego está mais livre para se concentrar em atividades intelectuais. (SIQUEIRA et al., 2013, p. 308 e 309). Embora a criança se concentre na aprendizagem dos temas do mundo, incluindo o sexo, o interesse sexual diminui. (BOCK et al., 2008, p. 198). Nesse caso, a exploração tátil se declina, dando espaço para a cognição mental. Nesse momento do desenvolvimento, as crianças já têm suas próprias ‘teoria’ sobre o ato sexual, a origem dos bebês, o porquê das diferenças anatômicas, mesmo que sejam explicações fantasiosas ou equivocadas. Essas ‘teorias’ revelam como os adultos que circundam aquela criança lidaram com as questões da sexualidade propostas por ela, até ali. (BOCK et al., 2008, p. 198).

Nessa etapa, a energia psíquica da criança volta-se para “o fortalecimento do ego, o qual a tornará melhor equipada para lidar com os impulsos que virão nos próximos anos, e para adaptá-la aos novos ambientes”. (D’ANDREA, 2001). Sem o intuito de antecipar a temática do próximo capítulo, torna-se mister relativizar o papel da influência televisiva na criança em latência do desenvolvimento psicossexual: Atualmente, pelas influências das da cultura e do fenômeno chamado erotização da infância, é possível observar várias manifestações da sexualidade durante as brincadeiras e a curiosidade por temas ligados à sexualidade. Por exemplo, as cenas eróticas das novelas, na televisão passam a constituir o universo da criança, tornando-se conteúdo frequente de suas brincadeiras. Assim, crianças de nove anos podem nos surpreender quando perguntam: ‘O que é sexo anal’? (BOCK et al., 2008, p. 198, grifo nosso).

Essa erotização da infância pode modificar os caracteres básicos da fase de latência, que dura, em média, até os dez anos de idade. A partir daí 28

entramos na última fase do desenvolvimento psicossexual, que configura-se como ponte para a vida adulta. A fase genital, atingida com a puberdade, configura-se na última fase do desenvolvimento psicossocial. Nessa fase “o objeto de erotização ou de desejo não está mais no próprio corpo, mas em um objeto externo ao indivíduo — o outro”. (BOCK et al., 2008, p. 50). O início da fase genital caracteriza-se pela puberdade, época “em que os aspectos fisiológicos e biológico-anatômicos sofrem alterações profundas: revolução hormonal, desenvolvimento físico acentuado, início do surgimento dos caracteres secundários (pelos, seios)”. (BOCK et al., 2008, p. 198). Essa nova composição acaba por transformar o modo de ser do sujeito, assim como suas relações específicas com o próprio corpo e, qualitativamente, suas interações relacionais sociais. Para Vitiello (et al., 1993, p.51), “É neste período que a maturidade biológica e sexual é atingida, se define a identidade sexual e, potencialmente, é onde se define o espaço social de homem ou mulher”. Nesse contexto, a fase genital: É a etapa de passagem da bissexualidade infantil para a heterossexualidade adulta, Ou seja, o aspecto biológico da bissexualidade presente desde o nascimento sempre irá existir (por exemplo, homens apresentam glândulas mamárias residuais e ambos os sexos apresentam hormônios do outro sexo) e, na infância, há o equivalente psicológico dessa bissexualidade, segundo os ensinamentos da Psicanálise. Isso se manifesta na ligação amorosa com o pai e com a mãe, desde a primeira infância: um objeto do desejo e outro objeto de identificação; ou vice-versa, dependendo do sexo da criança. (BOCK et al., 2008, p. 198).

Longe da concepção rígida de definição emoldurada biofisiológica conservadora, Bock defende que “na adolescência, a identidade sexual que se constrói desde o nascimento adquire seu perfil como produto da história que o indivíduo viveu até ali”. (BOCK et al., 2008, p. 198). A identidade sexual é, portanto uma construção, produto da história e das experiências do indivíduo. Alternando entre tensão e relaxamento, a fase genital, sucessora da latência, é permeada de conflitos internos, decorrentes das mudanças, das expectativas e da sua relativa ansiedade. No período da puberdade, que corresponde ao componente orgânico da adolescência, o indivíduo volta suas atenções para as mudanças 29

do corpo e concentra suas energias nos processos psíquicos de perda do corpo infantil e de aceitação das novas formas. A ansiedade gerada pela puberdade é decorrente, além de outros aspectos, do medo de, fisicamente, não conseguir atingir o padrão socialmente aceito e então ser desprezível. (VITIELLO et al., 1993, p.51).

Os aspectos físico-fisiológicos estão no cerne da ansiedade do adolescente. O “temor do desempenho” é desenvolvido precocemente pelos rapazes, “pois a capacidade de ter relações sexuais constitui-se um requisito indispensável para os representantes do sexo masculino”. (VITIELLO et al., 1993, p.51). Quanto às moças, “apresentam grande ansiedade sobre sua atratividade sexual, o que freqüentemente as leva aos jogos de sedução”. (VITIELLO et al., 1993, p.51). Guiado pelos padrões contemporâneos ao seu alcance da fase genital, o adolescente busca enquadrar-se identitariamente e, para tal, destina grande parte de sua atenção. “O desenvolvimento muscular e o tamanho do pênis, que é o atributo mais valorizado desde seu nascimento” (VITIELLO et al., 1993, p.51) são assuntos dos quais os rapazes, em geral, não conseguem manter distância. Vencida esta fase, vem a necessidade de saber se há função para a relação sexual e então, ansiosamente, busca a ejaculação através da masturbação. Esta masturbação nem sempre tem a finalidade única da busca do prazer, mas também a da simples verificação da capacidade de ejacular. (VITIELLO et al., 1993, p.51).

Quanto às moças, de acordo do Vitiello (1993), “de início, apresentam as mesmas preocupações que os rapazes, quanto à “normalidade” de suas formas. Logo, entretanto, passam a se preocupar mais com os sutis aspectos dos jogos de sedução (...)”. (VITIELLO et al., 1993, p.51 e 52). A questão identitária encontra reforço, gerando conflito entre jovens, adolescentes, e seus pais ou responsáveis. Podemos, de maneira geral, tecer algumas considerações válidas para ambos os sexos. Devemos lembrar que, para os jovens, é de extrema importância pertencer a um grupo, onde todos, em tese, têm as mesmas aspirações, gostam das mesmas coisas e comportam-se de maneira similar. Por isso, a evolução psicossexual dos membros do grupo acontece seguindo os mesmos passos. E ainda relevante lembrar que, durante a adolescência, é mecanismo comum a desavença com os genitores, até como uma forma de auto-afirmação, sendo o grupo de extrema valia no apoio emocional entre os adolescentes. (VITIELLO et al., 1993, p.52).

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A fase genital é, portanto, uma época de conflitos, delineações, descobertas, afirmações, associações e rupturas, que encerram a estratificação do desenvolvimento psicossexual compreendido pela Psicanálise. Observamos, portanto, que a sexualidade, em meio a tensões e relaxamentos, se desenvolve e é desenvolvida pela constituição de atitudes e se manifesta por comportamentos objetivos e observáveis. Analisamos também que o comportamento é via relacional “de mão dupla” na constituição, tanto da sexualidade, quanto da atitude, e que esses elementos estabelecem a subjetividade humana – observável, orgânica e psíquica. 31

CAPÍTULO II TELEVISÃO: A NOVA CAIXA DE SKINNER

No presente capítulo, abordaremos conceitualmente a intervenção e a constituição da mídia televisiva, correlacionando-a com os estudos de comportamento de Burrhus Frederic Skinner, propondo o diagnóstico de um comportamento operante que interpenetra no campo da atitude além dos estímulos e das respostas, pela réplica do prazer, desde o controle remoto até a infantilização da satisfação de elementos básicos da sexualidade humana.

2.1) O CONDICIONAMENTO NA CAIXA DE SKINNER

Antes de apresentar os mecanismos de interferência comportamental referentes à Caixa de Skinner, torna-se necessário conceituarmos alguns dos termos concernentes ao condicionamento, uma vez que o comportamento, seu objeto, já foi analisado no capítulo anterior. Segundo o Moderno Dicionário Michaelis de Português Online4, estímulo é “qualquer coisa que torna mais ativa a mente, ou incita à atividade ou a um aumento de atividade”, aquilo que promove “incitação à atividade mental ou física”. Fisiologicamente falando, ainda de acordo com o referido dicionário, estímulo é “alguma coisa, como agente, ato ou influência, que produz um aumento temporário da atividade fisiológica em um organismo ou em qualquer de suas partes ou órgãos”, ou, ainda fisiologicamente, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa5, é um “agente externo ou interno capaz de provocar uma reação num órgão ou num sistema”. A palavra "estímulo" veio de Pavlov (outra influência sofrida por Watson e os behavioristas da época e da qual também Skinner não conseguiu se livrar), e referia-se à troca de energia entre o ambiente e o organismo, quanto à operação realizada pelo experimentador em seu laboratório, uma parte ou mudança em parte do mundo físico que causava uma mudança no organismo ou parte do organismo, a resposta. Essa mudança observável no

4 Sitiado em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php. Última consulta em 12/02/2016. 5 Sitiado em https://www.priberam.pt. Última consulta em 12/02/2016. 32

organismo biológico seria o comportamento. (MATOS, 1995, p.29, grifo nosso).

A resposta é, portanto, referente ao que o organismo faz. Pode ser fisiológica, como um espasmo ou uma contração muscular, ou mental, como um pensamento ou uma sensação. Resposta é ação ou reação desempenhada pelo organismo, ou seja, um componente do fluxo comportamental. Resposta não se confunde com comportamento. Através de análise, os psicólogos chegam aos conceitos de estímulo e resposta. Um estímulo pode ser provisoriamente definido como 'uma parte, ou mudança em uma parte, do ambiente', já uma resposta pode ser definida como 'uma parte, ou mudança em uma parte' do comportamento. Devemos reconhecer, entretanto, que um estímulo não pode ser definido independentemente de uma resposta. (KELLER et al., 1966, apud TODOROV, 1982, p. 11)

“Certos estímulos levam o organismo a dar determinadas respostas e isso ocorre porque os organismos se ajustam aos seus ambientes por meio de equipamentos hereditários e pela formação de hábitos”. (BOCK et al. 2008, p. 58). Assim, “não há estímulo sem resposta e muito menos resposta sem estímulo”. (LOPES et al. 2002, p. 130). Estímulo e resposta são, dessa forma, independentes, possuem objetos distintos, embora se constituam como mecanismos imprescindíveis do comportamento. O Comportamento, por sua vez, ainda numa perspectiva behaviorista, é entendido por Bock (et al., 2008, p. 59) como uma “interação entre indivíduo e ambiente”, unidade básica de descrição, observável e mensurável. Uma das características do comportamento é a sua passividade de condicionamento, que se configura como um “processo pelo qual uma resposta definitiva vem a ser provocada por um estímulo, objeto ou situação, diversa da resposta natural ou original; aprendizagem elementar por substituição de estímulos”, segundo o Moderno Dicionário Michaelis de Português Online6, com grifo nosso. Um condicionamento é, portanto, um comportamento artificializado. Conceitualmente, podemos subdividir tanto os comportamentos, quanto os condicionamentos, em respondentes ou operantes.

6 Sitiado em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php. Última consulta em 12/02/2016. 33

Para Bock, comportamento respondente, ou reflexo, é um comportamento não voluntário que “inclui as respostas que são eliciadas (ou produzidas) por estímulos antecedentes do ambiente” (et al. 2008, p. 59). Considerando esse tipo de comportamento, temos a figura do sujeito como: um “recebedor de percepções”, essa interpretação da percepção passa pelas propostas de Pavlov (1927/1960), Watson (1924/1930) e de alguns cognitivistas contemporâneos (Turing, 1950/1996), nas quais o sujeito tem um papel mais passivo, sendo estimulado (recebendo estímulos) pelo ambiente”. (LOPES et al. 2002, p. 130).

Dessa forma, podemos inferir que “comportamentos reflexos ou respondentes são interações estímulo-resposta (ambiente-sujeito) incondicionadas, nas quais certos eventos ambientais confiavelmente eliciam certas respostas do organismo que independem de ‘aprendizagem’”. (BOCK et al., 2008, p. 59). O comportamento respondente, ou reflexo, pode ser condicionado, ou seja, “interações desse tipo também podem ser provocadas por estímulos que, originalmente, não eliciavam respostas em determinado organismo”. (BOCK et al., 2008, p. 60). O condicionamento, nesse caso, pode ser definido como “um processo de aprendizagem e modificação de comportamento através de mecanismos estímulo-resposta sobre o sistema nervoso central do indivíduo”. (DANTAS, 2016a). O condicionamento respondente define-se pelo pareamento de estímulos artificiais (neutros) com naturais: Quando tais estímulos são temporalmente pareados com estímulos eliciadores podem, em certas condições, eliciar respostas semelhantes às deles. A essas novas interações chamamos também de reflexos, que agora são condicionados devido a uma história de pareamento, o qual levou o organismo a responder a estímulos que antes não respondia. (BOCK et al., 2008, p. 60).

Dantas (2016a) ainda elucida e exemplifica o condicionamento reflexo, ou respondente, desenvolvido por Ivan Pavlov, fisiologista russo, ao qual se refere como condicionamento clássico: Pavlov fez uma experiência envolvendo um cão, uma campainha e um pedaço de carne. O fisiologista percebeu que quando o cão via o pedaço de carne, ele salivava, o que foi chamado de reflexo não condicionado. Pavlov também começou a tocar a campainha (estímulo neutro) quando ia mostrar o pedaço de carne. Rapidamente o cão passou a associar a carne com a campainha, salivando também toda vez que ela era tocada. Essa reação a um estímulo 34

neutro foi chamada de reflexo condicionado. O condicionamento clássico foi importante no sentido de explicar a associação de um estímulo a outro. Assim, esse tipo de condicionamento é importante para explicar a associação (positiva ou negativa) que um consumidor faz de uma marca, por exemplo. O condicionamento clássico também possibilita o entendimento de coisas comuns do nosso dia a dia, como o barulho de um despertador, que por si só não significa nada, mas nós relacionamos aquele barulho ao objetivo de acordar em um determinado momento. (DANTAS, 2016a).

Outro tipo de comportamento condicionável, e que “caracteriza a maioria das nossas interações com o ambiente” (BOCK et al., 2008, p. 61) é denominado comportamento operante, sobre o qual Skinner, citado anteriormente, no desenvolvimento conceitual do comportamento, segundo o behaviorismo radical, desenvolveu suas pesquisas. O comportamento operante, foco de nossa pesquisa no campo behaviorista, “inclui todos os movimentos de um organismo dos quais se possa dizer que, em algum momento, têm efeito sobre ou fazem algo ao mundo em redor. O comportamento operante opera sobre o mundo, por assim dizer, quer direta, quer indiretamente”. (KELLER, 1973, p.10). O comportamento operante é, grosso modo, aquele que altera o ambiente, sofrendo também o efeito das alterações ambientais por ele promovidas. Esse efeito é basicamente a alteração na probabilidade de ocorrência futura da classe de respostas que integram o dado operante. (BARROS, 2003, p. 73).

Todorov (2012, p. 32-37) defende que só é possível “dizer que identificamos um comportamento operante quando variações nas consequências que esse comportamento produz alteram, por exemplo, o poder de controle que sobre ele tem o estímulo discriminativo”. A satisfação das necessidades orgânicas e psicológicas é mola propulsora de comportamentos operantes. Aliado à satisfação dessas necessidades, Skinner verificou como as variações ambientais interferiam no comportamento. Para seu diagnóstico experimental do comportamento operante, desenvolveu um dispositivo analítico e condicionador desse comportamento, denominado “Caixa de Skinner”, cujo qual descreveremos: Um ratinho foi colocado na “caixa de Skinner” — um recipiente fechado no qual encontrava apenas uma barra. Esta barra, ao ser pressionada por ele, acionava um mecanismo (camuflado) que lhe permitia obter uma gotinha de água, que chegava à caixa por meio de uma pequena haste. (BOCK et al., 2008, p. 62).

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Na “caixa de Skinner”, o acionamento primário da barra é sempre por acaso, embora todos os ratos experimentados tenham manifestado esse comportamento. Durante a exploração da caixa, o ratinho pressionou a barra acidentalmente, o que lhe trouxe, pela primeira vez, uma gotinha de água, que, devido à sede, foi rapidamente consumida. Por ter obtido água ao encostar na barra quando sentia sede, constatou-se a alta probabilidade de que, estando em situação semelhante, o ratinho a pressionasse novamente. (BOCK et al., 2008, p. 62).

Para Bock (et al. 2008, p. 62), “o que propicia a aprendizagem dos comportamentos é a ação do organismo sobre o meio e o efeito dela resultante — a satisfação de alguma necessidade, ou seja, a aprendizagem está na relação entre uma ação e seu efeito”. O comportamento operante, evidenciado na “caixa de Skinner”, caracteriza-se pela resposta que leva ao estímulo, ao contrário do comportamento reflexo. No caso, a resposta é a pressão sobre a barra, enquanto o estímulo reforçador dessa resposta é a água que surge pela ação do rato. Esse estímulo reforçador é chamado de reforço. O termo “estímulo” foi mantido da relação R-S do comportamento respondente para designar-lhe a responsabilidade pela ação, apesar de ela ocorrer após a manifestação do comportamento. O comportamento operante refere-se à interação sujeito-ambiente. Nessa interação, chama-se de relação fundamental à relação entre a ação do indivíduo (a emissão da resposta) e as conseqüências. É considerada fundamental porque o organismo se comporta (emitindo esta ou aquela resposta), sua ação produz uma alteração ambiental (uma conseqüência) que, por sua vez, retroage sobre o sujeito, alterando a probabilidade futura de ocorrência. Assim, agimos ou operamos sobre o mundo em função das conseqüências criadas pela nossa ação. As conseqüências da resposta são as variáveis de controle mais relevantes. (BOCK et al., 2008, p. 63).

As consequências da resposta é que define o aumento ou a diminuição de sua frequência. Quando frequência das respostas é aumentada, estamos diante de um reforço. Quando frequência das respostas é diminuída ou eliminada, estamos diante de uma punição ou extinção. Conceitua-se como reforço “toda conseqüência que, seguindo uma resposta, altera a probabilidade futura de ocorrência dessa resposta.” (BOCK et al. 2008, p. 62). O reforço é subdividido em reforço positivo, que aumenta a probabilidade da ocorrência de um comportamento pela presença de um 36

estímulo, como no caso anteriormente citado, do rato na caixa de Skinner, e reforço negativo, que amplia a probabilidade da ocorrência de um comportamento pela retirada de um estímulo aversivo. Pelos reforçamentos e pelas punições é possível desenvolver um condicionamento sobre o comportamento operante, ao qual denomina-se condicionamento operante. Tal condicionamento, assim como o condicionamento respondente, utiliza-se de um estímulo artificial para ser executado. A grande questão do condicionamento operante não é a de fazer a correlação entre um estímulo e outro, como no caso do condicionamento clássico, mas sim de fazer a associação entre um estímulo e a consequência dele. O condicionamento operante foi desenvolvido pelo psicólogo norte-americano Burrhus Frederic Skinner, o qual estabelece que todo comportamento é influenciado por seus resultados, havendo um estímulo reforçador, podendo ser positivo, quando fortalece o tipo de comportamento (recompensa); ou negativo, quando tende a inibir certo comportamento (punição). (DANTAS, 2016a).

O reforço se caracteriza como condicionamento, quando se configurar como aprendizagem. O condicionamento operante, portanto, é um reforçamento de comportamento operante que é artificialmente aumentado em freqüência, visando um efeito pressuposto. É possível identificar uma inter-relação entre eventos, estados e processos: os eventos comportamentais (respostas) estão em relação com eventos ambientais (estímulos), de um modo organizado. Quando consideramos o fator temporal dessa relação, concluímos que o padrão de organização dos eventos, no tempo é responsável pela criação, manutenção e mudança de estados comportamentais. Dessa forma, os processos comportamentais ou contingências são responsáveis por regularidades funcionais entre as muitas respostas emitidas por um organismo. A observação desse padrão no responder (freqüência) nos conduz aos estados comportamentais (probabilidades). Dessa forma, por meio da manipulação de processos comportamentais (via eventos ambientais) podemos construir (ou enfraquecer) estados comportamentais, além de prever e controlar a ocorrência de novos eventos comportamentais. (LOPES, 2008).

Em termos de condicionamento operante, o “reforçamento positivo oferece alguma coisa ao organismo (...); o negativo permite a retirada de algo indesejável (...)”. (BOCK et al., 2008, p. 64). Torna-se evidente que essa “alguma coisa” oferecida ao organismo é sempre fonte de satisfação, de prazer, no caso humano, de sexualidade. 37

Torna-se imprescindível atentar para que o condicionamento seja eficiente, leve-se em consideração o tempo e o espaço no qual o fluxo comportamental ocorra. Skinner demonstra em seu programa experimental na sua teoria da aprendizagem, que a eficácia do reforço depende da proximidade temporal e espacial em relação ao comportamento que se que pretende modelar, sob pena de incidir sobre outro que não esteja em questão e que um reforço positivo fortalece a probabilidade do comportamento pretendido que segue. O seu registro é a presença (positividade) de uma recompensa e por outro lado um reforço negativo enfraquece um determinado comportamento em proveito de outro que faça cessar o desprazer com uma situação. Portanto, o seu registro é a ausência (retirada) de um estímulo que cause desprazer após a resposta pretendida. (DE SOUZA, 2004).

Os reforços condicionantes ainda estratificam-se: (...) alguns eventos tendem a ser reforçadores para toda uma espécie, como, por exemplo, água, alimento e afeto. Esses são denominados reforços primários. Os reforços secundários, ao contrário, são aqueles que adquiriram a função quando pareados temporalmente com os primários. Alguns destes reforçadores secundários, quando emparelhados com muitos outros, tornam-se reforçadores generalizados, como o dinheiro e a aprovação social, que reforçam grande parte do repertório comportamental. (BOCK et al., 2008, p. 64).

Aferimos, dessa forma, que os reforços artificiais são classificados como secundários, que podem se generalizar social e culturalmente. Há ainda processos relevantes que se configuram somente no reforçamento negativo: a esquiva e a fuga. Respostas de fuga e esquiva “têm a função de adiar/eliminar/diminuir a intensidade da estimulação aversiva representada pelos comportamentos e pelas demandas do paciente”. (GUEDES, 2001, p.66). A esquiva é um processo no qual os estímulos aversivos condicionados e incondicionados estão separados por um intervalo de tempo apreciável, permitindo que o indivíduo execute um comportamento que previna a ocorrência ou reduza a magnitude do segundo estímulo. (...) As ocorrências passadas de reforçadores negativos condicionados são responsáveis pela probabilidade da resposta de esquiva. (BOCK et al., 2008, p. 64-65).

Esquiva e fuga distinguem-se, fundamentalmente, pela temporalidade de prevenção do segundo estímulo aversivo No caso da esquiva, há um estímulo condicionado que antecede o estímulo incondicionado e me possibilita a emissão do comportamento de esquiva. Uma esquiva bem-sucedida impede a ocorrência do estímulo incondicionado. No caso da fuga, só há um estímulo aversivo incondicionado que, quando apresentado, será 38

evitado pelo comportamento de fuga. Neste segundo caso, não se evita o estímulo aversivo, mas se foge dele depois de iniciado. (BOCK et al., 2008, p. 65).

A “caixa de Skinner”, não enquanto analítica, como proposto inicialmente, mas como condicionante, propõe-se em utilizar reforços positivos e negativos para promover um condicionamento operante. Em artigo intitulado “Psicologia e Comportamento Animal” o psicólogo Leon Vasconcelos Lopes, apresenta descritivamente o funcionamento da “caixa de Skinner, que tem como um dos principais objetivos “introduzir estímulos logo após um determinado comportamento, para observar como os animais aprendiam a associar esses estímulos com o que haviam feito”: A Caixa de Skinner era pequena o suficiente para abrigar o animal a ser testado, continha um vidro transparente na frente, uma barra do lado direito, um local para o fornecimento de comida, uma luz e um alto-falante que poderiam ser acionados, sem falar na grade do chão que também poderia emitir pequenos choques elétricos ao comando do experimentador. (...). Ao ser colocado pela primeira vez na caixa, tudo que o animal fizesse nos primeiros dez minutos era anotado. Esses comportamentos iniciais serviam para saber o que os animais faziam instintivamente, antes dos condicionamentos, e eram chamados de Nível Operante. Nos minutos seguintes, Skinner escolhia um comportamento qualquer para testar. Digamos que nos primeiros dez minutos o rato tivesse ficado de pé sobre duas patas por três vezes e tocado duas vezes na barra lateral. Então, Skinner escolhia o comportamento de “tocar na barra lateral” para ser condicionado. Para fazer isso, ele aguardava que o rato se aproximasse da barra e, então, o pesquisador apertava um botão que liberava comida. O que Thorndike já havia descoberto era que aquilo que o animal fizesse, logo antes de ser recompensado, seria lembrado, e sua descoberta estava certa! Assim, o rato repetia a aproximação da barra e, novamente, ganhava mais um pouco de comida. Skinner descobriu que poderia “modelar” o comportamento do animal, ou seja, se seu objetivo final era que o rato pressionasse a barra lateral, ele poderia liberar comida quando o rato, primeiro, olhasse pra barra, depois, quando se aproximasse da barra, quando a tocasse, e, finalmente, quando ele pressionasse a barra. Em poucos minutos o comportamento que antes do condicionamento era emitido duas vezes em dez minutos, passava para oitenta ou mais vezes no mesmo intervalo de tempo. (LOPES, 2016a)

A “caixa de Skinner” é, portanto, local privilegiado de análise comportamental e de condicionamento operante utilizando processos de reforçamento e punição para o controle e a artificialização comportamental, na concepção behaviorista radical. Em uma analogia geométrica sociocultural, a televisão produz efeitos- respostas similares aos da “caixa de Skinner”, essencialmente no que tange ao 39

pareamento de reforços no campo afetivo. Para uma análise mais precisa torna-se relevante entendermos os mecanismos ideológicos que permeiam a televisão.

2.2) TELEVISÃO, DO ROUBO DO TEMPO À ALIENAÇÃO

Do grego tele (distante, remoto) e do latim visione (visão), a televisão é, segundo o Moderno Dicionário Michaelis de Português Online7, “sistema eletrônico para transmitir imagens fixas ou animadas, juntamente com o som, através de um fio ou do espaço, por aparelhos que os convertem em ondas elétricas e os transformam em raios de luz visíveis e sons audíveis”. É ainda um “aparelho receptor de imagens televisionadas”, uma “estação transmissora de imagens televisionadas”, ou pode fazer uma meta referência a um “conjunto das atividades e programas artísticos, informativos e educativos, apresentados por meio da televisão”. O próprio termo “televisão” torna indissociável seu aspecto técnico da sua característica semântica. Ou seja, a televisão concerne em si significante e significado, estruturalmente falando. Por não pertencer ao nosso campo analítico, não abordaremos neste trabalho os incontáveis malefícios fisiológicos, orgânicos e patológicos que a televisão proporciona aos telespectadores, como, por exemplo, o aumento do risco de 3,4% de se desenvolver diabetes, a cada hora em frente à televisão, independentemente da idade, sexo ou tempo gasto com atividade física8, contudo, torna-se necessário cientificar que tais malefícios existem e são diariamente alvo de pesquisa e estudo pelas comunidades científica e médica. Nossa consideração toma como cerne os efeitos sócio psicossociais da televisão, em sua escala histórico ideológica. Condry (et al., 2007, p.40) resume e define: "a televisão é uma ladra do tempo".

7 Sitiado em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php. Última consulta em 15/02/2016. 8 Estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/saude/como-cada-hora-em-frente-a-tv-pode-aumentar-o-risco-de-diabetes e em http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2015/04/diabetes-e-tv. Última consulta em 15/02/2016. 40

Consideremos que o dia possui 24 horas, sendo, em média, para um adulto, 9 horas destinadas ao trabalho, 3 horas destinadas a deslocamentos em coletivos e 8 horas destinadas ao sono, e, para uma criança, em média 5 horas destinadas à escola, 3 horas destinadas a deslocamentos em coletivos e 10 horas destinadas ao sono, e considerando que em 2015, “os televisores do país ficaram ligados, em média, 5 horas, 59 minutos e 45 segundos por dia”9, segundo a Folha de São Paulo, um assustador aumento de 9% em relação ao ano anterior, aferimos que um adulto médio possivelmente destina duas das suas oito horas de sono à televisão, além de dedicar as outras quatro horas livres restantes a ela, enquanto uma criança é passível de dedicar a totalidade de seu tempo livre à televisão. Tendo em vista uma análise quase matemática, sim, "a televisão é uma ladra do tempo". (CONDRY et al., 2007, p.40). Seria uma definição precisa, se não fosse a devastação psicológica e cultural que a televisão provoca no indivíduo. Inicialmente, ocorre uma meta degradação do tempo, em se tratando da televisão. Não só o tempo gasto com ela, mas, do tempo que se desperdiça com a televisão, pouco, ou quase nada, nem mesmo nos telejornais, incentiva a reflexão, o pensamento crítico ou mesmo uma maior compreensão da realidade. A televisão é mestra na arte de evidenciar “fatos para todos”, tão genéricos que ocupem a todos e não sirva a ninguém. Os fatos-omnibus são fatos que, como se diz, não devem chocar ninguém, que não envolvem disputa, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam em nada de importante. As notícias de variedades consistem nessa espécie elementar, rudimentar, da informação que é muito importante porque interessa a todo mundo sem ter consequências e porque ocupa tempo, tempo que poderia ser empregado para dizer outra coisa. [...] E se minutos são empregados para dizer coisas tão fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantes na medida em que ocultam coisas preciosas (BOURDIEU, 1997, p. 23).

Desde seu início, no Brasil, a televisão obedeceu a regras capitalistas e mercadológicas com a única finalidade de transmutar sujeitos e grupos em massa consumidora:

9 Disponível em: http://f5.folha.uol.com.br/televisao/2015/12/1723883-brasileiro-passou-5-horas-por-dia- assistindo-tv-em-2015.shtml. Último acesso em 15/02/2016. 41

Implantada no Brasil como extensão do rádio no conteúdo, no modelo institucional adotado e – nos casos mais emblemáticos – como apêndice de empresas jornalísticas consolidadas, a televisão passou longe dos ideais de serviço público. Aqui ela surgiu pelos interesses de empresas privadas que vislumbraram na nova tecnologia a possibilidade de uma frente de expansão dos seus negócios. (LEAL FILHO, 2006, p. 9).

Quanto à televisão, analisando sua amplitude nos dias atuais, aferimos que “os seus princípios conduzem a propor aos telespectadores emissões cada vez piores, que o público aceita desde que se lhes acrescente violência, sexo e sensacionalismo". (CONDRY et al., 2007, p. 20) . Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade. O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente. A cultura da mídia também fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de “nós” e “eles”. Ajuda a modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos: define o que é considerado bom, mau, positivo ou negativo, moral ou imoral. (KELLNER, 2001, p. 9).

A televisão é, pois, responsável, enquanto indústria do espetáculo e ladra do tempo, pela forja do comportamento social, da estruturação identitária, acompanhando o desenvolvimento do sujeito e direcionando-o segundo seus interesses. As narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje. A cultura veiculada pela mídia fornece o material que cria as identidades através das quais os indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas, produzindo uma nova forma de cultura global. (KELLNER, 2001, p. 9).

Costa (2002) reforça o posicionamento de Kellner (2001), quando aponta para o uso da linguagem midiática: A linguagem que [a mídia] utiliza e os discursos que faz circular produzem significados consonantes com projetos políticos, sociais e culturais hegemônicos, colocando em funcionamento técnicas de governo que forjam consciências e moldam condutas. Certamente, não há homogeneidade de efeitos naquilo que a mídia produz; não somos pobres vítimas de um inescapável determinismo. É preciso assinalar, contudo, que, apesar de cada espectador reagir de modo distinto, dependendo do lugar em que está posicionado e de como a mídia chega até ele, respostas são incitadas e condutas são modeladas e performadas. (COSTA, 2002, p.72). 42

A modelagem do comportamento social, ou o seu condicionamento, ocorre em nome do capital e do mercado, na missão unilateral de transformar telespectadores em massa de consumo. "A televisão moderna, nomeadamente a televisão americana, tem um único objetivo: fazer vender. É essencialmente um instrumento comercial. Os seus valores são os do mercado; a sua estrutura e os seus conteúdos são o reflexo desta função". (CONDRY et al., 2007, p. 45). Do controle introjetado, do comportamento à atitude, do subjetivo ao identitário, "devido à sua relativa novidade e à inércia das instituições políticas, incapazes de reagir com rapidez, a televisão tornou-se um poder incontrolado, e qualquer poder incontrolado contradiz os princípios da democracia”. (BOSETTI in CONDRY et al., 2007, p. 11). A televisão participa de todo o processo de formação social e subjetiva. Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpretados por sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. (HALL, 2004, p. 12)

A televisão se configura no passaporte para doses cavalares de espetáculo em frequências alopáticas frenéticas. Dessa forma confunde conceitualmente a produção interna subjetiva imaginária com ideologias mercadológicas envoltas em fantasias capitalistas travestidas de diversão e fatos omnibus. Não se pode contrapor abstratamente o espetáculo à atividade social efetiva; este desdobramento está ele próprio desdobrado. O espetáculo que inverte o real é produzido de forma que a realidade vivida acaba materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, refazendo em si mesma a ordem espetacular pela adesão positiva. A realidade objetiva está presente nos dois lados. O alvo é passar para o lado oposto: a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo no real. Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da sociedade existente. No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso. (DEBORD, 2003, p. 10).

Campo privilegiado do espetáculo, a televisão se configura como vetor social que ultrapassa a soma do seu conjunto de imagens e sons. É a 43

representante e a responsável por tornar real, presente e vigente um universo plástico e artificial, criado para escravizar a consciência. As imagens fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso comum, de forma que a unidade da vida não mais pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente reflete em sua própria unidade geral um pseudo mundo à parte, objeto de pura contemplação. A especialização das imagens do mundo acaba numa imagem autonomizada, onde o mentiroso mente a si próprio. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo. O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada. O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens. (DEBORD, 2003, p. 8 e 9).

Essa relação entre pessoas, regente social, denominada espetáculo, cujo veículo privilegiado se configura na televisão, molda padrões, modula identidades e tem como premissa a alienação. Trata-se de um poder incontrolado, implantando uma ditadura psicossocial política fora de controle. “Numa democracia não deveria existir nenhum poder político incontrolado. Ora, a televisão tornou-se hoje em dia um poder colossal; pode mesmo dizer-se que é potencialmente o mais importante de todos, como se tivesse substituído a voz de Deus”. (CONDRY et al., 2007, p. 29 e 30). Ramonet (1999, p. 26) alega que “a televisão assumiu o poder”, sentença que dialoga com o pensamento de Bourdieu (1997. p.29) quando afirma que “caminha-se cada vez mais rumo ao universo em que o mundo social é descrito-prescrito pela televisão. A televisão se torna o árbitro do acesso à existência social e política”. Assim, a televisão “não é apenas a primeira mídia de lazer e de divertimento, mas também, agora, a primeira mídia de informação. No momento atual, é ela que dá o tom, que determina a importância das notícias, que fixa os temas da atualidade”. (RAMONET, 1999, p. 26). Segundo Condry (et al. 2007, p. 60), a televisão “não oferece qualquer sistema coerente de valores, o seu sistema de valores limita-se a servir o consumo”. Tal colocação coaduna com o posicionamento de Bauman (1999, P.88) quando defende que “a maneira como a sociedade atual molda seus 44

membros é ditada primeiro - e acima de tudo - pelo dever de desempenhar o papel de consumidor”. Dessa forma, como a sociedade atual é constituída em formação por valores midiáticos, televisivos e capitalistas, “a norma que nossa sociedade coloca para seus membros é a de capacidade e vontade de desempenhar esse papel” (BAUMAN, 1999, P.88), de consumidor. A televisão tem o dom de introspectar o alheio no subjetivo. É uma inimiga do pensamento e do autoconhecimento. Condry (et al. 2007, p. 60), quanto ao telespectador, defende que “nada aprenderá de útil sobre si próprio. São estes vários aspectos que fazem da televisão um deplorável instrumento de socialização”. Ela “funciona como uma janela para o mundo exterior ao do espectador. A janela para o mundo exterior se transforma em túnel para se atingir o mundo interior de cada um”. (PRADO, 1973, p.21). Dizer o que fazer, dando a ideia de legitimidade de pensamento. Aí está a essência televisiva. A televisão é uma fábrica de fugas disfarçadas de soluções simplórias. É incoerente e controversa, porem, extremamente persuasiva e carregada de autoridade afetiva, como uma mãe que nos criou. Uma fábrica de soluções estúpidas: Por cada mensagem televisiva que nos diz 'recuse droga', seis dizem- nos 'se não se sente bem, tome qualquer coisa, que melhora'. Não dorme? Tome tranqüilizante. Está sempre a dormir? Tome um excitante. Quer emagrecer? Tome um anorexígeno. Sente-se abatido? Tome um medicamento, ou beba uma cerveja, ou um copo de vinho. (CONDRY et al., 2007, p. 52).

A persuasão vem da autoridade de um poder concedido pelo afeto imputado no desenvolvimento subjetivo e na sua reificação social. Para os profissionais da comunicação persuasiva a via emotiva tem uma dupla vantagem sobre a racional: é mais divertida, o que facilita uma atitude de abertura por parte do receptor, e não desperta receios ou mecanismos de defesa, porque o receptor não é tão consciente de que está sendo influenciado; pensa que está se divertindo apenas. (FERRÉS, 1998, p.63).

Divertida e indefectível, a televisão inibe qualquer defesa psicológica com a autoridade de uma mãe psicótica, que infantiliza para manter dependência. Por ser um ramo da indústria cultural e, portanto, por ser fundamentalmente uma vendedora de Cultura que precisa agradar o consumidor, a mídia infantiliza. Como isso acontece? Uma pessoa (criança ou não) é infantil quando não consegue suportar a distância 45

temporal entre seu desejo e a satisfação dele. A criança é infantil justamente porque para ela o intervalo entre o desejo e a satisfação é intolerável (por isso a criança pequenina chora tanto). Ora, o que faz a mídia? Promete e oferece gratificação instantânea. Como o consegue? Criando em nós os desejos e oferecendo produtos (publicidade e programação) para satisfazê-los. O ouvinte que gira o dial do aparelho de rádio continuamente e o telespectador que muda continuamente de canal o fazem porque sabem que, em algum lugar, seu desejo será imediatamente satisfeito. (CHAUÍ, 2000, p. 43).

A gratificação instantânea toma respaldo no conceito de gratificação e satisfação, que só podem existir pela presença da televisão nas entranhas das estruturas psíquicas, absorvida durante todo o período do desenvolvimento do sujeito. No que se configura a televisão, senão uma fábrica de esperanças somente realizáveis nela mesma? A inquietude patrocinada pela redundância televisiva e pela constante expectativa do porvir da programação, que oferecerá um pouco mais do mesmo, se configura como um imã, atraindo a atenção do espectador ao carrossel identitário conveniente aos interesses econômicos da classe dominante. (MARX & ENGELS, 1998). Levando em conta que cada vez diminuem mais as experiências vividas pessoalmente e cada vez são maiores as que se vivem vicariamente, a televisão, que é o reino das experiências vicárias, desempenha um papel decisivo na apresentação de modelos que incidirão na escolha da direção do comportamento. (FERRÉS, 1998, p. 54).

Essa direção do comportamento, ou seja, esse condicionamento, ocorre tanto de maneira objetiva, quanto subliminar. Na televisão, nenhuma imagem é transmitida por acaso. Tudo que se lhe constitui, cada elemento, é colocado meticulosamente em composição com algum objetivo. Em cada filme, novela, propaganda, etc., há um pano de fundo, um background cultural, sobre o qual se passa o fato [...] Esse pano de fundo cultural permanece e se fixa na mente e nos corações das pessoas que vêem esses produtos da comunicação; e isso as leva a fixar ou transformar determinada cultura. (GUARESCHI, 1991, p.16).

Entendemos, portanto, que a televisão é formadora, transformadora, moduladora e mantenedora do poder e incide sobre as camadas mais profundas das estruturas sociais, identitárias, comportamentais, mentais, psicológicas e subjetivas. 46

Não há espaço legítimo para a escolha, embora seja essa a máscara midiática na qual a televisão nos faz crer, como instância máxima da representação da indústria cultural. Adorno, um dos nomes que representam a Escola de Frankfurt nos apresenta uma argumentação quanto à mídia e à indústria cultural, tomando como exemplo um de seus produtos: a música. De resto, já não há campo para escolha; nem sequer se coloca mais o problema, e ninguém exige que os cânones da convenção sejam subjetivamente justificados; a existência do próprio indivíduo, que poderia fundamentar tal gosto, tornou-se tão problemática quanto, no pólo oposto, o direito à liberdade de uma escolha, que o indivíduo simplesmente não consegue mais viver empiricamente. Se perguntarmos a alguém se "gosta" de uma música de sucesso lançada no mercado, não conseguiremos furtar-nos à suspeita de que o gostar e o não gostar já não correspondem ao estado real, ainda que a pessoa interrogada se exprima em termos de gostar e não gostar. Em vez do valor da própria coisa, o critério de julgamento é o fato de a canção de sucesso ser conhecida de todos; gostar de um disco de sucesso é quase exatamente o mesmo que reconhecê-lo. O comportamento valorativo tornou-se uma ficção para quem se vê cercado de mercadorias musicais padronizadas. Tal indivíduo já não consegue subtrair-se ao jugo da opinião pública, nem tampouco pode decidir com liberdade quanto ao que lhe é apresentado, uma vez que tudo o que se lhe oferece é tão semelhante ou idêntico que a predileção, na realidade, se prende apenas ao detalhe biográfico, ou mesmo à situação concreta em que a música é ouvida. (ADORNO, 1996, p. 66).

O sujeito exposto à televisão pensa que faz o que quer, mas não faz. Pensa que quer fazer o que faz, mas não quer. Acha que pensa, mas somente reflete. Sente-se protegido e satisfeito pela televisão, uma mãe autoritária e psicótica. É infantilizado, reificando o poder e fortificando a dependência. Tal qual a barra da “caixa de Skinner”, o controle remoto é o mecanismo perfeito de condicionamento operante do ser humano contemporâneo. Respeitadas as devidas diferenças entre ratos e homens, o condicionamento operante ocorre similarmente. No rato, pelo homem, mais rapidamente, com objetivos analíticos. No homem, pelo próprio homem, ao longo de toda a sua vida, com objetivos perversos de controle e manutenção do poder. A televisão condiciona por toda a vida, mas sua atuação mais cruel é durante o período do desenvolvimento psicossexual, estratificado por Freud e disposto no capítulo anterior desta pesquisa, e se reflete, por toda vida, em sua estrutura psíquica, modelando do comportamento à atitude, do 47

desenvolvimento psíquico ao inconsciente. Partindo da televisão, essa nova versão da “caixa de Skinner”, entendemos, o homem é o rato do homem, com requintes de schadenfreude10.

10 Derivada do alemão, schaden (dano, prejuízo) e freude (alegria, prazer), schadenfreude é uma palavra que designa sentimento de alegria em consequência do sofrimento, da desgraça ou da infelicidade de outra pessoa. Não que exista uma tradução literal, mas é algo semelhante à expressão “bem feito”, do coloquial da língua portuguesa, acompanhado de um sorriso sarcástico e sincero. 48

CAPÍTULO III O CREPÚSCULO DO DESEJO

No presente capítulo, apresentaremos, segundo a teoria psicanalítica, o modelo topológico da mente e o modelo estrutural da personalidade, levantando hipóteses da interferência midiática em suas estruturas. Sequencialmente, associaremos a teoria psicanalítica dos transtornos mentais, como neuroses, psicoses e psicopatias com a composição do desejo e da sua subjetiva percepção, constituindo o processo uma violência simbólica. Retomaremos, por associação psicanalítica, as fases do desenvolvimento psicossexual, assim como sua composição condicionada artificialmente pela mídia televisiva. Em seguida, estudaremos os mecanismos de defesa e a influência midiática em suas tensões. Fundamentamo-nos nas definições conceituais de Gilles Deleuze (1988) sobre o desejo, disposto no documentário “O abecedário de Gilles Deleuze”, limitando-se à definição qualitativa do termo, uma vez que sua conceituação psicanalítica se torna avessa à proposta pela Teoria Psicanalítica de Freud, que embasa nossa fundamentação. Por último, colocamos em análise comparativa o postulado de Siddhartha Gautama quanto ao desejo, em consonância com as mediações de Deleuze, encerrando com a conceituação psicanalítica acerca da pratica profilática quanto ao desejo artificializado.

3.1) CONSCIÊNCIA, ESTRUTURA E DEFESA PSICANALÍTICAS

Para darmos prosseguimento às consequências exposição midiática ao aparelho psíquico, faz-se necessário compreendermos os níveis de consciência, a estrutura da personalidade e os seus mecanismos de defesa. Faremos a seguir uma breve estruturação conceitual sobre os termos e sobre a função psicanalítica a eles relativa. 49

Observando as nuances dos esquecimentos, ou seja, do aparente velamento de determinados fatos da consciência, Freud estruturou conceitualmente a descoberta de uma região não acessível à consciência. Notou também que havia uma “força psíquica que se opunha a tornar consciente, a revelar um pensamento” (BOCK et al., 2008, p.48), a qual denominou resistência. Ao “processo psíquico que visa encobrir, fazer desaparecer da consciência, uma idéia ou representação insuportável e dolorosa que está na origem do sintoma” (BOCK et al., 2008, p.48), Freud denominou repressão. Os conteúdos psíquicos concernentes à resistência e à repressão acabam por definir o inconsciente, região psíquica crucial e central para o pensamento psicanalítico. Descoberto e conceituado o inconsciente, Sigmund Freud estratificou os níveis da consciência humana, dando origem a um modelo topológico da mente. Esse modelo gradua a consciência nos níveis consciente, pré- consciente e inconsciente. “O nível consciente refere-se às experiências que a pessoa percebe, incluindo lembranças e ações intencionais”. (LOPES, 2016b). Sendo assim, o nível consciente exprime o acessível, o nível mais superficial de consciência. Nesse nível, “a consciência funciona de modo realista, de acordo com as regras do tempo e do espaço. Percebemos a consciência como nossa e identificamo-nos com ela”. (LOPES, 2016b). O consciente é o sistema do aparelho psíquico que recebe ao mesmo tempo as informações do mundo exterior e as do mundo interior. Na consciência, destaca-se o fenômeno da percepção, principalmente a percepção do mundo exterior, a atenção, o raciocínio. (BOCK et al., 2008, p. 49).

O pré-consciente aponta para elementos que, apesar de não estarem em modo consciente em determinado momento, são passíveis de serem acessados voluntariamente pelo consciente. Ou seja, “parte do material que não está consciente num determinado momento pode ser facilmente trazida para a consciência; esse material é chamado pré-consciente.” (LOPES, 2016b). Bock (et al. 2008, p 49) acrescenta que “o pré-consciente refere-se ao sistema onde permanecem aqueles conteúdos acessíveis à consciência. É 50

aquilo que não está na consciência, neste momento, e no momento seguinte pode estar). O inconsciente abrange elementos e conteúdos indisponíveis ao acesso voluntário pelo consciente. Seu conteúdo só emerge ao consciente em situações particulares e peculiares. O inconsciente exprime o “conjunto dos conteúdos não presentes no campo atual da consciência”. É constituído por conteúdos reprimidos, que não têm acesso aos sistemas pré-consciente/consciente, pela ação de censuras internas. Estes conteúdos podem ter sido conscientes, em algum momento, e ter sido reprimidos, isto é, “foram” para o inconsciente, ou podem ser genuinamente inconscientes. O inconsciente é um sistema do aparelho psíquico regido por leis próprias de funcionamento. Por exemplo, é atemporal, não existem as noções de passado e presente. (BOCK et al., 2008, p. 49).

A nível inconsciente localizam-se as pulsões. Pulsão, que designa o ato de impulsionar, foi conceituado por Freud como “a carga energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem”. (ROUDINESCO et al., 1998, p. 628). No inconsciente estão as pulsões, que são duas forças complementares, pulsão de vida e de morte. As pulsões são forças que estimulam o corpo a liberar energia mental, Freud os dividiu em duas categorias: os instintos de vida que se referem à autopreservação, esta forma de energia manifesta é chamada de libido; e instinto de morte que é uma força destrutiva, e pode ser dirigida para dentro. (LOPES, 2016b).

Com finalidade explicativa conceitual, torna-se relevante constatar que a libido se configura como “a energia dos instintos sexuais e só deles” (FREUD in BOCK et al, 2008, p. 50). Bock ainda acrescenta que: A pulsão refere-se a um estado de tensão que busca, através de um objeto, a supressão deste estado. Eros é a pulsão de vida e abrange as pulsões sexuais e as de autoconservação. Tanatos é a pulsão de morte, pode ser autodestrutiva ou estar dirigida para fora e se manifestar como pulsão agressiva ou destrutiva. (BOCK et al., 2008, p. 50).

É extremamente relevante ressaltar que o conteúdo inconsciente influencia, de maneira decisiva, o consciente. O modelo estrutural da personalidade proposto pela psicanálise e disposto por Freud como a segunda teoria do aparelho psíquico introduz os conceitos de id, ego e superego, que de forma alguma se contrapõem aos 51

conceitos de níveis de consciência, embora, em partes, ocorram substituições conceituais. Trata-se, pois, de uma remodelagem da teoria do aparelho psíquico, que faz referência aos três sistemas de personalidade. O id, termo originário do alemão “es”, representa-se melhor conceituado, em português pelo termo “isso”. “O id constitui o reservatório da energia psíquica e é onde se ‘localizam’ as pulsões: a de vida e a de morte. As características atribuídas ao sistema inconsciente, na primeira teoria, são, nesta teoria, atribuídas ao id, que é regido pelo princípio do prazer”. (BOCK et al., 2008, p.51). Tal princípio busca sempre os elementos que produzem prazer e aquilo que evita o desprazer, sem inibições. O id é o que está anterior ao inconsciente, seria a parte mais primitiva, o id age conforme as manifestações do princípio de prazer, ou seja, sua função é a obtenção de satisfação a qualquer preço, sem noção alguma de juízo, valor, moralidade, bem ou mal. (LOPES, 2016c).

Em sua estrutura psicofuncional, o id não apresenta exprobração, repreensão ou censura. Esses elementos não pertencem à sua natureza. Ao Id foi atribuída a parte primitiva da mente, ou seja, o instinto irracional que se manifesta sem a preocupação com princípios morais, éticos, etc. O Id é mais evidenciado na infância do que na fase adulta, pois na infância a mente é dominada pelo desejo de ter seus pedidos atendidos imediatamente. Na fase adulta, o Id é influenciado pelo Ego e Superego. (DANTAS, 2016b).

O ego, originário do alemão “ich”, tem como tradução “eu”. É o dispositivo responsável por tornar eficientes e adaptados ao mundo externo as emanações do id. “O ego faz o papel de mediador entre as exigências do id e do mundo externo, age conforme o princípio de realidade empenha-se em reduzir a tensão do id até encontrar o objeto para satisfazê-lo”. (LOPES, 2016c). Torna-se, pois, necessário utilizarmos o conceito de superego antes mesmo de sua conceituação no presente trabalho, uma vez que ego e superego são meta referenciais. O ego é o sistema que estabelece o equilíbrio entre as exigências do id, as exigências da realidade e as “ordens” do superego. Procura “dar conta” dos interesses da pessoa. É regido pelo princípio da realidade, que, com o princípio do prazer, rege o funcionamento psíquico. É um regulador, na medida em que altera o princípio do 52

prazer para buscar a satisfação considerando as condições objetivas da realidade. Neste sentido, a busca do prazer pode ser substituída pelo evitamento do desprazer. As funções básicas do ego são: percepção, memória, sentimentos, pensamento. (BOCK et al., 2008, p.51-52).

O ego se institui em uma zona de extrema tensão e mediação de interesses: precisa satisfazer e modular a censura. O ego tem uma função intermediária, o que pode gerar conflito no interior da personalidade humana, uma vez que ocupa uma posição difícil, sendo pressionado por forças insistentes e opostas. Ele tem a função de adiar a satisfação imediata exigida pelo id, agir sobre o meio para aliviar as tensões do id, e ainda confrontar-se com as regras e a moralidade do superego. (LOPES, 2016c).

Esse confronto tensionado imputa ao ego a característica de mediador psíquico, uma vez que suas instancias permeiam tanto o consciente, quanto o inconsciente. Ao Ego foi atribuída a parte de equilibrar os anseios do Id e do Superego de forma racional e consciente. O Ego possui elementos conscientes e inconscientes que se conflitam para que uma decisão seja tomada. No Ego também se alojam os mecanismos de defesa, as manifestações que o Ego apresenta para se livrar de forma inconsciente de situações que provoque dor psíquica, angústia. (DANTAS, 2016b).

Para compreendermos melhor a magnitude da tensão no ego pela mediação entre id e superego, apresentaremos, a seguir conceitualmente o superego. Superego, originário do alemão “Über-Ich”, pode ser interpretado, em termos, como “super-eu”. Trata-se de um dispositivo censor moral, que representa, quase coercivamente, os valores sociais. É dicotômico, por excelência e, dentre seus mecanismos estão a repressão pela culpa e pela punição, a coerção do ego à moralidade e à condução idealista do à perfeição, tendo como parâmetros os valores da sociedade introjetados. O superego origina-se com o complexo de Édipo, a partir da internalização das proibições, dos limites e da autoridade. A moral, os ideais são funções do superego. O conteúdo do superego refere-se a exigências sociais e culturais. Para compreender a constituição desta instância — o superego — é necessário introduzir a idéia de sentimento de culpa. Neste estado, o indivíduo sente-se culpado por alguma coisa errada que fez — o que parece óbvio — ou que não fez e desejou ter feito, alguma coisa considerada má pelo ego mas não, necessariamente, perigosa ou prejudicial; pode, pelo contrário, ter sido muito desejada. Por que, então, é considerada má? Porque alguém importante para ele, como o pai, por exemplo, pode puni-lo por isso. E a principal punição é a perda do amor e do cuidado desta 53

figura de autoridade. Portanto, por medo dessa perda, deve-se evitar fazer ou desejar fazer a coisa má; mas, o desejo continua e, por isso, existe a culpa. Uma mudança importante acontece quando esta autoridade externa é internalizada pelo indivíduo. Ninguém mais precisa lhe dizer “não”. É como se ele “ouvisse” esta proibição dentro de si. Agora, não importa mais a ação para sentir-se culpado: o pensamento, o desejo de fazer algo mau se encarregam disso. E não há como esconder de si mesmo esse desejo pelo proibido. Com isso, o mal-estar instala-se definitivamente no interior do indivíduo. A função de autoridade sobre o indivíduo será realizada permanentemente pelo superego. É importante lembrar aqui que, para a Psicanálise, o sentimento de culpa origina-se na passagem pelo Complexo de Édipo. (BOCK et al., 2008, p.52).

O superego é, dessa forma, “a moralidade, as regras, sua função é inibir a satisfação do id” (LOPES, 2016c), embora não se restrinja exclusivamente a essa função. Dessa forma, o Superego busca impedir as emanações do Id, enquanto “influencia o Ego de forma a castigá-lo por se influenciar pelo Id provocando os sentimentos de culpa e recompensá-lo quando é influenciado por atitudes aceitáveis”. (DANTAS, 2016b). O superego moraliza o ego para censurar o id. Ao ego, dentre seus conflitos, cabe a mediação, a tomada de decisões e a liberação do pensamento. A influência do id e do superego no ego manifesta traços compositores de personalidade, que merecem relevância: O Ego quando influenciado pelo Id torna um indivíduo agressivo, dependente, escandaloso, histérico, impaciente, mal-humorado, rebelde, falso, egoísta, etc. Enquanto que quando influenciado pelo Superego torna o mesmo crítico, acusador, exigente, preconceituoso, prepotente, autoritário, invalidador de idéias, etc. mostrando que os elementos da estrutura mental são interdependentes não podendo ser considerados isoladamente. Nesse processo o Ego atua para obter influências do Id e do Superego de forma com que a influência seja racional. (DANTAS, 2016b).

Dessa maneira, o aparelho psíquico, enquanto um sistema fechado, busca o equilíbrio essencial para a estrutura da realidade do indivíduo e para a estruturação social. A estrutura da realidade do indivíduo pode ser deformada. Aos dispositivos de deformação dessa realidade, denominamos mecanismos de defesa. Tais mecanismos são processos inconscientes, realizados pelo ego. Com o desígnio de minimizar manifestações que ponham a integridade do ego em situação de perigo, risco ou ameaça, os mecanismos de defesa são 54

ações dispositivas de conservação do aparelho psíquico, quando o indivíduo não consiga lidar conscientemente com contingências adversas. É relevante considerar que os mecanismos de defesa ocorrem de acordo com a percepção subjetiva experiencial e nada têm de objetividade em seus objetos. Tal percepção, causadora de desprazer não absorvido pelo ego, pode provocar uma deformidade ou uma supressão da realidade. Bock (et al., 2008, p.52) assevera que “para Freud defesa é a operação pela qual o ego exclui da consciência os conteúdos indesejáveis, protegendo, desta forma, o aparelho psíquico”. São denominados mecanismos de defesa, pois têm por função defender o ego. Dentre os mecanismos de defesa, temos como mecanismos o recalque, a formação reativa, a regressão, a projeção, a racionalização, a denegação, a identificação, o isolamento, a anulação retroativa, a fantasia e a sublimação. Debruçaremo-nos somente nos mecanismos de defesa mais suscetíveis à influência da exposição midiática formativa continuada. O recalque, para Freud, conceitua-se como um processo de manutenção no inconsciente “de todas as idéias e representações ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do funcionamento psicológico do indivíduo, transformando-se em fonte de desprazer”. (ROUDINESCO et al., 1998, p. 647). [No recalque,] o indivíduo “não vê”, “não ouve” o que ocorre. Existe a supressão de uma parte da realidade. Este aspecto que não é percebido pelo indivíduo faz parte de um todo e, ao ficar invisível, altera, deforma o sentido do todo. (...) Um exemplo é quando entendemos uma proibição como permissão porque não “ouvimos” o “não”. O recalque, ao suprimir a percepção do que está acontecendo, é o mais radical dos mecanismos de defesa. Os demais referem-se a deformações da realidade. (BOCK et al., 2008, p.53).

A formação reativa incide no cultivo de uma atitude oposta aos desejos verdadeiros, porém indesejados. A ameaça por um impulso opressor pode, em função de combatê-lo, gerar um movimento oposto, externado ostensivamente ao público. "Esse mecanismo substitui comportamentos e sentimentos que são diametralmente opostos ao desejo real. Trata-se de uma inversão clara e, em geral, inconsciente do verdadeiro desejo". (VOLPI, 2008, p. 4). Formação reativa: o ego procura afastar o desejo que vai em determinada direção, e, para isto, o indivíduo adota uma atitude 55

oposta a este desejo. Um bom exemplo são as atitudes exageradas — ternura excessiva, superproteção — que escondem o seu oposto, no caso, um desejo agressivo intenso. Aquilo que aparece (a atitude) visa esconder do próprio indivíduo suas verdadeiras motivações (o desejo), para preservá-lo de uma descoberta acerca de si mesmo que poderia ser bastante dolorosa. (BOCK et al., 2008, p.53).

A regressão consiste num retorno a comportamentos atípicos do estágio de seu desenvolvimento atual, remetendo a um retrocesso desenvolvimental. Na regressão, “o indivíduo retorna a etapas anteriores de seu desenvolvimento; é uma passagem para modos de expressão mais primitivos”. (BOCK et al., 2008, p.53). Regressão é um retorno a um nível de desenvolvimento anterior ou a um modo de expressão mais simples ou mais infantil. É um modo de aliviar a ansiedade escapando do pensamento realístico para comportamentos que, em anos anteriores, reduziram a ansiedade. Algumas pessoas quando se sentem inseguras, agarram-se a seu cobertor tal como faziam quando bebês. É um modo de defesa bastante primitivo e, embora reduza a tensão, frequentemente deixa sem solução a fonte de ansiedade original. (VOLPI, 2008, p. 2-3).

A projeção consiste em conferir a terceiros tendências, pensamentos e ideias e que não se admite como próprias. “O ato de atribuir a uma outra pessoa, animal ou objeto as qualidades, sentimentos ou intenções que a pessoa recusa em reconhecer em si próprio, como sendo seu e portanto, atribui (projeta) ao outro”. (VOLPI, 2008, p. 1). A projeção é, portanto, “uma confluência de distorções do mundo externo e interno. O indivíduo localiza (projeta) algo de si no mundo externo e não percebe aquilo que foi projetado como algo seu que considera indesejável”. (BOCK et al., 2008, p.53). Para Volpi (2008, p. 1), trata-se de “mecanismo de defesa através do qual os aspectos da personalidade de um indivíduo são deslocados de dentro deste para o meio externo” e pondera que “dizer que ‘todos os homens e mulheres querem apenas sexo’, pode refletir sua própria projeção”. A racionalização é “o processo de achar motivos lógicos e racionais aceitáveis para pensamentos e ações inaceitáveis”. (VOLPI, 2008, p. 3-4). Em termos subjetivos, é a apresentação de uma “explicação que é logicamente consistente ou eticamente aceitável para uma atitude, ação, ideia ou sentimento que causa angústia” (VOLPI, 2008, p. 3-4), usada para justificar comportamentos avessos à censura do superego refletida no ego. 56

Racionalização: o indivíduo constrói uma argumentação intelectualmente convincente e aceitável, que justifica os estados “deformados” da consciência. Isto é, uma defesa que justifica as outras. Portanto, na racionalização, o ego coloca a razão a serviço do irracional e utiliza para isto o material fornecido pela cultura, ou mesmo pelo saber científico. Dois exemplos: o pudor excessivo (formação reativa), justificado com argumentos morais; e as justificativas ideológicas para os impulsos destrutivos que eclodem na guerra, no preconceito e na defesa da pena de morte. (BOCK et al., 2008, p.53).

A denegação, segundo Roudinesco (et al., 1998, p. 145), é um "mecanismo de defesa através do qual o sujeito exprime negativamente um desejo ou uma ideia cuja presença ou existência ele recalca". Trata-se de uma maneira de se “tomar conhecimento daquilo que recalca em seu inconsciente. Através desse meio, portanto, o pensamento se liberta, por uma lógica da negatividade, das limitações que lhe são impostas pelo recalque”. (ROUDINESCO et al., 1998, p. 145). A identificação, ou identificação projetiva, é o mecanismo pelo qual um sujeito adota uma característica de outro. Uma das manifestações mais usuais desse mecanismo de defesa é a identificação com o agressor. Identificação é a capacidade de ocupar lugares e posições psíquicas diferentes. Primeiro há uma identificação para depois se formar uma Identidade, que seria encontrar um eu, livre de ligação com qualquer objeto. O sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro. Em outras palavras, o indivíduo se identificado com o outro (pessoa ou objeto), cria internamente uma imagem ou fantasia e projeta isso para fora de si identificando-se com essa fantasia, construindo uma outra realidade psíquica. (VOLPI, 2008, p. 2).

O isolamento é o “distanciamento de uma pessoa ou objeto que causa desconforto por algum motivo ou isolar um comportamento ou pensamento interrompendo qualquer ligação”. (VOLPI, 2008, p. 2). Não raramente, possui forte vínculo com a anulação retroativa. A anulação retroativa é um mecanismo de defesa que busca apagar um acontecimento, pela execução de outro. Trata-se de um mecanismo de defesa no qual "uma ação é cancelada por uma segunda, de modo que é como se nenhuma ação tivesse ocorrido, ao passo que, na realidade, ambas ocorreram”. (FREUD, 2006, p. 120). Na fantasia, “o indivíduo concebe em sua mente uma situação que satisfaz uma necessidade ou desejo, que na vida real não pode por algum 57

motivo ser satisfeito”. (VOLPI, 2008, p. 4). Roudinesco (et al., 1998, p. 223) expõe que a fantasia, para Freud, “designa a vida imaginária do sujeito e a maneira como este representa para si mesmo sua história ou a história de suas origens”. A sublimação é um deslocamento, uma substituição de objeto de recalque ou de desejo irrealizável. É a realização do desejo em um desejo artificial. Na impossibilidade de realização de um desejo, encontra um substituto aceitável por meio do qual pode se contentar. É uma forma de deslocamento e um recalque bem-sucedido. A frustração de um relacionamento afetivo e sexual mal resolvido, por exemplo, é sublimado na paixão pela leitura ou pela arte. O chupar o dedo ou a chupeta para o bebê o faz se sentir como se estivesse mamando no seio da mãe. (VOLPI, 2008, p. 4-5).

Os mecanismos de defesa do ego acabam por, de alguma maneira, deformar a realidade. Defendem, assim, o aparelho psíquico, em especial, o ego, de adversidades, ameaças e perigos reais ou não. Embora não sejam patológicos, em si, tais mecanismos de defesa podem acabar, convertendo-se em patologias, se combinados, acentuados ou vivenciados concomitantemente por longo tempo. Dentre as patologias mais comuns na psicanálise, destacamos as neuroses, termo “empregado para designar uma doença nervosa cujos sintomas simbolizam um conflito psíquico recalcado, de origem infantil” (ROUDINESCO et al., 1998, p. 535), que “surge como o resultado de um conflito intrapsíquico” (ROUDINESCO et al., 1998, p. 622); as psicoses, definidas como “a reconstrução de uma realidade alucinatória na qual o sujeito fica unicamente voltado para si mesmo, numa situação sexual auto-erótica: toma literalmente o próprio corpo como objeto de amor” (ROUDINESCO et al., 1998, p. 622) e as perversões, que se apresentam como um “desvio sexual em relação a uma norma” (ROUDINESCO et al., 1998, p. 584), derivado de “uma renegação da castração.” (ROUDINESCO et al., 1998, p. 622). Tendo em vista a estratificação dos níveis de consciência, a estruturação do aparelho psíquico e seus mecanismos de defesa, torna-se imperiosa a análise crítica acerca das suas interações com a mídia televisiva, levando em 58

consideração a exposição apresentada anteriormente neste trabalho do homem pós-moderno à televisão e à sua ideologia.

3.2) TELEVISÃO: ALÉM DAS FRONTEIRAS DO PRÉ-CONSCIENTE

Até o presente momento analisamos as estruturas do comportamento na compreensão behaviorista, a composição da atitude na concepção junguiana, a sexualidade na visão psicanalítica, com as respectivas gradações do desenvolvimento psicossexual, os condicionamentos e suas estruturas na caixa de Skinner, os mecanismos semânticos e ideológicos da televisão, os níveis psicanalíticos de consciência, a estrutura da personalidade e os seus mecanismos de defesa. Dessa forma, imputamo-nos a capacidade de análise crítica acerca da influência da ideologia midiático-televisiva que, pela exposição continuada e exacerbada em todas as fases da vida do sujeito pós-moderno, permeia e condiciona suas entranhas psíquicas, retumbando do comportamento ao inconsciente. A partir de agora, faremos uma breve análise sócio-psicológica da televisão e de seus mecanismos maquiavélicos. Para Ramos (2009, p.166), a televisão “ascendeu à categoria divina ao assumir sobre si atributos que antes eram reservados a Deus: onipresença, onisciência e onipotência”. Trata-se de uma comparação extremamente relevante, uma vez que, relativizando a religião, o poder de Deus vem da comunidade que lhe imputa. “Sua onipotência se constata pela força irresistível com que age sobre seus telespectadores, transformando-os todos, sem exceção, em consumidores ávidos e contumazes”. (RAMOS, 2009, p.166). Quanto ao seu conteúdo, deve ter “um caráter simplista e simplificador (i.e., de fácil assimilação), superficial, emotivo, apoiado no princípio da transferência de valores, do fascínio das estrelas, e do narcisismo, entre outros”. (RAMOS, 2009, p.167). Tal caráter simplista e simplificador é exemplificado por Leal Filho (2006), quando, em visita aos bastidores do Jornal 59

Nacional, da Rede Globo de Televisão, conheceu o perfil do público alvo daquele programa: Depois de um simpático “bom-dia”, Bonner informa sobre uma pesquisa realizada pela Globo que identificou o perfil do telespectador médio do Jornal Nacional. Constatou-se que ele tem muita dificuldade para entender notícias complexas e pouca familiaridade com siglas como BNDES, por exemplo. Na redação, foi apelidado de Homer Simpson. Trata-se do simpático, mas obtuso personagem dos Simpsons, uma das séries estadunidenses de maior sucesso na televisão em todo o mundo. Pai da família Simpson, Homer adora ficar no sofá, comendo rosquinhas e bebendo cerveja. É preguiçoso e tem o raciocínio lento. (LEAL FILHO, 2006, p. 178-179).

Assim, ratificando a referência aos fatos-omnibus (BOURDIEU, 1997, p. 23), também os fait divers são notícias irrelevantes, que se referem a “dramas, alegrias, aventuras, escândalos de famosos, acidentes, crimes terríveis, acontecimentos misteriosos, fraquezas, falhas, perversões, fatos inusitados, engraçados, extravagantes, curiosos e assustadores” (FELICE, 2009, p. 4), que trazem o espetáculo à rotina, saturando e criando dependência, como uma droga. Dessa forma, descartamos qualquer viés de edificação crítico-cognitiva por parte da ideologia televisiva. A televisão, em seu “caminho psicológico” acabou por descobrir, aliada à publicidade, que “o que realmente move as pessoas é a emoção, a sensação e o inconsciente, derrubando o mito da consciência e da razão”. (RAMOS, 2009, p.168). Tal descoberta é perigosa, uma vez que abre portas para uma utilização acadêmica inescrupulosa de recursos acadêmicos psicológicos para finalidades ideológico-capitalistas. Ramos (2009, p.168), estabelece um paralelo entre a argumentação aristotélica e o discurso televisivo, estruturando o seu caráter persuasivo: Voltando a Aristóteles, os argumentos são de dois tipos: os lógicos (que visam a demonstrar) e os psicológicos (que visam a convencer). Os argumentos psicológicos, que visam a comover e a emocionar – chamados argumentos sensibilizadores –, por sua vez, podem ser classificados em argumentos éticos e patéticos. Por um lado, os argumentos éticos estão centrados na figura do emissor e podem ser agrupados em três grandes classes de conteúdos: bom senso; bom caráter; boas intenções – visando a estabelecer uma vinculação afetiva entre o orador e o receptor. Por outro lado, os argumentos patéticos consistem em apelos emocionais visando atingir o receptor em seus sentimentos, princípios e crenças. Estes argumentos podem ser agrupados em duas grandes tríades persuasivas: Deus / pátria / família e jogo / violência / sexo. (RAMOS, 2009, p. 168-169).

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Apesar de dualistas e antagônicas, tais tríades dialogam sem resistência, numa polifonia e num dialogismo que são exemplos de idealização conceitual. A televisão representa o próprio bom senso, direciona o caráter e, somente em seu discurso, está sempre com intenções nobres e preocupada com seus telespectadores, dessa forma, estabelece um vínculo afetivo com o público, sobre o qual se fundamentarão suas entrâncias psicológicas e seus direcionamentos sociais. Um dos mais importantes vieses das tríades argumentativas do sedutor discurso midiático é o sexo, ou a sexualidade, sempre, obviamente, seguindo seus preceitos capitalistas e mercadológicos nas estruturas de poder, exercendo fascínio e recato, simultaneamente. O erotismo sempre foi considerado outra garantia de sucesso nas bilheterias dos cinemas e nas páginas impressas. E por que seria diferente na religião midiática? Estrelas e astros carismáticos são a versão religiosa dos símbolos sexuais seculares que, com suas vozes sedutoras e imagens cuidadosamente produzidas, levam a audiência ao êxtase, ao clímax de uma relação espiritual muito corpórea (choro, arrepios, estremecimentos, interjeições e gritos de prazer (...). (RAMOS, 2009, p.169).

A linguagem “específica da televisão na sua fase pós-moderna, (...) pretende manter o telespectador fixo, já que com o controle remoto a volatilidade é grande”. (FELICE, 2009, p. 4) De tão complexa, a televisão disponibiliza um mecanismo que, embora infantilizador, se configura como uma espécie de mecanismo de defesa, distorcendo a lâmina de realidade para a qual voltamos nossos poros psíquicos: o controle remoto. Um dispositivo de volatilidade, adaptado às modulações infantilóides de uma personalidade inflada na sua necessidade de satisfação imediata de desejos. Assim, “caso a programação se torne demasiado entediante, é só dar um click no controle remoto e mudar de Deus” (RAMOS, 2009, p.170), sem precisar mudar de mundo, obviamente. A televisão atua na formação psíquica, permeia a mente e reflete nos comportamentos condicionados, mas também conduz o “processo de construção da realidade de forma incisiva, já que os símbolos que ela transmite são produzidos por ela e reproduzidos a partir da sociedade, em um processo de retro-alimentação”. (FELICE, 2009, p. 2). 61

A mídia confunde, destrói antagonismos sem desfazê-los, pois os realiza através de processos afetivos e psicológicos de base. É o alicerce da sociedade pós-moderna. A televisão, segundo Felice (2009, p. 2). “mistura o ficcional e o real, firma estereótipos e dita regras e comportamentos por meio do merchandising. Esse meio de comunicação possui grande e rápido alcance na população”. Barata (2006) expõe que os recortes midiáticos acabam por estabelecer o que socialmente será reconhecido, celebrado como a expressão da realidade. Felice (2009, p. 2-3) reconhece que a televisão simula o mundo real, fabricando-o: “não há mais verdade e todos estamos conscientes de que a televisão é o próprio espetáculo, a fábrica de sonhos, a realidade. É a auto- referencialidade da TV: tudo passa por ela; a vida, através da janela denominada ‘televisão’”. Ainda quanto à realidade, “a televisão capta um aspecto do real, transforma-o segundo seus critérios e devolve ao público um novo e bem elaborado produto”. (LEAL FILHO, 2006, p. 50). Isso justifica que “o que de fato move as pessoas, dá sentindo aos seus destinos e influencia na tomada de decisão, é a televisão, que acaba por reforçar o mundo imaginário das pessoas”. (FELICE, 2009, p. 4). A realidade é, dessa forma tecida pela televisão, que acaba por se configurar numa Matrix11, assim, “substitui-se a complexidade da realidade por uma imagem que representa o real e, assim, o espetáculo passa a dominar e controlar a realidade”. (FELICE, 2009, p. 5). Uma vez que a televisão molda a realidade e molda o próprio sujeito, podemos inferir que, por absorção e simbiose, existe apenas uma ideologia que gira em torno da temática narcisística. O narcisismo, segundo Roudinesco (et al., 1998, p. 530) “consiste em se tomar a própria pessoa como objeto sexual”. Em relação ao sujeito, o narcisista pode amar o que ela é, o que ela foi, o que gostaria de ser ou o que foi uma vez parte dela. (...) O “gostaria de ser” está relacionado ao ideal de ego, ou seja, o que o indivíduo projeta como ideal é o

11 MATRIX. Autores: Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Joe Pantoliano. Direção e roteiro: Andy Wachowski, Larry Wachowski. Produção: Joel Silver. Distribuidora: Warner Bros. Duração: 136 minutos. Legendado, português. EUA, 1999. 62

substituto do narcisismo perdido na infância na qual ele era o seu próprio ideal. Surge aí o mecanismo do superego, que vigia o ego real e o mede pelo ideal: quanto mais longe do ideal do ego, mais nos criticamos. Pode-se dizer que o superego equivale a uma consciência, que nos observa e critica, para assegurar que iremos alcançar o nosso ideal de ego e nos satisfazer narcisicamente. (FELICE, 2009, p. 5).

Tal questão gira em torno de como realizar essa satisfação, uma vez que o narcisismo plástico imputado pela mídia acaba por artificializar o superego, pareando seus estímulos inconscientes primários com neutros (de ideologia corrompida) e gerando respostas censoras, mas ligadas à satisfação do prazer narcisístico. Em se tratando de narcisismo, torna-se imperioso levar em consideração o conceito de auto-estima, uma vez que, além de tender à maximização com a satisfação da libido narcisista, reflete parte da magnitude do ego, ao mesmo tempo em que é tema em voga em programas de variedades, especialmente para os direcionados às mulheres. A auto-estima é composta por uma mistura de três fatores: o narcisismo infantil (anterior, primitivo), a realização do ideal de ego e a satisfação da libido objetal. O ideal do ego substitui o ego ideal quando o indivíduo cresce e se dá conta de que não é provido de toda perfeição de valor. O ideal do ego é criado pelos pais, pela escola, opinião pública e por pessoas ao redor do indivíduo, sendo moldado por limites e normas sócio-culturais. Para que uma pessoa alcance seu ideal do ego, entra em ação o superego. (FELICE, 2009, p. 6-7).

O alcance do ideal do ego, fomentado pela mídia, conta com a atuação de um id e de um superego forjados e condicionados pela própria exposição midiática. Antes de abordarmos a artificialização dos mecanismos psíquicos do sujeito, faz-se relevante considerar brevemente a incoerência da estruturação social que já começa a trazer o sujeito psicologicamente midiatizado para suas raízes. Felice (2009, p. 11) analisa que esse novo contexto social é “descontínuo em seus aspectos, existem diferenças e antagonismos que produzem diversas identidades, que são contraditórias, se cruzam e deslocam mutuamente, tanto na sociedade, como no sujeito”. Quanto ao sujeito, Rees (1989) defende que a publicidade desenvolve uma insatisfação tanto com sua a própria vida, quanto com o que possui, 63

apresentando saídas, recursos e soluções – de origem consumista – para que se alcance o padrão social que ela constrói. Fazendo uma redução paralela do macrossocial para o social de gênero, Felice (2009) disserta sobre a sedução que modela o superego de telespectadoras: Com o aumento da insegurança nas mulheres, elas passam a se policiar, inconscientemente, para que correspondam aos padrões sociais. E os próprios programas atuam como superegos das mulheres, já que trazem fórmulas prontas a serem seguidas e introduzem a culpa em seus discursos, traduzindo um cenário contemporâneo de transformações e incertezas, que causa desorientação e insegurança. Em Superpop, por exemplo, Luciana Gimenez anuncia seu produto de emagrecimento, dizendo que as mulheres poderão passar as festas de fim de ano sem peso na consciência. Observa-se, portanto, a manipulação pela sedução, pelo emocional, pelo agradável ao olhar, pela idealização e pelo castigo, já que há a possibilidade da vida perfeita e da felicidade, mas é preciso seguir os conselhos e estar dentro dos padrões. (FELICE, 2009, p. 13).

A televisão, ideologicamente, padroniza, artificializa identificação, modela comportamentos. Controla pela culpa, pelo senso e pela catarse do prazer. Contudo, sem coerção desvelada.

3.3) SUPERMÍDIA: DO ID SEDUZIDO AO SUPEREGO CORROMPIDO

Abordados determinados padrões influenciais da mídia em sua própria constituição e sua atuação no aparelho psíquico, assim analisados mecanismos psicanalíticos e behavioristas não conflitantes entre si, dedicar- nos-emos, a partir de agora à análise das interseções e introjeções da mídia na constituição e no funcionamento do aparelho psíquico. A partir deste momento valer-nos-emos da conceituação e dos ícones apresentados nesta pesquisa, dispensando qualquer análise conceitual de termos, aos quais já nos referimos, para nossa abordagem crítica. Temos em análise que o aparelho psíquico é formado concomitantemente à exposição subjetiva do indivíduo ao ambiente e que comportamentos, reflexos e operantes, antecedem conjecturas. 64

Do aprofundamento e afrouxamento do inconsciente à construção do superego, na sociedade atual, temos o indivíduo exposto a processos comportamentais (LOPES, 2008) estimulados pela mídia, que, desde sua constituição fisiológica mais básica é estimulado a respostas sociais que artificializam, irreversivelmente, seus estados comportamentais, que constituirão desde o seu comportamento aos seus elementos inconscientes. O mecanismo psíquico, muito antes da estabilização do superego, após o complexo de castração no complexo de Édipo, por volta dos três anos de idade, é exposto continuamente à televisão, a programações infantis, na solidão, ou em programas adultos, acompanhado. "O ser superior, que se transformou no ideal do ego, outrora ameaçara de castração, e esse temor de castração é provavelmente o núcleo em torno do qual o medo subsequente da consciência se agrupou; é esse temor que persiste como medo da consciência" (FREUD, 1976a, p. 74).

O medo da consciência, originário do superego, é acompanhado, invariavelmente de elementos midiáticos, que influenciam no medo e na superação deste. Tais elementos ainda funcionam como um externo mecanismo de defesa, uma vez que desviam a atenção e distorcem a realidade, principalmente evidenciado pelo tempo médio de exposição do indivíduo à televisão, na fase anterior à criação do superego. O comportamento do aparelho psíquico prematuro, exposto, assim, a ideologias plástico-midiáticas ocorre em função de respostas reflexo-psíquicas a estímulos concomitantes ao desenvolvimento da linguagem. Simultaneamente ao seu condicionamento, a disposição de ação e reação da psique, ou seja, a atitude psíquica inconsciente, começa a ser plasticamente direcionada, principalmente com o auxílio do id, que recebe estímulos de prazer praticamente ininterruptos, viciando-se no deleite da repetição ideológico-televisiva permeada em desenhos animados e programas infantis que reforçam a sua ânsia pela busca do prazer, enquanto, concomitantemente, gera satisfação. A mídia é para o id o que o peito é para a boca. Desvia-se, dessa forma, a psique do caminho conceituado por Jung (1991, p.396), quando afirma que ter atitude é o mesmo que ter direção 65

apriorística para o determinado, quer ele seja representado ou não, já que a atitude a priori seria uma atitude “independente da experiência e das impressões dos sentidos”. (KANT, 1974, p. 3). A atitude delineadora do comportamento do aparelho psíquico começa a ser condicionada pelas respostas pulsionais do id a estímulos que trabalham por artificializa-lo, tornando-o doente e descreditando de qualquer referência a priori não plástica que pudesse apresentar, caso não tivesse sido exposto à mídia, sem qualquer mecanismo de defesa constituído. Dessa forma, chagamos à análise do desenvolvimento psicossexual quanto à exposição midiática. Se a essência da atividade humana é a sexualidade, “uma disposição psíquica universal” (ROUDINESCO et al., 1998, p. 704) e se o id é simbiótico à libido, podemos dizer que a infantilização e o cultivo do vício e do mimo no id, por parte da televisão, altera significativamente a disposição psíquica universal para atender interesses de controle, domínio e poder implícitos na ideologia televisiva. Como a essência da atividade humana vincula-se ao princípio de prazer e este é plastificado pela mídia, cria-se uma identificação com a ideologia televisiva, que tem por objetivo proporcionar prazer e evitar o desprazer, sem entraves nem limites (como o lactente no seio da mãe, por exemplo)” (ROUDINESCO et al., 1998, p. 603), uma vez que o princípio da realidade é sabotado, como vimos anteriormente, pela mesma ideologia, impondo, assim, restrições necessárias não à realidade externa, mas à realidade virtualmente conduzida para o aprisionamento e para o controle visceral da vontade do indivíduo. Como, segundo Freud “a função sexual existe desde o princípio da vida, logo após o nascimento” (BOCK et al, 2008, p.50), podemos localizar temporalmente o condicionamento do aparelho psíquico muito antes do surgimento do superego, com a satisfação inveterada do id e da criação de dependência de realização de prazer vinculada a um estímulo secundário fornecido única e exclusivamente pela mídia e pelos seus desdobramentos sócio mercadológicos. 66

O desenvolvimento psicossexual, postulado por Freud, é permeado, em todas as suas instâncias pela exposição midiática do sujeito à mídia e, no estágio atual de desenvolvimento social, pela exposição midiática secundária de seus progenitores ou responsáveis já midiatizados, em se tratando do ano de 2016, com pais de bebês entre 20 e 40 anos, que atuam como um reforço à exposição primária. Durante a fase oral do desenvolvimento psicossexual do indivíduo, a mãe, já tendo seu aparelho psíquico condicionado e violentado pela mídia, começa a prover reforços positivos, favorecendo o condicionamento do filho, quando, por exemplo, cede ao apelo de propagandas e merchandising concernentes ao oferecimento e ao consumo de alimentos ricos em calorias, açúcares, carboidratos e sódio, muito sódio, aos seus filhos em idade de exclusivo aleitamento materno. Como a “primeira fonte de prazer corporal está na região oral e a amamentação, sem dúvida, deve ser uma fonte de expressivo prazer para o recém-nascido” (VITIELLO, 1993, p.49), ao ceder à sedução mercadológico midiática de suplementos sintéticos desnecessários, carregados de ideologias correlatas a um futuro promissor e à boa saúde do bebê, (ainda que a própria mídia exponha o contrário, numa perfeita dissimulação sofistica de dialogismo e polifonia discursal), a mãe literalmente “enfia goela abaixo” em seu filho os primeiros estímulos condicionantes aos quais não percebe que coadunam com suas respostas condicionadas. O id encontra, no plástico das doces mamadeiras e no metal dos talheres a sua primeira plastificação artificial, que deveria realizar-se no seio materno. A essa violência psíquica e a esse pareamento viciante gustativo, sua sexualidade amolda-se. Estímulos não percebidos, como a música da propaganda, as cores dos rótulos, as medidas baseadas em dietas alienadas, se misturam com a averbação da mãe, que sorri, afaga e carrega de afeto esse ato vinculado de artificialização do id e vinculação ideológica inconsciente anterior até mesmo à linguagem. 67

A fase anal do desenvolvimento psicossexual torna-se se vital importância analítica. É nessa fase que a criança desloca sua zona de erotização para o ânus e, concomitantemente, inicia-se o controle do ambiente. A repressão que os pais visceralmente midiatizados fazem, seja pelo nojo e desagrado, seja pelo incentivo exacerbado à defecação, acaba por potencializar, mais adiante, na criança, a relação entre ânus e sexo, por eles introjetada na ideologia televisiva.

Propagandas como as de cerveja, ou as de lingerie, que de cerca de duas gerações até os dias atuais, não teriam o mesmo efeito, não fosse a veneração inexplicada pela região glútea, em especial, a feminina. A repressão às fezes, na fase anal, pelo nojo e pelo desagrado, desabrocha na adolescência como contra-identidade dos pais, na busca pelo sexo anal – seja pela sua prática real ou pela sua realização catártica em filmes pornográficos – e pelas suas vertentes midiáticas, como o consumo de produtos artificialmente vinculados às nádegas, como a cerveja, por exemplo. Já o incentivo exacerbado à defecação, assim como os elogios entusiasmados às fezes, configura-se como uma formação reativa, mecanismo de defesa dos pais, que acaba por desencadear o mesmo efeito da repressão, como contra-identidade. Para o resto da vida, o sujeito, seja homem ou mulher, verá no ânus um ímã, que fortalecerá a indústria pornográfica – vivente nos meios digitais e relacionada a um comportamento operante – e que será mola propulsora para o consumo, escravizando-o ainda mais à mídia televisiva, que, por meio de suas insinuações eróticas, alimentará o prazer do id com imagens sedutoras, e não explicitas, que psiquicamente coagirão a mente a completar o significado erótico com o conteúdo pornográfico, tornando a eroticidade midiática (televisão) um meio cada vez mais quente, enquanto o pornográfico (internet) se esfriará. Inicia-se, pois, um vínculo psíquico ainda mais amalgamado com a ideologia televisiva, sem o qual não seria a mídia o poder que é. 68

Estamos falando do reflexo midiático ideológico da exposição à televisão e a pais midiatizados da fase anal na adolescência, ou seja, no momento da genitalização da sexualidade, logo após a fase de latência. A ideologia televisiva de poder, na fase fálica, é ainda mais maquiavélica. Nessa fase, em que a zona de erotização é o órgão sexual e que a curiosidade sexual se manifesta amplamente, a exposição continuada à ideologia televisiva substitui o ambiente real pelo ideológico, e o objetivo da criança em conhecer o ambiente é artificializado por conhecer o ambiente plastificado pela televisão. O corpo do outro torna-se tão real quanto virtual e, entre desenhos animados, apresentadoras sensuais, e conteúdo adulto em horário discrepante, seu conhecimento se volta não para um outro físico, mas para um outro ideológico, com o qual cria suas identificações e analisa suas diferenças. As respostas não são mais “dadas pelos adultos que a rodeiam” (BOCK et al., 2008, p. 197). São colocadas antes mesmos das perguntas, disponíveis à sua satisfação. As perguntas, agora ideológico-midiáticas, invertem-se de papel e são estimuladas por respostas já recebidas. A satisfação é garantida, pois, dessa forma, não há perguntas sem respostas. O diálogo tende ao silêncio e a desintegração interacional. Começa a vida escolar das crianças, ainda na fase fálica, onde as diferenças anatômicas, pela interferência direta e indireta da mídia, são menos veementes que a curiosidade pelas nádegas dos colegas, resultado da fase anterior. O que deveria ser uma fase de diferenciação, anuncia-se como uma etapa de identificação supra-genérica. O relacionamento interpessoal entre as crianças gira em torno da reificação da ideologia televisiva, permeando, retro-permeando e introjetando, cada vez mais os sistemas de ideias plásticos. A curiosidade pelo corpo da mãe e do pai é canalizada para atores televisivos, com ideais estereotipados, que penetram no imaginário infantil uma idealização irrealizável que norteará seu comportamento psíquico e humano por toda a sua existência, fortalecendo a indústria pornográfica, criando encanto e identidade com as produções erotizadas, coadunando com os ideais 69

de consumo, e metamorfoseando-se em um consumidor subserviente e submisso das estruturas de poder e coação dos ideais televisivos. Os jogos sexuais, naturais da fase fálica, reprimidos no campo interacional, são deslocados para a televisão, cuja ideologia se estabelece em tais jogos travestidos, realizados no campo psicológico. Na televisão, tudo se realiza. Mais uma vez, o id é mimado, instigado, inflado. A satisfação é plena. Não necessita de desculpa ou esquiva: é virtual. Os pais midiatizados perdoam, estimulam, incentivam tal deslocamento, por não terem qualquer modo de percepção diferente da ideologicamente proposta pela televisão. Com id fortalecido, condicionado, dependente e já doente ocorre, no final da fase fálica, o Complexo de Édipo, que vem tendo, a cada geração, seus efeitos mais e mais artificializados. Do Complexo de Édipo e do seqüente Complexo de Castração estrutura-se o superego. Freud não previu que a mídia fosse participar tão ativamente desses complexos. Tendo a ideologia televisiva como personificação do prazer que adoenta o id, constitui-se a televisão a mesma fonte, contraditoriamente, de autoridade censora que temos na raiz do mesmo sistema de ideias. O superego surge não como um sensor, mas como um irmão caçula, da mesma mãe, mas de pais diferentes, com o qual o id mantém uma relação infantil- primogenital. Assim, o id conduz o superego, seu futuro “censor”, pelos caminhos do desenvolvimento do aparelho psíquico, condicionando-o, com a mesma ideologia, para que o superego, mais adiante, possa desenvolver uma meta- identificação projetiva, um meta-mecanismo de defesa onde se identificará com seu algoz, o primogênito agressor condicionante: o id. Nesse momento, o processo se torna irreversível. A ideologia midiático- televisiva interpenetrou as estruturas inconscientes do aparelho psíquico em formação e desenvolvimento, enquanto as relações estruturais familiares, que deveriam ter passado por tensões e relaxamentos naturais não ocorreram e seus laços permanecerão frouxos, enfraquecendo a instituição família, que só 70

estabelecerá vínculos em torno da reificação da ideologia que constituiu suas personalidades. Ainda no desenvolvimento psicossexual, a criança midiático- psiquicamente constituída adentra a fase de latência, onde ocorre uma diminuição das atividades sexuais manifestas. Poderia ser um momento de trégua da introjeção discursal da ideologia televisiva na sexualidade, mas não é. É nesse momento, em que a criança se volta “para o mundo externo, como escola, jogos, amizades e outras atividades, fora do ambiente familiar, passando a buscar novos ídolos e heróis, fora de casa” (D’ANDREA, 2001), que a identidade sexual se fortalece. Longe das histórias em quadrinhos, do clube do bolinha ou do clube da luluzinha, o indivíduo encontra na própria televisão seus grupos identitários. A mesma programação bigênere é que define as identidades sexuais. Tais identidades são formadas concomitantemente à aprendizagem de valores e da cultura. É aí que a ideologia televisiva encontra um espaço definitivo da formação do sujeito, ostensivamente perceptível socialmente. Tudo quanto se relaciona com a cultura e com os sistemas de valores sociais é moldado pelo discurso televisivo, meticulosamente preciso, entre desenhos animados, telejornais, novelas da tarde, programas de variedades e toda sorte de materiais psiquicamente palatáveis que satisfazem a necessidade intelectual, mas que velam a toxina da dependência que constitui mais um grilhão mental de referência do que um espaço para a cognição mental. A natureza psíquica que direciona a mente para a aprendizagem dos temas do mundo é aproveitada de maneira mercadológica. É nesse momento que o indivíduo ganha voz e aprende agonia do desejo identitário. Os pais são postos como tiranos, pois é chegado o momento em que o id não consegue se realizar somente na sexualidade ideológico-televisiva. Agora é necessário consumir. Parear no exo-mental todo o excesso do id inflado desde a fase oral. A identificação se concretiza não pelo agrupamento físico, mas pelo ideológico, com realização plena no consumo. A propaganda passa a ser uma 71

atividade de cunho nazista, selecionando para a “raça superior” aquele que puder realizar as infantis exigências do seu id artificializado no objetivo do prazer de ter. Assim os grupos se formam e segue a identificação. O superego atua como censor, mas coaduna com o id. Contraditório e dualista, assim como a ideologia genética que os desenvolveram. Isso ocorre quando ambos convergem para o mesmo ponto a realização do ego ideal e da realização plena de prazer. A tirania dos pais é acentuada com a incapacidade financeira de realização do id e do superego a nível concreto, já que, embora midiatizados, continuam a ser explorados e tendo roubada a sua mais valia. (MARX & ENGELS, 1998). Enquanto transformam-se em consumidor compulsivo e definitivo, o sujeito, cujo interesse sexual diminui, é bombardeado em latência pela mídia: programas infanto-juvenis e direcionados à adolescência tratam de temas de uma fase posterior, forçando o contato com uma temática que não é natural dessa fase. Aliado a ideologias de desenhos animados, onde os heróis possuem um biotipo sexualizado estereotipado, com homens musculosos e mulheres magras e absolutamente sensuais, como os personagens de desenhos de sucesso como “Liga da Justiça Sem Limites” etc., além de personagens, normalmente femininos, como Jéssica Rabbit, do filme "Uma cilada pra Roger Rabbit"; Holli Would e Lonette, do filme "Mundo proibido"; Lola Bunny, do filme "Space Jam"; Ariel, de "A pequena sereia"; She-ra, do desenho animado "She- ra"; Bulma, da série de desenho animado "Dragon Ball"; Jasmine, do desenho animado "Aladdin"; Ranma, do desenho animado "Ranma 1/2", que não é uma mulher, mas se transforma em uma quando toma um banho de água fria; Mulher Maravilha, do desenho animado "Liga da Justiça"; Fênix, Psilocke e Emma Frost, do desenho animado "X-men"; Gata Negra ou Felícia Hardy, dos quadrinhos "Homem-Aranha"; Viúva Negra, dos quadrinhos "Os Vingadores"; Mulher-Gato, BatGirl, Hera Venenosa e Arlequina, da série "Batman"; Selênia, do filme “Arthur e os minimoys” Miss Marvel e Elektra, da Marvel Comics, 72

SuperGirl, da série "Superman"; Betty Boop, do desenho animado "Betty Boop" etc. Entre os animes, gênero de desenho animado produzido no Japão e altamente consumido no Brasil, podemos destacar a sensualidade à flor da pele de algumas poucas personagens – em regra, femininas –, em seus respectivos títulos: Mirajane, Erza Scarlet e Lucy Heartfilia, em ; Chizuru Minamoto, em Kanokon; Kan'u Unchou e Shimei Ryomou, em Ikkitousen; Tiffania Westwood, em Zero no Tsukaima: Princess no Rondo; Nico Robin, Boa Hancock e Nami, em One Piece; Lala Satalin Deviluke, em To Love Ru; Rei Ayanami, em Neon Genesis Evangelion; Sonsaku Hakufu, em Ikkitousen; Eris, em Asobi ni iku yo; Kanbaru Suruga, em Bakemonogatari & Nisemonogatari; Moka Akashiya, em Rosario + Vampire; Blair, em Soul Eater; Melona, em Queen’s Blade; Rangiku Orihime, Shihouin e Neliel tu Oderschvank, em Bleach; Miyamoto Rei e Marikawa Shizuka, em Highschool of the Dead; Maya Natsume, em Tenjou Tenge; Kyou Fujibayashi, em Clannad; Saeko Busujima, em Highschool of the Dead; Charlotte Hazelrink, em Princess Lover; Yoko Littner, em Tengen Toppa Gurren Lagann; Yuzuriha Inori, em Guilty Crown; Rias Gremory, em High School DxD; Neko , em K-Project etc. Dentre os jogos eletrônicos, produtos aos quais muitos desenhos animados e programas infantis de televisão fazem referência, extremamente populares em consumo na fase de latência, para ambos os gêneros, destacamos algumas das personagens mais erotizadas desenvolvidas para o público infanto-juvenil: Black Orchid (Killer Instinct); Rebecca Chambers (Resident Evil); Asuka Kasama (Tekken); Jody Summer (F-Zero); Farah (Prince of Pérsia); Miss Spencer (Rumble Roses); (Dead or Alive); Dixie Clements (Rumble Roses); (Dead or Alive); Rosa Joana Farrell (Final Fantasy); Leblanc (Final Fantasy); Sarah Bryant (); Shahdee (Prince of Persia); Vanille (Final Fantasy); Crimson Viper (); Paragon (Marvel Nemesis); Sonya Blade (Mortal Kombat); Rikku (Final Fantasy); Deusa Darkness (Shaiya); Zafina (Tekken); Excella Gionne (Resident Evil); Rayne (BloodRayne); Sophitia Alexandra (Soul Calibur); Tyris Flare (Golden Axe); Kitana (Mortal Kombat); Lili Rockefort (Tekken); Felícia 73

(Darkstalkers); Bonne Jenet (The King of Fighters); ( Sigma); Bayonetta (Bayonetta); Blaze (Streets of Rage); Candy Suxxx (GTA Vice City); Setsuka (Soul Calibur); Maris Brood (Star Wars: The Force Unsleashed); Jeane (Suikoden); Angel (The King of Fighters); Koyori (Sengoku Ace); Lien Neville (The King of Fighters); Casey Lynch (Guitar Hero); Reiko Hinomoto (Rumble Roses); Rainbow Mika (Street Fighter); Jade (Mortal Kombat); Taki (Soul Calibur); Yuna (Final Fantasy); Chun-li (Street Fighter); Morrigan Aensland (Darkstalkers); Ashe (Final Fantasy); Chiristie Monteiro (Tekken); Elexis Sinclaire (Sin Episodes); I-No (Guilty Gear); Nina Willians (Tekken); Cammy (Street Fighter); Kaileena (Prince of Persia); (Dead or Alive); Ayumi (X Blades); Ada Wong (Resident Evil); Ivy Valentine (Soul Calibur); Aya (OneChambara); (Dead or Alive); Lady (Devil May Cry); (The King of Fighters); e (Tomb Raider). As listagens de personagens erotizadas ou sensuais ao extremo são intermináveis. Ateremos-nos ao nosso pequeno recorte, visto que um aprofundamento em exemplos escaparia ao tema e ocuparia um espaço irrelevante em nossa pesquisa. O fortalecimento do ego da criança, para onde a energia psíquica deveria se canalizar, majorando a sua capacidade de lidar com impulsos futuros e de adaptá-la a novos ambientes ocorre de maneira plástica. A energia psíquica na latência sofre um desvio artificial pela televisão e pelas suas ramificações táteis. O id continua seduzido, sem trégua, enquanto o superego pareia seus recursos de censura com a mesma ideologia midiática. O ego, que teria um momento de relaxamento, posiciona-se em meio a uma guerra fria entre a natureza psíquica e a artificialização sexualizada, mantendo tanto seu id, quanto seu superego em processo de estimulação e pareamento, para efetivar o condicionamento que se originou na fase oral do desenvolvimento psicossexual. Ao final da fase de latência, depois de cerca de cinco anos de guerra fria psicológica, com o id inflado, hiperestimulado, e com um superego saturado, apático, indiferente, entediado, na fronteira do blasé, com o aparelho psíquico 74

cansado, condicionado, em desenvolvimento e indefeso, o sujeito pode, enfim, descarregar, parcialmente, suas frustrações sexuais catárticas em seu corpo físico, alcançando a fase genital, na puberdade. Na fase genital o objeto de erotização sai do corpo. Todo o conteúdo assimilado na latência, em forma de conteúdo psíquico, acentua-se no surgimento dos caracteres secundários. O sujeito começa a projetar em si a potencialidade de se atingir o ego ideal, estimulado pelo id e pelo superego, concomitantemente, uma vez que o prazer e o padrão se convergem intrapsiquicamente, espelhado no discurso ideológico da televisão. Assim, como “na adolescência, a identidade sexual que se constrói desde o nascimento adquire seu perfil como produto da história que o indivíduo viveu até ali” (BOCK et al., 2008, p. 198), temos um sujeito plenamente adaptado à ideologia sexo-consumista televisiva. A masturbação frenética surge como válvula de escape da energia sexual catártica acumulada e psiquicamente pressionada durante o período de latência. Nesse momento, o orgasmo assume uma função de ligação e de condicionamento do corpo. A masturbação, que, no adolescente midiatizado, em regra, ocorre em frete à televisão ou ao computador, é a consolidação do poder entre o corpo púbere e o aparelho psíquico condicionado. Todo o conjunto de ideias expresso em imagens, com âncoras remissivas ao afeto de formação, torna-se um arquétipo, com o qual a sexualidade e o sexo manterão relação de submissa dependência por toda a existência do indivíduo. Trata-se de um vínculo fecundo e ininterrupto. Da ideologia pré-linguística ao bombardeio de estereótipos da fase latente, tudo convergirá para a realização sexual orgásmica vinculada a imagens familiares à sensualidade e à eroticidade configuradas no inconsciente, ao qual o id tornou-se habituado a se deleitar. Ao mesmo tempo, o superego atua em sentido à adaptação ás regras sociais, que, nesse sujeito, são as regras ideológicas dualistas, contraditórias, paralelas e convergentes do conjunto ideal midiático. Abraçam-se, pois o id e o superego, ambos entorpecidos. 75

Ao mesmo tempo, a aceitação da nova forma física somente trará sofrimento se houver tentativa de realização fora do sistema de ideias concernentes ao discurso que condicionou seu aparelho psíquico, uma vez que a televisão, com exceção de toda a estrutura inconsciente de sua vítima, nada exige de esforço do telespectador. No mundo extra midiático, ocorre, em regra, um pânico em relação ao desempenho sexual, ao mesmo tempo em que as experiências sexuais tendem a começar mais cedo. O pânico é uma patologia relacionada ao superego, que reconhece que o sujeito está fugindo da conduta para a qual foi programado: a masturbação perante modelos ideais de erotização. Também se relaciona ao id, que não reconhece fora desse arquétipo capacidade de obtenção de prazer. Dualistamente, o sujeito é impelido a praticar experiências sexuais com uma infinidade de parceiros, igualmente instigados, de onde advirão frustrações sem precedentes, embora sejam irresistíveis, pois a meta ideologia do discurso televisivo aponta para essa busca. A busca do outro fora do campo virtual é de vital importância, pois é a busca de um prazer irrealizável à psique condicionada. Dessa busca surge uma frustração, como um segundo complexo de castração, indicando um segundo complexo de Édipo, com o recalcamento que fará surgir um inconsciente espelho, dualizando o aparelho psíquico. A esse processo, denominamos “Complexo de Príapus12”. A compreensão conceitual de tal complexo possibilita, num campo prático psicanalítico, desenvolver diagnóstico e tratamento de patologias psíquicas que se manifestem no campo da sexualidade e de seus desdobramentos. A masturbação ressurge, então, como uma âncora com a realidade. Sua função já não é mais a de simples verificação da capacidade de ejacular, nem a busca pelo prazer orgásmico físico, mas de restabelecimento de

12 Filho de Afrodite com seu amante, Dionísio, Príapus, na mitologia grega, era um deus extremamente feio, com um falo desproporcionalmente grande, com ereção perene, o que originou o termo “priapismo” na medicina. A condição de Príapus se deu por uma maldição que Hera lançou, com o deus ainda no ventre de Afrodite. Tal maldição era dual e cruel: apesar do falo maximizado e permanentemente ereto, Príapus seria impotente, ou seja, sofreria de disfunção erétil. Em sua jornada pela Terra, Príapus foi cultuado como o deus da fertilidade e do crescimento, mas cultivava, verdadeiramente uma imensa frustração pela sua impotência. 76

potencialidade de prazer virtual para um id adoentado, abalizado por um superego que reifica seu ideal condicionado pela ideologia televisiva. Tal sistema de ideias, dessa forma, conjuga-se com o aparelho psíquico numa alternância de estímulos e respostas, provocando um fluxo comportamental psíquico alternado, e não contínuo, dando caráter reflexo às respostas operantes inconscientes, sem desviar o viés do caráter operante, que tem por objeto a satisfação, uma vez que inconsciência da libido estabelece vínculo pulsional com o condicionamento cujo qual foi permeada em seu desenvolvimento, tornando rotativos e indissociáveis os papéis de indivíduo e de ambiente, no campo psíquico inconsciente. A televisão é, portanto, uma espécie de “caixa de Skinner”, cujo rato “denomina-se” inconsciente, e cujo efeito é a meta realização do prazer do aparelho psíquico, condicionado em si mesma. Assim como a conceituação freudiana, no sujeito patologicamente midiatizado o conteúdo inconsciente só emerge ao consciente em situações particulares e peculiares, da mesma maneira que o conteúdo inconsciente continua a influenciar, de maneira decisiva, o consciente. As pulsões de vida e de morte, ainda que afetadas pela plástica constituição do aparelho psíquico, permanecem em suas funções, embora consideremos uma terceira pulsão esquematizada no inconsciente espelho: a pulsão de projeção13, reflexa à de vida e pareada ao condicionamento ideológico televisivo, dividindo a direção do comportamento com o hábito e com a atitude. Trata-se da pulsão da sexualidade artificializada que busca a manutenção da vida, satisfazendo o id seduzido e o superego corrompido, em comunhão com o vício ideológico psiquicamente condicionado, tal qual um pulmão perfurado por uma flecha, que, ao ser removida, pode abrir caminho para que o órgão se infiltre de fluidos e faleça. A pulsão de projeção é a conservação da “flecha de morte e vida” projetada, que, ao mesmo tempo em que ameaça, dá prazer e mantém a vida.

13 Assim como a pulsão de vida encontra representação em Eros e a de morte, em Thanatos, a pulsão de projeção vislumbra sua representação em Dionísio, cuja filiação mescla o divino com o mortal. É filho de Zeus e da mortal Semele. Dionísio simboliza, entre outros, ora o vinho e a intoxicação alcoólica, que funde o bebedor com a deidade, ora o delírio místico, que deforma a realidade. 77

No meio desse holocausto psíquico, o ego mantém-se mediando exigências e sofrendo as pressões do id e do superego. O que diferencia o ego nesse novo sujeito é o princípio da realidade, que funciona de maneira distinta, uma vez que o conceito de realidade de artificializa com a nova ideologia constituinte. O objeto de satisfação do id concerne projetivamente, pois, o virtual. Como o ego é um “regulador, na medida em que altera o princípio do prazer para buscar a satisfação considerando as condições objetivas da realidade” (BOCK et al., 2008, p.51-52) e a realidade ideológica midiática se interpõe como condicionante do próprio prazer, que já permeia toda a estrutura psíquica, o ego se desloca para o papel de persona, que visa, na inter-relação humana, meta reproduzir o comportamento assimilado pela ideologia televisiva entre arquétipos virtuais, trazendo, dessa forma um aspecto de normalidade reflexa necessária à tolerância interacional para a manutenção da exploração da força de trabalho, da apropriação da mais valia (MARX & ENGELS, 1998) e, especialmente, da interação para o consumo. O equilíbrio que o ego busca, por princípio, no sujeito ideologicamente midiatizado em sua constituição psíquica, considera, sobretudo, a “flecha”. Para finalizar, ponderemos sobre os mecanismos de defesa, “protetores do aparelho psíquico”, que deformam ou suprimem a percepção causadora de desprazer da realidade e não absorvido pelo ego. Para o sujeito ao qual nos referimos, ou seja, para o sujeito patológico ideologicamente midiatizado pelo discurso televisivo, cuja realidade é constituída, percebida e reificada psiquicamente com mecanismos artificializados e artificiais. Dessa forma os mecanismos de defesa atuam corretamente, mas com efeitos deletérios, visto que “percepção”, “prazer” e “realidade” se tornam conceitos relativizados condicionalmente. O recalque torna-se a principal via de entrada no inconsciente. Acaba, mais do que suprimir a percepção, por adaptar o sujeito à sua nova condição de realidade. Configura-se como um importante mecanismo de velamento da realidade que não coaduna com a ideologia condicionante do psiquismo no 78

inconsciente espelho aliado ao princípio do prazer, garantindo a dinâmica da pulsão de projeção. A formação reativa, no sujeito psiquicamente artificializado, torna-se mecanismo fundamental nas relações interpessoais, em especial no ato sexual. Dessa forma, a libido reativa à realidade do coito se acalma, e as relações sexuais ocorrem, como se instintivas fossem, justamente por serem reativas, afastando o desejo de satisfação idealizada por estereótipos que permeia a sexualidade plástica condicionada, conforme apresentamos anteriormente. A regressão configura-se como regulamento, uma vez que a guerra das tensões sexuais sempre se remontará à fase de latência, onde foram consolidados, através de material midiático afetivo de fantasia, os ideais arquétipos irrealizáveis. Configura-se como um oásis mental, por estar deslocado no tempo e, portanto, seguro, onde a guerra patológica toma o caráter de potencial, reificando ideologias através dos ídolos. A projeção, enquanto mecanismo de defesa, configura-se, nesse contexto, como uma estrutura matricial referencial, construtora coletiva da realidade exo-mídia. Essa projeção acaba por conformar o mundo natural tal qual ele efetivamente o é, pelo somatório das frustrações projetadas da proporção de um para pequenas frações dessa coletividade. Para o sujeito patologicamente midiatizado, a projeção também ocorre artificializada. O indesejável coletivo torna-se matéria de construção social, suscitando uma agenda sobre a qual conversar, ao mesmo tempo em que mantém o mal-estar social necessário à perpetuação ideológico-televisiva. A racionalização possivelmente é o mecanismo de defesa com o qual a estrutura de poder ideológico-condicionante conte. É parte do mecanismo de poder, tal qual um sofisma, um argumento arquitetado com a finalidade de constituir uma realidade ilusória, conquanto estabeleça estrutura lógica aparente, seu arcabouço interno é dual, contraditório, inconsistente e deliberadamente vicioso. É a justificativa do contraditório, que adoentou o aparelho psíquico em sua constituição e que rege seu funcionamento ideológico coligado. 79

O mecanismo de denegação permanece como uma estrutura de acesso ao inconsciente recalcado, através da negatividade. É através desse mecanismo que, por exemplo, exteriorizam-se manifestações artísticas de protesto e melancolia, servido de alicerce a uma cultura velada de contracultura, que acabam por reificar a ideologia dualista do discurso televisivo, uma vez que este tem na contradição uma aliada e não um elemento de resistência, devido ao adoentamento do aparelho psíquico por ela condicionado. Quanto à identificação projetiva, configura-se como a mola propulsora da constituição patológica do aparelho psíquico. Como se trata do mecanismo pelo qual um sujeito adota uma característica de outro, coloca-se como um dispositivo inalienável no condicionamento do id e do superego. Trata-se da disciplina condicionante que antecede a espontaneidade artificializada. O outro é representado por seu discurso, detentor de sua ideologia. No caso desse sujeito, o outro é a própria televisão. A identificação é a projeção do seu discurso, verbal, não verbal e reproduzido durante todos os estágios do desenvolvimento psicossexual e durante a manutenção patológica da artificialização psíquica, uma vez que tal mecanismo “cria internamente uma imagem ou fantasia e projeta isso para fora de si identificando-se com essa fantasia, construindo uma outra realidade psíquica”. (VOLPI, 2008, p. 2). Juntamente com a projeção, a identificação projetiva forma um elo de retroalimentação com o discurso de poder midiático, base do constructo da realidade. O isolamento é também um mecanismo de defesa chave na construção da realidade dessa sociedade doente, construída pela patologia subjetiva, irrigada pelo discurso midiático-televisivo. O sujeito psiquicamente artificializado tende a distanciar-se de pessoas e objetos que causem desconforto ou desprazer. Dessa forma, com o id seduzido e com o superego corrompido, com a libido reprogramada, distancia-se, cada vez mais, do prazer do convívio social, mas, especialmente, distancia-se ainda mais e mais da relação sexual, especificamente, em se tratando do coito conjugal. Esse sujeito não vislumbra a consumação do prazer, senão na masturbação patológica, 80

irrigado por imagens midiaticamente estereotipadas, consolidadas especialmente na fase de latência. O deleite sexual é estritamente ligado ao isolamento, onde o sujeito pode satisfazer sua libido doente, em privacidade, mantendo seus discursos de denegação e racionalização. A anulação retroativa é também bem representada pela masturbação, uma vez que a relação sexual física compartilhada não gera satisfação libidinal. Busca-se a anulação da frustração do coito com a masturbação associada a estereótipos midiáticos, de cunho sensual, erótico ou pornográfico. A fantasia se mostra como dispositivo indissociável do mecanismo de condicionamento do aparelho psíquico e, sobretudo, da saturação infantilística do id. É o passo anterior à construção da micro-realidade artificial subjetiva, uma vez que “designa a vida imaginária do sujeito e a maneira como este representa para si mesmo sua história ou a história de suas origens”. (ROUDINESCO et al., 1998, p. 223). Deixa de ser somente um mecanismo de defesa para ser um mecanismo de adaptação social numa realidade coletivamente impressa. O mecanismo de sublimação se coloca, em especial, no campo sexual, como uma interface de construção compartilhada do inconsciente espelho e da pulsão de projeção. É ele que adoenta a libido, condicionando o id a se satisfazer com realização de um desejo em outro artificial. Trata-se da melhor das hipóteses de recalcamento. Dessa forma, os mecanismos de defesa, que teriam por objeto a proteção do ego pela deformação da realidade, passam forçosamente a construí-la e consolidá-la. Faz-se necessário, a partir dessa análise, uma verificação conceitual acerca das neuroses, das psicoses – que passam a ser uma patologia congruente, necessária à construção da realidade – e das perversões, que se remodelam e reconfiguram diante dos novos elementos e das novas constituições psíquicas que se apresentam.

3.4) NIRVANA: O ANIQUILAMENTO DO DESEJO

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Em nosso último item, propomos uma ruptura com a cadência discursal de nossa análise crítica, que se encontra concluída, para apontarmos para uma brevíssima análise retroativa acerca do desejo, levando em consideração a apresentação de nossa pesquisa. Apesar de divergente, em alguns pontos, em relação à psicanálise, Gilles Deleuze (1988) propõe-se a definir qualitativamente o que venha a ser o desejo. Tal conceituação torna-se imprescindível, uma vez que despontualiza o desejo, contextualizando-o ideologicamente. Deleuze (1988) afirma que “não há conceito filosófico que não remeta a determinações não filosóficas” e que isso é “bem concreto”. Dessa forma, analisa: “até agora vocês falaram abstratamente do desejo, pois extraem um objeto que é, supostamente, objeto de seu desejo.” Contudo, elucida o equívoco conceitual afirmando: “só se pode desejar em um conjunto. Então, sempre se deseja um todo”. (DELEUZE, 1988). Então podem dizer: desejo uma mulher, desejo partir, viajar, desejo isso e aquilo. E nós dizíamos algo realmente simples: vocês nunca desejam alguém ou algo, desejam sempre um conjunto. Não é complicado. Nossa questão era: qual é a natureza das relações entre elementos para que haja desejo, para que eles se tornem desejáveis? Quero dizer, não desejo uma mulher, tenho vergonha de dizer uma coisa dessas. Proust disse, e é bonito em Proust: não desejo uma mulher, desejo também uma paisagem envolta nessa mulher, paisagem que posso não conhecer, que pressinto e enquanto não tiver desenrolado a paisagem que a envolve, não ficarei contente, ou seja, meu desejo não terminará, ficará insatisfeito. Aqui considero um conjunto com dois termos, mulher, paisagem, mas é algo bem diferente. Quando uma mulher diz: desejo um vestido, desejo tal vestido, tal chemisier, é evidente que não deseja tal vestido em abstrato. Ela o deseja em um contexto de vida dela, que ela vai organizar o desejo em relação não apenas com uma paisagem, mas com pessoas que são suas amigas, ou que não são suas amigas, com sua profissão, etc. Nunca desejo algo sozinho, desejo bem mais, também não desejo um conjunto, desejo em um conjunto. Podemos voltar, são fatos, ao que dizíamos há pouco sobre o álcool, beber. Beber nunca quis dizer: desejo beber e pronto. Quer dizer: ou desejo beber sozinho, trabalhando, ou beber sozinho, repousando, ou ir encontrar os amigos para beber, ir a um certo bar. (DELEUZE, 1988).

Desejar em conjunto é, em essência, construir. “É construir um agenciamento, construir uma região, é realmente agenciar. O desejo é construtivismo”. (DELEUZE, 1988). Dessa maneira, o desejo estabelecido é uma construção de agenciamentos, sobre o qual se estabelece, em função de numerosos fatores. 82

Sobre a origem do desejo, enquanto agenciamento, Deleuze (1994, p.59) defende que o “agenciamento de desejo marca que o desejo jamais é uma determinação ‘natural’, nem ‘espontânea’”. O desejo está, em sua síntese, relacionado aos mecanismos de poder. O desejo circula nesse agenciamento de heterogêneos, nessa espécie de "simbiose": o desejo une-se a um agenciamento determinado; há um co-funcionamento. Seguramente, um agenciamento de desejo comportará dispositivos de poder (poderes feudais, por exemplo), mas será preciso situá-los entre os diferentes componentes do agenciamento. (DELEUZE, 1994, p.59).

Dessa forma, “o poder é uma afecção do desejo (reafirmando-se que jamais o desejo é uma ‘realidade natural’)” (DELEUZE, 1994, p.60), que, por sua vez, “agencia o campo social” (DELEUZE, 1994, p. 62). Dessa forma, o desejo se configura como motivador social. No sujeito patologicamente midiatizado, o desejo permanece com sua estrutura de agenciamento, de construtivismo e de coletivismo. É o que dá a ele o caráter motivador e potencializa o condicionamento do aparelho psíquico. Quanto ao desejo, Deleuze (1994, p. 63) sugere que o prazer parece interromper seu imanente processo, embora consideremos que tal interrupção seja efêmera, servindo, na verdade, como um reforço para a repetição do comportamento que levou ao referido prazer, ou como estímulo para uma nova configuração artificial de agenciamento. Como vimos, a constituição psíquica modulada pelo condicionamento da ideologia midiático-televisiva, envolve o agenciamento de elementos artificiais, de estímulos pareados, norteados por um sistema de ideias mercadológico, que reifica sua estrutura de poder usando a subjetividade, em especial, o desejo. Quanto à natureza do desejo e à recomendação de sua destinação, recorremos a um parecer límpido e definitivamente livre de toda sorte de influência midiático-televisiva. Isso implica em uma consulta analítica antecedente a Johannes Gutenberg, a partir do qual a imprensa se desenvolveu, no século XV. Encontramos em Siddhartha Gautama, referencial da filosofia budista, há cerca de 2500 anos, e, portanto, descentralizado temporalmente do 83

adoecimento psíquico contemporâneo, análises filosóficas profundas acerca do desejo e de sua correta destinação. Gautama coloca no cerne de sua filosofia o que denomina “As Quatro Nobres Verdades”. Tais verdades fazem referência à natureza, à origem, à cessação e ao caminho que conduz à cessação do sofrimento14. O sofrimento, por conseguinte, vincula-se diretamente ao desejo. Desses quatro pontos dispostos por Siddhartha Gautama, destacaremos o segundo e o terceiro, que estabelecem relação direta com a nossa pesquisa. O Samudaya Satya, ou a Segunda Nobre Verdade, trata da causa do sofrimento: A Segunda Nobre Verdade é a que nos dá a possibilidade do conhecimento da Causa ou Origem do Sofrimento (dukkha); da desarmonia entre o nosso eu ilusório e a Realidade. Esta Verdade nos ensina que o sofrimento, a existência, o eterno vir-a-ser é produzido pela concupiscência, isto é, desejo, ânsia, sede ardente (tanha) de satisfazer todas as formas de desejos ligados aos nossos sentidos, que continuadamente procuram novas satisfações. (...) É essa sede de desejo, essa avidez que, manifestando-se de maneiras variadas, dá origem a todas as formas de sofrimento, (DA SILVA et al., 1995, p. 55).

O desejo é, pois a origem do sofrimento. O processo de agenciamento do desejo é a causa imediata do mal estar, uma vez que sua projeção de realização coloca-se ideal e, portanto, irrealizável, necessitando de doses maiores de prazer para uma satisfação que sempre busca ainda mais satisfação. Deste modo o desejo não é nem a primeira, nem a única causa do aparecimento de dukkha, mas, sim, a causa imediata, a causa principal que nossa mente pode conceber. Lembramos nesta síntese que o desejo tem por base a falsa ideia de um “eu” (eu pessoal), que surge da ignorância que mantêm nossa aparente personalidade. A palavra "sede" compreende não somente o desejo e o apego aos prazeres dos sentidos, à riqueza e ao poder, como também às ideias, opiniões, teorias, concepções e crenças. Segundo a análise feita por Buda, todas as infelicidades, todos os conflitos do mundo, desde as pequenas discussões de família até as grandes guerras entre nações, têm suas raízes nessa sede de desejo. (DA SILVA et al., 1995, p. 55- 56).

A partir desse ponto podemos referenciar o desejo como uma construção, tal qual postulou Deleuze, ao mesmo tempo que relacionamos a

14 Muitas vezes os textos que trazem as exposições de Siddhartha Gautama tratam o sofrimento pelo termo dukkha, da língua páli, uma forma simplificada de sânscrito. 84

estruturas de poder tais quais as ideias, as opiniões, as teorias, as concepções e as crenças: material modulatório e integrante da capacidade condicionante da ideologia televisiva. Siddhartha Gautama ainda observou o pareamento de estímulos sensoriais aos quais vincula-se o prazer: O desejo dos sentidos surge em conexão com um, ou mais, sentidos. O prazer não é a sensação nascida dos sentidos; uma pessoa pode ter prazer em uma sensação, ou pode ser indiferente a cia; portanto, o prazer depende da atitude mental da pessoa, que varia com os condicionamentos de costumes da família, do país, religião etc. (DA SILVA et al., 1995, p. 56).

O prazer, função da atitude mental, é, portanto, condicionável. Na época em que foi elaborado, o pensamento de Gautama não poderia entrelaçar condicionamentos artificiais que seriam estudados por Skinner, a ideologia midiática ou o seu impacto inconsciente. Por isso estamos tratando do desejo em essência, e não do artificializado contemporâneo. Gautama, (2002, p. 48) delineia que “objetos visuais, sons, cheiros, sabores, sensações corporais e objetos da mente são agradáveis e prazerosos; neles o desejo surge e se estabelece”. Fora da percepção sensorial, o desejo também estabelece origens, em especial, em elementos ligados ao id. “A consciência, a impressão sensorial, a sensação nascida da impressão dos sentidos, a percepção, a vontade, o anseio, o pensamento e a reflexão são agradáveis e prazerosos: neles o desejo surge e se estabelece”. (GAUTAMA, 2002, p. 48). Se permitirmos que os desejos se apoderem de nós, os nossos sofrimentos crescerão como a relva depois da chuva. (...) As múltiplas correntes do desejo que nos levam ao prazer aprisionam a nossa mente, levando-a atrás do apego. (...) Encurralados pelos desejos, parecemos lebres aprisionadas correndo de um lado para o outro, como se estivéssemos acorrentados por grilhões, sofremos uma e outra vez. (DHAMMAPADA, 2007, p. 95-96).

O desejo leva ao próprio desejo, ou seja, “os desejos geram ações; as ações produzem resultados; os resultados trazem novos desejos, e assim sucessivamente”. (DA SILVA et al., 1995, p. 59). O Nirodha Satya, ou a Terceira Nobre Verdade, trata da cessação do sofrimento da existência, ou do Nirvana: A Terceira Nobre Verdade é a completa cessação do sofrimento, ou extinção da desarmonia entre o EU idealizado e o mundo real. é 85

conseguida pela total erradicação de todas as formasde desejo, levando ao Nibbana mais conhecido por Nirvana. Nir, em sânscrito, significa "não" e vana significa "cordão"; assim, Nirvana pode ser traduzido literalmente como "não estar preso", ou "estar liberto". (...) O Nirvana é realizado pela completa renúncia; não simplesmente renúncia aos objetos exteriores, mas, na realidade, pela renúncia interna as ligações com o mundo exterior. (DA SILVA et al., 1995, p. 66).

Dessa forma, Siddhartha Gautama, nas palavras de Da Silva (et al., 1995, p. 66), conclui o terceiro elemento do que postulou como nobres verdades: “para eliminar completamente dukkha, deve-se eliminar sua raiz principal – ‘o desejo’. Por isso, Nirvana é também conhecido por Tanhakkhaya, ou ‘extinção da sede de desejo’”. Ratificando, chegamos ao consenso que a cessação do sofrimento é “a completa dissolução e extinção deste desejo, a desistência e abandono, a liberação e desapego dele. A extinção da ambição, a extinção do ódio, a extinção da ilusão: isto, na verdade, é chamado Nirvana”. (GAUTAMA, 2002, p. 48). Para Gautama, o desejo, desde os tempos em que proferiu sua doutrina, sempre foi a causa do sofrimento e sua extinção é denominada Nirvana. Em termos behavioristas, o desejo se coloca como resposta, enquanto as experiências sensuais se configuram como estímulos neutros, porém condicionados: "A segunda nobre verdade vai além do simples fato do sofrimento humano para explorar a causa de nossa infeliz condição. Essa nobre verdade estabelece que o sofrimento é provocado pelo desejo ou pelo apego. O Buda afirma que sensações (dados dos sentidos) como odores, sons, sabores, prazeres físicos e mesmo impressões intelectuais (ideias) entram em nós pelos agregados e, inevitavelmente, suscitam o desejo. As experiências sensuais não são, em si, a causa do sofrimento, pois não passam de fenômenos neutros. A causa é a resposta ou apego a essas impressões sensoriais. ” (ASMA, 2011, p. 93).

Considerando os aspectos behavioristas em termos psicanalíticos, reforçamos, pois, nosso posicionamento quanto à displasia artificializada e conduzida do id e do superego, pela ideologia midiático-televisiva. Quanto à cessação do sofrimento, ou extinção do desejo, retomamos, em termos psicanalíticos ao que Freud denominou princípio do nirvana, ligado à pulsão de morte: 86

Através do conceito de pulsão de morte, Freud introduz a ideia de que todo ser vivo aspira à sua própria morte como um modo de pôr fim à tensão interna provocada pela pulsão sexual, que está sempre elevando o nível energético e promovendo o desequilíbrio interno do aparato psíquico. (...) O psiquismo tende a descarregar a tensão interna até mantê-la constante em um nível mínimo compatível com a vida. A descarga desta tensão é sentida como prazer. O princípio do Nirvana é a descarga completa de tensão interna do psiquismo até um nível zero de energia, que corresponderia à morte. O desprazer, portanto, surge devido ao aumento desta tensão. (GONÇALVES, 2001).

Tendo a libido como vínculo de prazer, ligada ao id e, consequentemente, à sexualidade, encontramos no princípio do nirvana, disposto por Freud, em argumentos psicanalíticos, a mesma máxima da terceira nobre verdade de Siddhartha Gautama, quanto à cessação do sofrimento. Se substituirmos o termo “instinto” por “pulsão”, encontramos em Marcuse (1999) uma teorização sobre o princípio de nirvana, que abre caminhos para um nirvana que não implique na realização efetiva da morte, tal qual sugeriu Gautama. O instinto de morte opera segundo o princípio do Nirvana: tende para aquele estado de "gratificação constante" em que não se sente tensão alguma — um estado sem carências. Essa tendência do instinto implica que as suas manifestações destrutivas seriam reduzidas ao mínimo, à medida que se aproximassem de tal estado. Se o objetivo básico do instinto não é a terminação da vida, mas da dor — a ausência de tensão — então, paradoxalmente, em termos do instinto, o conflito entre vida e morte é tanto mais reduzido quanto mais a vida se aproximar do estado de gratificação. O princípio de prazer e o princípio do Nirvana convergem então. Ao mesmo tempo, Eros, livre da mais-repressão, seria reforçado; e o Eros reforçado como que absorveria o objetivo do instinto de morte. (MARCUSE, 1999, p. 202, grifo nosso).

Dessa forma, a cessação do sofrimento ocorre com a extinção do desejo, em nossa pesquisa, do desejo patológico, construído com desígnios de condicionamento psíquico, com finalidades de controle, poder e consumo, libertando o indivíduo de uma tensão pulsional plástica, que sobrecarrega a capacidade do ego de suportar a realidade edificada sobre mecanismos de defesa manipulados por um ego doente, à mercê de um id inflado e de um superego submissamente conformado. 87

CONCLUSÃO

A exposição subjetiva, ou seja, o subjugo constitucional do aparelho psíquico à mídia, continuadamente, em especial à televisão, determina, plastifica, induz e artificializa a composição das atitudes inconscientes correlatas à sexualidade. Essa nefasta, sinistra, permanente e vitalícia influência ideológica midiático-televisiva acaba por artificializar o desejo, através da corrupção do superego e do adoentamento do id, introjetando controle coercitivo nas mais profundas camadas do aparelho psíquico, desde a sua formação, passando pelo seu desenvolvimento e perpetuando-se por intermédio das reificações cotidianas sociais e afetivas. Uma das consequências dessa imersão é a imperceptível inversão da livre escolha, inclusive de desejo, pela imposição de padrões comerciais ideologicamente preparados para exercer um controle que começa no subjetivo, para alcançar as mais complexas engrenagens da estrutura social. O desejo é massificado, assim como seus agenciamentos, seus contextos e seus objetos, travestido em heterogeneidades artificiais o homogêneo absoluto do controle e do poder, recalcados no consumo. Tem-se, dessa forma, a falsa noção de escolha entre parcos anseios plásticos ideologicamente introjetados e oferecidos, incompatíveis com a realização natural do desejo libidinalmente fecundado. Consequentemente, o desejo, enquanto busca de realização do prazer, ou seja, da sexualidade, torna-se, fonte de inexaurível sofrimento, configurando, dessa forma, o desejo como patologia. Com o apurar das gerações psiquicamente condicionadas e com a extinção das gerações precedentes ao declarado controle ideológico psicopatológico da mídia televisiva, teremos sorte, enquanto sociedade, se conseguirmos, pelo menos, refletir sobre propostas acadêmico-filosóficas, ao final deste período secular. Diferentemente do ato de reflexão, passível de participação na controversa dinâmica maniqueísta ideológica de poder, o pensamento está 88

condenado. O aparelho psíquico está condenado. A natureza psicológica humana está condenada. O artificial se naturaliza, disciplinarmente, antecedendo a espontaneidade: deletéria, insalubre, psicodélica e, sobretudo, cruel. A única face do desejo à qual se tem alcance é irremediavelmente irrealizável. No campo da sexualidade, o complexo de Príapus se interpõe como um novo e revigorado impulso do mal-estar na civilização. Suas decorrentes patologias tornam-se menos diagnosticáveis com o suceder das gerações que consolidam a assimilação psíquica do condicionamento ideológico midiático- televisivo disposto. A sobrevivência a esse desastre mental, visando à minimização do sofrimento, estabelece vínculo com a extirpação, com a aniquilação, com o extermínio do desejo natural ou artificial, uma vez que são indissolúveis após a constituição condicionada do aparelho psíquico. Apesar da possibilidade que abrimos para uma interpretação niilista de nossa análise crítica, nosso posicionamento para a melhor das hipóteses de manutenção salutar da vida psíquica é o caminho sugerido por Siddhartha Gautama, traduzido na filosofia budista, que, em absoluto se relaciona com temáticas de religião, resumido, na Terceira Nobre Verdade, o desejo como mola propulsora do sofrimento humano, que deve ser extirpado. Não coube ao nosso trabalho a apresentação de alternativas para a conservação salubre da vida psíquica, embora reconheçamos, na mesma filosofia budista, mecanismos filosóficos praticáveis para se alcançar tal estado. Quanto à televisão, veículo de uma ideologia legitimamente perversa e do mais profundo grau de penetração psíquica, seria leviano de nossa parte utilizar o discurso de “se cada um fizer a sua parte, conseguiremos resolver a situação”. Se tal discurso não fosse utópico e irrealizável, não seria necessára a presença do Estado, e poderíamos viver numa sociedade anárquica perfeita, tal qual postulou Mikhail Bakunin. Isso quer dizer que não adianta racionar a televisão, desligar a televisão, seguir classificações etárias. Tudo isso faz parte da própria ideologia midiática, com seus hiperlinks para o consumo. 89

Tal qual um tratamento para dependência em drogas, a diminuição, a esporadicidade, assim como seu uso moderado ou social não se mostram eficientes. O usuário de televisão, para tentar romper com o vício psíquico, precisa, irremediavelmente, remover toda a possibilidade de contato com a televisão, com seu discurso ou com seu uso, ainda que social. Deve interromper conversa sobre seus temas diretos e indiretos (quando conseguir percebê-los), evitar os estímulos de consumo de outras mídias ou mesmo os estímulos visuais, em outdoors, placas, painéis etc. Trata-se de uma batalha pulsional, que atinge diretamente a pulsão de projeção, como colocamos em nossa pesquisa. Entendemos que, como uma alternativa ao uso da prática budista, o behaviorismo radical possa servir de inspiração e modelo para o tratamento tópico inicial, na fase de abstinência, do vício ideológico ao qual nos referimos. Ainda que se estinga o contato com o discurso direto, as chances de distanciamento para recondicionamento tornam-se ínfimas, uma vez que para se privar do consumo indireto da ideologia midiático-televisiva seria necessária a privação completa e radical do convício social, incluindo a visão e a audição, principalmente. É esperado que a “retirada da flecha”, ou seja, a abstinência midiática, caso não ocasione um desmoronamento irreversível dos mecanismos psíquicos, ou seja, do aparelho psíquico viciado, acarrete crises de abstinência e reações adversas severas, tal qual neuroses, psicoses, traços de psicopatias, parafilias reflexas, fobias15, ansiedade patológica, perda do significado da vida, prática de homicídio e altíssima possibilidade de depressão seguida de suicídio. Entendemos que o discurso midiático televisivo, que obedece a mecanismos de poder vinculados ao controle e ao consumo, que se instituíram.

15 Consideramos, dentre as possíveis patologias já catalogadas, que da abstinência midiática podem advir algumas das seguintes fobias: afefobia, androfobia, antropofobia, autofobia, biofobia, cainofobia, cacorrafiofobia, caligenefobia, coitofobia, colpofobia, deipnofobia, domatofobia, eisoptrofobia, eleuterofobia, epistemofobia, eremofobia, escotomafobia, espectrofobia, filemafobia, fobia social, fronemofobia, gimnofobia, ginofobia, glossofobia, gnosiofobia, hafefobia, hedonofobia, heterofobia, hipengiofobia, ideofobia, isolofobia, laliofobia, ligofobia, lissofobia, maieusiofobia, malaxofobia, maniafobia, mastigofobia, metatesiofobia, metrofobia, monofobia, neofobia, ninfofobia, nostofobia, nudofobia, oneirofobia, quiraptofobia, rabdofobia, ripofobia, sarmassofobia, sexoafobia, sociofobia, somnifobia, sofofobia, teofobia, tropofobia, unatractifobia e virginitifobia. 90

Enquanto instituição, ou seja, no status em que se encontra, a ideologia e a prática de poder é reificada inconscientemente: As instituições têm sempre uma origem histórica, ou seja, surgiram com uma finalidade específica, tendo sido criadas desta ou daquela maneira pelos seus iniciadores. Contudo, na medida em que são transmitidas às gerações posteriores elas se ‘cristalizam’, quer dizer, passam a ser percebidas como independentes dos indivíduos que as mantêm. Os papéis exigidos por elas podem ser preenchidos por qualquer um, já que estão estabelecidos e não podem variar segundo vontades individuais. As instituições passam a ser percebidas como estando acima dos homens, passam a ter uma espécie de vida independente. É como se as instituições tivessem uma realidade própria, cuja existência não mais é percebida como criação humana. Elas adquirem uma objetividade, uma solidez de coisa dada. É extremamente difícil para os indivíduos perceberem que a estrutura social onde vivem é assim porque os homens a fizeram e a mantêm assim. Ela se apresenta a nós sempre como uma coisa objetiva: afinal, estava aí antes de nascermos e continuará depois de nossa morte. Este fenômeno é chamado de reificação, nome derivado da palavra latina, res, que significa ‘coisa’. A realidade, construída socialmente, é sempre reificada, ou seja, transformada em coisa: adquire o mesmo estatuto das coisas naturais, dos objetos físicos. Neste sentido é que a institucionalização, sobre a qual se edifica a realidade, possui em si um controle social: ao ser percebida como algo dado, estabelecido, evita que os indivíduos procurem alterá-la. A instituição é soberana, os homens devem adaptar-se a ela, cumprindo os papéis já estabelecidos. (DUARTE JÚNIOR, 2006, p. 42-43, grifo nosso).

A televisão, enquanto instituição, adquiriu a objetividade reificada, portanto, seria tolice proporcionar uma “caça às bruxas” nos dias atuais, uma vez que estamos em adiantada geração de aparelhos psíquicos condicionados pela a artificialização do discurso, que é a projeção dessa mesma instituição, que, por conseguinte, a representa como se ela mesmo fosse. Tomando nossa análise crítica por metáfora, enquanto ratos, na caixa de Skinner, em uma perspectiva niilista, há três caminhos a seguir: a manutenção do condicionamento, para a sustentação do velado mal-estar da vida, como está instituída; a (irrealizável) eutanásia, como um passo após a morfina, para cessar o mal-estar causado dolosamente, como uma anulação retroativa, aliviando o ego niilista coletivo; ou a sublimação do desejo patológico, pelo seu aniquilamento, tal qual propusemos em nosso trabalho, tal qual um câncer, que para ser removido, necessita mutilar o corpo. 91

De tal modo, encontramos a justificativa para nosso posicionamento em Jiddu Krishnamurti, quando afirma que “não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente”. 92

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