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Mariana Montalvão Horta e Costa Matias NATURAM SEQUI: O MUNDO NATURAL E O ESPAÇO DO HUMANO NA POESIA DE SÉNECA Tese de Doutoramento em Estudos Clássicos, ramo Mundo Antigo, orientada pela Professora Doutora Nair de Nazaré Castro Soares e apresentada ao Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Novembro 2017 FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA NATURAM SEQUI: O MUNDO NATURAL E O ESPAÇO DO HUMANO NA POESIA DE SÉNECA Mariana Montalvão Horta e Costa Matias Ficha Técnica: Título Naturam sequi: o mundo natural e o espaço do humano na poesia de Séneca Autora Mariana Montalvão Horta e Costa Matias Orientadora Nair de Nazaré Castro Soares Curso / Área Científica Doutoramento em Estudos Clássicos Ramo Mundo Antigo Data 2017 2 3 Tese realizada com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia – financiamento no âmbito do II Quadro Comunitário de Apoio, comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos sociais do MCES. 4 5 facilius natura intelligitur quam enarratur (Sen. Ep. 121.11) 6 7 A meus queridos Pais, Leonor e Luís Ao meu Rui 8 9 Resumo Diligente instrumento de pedagogia da uirtus, o estoicismo moldou o pensamento de Séneca. Uma das grandes máximas da doutrina do Pórtico, que ecoa por toda a obra do autor, é naturam sequi – ‘viver de acordo com a natureza’. Assim, para atingir a suprema virtude, defendem os estóicos que o homem deve submeter-se à lei da natureza que é lógos e expressão da vontade divina, na observância de uma ordem cósmica universal. Estabelecem, portanto, uma correlação directa entre razão e natureza, felicidade e moral: agir de forma moralmente aceitável implica adequar as decisões humanas à racionalidade da lex naturae. A este propósito, já as considerações das Naturales Quaestiones reflectem o amplo fascínio pelos fenómenos meteorológicos e mecanismos cósmicos, fundando a moral no conhecimento da phýsis. Com efeito, a sua dramaturgia também não foi estranha a esta influência: entre outras, plasmam ideologicamente o corpus tragicus noções como a do cosmos, organismo regulador das naturales et humanae res, ou a da estreiteza do vínculo simpatético entre homem e universo. Dilaceradas interiormente, as suas personagens encarnam o conflito ratio/ affectus, tomando decisões que resultam em comportamentos desviantes, que as afastam inevitavelmente da tranquillitas animi. Exemplum negativo, essa conduta irracional perturba e subverte as leis naturais – natura uersa est. Pretende-se, pois, com este estudo apresentar uma reflexão crítica sobre a conceptualização da natureza como elemento fundamental na construção dramática senequiana, partindo de um corpus de oito tragédias do autor. Conceito polissémico e multifacetado, a natura ganha inestimável valor ideológico, metafórico e plástico na produção teatral do poeta-filósofo, assumindo diferentes manifestações, como a cosmológica, fisiológica, toponímica ou ética. Na primeira parte do nosso estudo, recuperamos a teorização sobre a phýsis como fundamento do sistema filosófico estóico, destacando os mais significativos princípios cosmológicos e morais, imprescindíveis para a compreensão da natura trágica. Procuramos, depois, num segundo momento, centrar a análise na especificidade da estética dramática senequiana, designadamente na forte correlação entre palavra e imagem no desenho de espaços e ambientes naturais. Para esse efeito, invocamos valiosos contributos de áreas diversas como a Estética, Fenomenologia, Filosofia, Retórica e Literatura. Enfatiza-se a evolução da ideia de Belo, o sentimento de grandiosidade ‘sublime’ da natureza e a fusão do estado de alma 10 do sujeito-poético com a paisagem. Sublinhamos ainda a questão dos riscos pedagógicos inerentes ao emprego do ‘grotesco’ e do ‘excesso’ na fruição estética e moral da obra artística. À luz dos anteriores pressupostos, a terceira parte da pesquisa centra-se com pormenor na participação da natureza no drama senequiano. Apresentamos uma selecção crítica de excertos do corpus dramático, cuja análise estilístico-semântica se organiza em torno de cinco grandes temas: o fogo e a expressão do affectus; a imagem marítima, e a tempestade como mecanismo ecfrástico; a metáfora animal no delineamento físico, comportamental e moral das figuras; a desordem cósmica como projecção do caos humano e social; o locus horrendus, espaço de tirania e horror, e a intrusão dos inferna no mundo dos vivos. O nosso estudo procura, portanto, demonstrar que o visualismo pictórico e a dimensão animata da natura trágica se revela uma peça-chave na tragédia do Cordubense, do ponto de vista estrutural, ideológico e dramatúrgico. De facto, o mundo natural participa activamente no desenvolvimento dos dramas: contribui para o delineamento de paisagens e espaços e para a composição dos caracteres humanos, em especial nos processos de metamorfose de homens em monstra. Sensível, reactiva e animizada, a natureza senequiana corrobora o inquebrável pacto entre macro e microcosmos, o ‘nó sagrado’ de que falava Marco Aurélio. A par da prosa, o drama senequiano apresenta-se como admirável instrumento pedagógico de parénese estóica. Por meio dos mythoi, Séneca procura advertir para a imprescindibilidade da rejeição dos uitia, a fim de conciliar as acções humanas com o pressuposto exclusivo do homem, a perfecta ratio. Na verdade, a moralidade imanente à natura serve de elo estético e ético entre os vários dramas: o summum bonum cumpre-se no naturam sequi. 11 Abstract Stoic philosophy shaped Seneca’s thought, as a diligent tool for teaching uirtus. One of the most important Stoa’s aphorisms echoing through Seneca’s entire work is naturam sequi – ‘living according to nature’. Thus, in order to accomplish the supreme virtue, the Stoics claim that man should conform to nature’s law – lógos and expression of divine will – complying with a cosmic and universal order. They establish therefore a plain correlation between reason and nature, happiness and morals: behaving in a morally acceptable way implies matching human decisions with lex naturae’s rationality. In this regard, Naturales Quaestiones’ explanations mirror Seneca’s profound fascination with Physics, meteorological phenomena and cosmic events, basing morals on the knowledge of phýsis. In fact, Seneca’s drama embraces likewise this relevant influence: among other aspects, the perception of cosmos as a regulatory body of naturales et humanae res or the narrowness of the sympatheia between man and universe shape Senecan corpus tragicus. Emotionally torn, his characters embody the ratio/ affectus conflict, making decisions causing deviant behaviors, which inevitably depart them from tranquillitas animi. This irrational pattern, understood as a negative exemplum, disturbs and subverts natural laws – natura uersa est. This thesis aims to offer a critical analysis on nature as a foundational element in Senecan dramatic work, based on a corpus of eight plays. Presenting it as a polysemic and versatile notion, the roman poet-philosopher brings natura to an ideological, metaphorical and plastic level, adopting different approaches such as cosmological, physiological, toponymic or ethical. In the opening chapter of our essay, we review the theorization on phýsis as a key concept for the Stoic philosophical system, stressing the most significant cosmological and moral principles, crucial for understanding tragic natura. The second part of our research focuses on the distinctiveness of Seneca’s dramatic aesthetics, mainly the strong correlation between word and visual depiction in the design of natural atmospheres and settings in his dramas. For this purpose, we rely on valuable contributions from different fields of knowledge such as Aesthetics, Phenomenology, Philosophy, Rhetoric and Literature. Among other aspects, we emphasize the evolution of the theory of Beauty, the grandeur of the “sublime” in nature and the merger of the poet’s state of mind with the landscape. In addition, we address the issue of the inherent risks in the use of ‘grotesque’ or ‘excess’ in the aesthetic and ethical enjoyment of the 12 artistic work. Considering the previous assumptions, the third part of the study focuses in detail on the participation of nature in Seneca’s plays. Based on a critical selection of excerpts, we present a semantic and stylistic analysis, which we organize around five key ideas: fire and the expression of affectus; the nautical imagery and the storm as an ecphrastic technique; the metaphor from the animal world and the development of character design – physical, behavioral and ethical; cosmic disorder as projection of human and social chaos; the locus horrendus, space of tyranny and horror, and the interference of the inferna in the world of the living. Our study aims therefore to demonstrate that the pictorial and animato visualism of the tragic natura is a key element in Senecan tragedy, from a structural, ideological and dramaturgical point of view. In fact, the natural world plays an active role in the development of plots: it cooperates in the sketching of spaces, landscapes and human ethe, namely in processes of metamorphosis from men into monstra. Sensitive, reactive and humanized, nature supports the unbreakable bond between macro and microcosm, the Marcus Aurelius’ “sacred knot”. Alongside his philosophical prose, Senecan drama emerges as a remarkable pedagogical tool for Stoic paraenesis. The mythoi urge the audience to discard uitia and to match human action with the exclusive human asset, the perfecta ratio. After all,