Pró-Reitoria Acadêmica Escola de Humanidades e Direito Curso de Relações Internacionais Trabalho de Conclusão de Curso

A SECURITIZAÇÃO DOS BAHÁ’ÍS NA COMUNIDADE IMAGINADA IRANIANA (1979-1991)

Autora: Lorena Delduca Herédias Orientador: PhD. Fábio Albergaria de Queiroz

Brasília – DF 2018

LORENA DELDUCA HERÉDIAS

A Securitização dos Bahá’ís na Comunidade Imaginada Iraniana (1979-1991)

Trabalho apresentado ao curso de Graduação em Relações Internacionais, da Escola de Direito e Humanidades, da Universidade Católica de Brasília, como pré-requisito para obtenção do título de bacharelado em Relações Internacionais.

Orientador: PhD. Fábio Albergaria de Queiroz

Brasília/DF 2018

Ao senhor Feraidoon Ghobad (ad memoriam), um bahá’í muito sábio, querido e amado por toda a poesia persa e luz que deixou em nossos corações. A todos os que se debruçam sobre a defesa de um mundo com liberdade, respeito e amor ao próximo. AGRADECIMENTOS

Faz-se fundamental agradecer. Agradecer não só pelo o que fazem por nós, mas por todo o significado de amorosidade que está por trás de cada ato de apoio. E é assim que termino a minha trajetória na Universidade Católica de Brasília: agradecendo. Agradecer, sobretudo, a minha mãe, aos meus avós, aos meus irmãos e ao meu padrasto, por terem sido compreensivos em lidar com a minha ausência durante o meu período de intercâmbio e durante o meu “retiro” para o TCC e por abraçarem todas as minhas decisões. Amo tanto vocês! Ao meu amigo e irmão, André, que nunca me permitiu desistir de mim, que esteve ao meu lado, me amou, me apoiou e me incentivou a sempre ser melhor do que eu era. Aos meus demais amigos, Bruna, Bárbara, Raian, Milho, Celina, Henrique, Isa, Lucas Victor, Andreza, Rô, Leonardo... são tantos que estiveram comigo em todo esse período, ouvindo todas as minhas ladainhas e me colocando para cima. Não esquecendo, então, do meu maravilhoso orientador, Fábio Albergs! Acho que não haveria alguém melhor para eu poder trabalhar junto nessa pesquisa e ter tanto feedback bom e tanto alto astral e energia. Aos meus amigos de trajetória universitária, Douglas, Jhonatan, Yasmim, Camila, Leandro e Levy: o que seriam dessas manhãs na Católica sem vocês? E o que seriam dos trabalhos em grupos com vocês me contendo para não esganar o coleguinha???? Acho que eu nem teria me formado! Claro, também agradecendo ao professor Luís Octávio Assumpção, por ter sido uma grande fonte de inspiração desde que cheguei à vida universitária. Agradecer, ainda, pela oportunidade que tive de estar durante quase três anos trabalhando com a comunidade bahá’í no Brasil, uma Fé que tem me ensinado muito a cada dia sobre amor, respeito e unidade. Não me esquecendo dos amigos que fiz na Sede Nacional há quase três anos que me acolheram de braços abertos (Nel, Tchê, Talita, Nádia...), que me acompanharam de perto por todo esse tempo e trouxeram muitos e muitos risos nesses dias cansativos. Além de tanta gente, também agradeço aos amigos bahá’ís, que me ensinaram muitas coisas, principalmente o significado da unidade que somos (Beninha, Pejman, Anissa...). E fico assim: pensativa sobre mais um ciclo que se fecha, diante de tantos percalços, desistências, choros, correria, mas com tanto aprendizado, tanto acadêmico quanto de vida. Também fiquei tão feliz escrevendo estes agradecimentos, pois é uma maneira de recuperar tantos laços que a gente vai deixando para trás e recuperando tantas memórias boas de tantas grandes pessoas que passaram por minha vida. Nesse sentido, já adianto que não coloquei todos os nomes que gostaria, mas que todos os que passaram por minha vida, por menor que fosse o tempo, fazem parte do que é a Lorena de hoje. Amo vocês todos, mores!

“On ne naît pas femme: on le devient.”

Simone Beauvoir RESUMO

HERÉDIAS, Lorena Delduca. A Securitização dos Bahá’ís na Comunidade Imaginada Iraniana (1979-1991). 20 jun. 2018. 162f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Relações Internacionais) – Escola de Humanidades e Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2018.

Esta pesquisa tem como objetivo analisar como foi a securitização dos bahá’ís na comunidade imaginada iraniana, a partir da Revolução Islâmica de 1979, tendo como o seu apogeu a implementação do Memorando Golpaygani, em 1991. Para isto, foi utilizado o método de estudo de caso exploratório, visto que é uma abordagem nova nas teorias utilizadas. Nesse sentido, as fontes de pesquisa foram relatórios, discursos, documentos oficiais e literatura, além da pesquisa qualitativa com bahá’ís que vieram para o Brasil em razão das problemáticas em praticar a Fé no Irã. Como teorias para a aplicação ao caso foram utilizadas a securitização, da Escola de Copenhague, e comunidades imaginadas, de Benedict Anderson. Desse modo, os capítulos foram construídos a fim de explanar as teorias, a comunidade imaginada iraniana e a Fé Bahá’í e os seus princípios potencializadores para o movimento securitizador. Isto, a fim de, no último capítulo, analisar o quadro de construção do speech-act, para apresentar os bahá’ís como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana e requerer os meios extraordinários para conter tal ameaça.

Palavras-chave: Securitização. Comunidades Imaginadas. Irã. Bahá’í. Atos de fala. Golpaygani. ABSTRACT

The objective of this research is to analyze the Bahá’is’ securitization in the Iranian imagined community, from the Islamic Revolution, in 1979, to its apogee with the implementation of the Golpaygani Memorandum, in 1991. For this purpose, since it used a new approach to the theories, the appropriate methodology for this work was the exploratory case study. In this sense, this study gathered data from reports, speeches, official documents, and literature, as well as qualitative research with Bahá’ís who came to because of the problems in practicing their Faith in Iran. The theoretical framework used in the case study of this research was the securitization, from the Copenhagen School, and imagined communities, from Benedict Anderson. Thus, the chapters were constructed aiming at explaining the theories, the Iranian imagined community, and the Bahá’ís Faith and its levering principles for the securitization movement. This enabled this research, in its last chapter, to analyze the construction of the speech-act in order to present the Bahá’ís as a threat to the Iranian imagined community and therefore to require extraordinary means to contain such a threat.

Keywords: Securitization. Imagined Communities. Iran. Bahá’í. Speech-act. Golpaygani. LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Unidades de Análise de Acordo com a Escola de Copenhague ...... 19 Mapa 1 – Mapa do Oriente Médio Marcando as Influências do Irã e da Arábia Saudita e as Religiões, População e Governo nos Países da Região, em 2014 ...... 29 Mapa 2 – Grupos Étnicos do Oriente Médio (visão tradicional Ocidental) ...... 30 Mapa 3 – Exílio de Bahá’u’lláh ...... 44 LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Variáveis desta Pesquisa ...... 14 Figura 2 – Movimento de Securitização e Dessecuritização ...... 18 Figura 3 – Modelo Teórico Wilayat al-Faqih ...... 34 Figura 4 – Estrutura de Poder no Irã ...... 36 Figura 5 – Administração Bahá’í ...... 46 Figura 6 – Princípios Bahá’ís Potencializadores do Processo de Securitização dos Bahá’ís no Irã ...... 48 Figura 7 – Pirâmide do Movimento de Securitização dos Bahá’ís no Irã (1979-1991) ...... 71 LISTA DE SIGLAS

AEL Assembleia Espiritual Local AEN Assembleia Espiritual Nacional BIC Bahá’í International Community BIHE Bahá’í Institute for Higher Education CIE Centro Internacional de Ensino COPRI Copenhagen Peace Research Institute CUJ Casa Universal de Justiça EUA Estados Unidos da América IHRDC International Human Resources Development Corporation MCA Membro do Corpo Auxiliar ONU Organização das Nações Unidas OI Organização Internacional

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 13 2 MARCO TEÓRICO: SECURITIZAÇÃO E COMUNIDADES IMAGINADAS 17 2.1 SETOR SOCIETAL ...... 19 2.2 SPEECH-ACT ...... 21 2.3 COMUNIDADES IMAGINADAS ...... 23 3 A CONSTRUÇÃO DA COMUNIDADE IMAGINADA IRANIANA, A PARTIR DA RUPTURA DO CONTINUUM DA HISTÓRIA (1979) ...... 27 3.1 TERRITÓRIO E SOBERANIA DA COMUNIDADE IMAGINADA IRANIANA ... 31 3.2 ESTRUTURA DE PODER NO IRÃ, A PARTIR DA REVOLUÇÃO ISLÂMICA ... 33 3.3 A IDEIA DE COMUNIDADE IMAGINADA IRANIANA, APÓS A REVOLUÇÃO ISLÂMICA (1979) ...... 36 4 A COMUNIDADE BAHÁ’Í ...... 42 4.1 PRINCÍPIOS BAHÁ’ÍS POTENCIALIZADORES NA CONSTRUÇÃO DA AMEAÇA ...... 47 5 O MOVIMENTO DE SECURITIZAÇÃO CONTRA OS BAHÁ’IS (1979-1991) 51 5.1 SPEECH-ACT NO PERÍODO KHOMEINI (1979-1989) ...... 51 5.1.1 O Aiatolá Khomeini como Agente Securitizador ...... 52 5.1.2 Os Atores Funcionais ...... 56 5.2 PERÍODO KHAMENEI E O LEGADO GOLPAYGANI ...... 63 5.3 OS ATORES DESSECURITIZADORES (1979-1991) ...... 66 6 CONCLUSÃO ...... 72 REFERÊNCIAS ...... 76 APÊNDICE A – Questionário do Entrevistado 1 ...... 84 APÊNDICE B – Questionário do Entrevistado 2 ...... 87 APÊNDICE C – Questionário do Entrevistado 3 ...... 90 APÊNDICE D – Questionário do Entrevistado 4 ...... 93 APÊNDICE E – Questionário do Entrevistado 5 ...... 108 APÊNDICE F – Entrevista com Guitty Millani Concedida à Lorena Herédias, em 18 de Maio de 2018 – Degravada ...... 117 ANEXO A – Ata de Reunião dos Aiatolás Shirazi e Tabataba’i-Qumi ...... 144 ANEXO B – Convite para a Comemoração do Aniversário do Mahdi (Décimo Segundo Imã) ...... 146 ANEXO C – Publicação do Jornal The Baltimore Sun sobre a “Holly War” ...... 148 ANEXO D – Publicação do Jornal Ayandegan “300 Protestors Made Threats” ...... 150 ANEXO E – Publicação do Jornal Australian Weekly “Bahá’ís Victims of the Ayatollah’s Drive ...... 151 ANEXO F – Memorando Golpaygani ...... 153 ANEXO G – Carta da Casa Universal de Justiça às Assembleias Espirituais Nacionais, em 20 de Outubro de 1994 ...... 156 ANEXO H – Orientação do Conselho Revolucionário para Banir os Bahá’ís das Forças Armadas, de 20 de Novembro de 1979 ...... 157 ANEXO I – Proibição de Pagamentos com os Recursos do Tesouro e da Emissão de Certificação de Emprego e Estudo, aos Bahá’ís ...... 159 GLOSSÁRIO ...... 161

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1 INTRODUÇÃO

No dia 1º de fevereiro de 1979, o aiatolá aiatolá Ruhollah Musavi Khomeini retornava ao Irã, depois de 15 anos de exílio, simbolizando a vitória da Revolução Islâmica, a queda do governo dos xás e a ruptura do continuum da história1 no Irã. Nesse mesmo ano, Khomeini seria declarado o líder supremo do país e os seus preceitos começariam a fazer efeito e a tomar proporções para que a nação iraniana se estabelecesse contra o Ocidente e contra movimentos pró-secularização. Nesse novo contexto, todas e quaisquer ações e movimentações que pudessem representar uma ameaça à nação deveriam ser contidas e eliminadas, então jornais foram fechados, minorias foram perseguidas e o Irã se isolou do sistema internacional durante os primeiros anos do novo governo. Dessa maneira, nesta pesquisa, será adotado o estudo de caso da securitização dos bahá’ís no Irã, uma das minorias religiosas perseguidas neste país, a partir do rompimento do continuum da história, em 1979, até 1991, com a assinatura de um documento emblemático, o Memorando Golpaygani, que, em linhas gerais, legitimou as ações contra os bahá’ís. Para isto, foram utilizados como fontes de pesquisa documentos oficiais do Estado, discursos, relatórios e a literatura que envolve a compreensão do contexto do Irã no período em análise. Além disso, de modo que fosse efetuada uma pesquisa qualitativa mais palpável, foram aplicados questionários semi-estruturados a indivíduos bahá’ís que viveram no Irã após a Revolução Islâmica e que vieram para o Brasil, em razão das dificuldades enfrentadas pelos membros da Fé para professarem a sua religião no país. Sendo assim, esta pesquisa contribui para os estudos de segurança feitos no Brasil, que, sobre esta temática específica, ainda são escassos, e, sobretudo, por haver necessidade do País se debruçar mais na compreensão da dinâmica do Oriente Médio e do próprio Irã. Nesse sentido, os estudos linguísticos, que são parte da teoria da securitização, um dos frameworks conceituais aqui utilizados, também ganham maior visibilidade neste trabalho, dado que são parte da interpretação subjetiva da realidade, relevando a importância desta quando se trata de estudos

1 A ruptura do continuum da história, segundo Benjamin (1986) refere-se à “quebra” do progresso temporal contínuo da história. Nesse sentido, há duas formas de se relacionar com o passado: ou rompendo-o, que é um aspecto revolucionário executado pelos oprimidos, ou revivendo-o, que é feito pelos opressores. Desse modo, para esta pesquisa, será utilizada a compreensão de que a Revolução Islâmica, em 1979, representa esta ruptura do continuum da história, por meio de um ato revolucionário executado pelos oprimidos. Apreende-se, assim, que a afirmação de que foi uma revolução dos oprimidos foi feita por meio da identificação do ponto de vista proposto pelo líder da Revolução, Khomeini, de que os opressores estavam deixando o poder e que os oprimidos iriam governar, no livro Islam and Revolution: writes and declarations of Imam Khomeini (1941-1980), que cataloga diversos discursos e escritos do líder sobre diversos temas. 14 em nível de identidade. Adicionalmente, quanto ao Irã como universo de análise, recorrer-se-á ao conceito de comunidades imaginadas, originalmente proposto por Benedict Anderson. Desse modo, esta pesquisa será guiada de modo a responder a seguinte pergunta: a partir do framework conceitual oferecido por Anderson (1983), como foi construído o speech-act, ou atos-discursos, em que os bahá’ís são apresentados como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana, após a Revolução Islâmica até 1991? Para tanto, parte-se da premissa de que existe um movimento de securitização, promovido a partir da ruptura do continuum da história, em 1979, que constrói, por meio do speech-act, os bahá’ís como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana, tendo como o seu ápice o Memorando Golpaygani, em 1991. Portanto, tendo em mente que este é um assunto em que as unidades de análise estão concentradas em debates sobre o papel da identidade, o setor societal é o que será utilizado para guiar a análise da securitização. Sendo assim, abaixo, pode ser verificada a cadeia causal desta pesquisa:

Figura 1 – Variáveis desta Pesquisa

Variável Dependente

O speech-act dos atores securitizadores e funcionais deste caso viabiliza a construção dos bahá’ís como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana Variáveis Intervenientes

1) os mecanismos estatais; 2) a legitimação do público-alvo para tomar medidas extraordinárias pelo uso da força para eliminar a ameaça. Variáveis Independentes

1) os elementos da comunidade imaginada iraniana; 2) a proteção à vulnerabilidade do objeto referente (a nação); 3) os princípios potencializadores da securitização da Fé Bahá’í.

Fonte: Elaboração da autora.

Como pode ser visualizado acima, tem-se como variável dependente a construção do speech-act dos atores securitizadores e funcionais iranianos na securitização dos bahá’ís como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana. Já como variáveis independentes serão utilizadas: 1) os elementos da comunidade imaginada iraniana; 2) a proteção à vulnerabilidade do objeto referente (o Islã); e 3) os princípios potencializadores da securitização da Fé Bahá’í. 15

Como variável interveniente, as que viabilizam o processo final, serão utilizadas: 1) os mecanismos repressores estatais; e 2) a legitimação do público-alvo para tomar medidas extraordinárias que justifiquem o uso de meio extraordinários para eliminar a ameaça. Desse modo, esta pesquisa tem como objetivo geral estudar o caso da securitização dos bahá’ís no Irã, por meio da compreensão do speech-act dos atores securitizadores e funcionais, a fim de apresentarem os bahá’ís como uma ameaça à nação. E os objetivos específicos, a serem desenvolvidos ao longo de quatro capítulos, são: 1) compreender as teorias da securitização e de comunidades imaginadas; 2) aplicar a teoria das comunidades imaginadas ao Irã, analisando os elementos que a constitui; 3) compreender a Fé Bahá’í e os seus princípios que podem potencializar a sua construção como uma ameaça; e 4) compreender o speech-act dos atores da securitização, por meio da análise do setor societal. Sendo assim, os capítulos serão desenvolvidos buscando-se responder à pergunta de pesquisa cujas respostas, assim se espera, possam validar ou refutar a premissa proposta. Então, no Capítulo 1, primeiramente, é exposto o conceito de segurança e discute-se a teoria da securitização, abordando as suas unidades de análise e o setor de análise desta pesquisa, o societal. Na segunda parte deste Capítulo, traz-se a conceituação de comunidades imaginadas, sendo que esta é definida como nação, o objeto referente para este estudo de caso. Nesse sentido, é fundamental a compreensão das duas teorias apontadas para que, nos Capítulos 2 e 4, sejam testadas as teorias, avaliando o objeto referente e a construção dos bahá’ís como ameaça, a partir de 1979. Já o Capítulo 2 é voltado para a compreensão da nação iraniana, sob a perspectiva de comunidades imaginadas, de Anderson (1983), analisando, assim, os elementos que a compõe a partir da Revolução Islâmica. Dessa maneira, este capítulo trata, em relação ao Irã, dos aspectos territoriais, de soberania, da estrutura de poder do país e do Islã enquanto o principal conector dos indivíduos da comunidade imaginada iraniana. Assim, visto que a comunidade se distingue das outras pela maneira que é imaginada, toma-se o Islã como a principal característica de imaginação desta nação, e a não secularização e não ocidentalização como fatores que respaldam a religião enquanto elemento central da imaginação desta comunidade. O Capítulo 3 expõe a história da Fé Bahá’í, apontando os seus principais aspectos religiosos, demostrando, desse modo, que o tema dos bahá’ís já era politizado em 1979, observadas as problemáticas da Fé desde a sua origem, em 1844. Também são comentados os aspectos administrativos, compreendendo o porquê de Israel ser um polo sagrado e administrativo para os bahá’ís. Por último, são analisados três dos seus princípios tidos como potencializadores do movimento de securitização (revelação progressiva, unidade da 16 humanidade e igualdade de gênero), neste estudo de caso, dado que tais princípios agem no sentido oposto ao que o novo governo prega como “nova” nação. Já o Capítulo 4 trata das questões do estudo de caso em si, testando a teoria da securitização e abrangendo as suas unidades de análise. Nesse sentido, o Capítulo 4 aborda o tema da construção do speech-act dos atores securitizadores, que se concentram na figura os dois líderes supremos que estiveram no poder de 1979 a 1991. Este Capítulo também analisa o speech-act dos atores funcionais, sendo que estes, para esta pesquisa, foram os aiatolás, o aparelho estatal e o grupo Hojjatyieh. Por fim, explanam-se os atores dessecuritizadores, que são os que buscam deslocar os bahá’ís da agenda de segurança para a agenda de assuntos não politizados, sendo eles as organizações internacionais e a mídia. Desse modo, os quatro capítulos visam a responder à pergunta desta pesquisa e a verificar a premissa proposta aqui, durante o período de análise selecionado via marcos históricos importantes para este estudo, sendo, por fim, apresentados os resultados na Conclusão. Além disso, deve ser apreendido que tais marcos são fundamentais dado que a Revolução Islâmica reestruturou o sentido de nacionalismo no Irã, a partir de 1979, e que o Memorando Golpaygani foi um elemento central na maneira que o governo lidava com a questão bahá’í na agenda de segurança. Desse modo, a seguir, serão explanadas as teorias para se obter bases para testá-las nos Capítulos 2 e 4.

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2 MARCO TEÓRICO: SECURITIZAÇÃO E COMUNIDADES IMAGINADAS

Desde meados da década de 1980, o Copenhagen Peace Research Institute (COPRI), mais conhecido como Escola de Copenhague, vem movendo esforços no sentido de debater o conceito de segurança internacional, por meio da construção de pesquisas coletivas. Inicialmente, foram propostos conceitos mais próximos à Escola Realista das Relações Internacionais, abrangendo estritamente os tradicionais setores político e militar de segurança internacional, além de uma visão estado-cêntrica nos níveis de análise (TANNO, 2003). No entanto Wæver (1989), um dos expoentes revisionistas da Escola, defendeu que as questões de segurança são socialmente construídas, trazendo à tona apontamentos construtivistas ao debate, abrangendo, assim, unidades de análise além do Estado.2 Dessa maneira, a partir da evolução da conceituação do termo, por meio de uma abordagem que engloba atores além do Estado, que considera um novo tipo de análise da ordem global no contexto pós-Guerra Fria e que é um processo construído social e intersubjetivamente, entende-se que segurança é:

[…] the move that takes politics beyond the established rules of the game and frames the issue either as a special kind of politics or as above politics. […] “Security” is thus a self-referential practice, because it is in this practice that the issue becomes a security issue – not necessarily because a real existential threat exists but because the issue is presented as such a threat. (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998, p. 23-24).

Nesse sentido, para subsidiar o próprio conceito de segurança internacional, foi criada a teoria da securitização, que é o movimento3 que leva um assunto de não politizado à agenda de segurança4, por meio dos atos de fala (speech-act) dos atores securitizadores5 e da legitimação pelo público-alvo dos atos discursivos proferidos pelos chamados atores securitizadores.6 Assim, para Wæver, Buzan e Wilde (1998, p. 23-24):

2 Ademais do esforço de Wæver (1989), foi Ullman (1983) que trouxe reflexão pioneira de que é arriscado pensar segurança apenas em termos militares. Depois deste autor, houve o posicionamento de Buzan (1983), que traz cinco tipos de ameaças possíveis para a segurança, além de propor novos objetos referentes, pois, segundo ele, a resposta à pergunta “o que proteger?” é muito rasa quando se reduz a resposta ao “Estado”. Buzan também apontou ser necessário entender que as ameaças estão além do Estado, estando tanto acima dele (oriundas do sistema internacional) quanto abaixo (no nível dos indivíduos e comunidades coletivas). 3 Há o movimento inverso também, que é o movimento de dessecuritização. Neste movimento, o tema que está na agenda de segurança passa a ser não politizado, sofrendo o mesmo movimento de forma inversa (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998). 4 Este movimento será compreendido nas próximas páginas. 5 É o agente que tem o poder de elevar um tema à agenda de segurança por meio do uso de ferramentas (discurso, principalmente) que convençam o seu público a legitimar as suas tomadas de decisão. A partir dessa legitimação, é que ocorre a securitização. 6 São três características fundamentais para um tema ir à agenda de segurança: ser reconhecido como ameaça, ter caráter de urgência e serem requeridos os meios para serem tomadas medidas extraordinárias. 18

Securitization can thus be seen as a more extreme version of politicization. In theory, any public issue can be located on the spectrum ranging from nonpoliticized (meaning the state does not deal with it and it is not in any other way made an issue of public debate and decision) through politicized (meaning the issue is part of public policy, requiring government decision and resource allocations or, more rarely, some other form of communal governance) to securitized (meaning the issue is presented as an existential threat, requiring emergency measures and justifying actions outside the normal bounds of political procedure).

Complementa-se, ainda, que a securitização é:

O processo discursivo através do qual uma compreensão intersubjetiva é construída dentro de uma comunidade política para tratar algo como uma ameaça existencial a um objeto de referência e possibilitar a requisição de medidas emergenciais e excepcionais para lidar com a ameaça. (WÆVER; BUZAN, 2003, p. 491).

Sendo assim, como previamente dito, existe um ator securitizador que possui interesse em fazer com que um tema seja tratado como ameaça a um objeto referente e que, portanto, passe a integrar a agenda de segurança, por meio da legitimação conferida pelo público-alvo dos discursos apresentados, conferindo ao tema caráter de urgência e, assim, a tomada de ações extraordinárias7 para proteger o objeto referente (QUEIROZ, 2011). É fundamental reiterar, ainda, que é imprescindível haver legitimação por parte do público do ator securitizador, pois, caso contrário, seria apenas um movimento de securitização, e não a securitização em si (QUEIROZ, 2011). Sendo assim, a figura a seguir, traz uma síntese do que foi dito até aqui, ou seja, os possíveis lócus ocupados por um tema, da politização à dessecuritização:

Figura 2 – Movimento de Securitização e Dessecuritização

Fonte: Queiroz e Cardoso (2017).

7 As decisões extraordinárias podem ser por meio da utilização de recursos políticos pouco ortodoxos como o rompimento de relações diplomáticas, imposições de embargos ou da criação de mecanismos/regras que estejam fora do “jogo político”, como as que endossam o uso da força (QUEIROZ, 2011). 19

Quanto às unidades de análise, de acordo com a Escola de Copenhague, têm-se:

Quadro 1 – Unidades de Análise de Acordo com a Escola de Copenhague

Unidades de Análise Descrição Objeto cuja segurança/existência se encontra Objeto Referente ameaçada.

Atores que dispõem de autoridade e/ou recursos que Ator Securitizador lhes autorizem declarar determinado objeto referente como existencialmente ameaçado.

Atores que afetam a dinâmica de um ou vários Atores Funcionais setores, contudo, sem atuar na condição de objeto referente ou ator securitizador.

Fonte: Wæver, Buzan e Wilde (1998, p. 35-36) apud Queiroz e Cardoso (2017, p. 65).

Nessa perspectiva, em esclarecimento, o objeto referente é o que está sendo ameaçado, podendo ser o próprio Estado, uma nação ou uma ideologia, por exemplo, portanto é o objeto referente que também molda e define a securitização nos cinco setores definidos (militar, político, societal, econômico e ambiental), pela Escola de Copenhague, cada qual com as suas singularidades, atores e agendas próprios (TANNO, 2003). Já os atores funcionais são os que influenciam a dinâmica, como organizações internacionais, ONGS, lobbies, comunidades epistêmicas, a depender do setor sob análise, mas não podem requerer os meios extraordinários para conter uma ameaça construída. Desse modo, esclarece-se que, para fins da pesquisa ora proposta, apenas será analisado o setor societal, visto que é o que possui características mais propícias para a análise da securitização dos bahá’ís no Irã, tendo em mente que o objeto referente é a comunidade imaginada iraniana, sendo, então, a identidade a unidade referencial.

2.1 SETOR SOCIETAL

O setor societal foi originalmente concebido por Wæver et al. (1993) como uma maneira de explicar o papel das identidades e sociedades, a ela associadas como um tema de segurança8. Nesse sentido, o que é colocado como o centro deste setor é a identidade, que é definida como um conector dos indivíduos que se sentem parte de uma mesma comunidade ou nação. Contudo há problemas terminológicos neste último termo e que são justificáveis por

8 De acordo com o Tanno (2003, p. 65), em análise à Wæver et al. (1993), “[...] afirma-se que a definição das ameaças a esse setor varia como entendimento de sociedade utilizado. Os pesquisadores da Escola asseveram que a sociedade é mais do que as somas das partes, mas não pode ser reduzida ao indivíduo porque depende da existência de identidade coletiva. Existe, no entanto, uma distinção ontológica entre Estado e sociedade que permite que esta possa reproduzir-se de forma autônoma”. 20 serem problemas “derivados da natureza de comunidades baseadas em identidade” (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998, p. 120). Nesse contexto, é entendido que:

The organizing concept in the societal sector is identity. Societal insecurity exists when communities of whatever kind define a development or potentiality as a threat to their survival as a community. Despite the impression one might get from the present and, especially, previous presentations, the definition is not in terms of nations. Definitionally, societal security is about large, self-sustaining identity groups; what these are empirically varies in both time and place. In contemporary Europe (for which concept was originally elaborated, see Wæver et al. 1993), these groups are mainly national, but in other regions religious or racial groups have more relevance. The concept could also be understood as “identity security”. (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998, p. 119-120, grifo dos autores).

Além disso, a agenda deste setor é influenciada pelo contexto histórico e pela região, sendo as ameaças mais comuns oriundas de eventos como (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998, p. 121):

 Migração: um povo recebe indivíduos com outras peculiaridades identitárias e, consequentemente, haverá alteração da identidade desse povo (o temor que a Hungria tem em receber imigrantes muçulmanos, por exemplo, é devido ao risco à cultura cristão do país);  Competição horizontal: mudança na cultura e na linguística devida aos vizinhos (como o caso dos canadenses em relação aos norte-americanos); e  Competição vertical: tentativa de ampliar ou de estreitar uma identidade, o que leva a ações que sejam centrífugas ou mais centrípetas, na busca de construção de tal identidade, por meio da integração (União Europeia) ou do separatismo (Catalunha).

Desse modo, estes autores entendem que as vulnerabilidades de diferentes sociedades dependem de sobre o que a identidade foi construída, como é perceptível na cultura persa, que é concentrada no Irã, e a tendência à globalização do século XXI, por meio das redes sociais, que pode ser considerada um risco àquela. Ainda segundo os mesmos autores, uma ameaça pode estar mais próxima que outra, mas a mais distante é mais preocupante, pois é a que pode impactar mais consideravelmente uma determinada vulnerabilidade. Então, por meio dessa distinção efetuada, Wæver, Buzan e Wilde (1998) afirmam que é possível fazer uma análise 21 das dinâmicas regional e global de acordo com os três principais vetores de ameaças descritos acima. Em consequência, são definidos os objetos referentes deste setor, que são aquilo que uma sociedade entende como algo que define a sua identidade, que é algo que deve ser protegido, como é definido abaixo ao afirmar-se que:

The referent objects in the societal sector are whatever larger groups carry the loyalties and devotion of subjects in a form and to a degree that can create a socially powerful argument that this "we" is threatened. Since we are talking about the societal sector, this "we" has to be threatened as to its identity. ”. (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998, p. 123).

Nessa compreensão, os principais objetos referentes deste setor, que são construídos via contexto histórico e fatores sociais, são tribos, clãs, nação, religião e raça, por exemplo. Portanto, como, em muitos casos, a nação está ligada intimamente ao Estado, faz-se com que as definições de objetos referentes sejam feitas por indivíduos (atores securitizadores) que exercem o poder estatal (como chefes de Estado e governo), líderes religiosos, minorias étnicas, mídia e movimentos sociais (nacionalistas ou anti-imigratórios, por exemplo). Além disso, entende-se que as dinâmicas deste setor ocorrem, também, em âmbito global, observado o contexto globalizante desenvolvido no pós-Guerra Fria, no entanto as dinâmicas societais acontecem, de maneira geral, dentro do Estado ou dentro de um número restrito de Estados (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998). Isto posto, foi compreendida a importância de ter sido desenvolvida e defendida a existência de um novo setor, pois as ameaças e a agenda de segurança fogem do escopo realista limitado à dimensão político-militar. Ademais, o setor societal oferece subsídios para análises mais profundas das comunidades e nações, por exemplo, sem o risco das pesquisas serem limitadas à análise do Estado, visto que há ferramentas autênticas do setor. Sendo assim, tendo feito um resgaste das principais características que moldam o setor societal e já entendido o que a securitização é, a seguir, será feita uma explanação do que é o speech-act e como ele age no movimento de securitização.

2.2 SPEECH-ACT

O ano de 1989 também foi um marco para a evolução do entendimento do que é segurança, pois Wæver defendeu, em seu artigo Security, the Speech Act: analysing a politics of a word, que a segurança pode ser entendida como atos de fala. Neste artigo, quando Wæver 22

(1989, p. 41-45) explica a noção de segurança enquanto um speech act, há três pontuações direcionadoras: 1) o que é exatamente o “’security’ act”?; 2) está sendo falado sobre formas de “regras do jogo”?; e 3) qual a compatibilidade entre Pós-Estruturalismo e a Teoria dos Atos de Fala?. No entanto, com vistas a não desviar o foco desta pesquisa, será elucidado somente o primeiro ponto do artigo, no qual Wæver (1989) justifica que Austin (1962) entende que todas as declarações são os atos de fala em si e os divide em três dimensões:

 Locucionários: são as falas simples e que são percebidas apenas como falsas ou verdadeiras, no sentido de serem apenas signos linguísticos;  Perlocucionários: são os efeitos gerados por indivíduos que podem tomar decisões; e  Ilocucionários: é a “pure speech act dimension”, que é como é dito e com qual intenção, fazendo, também, com o que o interlocutor possa revestir em ações o que ouviu/viu.

Nesse sentido, compreende-se que falar é fazer (AUSTIN, 1962), no entanto, segundo Amaral (2008, p. 74), “falar [não] é a única forma de fazer”, resgatando que um indivíduo pode executar uma ação sem falar (como matar). Entretanto este autor esclarece, ainda, que o ato de matar não exige que um ser se torne um ser linguístico para tomar tal ação, mas que, por exemplo, um bombardeio de um Estado a um campo de refugiados se reveste de ações sociolinguísticas para repassar uma mensagem. Sendo assim, de acordo com os Queiroz (2011) a respeito de Austin (1990), infere-se que, para que um ato de fala (ilocucionário) tenha os efeitos produzidos esperados (perlocucionário), é necessário que haja um contexto apropriado e que os atos de fala sejam proferidos por atores específicos de tal contexto. Compreendido isto, em complemento ao que já foi dito na primeira seção deste capítulo do que é segurança, entende-se, também, para esta pesquisa, que a sua definição é:

What then is security? With the help of language theory, we can regard "security" as a speech act. In this usage, security is not of interest as a sign that refers to something more real; the utterance itself is the act. By saying it, something is done (as in betting, giving a promise, naming a ship). By uttering "security", a state representative moves a particular development into a specific area, and thereby claims a special right to use whatever means are necessary to block it. (WÆVER, 1995, p. 55, grifos do autor).

Nessa perspectiva, o que foi defendido nesta subseção é que o speech-act é, por assim dizer, a própria segurança, de modo que não necessariamente existe uma ameaça real a um 23 objeto referente, mas por a ameaça ao objeto referente poder ser construída por meio de elementos intersubjetivos em determinada conjectura. Então, na esfera da securitização, é o ato de fala que constitui a ameaça, fazendo com que o ator securitizador convença o seu público de que esta existe de fato, requerendo, assim, a legitimação para utilizar de meios extraordinários, fora das “regras do jogo”, para conter tais ameaças a um determinado objeto referente (WÆVER, 1995). Então, como será visto oportunamente, aplicando-se o referencial conceitual ao estudo de caso, assumisse-se que os atores securitizadores e os atores funcionais se utilizam do ato-discurso de que os bahá’ís (ameaça) são um risco à comunidade imaginada iraniana (objeto referente).

2.3 COMUNIDADES IMAGINADAS

Em 1983, Benedict Anderson publicou o livro Comunidades Imaginadas, um importante referencial para entendimento da construção do nacionalismo e do sentimento nacional compartilhado, estando fora da centralidade dos posicionamentos tradicionais9. Nesse ensaio, Anderson (1983) defende que a nacionalidade10 e o nacionalismo são “produtos culturais específicos” que só podem ser entendidos por meio da exploração de suas origens históricas. Desse modo, o autor articula que nação11 é “[...] uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e, ao mesmo tempo, soberana” (ANDERSON, 1983, p. 32, grifos nossos), que se diferencia das outras pelo estilo em que é imaginada. Justificam-se, assim, os termos-chave utilizados pelo autor, como se seguem:

 Imaginada: porque os membros de uma comunidade podem não se conhecer, mas sentem que vivem em comunhão, visto que há elementos que os conectam;  Limitada: as fronteiras são finitas, ainda que sejam elásticas;  Soberana: as nações querem ser livres, e, estando sob a égide do “divino”, isto não é possível. Então surgem os Estados soberanos, no período do Iluminismo e da Reforma, que são elementos fundamentais na quebra dos reinos dinásticos

9 Como a publicação, em 1882, do livro “Qui es una Nación?”, de Ernest Renan, que, de acordo com a leitura de Dias (2012), defende que a nação possui um caráter espiritual, ligado às memórias compartilhadas de um povo que mantém o desejo de se manter junto e de preservar a história. 10 Entendida como condição nacional (ANDERSON, 1983, p. 30). 11 A título de esclarecimento, nação e comunidade imaginada iraniana são, portanto, a mesma coisa e serão utilizadas no texto com o mesmo sentido. 24

com orientação religiosa, além de surgir a diversidade dentro da própria Igreja; e  Comunidade: afora as questões de exploração e de desigualdade, os membros de uma comunidade são vistos de maneira horizontal.

Então, para chegar a tal conceito, Anderson (1983) faz um resgaste histórico, comparando os grandes sistemas culturais ao nacionalismo, dos quais, para os fins de sua pesquisa, apenas dois sistemas culturais antigos são referenciados: a comunidade religiosa e os reinos dinásticos12. A comunidade religiosa era caracterizada, sobretudo, pela extensão dos povos e pela utilização de línguas e escritas sacras, que, segundo Anderson (1983), eram divididas em três grandes, naquele período: latim, chinês e árabe. Estas línguas também eram vistas como as línguas-verdade, por serem faladas/escritas somente pelas camadas religiosa e intelectual. Assim, isto fazia com que a realidade fosse construída por estes indivíduos e repassada às classes baixas, elevando, ainda, a importância do discurso e da construção da realidade por meio das comunicações visual e auditiva (como pinturas, estruturas sacras e outros). Já os reinos dinásticos estavam assentados sob a égide de divindades, pensando os membros dessa comunidade como súditos, e não como cidadãos, e possuindo populações muito heterogêneas, em extensos espaços territoriais. Portanto é uma estrutura diferente de como é conhecido o Estado contemporâneo, visto que, “no imaginário mais antigo, onde os Estados eram definidos por centros, as fronteiras eram porosas e indistintas, e as soberanias se esvaeciam imperceptivelmente uma dentro da outra” (ANDERSON, 1983, p. 48). Além disso, existia a questão da “política sexual”, que era marcada pelo casamento entre membros de dinastias, unindo, assim, territórios e povos sob um mesmo domínio dinástico. Para além dos grandes sistemas culturais, é trazida à tona a investigação das percepções temporais como importante para a conceituação de nação, apontando, assim, a palavra simultaneidade, que é “transversal, cruzando o tempo, marcada não pela prefiguração e pela realização, mas, sim, pela coincidência temporal, e medida pelo relógio e pelo calendário” (ANDERSON, 1983, p. 54). Para explicar melhor este tema e a sua ligação à nação, Anderson (1983, p. 55) utiliza os exemplos do jornal e do romance, que representam “o tipo de comunidade imaginada correspondente à nação”. O jornal, porque os membros de uma comunidade estão lendo uma versão idêntica, em locais públicos, nos mesmos lugares, de um

12 Anderson (1983, p. 51-52) não infere, em momento algum, que foi a partir desses sistemas culturais que surgiu o nacionalismo, foi apenas uma maneira de “pensar” nação enquanto conceito. 25 jornal com as mesmas informações; e o romance, por possuir um discurso que faz o leitor adentrar o texto e visualizar o local que o autor do romance descreve (como Jorge Amado e as poesias persas) e por ser, de maneira geral, muito caracterizado pelo regionalismo. Dessa maneira, volta-se ao destrinchar do conceito de nação, que diz que a comunidade é assim por existir um senso de camaradagem entre os seus membros e que é imaginada dada a sensação de comunhão entre esses indivíduos, dados os elementos que conectam estes. Sendo assim,

A ideia de um organismo sociológico atravessando cronologicamente um tempo vazio e homogêneo é uma analogia exata da ideia de nação, que também é concebia como uma comunidade sólida percorrendo constantemente a história, seja em sentido ascendente ou descendente. Um americano nunca vai conhecer, e nem sequer saber o nome, da imensa maioria de seus 240 milhões de compatriotas. Ele não tem ideia do que estão fazendo a cada momento. Mas tem plena confiança na atividade constante, anônima e simultânea deles. (ANDERSON, 1983, p. 56-57).

Houve, ainda, conforme Anderson (1983), o fator capitalismo, que foi crucial na formação das nações como são conhecidas hoje, observando que a imprensa se expandiu muito a partir do início do século XVI, possuindo, a princípio, como público-alvo, apenas a população letrada. Assim sendo, com a necessidade de expansão dos negócios, foi importante gerar demanda, levando, então, os materiais impressos ao acesso da população que se utilizava das línguas vulgares, no entanto apenas com direcionamento em “grandes” línguas. Dessa maneira, inúmeros povos começaram a se identificar com um determinado idioma e a aperfeiçoá-lo e a criar uma identidade nacional, por meio de diversos outros aspectos que foram possibilitados a partir do uso de uma língua comum (ANDERSON, 1983). Então, segundo Anderson (1983, p. 53),

Nada serviu para “agrupar” línguas vulgares correlatas mais do que o capitalismo que, dentro dos limites impostos pelas gramáticas e sintaxes, criou línguas impressas mecanicamente reproduzidas, passíveis de disseminação pelo mercado.

Portanto, de acordo com o autor, o capitalismo editorial (as línguas impressas) ofereceu os pilares à consciência nacional de três modos:

 A aproximação de indivíduos falantes de idiomas diferentes, como inglês, francês e espanhol, podendo se compreenderem mutuamente, tanto escrita quanto verbalmente; 26

 A língua ganhou estabilidade, no sentido de se padronizar, e isso construiu a ideia de antiguidade, pois uma mesma língua foi se moldando ao longo do tempo, o que subsidia o conceito de nação por meio da subjetividade; e  A formação de línguas de poder diferente das línguas administrativas, o que fez com que as línguas “em desvantagem” ficassem à margem, por não poderem estar na imprensa ou no rádio.

Por fim, Anderson (1983, p. 55-56) infere que:

[...] em suas origens, a fixação das línguas impressas e a diferenciação de status entre elas foram, em grande medida, processos não intencionais que resultaram da interação explosiva entre o capitalismo, a tecnologia e a diversidade linguística humana. [...] [Sendo assim,] a convergência do capitalismo e da tecnologia da imprensa sobre a diversidade fatal das línguas humanas criou a possibilidade de uma nova forma de comunidade imaginada que, em sua morfologia básica, prepara o cenário da nação moderna.

Dessa maneira, compreende-se que o discurso, sendo revestido de linguagem, foi e é um construtor fundamental da realidade, adicionando, aqui, que as comunidades religiosas e as dinastias foram fatores elementares na compreensão do que é nação, segundo o olhar de Anderson (1983) e que, para este trabalho monográfico, será assumida como premissa. Portanto foi a própria expansão do capitalismo associada à queda das dinastias e das comunidades religiosas e à percepção temporal que fizeram com que as novas comunidades imaginadas fossem pensadas e existissem como é, na Era Moderna. Sendo assim, o conceito de comunidade imaginada está intimamente relacionado aos objetivos desta pesquisa, que vê, no discurso governamental teocrático do Irã, a construção de uma realidade em que os bahá’ís são uma ameaça à comunidade imaginada iraniana (objeto referente), objeto de análise do capítulo seguinte. 27

3 A CONSTRUÇÃO DA COMUNIDADE IMAGINADA IRANIANA, A PARTIR DA RUPTURA DO CONTINUUM DA HISTÓRIA (1979)

Neste capítulo, será retomado o conceito de comunidades imaginadas proposto por Anderson (1983), buscando testá-lo ao contexto do Irã, após a Revolução de 1979. Será feita uma análise somente a partir de 1979 porque, ainda de acordo com Anderson (1983), todas as revoluções após a Segunda Guerra Mundial foram de cunho nacionalista, entendendo-se que, no país em questão, houve uma ruptura do continumm da história13, tornando-se uma “nova” nação. Desse modo, destrinchando o conceito de comunidades imaginadas, primeiramente, faz- se uma descrição quanto a aspectos do território e da soberania do Irã; e, posteriormente, dos elementos que caracterizam o Irã enquanto uma comunidade imaginada após a Revolução de 1979. Sendo assim, destaca-se, em primeiro lugar, que o Irã14 está localizado na região do Oriente Médio, em torno de muitos países árabes sunitas (ver Mapa 1 adiante) e buscando atuar como uma potência regional e como referencial islâmico (COSTA, 2013). Dessa maneira, ao longo dos séculos, foram sendo construídas as relações com os seus vizinhos, de maneira muito turbulenta, observadas, sobretudo, as questões religiosas e de identidade (COSTA, 2013). Nesse sentido, faz-se importante evidenciar as históricas tensões com o povo judeu, fundamentais para os propósitos desta pesquisa e que, segundo Costa (2013), foram marcadas pela sobreposição do povo judeu ao povo islâmico, durante as aglomerações e separações territoriais no Oriente Médio. Desse modo, após a Revolução Islâmica, o Irã cortou as relações diplomáticas com Israel, acusando-o de país sionista e que ocupou Jerusalém (importante polo sagrado para os islâmicos), não o reconhecendo enquanto um Estado. Nesse sentido, segundo Axworthy (2008), quando Israel foi fundado, em 1948, a população judaica no Irã era de, aproximadamente, 100

13 Retomando que esta ruptura do continuum da história, segundo Benjamin (1986), acontece por meio da “quebra” do progresso contínuo da história, por meio da revolução dos oprimidos. 14 “In the south of Iran there is a province called Fars. Its capital is Shiraz and the province contains Iran’s most ancient and impressive archaeological sites, Persepolis and Pasargadae (along with Susa, in neighboring Khuzestan). In ancient times the province was called Pars, after the people who had settled there—the Persians. When those people created an empire that dominated the whole region, the Greeks called it the Persian Empire. Later, the term Persia was applied by the Greeks, Romans, and other Europeans to all the dynastic states that followed in that region—the territory that is Iran today: Sassanid Persia in the centuries before the Islamic conquest, Safavid Persia in the sixteenth and seventeenth centuries, Qajar Persia in the nineteenth century. But all through that time the people of those empires called themselves Iranians, and their land Iran. The word derives from the very earliest times, apparently meaning “noble.” It is cognate both with a similar word in Sanskrit, and with the term “Aryan”—the word used and abused in the racial ideologies of the late nineteenth and early twentieth centuries.” (AXWORTHY, 2008, p. 13). 28 mil, o que foi reduzido a 80 mil até 1979; sendo, em 2016, de acordo com Dashefsky e Sheskin (2017), de 9 mil membros.15 Sendo assim, a construção de Israel enquanto um inimigo pode ser visualizado no discurso de Khomeini16, em 1963, publicado pela IBN TV, quando, opondo-se ao xá Pahlavi, disse que:

Israel does not wish there to be any learned men in this country. Israel does not wish the Qur’an to exist in this country. Israel does not wish the ‘ulama to exist in this country. Israel does not wish to see Islamic precepts in this country. It was Israel that assaulted the madrasa by means of its sinister agents. It is assaulting us too and you, the nation; it wishes to seize your economy, to destroy your trade and agriculture and to appropriate your wealth leaving this country without. Anything which proves to be a barrier, or blocks its path is to be removed by means of its agents. The Qur’an is blocking its path; it must be removed. The religious establishment is blocking its path, it too must be removed; Fayziya is blocking its path, it must be destroyed. The religious students might later prove to be barriers; they must be flung from the roof and their arms and necks broken. We are affronted by our very own government, which assists Israel in achieving its objectives by obeying her command. […] Is Israel His Majesty’s friend? Israel will cause the country’s collapse. Via its agents, Israel will cause the dissolution of the monarchy; but beware, for one thing is certain -if, gentlemen, you take a look at the Baha’ i almanac of two or three years ago, you will read: “Abdul Baha17 advocates equal rights for men and women”; and this is the line that has been adopted by them. Then the ignorant Mr. Shah also steps forward and talks of equal rights for men and women! You poor wretch, they have purposely set you up so that they can say that you are a Baha’i, and so that I in turn denounce you as an unbeliever and you are finally got rid of.

Para além das questões com Israel, que é um fator de aproximação do Irã aos demais países do Oriente Médio, existem características do iranianas que incidem na configuração dessa região: representatividade xiita; república teocrática; herança persa; e ruptura com o Ocidente. Quanto à representatividade xiita, é tratada a questão do Irã ser um país predominantemente xiita (89% da população) e com governo xiita, sendo que todos os outros Estados do Oriente Médio são sunitas, com exceção do Iraque (57% é xiita) e de Bahrain (70%), entretanto todos são governados por sunitas (inclusive Iraque e Bahrain), como é demonstrado no Mapa 1 adiante. Além disso, ainda de acordo com esse mesmo mapa, o Irã é o único país a possuir um governo republicano teocrático (estabelecido após a Revolução Islâmica), isto é, neste país, “o poder é exercido em nome de uma autoridade divina por homens que se declaram seus representantes na Terra” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 1237).

15 Segundo Axworthy (2008), é dado a fundação do Estado de Israel, em 1948, e a imigração da população judaica do Irã para Israel e para os EUA. 16 Khomeini foi um importante aiatolá que liderou o movimento revolucionário contra o xá Pahlavi. Depois da Revolução, foi quem tomou frente e reorganizou o Estado de acordo com a wilayat al-faqih, um modelo de sistema governamental ligado ao xiismo e que foi fundamental na estabilidade da Revolução (COSTA, 2013). 17 Filho de Bahá’u’lláh, o profeta da religião bahá’í. Para mais informações, consultar o próximo capítulo. 29

Mapa 1 – Mapa do Oriente Médio Marcando as Influências do Irã e da Arábia Saudita* e as Religiões, População e Governo nos Países da Região, em 2014

Fonte: Emmanuel Pène (2015). Notas: * Embora o mapa traga questões de comparação entre Irã e Arábia Saudita, os pontos de enfoque, neste mapa, para esta pesquisa, devem ser duas das quatro variáveis que configuram o Oriente Médio e o Irã: forma de governo dos Estados e os dados acerca da religião, no Oriente Médio.

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Mapa 2 – Grupos Étnicos do Oriente Médio (visão tradicional Ocidental)

Fonte: Izady (2017).

Quanto à variável de herança persa, conforme pode ser observado no Mapa 2, acima, o Irã é um país que concentra a etnia persa (constatado nos destaques em laranja do mapa), distanciando-se dos demais, nesse quesito, que são Estados compostos predominantemente por árabes (destaque em amarelo no mapa), representantes de 44,2% de toda a população do Oriente Médio (IZADY, 2017). O persa é uma considerável característica do país, visto que remonta as origens deste, dois mil anos a.C., com a chegada de um ramo de imigrantes de família indo- europeia que se instalou na região (os persas)18, dado o ciclo de migração e de invasão,

18 De acordo com Axworthy (2008, p. 2), “Long before the migrants who spoke Iranian languages arrived from the north, there were other people living in what later became the land of Iran. People lived on the Iranian plateau as early as 100,000 bc, in what is known as the Old Stone Age, and by 5000 bc agricultural settlements were 31 compartilhando um mesmo idioma19, além da sua ligação direta com o Império Persa (AXWORTHY, 2008). Dessa maneira, segundo Axworthy (2008), a história e a cultura persas foram sendo construídas concomitantemente à ideia de língua, de raça e de território, que paira até a atualidade, misturando-se, também, com a religião zoroastra20. Por último, vê-se a característica da ruptura que o Irã obteve com o Ocidente, depois da Revolução Islâmica, visto que, nos governos anteriores, sobretudo o da dinastia Pahlavi (1925- 1979), havia um esforço evidente de modernização do país e de aproximação aos países ocidentais. Desse modo, uma vez que era fundamental retomar as suas raízes persas e xiitas21, os iranianos se afastaram do Ocidente e se afastaram, também, do Oriente Médio, observado que os demais possuem relações diplomáticas com os Estados Unidos, por exemplo, que são os principais representantes do ocidentalismo. Portanto, compreendidas as problemáticas que estão em torno da localização do Irã na região, a seguir, serão propostas as características da comunidade imaginada iraniana.

3.1 TERRITÓRIO E SOBERANIA DA COMUNIDADE IMAGINADA IRANIANA

No conceito de comunidades imaginadas, Anderson (1983) entende que uma nação possui fronteiras definidas, ainda que sejam elásticas, e que não se imagina se estendendo ao mundo todo. Já a soberania é entendida como um processo que teve início no período do Iluminismo e da Revolução Islâmica (1979), caracterizando-se por um anseio que a nação teria de se tornar livre, e essa liberdade estaria associada ao revestimento da nação enquanto Estado, visto que seria um Estado-nação soberano. Portanto, a fim de complementar o conceito de comunidades imaginadas, são partes constituintes do Estado moderno, de acordo com Mello (2007, p. 263), em alusão a Weber, os seguintes elementos aplicados ao Irã:

flourishing in and around the Zagros mountains—the area to the east of the great Sumerian civilization of Mesopotamia”. 19 Axworthy (2008, p. 1) explana que este processo imigratório “[…] explains the close relationship between the Persian language and other Indo-European languages— particularly Sanskrit and Latin, but also modern languages like Hindi, German, and English”. 20 Segundo Axworthy (2008), não há uma resposta clara, atualmente, sobre a origem do profeta Zoroastra, sendo que os seus seguidores acreditam que foi 600a.C. e alguns estudiosos da área acreditam que foi entre 1000- 1200a.C., dados os elementos de linguagem da época. É uma religião monoteísta e o seu calendário é utilizado no Irã ainda hoje. 21 Os clérigos e demais tradicionais acreditavam que o país havia se distanciado do xiismo e da cultura persa com a aproximação do país ao Ocidente (COSTA, 2013). 32

a) Ordem administrativa e jurídica: pautadas na Constituição de 1979 (que ainda está em vigor), dividindo-se nos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e no wilayat al-faqih22; b) Aparato administrativo que é regulamentado por uma legislação: também é definido pela Constituição de 1979 e pela Sharia23; c) Autoridade legal sobre as pessoas: tendo em vista que há uma Constituição vigente que é enxergada como legal e aceita pela população há 39 anos, entende-se, assim, que o Estado possui legitimidade para executar os atos sobre as pessoas. Além disso, a Constituição iraniana está intimamente ligada à Sharia, o que faz a legitimidade do Estado ser mais sólida, porque o povo a vê como o seu guia moral (COSTA, 2013); d) Autoridade legal sobre as pessoas e atos praticados no seu território: retoma-se a justificativa anterior de que há um poder estatal para fazer cumprir a legalidade, julgar, prender ou executar demais atividades legais que sejam aceitas perante a lei estabelecida e perante a sociedade. Ademais, os atos praticados são “obedecidos” pela população, principalmente por ter uma lei baseada no Islã (BIRMAN, 2015); e e) Legitimidade para o uso da força: existe todo um aparato constitucional que organiza e legitima o uso da força, por meio da Constituição.

Nesse sentido, para além das questões de soberania, o Irã possui um território24, como é ilustrado no Mapa 1, definido após a invasão do Iraque ao país, durante o início dos anos 1980. Já em compreensão ao seu aspecto histórico, este território só foi constituído assim após mais de dois milênios de conflitos territoriais, iniciando tal processo ainda enquanto Pérsia, no período em que as primeiras migrações persas se aglomeraram na região. Assim, ainda no âmbito do território, ressalta-se que, com a morte de Mohammad, em 632 d.C., houve profundas disputas de poderes políticos e religiosos, a partir da cisma entre as vertentes xiitas e sunitas25, no entanto, ainda assim, o Império Islâmico foi se alastrando

22 Modelo hierárquico xiita de poder (COSTA, 2013), que será analisado no próximo tópico. 23 Lei baseada no Corão e possui três principais legislações que o muçulmano deve seguir: a sua relação com Deus; as suas relações sociais e econômicas; e a construção da moral do indivíduo (NASSER, 2012). 24 É importante ressaltar que a ummah não se define por territórios (COSTA, 2013), mas, para fins desta pesquisa, será considerada apenas a análise do território do Irã em fronteiras condizentes com a limitação da comunidade imaginada iraniana, enquanto Estado-nação ligado ao xiismo. 25 Consiste, de um lado, na ideia de que Ali, primo de Mohammad, era o seu sucessor por direito sanguíneo e que foi o segundo seguidor do profeta (xiitas); e, de outro lado, resiste a ideia de que deveria ser Abu Bakr, pois é defendido também como o segundo seguidor e que Mohammad deveria ter dito que ele seria o seu sucessor. 33

(COSTA, 2013), o que influenciou no processo de formação territorial do país. Desse modo, nos séculos seguintes, houve inúmeras perseguições aos seguidores xiitas, visto que eles eram uma contraposição aos sunitas, que eram maioria e que estiveram, na maior parte do tempo, no poder. Sendo assim, os xiitas, fugindo das perseguições e da opressão, foram se aglomerando, sobretudo, nas regiões do Irã e do Iraque26, dadas as disputas territoriais e de domínio que estavam muito relacionadas ao que determinada dinastia seguia em termos de religião (COSTA, 2013). Dessa maneira, entendidos os dois primeiros aspectos da definição de comunidades imaginadas, define-se, também, que a comunidade possui uma população, que são os indivíduos que a integram e que compartilham um sentimento de pertencimento, de camaradagem, fazendo com que ela seja imaginada de determinada maneira (ANDERSON, 1983). No Irã, esta comunidade é composta por 81 milhões de indivíduos, num espaço de 1,648 milhão de km². Então, partindo-se desta premissa, a seguir, será analisada a estrutura de poder do Irã, que servirá de respaldo para o estudo de caso e, também, como respaldo do que Mello (2007) propôs acima. Isto é com vistas a esclarecer a ideia de comunidade imaginada iraniana, após a Revolução Islâmica, levando em consideração os principais elementos desta e associando-os à formação de uma “nova” nação.

3.2 ESTRUTURA DE PODER NO IRÃ, A PARTIR DA REVOLUÇÃO ISLÂMICA

Este tópico tem como objetivo esclarecer sobre a estrutura de poder no Irã, após a Revolução de 1979, utilizando-se da compreensão do que é o Modelo Teórico Wilayat al-Faqih, como ser visualizado na Figura 3, e a estrutura administrativa do país. Nesse sentido, de acordo com Costa (2013), dado o seguimento, no Irã, da escola usulita27, incorreu a necessidade de haver indivíduos mais articulados e que pudessem interpretar o Corão e a Tradições dos Puros28 como fonte da doutrina e da lei. No entanto se deve ter em mente que há escritos sagrados que não são tão claros e que devem ser interpretados à luz da Sharia, devido à necessidade de adaptação dos escritos ao tempo que a humanidade vive.

Dentro disso, há inúmeras outras pontuações entre xiitas e sunitas sobre quem realmente era o sucessor de Mohammad (COSTA, 2013). 26 Há outras regiões, como as que hoje estão o Líbano e o Bahrain, mas estas duas são referenciais na aglomeração, considerando a demografia e a porcentagem de xiitas em cada um desses países. 27 Escola de jurisprudência no Irã. 28 Constituída pelas orientações de Mohammad e dos Doze Imãs. 34

Figura 3 – Modelo Teórico Wilayat al-Faqih

Fonte: Hamzeh (2004, p. 32).

Nesse contexto, surgem os jurisconsultos (faqih), que são indivíduos capacitados para interpretar as leis à luz do Alcorão e das Tradições, passando a ser fonte de imitação (maraji al-taqlid) por parte de seus seguidores (muqalids), que devem escolher um jurisconsulto para guiar a sua conduta moral. Dessa maneira, a teoria do wilayat al-faqih “é fruto da análise e entendimento de jurisconsultos xiitas que buscaram em suas fontes a explicação para o processo sucessório após a morte do profeta” (COSTA, 2013, p. 210), um dos fatores que causaram a cisma entre xiitas e sunitas. Nessa perspectiva, Costa (2013) expõe que os xiitas seguiam um modelo político-religioso que era baseado no modelo em questão, apontado na figura acima, que tinha como período temporal o imamato, mas que durou somente até a Ocultação do Décimo Segundo Imã29 (aproximadamente 941 d.C.) e retornou somente em 1979, com Khomeini. Em suma, segundo a figura anterior, na hierarquia do modelo proposto, estariam, em sequência: Deus, o profeta Mohammad e os Doze Imãs. Logo abaixo dos Doze Imãs, estaria o wali al-faqih, que é o jurista maior, uma pessoa designada por Deus para administrar social, política e administrativamente a ummah30 enquanto o Décimo Segundo Imã não retornasse. Sendo assim, após a Revolução de 1979, o jurista maior seria Khomeini, incumbido de

29 Na doutrina xiita, após a morte de Mohammad, houve 12 imãs, que eram pessoas enviadas por Deus para guiarem religiosa, política e administrativamente a ummah (comunidade muçulmana). O mito do Décimo Segundo Imã é pautado na ideia de que ele está oculto e retornará (COSTA, 2013). 30 Comunidade muçulmana. 35 administrar o novo imamato e estabelecer a ordem no país, baseada no Alcorão e nas Tradições (COSTA, 2013). Nesse sentido, segundo Costa (2013), esse regime teocrático estaria fadado ao sucesso pelo simples fato de grande parte dos xiitas iranianos ter legitimado o poder de Khomeini. Além disso, esse modelo proposto era visto como uma maneira que o poder de Deus estava emanando por meio de um indivíduo. Desse modo, no último capítulo da Constituição, que trata da revisão desta, é exposto que o modelo governamental com base no Islã, escolhido a partir da Revolução Islâmica, não era passível de alteração. Assim, é estabelecida a estrutura de poder no Irã, em forma administrativa, como pode ser visualizado no organograma a seguir, com a figura de Khomeini como central no processo. Tal concentração é perceptível por meio da análise de que o eleitorado elege a Assembleia de Experts31, que, por sua vez, elege o supremo líder, no entanto o Conselho de Guardiões32 é quem determina quem está apto a ser candidato para a Assembleia de Experts. O Conselho dos Guardiões é composto por 12 membros, dos quais seis são clérigos escolhidos pelo líder supremo e seis são não clérigos escolhidos pelos Majles33, por recomendação do chefe do Poder Judiciário34, sendo que este é escolhido pelo líder supremo (IRÃ, 1979). Já os Majles são eleitos pelo povo, no entanto é o Conselho de Guardiões quem aprova todas as candidaturas e quem aprova todas as contas da instituição. Estes também são responsáveis por aprovar os ministros do presidente, sendo que este é eleito pelo povo, mas as candidaturas são aprovadas pelo Conselho de Guardiões e pelo líder supremo. Além disso, o líder supremo escolhe o Expediency Council, que deve mediar os conflitos entre os Majles e o Conselho de Guardiões, e todos os comandantes das Forças Armadas, o que implica estas estarem em seu poder também.

31 De acordo com Thaler et al. (2010), esta instituição é constituída por 86 clérigos sênior, especialistas na figh, de modo que eles “supervisionam” o líder supremo no que concerne ao respeito à Sharia e à Constituição do país. Esta instituição age de maneira secreta, não possui cronograma de ação e não publica os relatórios das suas reuniões. No entanto, ainda de acordo com os autores, embora a Assembleia de Experts tenha importância constitucional, por ter o poder de “demitir” o líder supremo, caso não siga as leis do Islã e, consequentemente, do país, ela não tem atuação ativa e serviu somente como assinatura a sua aprovação de Khamenei como líder supremo, em 1989, sob as vontades de Khomeini. 32 Os membros do Conselho de Guardiões são autorizados a interpretar a Constituição e analisam se as leis elaboradas pelos Majles estão em acordo com a Sharia e se não viola os preceitos constitucionais. Nesse sentido, de acordo com Thaller et al. (2010), esta instituição tem poder para moldar as eleições, tendo em mente que ela analisa e aprova os candidatos à presidência e a Majles que estejam em acordo com as suas perspectivas e as do supremo líder. 33 Majles é uma instituição composta por 290 membros, eleitos pelo povo por quatro anos e que representam o poder legislativo do Irã. No entanto, como nos outros casos, o “Supreme Leader has the last word on all policies because all Majles candidates are vetted by the Guardian Council to ensure loyalty to the regime and velayat-e faqih” (THALER et al., 2010, p. 28). 34 O ministro da Justiça é escolhido pelo presidente e o chefe do Poder Judiciário é escolhido pelo supremo líder, sendo que este é responsável por todas as questões que concernem aos Três Poderes (idem, p. 31). 36

Figura 4 – Estrutura de Poder no Irã

Fonte: Thaler et al. (2010, p. 23).

Dessa maneira, em análise, é possível identificar que, mesmo que haja os Três Poderes e que, pela Constituição, estes sejam independentes, a figura máxima do Executivo é o líder supremo, que é quem domina e mescla toda a cadeia estrutural de governo do Irã. Nesse aspecto, como foi visto, todas as tomadas de decisão e todas as leis estão em acordo com a compreensão do jurista supremo, o faqih, que é próprio líder supremo, até pela própria legitimidade que ele goza diante dos seus “imitadores” e pela posição no modelo wilayat al-faqih. Desse modo, compreendidas estas nuances estruturais, a seguir, serão analisados os aspectos da nação iraniana nos moldes de comunidade imaginada de Anderson (1983).

3.3 A IDEIA DE COMUNIDADE IMAGINADA IRANIANA, APÓS A REVOLUÇÃO ISLÂMICA (1979)

A Revolução Islâmica, ocorrida em 1979, no Irã, possui fontes intimamente ligadas à intenção de se instituir um Estado fundado no Islã e que se afastasse, portanto, do secularismo e das influências ocidentais (COSTA, 2013). Desse modo, foi construído um discurso religioso, propagado, sobretudo, por Khomeini, de uma postura que deveria distanciar a nação iraniana 37 da influência ocidental (MADANI, 2002) e restaurar a postura islâmica do país, que teria entrado em decadência dado o afastamento do Corão (COSTA, 2013). Sendo assim, de acordo com Costa (2013), a invasão à Embaixada dos EUA em Teerã35 e a desarticulação da figura do xá36 foram ações que ratificaram o movimento em contraposição ao Ocidente que estava sendo imposto. Nesse sentido, a doutrina ijthad – que defende a possibilidade de interpretação dos livros sagrados – foi usada a favor do processo revolucionário para que houvesse maior flexibilidade e adesão por parte da comunidade religiosa xiita, podendo, de certo modo, ser adaptada à conjuntura política interna. Dessa maneira, como foi visto, foi idealizado o wilayat al-faqih, que é uma proposta com princípios básicos para a forma de governar, com uma estrutura de poder definida, com base na religião, identificando a estrutura e justificando as posições governamentais. Nessa perspectiva, este modelo só foi possível de ser implementado a partir da Revolução, dado que Khomeini era um líder que possuía os três atributos de poder (carismático, tradicional e burocrático) e que, sem ele, determinadas decisões não poderiam ser mantidas (COSTA, 2013). Desse modo, segundo Meihy (2005), no processo inicial revolucionário, houve a necessidade de transmutar a comunidade política37 iraniana em uma comunidade religiosa, mantendo as fronteiras nacionais, e não buscando uma expansão messiânica38. Apreende-se, então, que, após 1979, a comunidade iraniana tem o Islã como o laço que faz os indivíduos se sentirem parte de uma mesma comunidade, tendo senso de camaradagem e horizontalidade, enxergando o outro (o Ocidente) como o infiel (COSTA, 2013). E é nessa perspectiva que se traz a questão da distinção entre comunidades imaginadas por meio do estilo em que são imaginadas (ANDERSON, 1983).

35 O sequestro aos funcionários da Embaixada norte-americana, em Teerã, durou 444 dias (4 de novembro de 1979 a 20 de janeiro de 1981) e foi responsável, segundo Khomeini, por dar tempo e espaço para a República Islâmica ser instaurada solidamente (ARMSTRONG, 2001), pois não haveria possibilidade de serem atacados pelos seus opositores contra a Revolução, sendo que, de acordo com Costa (2013), foi criado um antagonismo entre esses dois atores no sistema internacional. 36 A desarticulação do xá está ligada ao movimento de afastar a figura dos dominadores, rompendo o continuum da história, visto que era necessário não só atribuir a culpa aos “outros”, o que implicava fazer com que o xá fosse algo “estranho à nação e ao xiismo” (COSTA, 2013, p. 22). 37 Anderson (1983) define apenas o que é comunidade, mas não o que é comunidade política, portanto entende-se, para fins desta pesquisa, que comunidade política é “[...] aquela em que a ação social se propõe a manter reservados, para a dominação ordenada pelos seus participantes, um ‘território’ (não necessariamente um território constante e fixamente delimitado, mas pelo menos de alguma forma delimitável em cada caso) e a ação de pessoas que, de modo permanente ou temporário, nele se encontram, mediante a disposição do emprego da força física, normalmente também armada (e, eventualmente, a incorporar outros territórios)” (WEBER, 2004, p. 155). 38 Segundo Costa (2013), ainda que a ummah não tivesse fronteiras, o Irã não tem nenhuma intenção em exportar a Revolução e o seu modelo político-religioso ao mundo, visto que foi adaptado às questões internas do país. 38

Infere-se, assim, com base em Meihy (2005), que a comunidade imaginada iraniana é fortemente baseada na religião (o Islã), um sistema de governo em que o poder político se encontra fundamentado no poder religioso e que gera a não secularização e o afastamento da ocidentalização39 (O Grande Satã40). Assim, é importante destacar estas duas características cruciais na formação da nação iraniana, no momento em que há uma ruptura no curso da história, por meio da Revolução. Desse modo, complementarmente a isto, Meihy (2005, p. 1) defende que:

É possível perceber que a nação enquanto comunidade política pode ser amalgamada ao discurso da comunidade religiosa pelo motivo de que ambas se constituem através do “...estilo em que são imaginadas” e, no caso do Irã de 1979, concebidas de maneira distante da imaginação secularizada e dependente do apoio estrangeiro promovido por Reza Pahlevi.

De maneira que este autor reitera o seu posicionamento com Foucault (1994, p. 688):

Espantoso destino da Pérsia. Na aurora da história ela inventou o Estado e a administração. Ela confiou as receitas ao Islam e os seus administradores serviram de quadros para o império árabe. Mas deste mesmo Islam ela fez derivar uma religião que não cessou, através dos séculos, de dar uma força irredutível a tudo o que seria fundador de um povo, e que poderia se opor ao poder do Estado.

Confirma-se, ainda, na própria Constituição do Irã (1979), em seu artigo primeiro:

O Governo do Irã é uma República Islâmica que a nação do Irã, baseada na sua crença eterna num governo de verdade e justiça do Alcorão, em seguimento à vitoriosa Revolução islâmica, liderada pelo Ayatollah Imam Khomeini, confirmou por Referendo Nacional que teve lugar em 10 e 11 de Farvardin, 1358, da Hégira Solar, correspondendo a 01 e 02 de Jamad al-awwal, 1399 da Hégira Lunar (= 30 e 31 de Março de 1979), com uma maioria de 98,2% dos ll-votos

Nesse sentido, nesses dois elementos que respaldam a religião enquanto estilo da comunidade imaginada do Irã – não secularização e o afastamento da ocidentalização –, vê-se que, quanto a não ocidentalização, há respaldo no discurso de Khomeini, em 21 de março 1980, publicado pela Rádio Tehran:

In the name of God, the compassionate, the merciful, let me congratulate all oppressed people and the noble Iranian nation on the occasion of the new year, whose present is the consolidation of the foundation of the Islamic Republic. The will of almighty God, may He be praised, decreed the release of this oppressed nation from the yoke of the

39 O Ocidente, nesta pesquisa, será compreendido da mesma maneira que Khomeini propôs em seu discurso, em 21 de março de1980, na Rádio Tehran, quando disse: “we are fighting against the Western world – devourers led by America, Israel and Zionism”. 40 O Ocidente seria O Grande Satã na construção dessa “nova” nação, conforme Costa (2013). 39

tyranny and crimes of the satanical regime [do Xá Pahlavi] and from the yoke of the domination of oppressive powers, especially the government of the world-devouring America, and to unfurl the banner of Islamic justice over our beloved country. It is our duty to stand up to the superpowers and we have the ability to stand up against them, provided that our intellectuals give up their fascination with Westernization […] and follow the straight path of Islam and nationalism.

E, quanto a não secularização, há menção direta em vários artigos da Constituição vigente, dentre os quais, a título de exemplificação, os seguintes:

Artigo 12: A religião oficial do Irã é o Islã e de doutrina Já'afaria crente nos 12 Imams. Este Artigo é perpetuamente inalterável. A outra escola de jurisprudência islâmica quer sejam a Hanafi, Shafe'i, Maleki, Hanbali e Zaidi gozam de todo respeito. Os seus seguidores gozam de completa liberdade de celebração dos seus ritos religiosos, de acordo com a sua própria jurisprudência. [...] Artigo 72: Assembléia Consultiva Islâmica não pode promulgar leis que estejam em contradição com os princípios e os preceitos da Constituição, ou com a religião oficial do País. [...] Artigo 121: [...] Em Nome de Deus, o Beneficente, o Misericordioso, Eu, como Presidente da República, sobre o Sagrado Alcorão e perante a nação iraniana, juro, em Nome de Deus Todo Poderoso que serei guardião da doutrina oficial, do sistema republicano islâmico e da Constituição do País, e que utilizarei todos os meus poderes e capacidades para cumprir as minhas responsabilidades, para devotar-me ao serviço da nação e do país, propagar a religião e a moral, abster-me de todos os atos de tirania e proteger a liberdade e dignidade dos indivíduos e os direitos da nação reconhecidos pela Constituição a todos os indivíduos, salvaguardar as fronteiras e a liberdade política, econômica e cultural do País, defender o poder que me foi dado pela nação em custódia sagrada, como um honesto depositário com fé que procura a ajuda de Deus Todo Poderoso, e seguindo o exemplo do Profeta do Islã e dos Sagrados Imams preservarei o poder e a confiança que a nação depositou em mim e entrega-lo-ei a quem a nação escolher. Para me suceder.

Além disso, ainda se entende que a religião foi um aspecto fundamental no sentido de se desligar de um período anterior que vinha sendo regido por dinastias que não estavam gozando da mesma legitimidade pela população (MEIHY, 2005). Sendo assim, estando a população descontente, era crucial que a defesa dos interesses nacionais se vinculasse a discursos nacionalistas de justiça social e do Islã. Portanto, no discurso islâmico, foi instituída a ideia de que a justiça social e que os membros dessa comunidade imaginada era baseada “[...] na homogeneidade dos homens diante de Deus, diferenciando os integrantes de uma sociedade, não por categorias econômicas e raciais, mas pela separação sacralizada entre membros da tradição religiosa revelada e o ‘infiel41’” (MEIHY, 2005, p. 3-4). Nesse sentido, retomam-se alguns princípios da Sharia que se alinharam ao desenvolvimento da jurisprudência iraniana e que se revestem, então, em características da comunidade imaginada iraniana. Portanto é fundamental compreender que:

41 Faz referência ao “Grande Satã”. 40

[...] não importando quão relevante o lugar dado por sistemas jurídicos ao direito islâmico como uma fonte, a sharia perde a primazia que, na sua própria perspectiva, deveria ter. Ela é então dependente do poder do Estado e do seu direito, que escolhe entre as regras do direito islâmico aquelas consideradas adequadas para regular as relações sociais no território do Estado, e interpreta as normas da sharia de acordo com os princípios, técnicas e instituições que não são os do próprio direito islâmico. O direito islâmico, depois de sofrer uma primeira “descida à terra”, quando a vontade divina é interpretada pelo elemento humano, sofre uma segunda queda uma vez que é reduzido aos espaços reservados a ele pela vontade legisladora do Estado. Quando fonte de direito estatal, a sharia é mais marcadamente o produto da ação humana, já que é fragmentada e instrumentalizada. (NASSER, 2012, p. 732).

Desse modo, alguns desses princípios que podem ser apontados como fundamentais para esta pesquisa, no entendimento da formação da comunidade imaginada iraniana, tal qual definição de Anderson (1983), e na compreensão dos princípios bahá’ís como potencializadores da construção da sua ameaça (como será visto no próximo capítulo) são:

 A mulher possui um papel distinto do homem na sociedade (COSTA, 2013);  A religião oficial do Irã é o Islã dos crentes do Duodécimo, havendo permissão para professar a fé apenas aos islâmicos, judeus, cristãos e zoroastras (IRÃ, 1979);  A língua oficial é o persa, mas o árabe deve ser ensinado em todas as instituições de ensino, visto que é a língua do Corão (IRÃ, 1979); e  O último profeta foi Mohammad, não havendo outro depois dele, sendo tratado como heresia qualquer menção de surgimento de outro profeta (COSTA, 2013).

Leva-se em conta, então, que o Irã se redefine como uma nação teocrática islâmica, portanto excluindo outras religiões que fazem parte deste país e que não compartilham desse modelo organizacional. No entanto as minorias religiosas podem, segundo o artigo 26, da Constituição de 1979, viver normalmente no Irã, desde que respeitem a lei, que diz que eles podem se organizar em partidos, grupos e associações políticas. Desse modo, o que deve ser destacado, aqui, é que tal exclusão é devida ao artigo 13, também da Constituição de 1979, que diz que somente três minorias religiosas são autorizadas a praticar as suas cerimônias (cristãos, zoroastras e judeus), o que implica excluir os direitos das demais minorias religiosas, como os bahá’ís. Dessa maneira, retomando o entendimento de Anderson (1983), apreende-se que há uma mudança na compreensão do nacionalismo iraniano, a partir da Revolução Islâmica de 1979. Nesse sentido, retoma-se, também, o conceito de Benjamin (1986) de que as revoluções 41 acontecem por meio da insatisfação dos oprimidos sobre os opressores, o que vai em encontro aos fatos observados a partir da história do xiismo do Duodécimo, marcada por perseguição, sofrimento e tentativa de extinção da sua fé (COSTA, 2013). Buscou-se, assim, com esta exposição, demonstrar a ideia de comunidade imaginada iraniana como objeto referente ameaçado pela existência "do outro", que, no caso, são minorias religiosas não alinhadas aos elementos definidores desta comunidade, como os bahá’ís, e de como elas figuram no processo de construção do discurso securitário iraniano, objetos de análise dos próximos capítulos, respectivamente. 42

4 A COMUNIDADE BAHÁ’Í42

A comunidade bahá’í43 originou-se na Pérsia, em 1844, como a religião independente mais nova do mundo, tendo como fundador inicial o Báb44, considerado o oitavo profeta, depois de Krishna, Abraão, Moisés, Buda, Zoroastro, Cristo e Mohammad. Atualmente, são, aproximadamente, seis milhões de seguidores ao redor do mundo, estando presentes em mais de 180 países, mas com concentração, sobretudo, na Índia (1,9 milhão) e nos Estados Unidos (500 mil) e entre 300-350 mil no Irã45. Além disso, segundo a Bahá’í International Communty (BIC) (201-i), essa religião não possui igrejas nem iniciação com rituais ou cerimônias, possuem apenas templos46, em escala continental e apenas um em escala nacional, destinados à oração e à meditação a todos os indivíduos. Segundo Costa (2013), em seu início (ainda como babismo47), o baha’ísmo estava ligado ao xiismo, mas, com as propostas liberais (como igualdade de gênero e oposição a castigos corporais), passou a ser vista como uma ameaça ao xá e aos clérigos. Considera-se, ainda, que, nesse período, a Pérsia passava por inúmeros problemas civis, dada a disputa de poder entre os Afshars e os Qajars, no entanto o governo foi dominado por Nadir, um xá altamente absolutista e concentrador, que causou inúmeros conflitos religiosos internos (COSTA, 2013). Dessa maneira, já em seu início, essa religião sofreu inúmeros problemas de direito à liberdade religiosa, vivendo, sempre, períodos mais ou menos conturbados de perseguição (IHRDC, 2006), o que levou este assunto a ser considerado como politizado, em 1979, na esfera da securitização. Inicialmente, em Shiraz, Mirza Ali Muhammad, que era descente direto do profeta Mohammad e que foi titulado como Báb, foi quem iniciou o ativismo religioso, profetizando

42 Para mais informações sobre as atividades da Fé Bahá’í no Brasil e no Irã, sobre os princípios da Fé e sobre a visão dos muçulmanos, no Irã, em relação aos bahá’ís, consultar a entrevista com a bahá’í iraniana Guitty Millani concedida para fins desta pesquisa, no Apêndice F, nas páginas 116-142. 43 A titulação de comunidade aqui não diz respeito ao conceito de comunidade imaginada de Benedict Anderson, mas um termo utilizado pelos membros da Fé Bahá’í que acreditam na construção de uma identidade baha´’í associada aos seus princípios e a um estilo de vida. 44 “A palavra ‘báb’ significa portão ou porta. O Báb anunciou que, dentro em breve, outro Mensageiro de Deus iria surgir, unindo todos os povos do mundo em uma família. O Báb era como uma porta, levando a humanidade para um futuro novo e glorioso.” (INSTITUTO RUHÍ, 2001, p. 59). 45 Não há dados palpáveis do número de seguidores da Fé Bahá’i no Irã, dada a dificuldade de articulação entres os seguidores da Fé neste país (IHRDC, 2006), como será visto no próximo capítulo. 46 Nova Delhi (Índia), Apia (Samoa Ocidental), Wilmette (Estados Unidos), Kampala (Uganda), Sydney (Austrália), Frankfurt (Alemanha), Cidade do Panamá (Panamá) e Santiago (Chile). Houve uma, a mais antiga, construída em Askhabad (Turqistão) em 1908, mas foi demolida pelo governo soviético em 1962. Atualmente, há um nacional Battambang (Camboja) e um com previsão para inauguração em 22 de julho de 2018 em Norte del Cauca (Colômbia) (COMUNIDADE INTERNACIONAL BAHÁ’Í, 201-i). 47 O babismo era constituído dos seguidores do Báb, no entanto, com a revelação de Bahá’u’lláh, em 1863, surge a Fé Bahá’í. 43 que chegaria um novo mensageiro de Deus que iria unir a humanidade e estabelecer a paz duradoura na Terra, fundando, assim, o babismo. A partir disso, o Báb sofreu perseguições por muitos clérigos e outras camadas sociais, que o viam como ameaça à sua autoridade e às suas posições de prestígio. Sendo assim, foi executado em 1850, na tentativa de dar fim à sua religião, sendo que os seus seguidores também foram perseguidos e mais de 20 mil tiveram pena de morte executada (BIC, 201-c), no entanto o babismo já havia se alastrado e possuía milhares de seguidores. Ademais, os preceitos baha'ís já haviam se amalgamado à identidade daquela comunidade persa, que esperava, então, o possível retorno do Décimo Segundo Imã, uma vez que seriam completados os mil anos da sua ocultação, tendo sido criado, a partir desta crença, um clima místico entre os xiitas (COSTA, 2013). O mensageiro de Deus o qual o Báb se referia era Bahá’u’lláh (1817-1892), que se declarou, em 1863, em Bagdá, como:

[...] o Manifestante Prometido de Deus, o Messias cujo “retorno” havia sido predito nos Livros Sagrados de todas as religiões do mundo e que Ele havia cumprido suas profecias. Proclamou que Ele era o retorno da “Imaculada Manifestação”, do Krishna prometido aos hindus; a volta do Espírito de Cristo aguardado pelos cristãos, o Senhor das Hostes prometido aos judeus; o Quinto Buda, o Buda da fraternidade universal, aguardado pelos budistas; o Shah Bahram, o grande Pacificador, prometido aos zoroastrianos; a segunda vinda de Cristo, o “Espírito de Deus”, o “Grande Anúncio”, aguardado pelos muçulmanos. (BIC, 201-e).

Bahá’u’lláh tornou-se um seguidor fiel do Báb48, em 1844, e se aliou às novas ideias revolucionárias a favor das mulheres, da harmonia entre religião e a ciência e da justiça social, convertendo-se em uma das maiores forças libertárias do país. Desse modo, em 1852, com as perseguições e sob acusação de participação na tentativa de assassinato do xá Násiruddín, Bahá’u’lláh, visto que era filho de um ministro do xá49, não foi condenado à morte, mas foi preso por quatro meses, em Teerã50, e, em 1853, foi condenado ao exílio perpétuo junto à sua família e a alguns companheiros (BIC, 201-e). Sendo assim, foi enviado pelo governo à Bagdá, no intuito de exaurir as influências que as ideias de Bahá’u’lláh e dos demais babis tiveram no país, no entanto o efeito foi o contrário, pois o “Mensageiro de Deus” foi profetizando e ganhando adeptos por onde passava (ver Mapa 4).

48 Segundo Guitty Millani, os dois mensageiros estiveram na Terra ao mesmo tempo, um fato inédito nas revelações divinas, sendo o Báb o oitavo profeta e Bahá’u’lláh sendo o nono profeta. Consultar Apêndice F, página 126. 49 O seu pai faleceu em 1839 e o cargo de ministro era hereditário, no entanto Bahá’u’lláh o recusou (BAHÁ’Í, X). 50 Foi nessa prisão que o profeta afirma ter recebido a revelação do anjo Gabriel de que ele era o “Prometido do Báb” mas foi somente dez anos depois que ele se revela publicamente que ele é o “Manifestante de Deus” (INSTITUTO RUHÍ, 2001). 44

Mapa 4 – Exílio de Bahá’u’lláh

Fonte: Totten (2010).

O governo persa decidiu solicitar ao Império Otomano que o enviasse para áreas mais distantes, em 1863, visto que estava ciente da notória reputação que Bahá’u’lláh havia conquistado, por meio das histórias que os peregrinos persas xiitas que visitavam Najaf e Kerbala contavam. Além disso, havia o receio de que o “mensageiro” voltasse a ser influente na Pérsia e, também, estavam ocorrendo manifestações, na cidade em que ele estava, para que ele fosse afastado (BIC, 201-e). Assim, dessa vez, foi para Constantinopla (atual Istambul), mas ficou por poucos meses, visto que o embaixador persa, Mírzá Husayn Khán, se aproveitou da situação turbulenta e influenciou para que Bahá’u’lláh fosse para outro local, com o discurso de que ele camuflava “conspirações secretas contra a segurança pública e contra a religião do Estado” (BIC, 1991, p. 43, grifos da autora). A partir de então, começou a escrever as suas epístolas51 e enviá-las às lideranças políticas e religiosas52 mundiais, o que gerou mais conflitos em relação aos contrários à sua pregação e contínua turbulência na população, levando o governo otomano53 a encaminhá-lo à cidade-prisão de ‘Akká, na Palestina Otomana. Em tais epístolas, Bahá’u’lláh

51 Epístola é uma espécie de carta escrita poeticamente, podendo estar ligada a assuntos religiosos. Nesse sentido, segundo Bahaikipedia (2011), “Uma Epístola na Fé Bahá'í refere-se a uma escritura divinamente revelada. O termo é usado para descrever algumas das escrituras reveladas por Bahá'u'lláh, Báb, e ‘Abdu’l-Bahá”. 52 Por exemplo, Napoleão III (França), Rainha Victória (Inglaterra) e Papa Pio IX, “[...] “convocando-os a defenderem a causa da justiça e fazer cessar a miséria e a guerra” (INSTITUTO RUHÍ, 2001, p. 159). 53 Bahá’u’lláh estava sob as jurisdições persa e otomana. 45

[...] proclamou abertamente Sua posição, falando do alvorecer de uma nova era. Porém, primeiro, advertiu Ele, haveria revoltas catastróficas na ordem política e social do mundo. Ele conclamou os líderes do mundo a preservarem a justiça e convocarem uma assembleia, na qual se reuniriam e colocariam um fim à guerra. Somente por meio de uma ação coletiva, disse Ele, poderia ser estabelecida uma paz duradoura. Suas advertências caíram em ouvidos moucos. (BIC, 201-e).

Ainda nesta cidade, Bahá’u’lláh escreveu o livro O Kitáb-i-Aqdas (traduzido como O Livro Sacratíssimo), que delineava: 1) como deveria ser a ordem administrativa da religião (analisada adiante); e 2) os princípios fundamentais da Fé Bahá’í (analisados no próximo tópico) (BIC, 201-e). Depois de nove anos, foi liberado para sair de ‘Akka, entretanto ainda se manteve o seu status de prisioneiro, seguiu para Mazra’ih e, posteriormente, para Bahjí, onde faleceu, deixando o seu filho mais velho, ‘Abdu’l-Bahá, como o seu sucessor legítimo e como o único intérprete autorizado dos seus escritos. Além disso:

A fim de garantir que Sua Revelação alcançasse seu propósito de criar um mundo unido — e salvaguardasse a unidade da comunidade bahá’í — Bahá’u’lláh nomeou Seu Filho mais velho, ‘Abdu’l-Bahá, como o Centro de Seu Convênio e ordenou o estabelecimento da Casa Universal de Justiça. ‘Abdu’l-Bahá, por Sua vez, estabeleceu princípios para o funcionamento da Casa Universal de Justiça e afirmou que, após Seu passamento, os bahá’ís deveriam voltar-se ao Seu neto mais velho, , nomeado por Ele como o Guardião da Fé Bahá’í. Tanto a Casa Universal de Justiça como o Guardião foram incumbidos de aplicar os princípios, promulgar as leis, proteger as instituições e adaptar a Fé Bahá’í às exigências de uma sociedade em progresso contínuo. (BIC, 201-h).

Desse modo, depois de ser liberado da prisão, em 1908, ‘Abdu’l-Bahá começou a expandir a Fé ao resto do mundo, como Egito, Europa e América do Norte, por meio dos escritos de seu pai e de seus próprios, até o ano de sua morte (1921), em (BIC, 201-d). A título de curiosidade, vale salientar que ‘Abdu’l-Bahá nasceu em 1844, no mesmo dia que o Báb anunciou que estava próxima a chegada de um novo “Mensageiro de Deus”, e que ele acompanhou todo o exílio de seu pai. Durante este período, segundo informações do site oficial dos bahá’ís do Brasil (201-a):

[...] Durante todo o exílio Seu e de Sua família, ‘Abdu’l-Bahá assumiu também o encargo de diversas negociações com autoridades civis. Durante o último banimento de Bahá’u’lláh a ‘Akká, ‘Abdu’l-Bahá continuou a proteger Seu pai, cuidava de Seus seguidores, tomava conta dos doentes e pobres da cidade e intervinha em questões de justiça com carcereiros desumanos, guardas crueis e oficiais hostis.

Então, retomando ao O Kitáb-i-Aqdas, quanto à administração bahá’í, tal qual ilustrado na figura seguinte, atualmente, a maior instituição é a Casa Universal de Justiça (CUJ), com 46 sede em Haifa (Israel), constituída por nove membros incumbidos de enviar orientações aos bahá’ís do mundo. Esses nove membros são eleitos pelas Assembleias Espirituais Nacionais (AEN), que também são constituídas por nove membros, existindo uma em cada país. Já os membros da AEN são eleitos pelos bahá’ís do país da Assembleia e têm como principais funções proteger os crentes nacionais e a administração da Fé (como administração dos recursos financeiros e a propagação da Fé) (CASA UNIVERSAL DE JUSTIÇA, 1979b). Desse modo, apreende-se que a Fé Bahá’í não possui sacerdócio nem a figura do líder religioso, como um papa, mas possui corpos de liderança em níveis mundial, nacional e local.

Figura 5 – Administração Bahá’í*

Fonte: Shadbakht (2016). Notas: *As Assembleias Espirituais Locais (AEL), segundo a Casa Universal de Justiça (1979a), possuem função parecida com as AENs, porém agem a nível local, em cidades, tendo uma ligação direta com os Membros do Corpo Auxiliar e os seus Assistentes, que são instituições que protegem e propagam a Fé. Em continuidade, de acordo com a Casa Universal de Justiça (1985), o Centro Internacional de Ensino (CIE) recompila e sistematiza as aprendizagens da comunidade bahá’í, ao implementar os princípios de Bahá’u’lláh. Por fim, o Corpo Continental de Conselheiros é constituído por 81 indivíduos ao redor do mundo, indicados e distribuídos em cinco Corpos Continentais, possuindo como principais atividades auxiliar as AENs e instituir planos de ação e executá-los, a fim de alcançar um nível mais avançado de educação na comunidade bahá’í, agindo articuladamente com o CIE e com os MCAs (CASA UNIVERSAL DE JUSTIÇA, 1985).

Dessa maneira, mediante a história da Fé, percebe-se que a comunidade bahá’í possui uma relação próxima a Israel, sendo tal relação limitada aos seus principais pontos sagrados e sede mundial administrativa estarem localizados neste país54. Além da questão do fato de Israel

54 Prision: fica localizada em ‘Akka, na região de Acre, como mencionado anteriormente, e onde Bahá’u’lláh viveu como prisioneiro por nove anos; onde, também, o seu filho mais novo faleceu. Hoje, é um museu; House of ‘Abbúd: é a casa onde Bahá’u’lláh revelou o livro O Kitáb-i-Aqdas; Mazra’ih: é localizada a primeira casa onde Bahá’u’lláh foi viver depois que saiu de ‘Akka, por dois anos; Bahjí-Shrine of Bahá’u’lláh: é constituído por dois edifícios, um que é a casa onde Bahá’u’lláh passou os últimos dias e faleceu; e o outro é onde fizeram o 47 concentrar um importante polo sagrado bahá’í, leva-se em conta, ainda, que o maior centro administrativo bahá’í, a CUJ, está localizado nesse país. Cabe esclarecer, portanto, que, em realidade, o Centro Mundial Bahá’í, que consiste nos edifícios administrativos e nos locais sagrados bahá’ís, está situado em Israel, sendo este, então, um cerne fundamental para gestão e articulação internacional dos movimentos da Fé. Porém, de maneira que o país não se assente um número grande de bahá’ís, estes não podem residir no país55, a não ser que estejam prestando serviços ao Centro Mundial, e a Fé não pode ser ensinada em Israel56 (CASA UNIVERSAL DE JUSTIÇA, 1995). Desse modo, como será analisado no próximo capítulo, o fato dos bahá’is possuírem um vínculo com o Estado de Israel, dado que os seus locais sagrados e sede administrativa estão localizados neste país, é um fator de argumentação na construção dos bahá’ís como uma ameaça à nação. No entanto é importante verificar que, na época em que tais símbolos da Fé se tornaram símbolos, ainda não existia o Estado de Israel, que foi formado apenas em 1948. Nesse sentido, a seguir, serão tratados os princípios fundamentais da Fé Bahá’í, que são considerados, para esta pesquisa, como potencializadores do speech-act dos atores securitizadores e funcionais do caso em questão.

4.1 PRINCÍPIOS BAHÁ’ÍS POTENCIALIZADORES NA CONSTRUÇÃO DA AMEAÇA57

Os princípios bahá’ís que vão ser apontados aqui são os que foram considerados como maiores potenciais para a compreensão do processo de construção dos bahá’ís como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana. Nesse sentido, apenas três princípios serão

santuário e o enterraram, um fica ao lado do outro; Shrine of the Báb: santuário onde ‘Abdu’l-Bahá está enterrado; House of ‘Abdu’lláh Páshá: é a casa onde Shoghi Effendi (Guardião da Fé nomeado por seu avô) nasceu; Ridván Garden: é um símbolo do jardim onde Bahá’u’lláh se revelou como o “Mensageiro de Deus”, em Bagdá. (CENTRO MUNDIAL BAHÁ’Í, 2003). 55 A Casa Universal de Justiça, em 20 de outubro de 1994, escreveu uma carta a todas as AENs orientando que aqueles israelenses que vivem no Ocidente e que querem se tornar bahá’ís devem morar fora de Israel e seguir todas as orientações que os demais bahá’ís seguem de que não devem viver em Israel, exceto se forem membros de alguma das instituições que estão em Israel ou se estiverem prestando serviço ao Centro Mundial (jovens entre 18 e 30 anos podem prestar ano de serviço no Centro Mundial, que consiste em uma espécie de intercâmbio, trabalhando como guias, por exemplo). O documento pode ser consultado no Anexo G, na página 156. 56 Taherzadeh (2004, p. 296) esclarece que Bahá’u’lláh deixou como orientação que os bahá’ís são proibidos de ensinar a Fé no Império Otomano, visto que “algumas personalidades importantes que Lhe queriam bem e eram Seus admiradores, consideravam-No meramente como um líder religioso ou o chefe de uma seita, Alguém que era muito nobre, cuja majestade e autoridade os dominavam completamente, mas cuja posição eles não aprenderam plenamente”. Além disso, em esclarecimento, os bahá’ís não praticam o proselitismo, no entanto, de qualquer maneira, em Israel esta prática já foi proibida e, atualmente, é proibida somente para menores de 18 anos (USA, 2016). 57 Complementarmente ao que será dito neste tópico, no Apêndice F, nas páginas 116-142, Guitty Millani, uma bahá’í iraniana, fala os princípios bahá’ís como potencializadores na construção da ameaça. 48 verificados, conforme podem ser observados na figura a seguir, sendo que estes três podem servir como fomento para o speech-act que os atores estabelecidos levantaram. Desse modo, isto será feito dada a necessidade de extrair o que é mais profundo nesse processo, que é colocar a base que sustenta a identidade da nação iraniana (o Islã) em aparência de risco, quando se apresentam os princípios bahá’ís como opostos aos seus próprios, o que caracterizaria estes como “infiéis”, ao lado da secularização e da ocidentalização (MEIHY, 2005).

Figura 6 – Princípios Bahá’ís Potencializadores do Processo de Securitização dos Bahá’ís no Irã (1979-1991)

Revelação Progressiva

Princípios Bahá’ís Potencializadores do Processo de Securitização dos Bahá’ís no Irã (1979-1991)

Igualdade de Unidade da Gênero Humanidade

Fonte: Elaboração da autora.

Sendo assim, um desses princípios é a unidade da humanidade, que está associado a questões de globalização e à defesa de que “a terra é apenas um país e o gênero humano, seus cidadãos” (BAHÁ’U’LLÁH, 1983, p. 136), o que implica uma afronta ao desejo da nova ordem estatal de isolar o Irã do Ocidente e das suas ideologias. Nesse sentido, observa-se que este princípio vai de encontro ao processo que o novo governo estava criando a partir de 1979, justamente isolando o Irã para o que era enxergado como o “outro”, como o “infiel”, seguindo um caminho que resistia à influência global dos valores ocidentais (AXWORTHY, 2007). Além disso, tendo em mente que a Revolução Islâmica foi de cunho nacionalista (ANDERSON, 1983), deve ser considerado que o nacionalismo, segundo Pinto (2012, p. 10), se opõe “quase que semanticamente às noções de mundo globalizado e de sociedade civil global”. O segundo princípio é sobre a igualdade de gênero, visto que os xiitas e o Corão pregam que há papéis distintos entre os homens e as mulheres na sociedade e que, se foi estabelecida tal distinção, é para o benefício de ambos (KHOMEINI, 1979a), então Costa (2013) defende 49 que, para os xiitas, seria uma heresia tentar equiparar esses papéis como o Ocidente busca fazer. Desse modo, em contraste, os bahá’ís defendem que a alma não tem sexo e que devem ser desenvolvidas atividades nas comunidades para que esta igualdade espiritual seja revestida na igualdade material de gênero e que as mulheres tenham acesso a “todas as esferas de atuação humana” (BIC, 201-g). Portanto, nesse contexto, esta alteração do papel de gênero58 é defendida por movimentos feministas como uma espécie de reestruturação dos moldes como as sociedades estão estabelecidas (RIBEIRO, 2006), o que representaria um risco à estrutura social a qual foi imposta no Irã após a Revolução de 1979, representando uma ameaça, assim, à nação. O terceiro princípio é sobre a revelação progressiva dos profetas, dado que os xiitas acreditam que o Décimo Segundo Imã foi o último sucessor do profeta Mohammad e estaria oculto, mas retornaria. Além disso, acredita-se que, depois deste profeta, não haveria mais nenhum mensageiro divino, sendo caracterizadas como blasfêmia quaisquer defesas de que haveria algum profeta após Mohammad, como se segue:

Theologically, the doctrine is that: The organization called "Islam" is perfect and eternal. No revelation the denial of which entails heresy is possible after Muhammad. He who claims such a revelation is a traitor of Islam. (RIZVI, 1988).

Desse modo, conforme explicado por Rizvi (1988), o Islã é considerado “perfeito e eterno” e aquele que defende qualquer revelação após Mohammad é considerado um traidor do Islã. Nesse sentido, embora os bahá’ís acreditem numa revelação progressiva e que um dos oito profetas divinos é Mohammad (incluem-se, ainda, Jesus, Moisés e Zoroastro, os três outros profetas que o xiismo admite), Bahá’u’lláh seria o último, vindo no século XIX, depois de Mohammad, portanto. Então, pela razão de se defender que há outro profeta divino, os bahá’ís são condenados à titulação de “infiéis” e heréticos. Nessa perspectiva, para esta pesquisa, foram trabalhados apenas três dos princípios bahá’ís que podem ser potencializadores, no entanto há outros que podem ser verificados como importantes. Um deles é sobre uma língua secundária (além da língua da pátria) para auxiliar a comunicação entre os povos, o que é uma afronta à identidade persa, que tem como um dos elementos o farsi, uma língua falada somente no Irã, e visto que somente é ensinado nas escolas o farsi e o árabe, pois este é o idioma que está escrito o Alcorão (IRÃ, 1979). Nesse sentido, essa defesa bahá’í de uma língua secundária é associada ao ocidentalismo, promovido pelos

58 De acordo com Castro e Bronfman (1993, p. 378), o gênero é “uma construção social sistemática do masculino e do feminino que está pouco (ou nada) determinado pela biologia (pelo sexo), presente em todas as sociedades, e que permeia todas as dimensões da vida social e privada”. 50

EUA, que são falantes de língua inglesa, e pela resistência existente a este idioma devido ao antiamericanismo (ASSIS-PERTERSON; COX, 2007; LACOSTE, 2005), tendo em vista os processos globalizatórios, que são inclinados à preponderância do inglês em nível mundial (ORTIZ, 2004). Outro princípio é o que diz respeito à proximidade entre religião e ciência, que, segundo os bahá’ís, devem conviver em harmonia (BIC, 201-f), o que contrapõe a defesa de Khomeini (1979) de que a religião é tudo que o povo precisa, tendo em mente, ainda, que Khomeini fechou as universidades por estarem associadas ao ocidentalismo (AUERBACH, 1980), que é associado aos bahá’ís. Este processo de fechamento, durante os dois primeiros anos do seu governo, foi objetivando organizar o currículo acadêmico de acordo com o Islã, além da compreensão de que o Islã é tudo o que o povo necessita, marginalizando a ciência (KHOMEINI, 1979b). Finda esta exposição, buscou-se, neste capítulo, explicar as raízes e as características mais fundamentais da Fé Bahá’í, a fim de ser esclarecida e compreendida enquanto uma religião, um elemento definidor da identidade de uma comunidade minoritária ou, como será apurado adiante, uma ameaça à ideia de comunidade imaginada iraniana. Salienta-se, também, haja vista as problemáticas que a Fé vivenciou desde a sua origem, em 1844, que o assunto chegou à arena de 1979 já como um assunto politizado, então, como será visto, o movimento agia de politização à securitização do tema. Sendo assim, no próximo capítulo, será apresentado o estudo de caso em que serão buscadas respostas à pergunta de pesquisa: a partir do framework conceitual oferecido por Anderson (1983), como foi construído o speech-act em que os bahá’ís são apresentados como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana, após a Revolução Islâmica? 51

5 O MOVIMENTO DE SECURITIZAÇÃO CONTRA OS BAHÁ’ÍS (1979-1991)

Este capítulo irá analisar como, a partir da ruptura do continuum da história, em 1979, até 1991, os atores securitizadores e funcionais elevaram a comunidade bahá’í de um tema politizado à agenda de segurança, apresentando, assim, os bahá’ís como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana, construída a partir de 1979. Desse modo, retomando a conceituação de securitização de Wæver et al. (1993), assumiu-se que o objeto referente é a nação nos moldes de uma comunidade imaginada estabelecida, tal qual apresentado no Capítulo 2. Portanto, diante dessa ideia, infere-se que o setor que está em questão é o societal, visto que a nação é o que está sob alegada ameaça, de modo que o speech-act contra os bahá’ís foi construído de maneira que estes são um risco à sobrevivência da comunidade imaginada iraniana. Para isto, o marco teórico será dividido em dois momentos: 1) de 1979 a 1989, período em que o governo esteve sob a liderança do aiatolá Ruhollah Khomeini; e 2) de 1989 a 1991, sob a liderança do aiatolá Ali Khamenei. Assim, no primeiro momento, havia o speech-act contra os bahá’ís, no entanto estes não eram movimentos tão sofisticados como os que ocorreram durante o período de Khamenei, como será observado. Nesse último recorte, mesmo que seja um período curto de análise, houve a assinatura do Memorando Golpaygani, em 1991, que é fundamental para a compreensão da construção da ameaça ao objeto referente. Ainda com relação ao segundo período, cumpre destacar que, por meio do Memorando Golpaygani, foi criado um aparato estatal para combater o que foi construído como ameaça ao objeto referente (nação), considerado como o apogeu da securitização dos bahá’ís, neste período de análise. Então, feitos estes breves adendos introdutórios, a seguir, será analisado o período de Khomeini (1979-1989), por meio do setor societal, para se examinarem as demais unidades de análise – atores securitizador e funcional –59 e os discursos e ações executados por parte destes atores.

5.1 SPEECH-ACT NO PERÍODO KHOMEINI (1979-1989)

Após a Revolução Islâmica, em 1979, inicialmente, houve esforços para que a república se solidificasse e fossem elaborados aparatos para que uma “nova” nação fosse estabelecida, inclusive foi criado, secretamente, antes do retorno de Khomeini ao Irã, o Conselho Revolucionário, que era voltado para estabelecer os preceitos do Islã como marco normativo

59 A outra unidade de análise é o objeto referente, tratado, para esta pesquisa, como nação. 52

(ARJOMAND, 1989). Nesse sentido, recorre-se novamente a Wæver, Buzan e Wilde (1998) sobre a questão de vulnerabilidade de sob o que está assentado o objeto de referência (a nação), sendo que essa “nova” nação foi construída, a partir de 1979, sob o Islã60, e este é o que deveria ser defendido de quaisquer tipos de ameaça. Para isto, em harmonia com a teoria da securitização, foram identificados os principais atores funcionais e o ator securitizador que colaboraram para apresentar os bahá’ís como uma ameaça à nação, no entanto se deve ter em mente que esses atores são os principais, e não os únicos. Dessa maneira, houve atores-chave, como o aiatolá Khomeini, a principal figura do movimento revolucionário, que, mesmo em situação de exílio, agiu para que a Revolução ocorresse (COSTA, 2013) e que o ódio contra os bahá’ís fosse aflorado na sociedade civil, como será visto a seguir. Além dele, houve outros atores, tratados como funcionais na securitização, que influenciaram na construção da ameaça em questão, entre estes estão outros aiatolás, o aparato estatal e o grupo Hojjatiyeh. Nesse contexto, a atuação desses três tipos de atores será esclarecida, na leitura adiante, a fim de se compreender como foi o processo em si da securitização no caso em questão.

5.1.1 O Aiatolá Khomeini como Agente Securitizador

Para o primeiro recorte temporal, o ator securitizador identificado foi o aiatolá Khomeini, que esteve no poder entre 1979, após a Revolução Islâmica, até 1989, ano de sua morte, pelo fato de ter sido criada uma estrutura de poder nacional, baseada no Islã, em que se concentrava no líder supremo61. Nesse sentido, o ator securitizador é o ator que reivindica o uso de meios extraordinários, dentre os quais a força, para conter determinada ameaça, vendo-se, assim, que Khomeini se enquadra nesta tipologia, uma vez que toda a cadeia estrutural do Estado girava em torno de suas decisões, inclusive os estamentos militares e judiciário.62 É interessante pontuar que, mesmo antes da Revolução, quando Khomeini agia como ator funcional enquanto um aiatolá, por não ter poder de tomar decisões, apenas de influenciar

60 Consultar Capítulo 2. 61 Consultar Capítulo 2, no tópico 3.1, que trata da estrutura de poder no Irã. 62 Deve ser esclarecido que Khomeini será tratado como o ator securizador nesta pesquisa não somente pelo fato de ser um aiatolá, mas por ser o aiatolá que pode requerer o uso extraordinário dos meios para conter uma ameaça, pela sua posição na hierarquia no wilayat al-faqih e no Estado, já os demais aiatolás serão tratados como funcionais por terem o poder de serem fontes de imitação da população.

53 o processo, ele já discursava contra os bahá’ís, como na sua proclamação, em 1970, por meio de fitas enviadas às mesquitas iranianas:

It has been a few years since several religious and pious people led by Haji Aqa Sheikh Mahmud Halabi for the purpose of systematically combating the fabricated sect of Bahá’ísm, have formed structured classes where they teach useful material and introduce people to the high position of His Holiness, the Guardian of the Age [the Twelfth Imam]. The areas of activity of these classes have stretched beyond Tehran, Isfahan, Mashhad, and Shiraz… and now are even working in the remote villages… and have so far been able to convert around five hundred of the followers of the wayward sect of Bahá’ísm back to the straight path of Oneness (towhid) [Islam]. (apud IHRDC, 2006, p. 11).

Apreende-se, então, que, quando Khomeini assume o poder, em 1979, a questão dos bahá’ís serem uma ameaça à nação já estava sendo construída e possuía o status de assunto politizado, não somente por este discurso, mas pelos fatos de securitização dos bahá’ís observados desde 1844. Nesse sentido, com este líder supremo no poder e com os seus atos ilocucionários tipificando os bahá’ís como uma seita que deveria ser combatida – além de serem um movimento anticlérico subsidiado pelos britânicos e apoiado pelos israelenses – (SIMPSON; TIRA, 1995), ele estava requerendo para si a legitimidade de seu público-alvo (a sociedade civil), para que tomasse ações extraordinárias para banir esta suposta ameaça. Nesse contexto, logo no início do seu governo, em 14 de fevereiro de 1979, ele concedeu uma entrevista ao New York Times, reproduzida a seguir, na qual identifica o seu posicionamento governamental e a sua visão quanto aos bahá’ís:

Question: "Will there be either religious or political freedom for the Baha'is under an Islamic government?"

Answer: "They are a political faction; they are harmful. They will not be accepted."

Question: "How about their freedom of religion - religious practice?"

Answer: "No." (NEW YORK TIMES, 1979 apud MARTIN, 1984, p. 31; IHRD, 2006, p. 18).

Dessa maneira, posteriormente, ocorrem os desdobramentos em suas políticas públicas contra os bahá’ís, como no documento63, de 20 de novembro de 1979, emitido pelo Conselho Revolucionário64, que informava que, em concordância com um documento anterior65, que impedia que indivíduos que não seguiam uma das quatro religiões nas Forças Armadas, 51

63 Consultar Anexo H, nas páginas 157 e 158. 64 Instituição encabeçada por Khomeini. 65 Este documento anterior é abordado no texto na íntegra do documento em questão, no entanto não foi identificado nos documentos públicos. 54 bahá’ís haviam sido expulsos das Ground Forces66. Nesse mesmo documento, é exposto, claramente, que “The Article67 also includes the suspension of the pensions of the Baha’i pensioners [das Forças Armadas]”68, concluindo que os “Pensioners, salaried officers, and those receiving stipends from the Armed Forces of the Islamic Republic of Iran, will be deprived of their salaries in the event they do not adhere to a religion stated in this Act, unless they are guided and sincerely accept Islám”69. Nessa mesma perspectiva, Ghanea-Hercock (2002, p. 101) reproduziu o discurso que Khomeini proferiu, a fim de elevar à agenda de segurança, em nível societal, a questão dos bahá’ís: “The Koran and Islam are in danger. The independence of the state and the economy are threatened by a take-over by the Zionists, who in Iran have appeared in the guise of the Bahá’ís”. Nesse contexto, as ameaças, embora sejam mais evidentes em questões do setor societal, também foram encaminhadas a outros setores, como o econômico e o político. Isto, ainda segundo a autora, deve-se ao fato de que, constantemente, neste período, as minorias religiosas, como os bahá’ís, eram retratadas como fantoches e símbolos da interferência ocidental no Irã. Nesse contexto, retoma-se a Constituição de 1979, que negava aos bahá’ís os direitos civis e políticos e a proteção do Estado, como pode ser verificado nos artigos abaixo reproduzidos:

 Art. 13 – trata das únicas três minorias religiosas admitidas no Irã (zoroastras, judeus e cristãos), autorizando que possam ter ensino religioso e vida particular em seus preceitos, além de autorizar as suas cerimônias;  Art. 26 – autoriza as minorias religiosas oficiais, além de outros tipos de grupos, executarem as suas atividades, desde que não afrontem os “princípios de independência, liberdade, soberania, unidade nacional e os preceitos islâmicos e a constituição da República Islâmica”;  Art. 64 – na instituição dos Majles, são reservados um representante dos zoroastras, um dos judeus, um de cristãos assírios e cristãos caldeus e um dos cristãos armênios do Norte e do Sul, o que exclui os bahá’í da participação de atividades políticas; e

66 Forças terrestres da Guarda Revolucionária. 67 Em referência ao “Single-Article”, como é tratado no documento, que contém apenas este artigo com seis “addendum”. 68 Esta é a quarta decisão de acordo com o documento. 69 Addendum 2, Single-Article. 55

 Art. 144 – as Forças Armadas são compostas somente por islâmicos, recrutando, sobretudo, os mais fiéis à causa da Revolução Islâmica, o que está em conforme com o documento do Anexo H, apresentado acima, que expulsa os não islâmicos, como bahá’ís, das instituições militares.

Dessa maneira, em relação à elaboração da Constituição, Sanasarian (2004, p. 64) afirma que:

Anti-Bahá’ísm was obvious throughout the proceedings. This was most to assure the exclusion of the Bahá’ís. For instance, Article 26 of the constitution addresses the right to form political parties, societies, and professional associations whether they be Islamic or belong to one of the recognized religious minorities. In the ensuing debates the original version referred to “official religious minorities.” The speaker of the committee that had worked on the wording of the article explained that the expression was selected on purpose in order to ensure that the Bahá’ís would not be included. In another discussion over the issue of freedom of the press, a deputy commented that, if the press was allowed to operate freely, “the stray Bahá’í sect” through their publications would “seduce” the people.

Verifica-se, portanto, que o principal aparato foi desenvolvido logo após a Revolução Islâmica, tanto para remodelar a ordem administrativa do país quanto para excluir indivíduos, como os bahá’ís, da nação. Nesse contexto, Khomeini, quem direcionou a construção da Constituição70, materializou o movimento de securitização dos bahá’ís, por meio de um documento oficial de Estado, que daria respaldo aos seus atos perlocucionários posteriores. Isto é constatado a partir da afirmação de Meihy (2007) de que a Carta Magna do Irã foi elaborada via os discursos de Khomeini, ainda na década de 1970, em prol de sua defesa de uma nova nação iraniana, sob os moldes do Islã, o que legitima a securitização deste tema e a tomada de meios extraordinários para deter esta ameaça. Nesse contexto, em 22 de janeiro de 1983, foi anunciada a sentença de pena de morte a 22 bahá’ís, em Shiraz, e, em 12 de março do mesmo ano, três destes tiveram a pena executada. A repercussão do ato logo veio e o então o presidente dos EUA, Ronald Reagan, em 23 de maio de 1983, escreveu uma carta a Khomeini apelando que estas sentenças não fossem adiante71. Em resposta, Khomeini, em 28 de maio de 1983, assim escreveu:

70 Segundo Meihy (2007, p. 95), “no interior desse cenário político [pós-Revolução Islâmica], na medida em que Khomeini ganhava cada vez mais espaço no Estado iraniano, a concepção de nação que ele defendia nos discursos durante o exílio era incorporada e adaptada aos artigos da Carta Constitucional recém criada. A conquista do Estado pelo projeto de nação “khomeinista” transforma uma instituição oficial como a Constituição em espaço do discurso político do grupo dominante; o que permite que o texto desse documento seja visto como uma espécie de novo lugar de militância e construção de um vocabulário político”. 71 Segundo o IHRDC (2006, p. 31), a carta dizia “these individuals are not guilty of any political offence or crime, they have not plotted the overthrow of the regime and they are not responsible for the deaths of anyone”. 56

Mr. Reagan says that these poor, calm Bahá’ís are silently doing their rayers and religious ceremonies; and that Iran has arrested them only because our beliefs are against their beliefs. Were these people not spies, you would not be raising your voices! You are doing this because you benefit from them… Bahá’ís are not a religious group, they are a party which was previously supported by the British, and now is being supported by the United States. They [the Bahá'ís] are spies like them [the Americans and British]. (apud IHRDC, 2006, p. 32).

Como pode ser observado, o discurso de Khomeini foi exatamente voltado para pautar os seus argumentos contra os bahá’ís, de maneira que essa “intervenção” de Reagan provaria que estes eram espiões no Irã, justamente pelos EUA estarem, publicamente, contra as ações do líder supremo em relação ao tratamento aos bahá’ís. Desse modo, embora tenha havido essa posição internacional, 16 dessas 22 sentenças foram executadas, nas duas semanas seguintes, segundo a International Human Resources Development Corporation (IHRDC) (2006). Nesse sentido, de acordo com o IHRDC (2006), de 1978 a 1983, 31 bahá’ís sofreram a mesma sentença, pelo fato de serem bahá’ís. Complementarmente, para além das questões que Khomeini promovia por meio dos speech-act, haviam ações e discursos executados por atores funcionais, como atos de vandalismo, perseguição e desmoralização contra a população bahá’í, que eram legitimadas pelo líder supremo, conforme pode ser visualizado em seu discurso abaixo:

In our own city of Tehran now there are centers of evil propaganda run by the churches, the Zionists, and the Baha’is in order to lead our people astray and make them abandon the ordinances and teachings of Islam. Do we not have a duty to destroy these centers that are damaging to Islam? (KHOMEINI, 1981, p. 128).

Desse modo, neste extrato textual, Khomeini estimula as ações contra os bahá’ís, no momento em que sugere que há um dever dos muçulmanos em destruir o que faz propaganda contra o Islã e desencaminha o povo, o que coloca tal tema como prioridade na agenda societal. Para além disso, pela legitimidade que o líder supremo gozava e pelo status de grande aiatolá, os seus pronunciamentos e as suas decisões eram executados, muitas vezes, sem questionamento (COSTA, 2013). Nessas medidas, o líder supremo surgia como o único ator securitizador, dado o seu controle do aparato estatal e a sua capacidade de influência na sociedade civil.

5.1.2 Os Atores Funcionais

Os atores funcionais são considerados agentes que influenciam o movimento de securitização, sendo que a diferenciação em relação aos atores securitizadores é dada pelo fato 57 dos funcionais não terem autoridade nem ocuparem posição que os permita requerer o uso extraordinário da força para conter determinada ameaça. Desse modo, os atores funcionais devem ser analisados de acordo com a sua influência na elevação de um tema ao status de securitizado, considerando os fatores que estão envolvidos na agenda do setor societal, que, aqui, é pautada na ameaça ao Islã. Nesse sentido, para esta pesquisa, serão utilizadas amostragens de possíveis atores funcionais neste estudo de caso: os aiatolás, o aparelho estatal e o grupo Hojjatiyeh. A atuação dos aiatolás72 como atores funcionais é dada pela visibilidade que eles possuem no Irã e pela influência que eles exercem sobre a sociedade civil sobre muitos temas, agindo como fontes de imitação (COSTA, 2013). Nesse sentido, embora eles não tenham o poder de requerer os meios extraordinários contra uma ameaça, eles podem agir para que o público-alvo legitime a speech-act do ator securitizador, sobretudo por seus atos de fala serem, muitas vezes, assimilados pelos seus seguidores sem questionamento. Desse modo, serão destacados alguns dos principais discursos e ações dos aiatolás, durante o período em questão, como no trecho abaixo, pronunciado pelo aiatolá Mohammadi Gilani, em 1982, ao apresentar os bahá’ís como:

“spies – of imperialism, generally, and of Zionism, specifically” and stating that “it is incumbent upon the courts and religious magistrates to see to it that these people meet with their just punishment... In the case of those who were executed, their spying for Israel and its agents has been established and they met with their just punishment according to the orders of the Holy Koran...” He added that there was a group among the Bahá’í community, however, “that has weaknesses of intellect and the courts do them a favor and rehabilitate them… because they are ignorant and do not understand [the gravity of] the issue of spying.” (apud IHRDC, 2007, p. 5, grifos do autor).

Além disso, em uma ata de reunião73 entre os aiatolás Shirazi and Tabataba’i-Qumi, datada de 6 de março de 1979, sobre evidências que “have been discovered at the Baha’i centre of Khorasan which suggests espionage activities for Israel”, foi dito por Shirazi que os bahá’ís não são considerados uma das minorias religiosas admitidas no país. Nesse contexto, Tabataba’i-Qumi completou que as evidências são claras de que os bahá’ís são espiões dos EUA, do Reino Unido, da Rússia e de Israel, agindo em várias regiões do país, colaborando com o judaísmo, portanto afirma que aprova a ocupação dos seus centros de atividades. Desse modo, foram aprovados as ocupações dos espaços de reuniões bahá’ís e o confisco dos seus

72 Segundo Gomes (2007, p. 23), os aiatolás são indivíduos mais capacitados, na linha xiita, a interpretar o Alcorão e a Sharia, atuando como os corretamente guiados moralmente, servindo, de acordo com Costa (2013), como fontes de imitação. 73 Consultar Anexo A, nas páginas 143 e 144. 58 documentos, visto que tais documentos, segundo os dois aiatolás, iriam revelar os “planos malignos” dos bahá’ís. Ainda nessa esfera de atuação dos aiatolás, em um convite à comunidade muçulmana para a comemoração do aniversário do Décimo Segundo Imã74, foi exposto que o aiatolá Allameh Nouri estaria presente e falaria sobre o tema “Mahdismo75, o lugar perfeito da Revolução Islâmica” e sobre a jihad76 contra o imperialismo, o sionismo e o cabalismo. Desse modo, no corpo do convite, destaca-se que este aiatolá publicou um documento, de cunho científico do ponto de vista islâmico, que afirma que os centros bahá’ís e as embaixadas de Israel são sinônimos, sendo uma extensão político-ideológica do sionismo e do imperialismo contra os islâmicos. Além disso, ainda de acordo com o aiatolá, o “Islam, the Islamic Community, and science do not recognize this centre as a ‘religious centre’, nor do they regard the ideology related to this centre as a ‘religion’”. Nesse sentido, além do que já foi apontado, havia um grupo de aiatolás da Escola de Teologia de Khorazan que tratava das questões da traição bahá’í que publicou, em 1979, segundo o relatório da IHRDC (2006, p. 16), que:

“[the Bahá’ís’] new mask is the image of ‘meekness’. This [group] who have always been the best collaborators and friends of International Zionism and the usurper, Israel, are now screaming cries of meekness and have written letters to every place they could, insisting on attracting the support and intervention of the foreign governments so that once again, the foreigners come to their aid. The fighting Muslim nation of Iran… [with the aid of] Ayatollah Khomeini… will no longer allow the crimes and treachery [of the Bahá’ís] to continue.” 77

Complementarmente, o Entrevistado 478 informou que os aiatolás “orientavam aos seus seguidores de que os bahá’ís eram impuros e que mereciam morrer”, dado que quem fizesse algum mal aos bahá’ís seria recompensado por Deus. Dessa maneira, ainda segundo este entrevistado, isto fazia com que, muitas vezes, os islâmicos perseguissem os bahá’ís, tanto por meio de agressões verbais quanto físicas. Sendo assim, verifica-se que as palavras proferidas pelos aiatolás poderiam se materializar em atos perlocucionários, praticados por seus seguidores.

74 Consultar Anexo B, nas páginas 145 e 146. 75 O Décimo Segundo Imã tem o nome de Mahdi, que referencia o movimento do mahdismo. 76 De acordo com Costa (2013, p. 198), jihad refere-se à luta dos muçulmanos por um padrão de vida moral e contra os “usurpadores, apóstatas e infiéis”. 77 O texto foi retirado na íntegra do relatório do IHRDC (2006), portanto todas as marcações de aspas e de colchetes foram reproduzidas neste trecho. 78 Consultar Apêndice D, na página 105. 59

Desse modo, explorado o speech-act dos aiatolás, deve-se ter em mente a participação repressiva do aparelho do Estado, que executava as ações legais, visto que estava sob o controle de Khomeini. Nesse contexto, umas das principais maneiras que eram utilizadas para ratificar a condição de ameaça eram a negação de emprego e estudo aos bahá’ís (IHRDC, 2006). Corroborando o que foi dito, o chefe adjunto de Supervisão Parlamentar publicou um parecer79 que continha três pontos, que, segundo o documento, estaria em acordo com os escritos de Khomeini e de outros aiatolás:

1. De acordo com a Lei de Recursos Humanos e de Serviços Médicos e de Saúde, que foi aprovada pelo Conselho Revolucionário da República Islâmica do Irã, em 15 de agosto de 1979, as instituições estariam em desacordo com a Lei, caso fossem empregados “indivíduos da perversa seita bahá’í”, uma vez que tal lei afirmava que os recursos do Tesouro do país não deveriam ser gastos com os membros da Fé; 2. Não estavam autorizados empregos aos bahá’ís nem certificação dos empregos e de estudo; e 3. O Ministério da Saúde estaria elaborando uma emenda para resolver a situação atual dos bahá’ís e apresentaria ao Gabinete.

Desse modo, milhares de bahá’ís tiveram empregos e estudos superiores negados, inclusive alguns dos que responderam ao questionário para esta pesquisa relataram que, devido à impossibilidade de acesso ao ensino superior, se formaram no Bahá’í Institute for Higher Education80 (BIHE), como os Entrevistados 181 e 282. O Entrevistado 1 também descreveu que, no formulário de inscrição para o vestibular, havia o campo para marcar a religião com somente as quatro religiões aceitas no Irã como opções, no entanto ele não marcou nenhuma das opções e escreveu embaixo “bahá’í”. Dessa maneira, a sua ficha de inscrição voltou para ele, da instituição responsável pelas inscrições, e estava com o campo “Islam” marcado, então o Entrevistado 1 decidiu reclamar sobre tal erro com o pessoal responsável e obteve como

79 Consultar Anexo I, nas páginas 159 e 160. 80 BIHE é uma instituição de ensino superior clandestina bahá’í, objetivando oferecer cursos de graduação para os bahá’ís e barrar a repressão governamental na perspectiva educacional. É importante ressaltar que os diplomas fornecidos por esta instituição são reconhecidos em algumas instituições de ensino superior dos EUA e do Canadá, por exemplo. 81 Consultar Apêndice A, na página 83. 82 Consultar Apêndice B, nas páginas 86 a 88. 60 resposta: “você sabe que os bahá’ís não têm permissão para entrar na universidade, então pode ir e não perca o seu tempo”83. Já o Entrevistado 384 respondeu que os pais dele foram despedidos dos empregos, além de que todos os questionários contiveram respostas de que os entrevistados sofreram algum tipo de preconceito nas escolas. O Entrevistado 485 declarou que foi expulso das escolas que frequentou, que tinha muita dificuldade em encontrar trabalho, sendo que só conseguia empregos em estabelecimentos bahá’ís ou de amigos próximos que eram autônomos, e que o seu pai foi despedido do serviço público sem direito a receber o último salário e a aposentadoria. Complementarmente, o Entrevistado 4 também contou a sua história de quando serviu ao Exército durante a guerra Irã-Iraque, em 1986, relatando que ele se negou aos seus superiores pegar em armas, com o argumento de que era bahá’í86, então ele foi condenado à morte, no entanto conseguiu fugir pelo deserto, por meio da fronteira entre Paquistão e Afeganistão87. Além disso, houve outras ações do aparelho do Estado, como a primeira prisão dos nove membros da AEN, no dia 21 de agosto de 1980, e de mais dois MCAs, sendo que não se obteve mais notícias de nenhum desses indivíduos desde 28 de agosto de 1980 (IHRDC, 2006). A segunda prisão dos membros da AEN ocorreu em 1981, no entanto estes foram condenados à pena de morte publicamente, com a alegação de que eram espiões das potências estrangeiras, como foi declarado pelo Chefe do Judiciário aiatolá Ardebili, em 1981, à Iranian News Agency, ao alegar que:

It has become clear that [the members of] this group or sect spy for imperialist espionage organizations and the damages they have caused to this country [is immeasurable] ... In the case of those who were executed, their spying for Israel and its agents has become quite clear and they met with their just punishment according to the orders of the Holy Koran. (apud IHRDC, 2006, p. 27).

A terceira prisão e execução dos sete membros da AEN foi em 1983, sendo que, neste mesmo ano e no início de 1984, mais de 500 membros da Fé foram presos sem acusação formal, segundo o IHRDC (2007). Outras situações que reforçam a ideia da securitização bahá’í em nível local foram a prisão e execução dos nove membros da AEL, de Tabriz, e de sete dos nove membros da AEL, de Hamadam, e a prisão e execução de bahá’ís pela Guarda Revolucionária,

83 Consultar Apêndice A, na página 83. 84 Consultar Apêndice C, nas páginas 89 a 91. 85 Consultar Apêndice D, nas páginas 92 a 106. 86 Segundo o sr. Mohsen, os bahá’ís possuem o princípio de não pegarem em armas, então ele gostaria de servir auxiliando de outras maneiras, como na cozinha ou buscando medicamentos. 87 Segundo a entrevista com o sr. Payman e com a sra. Guitty, muitos bahá’is fugiam pelo deserto, por meio dessas fronteiras e, também, pelas fronteiras da Turquia. 61 de maneira mais isolada, em outras cidades, como Shiraz. Nesse sentido, em 1983, o procurador-geral da Revolução anunciou que todas as atividades administrativas e comunitárias bahá’ís, bem como a adesão à Fé e o envolvimento em qualquer assunto que fosse interpretado como ligado à religião, estavam proibidos. Como justificativa, o procurador-geral pronunciou, por meio do jornal governamental Kayhan Hava’i, que:

[The Bahá’ís] agitate and sabotage in some affairs, and spy for others... All of these problems have caused us to announce right now that all the collective and administrative activities of Bahá’ísm in Iran are, and have always been, banned. The Islamic Republic of Iran and the Constitution of the country does not recognize them. (apud IHRDC, 2006, p. 34).

Por fim, como fonte de compreensão do speech-act do Estado, deve ser considerado, ainda, que diversos cemitérios foram fechados e 13 funcionários destes foram presos por ordem do Conselho Revolucionário. Além disso, aqueles corpos que foram exumados pelos atentados da sociedade civil não tiveram a autorização para serem enterrados novamente, sendo que, em Teerã, depois do fechamento do cemitério, os bahá’ís eram enterrados em uma área destinada aos “infiéis”. Nesse sentido, o aparelho estatal estava atuando como um ator que fazia o uso da força para cumprir o movimento de securitização provocado, sobretudo, por Khomeini, que tinha o Estado concentrado em si. Portanto, embora pudesse ser um ator securitizador, o Estado não o era por agir apenas sob a égide de um indivíduo que atingiu a aprovação do público-alvo para operar contra a ameaça construída. No início de 1979, o país estava em caos e a construção dos bahá’ís como uma ameaça havia se acentuado consideravelmente, de modo que houve uma invasão dos Hojjatiyeh88 à AEN do Irã, na qual ocuparam este local, expulsaram as pessoas e confiscaram documentos oficiais, como a lista dos membros da Fé. Este confisco de documentos foi fundamental para que, posteriormente, a retaliação aos bahá’ís fosse efetuada de maneira mais organizada, como enviar cartas aos bahá’ís explanando sobre os problemas que poderiam surgir caso continuassem professando a Fé e não se proclamassem como islâmicos (MARTIN, 1984). Além disso, os Hojjatyeh promoveram outras atividades em mais de 50 cidades iranianas, como

88 O Hojjatiyeh era uma organização fundamentada no ativismo religioso xiita e formada pelo estudante clérigo Sheik Mahmoud Zikrzadih Tavalla'i, na década de 1950. A organização tinha como fins o anti-bahá’ísmo e buscava construir argumentos científicos a fim de combater a Fé Bahá’í. Os membros do Hojjatiyeh obtiveram apoio de importantes líderes políticos e religioso, como o aiatolá Milani e Khomeini, e tiveram como membros, possivelmente, o líder supremo Ali Khamenei, o ministro das Relações Exteriores no início do governo Khomeini, Ali Akbar Velayati, e o segundo presidente do Irã, Mohammad Ali Raja'I (IHRDC, 2006). 62 saques e destruição de casas bahá’ís, assassinatos, ataques e depredação dos centros da Fé e dos seus cemitérios89 (IHRDC, 2006). Nesse contexto, segundo Sanasarian (2004, p. 120), o grupo agiu por meio de infiltrações entre os membros da comunidade bahá’í no país, sendo que “the sweeping tide of Bahai arrests, imprisonment, and executions is often attributed to the Hojjatieh infiltrators’ access to Bahai registration books and confidential correspondence”. Além disso, este grupo possuía membros que faziam parte do governo, no entanto o seu papel começou a ser questionado, como pode verificado no trecho baixo, proferido em um sermão de sexta-feira90:

Previously you were working in connection with the anti-Bahá’í movement and were saying they [the Bahá’ís] are a danger to Islam, and we too were saying we know they are a danger. You were saying that they are connected to Israel, and we knew that, too. Every thing you said, we agreed with. Then we said that their roots must be destroyed. But you were only cutting off their leaves and branches… Very well, today there is no place for [the Bahá’ís] in the Islamic Republic. The atmosphere of the Islamic Republic would not even allow Bahá’ís and any anti-Islamic group to breathe. What is your mission now in this establishment [the Islamic Republic]. Your previous goal is long established, what is, then, your present goal? (JANNATI, 1981, apud IHRDC, 2006, p. 14).

Conclui-se que, portanto, que este grupo foi um importante ator funcional, dadas as suas ações contra os bahá’ís, por meio de confisco de documentos, de execuções e das suas atividades de depredação dos patrimônios dos bahá’ís. Além disso, os Hojjatieh, no início da Revolução Islâmica, possuíam amplo apoio de Khomeini, conforme foi verificado em cartas trocadas com o grupo ainda em 197091, mas o quadro foi alterado ao longo dos anos até o grupo de extinguir. Desse modo, verifica-se que os atores funcionais deste processo, junto ao ator

89 Os bahá’ís possuíam os seus próprios cemitérios, visto que não podiam ser enterrados junto aos demais cidadãos, pois eram considerados seres “impuros”. Ainda há que se levantar a questão de que os bahá’ís possuem um princípio de que um indivíduo deve ser enterrado em um lugar a, no máximo, 1 hora de onde faleceu, portanto, com os cemitérios depredados, começaram a ser enterrados em lugares desérticos próximos às cidades (BAHÁ’Í INTERNATIONAL COMMUNITY, 2016). 90 Foi estabelecido por Mohammad que o dia sagrado para as orações seria sexta-feira, ao meio-dia, guiada pelo líder religioso da região (MARQUES, 2015). 91 De acordo com o IHRDC (2006, p. 13), na primeira carta, Khomeini escreveu: “It has been a few years since several religious and pious people led by Haji Aqa Sheikh Mahmud Halabi for the purpose of systematically combating the fabricated sect of Bahá’ísm, have formed structured classes where they teach useful material and introduce people to the high position of His Holiness, the Guardian of the Age [the Twelfth Imam]. The areas of activity of these classes have stretched beyond Tehran, Isfahan, Mashhad, and Shiraz… and now are even working in the remote villages… and have so far been able to convert around five hundred of the followers of the wayward sect of Bahá’ísm back to the straight path of Oneness (towhid) [Islam]”. Em uma segunda carta, que respondia à uma outra carta do grupo que solicitava que ele dissesse claramente sobre as suas opiniões, Khomeini responde: “The actions of these gentlemen will be appreciated and please God and also collaboration with them will please the heart of the Guardian of The Age. Furthermore, Muslims are allowed to give them [Hojjatiyeh] money from the… [Islamic legal taxes]. If necessary, it is allowable for one third of the Imam’s share to be given to them. Of course under supervision of trusted parties, [so] if Mr. Halabi is able, the money should be placed under his supervision”. 63 securitizador, foram muito relevantes para que a securitização tomasse extensas proporções na agenda societal, de maneira que foi este o movimento que subsidiou a implementação do Memorando Golpaygani. Nesse contexto, quanto à legitimação do público-alvo, reitera-se que, em maio de 1979, de acordo com a IHRDC (2006), o jornal Ayandegan92 publicou um artigo descrevendo uma manifestação com cerca de 300 participantes que exigiam que os bahá’ís residentes da província de Boyer Ahmad, na área de Yasuj, se convertessem ao Islã. Com isto, os bahá’ís sofreram ameaças por parte da população, que proferiram ameaças aos baháís, em caso de não se converterem. Havendo tais ameaças, que não cessavam, a população bahá’í desta região foi obrigada a deixar as suas casas e a se alocar em uma espécie de campo de refugiados em uma área próxima a Isfahan. Acrescenta-se, ainda, a destruição dos cemitérios locais bahá’ís em diversas localidades do Irã, em que corpos foram exumados, tendo sido deixadas diversas mensagens de apelo contra a Fé Bahá’í, como “Morte aos Infiéis” (IHRDC, 2006). Sendo assim, a sociedade civil teve um papel legitimador preponderante no movimento de securitização, visto que as suas ações avalizavam o discurso securitizador em construção e que, também, materializavam os atos discursivos dos atores securitizador e funcionais.

5.2 PERÍODO KHAMENEI E O LEGADO GOLPAYGANI

Após a morte do líder supremo Khomeini, em 1989, o seu filho o sucedeu como novo líder supremo do Irã, o aiatolá Khamenei. Nesse sentido, o movimento de securitização neste período continuou a ser promovido, no entanto passou a ser articulado por Khamenei como uma política estatal direcionadora à eliminação da ameaça de forma mais elaborada, dada a assinatura do Memorando Golpaygani93, em 1991. Desse modo, não se pretende, aqui, analisar todo o período de governo de Khamenei, mas, sim, analisar o seu principal legado, o Memorando Golpaygani, por ter sido estabelecido um aparato estatal para combater a ameaça construída.94

92 O jornal Ayandegan foi considerado por Khomeini como um opositor ao governo e que possuía vínculos com Israel (KHOMEINI, 1979), portanto o jornal foi fechado em 8 de agosto de 1979, sob acusações de veicularem notícias e estatísticas falsas acerca da Força Aérea do país. Isto, segundo Cumming-Bruce (1979), estaria de acordo com a aprovação da nova lei sobre a imprensa, de 1979. 93 Consultar Anexo F, nas páginas 152 a 154. 94 Deve-se ter em mente que não se pretende, aqui, analisar os resultados do Memorando, mas apenas compreender que o movimento de securitização construído desde 1979 alcançou legitimação do público-alvo, passando a ser um instrumento legítimo de combate aos bahá’ís. 64

O Memorando Golpaygani foi enviado em 1991, pelo então Conselheiro da Suprema Guarda Revolucionária Cultural da República Islâmica e pelo Presidente do Irã, ao Líder Supremo Khamenei, que o ratificou. O Memorando era secreto, no entanto foi publicado no Relatório Final de Organização das Nações Unidas, de 1992, sobre a situação dos direitos humanos no Irã. Este documento foi o resultado de debates acerca da “questão bahá’í”, como é tratado no documento, e era direcionado às autoridades do país, esclarecendo sobre as políticas que deveriam ser tomadas em relação aos bahá’ís no Irã95, observados, segundo é esclarecido, a Constituição de 1979, as leis civis e sociais do país e as políticas do Irã. Dessa maneira, com a aprovação e a assinatura de Khamenei, foi estabelecido um documento com diretrizes voltadas para o tratamento aos bahá’ís iranianos. No Memorando, há três eixos principais, reproduzidos a seguir:

a) Status dos bahá’ís no Irã: faz referências que os bahá’ís não devem ser presos nem expulsos do país sem razão, mas que o seu progresso e desenvolvimento devem ser paralisados; b) Status cultural e educacional: os bahá’ís poderão frequentar as escolas desde que não se declarem como bahá’ís, no entanto, caso sejam identificados, mas não se declararem, como bahá’ís, devem serem mandados a escolas que tenham fortes cunhos ideológico e religioso, porém, se forem descobertos nas universidades, deverão ser expulsos. Também se considera que as suas atividades de espionagem deveriam, como trata o documento, ser respondidas com as leis do Irã, e as suas atividades religiosas devem ser respondidas com o Islã e com a cultura iraniana. Além disso, deveria ser criado um setor independente somente para conter as propagandas bahá’ís, a fim de evitar a sua expansão, e há instruções claras no Memorando de que “a plan must be devised to confront and destroy their cultural roots outside the country”96; e c) Status legal e social: desde que os bahá’ís não sejam encorajados a continuarem sendo bahá’ís, podem ser concedidos a eles todos os documentos cedidos aos cidadãos iranianos, como passaporte e certificados funerários. Ainda nessa frente, é permitido que eles tenham uma “modest lifehood”, como trata o Memorando, e que

95 Segundo está documentado no memorando, o Líder Supremo Khamenei solicitou, em reunião anterior, que, em relação à questão bahá’í, “uma política específica deveria ser concebida em de tal forma que todos entendam o que deve ou não ser feito”. 96 Consultar Anexo F, na página 153. 65

seja condizente com a maioria da população, sendo negados empregos, caso se identifiquem como bahá’ís, e não permitindo que eles tenham posições de influência.

Desse modo, observa-se que, no primeiro eixo do Memorando, é afirmando que os bahá’ís não devem ser expulsos do país nem presos sem razão, no entanto as principais acusações legais contra os bahá’ís, como já foi visto anteriormente, é que eles são espiões de Israel e que difamam o Islã, o que os caracterizaria como infratores da lei. Nesse sentido, é importante ressaltar que, nos Capítulos 1 e 2 do Código Penal do Irã, as penas para os sujeitos que cometem crimes contra a segurança nacional e contra os valores sagrados do Islã vão de prisão, no caso de espionagem, à execução, em caso de insulto ao Islã. Além disso, neste eixo, é explicitado que o desenvolvimento da comunidade bahá’í deve ser detido, o que demonstra a real intenção de travar o progresso dos membros da Fé no Irã. O segundo eixo traz apontamentos de exclusão dos bahá’ís das instituições de ensino, explicitando os movimentos que já ocorriam desde o período anterior de análise, o que é relatado como recorrente no país por todos os entrevistados 97. Ainda há orientação para que os bahá’ís sejam enviados para instituições de forte cunho ideológico-religioso, implicando a tentativa de promover conversão forçada aos valores do Islã. Ademais, afirma-se a necessidade de criação de uma instituição para conter as ameaças bahá’ís dentro e fora do país, podendo ser verificado que há uma intenção clara de “destruir as suas raízes”, o que resultaria na eliminação da “ameaça” bahá’í. O terceiro eixo aponta que os bahá’ís têm direito aos mesmos documentos que os demais cidadãos iranianos, desde que não haja incentivo para continuarem sendo bahá’ís, no entanto afirma que eles não podem elevar o seu padrão de vida além dos demais cidadãos. Nessa parte do Memorando, esclarece-se, ainda, que devem ser negados empregos aos bahá’ís e que eles não podem obter posições de influência, indicando que há uma intenção de isolar a comunidade bahá’í das vias de ascensão social e econômica. Desse modo, Sabeti (2017, p. 2) defende que:

A confidential 1991 memorandum shows that exclusion of Bahá’ís from higher education was part of larger plan to suffocate the Bahá’í community, and that the Islamic Republic had devised a national policy to quietly and slowly strangle the Bahá’í community through educational, cultural and economic means rather than earlier, more overt measures like killings. (SABETI, 2017, p. 2).

97 Consultar do Apêndice A ao Apêndice E, nas páginas 83 a 115. 66

Nesse contexto, de acordo com a visão de Sabeti (2017), havia um plano nacional de estrangulamento da identidade bahá’í, por meio da negação ao acesso à educação, à cultura e à economia. Sendo assim, nesse período, os bahá’ís já haviam sido colocados na agenda de segurança societal como uma ameaça à nação iraniana e os próximos passos seriam usar da legitimação do uso de meios extraordinários para conter tal ameaça. Dessa maneira, o Memorando Golpaygani, enquanto instrumento concebido para cumprir tal intento, pode ser entendido como o apogeu da securitização promovida pelo Irã. Isto é dado, uma vez que este materializava, na prática, as ações até então mais ilocucionárias, ou, em outras palavras, circunscritas a atos discursivos, não havendo, até 1991, um documento institucionalizado estabelecendo diretrizes a serem tomadas para a eliminação da ameaça bahá’í.

5.3 OS ATORES DESSECURITIZADORES (1979-1991)

Neste tópico, será trabalhado o movimento de dessecuritização, fundamentado na premissa inversa ao que foi exposto até o momento, ou seja, de que os bahá’ís não são uma ameaça à comunidade imaginada iraniana. Nesse sentido, houve atores que foram importantes nesse processo e que buscaram desencadear um movimento que retirasse os bahá’ís da agenda de segurança, colocando-os na agenda de temas não politizados. São vários os atores que participam deste segundo processo, porém, para esta pesquisa, serão utilizados como amostra as organizações internacionais (OI) e a mídia. Quanto às OIs, estas são consideradas atores funcionais dada a sua capacidade de exprimir as interpretações coletivas da realidade internacional, atuando enquanto instituições que formam identidades coletivas, portanto pressionam os Estados para que se adequem a um contexto coletivo do sistema internacional (MESSARI, 2003). Nesse sentido, enquanto proporcionadoras de informações, por meio dos relatórios, as OIs podem atuar como atores dessecuritizadores, denunciando as questões internas do Irã e o pressionando para que este Estado se adeque à realidade institucionalizada do SI, no caso dos bahá’ís neste país. Desse modo, duas OIs são colocadas em destaque aqui, dado que publicaram relatórios que continham esclarecimentos acerca do tratamento aos bahá’í no Irã, durante o período de análise: ONU e Anistia Internacional. A Anistia Internacional publicou três relatórios finais sobre os direitos humanos no Irã, um do período de 1980-1981; outro de 1983; e o outro no período de 1987-1990. Em todos os relatórios, foram expostas as condições sob as quais os bahá’ís eram submetidos, a fim de 67 eliminar a ameaça que foi construída, a partir de 1979. No relatório de 1980-1981, a Anistia Internacional afirmou ter advertido ao então presidente, Abolhassan Bani-Sadr, que:

These executions and the imprisonment and execution of other members of the Baha'i religion appear to Amnesty International to indicate a deliberate government policy of religious persecution, in violation of Article 18 of the International Covenant on Civil and Political Rights to which Iran is a State Party. This article states: 'Everyone shall have the right to freedom of thought, conscience and religion. This right shall include freedom to have or to adopt a religion or belief of his choice, and freedom, either individually or in community with others and in public or private, to manifest his religion or belief in worship, observance, practice and teaching. (AMNESTY INTERNATIONAL, 1981, p. 356-357).

Nesse sentido, no relatório de 1983, a Anistia Internacional publicou que 390 membros da Fé foram presos, elevando o número dos seguidores presos para mais de 700, e esclarecendo que os bahá’ís são acusados de sionismo, no entanto, na visão da Anistia, as prisões eram motivadas pela crença religiosa, que era considerada heresia pelas autoridades iranianas. Nesse mesmo relatório, também foi exposto o banimento da administração da Fé pelo Estado do Irã, como foi apontado no decorrer do capítulo, e a execução de 17 bahá’ís em Shiraz. Já no relatório dos anos 1987-1990, foi exposto que não haviam tido sinais de perseguição aos membros da Fé, mas que, ainda, é a maior minoria religiosa do Irã e que não é reconhecida constitucionalmente. Já a ONU teve a possibilidade de elaborar os seus relatórios no Irã somente a partir de 1987, quando, então, publicou cinco relatórios nesse período de análise, sendo que todos continham espaços relatando a condição dos bahá’ís no país em um status de segurança nacional. Nesse sentido, no relatório de 1987, a organização retomou alguns aspectos dos anos anteriores que não tiveram acesso ao Irã, reafirmando as prisões compulsórias e a exclusão dessa minoria dos direitos civis e políticos, dada a sua religião. Sendo assim, a ONU atuou como um ator dessecuritizador no sentido de apresentar dados à comunidade internacional acerca do quadro da minoria no Irã como sendo de “perseguição”. Outro ator dessecuritizador analisado nesta pesquisa é a mídia, de modo que esta pode, segundo Fonseca (2011, p. 41-42),

[...] influir na formação das agendas públicas e governamentais; intermediar relações sociais entre grupos distintos (Capelato, 1988); influenciar a opinião de inúmeras pessoas sobre temas específicos; participar das contendas políticas, em sentido lato (defesa ou veto de uma causa, por exemplo) e estrito (apoio a governos, partidos ou candidatos); e atuar como "aparelhos ideológicos" capazes de organizar interesses.

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Dessa maneira, em compreensão ao que Fonseca (2011) defende, apreende-se que a mídia pode se revestir em um ator dessecuritizador, tendo em mente que esta influencia nas agendas, na opinião pública e na organização de interesses ideológicos, podendo agir no sentido contrário ao que é securitizado. Além disso, Anderson (1983) afirma que os jornais possuem um papel fundamental na construção de uma comunidade imaginada, pois os indivíduos se sentem parte de uma mesma comunidade, quando leem documentos que estão num mesmo idioma que um outro indivíduo que está em outra parte do território da comunidade imaginada. Nesse sentido, nos primeiros anos após a Revolução Islâmica, o governo fechou diversos jornais e criou a Lei da Impressa, em 1986, que estabelecia critérios para o funcionamento das instituições midiáticas, e um órgão somente para o controle da mídia (The Press Supervisory Board98). Sendo assim, alguns atos de fala quanto à questão bahá’í no Irã foram publicados por jornais com visibilidade internacional, como o trecho abaixo, do The Baltimore Sun, em 198499, no qual afirmava:

Elliott Abrams, assistant secretary of State for Human Rights and Humanitarian Affairs, last week characterized the regime’s actions as “sickeningly reminiscent of Nazi Germany” before the Holocaust. A resolution condemning Iran has gathered 140 signatures in the House and 60 in the Senate. More than 170 Baha’is have been executed since the ayatollah came to power – three last month, 20 in the last year – and today 703 languish in jail awaiting trial or serving sentences. The dead were Baha’i leaders, university professors, businessmen, young women, and the elderly. (grifos da autora)

Esta publicação estava estampada com a manchete “Holy War: Ayatollah Khomeini is waging a systematic and brutal holy war against Iran’s Baha’is – imprisoning, torturing and executing leaders and worshipers – solely for their religious convictions” (grifos da autora), o que demonstra, claramente, um papel de oposição ao governo iraniano e à construção de ameaça efetuada. Além dele, como já foi dito anteriormente, o jornal iraniano Ayandegan publicou, em 1979, um relato da pressão da população na região de Yasuj para que bahá’ís dali se convertessem ao Islã, usando a expressão “The Baha’is of Gata in Yasuj were threatened” para relatar o ocorrido100. Ainda, o jornal Australian Weekly publicou, em 1981, sobre um membro da Fé que vivia na Austrália nesse período, a seguinte narrativa:

98 Faz parte do Ministério de Informação (HRW, 1999) 99 Consultar Anexo C, nas páginas 147 e 148. 100 Consultar Anexo D, na página 149. 69

BIZHAN VAHDAT is a softly spoken, 44-year-old, Iranian-born computer expert who has lived in Australia since 1967. He carries with him a great sadness, for in April this year his father was executed in Shiraz in Iran, charged only with the crime of membership of the pacifist Baha’i faith. Bizhan’s 79-year-old mother has been in an Iranian jail in Shiraz for 12 months. In that time she has suffered two strokes and her weight has gone from about 82.5 kilos to 44.5 kilos. Bizhan sends money to Iran so that food may be bought for his mother. Otherwise, he is sure; she would not have survived even until now. (grifos da autora).101

Dessa maneira, conforme foi destacado nos trechos em questão em negrito, pode-se perceber que há uma intenção em formar a opinião no público-alvo de que os bahá’ís são perseguidos pelo governo iraniano. Além disso, também é observado que, por meio dos atos de fala, são escolhidas expressões criteriosas e de cunho emocional, como “brutal” e “fé pacífica”, comparando o que acontece com os bahá’ís no Irã ao que ocorreu com os judeus na Alemanha, a fim de promover um sentimento de revolta no público quanto à situação dos bahá’ís no Irã. Nesse contexto, portanto, a mídia atua como uma dessecuritizadora do movimento que constrói os bahá’ís como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana, considerando, ainda, que houve outros destaques midiáticos no caso em questão102, no entanto, por questão de objetividade, somente estes três foram evidenciados. Nesse sentido, verifica-se que os dois atores dessecuritizadores apontados foram proeminentes em seus discursos, porém atingindo, sobretudo, o contexto internacional, dado que: 1) as OIs atingem a comunidade internacional acerca da problemática; e 2) a mídia faz publicações em esferas fora do Irã, dado que a mídia, no país, é controlada pelo Estado e que todos os jornais supostamente opositores ao governo foram fechados no início do governo de Khomeini. Complementarmente, ainda é importante ressaltar que, embora houvessem famílias muçulmanas que apoiassem os bahá’ís, conforme os entrevistados declararam, elas não agiam como atores dessecuritizadores, visto que eram em um número muito pequeno em relação ao restante da população civil que legitimava o speech-act dos atores securitizadores, agindo apenas como não legitimadores do processo de uso do meio extraordinário contra os bahá’ís. Dessa maneira, é fundamental destacar as respostas aferidas em relação à população em geral do Irã, na pergunta 6 do questionário aplicado aos entrevistados: como a população em

101 Consultar Anexo E, nas páginas 150 e 151. 102 Para consulta e investigação, o site Arquives of Bahá’í Persecution in Iran, criado em 2018, publicou diversos documentos originais de jornais e documentos oficiais do governo iraniano acerca dos bahá’ís, com traduções para o inglês e para o persa. 70 geral reagia em relação às ações do governo? Assim, para melhor compreensão, seguem as respostas dos entrevistados103:

 Entrevistado 1: respondeu que nem toda a população muçulmana concorda com as ações do governo e que muitos, inclusive, apoiam a causa bahá’í, mas não podem se declarar publicamente pelo risco de prisão;  Entrevistado 2: a população muçulmana teme o governo, no entanto ainda tenta ajudar os bahá’ís;  Entrevistado 3: relatou que muitos muçulmanos conhecem os bahá’ís que sabem que as “calúnias que o governo sempre fez” não condizem com a realidade dos bahá’ís, no entanto muitos temem o governo e os “fanáticos”;  Entrevistado 4: declarou que muitos muçulmanos agiam em acordo com o governo, no entanto haviam vizinhos que ajudavam os bahá’ís a “escapar da perseguição”. Ele relatou, ainda, que ele tinha um vizinho que sempre recolhia todos os documentos e as coisas de valor de sua casa para que não fossem levados, e, posteriormente, os devolvia; e  Entrevistado 5: declarou que as famílias muçulmanas que possuem contato e conhecem a causa Bahá’í comparam o que o governo prega e o que é a realidade, no entanto demonstram apoio de maneira discreta, visto que podem “sofrer sanções e perseguições até pior que os próprios bahá’ís”104.

Desse modo, por meio desta pesquisa qualitativa com bahá’ís que vieram para o Brasil do Irã em razão da securitização de sua comunidade, conforme os entrevistados declararam nas repostas, observa-se que a população muçulmana agia em conformidade com o governo por temer as sanções105. Além disso, segundo o que foi respondido nos questionários, grande parte da população islâmica do país também temia os muçulmanos tradicionais, por poderem sofrer perseguições, assim, tanto do governo quanto da sua própria comunidade religiosa. Nesse sentido, somente uma parcela pequena dos islâmicos pode ser considerada como não

103 Consultar do Apêndice A ao E, nas páginas 83 a 115. Complementarmente, consultar Apêndice F, nas páginas 116 a 142, pois, na entrevista, Guitty Millani fala sobre as crendices e os mitos que permeavam a população muçulmana no Irã em relação aos bahá’ís. 104 Consultar Apêndice E, página 115. 105 Segundo o Código Penal do Irã, no artigo 510, o indivíduo que apoiar espionagem pode ser penalizado entre seis meses e três anos de prisão. Retoma-se, então, a questão de que um dos elementos do speech-act dos atores securitizadores e funcionais para a construção dos bahá’ís enquanto uma ameaça à comunidade imaginada iraniana é que eles são espiões das potências estrangeiras e do sionismo. 71 legitimadora do speech-act, por auxiliar os bahá’ís contra as problemáticas que enfrentam, no entanto não atua como ator dessecuritizador, por ser uma fração pequena em relação ao todo. Por fim, o capítulo buscou analisar os processos de securitização e de dessecuritização referentes aos bahá’ís enquanto uma ameaça à comunidade imaginada iraniana, trazendo apontamentos de como o speech-act foi construído no país. Então, nesse contexto do período de análise, apreende-se que a ameaça que foi construída em relação aos bahá’ís é oriunda da competição vertical, de maneira que o Estado do Irã age para concentrar a sua identidade, tomando, portanto, ações centrífugas, conforme busca reafirmar o Islã enquanto o elemento substancial da nação iraniana. Sendo assim, afirma-se que houve o movimento de securitização promovido a partir de Khomeini, sendo consolidado como uma política de Estado, no governo Khamenei, por meio do Memorando Golpaygani, que foi o apogeu da securitização, visto que o público-alvo legitimou que fossem utilizados os meios extraordinários para que a ameaça à comunidade imaginada iraniana fosse detida. Dessa maneira, a pirâmide, abaixo, representa a síntese do movimento de securitização que foi estudado nesta pesquisa:

Figura 7 – Pirâmide do Movimento de Securitização dos Bahá’ís no Irã (1979-1991)

1991

Securitizado

Politizado

1979

Não politizado

Fonte: Elaboração da autora. Notas: * Ator securitizador do primeiro período de análise (1979-1991). ** Ator securitizador do segundo período de análise (1989-1991). *** Atores funcionais dos períodos em análise (1979-1991). 72

6 CONCLUSÃO

Durante esta pesquisa, foi levantada a questão sobre a existência de um movimento securitizador no Irã, de modo a apresentar os bahá’ís como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana, de 1979 a 1991, e, por conseguinte, sobre como ele ocorreu. Nesse sentido, por meio da análise de documentos oficiais do Estado, de discursos e de fatos que aconteceram no país neste período, a resposta é que, sim, houve este processo securitizador. Dessa maneira, ao longo do texto, foi levantada a primeira unidade de análise, o objeto referente, sendo que a nação, conforme as prerrogativas da comunidade imaginada de Anderson (1983), foi colocada como o elemento central de proteção, após a Revolução Islâmica, o que moldou toda a pesquisa em torno do setor societal. Neste trabalho, assim, foi possível verificar que a vulnerabilidade da identidade da comunidade imaginada iraniana, a partir de 1979, é o Islã, que seria o agente reestruturante de toda a ordem interna do país. Sendo assim, isto implicou a ruptura do continuuum da história, tendo em mente que a trajetória dos governos iranianos/persas anteriores passou a compreendida como o que desrespeita aos ordenamentos do Islã, considerando que os oprimidos, agora, estariam no poder. Além disso, o objeto referente passou a ser o cerne de proteção do Estado e das lideranças religiosas, o que caracteriza a viabilidade de tomar os meios possíveis para eliminar agentes que possam desconstruir ou desestabilizar a ordem estabelecida após a Revolução Islâmica. Outra dinâmica observada foi a dos atores securitizadores, Khomeini e Khamenei, que agiram para que a ameaça dos bahá’ís fosse construída, por meio do speech-act, considerando, ainda, que isto foi dada a competição vertical, em busca de concentrar a identidade da comunidade imaginada iraniana, conforme os preceitos de Wæver, Buzan e Wilde (1998, p. 121). Desse modo, além dos atos discursos, que são tomados como verdade para grande parte dos seus seguidores, foram emitidos documentos oficiais, sob o comando dos líderes supremos, a fim de conter a expansão e a existência da comunidade bahá’í no país. Nesse sentido, houve prisões e execuções em massa, durante os primeiros anos da Revolução Islâmica, e o Memorando Golpaygani foi instituído como uma política de Estado. Quanto aos atores funcionais, eles foram escolhidos quanto ao grau de evidência no processo de securitização. Como pôde ser visto, os três atores funcionais escolhidos foram muito proeminentes e geraram tanto o medo quanto a reprodução dos seus atos, na sociedade civil. Primeiramente, viu-se que os aiatolás, por agirem como fontes de imitação, possuem grande influência sobre os seus seguidores, que, muitas vezes, não questionam sobre as suas 73 posição e orientação. Nesse sentido, os atos perlocucionários dos aiatolás incentivam a comunidade muçulmana a agirem contra os bahá’ís, tendo em mente que os seus discursos se materializavam em ações da sociedade civil. O grupo Hojjatiyeh também foi importante no sentido de ser um grupo de ativismo religioso fundamentado no xiismo e que fazia propaganda e agia contra os bahá’ís de maneira organizada, visto que a comunidade bahá’í foi desarticulada por meio das suas atividades de invasão e de confisco de documentos. Já com relação ao aparelho estatal, a pesquisa revelou que este foi instituído de modo que ficasse abaixo do líder supremo, por meio da estrutura da wilayat al-faqih. Por último, vale considerar que os grupos organizados e a sociedade civil, em uma escala menor, revestem os discursos em ações isoladas, mas constantes, em espaços públicos e privados, contra a população bahá’í, sendo que a sociedade civil é o principal público-alvo do speech-act. Dessa maneira, pode-se verificar, além dos atores securitizadores e funcionais, uma síntese do movimento de securitização que houve, de 1979 até 1991, para tipificar os bahá’ís como uma ameaça à comunidade imaginada iraniana. Também são explanados os atores dessecuritizadores, que agem de maneira que busquem convencer o público-alvo de que este é o um processo que não deve requerer o uso da força, pois a Fé Bahá’í seria uma religião pacífica, devendo estar na posição de assunto não politizado. No entanto foi verificado queo speech-act destes não influenciaram diretamente nas políticas do Irã, dadas as condições de não poderem intervir nas decisões legais do país e não terem o poder de influência direta na vida da sociedade civil iraniana, além de se considerar que o Memorando Golpaygani foi o resultado da legitimação do público-alvo no período de análise. Quanto às teorias utilizadas, o marco teórico da securitização foi o eficiente ao testar as variáveis utilizadas para esta pesquisa, porém o estudo de caso dos bahá’ís ainda foi pouco explorado e havia pouca literatura de análise da securitização no Irã, o que foi uma dificuldade na pesquisa. Já o conceito de comunidades imaginadas, por vir de um ensaio, ainda é muito limitado e foi necessário utilizar diversos outros teóricos para dar respaldo aos argumentos e para compreender o Irã enquanto comunidade imaginada. Nesse contexto, mesmo com as dificuldades propostas, foi possível identificar os elementos do sentimento nacional iraniano como o objeto referente e, portanto, testar o movimento de securitização dos bahá’ís no país. Além disso, por meio desta pesquisa, foi possível identificar que o Irã segue uma dinâmica completamente distinta do que se vê no sistema internacional, agindo de maneira, inclusive, que o isole de influências que sejam consideradas “negativas”. Nesse contexto, o país vem movendo esforços, desde a Revolução Islâmica, para manter a sua posição de potência na 74 região e, sobretudo, de agir como um centro islâmico e, talvez, até de exportação do seu sistema teocrático de poder. Apreende-se, ainda, que existe um temor pairando pelo país em relação à manutenção da ordem estabelecida a partir de 1979, uma vez que praticamente todas os elementos que pudessem representar risco à nação foram perseguidos a partir de então, como uma maneira tanto de se posicionar por meio da repressão quanto de se defender o que se acredita religiosamente. Nesse sentido, percebe-se que a questão dos bahá’ís é mais uma forma do governo se proteger de problemas que possam vir a surgir, visto que a comunidade bahá’í não acredita na atual ordem mundial nem no poder concentrado em líderes. Dessa maneira, observa-se que pode haver um receio de que princípios da Fé tomem grandes proporções e que a governabilidade possa se esvair das mãos dos que sempre estiveram no poder, então uma tentativa clara de manter um status quo. Além disso, há de se considerar que o povo xiita é um povo que sofreu perseguição desde a cisão do islamismo, com a morte de Mohammad, então há uma busca de manter as forças deste povo unidas, a fim de evitar o risco de serem oprimidos novamente. Nesse contexto de opressão, é onde surgem os discursos de que a Revolução Islâmica representaria a ascensão dos oprimidos ao poder, uma vez que surgia um Estado fundado no Islã e em seus preceitos. Assim, torna-se mais moldável a massa populacional, pois esta está profundamente relacionada à religião, sobretudo em um país onde a pobreza é extensa e o acesso à educação é limitado. Sendo assim, é compreensível, por um lado, a tomada de decisão dos governos contra os bahá’ís, após a Revolução Islâmica, no entanto é inadmissível, por outro lado, que minorias sejam perseguidas e massacradas em nome de princípios individuais. Faz-se fundamental, também, apontar essas questões no âmbito das Relações Internacionais, visto que os estudos de minorias vêm se tornando importantes ao longo das últimas décadas. Dessa maneira, esta pesquisa também traz em si exatamente a questão de se levar em conta o papel dos indivíduos, das comunidades e do Construtivismo como uma fonte de análise deste tipo de realidade. Considera-se, ainda, o quão fundamental é trabalhar com as questões subjetivas da construção de tal realidade, uma vez que é um mecanismo que traz respostas profundas do que se pesquisa, para além, portanto, da objetividade. Nesse sentido, apreende-se que, mesmo diante das dinâmicas desafiadoras de identificar os elementos da complexa nação iraniana, de compreender a via religiosa bahá’í e de demonstrar o movimento de securitização ocorrido, foi possível responder à pergunta de pesquisa e afirmar como verdadeira a premissa proposta inicialmente. Nesse sentido, a partir da literatura utilizada e da análise qualitativa resultante da aplicação de questionários semi- 75 estruturados, viabilizou-se concluir que o movimento de securitização ocorreu no Irã, durante o período delimitado. Além disso, foi confirmado que o Memorado Golpaygani foi o apogeu da construção do speech-act dos atores, a fim de eliminar a ameaça que, supostamente, se colocava ante à nação: os bahá’ís.

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APÊNDICE A – Questionário do Entrevistado 1

QUESTIONÁRIO AOS BAHÁÍS QUE VIVERAM NO IRÃ APÓS A REVOLUÇÃO ISLÂMICA

Este questionário será utilizado como parte da pesquisa de Lorena Delduca Herédias para conclusão do curso de Relações Internacionais, na Universidade Católica de Brasília, sob orientação do PhD. Fábio Albergaria Queiroz. Esta pesquisa é para a análise do processo de ações e discursos feitos por parte do governo do Irã, de 1979 a 2015, construindo os bahá’ís como uma ameaça à nação iraniana, elevando, assim, o tema, de não politizado, à agenda de segurança. Dessa maneira, gostaríamos que pudesse compartilhar a sua vivência enquanto um bahá’í no Irã, a fim de anexarmos esta entrevista à pesquisa e darmos maior robustez ao conteúdo, que visa apresentar a situação da comunidade bahá’í neste país. Nesse sentido, sintam-se à vontade para responderem ou deixarem de responder (inclusive nome) aos questionamentos propostos abaixo e, também, para adicionarem algo que acreditem ser importante para a compreensão dos leitores.

Nome Hasti Khoshnammanesh Cidade Ano de em que Brasília Idade 38 saída do 2002 vive hoje Irã

1 – Você poderia contar para nós um pouco da sua história enquanto um bahá’í no Irã? RESPOSTA: Eu nasci no ano 1980, no ano que começou a guerra entre Irã e Iraque qual durou por 8 anos. Nasci numa família Bahá’í. Os bahá’ís, seguidores da Fé Bahá’í são perseguidos no Irã. As reuniões dos bahá’ís geralmente acontece com cautela porque correm risco de serem presos por simples participação numa reunião devocional. Na escola, eu sofria com interrogações na sala da diretora para entregar nome dos bahá’ís que conhecia e sempre 85 conseguia me escapar dessas interrogações através da única maneira que conhecia: chorar sem parar.

2 – Você, a sua família e/ou amigos/conhecidos sofreram alguma forma de repressão religiosa por serem bahá’ís (como estudar e trabalhar) no Irã? Se sim, você poderia compartilhar com a gente? RESPOSTA: Sim. Quando terminei meus estudos do ensino médio, como qualquer outro jovem fiz inscrição para vestibular para poder entrar na faculdade. Eu já sabia que o governo não permite que os jovens Bahá’ís se ingressam nas universidades do país, tanto pública quanto particular, mas mesmo assim preenchi os formulários de inscrição. No formulário tem a parte de religião com 4 opções: Islam, Cristianismo, Zoroastrismo e Judaísmo. Claro que eu não marquei nenhuma das opções e abaixo deles escrevi Bahá’í. Quando a ficha de confirmação voltou, a parte da religião estava preenchido como Islam. Fui para órgão que cuida dos erros de preenchimento e reclamei sobre o erro. A autoridade de órgão simplesmente pegou a ficha da minha mão e com grosseria falou: Você sabe que os bahá’ís não tem permissão de entrar na universidade, então pode ir e não perca seu tempo. Este dia foi muito triste e decepcionante para mim. Mas ainda restava outra alternativa, estudar na universidade da comunidade Bahá’í que se chama Bahá’í Institute for Higher Education (BIHE). Esta universidade não é reconhecida pelo governo e funciona no modo clandestino. Muitas aulas são online e os presenciais acontecem nas residencias dos Bahá’ís. O resto é igual qualquer outra universidade, tudo muito sério e organizado. O diploma dos cursos oferecidos pelo BIHE são reconhecidos em muitas universidades em outros países como EUA, Canada, Australia e Inglaterra, de modo que os jovens Bahá’í podem continuar os seus estudos (pós- graduação) em muitas universidades fora do país.

3 – O que você entende, enquanto um bahá’í, que levou o governo do Irã a elevar o status dos bahá’ís a um assunto de Estado? RESPOSTA: Acredito que eles têm medo da expansão da Fé Bahá’í e que as pessoas se converteram à religião e como resultado muitos líderes religiosos perderão seu emprego já que na Fé Bahá’í não existe clero ou líder religioso.

4 – O que mudou com a Revolução Islâmica em 1979 para a comunidade bahá’í do Irã? RESPOSTA: A comunidade não tem liberdade para fazer ensino da Fé, se reunir em paz, não pode mais ter assembleias locais ou nacionais que cuidam dos assuntos da comunidade, não 86 podem trabalhar em nenhuma órgão publica, não podem entrar nas universidades ou faculdades do país, seus comércios são invadidos e lacrados de tempo em tempo, seus lares invadidos e seus pertences confiscados, muitos são presos simplesmente porque são bahá'ís. Até nossos cemitérios não escapam, são invadidos e destruídos.

5 – Como eram feitos os encontros e as atividades bahá’ís da comunidade no Irã? RESPOSTA: Tudo com muita moderação e cautela sem chamar atenção dos vizinhos que podiam denunciar e assim a casa podia ser invadida e todos presos.

6 – Como a população em geral reagia em relação às ações do governo? RESPOSTA: Nem toda a população concorda com as ações do governo. O número de iranianos que apoiam e simpatizam com os bahá’ís cada vez aumenta mas se eles declararem este apoio publicamente, também serão presos. Por isso, muita gente demonstra seu apoio em secreto.

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APÊNDICE B – Questionário do Entrevistado 2

QUESTIONÁRIO AOS BAHÁÍS QUE VIVERAM NO IRÃ APÓS A REVOLUÇÃO ISLÂMICA

Este questionário será utilizado como parte da pesquisa de Lorena Delduca Herédias para conclusão do curso de Relações Internacionais, na Universidade Católica de Brasília, sob orientação do PhD. Fábio Albergaria Queiroz. Esta pesquisa é para a análise do processo de ações e discursos feitos por parte do governo do Irã, de 1979 a 2015, construindo os bahá’ís como uma ameaça à nação iraniana, elevando, assim, o tema, de não politizado, à agenda de segurança. Dessa maneira, gostaríamos que pudesse compartilhar a sua vivência enquanto um bahá’í no Irã, a fim de anexarmos esta entrevista à pesquisa e darmos maior robustez ao conteúdo, que visa apresentar a situação da comunidade bahá’í neste país. Nesse sentido, sintam-se à vontade para responderem ou deixarem de responder (inclusive nome) aos questionamentos propostos abaixo e, também, para adicionarem algo que acreditem ser importante para a compreensão dos leitores.

Nome Negar malekzadeh moghaddam Cidade Ano de em que Campinas Idade 28 saída do 2014 vive hoje Irã

1 – Você poderia contar para nós um pouco da sua história enquanto um bahá’í no Irã? RESPOSTA: I was born in a Baha’i family so since i was a child i grew up with the Baha’i feith’s principal, as I remember i started Baha’i children classes when i was 5 and even when i was going to school we had these classes once a week. During my Teenager period i was always aware of the problems that my parents had about their job and also the activities of the feith. Always we should have been very careful and we couldn’t have talk about or Belief freely. Years had passed and i gratuated from high school but again because of my religion and my 88 beliefs i couldnt enter to the normal universities as my othe friends so i started to study in the bahai university. I studied Biology in BIHE and while i was at the university many of my friends and my teachers got arrested. The experience of studying in BHIE is sth that i would never forget. Without so many sacrifices of our parents, our teachers and all the bahai comunity it couldn’t happen. Then in 2012 while we were having an exhibition of our children and teen classes, some my friends and the parents got arrested. I was arrested later at our house. I had a youth class that three of my students were muslims so, they came to our house, they searched everywhere and took all our bahai books, Cds, pictures, our TV set, our computes...and never gave us back, and they took me too. So i was in a solitary cell for 16 days and after that i was Released under some conditions, then i had six month of sentence to go to the prison. So i went to prison in 2013, and when i got out i came to brazil on March 2014, i have been living there since then.

2 – Você, a sua família e/ou amigos/conhecidos sofreram alguma forma de repressão religiosa por serem bahá’ís (como estudar e trabalhar) no Irã? Se sim, você poderia compartilhar com a gente? RESPOSTA: Acho que respondi isto na primeira pergunta mas se precisa de mais detalhes, pode me falar que escrevo.

3 – O que você entende, enquanto um bahá’í, que levou o governo do Irã a elevar o status dos bahá’ís a um assunto de Estado? RESPOSTA: Ok, as i understood the question, i think the government of iran knows the truth i mean they know that Baha’is are just some Innocent people who are willing to help their country, but on the other hand in my opinion the fear of losing the power that they have upon of the iranian people let them do this. I personally don’t understand exactly some of the things that they do but in my mind there are two options: or they are too ignorant , or they are afraid of losing their powers ( political and ect) .

4 – O que mudou com a Revolução Islâmica em 1979 para a comunidade bahá’í do Irã? RESPOSTA: I was actually born after the Revolution so i dont exactly, but as my parents sometime talk about it, after the revolution the radical muslims got the power of the country so they start attacking bahai even more, before that i think the persecution was more from the people and the government wasn’t envolve, but after that the government was responsible for everything. I think the problem was that politics were mixed with religion. 89

5 – Como eram feitos os encontros e as atividades bahá’ís da comunidade no Irã? RESPOSTA: Like 19 feasts that they were just bahais, we good gather just 15 people together and I couldn’t be more than this, so usually the families who were living near eachother was gathering and making 19 feast and also celebrating any other holy dates, and the activities were done in Bahá’ís houses. But there is no assembly or committee, so every individual can program and do an activity and get help from others, but again, with too many care and attention.

6 – Como a população em geral reagia em relação às ações do governo? RESPOSTA: Nowadays, iranian population they care about their compatriots and the ones who have more influnce sometime try to help, casue normal people they are afraid to do sth, then can also get arrested and be Emotionally Tortured if they do sth Against government’s wills.

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APÊNDICE C – Questionário do Entrevistado 3

QUESTIONÁRIO AOS BAHÁÍS QUE VIVERAM NO IRÃ APÓS A REVOLUÇÃO ISLÂMICA

Este questionário será utilizado como parte da pesquisa de Lorena Delduca Herédias para conclusão do curso de Relações Internacionais, na Universidade Católica de Brasília, sob orientação do PhD. Fábio Albergaria Queiroz. Esta pesquisa é para a análise do processo de ações e discursos feitos por parte do governo do Irã, de 1979 a 2015, construindo os bahá’ís como uma ameaça à nação iraniana, elevando, assim, o tema, de não politizado, à agenda de segurança. Dessa maneira, gostaríamos que pudesse compartilhar a sua vivência enquanto um bahá’í no Irã, a fim de anexarmos esta entrevista à pesquisa e darmos maior robustez ao conteúdo, que visa apresentar a situação da comunidade bahá’í neste país. Nesse sentido, sintam-se à vontade para responderem ou deixarem de responder (inclusive nome) aos questionamentos propostos abaixo e, também, para adicionarem algo que acreditem ser importante para a compreensão dos leitores.

Nome Payman Agahnejad Cidade Ano de em que Idade 48 saída do 1987 vive hoje Irã

1 – Você poderia contar para nós um pouco da sua história enquanto um bahá’í no Irã? RESPOSTA: Nasci em uma família Bahá´í e durante toda minha adolescência e a parte de juventude(até 16 anos) vive no irã no período de revolução Islâmica, onde sofri preconceitos religiosos na escola e na convivência na sociedade de uma maneira geral, a família não podia participar em nenhuma reunião de cunho religiosa, a família toda era perseguida, meu pai e minha mão perderam seus empregos por serem Bahá´ís, de uma maneira resumida, uma vida de total restrição nas nossas liberdades de expressão e ação, sem termos se quer direito de se 91 defender, por parte da família da minha mão, muitas foram mortas por não negarem a sua Fé, meu pai foi torturado, meu irmão quase foi morto por espancamento durante o seu serviço militar por ser Bahá´í.

2 – Você, a sua família e/ou amigos/conhecidos sofreram alguma forma de repressão religiosa por serem bahá’ís (como estudar e trabalhar) no Irã? Se sim, você poderia compartilhar com a gente? RESPOSTA: Todo Bahá´í por decreto não deve ter direitos de estudar e trabalhar, na verdade deveriam cortar qualquer direito de viver para que assim sejam extinguidos na terra, isso é o objetivo do governo islâmico, existe um decreto por parte de seu líder supremo. Como mencionei acima, meu pai e minha mãe perderam seus empregos e muitas crianças e jovens foram expulsos das escolas e universidades por serem bahá´ís, alias durante vestibular os bahá´ís sempre foram escolhidos como primeiros colocados, mas infelizmente por marcarem no formulário de matricula como religião Bahá´í, eram desclassificados e expulsos.

3 – O que você entende, enquanto um bahá’í, que levou o governo do Irã a elevar o status dos bahá’ís a um assunto de Estado? RESPOSTA: A religião Bahá´í acredita em um processo chamado revelação progressiva, isso significa que de tempo em tempo Deus envia uma nova manifestação para guiar a humanidade de acordo das necessidades da época que esta vivendo, assim nós acreditamos que Bahá´u´lláh o Fundador da Fé Bahá´í é o último destes Manifestantes e que Ele é Aquele prometido revelado em todas as religiões do passado, e acredito que isso é um ponto fortíssimo para que governo islâmico considere um perigo a existência da nossa comunidade, pois pode atrair a população a essa nova Revelação, ou seja nos tornamos como uma ameaça. Todo isso é exatamente porque os indivíduos não possuem liberdade de escolher suas crenças e opiniões. Para ter uma ideia, se um muçulmano desejar se tornar seguidor de outra religião, ele é automaticamente sentenciado a morte.

4 – O que mudou com a Revolução Islâmica em 1979 para a comunidade bahá’í do Irã? RESPOSTA: As restrições na vida da comunidade Bahá´í já existem há 174 anos, tem períodos com mais intensidades e outros menos, mas com certeza este período, atual governo islâmico, pode ser considerado um dos períodos de muita dificuldade e restrições na vida dessa comunidade, não poder estudar, trabalhar, ter convivência com toda população, pois os bahá´ís são considerados impuros e qualquer contato com bahá´ís torna as pessoas impuras, de tal 92 maneira que até os restos mortais de um bahá´í não pode ser enterrado no mesmo cemitério dos muçulmanos, pois assim a terra se tornaria impuro. Muitas vidas foram ceifadas desde o início dessa religião, desde o período inicial da religião até hoje milhares foram mortas, somente por serem bahá´ís e atualmente centenas estão injustamente presos nas prisões, as casas e as suas propriedades são confiscadas, queimadas, suas lojas fechadas sem ter direito de trabalhar, ou seja, tirar todo e qualquer direito que uma pessoa como cidadão poderia ter para viver numa sociedade, isso de fato é o objetivo deles para exterminar essa comunidade.

5 – Como eram feitos os encontros e as atividades bahá’ís da comunidade no Irã? RESPOSTA: Na verdade, oficialmente não existem atividade bahá´ís, para termos as nossas reuniões de orações e aprofundamentos, tínhamos que dividir em grupos de famílias (3 famílias) e nos encontrar de uma maneira informal, e sempre as notícias chegavam via algum emissário a essas nossas reuniões e assim éramos orientados e guiados de como deveriam seguir a nossa caminhada, já que não podíamos ter reuniões abertas.

6 – Como a população em geral reagia em relação às ações do governo? RESPOSTA: A população de uma maneira geral segue o que governo manda, até por medo de serem punidos, por terem contato com os bahá´ís, toda população é orientada a não negociar com bahá´ís, a não conviver com bahá´ís e isso é de forma de ameaça, apesar que tem muita gente atualmente de fato conhece quem são bahá´ís e que as calunias que governo sempre fez não conferem com essa comunidade, mas ainda existe muito temor pela reação do governo e os fanáticos caso alguém queira seguir caminho diferente do que governo e os líderes religiosos mandam. 93

APÊNDICE D – Questionário do Entrevistado 4

QUESTIONÁRIO AOS BAHÁÍS QUE VIVERAM NO IRÃ APÓS A REVOLUÇÃO ISLÂMICA

Este questionário será utilizado como parte da pesquisa de Lorena Delduca Herédias para conclusão do curso de Relações Internacionais, na Universidade Católica de Brasília, sob orientação do PhD. Fábio Albergaria Queiroz. Esta pesquisa é para a análise do processo de ações e discursos feitos por parte do governo do Irã, de 1979 a 2015, construindo os bahá’ís como uma ameaça à nação iraniana, elevando, assim, o tema, de não politizado, à agenda de segurança. Dessa maneira, gostaríamos que pudesse compartilhar a sua vivência enquanto um bahá’í no Irã, a fim de anexarmos esta entrevista à pesquisa e darmos maior robustez ao conteúdo, que visa apresentar a situação da comunidade bahá’í neste país. Nesse sentido, sintam-se à vontade para responderem ou deixarem de responder (inclusive nome) aos questionamentos propostos abaixo e, também, para adicionarem algo que acreditem ser importante para a compreensão dos leitores.

Nome Mohsen Javidan Samani Cidade Ano de em que Belo Horizonte Idade 52 saída do 1986 vive hoje Irã

1 – Você poderia contar para nós um pouco da sua história enquanto um bahá’í no Irã? RESPOSTA: Eu era de uma família bahá’í. Meus pais, apesar de não terem muitas instruções acadêmicas, (minha mãe era semianalfabeta, e meu pai era auxiliar de enfermeiro pois ainda não tinha cursado segundo grau e tinha curso técnico em enfermagem) eles tinham uma fé inabalável. Eu vivi período pós revolução somente uns 6 anos, nessa época tinha meus 14 anos quando revolução derrubou monarquia e eu morei até meus 20 anos...um momento muito crítico 94 e severo na questão de perseguição. Então eu tentava estudar e viver, mas como eu era um adolescente não entendia muito de política porém sofria as consequências. Trabalhar era muito difícil pois ninguém podia dar serviço para nós. Mas mesmo assim encontrávamos alguns bahá’is ou amigos autônomos que prestavam serviço e nos ajudavam arrumando um trabalho. Assim era minha vida. Tentei várias vezes escrever algumas palavras sobre minha história. Como é difícil quando se trata falar da própria vida? Desculpa ter demorado tanto para relatar essas palavras, pois sempre que começo a escrever, me vem a mente um mundo de lembranças que mexem profundamente com sentimento, aí começam a escorrer lágrimas no rosto e não consigo enxergar mais as minhas próprias letras... mas parece que com o passar dos tempos aprendemos a lidar com isto, e a superar as dificuldades, então sobram apenas as cicatrizes do passado. Era aproximadamente março do ano de 1986. Nesta época eu tinha 20 de anos de vida, lembrando que na ocasião da revolução em 79, eu tinha 14 anos e presenciei uma revolução acontecendo, e apesar de não entender muito de política, me marcou profundamente. Durante esses 6 anos, havia muitas reuniões na minha casa e eu enfrentava toda sexta-feira aula bahai de educação moral e espiritual para crianças. Meus amigos da vizinhança eram quase todos muçulmanos. Me lembro que em uma ocasião, numa reunião com um Ayatulláh, (sacerdote muçulmano), ele desafiou quem saberia memorizar primeiro capítulo do Alcorão (livro sagrado muçulmano). Eu memorizei em poucos minutos e ganhei um presente, que era um livro sobre as palavras de Ali, Sucessor de Maomé, na opinião dos xiitas. Nesta ocasião foi muito engraçado, pois eu fui único que levantou a mão para dizer que sabia, na presença de aproximadamente 20 alunos e seus pais. Como ele sabia que eu era filho de bahá’í, olhou para mim, e com pesar olhou para outros e disse... “todos vocês devem ter vergonha que um filhote de bahá’í saiba mais do nosso livro do que vocês que confessam ser tão muçulmanos”. não recebi nenhum aplauso, mas a felicidade da vitória estava estampada no meu olhar e isto bastava. Me senti um verdadeiro vitorioso perante tantos “inimigos”. Talvez pergunte por que coloquei a palavra inimiga entre parêntese. É que nós bahá’ís não temos e nunca deveríamos ter inimigos. Apenas eles acham que somos inimigos. Voltamos ao ano 1986. Nesta época como disse tinha uns 20 anos, já crescido, e entendia muita coisa e já estava mais firme, mais convicto na Fé Bahá’í então tudo na minha vida passou a se basear no que acreditava. Eu sempre fui uma pessoa que, naturalmente não tinha medo. Não sei se era por imaturidade, forma de viver ou qualquer outra razão. Mas o fato que eu nunca gostei de me esconder. Nesta época o governo fazia blitz para recrutar e a razão disso era que, como muitos 95 jovens não queriam ir ao exercito pois eram encaminhados para guerra, aquela guerra do Irã x Iraque que começou em 80 e terminou em 89. Os jovens tinham medo pois todo dia a gente presenciava cortejo de 100 ou mais soldados mortos na guerra. Isto só na minha cidade. Talvez as pessoas não fazem ideia do que isso significa. Mas para compreender, imagina na sua cidade toda semana chegam uns 100 mortos para serem enterrados durante alguns anos. Imagina em outras cidades. Para os que não sabem, estima-se que essa guerra, somente do lado do irã, ceifou mais de um milhão de vidas. Permita-me uma observação. isso não era o mais triste... triste mesmo era ver milhares de jovens voltando da guerra completamente inútil, sem pernas ou mãos ou outro defeito qualquer. Eles não eram simplesmente pessoas.. eram jovens ou até crianças. Idades variavam entre 13 a 30 anos.. sem falar dos mais velhos também, mas tristeza maior era sobre jovens, pois eles seriam força do trabalho do pais. Como disse que eu nunca gostei de me esconder, juntei minha família e falei com eles e disse que logo iria me alistar, pois não sabia viver assim. Lógico que eles foram totalmente contra, mas a decisão era minha e convenci eles de que melhor seria me alistar. Numa bela manhã, no mês de março me apresentei ao exercito e fui levado junto a outras centenas para capital, Teerã, para os 3 meses de treinamento. Exercito no Irã funcionava assim, não sei nos dias de hoje, você passava 3 meses de treinamento. Depois, segundo eles, fazia um sorteio, se caísse numa região que não era Guerra, ficaria 9 meses, e depois mais um ano na região de conflito. Se, pela sua sorte, caísse numa região de conflito, então ficaria os 9 meses, mais um ano, ou seja tempo todo na área de conflito. O tempo de serviço militar obrigatória no Irã é de 2 anos. Pois bem. Fiquei 3 meses na capital e passei por treinamento. Nesta época, em consulta com as instituições bahá’ís decidi que solicitaria ser isento de ir para guerra, pois a nossa crença ensina eliminação de fronteiras e cidadania do mundo. De acordo com isso, pedi licença com meu comandante para falar com ele sobre situação. No encontro me apresentei e expliquei que eu era bahá’í e qual motivo da minha solicitação. Então ele, de uma forma arrogante me questionou seguinte... como você pode dizer que Fé Bahá’í é verdadeiro, afinal ele tem pouquíssimos seguidores... olhei bem fundo nos olhos dele e disse... e você acha que quando o Maomé se manifestou, tinha quantos seguidores? Ele ficou paralisado, sem graça e de uma forma desrespeitosa mandou me retirar e que depois iria pensar sobre o assunto. Novamente bati continência com todo respeito e me retirei. Na época houve dois acontecimentos, uma foi que coincidiu com mês sagrado muçulmano Ramadã e outra foi a oração obrigatória dos muçulmanos. Não é preciso dizer que recusei ambos. Comandante me chamou para saber porque não participava das orações e o 96

Jejum, ao que lhe expliquei o seguinte: como somos bahá’ís, não fazemos oração obrigatória em conjunto e que nosso mês de jejum já havia passado. Ele, naturalmente muito indignado com situação, mas pelo menos, desta vez, mais compreensível, mandou que me dessem almoço e me dispensou das orações obrigatórias. Pois bem, passado os 3 meses, chegou momento esperado. Procurei novamente e explique que nós, por sermos bahá’ís não lutaremos contra ninguém, pois consideramos todas as pessoas como nossos irmãos e que farei tudo para servir o pais, mas não em forma de matar inimigos. Adivinhe qual foi a minha sorte do fim de treinamento? Muito bem, fui escolhido para servir em uma região de conflito, considerado pior região. Esta região era chamado de 60 por dois motivos: Primeiro por que a distância da nossa trincheira até a trincheira dos iraquianos era de aproximadamente 60 metros. E segundo porque no Irã nos chamamos o nosso dedão da mão de 60.. Chast em persa.. porque isso? Porque era famoso que se você colocar seu dedão fora da trincheira, os Snipers (atiradores de elite) acertavam em questão de segundos e de forma certeira mesmo. Agora imagina a condição como era. Foi para essa região que me enviaram, para uma cidade chamada Ahvaz que fica nas encostas do rio Karun. Como bonificação do fim de treinamento e para despedida da família, nos permitiram 2 dias de dispensa. Voltei a minha casa, e foi dois dias de festa e no final me despedi de todos e me apresentei ao exercito e de imediato fui enviando, junto com outros milhares de soldados para região de conflito em Ahvaz. Aqui vai uma explicação de como era geograficamente região de conflito. A região era dividida em 3 parte, ou melhor, em 3 linhas: A primeira linha chamada linha de trincheira. É a região onde, de fato conflito acontece, O que chamamos de “conversa bala a bala”. O campo de batalha propriamente dito. Nesta região se movimenta somente dentro da trincheira. Pois andar fora da trincheira significa morte na certa. Nesta primeira linha, não existe casa, morada ou qualquer coisa semelhante. O que existe de fato, são os que chamávamos de túmulo, pois literalmente eram tamanho de um tumulo, se tratava de um buraco escavado e coberto por folhas de palmeira e camuflado com areia. Era nestes buracos que na hora de descanso a gente tinha pausa, pois não existia descanso de fato. Apenas pausa mesmo. A forma de servir era da seguinte forma... 3 horas na trincheira lutando, atirando etc e 3 horas fazendo pausa... durante 45 dias direto desta forma e então se ainda estiver vivo, tinha 15 dias de descanso que podia viajar de volta para sua cidade e rever sua família. Era desta forma até terminar tempo de serviço. A segunda linha era chamada linha de suporte e manutenção. Neste região não chegava bala comum de armas, apenas era atingido por bombardeio ou misseis de longo alcance. Nesta região eram estabelecidos os hospitais provisórias para cuidar dos feridos de guerra, cozinha 97 para alimentação, lojas que vendias coisas baratas para soldados e campos de treinamento, uma vez que não havia tempo suficiente e boa parte das recrutas que eram adolescentes e crianças. Desta forma ficava longe de qualquer observação internacional para não sofrer pressão. Havia também a Terceira linha que era de fato, divisa entre área de conflito e área urbana, civil mesmo. Essa terceira linha era o rio Karun estrategicamente. Quando chegamos na área de conflito, na 2ª linha, todos na fila recebendo armamento e equipamentos para entrar na 1ª linha. Quando chegou a minha vez, falei que eu sou bahá’í e vim para servir meu pais, mas jamais vou pegar em armas para matar ninguém. Apesar da insistência dele, fui firme em não aceitar. Ele viu que não tinha outra alternativa, falou que ele não podia decidir nada e que quem deveria tomar alguma providencia era o comandante do regimento que se encontrava na trincheira, então eu deveria falar com ele sobre a situação. Não tive outra alternativa a não ser entrar na primeira linha para poder falar com ele, e por isso recebi armamentos constituído de um fuzil G3 de fabricação alemã, muito potente, uma mascara para proteção contra bombas de gás química e mais alguma coisa sem os quais não tínhamos permissão para entrar na trincheira. Pronto, estávamos a caminho da trincheira. Depois de algumas horas chegamos na área, e eu logo fui procurar o comandante para falar da minha situação. Por minha surpresa, ele não estava presente. Me falaram que ele estava passando alguns dias com família e eu deveria esperar até que ele volte. Foi neste momento que percebi que o cara mentiu para se livrar da responsabilidade. Não tive outra escolha a não ser utilizar os armamentos para minha segurança. Conforme disse, era 3 horas na trincheira e 3 horas de pausa. e assim passaram uns 5 dias, porém 5 dias de extrema tristeza, mortes, pressão psicológica etc... 5 dias de inferno. E eu apensas fazendo muitas orações para que Deus abrisse um caminho. Num belo dia eles escolheram 15 soldados, entre aproximadamente 1500 soldados para serem treinados como guerrilheiro para ações de infiltração, ações de especialidade tática etc. não sei a razão, o meu nome estava no meio apesar de não me considerar um soldado exemplo pois nunca tive interesse por aprender arte de guerra e tudo que tinha haver com guerra, mas meu nome estava lá, e aí meus olhos encheram de lágrimas pois me falaram que devo voltar para 2ª linha para treinamentos específicos durante uns 15 dias. Pensei... “este é o momento”. Pois bem, voltamos para 2ª linha e começamos o tal treinamento tático para nos tornarmos especialistas. Depois que terminou os dias de treinamento, fomos convocados novamente para 1ª linha. Ficamos novamente na fila para receber armamento, e aí não acreditei mais. Por mais que o cara insistiu que devo pegar em armamento para poder entrar na 1ª linha, me recusei com toda a minha força. Então ele viu que não havia outra alternativa a não ser me enviar sem armamento para linha de frente. 98

E foi assim que entrei na trincheira novamente, e esta vez um dos comandantes estava presente, menos o principal. Quando a minha história chegou aos ouvidos desse comandante, ele me chamou imediatamente e me questionou o por que não querer pegar em armas e eu expliquei a razão. Ele olhou bem para mim, fez uma pausa e disse. ”Eu sou de Hamedan (uma cidade no noroeste do pais no estado Kermanshah), conheço os Bahá’ís. Sei que os bahá’ís são pessoas de bem e sei que estão sendo perseguidos. O que você está fazendo aqui? Você ficou maluco? ” Respondi que apenas me alistei para servir meu país e pedi para não me enviarem para guerra. Porém me mandaram para esta região. Mas eu não vim para matar, mas servir no que for necessário, ajudar os feridos, servir comida etc. os bahá’ís devem sempre servir o país onde residem. Para nós a terra é um só país e seres humanos seus cidadãos. Ele disse para mim que o comandante geral de fato está de férias e eu tenho que aguardar a volta dele para decidir o que vai fazer. Até lá posso ficar a vontade. Ele ainda disse para mim... “não fale para ninguém que você é Bahá’í porque todos vão se afastar de você. Ninguém vai querer tua companhia”. Primeiro dia quando chegaram outros soldados e viram que eu estava bem a vontade e sem armamento me perguntaram o que estava acontecendo. Lógico que contei a razão. Nossa!!!.. quando souberam que eu era bahá’í, a notícia se espalhou na região e todos sempre faziam questão de achar um jeito de almoçar comigo e durante almoço conversávamos sobre a Fé Bahá’í, o mais interessante disso tudo era sempre fim de tarde, quando eu me recolhia num canto um pouco mais isolado e entoava orações bahá’ís. Eu entoava orações com toda a minha alma durante algum tempo. Eram melhores momentos da minha vida. Momentos como esse nunca vivi antes e não sei se vou viver no futuro. Quando terminava as orações, percebia que meu comandante estava perto de mim ouvindo em silêncio. Aí ele chegava perto de mim, batia nas minhas costas de uma forma fraternal e me dizia... você é de Deus. Ninguém consegue fazer mal algum a você. Eu só sei que sentia uma paz absoluta. Imagina um ambiente de conflito, de guerra, onde está havendo conflito sangrento, bombardeios, tiros etc. agora reflete um pouco: você não acha que se eles quisessem, poderiam simplesmente me matar e dizer para minha família que foi na guerra? Quem iria saber da verdade? Quem iria questionar? Mas eu me sentia tão protegido que nem parecia que estava na guerra, parecia que havia uma bolha transparente me protegendo de tudo. No fundo uma confiança em Deus, de forma tremenda tomava conta de mim que não tenho como explicar em palavras. E assim passaram-se dias até que chegou comandante principal. Quando ele chegou e soube da história, mandou me chamar. Fui imediatamente e bati continência. Ele perguntou seguinte... “que história é essa que não vai pegar em armas e não vai lutar? Você não é iraniano, você não vive nesse pais, porque essa atitude?” neste momento respirei fundo e com firmeza disse o seguinte.. “não, não me sinto 99 iraniano, como posso me sentir um iraniano se meu pai, depois de 25 anos e serviço e dedicação foi demitido simplesmente por ser bahá’í? Como posso me sentir iraniano se fui expulso das escolas e não posso estudar? ” neste momento ele ficou visivelmente furioso e disse: “ se estivesse com arma na mão atiraria todas as balas agora mesmo em você;” imagina minha reação. Abri a minha blusa e falei: “ seus subordinados ao seu lado tem arma, pode atirar a vontade. Estou pronto”... sinceramente não sei do porquê. Sei que foi uma reação imediata. Hoje quando me lembro, tremo de medo (rsrs). Ele ficou extremante furioso, esbravejou monte de palavrões e me dispensou dizendo para aguardar até uma decisão. Eu fiquei mais uns dias só na mordomia, em pleno conflito. Passaram alguns dias e comandante me chamou novamente e falou. “Este é último aviso. Você aceita receber armas e lutar e a gente esquece o que aconteceu ou vai para prisão” de imediato falei: “meu caminho não tem mais volta. Estou pronto para prisão” então ele me mandou para uma prisão militar na segunda linha durante 15 dias. Nesta prisão que era tamanho de um quarto de aproximadamente 6 x 10 aproximadamente, era de fato um buraco só que grande, porém com outros 25 prisioneiros. Esses prisioneiros estavam presos por outras razões, unas por envolvimento com drogas, outros por rebeldia ou indisciplina. Pois bem, depois de dois dias de prisão, o guarda falou para mim... não tenha preocupação. Ninguém vai te impedir de sair, a hora que você quiser pode sair daqui. Você está livre.... Mas como a ordem de prisão era do comandante, eu agradeci, mas permaneci até terminarem os 15 dias, e então me apresentei novamente. Depois de mais uns 4 ou 5 dias, comandante me chamou novamente e falou: “a tua situação não é boa. Você está causando problemas e isto não é certo. Te faço ultima proposta. Você aceita em pegar arma e lutar? Se aceitar, além de esquecermos o que aconteceu, vamos te recompensar com alguma coisa, férias, diminuição etc. vai aceitar ou ainda continua num caminho que pode te levar a fuzilamento? De imediato respondi: “meu caminho não tem volta. Vou até o fim. Não importa se é fuzilamento ou qualquer outra coisa. Pode fazer o que achar certo”. Interessante que a partir desse momento, todos me tratavam com respeito e educação, nem parecia que eu era prisioneiro, rebelde. Por falar em rebelde, descobri porque eles insistiam tanto em me convencer. A razão era que a minha atitude estava gerando um tipo de rebeldia, um tipo de revolta nos soldados. Todos estavam de olho, atentos para saber o que iria acontecer, e provavelmente se eu ficasse livre, eles iriam fazer o mesmo. Isso mesmo uma revolta. Mencionei no início que quando um soldado fica lotado na área de conflito, depois de 45 dias de luta tem direito a 15 dias de descanso em família. Esse direto me foi tirado. Nesta época já passavam aproximadamente 2 meses, e nada de férias. Minha família que sabia disso, mas não fazia a menor ideia do que estava acontecendo já estavam apavorados e muito 100 preocupados, pois outros jovens, meus amigos, que também estavam na guerra, já estavam descansando com família e nada de eu aparecer. A única notícia que eles tinham de mim, eram apenas cartas simples com apenas algumas palavras que diziam... estou bem. Apenas peço que façam bastante oração para mim. Se Deus quiser, vai dar tudo certo e logo estarei em casa. Não podia escrever nada pois todas as minhas correspondências eram lidas e se tivesse algo que contasse a minha situação, essa carta não chegaria até eles. Neste momento atitude do primeiro comandante, aquele que falou que conhecia os bahá’ís, que me surpreendeu... Num dia ele me chamou e na presença do comandante geral disse... “ele está aqui já faz tempo e a família dele devem estar muito preocupados. Por favor dê os 15 dias para voltar para família dele. ” O comandante falou: “se eu der esses 15 dias, ele vai fugir. Não posso permitir”. Mas a atitude de maior nobreza vem aí... o subcomandante falou: “veja, ele é bahá’í. Eu conheço os bahá’ís. Se ele disser que volta, pode ter certeza que ele não vai fugir, ele vai voltar” então o comandante falou: “e se ele não voltar? ”. Ao que o subcomandante retrucou: “se ele não voltar, faça comigo o que pretende fazer com ele. Eu me deixo como garantia”. Meu Deus. Nunca imaginei tal atitude. Hoje não faço a menor ideia onde ele está. Nem sei se está vivo, porém sempre peço a Deus proteção e iluminação para ele, um homem de caráter, de princípios. Pois bem. Então o comandante geral me perguntou: “Se eu deixar você passar os dias com sua família, você volta? ” Falei: “volto. Prometo”. Então fui dispensado. Quando saí da área de guerra, atravessando 3ª linha e entrei no ônibus em direção a minha cidade, me senti muito feliz, com a sensação de liberdade. Quando cheguei em casa, foi uma festa só. Todos alegres e felizes. Foi então que, depois de uns dias contei o que estava acontecendo comigo lá. Passaram os 15 dias e chegou a hora da despedida. Imagina minha família. Eles sabiam que a minha volta era morte na certa. Como é que meus pais se sentiam? Consegues imaginar? A única coisa que me lembro era choro incessante da minha mãe e a tristeza da minha família e vizinhos também. Mas o que poderia fazer. Eu havia prometido e não podia ter outra atitude a não ser cumprir a promessa, mesmo que depois de me apresentar, tentar fugir, mas eu deveria estar me apresentando e isto era o mais importante, mais importante que a minha própria vida. Na hora marcada bati continência para comandante. O subcomandante quando em viu, me xingou tanto que só Deus sabe. Ele me disse: “seu maluco... eu fiz isso para você fugir. O que está fazendo aqui? Falei para ele que havia prometido, e não iria fazer diferente. Agora imagina o que aconteceu com milhares de soldados que estava a par da história e atentos para saber que fim levaria. Teve um que declarou-se bahá’í, isso mesmo, e disse que assim que 101 terminar o serviço militar iria se dedicar a Fé. Depois da fuga que irei relatar, nunca mais tive notícias dele. Passaram mais alguns dias e dessa vez me enviaram para um interrogatório na presença de um sacerdote que veio do capital para tratar do assunto. Passei durante mais de um mês aproximadamente, todos os dias sendo interrogado por esse senhor, com imensos questionários, de duas a três horas de duração e sempre no final a mesma proposta. Ou eu aceito em pegar armas, e iriam esquecer tudo e até me recompensariam ou então eu seria fuzilado. Ao que sempre, com a mesma firmeza e sem nenhuma dúvida e com determinação respondia que meu caminho já estava traçado. Não haveria menor chance de eu mudar de ideia, sob hipótese alguma deixaria de acreditar no que acredito. Depois desse tempo todo, um dia o sacerdote me falou, ok. Seu interrogatório já acabou e infelizmente não tivemos acordo, então retorne ao seu posto e aguardo a decisão final. Voltei no posto anterior e aguardei mais umas 3 semanas. Um dia, um dos soldados chegou perto de mim e falou... eles querem cortar sua cabeça com algodão. isto é um ditado e significa: “querem dar fim a sua vida em segredo”. Para mim é nesses momentos que a gente percebe o quanto Deus realmente está nos ouvindo. Num determinado momento, me recolhi e fiz muitas orações e em estão de meditação falava com Deus: “Deus, estás ciente do que está acontecendo comigo. Sou incapaz de decidir o que é certo para mim. Me ajude, ilumine meu coração. Eu não quero morrer. Quero viver e quero te servir todos os dias da minha vida. ” Isso foi meu pedido. Ajuda aparece de onde você menos espera. Neste caso ajuda veio diretamente do “inimigo” (rsrs). Passaram uns dois dias e me aparece um soldado revolucionário. Ele não era das forças armadas. Era da guarda revolucionaria. O famoso Pasdaran. Mas de fato ele não era assim um revolucionário. Estava lá apenas por causa das regalias e vantagens. Ele veio para almoçar comigo e me falou que sabia o que estava acontecendo e que estava aí para me ajudar. Ele disse que como era da guarda revolucionária tinha algumas regalias entre os quais, poderia me dar uns dois dias de licença, o tempo suficiente para eu fugir. falei para sub comandante que iria até 2ª linha para fazer uma pequena compra, se poderia e se ele também precisaria de algo, que eu iria trazer para ele. Acho que ele estava desconfiado, mas como desejo dele e outros milhares de pessoas era para me ver livre, não disse nada, apenas pediu para que trouxesse um maço de cigarro para ele na volta. Falei ok. Então partimos eu e meu amigo em direção a 2ª linha. No caminho ele arrancou todos os distintivos, marcas, e sinais que diziam que eu era do exército, já não tinha cabelo porque soldados tem que passar sempre máquina zero, e também por barba ser um pouco grande, não tive problemas com isso. Depois de algumas horas 102 chegamos na zona final. Na beira do rio Karun, na ponte esperando na fila para atravessar a ponte e ganhar a liberdade. Tinha um terço, até hoje tenho e rezo com ele, esse terço é um tanto sagrado para mim. rs.. Quero chamar a tua atenção para ver, quando Deus ouvi, abri as portas como as coisas se tornam fáceis, como as portas se abrem. Até tempo atrás estava nas garras do “inimigo” e de repente parece que nada poderia me impedir de nada. Estava completamente livre...rs Pois bem. Chegou a minha vez e o guarda pegou papel de dispensa e olhou para mim por alguns momentos e disse que esperasse um pouco para ele verificar. Depois de um tempo ele voltou e falou que poderia ir. Então atravessei a ponte fui em direção da praça principal. Quando cheguei lá, ónibus estava gritando: “Esfahan Esfahan” (Esfahan é minha cidade). Precisava apenas de um passageiro. O ônibus estava esperando por mim. Entrei no ônibus e partimos. Na volta sabia que não poderia voltar para meu bairro, pois já havia me despedido de família e vizinhos, e se o exército voltasse para lá me procurar, eles não saberiam dizer, pois depois da despedia não tinha voltado mais. Então pensei e pensei. Achei a resposta. Minha irmã morava no bairro chamado Jolfa. Esse bairro no Esfahan é um bairro onde moram os armênios (cristãos ortodoxos e judeus). Então os muçulmanos não iam muito lá. Fui direto para casa dela. Era mais ou menos 5 da manhã, ainda escuro quando bati na porta. Meu cunhado abriu a porta e naturalmente ficou muito surpreso me ver naquela hora, na porta dele. Entrei e depois de cumprimentos, já minha irmã também acordado, falei o que acontecera. Então decidimos que ficaria lá no subterrâneo da casa deles até ver o que poderiam fazer. Não poderiam falar para ninguém devido ao perigo de denúncia. Depois de uns dois dias, eles chamaram meus pais que até então não sabiam o que estava acontecendo até que me viram, aí aos poucos familiares apenas, vieram para visita. Fiquei umas 3 semanas no subterrâneo até que meus pais decidiram que não havia mais condição de continuar no Irã e o único jeito era sair do país. A fúga Meus pais procuraram um traficante de peso... um dos mais temidos da região. Na época era costume pagar traficante. Eles serviam de coiote também, pois dava lucro para eles. Bastava atravessar pessoas que ganhariam dinheiro. Então meus pais procuraram por esse senhor cujo nome não me lembro mais e combinaram pagar 10.000 US$. E a combinação foi da seguinte forma. Eles me atravessariam e quando eu chegar lá e ligar dizendo que estou bem, eles pagariam esse traficante. E foi assim que aconteceu. O problema era como chegar até fronteira do Paquistão. Meu cunhado era caminhoneiro e ele teve a ideia de pegar uma carga do governo, mesmo com preço baixo para frete para região 103 da fronteira. A razão de pegar carga do governo era para evitar fiscalização minuciosa dos guardas nas estradas. E eu fui como ajudante dele. No dia da despedida somente me lembro dos olhos da minha mãe que chorava copiosamente e não ouvia nada, apenas chorava. E o que falar do meu pai cujos olhos somente olhavam para mim e como se perdessem sentido da vida e a razão, sem falar uma palavra, apenas olhavam com uma tristeza imensa. Essa foi última imagem que tenho do meu pai, que merece um capítulo a parte, pois ele faleceu em 63 e eu não pude se quer ter a chance de pelo menos prestar minhas últimas homenagens para ele. De fato, a família, para me poupar, me contaram depois de uns 3 meses do falecimento dele. Depois de dois dias chegamos a cidade de Zahedan, que fica na fronteira do Paquistão, numa região que tem fronteira com Paquistão e Afeganistão. Além de mim estavam lá mais 5 pessoas, um zoroastrinao de 17 anos e um comunista e outros muçulmanos que queriam fugir do pais para viver melhor. Ficamos duas noites e na noite do segundo dia, que não havia lua e era muito escuro, dia escolhido propositalmente, a comando dos agentes do traficante, entramos na parte de traz da picape, um Toyota. Eram mais de 1 hora da madrugada, depois de umas 2 horas já numa região deserta, em plena escuridão o carro parou, desligou as luzes e pediu para que pulamos fora e nos escondemos atrás de um pequeno monte de areia. Ele disse que logo viria alguém para buscar a gente. Ficamos uns minutos e de repente ouvimos algum barulho de carro, mas não enxergávamos nada, era completamente escuro, apenas barulho de motor de um carro, bem devagar estava se aproximando. Ficamos com medo, mas logo conseguimos ver um carro bem perto, também um Toyota. O motorista pediu para entramos na picape. Ele pediu para agente segurar firme em alguma parte do carro com todas as forças e não soltar pois se alguém cair, ele não pararia para ajudar. Cada um pegou em alguma parte do Toyota. Depois de uns minutos dirigindo no escuro sem luz nenhum, de repente ele ligou o farol do carro e começou a acelerar. Acho que andava a mais de 100 por hora no mínio. A gente pulava igual sacos de batata atrás de picape rs. Impressionante como eles conheciam o caminho. Agente olhava frente do carro e apenas enxergava montanhas, sem saída, mas ele com a velocidade altíssima, de repente entrava entre as montanhas sem preocupação alguma, parecia que estava dirigindo em algum auto estrada. Pois bem, depois de umas horas nessa situação, já era dia, pela manhã, mas a gente não sabia a hora. De repente carro quebrou. Ele pediu para que nos escondemos atrás de um monte de areia. Acredite, no meio do deserto que você não vê nada, depois de apenas uns 5 minutos, chegou outra Toyota nova. Foi aí que entendemos como os traficantes tem uma organização completa. Entramos novamente e ele começou a acelerar igual louco. Já era fim da tarde, ia anoitecer quando chegamos perto de umas montanhas. Motorista disse que aqui era fim da linha 104 para ele, e que podemos aguardar numa região um pouco escondido rodeado de áreas até que chegariam outras pessoas para nos levar daí para frente. Ficamos ali algumas horas, já era mais de meia noite, imagino eu, que percebemos aproximação de alguém. Eram duas pessoas, com dois camelos. Bom pensamos que iriamos montar nos camelos. Negativo. Camelo era para outro propósito. Para carregar água, e para ser usado apenas perto dos postos de observação dos soldados que tomavam conta das fronteiras, pois camelo, ao caminhar, as patas dele não fazem barulho algum. Se você ficar parado e um camelo passar pelas suas costas, você não vai perceber. Então sempre que chegávamos perto dos postos, montávamos nos camelos até que ficarmos distantes pelo menos uns 100 metros, depois descíamos e continuávamos a pé mesmo. Caminhamos por dois dias entre as montanhas, sem comer nada e sem ver civilização alguma, apenas caminhávamos. O nosso amigo Zoroastriano que tinha 17 anos, não suportou de fome e simplesmente desamanhou. Não tínhamos outra alternativa, pegamos, cada um, uma das mãos e arrastamos o amigo conosco. A gente revezava até que chegamos perto de primeira aldeia. Já passavam 3 dias e um pouco mais. Foi nessa aldeia que comemos a melhora refeição das nossas vidas. Nunca mais comemos algo tão maravilhoso. A comida era simplesmente tomate fervido, e um pedaço de pão. Foi verdadeira manjar dos deuses como dizem. Depois dessa aldeia, alguns vestiram burca (véu que cobre as mulheres) e outros se esconderam no porta malas de uma vã e seguimos a estrada, mais um dia e finalmente chegamos na cidade chamada Koweita, fica na fronteira com Afeganistão. Foi neste hotel que tivemos a boa notícia que já estamos seguros, porém somente dentro do hotel. Tivemos um maravilhoso banho e refeição. O hotel era do traficante, por isso era seguro. Depois de mais um dia de descanso, ele nos colocou no avião para cidade de Lahore. Quando chegamos a comunidade bahá’í me recebeu e aí fui entrevistado e encaminhado para morar com alguns que estava dividindo moradia para baratear a despesa. No primeiro mês meu dinheiro acabou. A Uno ainda não havia reconhecido meu status de refugiado. Não tinha outra alternativa a não ser trabalhar. Eu consegui um trabalho e salário era apenas almoço, isso mesmo trabalhava dia todo para ganhar apenas o almoço, ia e voltava a pé para casa, nem janta e muito menos café. Trabalhei 5 meses assim, até que depois de uma entrevista de quase 2 horas na comissão das nações unidas, fui aprovado como refugiado e a partir daí ganhava 47 dólares por mês, como ajuda de custo. 47 dólares não era pouco, equivalia a 2 salários mínios do pais, como a gente economizava. Dava para viver. A partir daí foi maravilhoso. Escolhi Brasil para morar. Escolhi o Brasil como pioneiro. Como havia prometido a Deus que queria servir, então escolhi aqui. E foi assim que moro aqui, desde 1987.

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2 – Você, a sua família e/ou amigos/conhecidos sofreram alguma forma de repressão religiosa por serem bahá’ís (como estudar e trabalhar) no Irã? Se sim, você poderia compartilhar com a gente? RESPOSTA: Sim. Meu pai, depois de trabalhar durante 25 anos, dos quais, não tirou nenhum mês de férias e 20 anos consecutivos recebeu prémio de melhor enfermeiro do país, somente por falar a verdade e não aceitar negar sua fé, foi demitido do serviço público, sem aposentadoria, e nem seu último salário. Ele trabalhava em torno de 12 horas por dia. (antes de demitirem os bahá’ís, eles entregam um questionário onde temos que escrever nossa religião) Eu fui expulso de três escolas por ser bahá’í. Como os bahá’ís não tinham permissão de estudar nas escolas, os amigos bahá’ís que já tinha terminado seus estudos, faziam aulas em suas residências, e juntavam a gente para nos ensinar as matérias gratuitamente. Então a gente estudava em casa e fazia somente provas do final de ano, num sistema parecido com o supletivo brasileiro. Muitas vezes éramos perseguidos pelos amigos muçulmanos porque os sacerdotes (Aayatullás) orientavam aos seus seguidores que os bahá’ís eram impuros e mereciam morrer. Então quem fizesse algum mal a um bahá’í ia ser recompensado por Deus. E assim sempre que era possível, nos agrediam verbalmente e algumas vezes fisicamente nas ruas etc. mas os bahá’ís se ajudavam uns aos outros. Meus pais, assim como outras pessoas que tinham um quarto ou dois sobrando, abrigavam os bahá’ís que eram expulsos de suas casas do interior, da roça. Por um lado sem direito algum e por outro lado perseguições. Apenas como um exemplo, posso dizer que numa das escolas o diretor me levou para ginásio dias antes de me expulsar da escola, e convocou todas as turmas para se juntarem lá, algo em torno de 400 alunos aproximadamente.. quando todos estavam presentes, ele apontou dedo para mim dizendo para todos os alunos: (ele é um bahá’í, um impuro, ninguém deve falar, brincar ou se relacionar em nenhuma hipótese com ele).. imagina minha cabeça, na época com meus 16 anos numa situação dessas.. eu ainda tinha muita sorte porque não sofri dano físico a ponto de ter machucado.. alguns meus amigos foram severamente agredidos, suas orelhas cortadas e ridicularizadas nas ruas.. bom este foi um pequeno resumo das perseguições sofridas por mim e minha família, e milhares de outras famílias. Tive problemas sérios com exercito por tentar servir porém não pegar em arma e por isto fui preso, torturado psicologicamente e finalmente me deram pena de morte, porém consegui fugir do país, mas isto é um capítulo a parte.

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3 – O que você entende, enquanto um bahá’í, que levou o governo do Irã a elevar o status dos bahá’ís a um assunto de Estado? RESPOSTA: Este é um assunto que nos leva para os primórdios da revelação da fé bahá’í. É necessário explicar um pouco situação do irã para explicar esta questão. Vou tentar ser breve..rsrs.. No meado do século 18 o país vivia num estado deplorável no que diz respeito a corrupção. Os mandatários do pais, na época dinastia Ghajar, eram movidos a propina e regalias e por outro lado temiam poder dos sacerdotes. Com o surgimento da fé Bahá’í, que antes era fé Bábi, começou uma mudança nos princípios do país.. por exemplo, um dos princípios que teve um impacto na concepção do povo persa que eram na maioria muçulmana, foi a igualdade de direitos e privilégios entre homem e mulher. Para entender qual foi o impacto que causou, numa determinada reunião em uma região chamada Badasht, uma discípula do Báb, entrou nesta reunião onde somente haviam homens, porém sem chador, famoso véu muçulmano, ou seja, com cabelos expostos.. o impacto foi tão grande que alguns discípulos da nova fé, simplesmente fugiram daquela reunião e negaram sua crença, outra pessoa cortou própria garganta suicidando por não suportar ver tamanha “indecência” . então, devido a este tipo de princípios que foram introduzidos na comunidade tão adormecido na sua ignorância, e também não concordarem que a religião tem continuidade, pois para eles o Islamismo é última religião e não virá nenhum outro, que os sacerdotes aproveitaram e manobraram o povo a perseguir os bahá’ís. Então as perseguições vem desde aquela época com o banimento de Bahá’ulláh de sua terra para Aka com o intuito de acabar com o crescimento da nova fé, porém o que se presenciou, foi um crescente de números cada vez mais confessando sua fé em Bahá’ulláh a ponto de tornar a fé bahá’í a maio minoria religiosa no país. Com os sacerdotes no poder, eles resolveram de vez para por em prática, agora com todo apoio e poder nas mãos, o seu plano de aniquilação dos bahá’ís sob várias acusações simplesmente absurdas, se valendo de argumentos como por exemplo que os bahá’ís são espiões do Israel, por terem seus lugares sagrados em Haifa e Aka. Isto, é uma breve história para dizer de foram muito resumida do porque o governo atual do Irã elevou statos dos bahá’ís a um assunto de Estado.

4 – O que mudou com a Revolução Islâmica em 1979 para a comunidade bahá’í do Irã? RESPOSTA: As perseguições tomaram proporções imensas. O governo traçou uma meta de aniquilação dos bahá’ís por vários meios. Agora no poder, com apoio das autoridades, eles começaram um plano para eliminação completa dos seguidores da fé bahá’í, por vários meios como imprensa, publicações, fake News e calúnias, bombardeando constantemente a mente do 107 povo contra os bahá’ís. Como exemplo de calúnia, num determinado dia, um dos sacerdotes da roça onde meu avo morava, ele espalhou que meu avo era espião do Israel. Coitados do meu avo com seus 70 anos, debilitado por problemas de saúde, mesmo assim foi levado na praça pública e sofreu chibatadas. Isto é um exemplo pequeno.

5 – Como eram feitos os encontros e as atividades bahá’ís da comunidade no Irã? RESPOSTA: Depois da revolução, com perseguição oficial do governo, todas as instituições foram proibidas, porém os bahá’ís procuraram sempre manter a unidade. Nesta perspectiva, sempre uns ajudavam outros, e as atividades eram totalmente descentralizadas.. como exemplo, uma das atividades bahá’ís chamado festa de 19 dias, que como nome diz, ocorre a cada 19 dias, as famílias se juntavam como forma de visita familiar, minha família e mais outra a gente se visitava e exercia os estudos, reflexões e compartilhamento de notícias do mundo bahá’í. Mesmo assim, acontecia que algumas vezes uma família era alvo de busca e apreensão e assim os mais ativos eram levados a prisões e seus livros e pertences saqueadas pelas autoridades e mesmo que fossem libertos, os pertences jamais voltavam.

6 – Como a população em geral reagia em relação às ações do governo? RESPOSTA: A princípio a maioria agia de acordo com governo, o fanatismo era algo demais.. exceto quando alguns vizinhos que conheciam algum bahai, tentavam ajudar para escapar da perseguição. Por exemplo, nós tínhamos um vizinho que sempre que começava um levante, ia pra nossa casa e pegava todos os nossos documentos e coisas de valor e guardava para não ser saqueada, aí depois que a situação acalmava, ele devolvia. Isto é um exemplo de como era a relação do povo.. sempre dependendo do momento e das pessoas... hoje, somente os fanáticos ainda pensam desta forma, mas a maioria do povo já percebeu que os bahá’is não são tão inimigos como o governo tentar demonstrar. Bom lembrar que os bahá’ís mesmo sob perseguição sempre procuraram e ainda procuram ajudar em projetos sociais voluntários os mais necessitados e atitude como esta estão provando o contrário do que governo ensina.

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APÊNDICE E – Questionário do Entrevistado 5106

QUESTIONÁRIO AOS BAHÁÍS QUE VIVERAM NO IRÃ APÓS A REVOLUÇÃO ISLÂMICA

Este questionário será utilizado como parte da pesquisa de Lorena Delduca Herédias para conclusão do curso de Relações Internacionais, na Universidade Católica de Brasília, sob orientação do PhD. Fábio Albergaria Queiroz. Esta pesquisa é para a análise do processo de ações e discursos feitos por parte do governo do Irã, de 1979 a 2015, construindo os bahá’ís como uma ameaça à nação iraniana, elevando, assim, o tema, de não politizado, à agenda de segurança. Dessa maneira, gostaríamos que pudesse compartilhar a sua vivência enquanto um bahá’í no Irã, a fim de anexarmos esta entrevista à pesquisa e darmos maior robustez ao conteúdo, que visa apresentar a situação da comunidade bahá’í neste país. Nesse sentido, sintam-se à vontade para responderem ou deixarem de responder (inclusive nome) aos questionamentos propostos abaixo e, também, para adicionarem algo que acreditem ser importante para a compreensão dos leitores.

Nome Cidade Ano de em que Manaus Idade 47 saída do 1986 vive hoje Irã

1 – Você poderia contar para nós um pouco da sua história enquanto um bahá’í no Irã? RESPOSTA: Antes dos meus 9 anos de idade (ano da revolução islâmica), morava com meus pais na área rural (Ali Abade Askarkhan) da cidade de Karaj, como ponto de

106 O entrevistado solicitou que o seu nome não fosse divulgado, por ainda possuir familiares e amigos no Irã. 109 pioneirismo, onde sempre convivia com vários jovens que vinham da cidade do Teerã como pioneiros de frente interna para que naquela localidade uma comunidade Bahá’í fosse formada. Minha família era formada por minha irmã uma jovem cheio de vida finalizando seus estudos no ensino médio (9 anos mais velha que eu), meu pai (com estudo até a 8ª série, porém muita experiência de vida sendo referência para todos os amigos e parentes, pois sabia de tudo, mecânica, agricultura, pecuária, eletricidade, marcenaria, etc. acho mesmo que só não entende como envia-se astronautas para marte (risos), ele trabalhava como autônomo na nossa fazenda finalizando a construção de um aglomerado de granjas (6 galpões) semi-automáticas (necessitando de apenas um funcionário por galpão) que seria um modelo de funcionamento. Minha mãe trabalhava numa empresa que no Brasil se assemelha com EMBRAPA, contribuindo com a sua formação acadêmica de engenheira agrônoma num projeto de pesquisa focada na melhoria genética de aveia (cevadas). Eu aos 9 anos cursava a 5ª série numa escola mista para filhos dos funcionários.

2 – Você, a sua família e/ou amigos/conhecidos sofreram alguma forma de repressão religiosa por serem bahá’ís (como estudar e trabalhar) no Irã? Se sim, você poderia compartilhar com a gente? RESPOSTA: Logo após a revolução, minha mãe se aposentou e antes que recebesse o seu 1º salário foi expulso do trabalho mesmo tendo sido concursado, meu pai foi aprisionada e interrogada e com fortes indícios de ser martirizado uma vez que ele na sua juventude havia se declarado como Bahá’í e nas leis de islamismo isto é uma falha muito grave um muçulmano mudar de religião. Lembro na ocasião que assim que ele foi preso às escondidas, na calada da noite tivemos que rapidamente com ajuda de vários amigos inclusive muçulmanos e vizinhos tirar da nossa fazendo vários equipamentos que ali estavam instalados e possibilitavam ao funcionamento da editora Bahá’í do Irã, uma vez que com as perseguições, precisavam estar ao mesmo tempo funcionando mas de forma escondida, para não expor e pôr em risco a vida de nenhum dos amigos, lembrando que nesta altura a 1ª AEN dos Bahá'ís do Irã haviam desaparecidos subitamente, supostamente martirizados e assim que substituídos pela 2ª AEN também foram martirizados e a 3ª AEN por medida de proteção não mais se reuniam de forma regular na sua plenária de 9 membros e sim núcleos de 3 membros, além de outras perseguições que logo após a revolução começaram a aparecer em várias partes do país de forma extremamente 110 violenta. Bem, lembro de altas aventuras neste período da minha vida, parecia filme, engraçado que tudo pode parecer de terror .. mas o sentimento é que as forças ocultas tiram todo o pesar da situação e empoderam todos os envolvidos de uma força que ninguém imaginava. Bem, como o oficial que prendeu meu pai, ao encontrá-lo e interrogá-lo, percebeu que ele não era aquela pessoa que ele havia imaginado baseado nos informes que havia recebido, isto é, um empresário, cheio de arrogância, pompa, etc. até pelo contrário na hora da prisão ele (meu pai) estava coberto pela lama da cabeça aos pés construindo uma cisterna que na verdade era para ajudar as máquinas da Editora poderem funcionar de forma mais segura (óbvio que isso era segredo) e quando oficial viu meu pai, percebeu que ele era uma pessoa trabalhadora e enfim após as interrogações liberou- o para retornar após o feriado. Na ocasião a célula (de 3 membros) da AEN foi consultada, diante da situação foi sugerido que ele pedisse um tempo e depois a plenária da AEN orientou-o que não mais se apresentasse pois certamente ele seria martirizado (tornando assim um fugitivo). Neste mesmo período, nome da minha irmã foi publicada num jornal para ela se apresentar também para ser interrogada, pois estava envolvida nas atividades Bahá’ís (aulas de educação moral de crianças e jovens). Assim, toda a família (Pai/Mãe/Irmã) fugiu e durante 8 meses ficamos escondidos, hospedados na casa de amigos e familiares às vezes juntos outros separados, eu não mais frequentei escola (5ª série) pois pelo sobrenome meu pai poderia ser localizado. Depois desses 8 meses, com uma reserva de dinheiro que meus pais tinham, decidimos comprar um lote de terreno em nome de 3ºs (amigos muçulmanos) ir morar numa outras parte bem longe do país, lá era uma área de mato coincidentemente parecido a floresta amazônica (risos), eu me deslocava até a cidade que ficava 15km distante e assim conclui ginásio (8ª serie). Em 1982 primo da minha mãe que era membro da AEL dos bahá'ís do Teerã foi martirizado e as perseguições, as vezes mais graves outros mais leves ocorriam com frequência. Depois quando estava cursando 2º ano de nível médio, todos os alunos Bahá’ís da cidade de Now- Shahr foram expulsos da escola, me mudei para cidade onde minha irmã, agora casada morava com seu marido, nesta altura eu com 14 anos estudava em cursinhos particulares para vestibular, substituindo aulas regulares, para poder depois tentar como aluno avulso fazendo provas (um sistema que existe no Irã para alunos que não participam de aula e apenas fazem provas, caso aprovados passam de ano), assim como passei de ano na 5ª série quando tive que interromper os estudos regulares ao fugir da nossa casa. Nesta época 111 depois de muitas consultas em família como era desejo de todos e principalmente dos meus pais, pois educação era um elemento muito importante em todos os aspectos para a vida da pessoal, assim como, para o avanço e melhora da sociedade entre outros motivos e também sabendo que minha mãe agora com quase 80 anos pode ser considerada raridade na sua geração, por ter cursado uma universidade e ainda um curso comumente masculino, foi uma das grandes incentivadoras para que decidíssemos por sair do Irã, pois a continuação dos meus estudos não era nada certa após a expulsão e minha irmã além de procurada, havia sido recusado no vestibular para cursar faculdade por ser Bahá’ís. Pouco antes de completar 15 anos, na véspera do Ridván, no caminha visitamos meus tios e avós e viajamos até chegar ao ponto de encontro que era uma cidade do leste do Irã que faz fronteira com Afeganistão, lá encontramos outros indivíduos que também iriam sair refugiado do Irã, já que o governo na época não expedia passaporte para cidadãos Bahá’ís, e fomos até o ponto de encontro do atravessador (pessoa que iria nos tirar pela fronteira). O grupo era formado por 14 pessoas, desde um casal de idosos até uma senhora com seu filho novinho que mesmo na tentativa passada ter sido captada e ficado durante 6 meses aprisionada, ainda sim, estava fugindo novamente, sabendo de todos os riscos. Pela manhã do dia de Ridván bem cedo nos despedimos dos meus pais e fizemos a travessia da fronteira em várias etapas, inicialmente ficamos escondidos na parte de bagagem de dois carros utilitários de menor porte, no meio de deserto do nada apareceram outro carro utilitário mais potente como S10, que substituiu os outros, na parte da frente ficaram o casal de idosos e aquela senhora com criança de colo e na bagageira ficavam as pertences do grupo e nós sentávamos em cima, passamos a madrugada toda atravessando o deserto do Afeganistão, lembro que na época era uma noite de lua cheia, o país ainda estava sob invasão dos Russos e enquanto o carro voava pelas areias com manobras que mais pareciam filme “Velozes e furiosos” e nós hora correndo a pé atrás do carro, outrora mandavam que pulassemos em cima do carro com pernas penduradas nas laterais, de repente mandavam ficarmos em silêncio absoluto e rebaixados, pois havia patrulha dos soldados Russos e assim passamos a madrugada, lembrando que ainda no Irã fizemos a 1ª refeição, em baixo de uma ponte onde trouxeram duas panelas com arroz e algo como guisado, misturaram tudo e autorizaram comer kakaka foi cômico, pois alguns recusaram comer pois queriam pratos e talheres, estes mesmos, já no deserto de Afeganistão, depois de ter andado, caminhado e corrido durante umas 10h quando os atravessadores mataram e assaram um carneiro que haviam trazido e assaram alí num fogareiro improvisado, 112 acredito que fizeram a melhor refeição de suas vidas, chega dava gosto de ver, os pepinos que tinham no carro todo lambuzado com gasolina que havia vazado no recipiente, pareciam os pepinos mais saborosos desta terra, lembro que mesmo com todas as adversidades e cansaço, ainda conseguíamos contar piadas e rir das situações. Depois os atravessadores desceram até a fronteira do Paquistão, onde mesmo deserto mas não era feito de areia e sim pedras pequenas e cortantes.. caminhamos até clarear o dia e parar num determinado lugar que seria o ponto de encontro, onde os atravessadores do Irã, nos entregaríam para atravessadores do Paquistão, aguardamos a sua chegada durante 2 dias, sem alimento algum, na verdade sobrevivemos com alguns enlatados que havíamos levado e que foi dividido com outros membros e a noite dormíamos estendendo um lençol no chão, todos deitavam juntas (meninas separados dos meninos), lembro que nós nos cobríamos com um cobertor de solteiro que eu havia trazido comigo e este cobertor estava sendo usado por 6-7 pessoas. 2 dias depois chegaram outros atravessadores, que nos trouxeram alimentos, bananas e água, novamente com dois carros utilitários menores fomos até um vilarejo, meu cunhado conseguiu um balde de água e nós 3 nos banhamos depois de uns 3-4 dias, todos famintos a 3ª refeição, atacamos a comida que parecia fazer fogo sair pelo nosso nariz (risos) no Paquistão costumam usar bastante pimenta assim com Índia, então para aguentar a cada colherada atacávamos refrigerante que também nos foi oferecida neste vilarejo. No dia seguinte colocamos roupas típicas do Paquistão e fomos colocados num ônibus muito engraçado, todo pintado, onde dentro tinha de tudo, galinha, cão, pessoas, bagagens e até por cima dela alguns homens ficavam sentados (risos) fomos até uma cidade maior (Rawalpindi), ficando hospedados num hotel e em fim um banho de verdade, comida “picante” mas de verdade, ficando alí por alguns dias e depois de conseguir documentos provisórios de viagem com a ONU para se deslocar no Paquistão, de trem fomos até Lahore fomos, onde nos apresentamos à escritório da ONU.

3 – O que você entende, enquanto um bahá’í, que levou o governo do Irã a elevar o status dos bahá’ís a um assunto de Estado? RESPOSTA: Infelizmente no fundo por mais que eu me esforce não consigo encontrar uma razão. Poderia pensar que os governantes teriam medo de a comunidade Bahá’í tomasse poder pela influência, dedicação, para construir uma sociedade melhor, mas seria impossível, uma vez que os bahá’ís são terminantemente proibidos de se envolver com qualquer tipo de política partidária, uma vez que o princípio fundamental da fé Bahá’í é 113 unidade da humanidade (tornando assim conceitos contraditórios), fato tão grave que se por algum deslize um bahá’í se envolver com política partidária, em matéria de urgência, será chamado para uma consulta amorosa e recomendado a repensar sobre sua posição e caso o mesmo permita, receberá sanções graves de perda de direitos administrativos. Do mesmo modo, os bahá’ís são chamados a obedecer às leis e o governo do país em que vivem. São proibidos de portar armas de fogo, devem promover qualidades divinas em todos os âmbitos da sua vida (acadêmica, familiar, negócios, etc.), honestidade, justiça, fidedignidade, são chamados a trabalhar por servir e construir comunidades unidas, repletos de amor, paz genuíno, eliminar qualquer tipo de preconceito e não querendo prolongar mais, sinceramente não consigo compreender que mal há nisto. Somos os maiores ajudantes que os governantes poderiam querer, servir e auxiliar melhorias onde quer que estejamos (independente de nacionalidade), em qualquer área, promoção social, saúde e principalmente educação e não querer nada em troca, então qual governo não gostaria de contar com um legião de pessoas abnegadas? ‘Abdu’l-Bahá em Livro Palestras de ‘Abdu’l-Bahá em Paris, diz: “Que a demonstração de amizade unicamente com palavras, não vos satisfaça. Deixai vosso coração incendiar- se de afetuosa bondade por todos aqueles que cruzarem vosso caminho”. Obviamente que não estou tendenciosa a dizer que os bahá’ís são anjos caídos do céu, mas que é uma comunidade que cada um de seus membros no na sua realidade, está se esforçando para melhorar suas condições espirituais como ser humano e em paralelo ajudar a promover as condições da sociedade que o rodeia.

4 – O que mudou com a Revolução Islâmica em 1979 para a comunidade bahá’í do Irã? RESPOSTA: Os bahá’ís foram sistematicamente não apenas por algum segmento específico da sociedade, mas sim, de forma institucional perseguidos em todos os âmbitos da vida e independente de faixa etária. É claro que as perseguições não eram uniformes em todo o território e durante todo o tempo desde a revolução, na verdade houve plena liberdade à comunidade bahá’í no Irã, mesmo antes da revolução, no entanto a diferença era que havia perseguição de forma isolada e não sistemática, porém não era executado de forma institucional da parte do governo. O que ocorria: As crianças eram perseguidos e humilhados por suas crenças no bairro, nas brincadeiras, até o ponto de serem expulsos da escola, apenas por serem Bahá’ís, 114 mesmo crianças muito ternas de idade. Estudos universitários e meios de desenvolvimento intelectual e gerar capacidades para servir a sociedade não é permitido há 3 décadas (3 gerações) aos jovens. E para minimizar estes efeitos, a comunidade bahá’í criou meios de estudos a distância para diversas áreas de ciência, literatura, entre outros temas, mas assim que foram descobertos, seus tutores e todo o material de estudo foi retido. Trabalhos governamentais (concursos), ou vários ramos de serviço ou operações mercantis (compra/Venda) são proibidos a serem desenvolvidos por eles, inclusive recentemente vários comerciantes que inclusive tinham autorização para funcionamento de seus comércios, tiveram fechar as portas, pois são proibidos de respeitar e guardar seus dias sagrados. Por algum tempo, as cerimônias de seus casamentos não eram reconhecidos pelo governo, os bahá’ís por algum tempo eram impedidos de sair do país, pois emissão de documentos como passaporte lhes era negado e posteriormente este processo foi relativamente liberado, baseado na pressão recebida da comunidade internacional. Muitos dos bahá’ís que são envolvidos com a administração interna da comunidade bahá’í foram presos, por muitos anos e chegando até perder suas vidas (na minha família um primo de 2o grau foi martirizado em 1982, que fazia parte da Assembleia Espiritual Local dos Bahá’ís do Teerã). Muitas famílias foram forçadas a se separar para que os jovens pudessem estudar, então se refugiaram em outros países, como é caso de muitos aqui no Brasil, perdendo assim a convivência familiar tão importante para bem estar do de avós, filhos e netos, que foram obrigados a se privar sentimentalmente. Seus bens materiais, suas casas, seus posses e pertences com muita frequência é violada e retida, seus lugares sagrados foram quebrados e substitutos por outros prédios, praças, etc. e com todo este histórico é possível concluir que de certa forma suas vidas foram abreviadas de todas as formas (intelectual, material, social, etc.), mas que ao menos ao deixarem este mundo material, os seus corpos poderiam descansar em paz, no entanto até este momento doloroso e delicado para qualquer ser humano muitas vezes foi violado, corpo de muitos bahá’ís que foram raptados nunca foi encontrado ou entregue a família e em muitas outras ocasiões os seus cemitérios foram violados, quebrados ou totalmente inutilizados e obviamente.

5 – Como eram feitos os encontros e as atividades bahá’ís da comunidade no Irã? RESPOSTA: Antes da revolução, a liberdade de possuir atividades, reuniões, encontros, estudos, etc. de forma normal e sem perseguição dependia muito da comunidade e o povo, 115 algumas regiões do país sempre foram mais sensíveis a este assunto e bastava uma pequena provocação ou insinuação de líderes religiosos para provocar algum tipo de invasão, quebra-quebra ou falácias (calúnias, maledicências) a respeito da comunidade bahá’í. No entanto após a revolução esta perseguição se tornou sistemática e as provocações eram feitas muitas vezes até através de mídias oficiais (escrita ou televisiva). Acredito que de 1980 - 1983 ou 84 as perseguições em massa ocorria, eliminando assim membros de diversas Assembleias Espirituais Locais do país todo e se não me falha memória por duas vezes os membros da Assembleias Espirituais Nacional dos Bahá’ís do Irã, alegando sempre motivos inexistentes ou imaginários. Então a partir desta época as atividades e encontros tornaram cada vez mais realizadas em meios familiares e de pequenos grupos de amigos, sempre com bastante discrição. A administração da comunidade no Irã segue diferente da comunidade internacional, pois o objetivo não é em momento algum e afrontar o governo, mas apenas ordenar e organizar, como qualquer instituição precisa, assim sendo, tudo é feito, com cuidado e zelo, para que nenhum motivo seja alegado e os amigos sejam presos. É claro que muitas vezes é em vã, pois com frequência os bahá’ís são proibidos de se encontrar ou reunir.

6 – Como a população em geral reagia em relação às ações do governo? RESPOSTA: As reações são diversas, pois, é muito relativo e complexo. Existem famílias mais tradicionais, ou que se deixam levar pelo fanatismo milenar impregnada a cultura em muitas sociedades inclusive iraniana, onde a massa é impedida de conhecer de fato e a fundo a realidade em todos os seus vertentes e pontos de vista, assim, as verdades sobre a fé bahá’í, os seus princípios, sua história, suas leis e seus propósitos, etc. pois o que é apresentado a sociedade iraniana, em diversos ambientes, como salas de aulas e material escolar, livros, mídia, entre outros, possuem sempre conteúdo parcial (um exemplo grosseiro seria, como se fosse pedir explicção sobre holocausto de um nasita, este só contaria um ponto de vista, que não é errado, mas é uma visão incompleta da história). Então, a população que recebe este tipo de informação e não teve oportunidade de conhecer de forma integrada, em geral não age de forma imparcial, acredita ser verdade o que o governo divulga, por outro lado, existem famílias que tem contato direto com os bahá’ís então comparam o que ouvem, com o que veem, como o que tiveram a oportunidade de ler e conhecer e percebem que há desencontro, o que o governo alega e divulga, não confere com as suas experiências e relações com seus amigos bahá’ís e 116 conhecimento pragmático deles. Então de forma discreta apoiam a comunidade bahá’í, sem se expor, pois certamente irão sofrer sanções e perseguições talvez até pior do que os próprios bahá’ís. 117

APÊNDICE F – Entrevista com Guitty Millani Concedida à Lorena Herédias, em 18 de Maio de 2018 – Degravada

LORENA: Hoje é dia 18 de maio de 2018 e eu vou fazer uma entrevista com a dona Guitty falando sobre a perseguição aos bahá’ís no Irã, que servirá como base para a minha pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso, sob a orientação do professor Fábio Albergaria. [...] GUITTY: Você está fazendo na Rio Branco?

LORENA: Não, eu faço na Católica.

GUITTY: Na Católica?

LORENA: Isso, na Católica. E estou no meu último ano. E aí, como já tem um tempo que tenho trabalhado com a comunidade bahá’í.

GUITTY: Sim...

LORENA: Porque eu trabalhava com o sr. Akhavan antes.

GUITTY: Ah, é?

LORENA: É. Eu era estagiária dele.

GUITTY: Ah, então você já tem convivência.

LORENA Sim. E aí, eu decidi fazer sobre a perseguição aos bahá’ís no Irã

GUITTY: Um tema interessante e diferente também, né?

LORENA: Sim. E desde Revolução que foi o meu marco, né? Até 1991 por causa do Memorando Golpaygani. 118

GUITTY: Ah, sim.

LORENA: Foi por causa disso que eu escolhi esse marco. E aí, a questão que eu vou trabalhar é exatamente sobre como é que o governo iraniano (no caso, o líder supremo, a população, os grupos) influenciam nesse processo de fazer com que a comunidade bahá’í se pareça como uma ameaça à nação iraniana, então evitando que esse povo, essa comunidade, se plorifere, cresça, exista, no sentido estrito mesmo.

GUITTY: Não é só evitando que ela cresça, é estrangulando ela totalmente, para suprimir ela. Tanto que no início da Revolução, quando começaram a fazer os bahá’ís desaparecerem ou então prenderam mesmo o corpo supremo da comunidade, que era a Assembleia Espiritual Nacional do Irã. Então, quando a gente começou a reclamar e foi a jornais, televisão, rádio e até às autoridades brasileiras...

[...] Falhas na gravação

GUITTY: Porque eu acho que nesses livros você vai encontrar, assim, exemplos contundentes que [...]. Tem um que é “Quando o Coração Grita”, que é de um autor americano, William Sears, é da Editora Bahá’í, foi traduzido para o português. O outro é “Olyar”. O-L-Y-A-R. Que é uma senhora que foi presa junto com aquelas 10 mulheres em Shiráz, inclusive a Mona, que foi executada com 17 anos. Então ela conheceu toda a história por dentro.

LORENA: De Mona Leonora, né?

GUITTY: Do que aconteceu com elas. Agora, como ela era assim... não lembro bem se ela era secretária da comunidade. Enfim... ela tinha um cargo na comunidade. E aí, por esperteza, eles, antes da execução, soltaram ela, deram uns dias de folga para ela, para, através dela, conseguir achar outros bahá’ís, porque uma das coisas que eles insistiam muito com qualquer preso bahá’í é de identificar outros bahá’ís. É claro que os bahá’ís não iam colocar outra pessoa na mesma situação que eles estavam, então não davam informação. Mas eles acharam que, ela saindo da prisão, então seria uma porta aberta para eles poderem prender muitas mais pessoas, mas, assim que ela chegou na casa dela, os 119 vizinhos que eram muçulmanos chamaram ela lá na casa deles e, de lá, arrumaram para que ela fugisse. Ela ficou meses nos porões de casa de, primeiro, muçulmano, depois, os bahá’ís, até que ela conseguiu fugir pra da Turquia, pela fronteira. E aí, ela escreveu, então isso foi fantástico, porque ela pôde dar detalhes que não tínhamos, o que acontecia nas prisões, como eram as torturas, como eram as... como é que chamam quando eles questionam?

LORENA: Interrogatórios.

GUITTY: Interrogatórios etc etc. Então isso também lança uma luz imensa sobre isso. Tem um outro livro que foi escrito pela... uma jornalista... Rosana... você deve ter ouvido falar. Não lembro o sobrenome dela. Ela é de mãe americana, de pai iraniano, foi miss lá nos Estados Unidos, onde ela morava, e depois fez jornalismo, e ela foi pro Irã justamente como jornalista e foi presa e foi colocada na mesma cela que as duas senhoras que faziam parte do Yarã. E então, quando ela... esta é uma história longa, você tem que ler o livro, mas é fascinante, porque ela logo que prenderam ela, tanto assustaram ela que ela confessou tudo que eles queriam.

LORENA: Essa jornalista?

GUITTY: Essa jornalista. Ela não era bahá’í, era uma pessoa... uma americana... irano- americana. Aí, quando ela ficou junto com as presas iranianas e começaram a falar e se comunicar, e ela observou o jeito delas, a calma delas, a radiância delas, ela começou a ficar assim... abalada e perguntou: “mas por que que vocês também não falam tudo o que eles querem, para que libertem vocês também? Porque, pra mim, prometeram também que se eu falasse essas coisas, então eles iam...”. Então ela reconheceu que era espiã dos Estados Unidos, monte de coisas gravíssimas, que depois iam matar ela com essas acusações.

LORENA: E que, na verdade, não...?

GUITTY: E que, na verdade, não eram verdade. Ela era uma jornalista. Aí, ela despertou e disse: “então eu vou falar que isso aqui tudo...”. Então ela renegou, porque tinham feito 120 um vídeo que mostraram na televisão, eles têm toda uma política de comunicação pra chamar atenção do povo e, principalmente, pra anestesiar o povo. Eles precisam sempre de bodes expiatórios pra jogar a culpa das coisas que estão acontecendo lá, principalmente o... Como chama? Assim... não há sossego na...

LORENA: Desassossego, né? Assustar a população...

GUITTY: Pra assustar a população, a violência, a miséria tremenda. Porque o dinheiro da riqueza do Irã, que, principalmente, o petróleo, vai diretamente para essas facções extremistas de Líbano, de Síria, do Afeganistão, Paquistão... Paquistão não. E os... que ficam na fronteira do Gaza...

LORENA: Os palestinos?

GUITTY: Os palestinos. A ideia deles é que... os xiitas, porque o problema maior do povo iraniano, que a religião dominante lá é o xiismo, que é a facção mais radical, mais supersticiosa, mais podre também moralmente do Islã. Então o povo está na miséria total, as mulheres, por exemplo, quando o marido ou o irmão ou o pai que sustêm elas são presos, elas são obrigadas a se tornarem prostitutas, a se prostituírem para poder, então... Eu vi um vídeo... você tem então também que procurar esse tipo de material e deve ter na internet, deve ter também em sites, assim, especializados... como mulheres com crianças pequenas estão nas avenidas querendo fazer programa porque não têm como quem deixar o filho, então têm que levar o filho pra ir se prostituir e, depois, então, quando elas voltam pra casa, pra poder suportar essa vida, elas se drogam. Então... é uma situação completamente “abjecta” que esse povo tá vivendo agora, com a inflação altíssima e o povo sem grandes recursos, com grande parte de desemprego, e preso nessas superstições, nessas... Principalmente, eles... todos esses [...]... esses que você esclareceu como aiatolá, né? Aiatolás são os maiores, tem também hierarquia para eles. Qualquer um deles pode fazer uma interpretação dos versículos de Alcorão do jeito que ele quer, então o Alcorão, na mão deles, não é um livro sagrado de leis que todos têm que obedecer, mas leis... mas um livro que eles podem interpretar e impor a sua interpretação ao povo do jeito que eles querem. Então, aí, claro que sempre tem coisas que, em benefício deles, é contra os inimigos, vamos dizer, do Islã. Então esse é outro termo que eles usam muito: inimigo do 121

Islã. Enquanto que os bahá’ís... a própria Revelação de Bahá’u’lláh faz questão de... como que eu posso dizer? Confirmar a Revelação divina de Maomé. É um trabalho maravilhoso de educação daqueles povos bárbaros que ele conseguiu erguer uma das civilizações mais lindas na Idade Média, enquanto que Europa estava na escuridão total. Eles tinham universidades, eles tinham arte, pintura, poesia, música, traduziam os livros do chinês e do grego, dos antigos filósofos para o árabe. Então era o centro de conhecimento, de pesquisa, de conhecimento, de beleza, de arte. Entende?

LORENA: E aí, a senhora acredita, assim, que essa questão da revelação progressiva como é o tipo de titulação desse princípio... se ele tem uma influência direta na interpretação de que os bahá’ís são uma ameaça à nação ou à tentativa de...

GUITTY: Não...

LORENA: Não? Porque assim... como eles interpretam Maomé como o último profeta e...

GUITTY: Sim. Então... essa é outra coisa que eles manipularam do jeito que eles queriam. O último profeta... quer dizer... o que o profeta faz? O profeta profetiza. Então todos os mensageiros divinos, além de trazer uma revelação, que é um modo de vida para o ser humano atingir felicidade, atingir progresso, fazer civilização, eles traziam também umas profecias sobre o que viria depois. Quer dizer... de um lado, eles confirmam o que veio antes, porque todas as leis que o anterior trouxe e que ainda podem ter validade para esta nova sociedade, ela é, automaticamente, confirmada. Por exemplo, a lei de justiça... o Moisés trouxe. Era “dente por dente, olho por olho”, que parece muito bárbaro, e é muito bárbaro, mas era uma realidade para aquele povo, porque, no tempo de Moisés, se uma pessoa matasse alguém de outra tribo, a tribo dele vinha e matava todos os membros dessa primeira tribo. Então era uma vida que causava a destruição de, talvez, centenas ou dezenas de pessoas. Aí, a lei do “dente de olho” era justo, porque, bom... ele matou um, então matem um e, pronto, acabou, não vão destruir toda a tribo. Mas, quando vem Cristo, e a sociedade evoluiu suficiente, ele não fala mais isso, ele fala “amor ao próximo”, perdão, dar a outra face. Então os ensinamentos sociais da humanidade têm que evoluir com a sociedade, senão, elas se tornam camisas de força. Por exemplo, como que é o fato 122 de que Cristo não ter falado sobre a ciência e a religião serviu para a religião permitir a ciência e não permitir a sua evolução. Temos todos aqueles exemplos de Galileu e... etc etc. Mas, aí, depois, no tempo de Maomé, ele, além desse amor ao próximo, ele traz a unidade das nações, porque os povos, tanto da Europa quanto do mundo todo, ainda viviam em tribos, em condados, em domínios, tinha monte de reizinhos, principezinhos, que... então estavam sempre em conflitos também sobre terra etc. Então vem Bahá’u’lláh e ele diz que sim, que o amor não é só amor e perdão ao próximo, mas é à toda a humanidade, porque somos todos os frutos da mesma árvore e gotas do mesmo oceano, que aí, então, tira todas as barreiras, mas é sempre a mesma lei que está evoluindo, porque a humanidade evoluiu e tem capacidade para entender. O que adiantava se Cristo tivesse trazido essa lei dessa unidade mundial? Seria possível? Haveria os meios? A humanidade nem conhecia os vários continentes. Como que eles podiam conhecer? Para eles, o mundo era plano e era em volta do Mediterrâneo. Então que unidade seria essa? Apesar de que, depois, muitos povos reconheceram Cristo se uniram, mas foi sempre naquela região. Tanto que, depois da crucificação de Cristo, os seus apóstolos discutiam se deveriam ensinar o cristianismo a povos que não fossem judeus. Eles achavam que Cristo só tinha vindo pra reformar e melhorar a vida dos judeus e que os outros povos ainda eram povos inimigos, até que eles tiveram a percepção de que não era assim e, aí, se propuseram a sair para os vários países, tanto que Pedro foi à Roma e cada um deles foi para uma região, pra levar a palavra de Cristo. Então nem sempre no momento que a lei e a orientação divina chega, apesar que a humanidade evoluiu, ainda tem a capacidade de entender toda a extensão do que isso significa. Por exemplo, nós, como bahá’ís, apesar de vivermos em uma comunidade mundial... fico emocionada. Teve agora essa Convenção Internacional, que participaram membros das Assembleias Nacionais de 170 países, inclusive de alguns países árabes, você deve ter visto nas notícias. Aí, então, não temos, não podemos entender como que vai ser, realmente, quando o mundo for unido. Como que vai ser a civilização quando todos os livros de ciência e sabedoria de todos os povos forem traduzidos para uma única língua universal e que todo mundo vai ter acesso? Então... como que vai ser esse mundo? A gente não tem... a nossa imaginação não pode ir tão longe. Nós só conhecemos as coisas que conhecemos, como dizem, por exemplo, que os índios, na primeira vez que viram as naves espanholas... quer dizer, viram, mas não sabiam o que era. Entendeu? Então nós só podemos imaginar o que nós já vimos, o que nós já imaginamos, mas nós nunca tivemos o exemplo do mundo que possa viver assim, 123 então o alcance dessa Revelação de Bahá’u’lláh vai muito longe e, claro, que o início de todas as religiões houve perseguição, e a Fé Bahá’í não foi diferente. Agora... Então que que acontece... vamos voltar à perseguição.

LORENA: O que eu gostaria de entender é se, por exemplo... se a senhora...

GUITTY: A questão das perguntas que você mandou, né?

LORENA: Não, era essa questão da revelação progressiva, porque tem também a questão da crença de que o Décimo Segundo Imã retornará...

GUITTY: Isso é uma crença também, uma interpretação dos chefes religiosos. O que eu ia responder e que acabei não respondendo é que, então... voltando à Maomé, Maomé é o último profeta, que profetizou sobre a vinda do Báb e de Bahá’u’lláh, porque a época que começa com Báb e termina com Bahá’u’lláh não é mais época de profecias, é época de realização, de cumprimento das profecias. Então não é que Maomé é último revelador da vontade de Deus, Maomé é o último dos profetas a profetizar a vinda desse dia máximo, maravilhoso, dia que... como chama? Lobos e carneiros iam deitar juntos, leão e... entendeu? É que sempre todas as revelações anteriores sempre prometeram esse dia especial, quando então haveria o reino de Deus na Terra, conforme a Bíblia e conforme outras tradições religiosas, onde haveria paz na Terra, onde os homens viveriam em paz, em harmonia, tudo seria bom e maravilhoso. Então, por isso, que eles usam essa frase do Alcorão que Maomé é o último dos profetas para negar... para achar que Deus nunca mais vai se revelar à humanidade, o que é impossível, porque toda a evolução da humanidade, desde aquele momento que ele saiu da água e veio morar na Terra, quer dizer... quando a evolução física do ser humano... foi orientado e dirigido pela mão de Deus, pela vontade de Deus. Bahá’u’lláh tem uma fala, um escrito, que diz que “Deus amou, por isso, criou quem o amasse”, então a humanidade é fruto do amor de Deus e o plano de Deus, se quisermos resumir assim centenas de livros em uma frase, seria que esse ser que ele criou pudesse progredir, primeiro, fisicamente; depois, mentalmente; depois, espiritualmente; até chegar ao ponto que pudesse amá-lo de volta. É só isso. Todas essas revelações, toda essa educação, toda essa evolução que a humanidade teve e está tendo é para... é justamente como uma árvore, uma semente que você coloca na terra. É uma semente. 124

Mas quem tem visão sabe que essa semente, vamos dizer... de tâmara ou de... sei lá... nozes... um dia vai dar uma árvore linda, maravilhosa, cheia de frutos. E a gente planta essas árvores frutíferas porque vão dar frutos, não é só por capricho. Então Deus também plantou uma semente no mundo da existência aqui na Terra para que, dessa evolução, surgisse os seres humanos, assim, mais espiritualizados, mais evoluídos, que pudessem reconhecê-lo, amá-lo e, através desse amor, servisse uns aos outros e pudessem realizar uma civilização... não vou dizer perfeita, porque, na Terra, talvez nada vai ser perfeito... mas uma civilização bem avançada, onde haveria paz, harmonia e onde, realmente, a ciência, em vez de gastar milhões em armas e coisas inúteis, poderia achar a solução às doenças, à falta de comida e todas as mazelas... essa questão de toda a degradação da terra, do ar, da água... enfim. É para isso que fomos criados, senão, qual é a intenção de uma criação para passar por tantas eras e coisas e tal para dar no fim em quê? Nada? Não é possível! Ninguém que tem inteligência cria uma coisa sem uma finalidade. Deus, que é inteligência suprema, também criou com uma intenção. E essa intenção é surgir esse ser humano dotado de muitos atributos, qualidades e, principalmente, de muito amor e devoção, que possa criar uma civilização de harmonia. É por isso que Cristo se revelaria como o reino de Deus na Terra. Então a revelação progressiva é isso: é que os mensageiros de Deus, primeiro, confirmavam o que tinha vindo antes; depois, então, davam os seus ensinamentos e suas orientações para que, então, essa percepção que tinha surgido dentro do ser humano fosse ainda melhorado, mais educado, mais aperfeiçoado, para esperar, então, a próxima revelação, que viria para levá-los mais um passo à frente. Até que chega na época de Maomé, que é último dos profetas, mas não é o último dos reveladores divinos. E é aí, então, que eles pegam para dizer que a Fé Bahá’í é uma... como que eles chamam isso? Uma...

LORENA: Seita?

GUITTY: Não só seita, mas uma seita do mal, vamos dizer assim.

LORENA: Uma heresia, na verdade.

GUITTY: Uma heresia é a palavra que eu estou procurando. Então o bahá’í é uma heresia, que não tem fundamento, que é contra a Deus e que é contra a Islã. 125

LORENA: Era exatamente assim como a senhora disse anteriormente sobre a questão da própria interpretação do Alcorão... talvez eu não tenha elaborado bem a minha última pergunta. Era exatamente assim: se essa própria questão dos indivíduos que são autorizados a falarem sobre o Alcorão, se essa própria autorização de interpretação, se elas não dão uma margem, por exemplo, para a criação de situações, de interpretações, que vão em contradição aos princípios bahá’ís, como a própria revelação progressiva ou a própria unidade da humanidade, a proximidade da ciência e da religião. Era mais sobre essa questão, porque, dentro das pesquisas que eu tenho visto, eu vi bastante que existe essa deturpação do Islã para gerar um sentimento de que a comunidade bahá’í ameaça a nação, principalmente depois de 1979, que é quando existe uma proposta de um novo povo, de uma nova nação.

GUITTY: Sim. Principalmente de um governo religioso baseado, vamos dizer, no Alcorão, o que não é verdade, mas tudo bem. Agora, veja bem. Têm dois princípios da Fé Bahá’í que, desde o início, foi, assim... a gota d’água para esses chefes religiosos. O primeiro é que a Fé Bahá’í não tem sacerdote, então todos eles vão perder o emprego, então, desde o início, a Fé Bahá’í era fadada a ser perseguida porque quem está no comando não quer “descer do cavalo”. [...] Então eles todos... o Irã é que tem maior número de chefes religiosos, porque qualquer um pode colocar um daqueles turbantes e se autoproclamar ou chair ou mullah ou coisas assim, mas enfim. Então esse que cortava totalmente a base da autoridade e do interesse deles, esse princípio. Não há sacerdócio na Fé, ninguém tem autoridade pessoal para interpretar ou impor a sua interpretação ao outro, entendeu? Você pode até entender uma coisa de uma maneira diferente, mas você não pode nem deve impor essa sua compreensão aos outros membros da comunidade, porque eles também têm autorização para ler diretamente os escritos e colocá-los em prática. E o outro princípio que também mexe, assim, profundamente com eles, é a questão da igualdade entre homens e mulheres.

LORENA: Inclusive, na minha pesquisa, eu falo sobre esse princípio e eu utilizo esse argumento também da igualdade de homens e mulheres, se a senhora pudesse falar um pouquinho, também, de como é que a senhora acha que isso influencia nesse processo.

126

GUITTY: Muito! Veja bem... quando você realmente não é uma pessoa que, vamos dizer, devota. Devota não no sentido dessa coisa de ser aquela pessoa que está o dia todo ajoelhada, rezando etc, mas devota no sentido de acreditar em Deus e querer viver de acordo com os princípios espirituais que você mesmo aceitou. Porque esse é outro princípio da Fé Bahá’í, que todo ser humano tem o direito de fazer livre pesquisa da verdade, enquanto que, para eles, era uma imposição: você nasceu numa família muçulmana, você é muçulmano; e, se você mudar de religião, então você é um herege, então você pode ser morto. Até hoje, nos países islâmicos, eles podem matar uma pessoa por ter deixado de ser muçulmano para aceitar outra religião. O que aconteceu não faz muito tempo no Irã com aquele pastor, acho que é evangélico, porque eles tinham... houve uma campanha em prol da liberação dele, não sei se você ficou sabendo. Então, como prova de que não há só os bahá’ís, existe também essa... é muito mais suave e muito mais também leve, mas os judeus, os cristãos, que, inclusive, constam no Livro Sagrado, são perseguidos. E até aqueles que são muçulmanos, mas são sunitas que moram no Irã, são perseguidos. Muitas das tribos iranianas são sunitas ou então fazem parte de uma outra seita, porque tem muitas seitas no Islã, não tão conhecidas, mas existem, como por exemplo aquela da Arábia Saudita, [...] é outra linha também do Islã, que é diferente de xiita e, por isso, que agora estão se estranhando. A Arábia Saudita e o Irã já estão em barricadas contrárias. Aí, que que acontece... os próprios [...], que são muçulmanos, mas que levam uma vida mais... vamos dizer... mais devotada à oração... porque tem todas aquelas danças, tem coisas assim, práticas diferentes dos xiitas, são perseguidos no Irã. Então, quer diz... a Fé Bahá’í, por ser maior minoria, por ter uma administração, porque quando um grupo é organizado e se administra e, claro, cresce, porque é natural e são ensinamentos que estão em acordo com as necessidades que os problemas da humanidade de hoje. Então todo jovem depois que ele começa a pensar, depois que ele começa a estudar, depois que ele vai para a escola e que vai para a universidade, ele começa a ver que muitas das coisas que ele viu na família dele são crendices, são preconceitos, são coisas que não têm nada a ver com o mundo de hoje, que nunca vão resolver o problema da humanidade de hoje, então começam a procurar e às vezes encontram a Fé Bahá’í. E, hoje em dia, por causa do que os chefes religiosos têm feito e as perseguições que têm feito às minorias, tem crescido o número de muçulmanos que estão se tornando zoroastrianos, que é uma religião antiga do Irã.

127

LORENA: E permitida por lei também, né?

GUITTY: Sim, porque é anterior a Islã. As religiões que são anteriores a Islã são...

LORENA: Autorizadas?

GUITTY: Sim. Entendeu? Enquanto que o que vier depois é heresia, porque Maomé é o último profeta. Então esse é realmente coloca a linha divisória e os princípios da Fé Bahá’í. Então, tudo isso são coisas que eles não suportam. Então, desde o início da Fé, eles se levantaram de maneira sangrante, mataram mais de 20 mil bahá’ís, todos eles, praticamente, só no tempo do Báb, que foi de 1844 a 1850, seis anos o Báb teve para proclamar a sua missão e, principalmente, preparar as pessoas para a vinda de Bahá’u’lláh. Imagina qual é o tamanho de mudança que deveria acontecer no mundo, que, pela primeira vez, Deus mandou dois mensageiros divinos ao mesmo tempo. Eles viveram nessa terra, pisaram nessa terra na mesma época. Inclusive o Báb era dois anos mais novo que Bahá’u’lláh, por isso que o Bicentenário dele agora vai ser de 1819, do nascimento dele, né? Mas Bahá’u’lláh, depois que se revelou como o prometido, ele não queria que os bahá’ís fossem mais martirizados, então, embora muitos pediam, suplicavam... porque quando você está cheio de amor, de devoção, e você já tem uma visão de que o mundo que vem, então pra você tanto fazia [...]. E ter uma compreensão maior das coisas, porque ainda temos muitas coisas que não são reveladas. Bahá’u’lláh, normalmente, não permitia. Poucas vezes, às vezes quando a pessoa insistiu muito, ele consentiu que isso acontecesse. E, realmente, depois, a pessoa foi martirizada. Mas, só para você ver, então, desde 1844, inclusive tem uma notícia no jornal The Times, de Londres, com essa primeira perseguição que foi com dois... isso é uma coisa que você poderia trazer e que vai ser uma sensação, porque é uma coisa pouco conhecida.

LORENA: Eu coloquei, mas foi por meio de um autor que eu estou usando que se chama Axworthy. Ele tem um livro chamado “História do Irã”, e aí, ele traz, inclusive tem um capítulo somente falando do movimento do babismo. É bastante interessante.

GUITTY: Mas tem muitos. E você deve saber, escritos em português: Eça de Queiroz, o professor Brown, da Inglaterra. São muitos autores! Então isso também é interessante e é 128 um argumento que você pode trazer e que vai ser muito interessante, porque não é de conhecimento de todos. A história, por exemplo, de Cristo, foi escrita por quem? Foi escrita por inimigos, que até hoje dizem que nunca houve Cristo, que nunca houve crucificação, que isso aqui é uma lenda, e existe, através dos historiados cristãos, que depois escreveram. Os autores da época de Cristo, praticamente, não escreveram sobre ele. Por isso que outros se sentem mais fortalecidos para negar a existência de Cristo. Mas, na época do Báb, de Bahá’u’lláh, já existia a imprensa e já existia essas relações entre as nações, então o que acontece? A história da Fé Bahá’í foi escrita pelos adeptos, que eram devotos, então quer dizer que florearam um pouco as coisas. Isso é primeira categoria. Depois, a história de Báb e Bahá’u’lláh foi escrita por inimigos da Fé, principalmente os que foram pagos para escrever coisas horríveis sobre a Fé, então são os inimigos. E também... o que aconteceu... havia muitos representantes de países europeus principalmente, da Rússia, dos países... Inglaterra, França e tal, como, na época, ainda não eram embaixadores, mas eram...

LORENA: Eram uma espécie de representantes, né?

GUITTY: Eram representantes, cônsul e tal ou então eram conselheiros militares ou então eram pesquisadores orientalistas. A história deles também foi escrita por esse tipo de pessoa, e essas pessoas eram neutras, porque nem eram bahá’ís nem eram muçulmanos nem eram iranianos, não tinham interesse nenhum, contaram o que viram. Então temos essa categoria, a terceira categoria, que registrou a história de Báb e Bahá’u’lláh. E a quarta categoria é que tanto o Báb como o próprio Báhá’u’lláh e, depois, ‘Abdu’l-Bahá, contaram episódios das suas vidas, então nós temos quatro fontes pra pesquisar sobre a história da Fé Bahá’í, então não tem uma vírgula que tenha ficado perdida, tudo em mínimos detalhes. E, apesar do primeiro grupo, que eram os adeptos, vamos dizer, muitos não eram adeptos como tinham participado dos eventos. Como, por exemplo, houve três levantes grandes no tempo de Báb, onde os bahá’ís tiveram que se refugiar tipo num convento, uma construção antiga em ruínas, lá num forte chamado Tabarsi, que era no Norte do Irã. Eram 313 membros, entre adolescentes até homens velhos, a maioria pessoas... nenhum militar, apenas pessoas... do povo. Durante muitos meses eles conseguiram se defender contra o exército do xá, que foram mandados para aniquilar. Eles passaram fome, passaram sede, assim...tudo o que... e teve gente que sobreviveu, 129 que escreveu tudo o que aconteceu dentro do forte. Então, por isso, que nós temos detalhes das coisas que aconteceram desde 1844. E acho que, pra quem gosta de história, é um campo vasto de pesquisa. Então, assim, tem coisas que não tem como dizer que não aconteceu, que não foi, que foi uma ilusão etc e tal. Acho que já respondi àquela pergunta, então faça a outra pergunta, senão a gente vai sair da objetividade. [...] Então... eu estava lhe falando também sobre os livros, né? Então tem muito mais livros sobre... tem em francês, por exemplo, tem um da Dra. Cristina Hackim, eu tinha todos esses livros na minha casa, agora, na mudança, eu dei para os amigos. Ela escreveu em francês também. Porque o pai dela, que era o médico mais proeminente do Irã, cardiologista, foi morto covardemente no consultório dele, logo no início da Revolução. Ele poderia já ter ido embora do Irã, mas ele não foi porque sabia que precisavam dele. Então tem muitos testemunhos do que está acontecendo atualmente e isso também vai ficar registrado, muito mais que não estão impressos, mas que estão nos arquivos da comunidade bahá’í. Tem outro livro interessante para você ler, que não é sobre a perseguição, embora no final vá falar sobre isso, não lembro mais, mas o que é interessante nesse livro é que foi escrito por dois jornalistas franceses, é uma mãe e filho. A mãe foi editora da El, durante muitos anos, não estou lembrando, mas você vai na lista dos livros da Editora Bahá’í e você vai encontrar o nome dela. Porque eles fizeram pesquisas sobre os bahá’ís, então falaram com bahá’ís de vários países. O livro todo é quase que como uma entrevista. Isso foi nos anos 70, 80. Eles foram à Terra Santa, pediram licença à Casa de Justiça, para olhar os arquivos, porque tem muita coisa na Terra Santa, os arquivos, os escritos originais, objetos de uso do Báb, Bahá’u’lláh, os documentos escritos pelo próprio punho, quando era o secretário, sempre com o selo de Bahá’u’lláh, do Báb. Enfim, é uma pesquisa que eles fizeram e sem dar a opinião deles, com o que ouviram, o que viram, eles fizeram esse livro e o chamaram de “Os Jardineiros de Deus”. E é um livro interessante também pra você conhecer os vários aspectos, assim, da Fé Bahá’í, como que ela está influenciando e mudando a vida, as crenças, os preconceitos, as crendices dos vários povos e esse chamado à união, à unidade do gênero humano, é realmente uma coisa, hoje em dia, que qualquer pessoa que não seja, vamos dizer, tendenciosa, aceita com naturalidade, porque, na verdade, nós estamos vivendo, com todas essas descobertas de tecnologia, de comunicação... Ontem teve uma erupção daquele [...], nas ilhas Hawaii, e, ontem à noite, já mostram a foto, já mostraram coisas, as pessoas que tiveram de sair das suas casas, 130 porque a lavra está engolindo etc. Então já vivemos numa aldeia global, o que falta agora é, realmente, a gente aprender a conviver.

LORENA: Inclusive, na minha pesquisa, quando eu falo de nação, eu usei o conceito de comunidades imaginadas e que eu trouxe dois argumentos que sustentam assim: que o xiismo é a característica de uma nova nação, depois da Revolução Islâmica, e que há duas principais ameaças a essa identidade construída, que é secularismo e que é a ocidentalização. Então, em que medida a senhora acha que isso pode influenciar nesse processo contra os bahá’ís? Essa questão, por exemplo, que vocês têm uma visão diferente dessa questão de aldeia global, essa questão da ordem mundial, que a que é a vigente no momento não é a ideal, E em relação à própria ocidentalização também, por exemplo, que a comunidade tem essa proximidade com a ciência e a religião. Então como é que isso influencia?

GUITTY: Que é outro princípio também que eles não gostam nada, né?

LORENA: Da proximidade da ciência com a religião, né?

GUITTY: É porque, aí, tira a autoridade deles, né? Tudo o que possa ameaçar a autoridade absoluta deles é um grande inimigo. Entende? É a forma de pensar deles. E a outra foram de pensar deles é justamente aquilo que eu falei no início, essa questão de que tem haver um bode expiatório. Por exemplo, mesmo no tempo do xá, que os bahá’ís tiveram, praticamente, liberdade, não vou dizer absoluta, porque nem existe liberdade absoluta, mas era uma liberdade para as suas organizações, para as suas instituições, trabalhavam etc etc. Quando ele queria anunciar, o xá, alguma lei ou alguma mudança nas coisas no Irã que sabia que seria de desagrado dos chefes religiosos muçulmanos, porque ele, inclusive, chegou a disfarçar os princípios bahá’ís e a colocar como a sua ideia, ele fez uma vez um negócio desses. Ele dava permissão a eles para arrumar alguma encrenca com os bahá’ís, assim, perseguir os bahá’ís, ou matar um bahá’í proeminente ou destruir um lugar histórico da Fé, então a comunidade bahá’í serviu sempre pra eles como um joguete, como um bode expiatório, sempre que eles queriam mascarar alguma coisa que não seria de agrado do povo ou da elite do Islã, eles fizeram alguma coisa ou então culparam os bahá’ís, que os bahá’ís fizeram isso. Teve um primeiro-ministro que foi 131 morto por um atirador e falaram que os bahá’ís fizeram isso, tanto que os bahá’ís absolutamente nem participam nem falam nem se metem na política nem nada. Então é isso que é o problema, então o problema maior da comunidade bahá’í é que, desde o início, não teve, realmente, essa liberdade de crescer, de ter um crescimento normal e livre, sempre foi restringida de alguma forma, de um jeito ou de outro, ou pelo governo ou pelos sacerdotes ou pelos dois juntos quando se uniam contra a comunidade bahá’í. Então, para os bahá’ís, não é novidade, tanto que, desde os anos [19]50, que era na época que nós tínhamos o Guardião da Fé Bahá’í, então ele estimulava muito os bahá’ís iranianos de sair do Irã como pioneiros e ir para países que não tinham bahá’ís, porque, como não temos sacerdotes, não temos pregadores, não temos... como que chama...? Depois eu vou lembrar a palavra. Então são os próprios bahá’ís que saíram do Irã, muitos do Irã, dos Estados Unidos, da França, de todos os países de onde as comunidades eram mais fortes, da Inglaterra, para ir morar... foi assim que a Fé Bahá’í chegou ao Brasil, em 1921, a dona Leonora Armstrong, que era uma jovem jornalista bahá’í americana veio sozinha. Imagina, em 1921, uma mocinha, bonitinha, jovenzinha, que nem você, desembarca no Rio de Janeiro, sem muito dinheiro, sem conhecer ninguém e sem saber o português, mas foi o que ela fez. Então sempre houve, durante todo esse período da Fé Bahá’í, que agora já começou o ano 175, bahá’ís que saíram das suas próprias comunidades para ir para outros países. Atualmente, como há bahá’ís no mundo todo, não há mais tanta necessidade de ir de um continente pro outro. Então, por exemplo, aqui no Brasil, nós estamos tentando aumentar o número das unidades, das cidades, aldeias, onde tem bahá’ís. Aqui em Brasília, nós temos trabalho em várias cidades satélites e até no contorno, junto com o Goiás, que a gente já está levando a educação espiritual para as crianças, preparação dos pré-jovens. Então esse espírito de pioneirismo, que, como você sabe, não temos sacerdotes, não temos missionários, que era a palavra que eu queria lembrar aquela hora, então são os próprios bahá’ís, então foi assim que meu pai, minha mãe, com três filhos, saíram do Irã. Meu pai saiu em [19]52, em 53, minha mãe e nós, três filhos, meu irmão mais novo tinha três anos, fomos como pioneiros para Marrocos, no Norte da África. Então, na verdade, eu não cresci muito no Irã, mas claro que eu sempre estive intimamente ligada, não só pela família toda que ficou no Irã, como, também, pela toda comunidade bahá’í, que é muito ligada a tudo o que acontece no Irã. E, então, muitos, centenas de bahá’ís iranianos, americanos, de outros países, foram... até 1963, que a gente chama de Cruzada de 10 Anos, de 53 a 63, a Fé Bahá’í foi estabelecida 132 no maior número de países que, até aquela época, não havia bahá’ís. E, de lá pra cá, tem se estabelecido em todos os países e sem chefe religioso, sem... é sempre o proselitismo. Então os bahá’ís vão lá, se estabelecem, começam a trabalhar, os filhos vão para escola, ele tem que ganhar a sua vida, porque é assim, o trabalho é obrigatório na Fé Bahá’í, é um dos princípios muito bonitos da Fé Bahá’í, então ninguém vive da religião. Hoje em dia, nós temos alguns planos onde algumas pessoas, por um período limitado, são deputizados, porque também temos essa orientação: se você gostaria de fazer um trabalho pela Fé, mas você está numa situação de saúde, do trabalho, da família, algum motivo que não pode ir, você pode deputizar, que dizer, pagar para que outra pessoa que tenha disponibilidade possa fazer isso no seu lugar, durante uns meses, um ano ou qualquer coisa que seja estabelecida entre os dois, através das instituições. Então as questões... [...] Você tenha cuidado para não se apaixonar pela Fé Bahá’í. Quer dizer... pode apaixonar.

LORENA: Pode! Pode, dona Guitty! Mas eu estou gostando muito de fazer essa pesquisa sobre a Fé Bahá’í e tanto da própria fé islâmica, que é muito interessante. E o Irã...

GUITTY: Tem um bahá’í daqui, o Hoeck Miranda, que publicou um livro sobre...

LORENA: Sobre a unidade das religiões, né?

GUITTY: Sim. Pode ler. Você vai gostar muito. Porque ele tem a visão que os bahá’ís têm do Alcorão, como um livro sagrado, como tendo trazido muita modernidade para a época que surgiu.

[...]

LORENA: [...] Então a senhora contou o povo da sua história, que a senhora foi para o Marrocos com a sua família, né? E, assim, depois de 79 até 91, a senhora soube, esteve próxima, a casos, assim, de prisões, de pessoas que, por exemplo, foram presas, tiveram problemas em relação ao governo, e se a senhora puder, quiser, compartilhar.

GUITTY: Sim. Claro! Eu tive também, porque eu estive intimamente ligada ao trabalho da comunidade bahá’í a nível nacional, em relação a isso, e vim várias vezes 133 representando a Assembleia Nacional aqui em Brasília, porque, na época, nós não tínhamos a sede aqui em Brasília, porque, na época, era no Rio de Janeiro, para falar com deputados, senadores e outras autoridades, porque, quando... lembra que falei que só quando a questão da perseguição aos bahá’ís chegou às Nações Unidas é que o Irã reconheceu que há bahá’í no Irã, porque, antes, negavam. Então, junto com essas visitas, houve realmente uma colaboração muito boa, quer dizer, houve muita sensibilidade por parte dessas pessoas que a gente compartilhou e houve discursos na Câmara, no Senado, sobre essa questão, pedindo ao governo brasileiro de que... houve uma votação... que tem uma comissão especial dos direitos humanos que se reúne em Genebra, e, aí, o Brasil sempre apoiou, votou em favor dos bahá’ís, depois, durante... quando houve mudança do governo, durante um período estão se abstendo, não estão votando. Mas, no início da Revolução, o governo brasileiro apoiou muito, inclusive votou em favor dos bahá’ís do Irã para que haja um rapporteur, alguém nomeado pelas Nações Unidas para ir no Irã visitar as pessoas, falar com elas, ir nas prisões, ver como está e vir a relatar, já que eles estavam negando que havia perseguição, e os bahá’ís diziam que não, que haviam mortes, haviam prisões, haviam... saqueavam casas. E o maior dano que eles causaram à comunidade bahá’í, além da morte de mais de 200 pessoas que eram, realmente, não eram os líderes, mas eram os servidores da Fé que estavam na linha de frente, que eram membros das instituições, e, de repente, uma comunidade de centenas de milhares de pessoas, que está acostumada a trabalhar com disciplina, conforme as orientações, ficou sem cabeça. Então, por três vezes, a Assembleia Nacional foi renovada. A primeira, eles roubaram e sumiram com as pessoas e, até hoje, não se sabe se estão vivos ou mortos. A segunda Assembleia Nacional foi presa, junto com os membros dessa Assembleia havia um membro, primo do meu marido, primo de primeiro grau, um dentista, Dr. Youssef [...], que foi... ele estava numa reunião, junto com os Yarã... não, desculpe... nessa época, não era Yarã, era Assembleia Nacional dos Bahá’ís do Irã. Ele foi preso junto e até hoje a gente não sabe se está vivo ou morto. A segunda Assembleia, então, foi presa e então mataram e foi informada. E a terceira, eles obrigaram a... porque a Fé Bahá’í não pode agir contra a vontade dos governos constituídos, os bahá’ís não fazem isso. Então, quando eles realmente ordenaram, todas as Assembleias, nacionais, locais, distritais, do Irã, que eram milhares, automaticamente se dissolveram e não se reuniram mais, não fizeram mais nada, em obediência ao governo. Então, por isso, que o próprio governo, depois, permitiu que sete membros sejam nomeados e reconhecidos pelo governo para atuar como 134 membros. Então os Yarã eram dentro da lei, eles tinham recomendado e aprovado, porque eles...

LORENA: Isso na década de 80?

GUITTY: Sim. Não sei se é bem 80, talvez você tenha que ver a data certa, não sei se é 80 ou 90, talvez mais tarde. Eu sei que, durante um tempo, a comunidade ficou sem cabeça, vamos dizer. E aí, realmente, surgiram problemas sérios, porque quem casavam os bahá’ís eram as Assembleias Locais, quem ajudava nos enterros, quem... quando as pessoas estavam doentes, quando acontecia uma desgraça numa aldeia, sempre, os bahá’is organizadamente, resolviam. Então, com isso, ficou... eles mesmos permitiram e sugeriram que os Yarã fossem formados e começassem a trabalhar, então, durante alguns anos, eles realmente se incumbiram e fizeram um trabalho muito bom. E aí, um dia, acho que eles viram que a comunidade continua com rigor, apesar de tudo o que eles tinham feito. Eu ia falar desse outro desse outro golpe muito assim forte e danoso que eles deram na comunidade foi a proibição dos jovens bahá’ís irem para a universidade. Então nós já temos duas gerações de bahá’ís que não tiveram acesso às universidades formais, os que podiam, alguns foram estudar fora, os que puderam também aproveitaram aquela BIHE, durante muitos anos, mas que também foi desfeita, foi destruída e aniquilada. A educação e a instrução é um princípio da Fé Bahá’í, e é por isso que, em um século, a comunidade bahá’í realmente era... então vamos chegar ao terceiro motivo da perseguição bahá’ís. Primeiro que, até o ano [19]50 mais ou menos, a comunidade bahá’í conseguiu acabar com o analfabetismo dentro da comunidade bahá’í, inclusive das mulheres, enquanto que, lá fora, mais de 80 ou 90% eram analfabetos. Então isso muda a vida da família, a educação dos filhos, a visão, então a comunidade bahá’í se sobressaiu e, se quisesse, realmente, participar de política, eles poderiam ocupar posição, muitas vezes foi proposto, [...] posições, assim, de ministro, de... o próprio médico do xá, que sempre acompanhava ele, era um bahá’í. Mas, como não era cargo político, ele podia exercer, ele era médico, cuidava da saúde do xá. Muitos, assim, dos chefes dos bancos, os tesoureiros, muitos eram bahá’ís, porque eles mesmos confiavam, porque eles sabiam que seriam pessoas honestas, que vão trabalhar com afinco e que vão realizar as coisas. Então, quando você, numa comunidade atrasada, com um monte de pessoas que ainda vivem de superstição, de fanatismo e de crendices, vê pessoas, tanto a nível das aldeias, das cidades, das capitais, 135 se sobressaírem, naturalmente, chama um pouco de inveja, de “eu quero o você tem”, “por que você tem, e eu não tenho?”. Então o governo aproveitou disso também, os chefes religiosos principalmente, eles incitavam, até hoje fazem isso... porque você vê... eles tentaram fazer o que o nazismo fez com os judeus, quer dizer, estrangular, não só fisicamente como economicamente, a comunidade bahá’í e, através da interdição dos jovens também para a educação, entendeu? Quer dizer, tirar todos os meios de sobrevivência e de evolução e de crescimento da comunidade bahá’í. Como que você sobrevive? Mas eles conseguiram sobreviver, não só porque se solidarizaram, como é na Fé Bahá’í, e porque... eu não posso dizer, eu não posso falar isso, mas eu tenho certeza que, quando houve necessidade, outros bahá’ís, de outros países, também devem ter ajudado financeiramente, porque você não vive sem comer, é necessidade básica de qualquer ser humano. Então os bahá’ís não se desesperaram. Quer dizer, tenho certeza que alguns deles também devem ter recantado a sua fé para poder sobreviver, não serem mortos, mas 99% da comunidade permaneceu firme, aceitou, se submeteu, obedeceu. E, agora, estão fechando as lojas, quer dizer, mais uma vez tirando o meio de subsistência das pessoas. Outra brincadeira que eles inventaram, essa coisa de tipo sequestro. Eles levam para prisão um bahá’í que tem posses ainda, que tem casa, tem chácara ou aldeia. Existiam aldeias bahá’ís, onde as pessoas cultivavam, viviam etc. “Se você der a escritura da sua casa, você é livre”, então muitos tiveram que renegar até as suas próprias posses para poder saírem de prisão, os que tinham. E tem repetido isso, então, se você ainda tem, se você deu a sua casa, deu ainda... sei lá... deu um apartamento alugado em algum lugar, você pode ir preso novamente e “ah, se você der a escritura de apartamento, você é livre”, muitas vezes, a pessoa dá, porque tem que voltar e cuidar da família. Mulheres têm ido para a prisão, até hoje, mulheres têm ido com criança pequena, recém-nascido, nas prisões, porque são bahá’ís. Então isso desde início foi, aconteceu, e isso cada vez, assim... eles tentaram, para poder disfarçar e não ser revelado, formas e maneiras mais ocultas de fazer essas coisas. Então, depois que houve esse relator das Nações Unidas sobre as mortes e tudo, praticamente eles não têm matado pessoas, mas, de vez em quando você vê, numa cidade mais afastada da capital, alguém é morto, mas depois eles dizem que foi um bandido, foram ladrões. Eles procuram disfarçar, não como perseguição religiosa, mas como um fato corriqueiro de violência, mas é raro acontecer. Mas tem mais de 200 bahá’ís ainda na prisão, como mulheres, jovens, com crianças, com bebês, que estão amamentando. Então, quando... voltando à sua pergunta... nos anos 70, 80, eu estive 136 aqui e fiz essas denúncias, outros amigos bahá’ís, claro, também que vieram juntos e depois a Assembleia Nacionais se mudou para Brasília, um amigo bahá’i foi para a embaixada iraniana para renovar o seu passaporte, nós todos tínhamos passaportes iranianos. Essa era outra coisa que... outra acusação... que os bahá’ís renegavam a sua nacionalidade iraniana e que se tinham convertido em outras nações, mas não era verdade. Eu e meu marido, por exemplo, só fomos nos naturalizar brasileiros em 82. Aí, porque realmente já era impossível viajar com passaporte iraniano, porque você ou era preso ou ficava numa sala fechada durante horas para ser questionado, para ser revisado, porque, de repente, os iranianos foram sinônimos de terroristas. Então os bahá’ís foram obrigados a trocar, foi quando, realmente, em massa, as bahá’ís no mundo todo, mudaram de nacionalidade para poder sobreviver, para poder viajar, para viver a sua vida. Aí, lá na Embaixada, um funcionário disse: “quem é essa dona Guitty Milani que anda espalhando essas mentiras e essas calúnias sobre o nosso país e sobre os nossos dirigentes?”.

LORENA: Isso, no Brasil?

GUITTY: No Brasil, na Embaixada do Irã aqui em Brasília. E aí, aquele senhor, claro, não disse que me conhecia, mas, porque eu era bahá’i, ele, claro, me conhecia. Mas depois, quando ele viu, falou: “olha... tenha cuidado! Acho que o seu nome está na lista negra da Embaixada”. Eu faria um mal para estar na lista negra! Então é isso. A gente, realmente, está longe, mas estamos sempre informados sobre o que acontece e temos familiares, todos nós, muitos dos bahá’ís, que moram aqui em Brasília mesmo, tiveram tios, primos, martirizados agora, fazendo parte dos 200... como eu falei do primo do meu marido também. Um tio meu que mora no Irã também foi várias vezes preso, mas, como era engenheiro de construção, soltaram ele para construir uma ponte. Então é isso.

LORENA: [...] Então, assim, bem objetivamente, o que a senhora entende que mudou a partir da Revolução? Assim, em relação ao tratamento aos bahá’ís mesmo, com a ruptura do processo histórico.

GUITTY: Eu acho que todos esses fatos que a gente está falando, essa perseguição sistemática que tinha como objetivo acabar com a comunidade bahá’í no Irã, acho que o objetivo foi esse. É claro que eles estão super zangados, super frustrados, porque não 137 conseguem nem vão conseguir, apesar que saíram milhares de jovens bahá’ís, principalmente por causa da guerra, para não irem para a guerra, mas muitos também foram para a guerra, foram mortos, porque claro que eles colocavam os bahá’ís na linha da frente. Sempre houve. Eu, para ser sincera com você, eu vou dizer que desde 1844 sempre houve perseguição contra a Fé Bahá’í no Irã. Às vezes mais secretamente, às mais abertamente, às vezes, assim, mais suavemente, olha... eu era criança, tinha 10 dez anos, e estava na escola no Irã, só para ver o meu próprio exemplo. Na capital no Irã, num dos colégios melhores de Teerã, porque estava adiantada, tinha entrado na escola mais jovem de que normalmente que as outras crianças, que só começavam com sete anos. Então uma das matérias que se estuda nas escolas, obrigatoriamente, é aprender a ler o Alcorão e entender as leis do Islã, isso parte do programa de todas as escolas iranianas. Na sala onde eu estudava, na quinta série, havia quatro... era escola de meninas, na época também era separado meninos e meninas. Éramos quatro meninas bahá’ís, então, no primeiro dia que essa professora entrou... da matéria, entrou na sala, ela disse assim: “eu quero que quem é judeu, cristão ou outra religião...”, mas não pronunciou nem a palavra bahá’í, porque vai sujar a boca deles... “... outras religiões, que se levantem.”. Aí, nós quatro levantamos e acho que tinha mais duas ou três de outras religiões. E ela falou: “todos podem sair, porque nós vamos estudar o Alcorão e não tem nada a ver com vocês. Vão embora”. Aí, as outras meninas saíram e nós quatro ficamos. Aí, ela perguntou: “por que vocês não saíram também? Quem são vocês? Qual é a sua religião?”. Eu lembro que uma de nós falou: “olha... nós somos bahá’ís e, como bahá’ís, acreditamos no Alcorão, aceitamos também a sua santidade Maomé e nós gostaríamos de aprender o Alcorão e de aprender as leis, por isso que nós não saímos”. Quando ela viu que nós quatro resistimos, ela mandou nós quatro sentarmos lá no final da sala, e nunca nos questionou, nunca olhou os nossos deveres, porque eles acham que os bahá’ís são impuros, então eles não chegavam perto de nós, mesmo que... então esse era o tipo de comportamento com uma criança de 10 anos ou 12 anos talvez as meninas tinham, devia ser um pouco mais. Isso, na época do xá, vamos dizer, mais ou menos nos anos 50, 52, foi logo antes da gente sair do Irã. Então você vê se esse é o tipo de tratamento naquela época, que os bahá’ís tinham muita liberdade, com uma criança bahá’í, imagine como que não eram perseguidos, no trabalho, na universidade, enfim... em tudo.

138

LORENA: Inclusive eu encontrei alguns documentos, porque agora tem um site especificamente sobre... eles postam documentos sobre a perseguição. E tem várias cartas das empresas mandando os funcionários embora porque, explicitamente escrito “porque vocês são bahá’ís”. Assim, até em relação a isso, dona Guitty, já pegando o gancho para outra questão... A senhora já havia comentado também sobre os muçulmanos que ajudaram os bahá’ís, e como a senhora entende que essa divisão da população, como a população persegue, como a população auxilia? Também tem a questão do terror psicológico, do medo...

GUITTY: Então, aí, você vê como a mão de Deus trabalha. Porque através dessas calúnias que sempre inventaram sobre os bahá’ís. Uma outra questão que os muçulmanos dão muita, muita, importância é a questão da lealdade familiar, no sentido de que, por exemplo, para um homem, a mãe e as irmãs são sagradas. Então eu não sei se houve ou se teve, deve ter sido muito rara, a questão do incesto no Irã, então é uma coisa sagrada. Então o que eles inventavam contra os bahá’ís? “Ah, os bahá’ís... os bahá’ís não têm moral, nem obedecem leis, porque eles se reúnem, apagam as luzes e ninguém sabe o que acontece nas reuniões deles”. Claro que era uma difamação. “E também nem respeitam mãe nem irmã”. Eram coisas, assim, de atingir a dignidade e a moral, e a honra, da pessoa. Então, se você se aproximar de um bahá’í, se você tomar um copo d’água que ele te deu, se você, principalmente, toma chá na casa... porque, no Irã, o costume é se oferecer um chá, como aqui se oferece um cafezinho. Mas então “se você tiver ou chegar na casa de um bahá’í, nunca, nunca, toma um chá, porque esse chá tem, assim, uma composição que vai enfeitiçar você. E aí, você não vai mais reagir às mentiras que eles vão te falar”. Inclusive o meu marido contava isso, que, no Irã, além do açúcar como a gente tem aqui, tem também pedaços de açúcar duros, que você coloca na boca e toma o chá. O açúcar não é colocado no chá para não estragar o sabor do chá, então o açúcar é colocado na boca somente para adoçar a boca enquanto você toma o chá. E aí, “quando você for tomar o chá, eles, furtivamente, vão jogar um desses pedaços de açúcar na sua boca e aí, então, você não vai reagir mais nada, você nem vai reagir mais sobre o que é certo e o que é errado”. Então, duma maneira geral, os muçulmanos evitavam, assim, de toda maneira, nem falar com vizinhos. Então isso também forçou uma vida comunitária bahá’í muito mais fechada, porque, como não podiam viver com outros, que os tratavam mal, achavam que eram impuros... por exemplo, você não poderia sentar numa cadeira de ônibus ou da 139 casa, se antes um bahá’í que tivesse com a roupa um pouco molhada tivesse sentado nessa cadeira, porque você, sentando, pegaria aquela umidade que aquele bahá’í tinha deixado na cadeira e você ia se tornar... sabe? Coisas assim.

LORENA: Mas que são espécies de mitos que vão permeando a própria população.

GUITTY: Exatamente. Por exemplo, nos dias de chuva, no Irã... isso mesmo antes da Fé Bahá’í... os judeus nem poderiam sair muito na rua, porque eles poderiam encostar num muçulmano e deixar o muçulmano impuro. Então não sei se você viu alguma parte daquela novela que mostrou uma parte da Índia.

LORENA: Era na Globo, né? Um tempo atrás.

GUITTY: Isso, na Globo. Um tempo atrás. Aí, mostrava justamente crendices assim, tão bestas. Então os povos orientais têm muitas crendices assim, coisas que... totalmente absurdas. Então tudo isso era colocado como em relação aos bahá’ís, então os bahá’ís ficaram, cada vez mais, entre si mesmos, sobressaindo nas escolas, os primeiros alunos das escolas, das universidades, dos concursos. E isso tudo chamava a atenção e a admiração de muitos, mas eles tinham medo de se aproximar dos bahá’ís. Alguns, assim, menos atrasados ou mais evoluídos ou mais instruídos acabaram que sempre se davam com os bahá’ís. Mas essa perseguição que eles começaram no Irã foi o maior fator de abrir os olhos da sociedade iraniana em relação aos bahá’ís, porque eles começaram a ver... por exemplo, se você é vizinha de uma família, durante 20 anos, você nunca ouviu um grito lá, nunca ouviu uma mãe bater numa criança, nunca viu marido e mulher, vamos dizer, brigar, se machucar, nunca viu a polícia vir, e você realmente sente que é uma família honesta vivendo, trabalhando, faz tudo direitinho, mesmo que você não se relaciona, mas você cria uma percepção em relação a eles. E aí, depois que os bahá’ís foram presos e as coisas começaram a acontecer, os muçulmanos despertaram, falaram: “poxa vida! Esses nossos vizinhos eram pessoas tão boas. Por que fizeram isso com eles? Levaram marido e mulher para prisão e deixaram as crianças sozinhas, destruíram a casa deles, destruíram os livros”. E aí, começaram a se sensibilizar. Hoje em dia, a percepção dos iranianos é totalmente diferente, não vou dizer de todos, mas, talvez, da maioria. E eles, agora, procuram os bahá’ís, apesar de ser [...] e apesar de ser proclamada, essa coisa 140 toda... mas mudou totalmente. Isso foi o milagre que a mão de Deus realizou, não foram os bahá’ís. Por exemplo, nas prisões onde estavam os Yarã, tanto de homens como de mulheres, estavam, também, como eu falei da jornalista americana, foram parar lá também nas prisões iranianas. Muitos líderes também dos movimentos dos direitos humanos, dos direitos das mulheres, de escritoras, de escritores, de poetas, de pessoas assim de alta cultura... que também as pessoas que são de cultura realmente não são de acordo nem nunca estiveram de acordo com o que eles estavam fazendo, mesmo sendo muçulmanos. E, na prisão, observaram os bahá’ís. Porque eles eram pessoas dignas, com qualquer situação que fosse, nunca brigavam, nunca se queixavam. Se era médico, ele começava a atender os outros presos. Se era professor, começava a ensinar inglês pros outros. Entende? Então todos eles foram cativados pelo comportamento e a moral e a conduta dos bahá’ís, tanto que, não sei se você lembra... quando a Fariba [...], uma das Yarã, a mais nova, ela recebeu uma semana de saída de prisão para conhecer o neto que tinha conhecido, a filha de um dos aiatolás mais proeminentes, que está no poder, foi visitar ela, na casa dela, foi fotografada e isso foi um escândalo maior. Eu, outro dia mesmo, estava ouvindo uma fala de um outro aiatolá que “isso aqui não é somente reprovável, que a filha de um aiatolá vá visitar uma herege, na casa dela, como deveria ser punido pela justiça um comportamento tão desviado como esse”. Por quê? Porque ela conviveu na prisão com as mulheres bahá’ís e só viu coisas que agradaram o coração dela. Entendeu? Então tanto essa elite que está na prisão viu o comportamento e a moral dos bahá’ís como os vizinhos, os colegas, os conhecidos, enfim, todos eles perceberam e mudou, está mudado. A opinião dos muçulmanos em geral no Irã, hoje em dia, é outra dos bahá’ís. E isso que é o grande milagre, que, apesar de todo o sofrimento... como sempre acontece quando, assim, uma coisa que justa, é verdade, é perseguida, essa verdade se espalha mais. Você não consegue apagar a luz de Deus no coração das pessoas porque você... porque você acha que é bom. Essa luz vai iluminar, e está iluminando. Então esse sofrimento todo fez com que os bahá’ís, hoje, são vistos com outros olhos, são procurados, são ajudados.

LORENA: E, inclusive, eu vou trazer essa questão, porque, da mesma maneira que tem esse processo de... essa teoria que estou usando se chama teoria da securitização. Existem esses discursos e esses atos contra a comunidade bahá’í. É uma espécie de pirâmide, então vão acontecendo os processos, o movimento, até chegar na agenda de segurança... na 141 verdade, começa como não politizado, mas, como, desde sempre, a comunidade foi perseguida, então eu vou começar com ela já como politizada, até a agenda de segurança. Então, da mesma maneira que existem os agentes que elevam, existem agentes que tentam dessecuritizar, no caso. Então são poucos, né? São poucas informações e declarações que eu vou conseguir pegar sobre o apoio aos bahá’ís, mas existem, de aiatolás.

GUITTY: Sim. Aiatolás mesmo. Inclusive tem o aiatolá [...]. O aiatolá [...] chegou até a mandar um presenta para a Casa Universal de Justiça. Imagina! E, até hoje, eu acredito fielmente no meu coração que ele não foi morto porque ele sabe que a coisa ia estourar no mundo todo. Outra coisa que irrita muito eles, que irritou desde o início, que qualquer coisa que eles fizessem, por mais escondida que fosse, essa notícia chegava no Centro Mundial e, de lá, pro mundo inteiro. Os bahá’ís abriam a boca pro mundo todo. Então eles ficam furiosos: “como eles conseguem?”. Então, para eles, era um enigma que, até hoje, eles não sabem.

LORENA: Mas que foi até uma questão que... teve o seminário que o sr. Iradj, no dia 4 desse mês, e a gente conversou bastante no seminário e tinha exatamente uma coisa que ele falava também que é sobre como, por exemplo, nesse processo de globalização, as pessoas ficam sabendo e as outras nações começaram a pressionar. E foi até uma conclusão que tivemos, que a gente trabalhou, que o governo até procurou fazer uma espécie de uma nova perseguição mais escondida, a partir do Memorando, que apoiou isso.

GUITTY: Exatamente. Eu vou só dar o exemplo do Brasil, que eu conheço melhor. O Brasil estava votando a favor dos bahá’ís. O que eles fizeram? Mudaram o embaixador, mandaram outros, assim, mais muçulmanos, vamos dizer, começaram a dar bolsas de estudo para jovens iranianos, aumentaram o comércio, começaram a comprar mais frango [...]. Quer dizer, vieram com uma proposta cultural e econômica interessando, cada vez mais, o governo brasileiro, que chegou até o ponto de absurdo de Lula convidar o primeiro-ministro, que esteve aqui no Brasil, depois Lula foi para o Irã. Quer dizer, eles compraram o governo brasileiro, desde então, como a diplomacia brasileira conhece bastante a situação dos bahá’ís, então, quer dizer, nunca votaram contra, mas abstiveram. Então, isso aqui foi um golpe, porque, na votação, o que vale é o que aceitam ou rejeitam, 142 as abstenções não contam. Então o Brasil caiu fora. Mas por quê? Porque eles fizeram um outro movimento, que foi através de aumentar o comércio com o Brasil e dar essas bolsas de estudos, mandar alguns... chegaram ao ponto de ensinar iraniano na UnB. Acho que até hoje tem aulas de iraniano. Imagina o interesse de um brasileiro aprender iraniano. Tudo bem pra quem quer entrar, vamos dizer, na política estrangeira, na diplomacia, mas é uma coisa bastante, assim, inédita.

LORENA: Por que o farsi é específico do Irã. Não é falado em outro lugar.

GUITTY: Então, você viu, eles mudaram, porque viram que a violência, assim, crua... eles incitavam, vamos dizer assim, a indignação de outros povos... “ah, não vai dar por aqui, mas vamos dar a volta por ali, mas nós vamos chegar lá”. E conseguiram. Tanto conseguiram aqui como devem ter conseguido em outros países. Mas, graças a Deus, até hoje, tem o relator, que se chama rapporteur, esse relator que vai no Irã e, todo ano, vê e dá um relatório para as Nações Unidas, e eles reconhecem tudo isso que está acontecendo. [...] Eu encontrei um desses relatores, ele esteve no Rio, acho que foi no fim dos anos 90. Ele tinha vindo também para um outro evento de direitos humanos e eu fui ao Rio, ele era da Tunísia, era muçulmano, mas era relator das Nações Unidas e ele me falou de coisas assim, de que ele foi na prisão.

LORENA: Ele esteve na prisão?

GUITTY: Sim. Ele visitou as famílias bahá’ís fora da prisão, falou com os presos, falou com as famílias cujos entes queridos tinham sido executados e tudo, então ele sabe de tudo.

LORENA: E o tratamento é de questionários, tortura...?

GUITTY: É isso. Mas, quer dizer... os bahá’ís são o que são e trabalham assim, numa linha coordenada pela Casa de Justiça e, agora, a reação deles é deles, a gente faz o nosso trabalho. Porque a única maneira que a gente tem de proteger os bahá’ís no Irã é justamente abrir a boca e denunciar e fazer oração também, que a gente faz muito. O resto, realmente, eles estão na boca do lobo, não tem outro jeito. Agora, aqui no Brasil, 143 tem também muitos jovens que vieram como refugiados, não sei se você teve a oportunidade de falar com algum deles.

LORENA: Eu mandei mensagem, telefonei para algumas pessoas e eles vão responder aquele questionário que eu mandei para a senhora, que seria o modelo. Tem um questionário que eles estavam respondendo. E, então, eu conversei um pouco com a Hasti, já respondeu, o Payman, já mandou o questionário dele. Tem uma jovem que veio para o Brasil em 2014, que se casou, eu acho que o nome dela é Negar, ela também contribuiu.

GUITTY: Ela ficou mais tempo no Irã, eu saí quando criança, mas tem gente que viveu lá e passou por tudo isso.

LORENA: Eu entrei em contato também com o Mohsen, que ele vai me mandar hoje. O Pejman também.

GUITTY: Então você já tem bastante informação. Vai ser uma tese a se olhar.

LORENA: E essa entrevista da senhora eu também vou anexar na minha pesquisa, se a senhora me permite.

GUITTY: Sim. Mais que a lista preta não tem mais. 144

ANEXO A – Ata de Reunião dos aiatolás Shirazi e Tabataba’i-Qumi107

[PROVISIONAL TRANSLATION FROM PERSIAN]

[Translator’s notes appear in square brackets] [Personal information has been redacted.]

[The excerpt translation below is of the section of the article that relates to the Baha’i Faith]

[Newspaper] Ettelaat Tuesday 15/12/ 1357 [6 March 1979] Number 15801 [Page:] 3 Discovery of Espionage Activities in Mashahd, to the benefit of Israel … During a consultation between His Highness Ayatollah Shirazi and His Highness Ayatollah Tabataba’i-Qumi, it was stated that some evidence have been discovered at the Baha’i centre of Khorasan which suggests espionage activities for Israel. … Espionage Activities for Israel Mashhad- His Highness Ayatollah Shirazi and His Highness Ayatollah Tabataba’i-Qumi

107 Disponível em: . Acesso em: 31 maio 2018. 145 had a meeting and consulted with each other. At this meeting, which lasted for several hours, important issues and problems relevant to the province and its people were examined. The two Marja‘-i-Taqlíd’s1 discussed the documents discovered at the Haziratu’l-Quds 2, that suggested espionage activities for the benefit of Israel. During this discussion, which occurred at Ayatollah Shirazi’s house, he stated: “We do not consider Baha’ism to be one of the religious minorities”. During this one-hour consultation, both of these two supreme authorities approved the occupation of the Baha’i centres and the acquisition of their documents, which would reveal their evil plans. Ayatollah Tabataba’i-Qumialso said: “Baha’ism has always played a part, in various regions, as a spy for the United Kingdom, Russia, the United States and Israel. Their collaboration with Judaism is clearly evident and I approve the occupation of their centres of activity”.

1[Marja‘-i-Taqlíd: Source of religious authority] 2 [Baha’i centre]

IRANBAHAIPERS ECUTION.BIC.OR G 146

ANEXO B – Convite para a Comemoração do Aniversário do Mahdi (Décimo Segundo Imã)108

[PROVISIONAL TRANSLATION FROM PERSIAN]

[Translator’s notes appear in square brackets] [Personal information has been redacted.]

The great warrior, Ayatollah Allameh Nouri stated:

From the scientific [theological] as well as the Islamic point of view, we regard the “Israeli Embassy” and the “Haziratu’l-Quds”1 as one and the same thing. The headquarters of the Haziratu’l-Quds is an ideological and a rational extension of Jewish Cabbalism, as well as a political extension of Zionism and Imperialism against the Islamic Community. Islam, the Islamic Community, and science do not recognize this centre as a “religious centre”, nor do they regard the ideology related to this centre as a “religion”. Participation in the celebration of the birth of the Lord of the Age, Hojjat-ibn-al-Hasan “the Mahdi” in such a centre, which considers its entire existence built upon the termination of Islam and the Mahdi, is a universal religious duty towards the actual manifestation and expansion of the Islamic Revolution.

The Celebration of the Birth of Hojjat-ibn-al-Hasan, the Lord of the Age, in the Former Haziratu’l- Quds Compound.

From all Islamic Associations - distinguished high-ranking Scholars and Preachers, all

108 Disponível em: . Acesso em: 31 maio 2018. 147 vigilant and devout Muslims, men and women alike throughout Tehran, and members of the Islamic government, Islamic parties and groups, although [they may attend] celebrations held in other venues, are invited to also regard attendance at this particular festivity as an extraordinary religious duty.

The esteemed Ayatollah Allameh Nouri will be attending this gathering and will be speaking about “Mahdism, the perfect dawning place of the Islamic Revolution” and the jihad against Imperialism, Zionism, and Cabbalism.

Time: Tuesday 15 Sha’ban – 19 Tir 58 [10 July 1979] from 6 to 9 p.m.

Venue: Tehran, Hafez Ave., opposite the polytechnic The Provisional Centre for Islamic Propagation for various Islamic groups

1 [Bahá’í Centre]

IRANBAHAIPERS ECUTION.BIC.OR G 148

ANEXO C – Publicação do Jornal The Baltimore Sun sobre a “Holly War”109

HOLY WAR The Baltimore Sun May 8, 1984 Ayatollah Khomeini is waging a systematic and brutal holy war against Iran’s Baha’is – imprisoning, torturing and executing leaders and worshipers – solely for their religious convictions. But who cares about the Baha’is of Iran? Hardly anyone Hardly anyone, in fact, even knows that Ayatollah Ruhollah Khomeini is waging a systematic and brutal holy war against his country’s Baha’is – imprisoning, torturing and executing leaders and worshippers – solely for their religious convictions. Elliott Abrams, assistant secretary of State for Human Rights and Humanitarian Affairs, last week characterized the regime’s actions as “sickeningly reminiscent of Nazi Germany” before the Holocaust. A resolution condemning Iran has gathered 140 signatures in the House and 60 in the Senate. More than 170 Baha’is have been executed since the ayatollah came to power – three last month, 20 in the last year – and today 703 languish in jail awaiting trial or serving sentences. The dead were Baha’i leaders, university professors, businessmen, young women, and the elderly. But most of the world doesn’t even know what a Baha’i is, much less the story of their persecution. Baha’ism was founded in Iran in the 1840s, when a prophet named Baha’u’llah, preaching world unity, pacifism and tolerance, split off from the Shi’ite Muslims. His followers now number about 2 million worldwide, including 300,000 in Iran, 700,000 in India and 100,000 in the United States. The world center for Baha’is is in Haifa Israel, something the Shi’ites like to emphasize when they accuse members of “crimes against God,” “corruption on earth” and “Zionism.” Americans who thought that anything would be better than the iron- fisted rule of the shah should know that his regime at least allowed the religion to exist. But in August, 1983, Khomeini’s Revolutionary Prosecutors General announced that “all the collective and administrative activities of Baha’ism in Iran are banned … “And that was really just an official announcement of what had already been the case for several years. Here’s how the presiding judge of the Revolutionary Court explained death sentences returned against 22 Baha’is a year ago: “It is absolutely certain that in the Islamic Republic of Iran there is no place for Baha’is or Baha’ism … Before it is too late, the Baha’is should recant Baha’ism, which is condemned by reason and logic” Here’s their

109 Disponível em: . Acesso em: 31 maio 2018. 149

“logic” – In Islam, Mohammed (A.D. 700) is the last true prophet. Any faith established since Mohammed (like Baha’ism) is deemed false. In fanatically religious Iran, false prophesy means death. Take it from there. Two examples further illustrate how the ayatollah operates his machine of persecution. On April 6 of last year, an Iranian newspaper published the report of a purge in the country’s oil ministry. Charges included collaborating with SAVAK, the shah’s secret police; immorality; membership in organizations which denied the existence of God; bribery; etc. More than half the totals dismissed were charged with belonging to” the misguided group of Baha’ism … a heretical group outside Islam.” It’s one easy step for the ayatollah from meanness to murder. At a congressional hearing last week in Washington, a Texas restaurant operator who left Iran six years ago described getting the news in June, 1983, that his father, mother and sister had been hanged. Said Eshraghi testified that his father, an oil company employee, was charged with spying for Israel – the senior Eshraghi had once made a pilgrimage to the world Baha’i center there. His mother was charged with complicity. The sister was charged with teaching Baha’i Sunday school. Each was offered clemency if they would renounce their faith; they refused and, after a few months in prison, were hanged. Baha’is in hearing room cried openly during the testimony. Later, many expressed concern that their families back in Iran face similar ends. “At any moment someone might come from the Revolutionary Guard to take my parents away,” Elahe Nourani, 29, told me. She left Iran with her husband before the revolution, but her parents, whose passports have been confiscated, can’t leave. Of course Baha’is aren’t the only group persecuted in Iran – Jews, Christians, Zoroastrians and others have been harassed, jailed and , in some cases, executed( though not explicitly for their religious convictions). Amnesty International estimates that more than 5,500 Iranians have been killed since Khomeini triumphantly returned on February 1, 1979. Still, the State Department calls the human rights problem of Baha’is in Iran “one of the worst in the world.” What can be done? The Baha’is publicly announced they were obeying the prosecutor general’s decree and are no longer assembling. But that didn’t stop the arrests or executions; nor did the strong protests by President Reagan last summer before 17 Baha’is were publicly hanged. The Unites States must pressure its friends who have close diplomatic or economic ties to Iran – notably Japan and India – to call on the ayatollah to end the atrocities. And U.S. corporations again trading with Iran (they sold more than $190 million in goods last year) should attach a note with their sales saying the same thing. Finally, it wouldn’t hurt if the same American activists promoting liberation elsewhere put up a few posters or marched a few miles on behalf of the Baha’is. 150

ANEXO D – Publicação do Jornal Ayandegan “300 Protestors Made Threats”110

[PROVISIONAL TRANSLATION FROM PERSIAN]

[Translator’s notes appear in square brackets] [Personal information has been redacted.]

300 Protestors Made Threats. The Baha’is of Gata in Yasuj were threatened that their belongings would be looted if they did not convert to Islam. Yasuj – Ayandegan Reporter – Following demonstrations, over 300 of the residents of Lower Boyer Ahmad moved to the area of Gata, within 90 kilometres of Yasuj, besieged the area, and asked its residents who are Baha’is to convert to the Muslim Faith. The demonstrators threatened the residents of Gata that their belonging would be looted if they refused the call to convert to Islam. In the meantime, Yasuj’s religious leader, Ayatollah Malak Hoseini, accompanied by the police commander of this town, Lieutenant Bagheri, and other members of the police force, attended the demonstrations in Gata, and by Ayatollah Malak Hoseini’s intercession, the demonstrators gave up their violent [activities] and were dispersed.

IRANBAHAIPERSECUTI ON.BIC.O

110 Disponível em: . Acesso em: 31 maio 2018. 151

ANEXO E – Publicação do Jornal Australian Weekly “Bahá’ís Victims of the Ayatollah’s Drive”111

AUSTRALIAN WEEKLY MAY 26, 1981 BAHA’IS VICTIMS OF THE AYATOLLAH’S DRIVE BIZHAN VAHDAT is a softly spoken, 44-year-old, Iranian-born computer expert who has lived in Australia since 1967. He carries with him a great sadness, for in April this year his father was executed in Shiraz in Iran, charged only with the crime of membership of the pacifist Baha’i faith. Bizhan’s 79-year-old mother has been in an Iranian jail in Shiraz for 12 months. In that time she has suffered two strokes and her weight has gone from about 82.5 kilos to 44.5 kilos. Bizhan sends money to Iran so that food may be bought for his mother. Otherwise, he is sure; she would not have survived even until now. Bizhan’s mother’s only offence is, similarly, membership of the Baha’i faith. Among the many perfidies of the Ayatollah Khomeini’s regime in Iran perhaps the greatest has been the systematic persecution of religious minorities. Christians and Jews could hardly be said to have had an easy time of things in Iran under the Ayatollah, but the group which has suffered the most has certainly been the Baha’is. The Baha’i faith broke away from Islam in the mid- 19th century. Its home is Iran, and there are more than 200,000 Baha’is there. Because they broke away from Islam they are viewed by fanatical Moslems in a worse light even than Christians or Jews. There is an active Baha’i community in Australia, numbering several thousands and spread throughout 350 different centers, with the headquarters located at their one Australian house of worship-a large, concrete, mosque like temple in the northern Sydney suburb of Ingleside. Australian Baha’is have been successful in getting the Australian Government to protest internationally against the treatment of their co-religionists in Iran. Former Foreign Affairs Minister Andrew Peacock and several Baha’i delegations, and instructed his department to call in the Iranian charge d’affaires to protest against the systematic persecution of Iranian Baha’is. The present minister Tony Street has also met a delegation of Baha’is. On March 9 the Australian delegation to the United Nations Commission on Human Right protested strongly against Iranian violations of human rights, and referred specifically to the Baha’is. On March 26 the Australian Senate unanimously passed a resolution deploring “the continued persecution of religious minorities in Iran, particularly the large community of Baha’is…” Bizhan Vahdat’s 28-year- old sister, a pathologist who is not allowed to work at her profession in Shiraz, obtained an interview with the Ayatollah Khomeini’s brother-in-law, a prominent member of the Iranian Government in Tehran, and was given a sympathetic hearing and a letter saying that Moslems should be tolerant of religious minorities including the Baha’is. What she presented this to the local authorities who were holding her father in Shiraz, they were outraged that a woman should have been so bold as to meddle in these affairs and she herself was jailed. She was not released until several days after her father had been

111 Disponível em: . Acesso em: 31 maio 2018. 152 executed. This episode is indicative of the breakdown of authority within Iran Bizhan stresses that the Baha’is have had political opposition to the government in Iran, but only wants to obtain the freedom to practice their faith. There are more than 100 Iranian Baha’is in Australia, and all are desperately worried about plight of their friends and families in Iran, because of this fear, the Australian Baha’i National had until recently forbidden them to speak to the Press. They had believed the situation to be so desperate that they must try to gain maximum publicity for their cause. Bizhan Vahdat hopes that his mother will be released from jail and that she and his sister will join him in Australia. It was his father’s last wish. THE BULLETIN, MAY 26 1981 153

ANEXO F – Memorando Golpaygani112

The ISRCC document [Translation from Persian] [Text in square brackets added by translator] In the Name of God! The Islamic Republic of Iran The Supreme Revolutionary Cultural Council Number: 1327/.... Date: 6/12/69 [25 February 1991] Enclosure: None

CONFIDENTIAL Dr. Seyyed Mohammad Golpaygani Head of the Office of the Esteemed Leader [Khamenei] Greetings! After greetings, with reference to the letter #1/783 dated 10/10/69 [31 December 1990], concerning the instructions of the Esteemed Leader which had been conveyed to the Respected President regarding the Bahá’í question, we inform you that, since the respected President and the Head of the Supreme Revolutionary Cultural Council had referred this question to this Council for consideration and study, it was placed on the Council’s agenda of session #128 on 16/11/69 [5 February 1991] and session #119 of 2/11/69 [22 January 1991]. In addition to the above, and further to the [results of the] discussions held in this regard in session #112 of 2/5/66 [24 July 1987] presided over by the Esteemed Leader (head and member of the Supreme Council), the recent views and directives given by the Esteemed Leader regarding the Bahá’í question were conveyed to the Supreme Council. In consideration of the contents of the Constitution of the Islamic Republic of Iran, as well as the religious and civil laws and general policies of the country, these matters were carefully studied and decisions pronounced. In arriving at the decisions and proposing reasonable ways to counter the above question, due consideration was given to the wishes of the Esteemed Leadership of the Islamic Republic of Iran [Khamenei], namely, that “in this regard a specific policy should be devised in such a way that everyone will understand what should or should not be done.” Consequently, the following proposals and recommendations resulted

112 Disponível em: . Acesso em: 31 maio 2018. 154 from these discussions. The respected President of the Islamic Republic of Iran, as well as the Head of the Supreme Revolutionary Cultural Council, while approving these recommendations, instructed us to convey them to the Esteemed Leader [Khamenei] so that appropriate action may be taken according to his guidance. SUMMARY OF THE RESULTS OF THE DISCUSSIONS AND RECOMMENDATION A. General status of the Bahá’ís within the country’s system

1. They will not be expelled from the country without reason. 2. They will not be arrested, imprisoned, or penalized without reason. 3. The government’s dealings with them must be in such a way that their progress and development are blocked.

B. Educational and cultural status

1. They can be enrolled in schools provided they have not identified themselves as Bahá’ís. 2. Preferably, they should be enrolled in schools which have a strong and imposing religious ideology. 3. They must be expelled from universities, either in the admission process or during the course of their studies, once it becomes known that they are Bahá’ís. 4. Their political (espionage) activities must be dealt with according to appropriate government laws and policies, and their religious and propaganda activities should be answered by giving them religious and cultural responses, as well as propaganda. 5. Propaganda institutions (such as the Islamic Propaganda Organization) must establish an independent section to counter the propaganda and religious activities of the Bahá’ís. 6. A plan must be devised to confront and destroy their cultural roots outside the country.

C. Legal and social status

1. Permit them a modest livelihood as is available to the general population. 2. To the extent that it does not encourage them to be Bahá’ís, it is permissible to provide them the means for ordinary living in accordance with the general rights given to every Iranian citizen, such as ration booklets, passports, burial certificates, work permits, etc. 3. Deny them employment if they identify themselves as Bahá’ís. 4. Deny them any position of influence, such as in the educational sector, etc.

155

Wishing you divine confirmations, Secretary of the Supreme Revolutionary Cultural Council Dr. Seyyed Mohammad Golpaygani [Signature] [Note in the handwriting of Mr. Khamenei] In the Name of God! The decision of the Supreme Revolutionary Cultural Council seems sufficient. I thank you gentlemen for your attention and efforts. [signed:] Ali Khamenei 156

ANEXO G – Carta da Casa Universal de Justiça às Assembleias Espirituais Nacionais, em 20 de Outubro de 1994113

Israelis Whenever an Israeli citizen living in the West, irrespective of his background and religious affiliation, declares his belief and interest in becoming a member of the Baha'i community, he should be informed that the Faith is not taught in Israel and that [6.6] there is no Baha'i community there apart from those who are associated with the Baha'i World Center. He cannot be accepted into the Baha'i community if he is planning to return to Israel to reside there.

If he plans to continue to reside outside Israel, his enrollment can be accepted, but he will then be subject to the same restrictions about travel to Israel as any other Baha'i, in that he could do so only with the express permission of the Universal House of Justice. In any event, the Universal House of Justice should be informed of any such declaration.

113 Disponível em: . Acesso em: 7 jun. 2018. 157

ANEXO H – Orientação do Conselho Revolucionário para Banir os Bahá’ís das Forças Armadas, de 20 de Novembro de 1979114

[PROVISIONAL TRANSLATION FROM PERSIAN]

[Translator’s notes appear in square brackets] [Personal information has been redacted.]

Termination of Commissioned and Non-commissioned Officers 1. On 29/8/1358 [20 November 1979], pursuant to a recommendation from the Ministry of Defence, the Council of the Iranian Islamic Revolution approved a Single-Article titled employment ban in the Armed Forces for those who are not adherents to (Islam, Zoroastrianism, Judaism, Christianity), which was published in Ettelaat Newspaper on 29/9/1358 [20 December 1979]. 2. On 15/9/1358 [6 December 1979], in accordance with [order] number 701/03/45, 51 officers of Ground Forces’ personnel were dismissed due to their adherence to the Baha’i ideology, from the first of month of Day of 1358 [22 December 1979]. The details were recorded in section 2 of Public Order number 75. 3. In letters and telegrams addressed to Ayatollah Khomeini, the Revolutionary Council, the Ministry of Defence, the Joint Chiefs of Staff and the Ground Forces, as well as other forces, commissioned and non-commissioned officers have given compelling evidence to support their contention that this Act [is] contradictory to the verses of Quran, the statements by the clergy, and human rights norms; they have pleaded for justice. 4. The Article also includes the suspension of the pensions of the Baha’i pensioners. 5. Telegrams and letters are written on behalf of the Baha’i community, pleading to the authorities for justice.

Single-Article Single-Article: The employment of individuals who are not followers of Islam, Zoroastrianism, Judaism and Christianity, is absolutely prohibited in the Armed Forces of the Islamic Republic of Iran. Addendum 1: Individuals who are not adherents to one of the religions stated in this Act, and who have previously been employed in the Armed Forces of the Islamic Republic of Iran, will remain employed, provided they are guided and sincerely accept Islam; otherwise, their employment will be terminated. Addendum 2: Pensioners, salaried officers, and those receiving stipends from the Armed Forces of the Islamic Republic of Iran, will be deprived of their salaries in the event they do not adhere to a religion

114 Disponível em: . Acesso em: 7 jun. 2018. 158 stated in this Act, unless they are guided and sincerely accept Islám. Addendum 3: Non-commissioned officers and civilian employees and pensioners and their beneficiaries are excluded from this Act under Paragraph 2, as they are financially disadvantaged. Addendum 4: The evidence of guidance and acceptance of Islam as the true religion is [the provision of] written evidence from a marja-e taghlid (religious source of authority) attesting to the renunciation of their previous faith, and the publication of these details in a widely circulated newspaper. 6. Following proceedings, complaints and extensive follow-ups, the following supplementary bill was issued: Supplementary Bill to incorporate Addendum One to the Prohibition of Employment Act for those who are not adherents to one of the official religions on 22/8/1358 [13 November 1979] Single-Article Enclosed herewith [is the] Addendum of the Prohibition of Employment of Armed Forces Bill with respect to those who are not adherents to one of the officially-recognised religions – Islám, Zoroastrianism, Judaism and Christianity – approved on 19/8/1358 [10 November 1979]. Addendum – In the event that the Ministry of Defence determines that said individuals have not proselytized their Faith during their employment, and have served with honesty, and have not undertaken to promulgate their ideology, they will be retired or made redundant from their service. In case individuals are eligible [under] the above conditions, under Addendum 2, [they] will continue to receive their salary.

Islamic Republic of Iran Revolutionary Council 159

ANEXO I – Proibição de Pagamentos com os Recursos do Tesouro e da Emissão de Certificação de Emprego e Estudo, aos Bahá’ís115

[PROVISIONAL TRANSLATION FROM PERSIAN]

[Translator’s notes appear in square brackets] [Personal information has been redacted.]

In the Name of God [Emblem] Islamic Republic of Iran Ministry of Health Date: [illegible] Number [illegible] Enclosure ------“Instruct my servants, O Messenger, to adorn themselves with the most exquisite speech.” - The Quran

Head Office of Personnel With reference to letter number 4/7610 - [date:] 30/3/1361[20 June 1982], you are advised:

1- According to the fatwas issued by the majority of the [religious] authorities, such as Ayatollah Imam Khomeini, payments from the Treasury of the Islamic Republic of Iran to individuals who are affiliated with the perverse Baha’i sect are prohibited. Therefore, by virtue of the Human Resources and Medical and Health Services Bill, approved by the Revolutionary Council of the Islamic Republic of Iran on 24/5/1358 [15 August 1979], having [an employment] relationship with and the payment of salaries to the above-mentioned individuals would be in conflict with the opinion of the learned.

2- By virtue of said Bill, there is no possibility of establishing [an employment] relationship with the aforementioned individuals, [and] it is not possible to certify their services; likewise, there is no legal provision for an exemption. [Therefore,] based on Section 5 of the Human Resources and

115 Disponível em: . Acesso em: 7 jun. 2018. 160

Medical and Health Services Bill, educational institutions are prohibited from issuing certificates of educational qualification to those individuals.

3- To solve the current problem, the Ministry of Health has devised a solution which has been included in an amendment prepared by the Ministry. The Ministry is planning to present this to the Cabinet. Dr. Nour Ahmad Latifi

Deputy Head of Parliamentary Supervision [signature] 22/3/1361[12 June 1982] [official stamp with number and date] [illegible] 09529

GLOSSÁRIO

A AIATOLÁ – os aiatolás são indivíduos mais capacitados, na linha xiita, a interpretar o Alcorão e a Sharia, atuando como os corretamente guiados moralmente (GOMES, 2007, p. 23), servindo como fontes de imitação (COSTA, 2013).

ALCORÃO – livro sagrado dos islâmicos (COSTA, 2013).

ATOR SECURITIZADOR – o que usa o speech-act para requerer os meios extraordinários para conter uma ameaça (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998, P. 35-36).

ATOR FUNCIONAL – influencia no processo de securitizador por meio do speech-act (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998, P. 35-36).

ATOR DESSECURITIZADOR – age, por meio do speech-act para tirar um assunto da agenda de segurança (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998, P. 35-36).

B BÁB – o mensageiro revelador de que viria um novo profeta para a era, que seria Bahá’u’lláh (BIC, 201-e).

BAHÁ’Í – minoria religiosa que surgiu no Irã em 1844, seguindo de Bahá’u’lláh, acreditando na unidade da humanidade, na igualdade de gênero e na revelação progressiva, entre outros princípios .

BAHÁ’U’LLÁH – profeta da religião bahá’í (BIC, 201-e).

C COMUNIDADE IMAGINADA – nação (ANDERSON, 1986, p. 32)

CASA UNIVERSAL DE JUSTIÇA – centro mundial de administração da Fé Bahá’í (BAHÁ’U’LLÁH, 1995).

F FAQIH – jurisconsultos (COSTA, 2013).

FONTES DE IMITAÇÃO – o mesmo que maraji al-taqlid e significa que é uma autoridade religiosa reta em sua moral, que pode interpretar as leis à luz do Alcorão e das Tradições e serve como fonte de imitação ao demais (COSTA, 2013).

H HAIFA – cidade em Israel onde estão localizados o Centro Mundial Bahá’í (CASA UNIVERSAL DE JUSTIÇA, 1995).

HOJJATIYEH – grupo de ativistas religiosos do xiismo do duodécimo anti-bahá’ís

I ISLÃ – seguidores do profeta Mohammad (COSTA, 2013). 162

J JIHAD – refere-se à luta dos muçulmanos por um padrão de vida moral e contra os “usurpadores, apóstatas e infiéis” (COSTA, 2013, p. 198).

L LÍDER SUPREMO – o indivíduo que possui maiores poderes religioso e político no Irã. Foram somente dois até o momento: Khomeini e Khamenei (COSTA, 2013).

O OBJETO REFERENTE – o que está sob a ameaça (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998, P. 35- 36).

OCULTAÇÃO DO DÉCIMO SEGUNDO IMÃ – crença dos xiitas do duodécimo de que o Décimo Segundo Imã está oculto, desde aproximadamente 941 d.C., e que irá retornar (COSTA, 2013).

P PÚBLICO-ALVO – ator que legitima a utilização dos meios extraordinários para conter uma ameaça (WÆVER; BUZAN; WILDE, 1998, P. 35-36). Neste estudo de caso, é a sociedade civil.

R RUPTURA DO CONTINUUM DA HISTÓRIA – quando a história é rompida por meio de uma revolução (BENJAMIN, 1986).

S SECULARISMO – fusão de religião e política (MEIHY, 2007).

SHOGI EFFENDI – neto de Bahá’u’lláh e orientador da Fé após a morte de seu pai, ‘Abdu’l- Bahá, e Guardião da Fé (BIC, 201-h).

SPEECH-ACT – atos de fala (WÆVER, 1989, p. 41-45).

X Xiismo do Duodécimo – doutrina do islamismo que acredita do profeta Mohammad e nos Doze Imãs (COSTA, 2013).

W WILAYAT AL-FAQIH – modelo teórico de hierarquia do xiismo do Duodécimo para administrar religiosa e politicamente a comunidade muçulmana (COSTA, 2013, p. 210).