III Jornada Avia! Semana de Design | Ufal | 2018 nov 2018, num. 3, vol 1 ISSN: 2594-7575 DOI: 10.17648/avia-2018-89894

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS SOB A ÓTICA DO DESIGN o caso da e a produção brasileira

Janaina Freitas Silva de Araújo Danielly Amatte Lopes

Resumo: Durante o desenvolvimento da pesquisa Silent Mangá: O design editorial miscigenado foi levantado algumas informações acerca de autoras pertinentes ao campo do Design a fim de entender melhor como este compreende a arte sequencial, ou como é popularmente conhecido, histórias em quadrinhos. O Silent Mangá é um concurso organizado pela editora japonesa Coamix, cujo processo editorial é aberto, descrito em etapas para qualquer um ter acesso e compreen- der como a editora funciona. Não foi encontrada bibliografia específica que tra- tasse especificamente da mecânica editorial em histórias em quadrinhos além dos livros regularmente mencionados nas pesquisas no Brasil, como as produções de Eisner (2013) e McCloud (1995). Dessa forma, foi estabelecida uma correlação entre mídias próximas a das histórias em quadrinhos e outras percepções sobre o que seria narrativa, um termo mais comum à área de pesquisa no Design. Sendo assim, levantamos a análise do conteúdo das histórias em quadrinhos enviadas para o concurso internacional do Silent Mangá sob a ótica desse recorte bibliográ- fico (Linden, 2017; Zapaterra, 2014; e Lupton, 2017) a fim de compreender melhor as práticas e abordagens da equipe editorial que organiza o concurso, assim como dos participantes brasileiros premiados pelo mesmo. O que foi possível observar foi reflexões acerca do que é fazer uma história em quadrinho pelo ponto de vista do designer, quais suas responsabilidades e preocupações, sobretudo com a expe- riência do leitor como participante da narrativa e não apenas um usuário ou cliente final do processo.

Palavras-chave: editorial; quadrinhos; design gráfico.

1. INTRODUÇÃO: O QUE PENSAM OS DESIGNERS SOBRE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS? Durante o decorrer da pesquisa, não foram encontrados designers com histórias em quadrinhos como foco de pesquisa. No caso dessa pesquisa em específico, investigamos um tipo específico de história em quadrinho que é o mangá, que compreende ao formato de produção japonesa cujo estilo é desenvolvido e importado para o Brasil desde a década de 90. Sendo assim, para fazer uma ponte de ligação entre os estudiosos de arte sequencial e o design, foram levantados alguns conceitos e definições de algumas distintas pesquisadoras do processo editorial gráfico. Foram abordados, portanto, os estudos de Zappaterra (2014) sobre a produção editorial voltada para a adaptação de dados entre revistas impressas e versões digitais destas; Linden (2011) acerca do projeto editorial para livros ilustrados e como o designer pode influenciar na sua narrativa; e Lupton (2017) com seu foco em narrativa sobre a ótica do design emocional e das possíveis abordagens do designer para organizar dados de maneira a torna-los

ARAÚJO, J. F. S; LOPES, D. A. Histórias em quadrinhos sob a ótica do design: O caso da Coamix e a produção brasileira. In: Anais AVIA! Semana de Design da UFAL | 3º edição. Maceió-AL: Galoá 2018. HISTÓRIAS EM QUADRINHOS SOB A ÓTICA DO DESIGN

informações passíveis de compreensão do usuário.

2. A ESTRUTURA DO DESIGN GRÁFICO EDITORIAL APLICADO AO SILENT MANGÁ (SMA) O SMA é apenas uma parte das atribuições da editora Coamix. Inicialmente, é importante entender como funciona a revista Monthly Comic ZENON, que possui uma produção de cerca de 700 a 900 páginas de mangá por mês e mais de 50 volumes já publicados. A revista possui o conceito de Kabuku ou Kabuki1, pois ela busca surpreender os leitores com seu conteúdo e reproduzir a ideia de se trabalhar com o que se gosta. Ao indicar uma ligação tão emocional e subjetiva entre o produtor e a empresa, podemos inferir que há uma demanda para um conteúdo expressivo e que possa tocar o leitor em termos emocionais. Segundo Zappaterra (2014), a função do design editorial é dar expressão e personalidade ao conteúdo, com a finalidade de atrair e manter os leitores, estruturando o material de forma clara. Em relação à revista Monthly Comic ZENON produzida pela Coamix Co, onde todo o conteúdo é editorado em sua totalidade durante a produção, é possível compreender como se mantém a marca e identidade da empresa de forma visível e reconhecível no artefato gráfico final. Conectado a esse conceito, trazemos a fala de Zapaterra (2014) que afirma que: Em uma nova publicação, a primeira coisa que tem que ser estabelecida é a mensagem da marca ou a identidade[...] o designer e o editor trabalhando em conjunto para construir uma ponte forte através da qual o cliente - o editor - pode transmitir sua marca e seus valores para o cliente - o leitor. [...] A cada edição, a identidade visual deve ser revista de modo que seja mantida fresca e vibrante, conservando os valores e a identidade da marca principal, sem simplesmente adotar uma abordagem estereotipada[...]Cada extensão da identidade deve ser relevante para o formato. A chave para fazer isso com sucesso é a capacidade de manter um estilo reconhecível com a publicação, ao mesmo tempo em que cada edição é bastante diferente da última, sendo reconhecida instantaneamente pelo leitor ou potencial leitor como uma nova edição de um objeto familiar, amado. (ZAPPATERRA, 2014; pág. 42). Ou seja, a autora entende que os processos de criação de um artefato gráfico editorial carecem de uma interação entre designer e editor desde seus momentos iniciais. No entanto, em relação ao SMA, que é um concurso internacional, onde não se tem controle sobre quem participa e qual repertório visual e cultural que o participante tem a ponte entre quadrinista (aqui se equiparando a um designer, já que é o responsável pela organização do material) e editor se dá de forma linear, sem que o editor possa fornecer contribuições enquanto o artefato é gerado. É notório que existe um nível de complexidade maior em manter os elementos de qualidade editorial, visto que os autores produzem suas histórias sem passar por um processo de editoração direto. Isso significa que, para que este conteúdo se alinhe as necessidades de qualidade gráfica que a editora sustenta a fase se seleção dos participantes exige um cuidado maior por parte dos editores e uma grande clareza dos parâmetros editoriais da SMA. Ainda no livro Design Editorial, jornais e revistas/mídias impressa e digital (2014) a autora levanta o ponto que, para uma revista possa ser funcional como artefato, projetá- la e editá-la é um processo que anda concomitantemente. Sendo assim, os papéis criativos e como eles funcionam têm de ser pensados juntos, e isso determinará se o produto final terá sucesso ou não. Os japoneses já têm em mente esse pensamento em

1 Expressão que pode possuir alguns diferentes significados, mas o que é adotado pela revista é o de “[...]realizar uma performance diferente dos outros de uma forma surpreendente.” Segundo a editora Mizutani, um dos sensei responsáveis pela editora, Hara sensei, planejou desenhar uma história baseada na figura histórica de Oda Nobunaga (1534 - 1582), famoso por desafiar as tradições japo- nesas e buscar elementos estrangeiros para suas performances para a guerra. Outro aspecto da expressão é o de “viver e morrer pela alegria”, outro aspecto que é trazido por Hara sensei em suas histórias com o personagem inspirado em Maeda Keiji, outra figura histórica japonesa que foi considerado um guerreiro que incorporava o jeito “morrendo de felicidade” ao seu estilo de vida e que ajudava aos menos favorecidos na batalha.

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sua metodologia de projeto, principalmente no que se refere à produção de suas histórias em quadrinhos, visto que o papel do editor nas produções feitas é tratado como trabalho criativo, tanto quanto o autor que de fato desenha e roteiriza os mangás. O processo editorial japonês da Coamix já foi apresentado em algumas matérias divulgadas pelo time editorial, essa exposição dos processos e estratégias, funciona como um processo de instrumentalização de cada participante, e reforça os elementos apontados no livro de Zapaterra (2014), no comentário de Mark Potter, diretor de criação do jornal The Guardian: Eu abordo o editorial do ponto de vista do leitor [...] fazer com que as pessoas queiram ler e, depois, deve contar histórias; [...] Quando olham para uma página, elas devem ver ideias, pessoas e lugares, não o design gráfico. [...] mas acredito que o design também é uma linguagem. (Mark Potter, apud, ZAPPATERRA, 2014; pág. 18). Partindo do conceito japonês do Kabuku de se trabalhar com o que se gosta, é possível fazer a interligação com o pensamento de se produzir sobre a ótica do leitor, que é quem mais gosta daquilo que consome. Os participantes do Silent Mangá Awards, primeiramente, foram leitores desses mangás, autodidatas ou não no processo, partem do pressuposto da participação no concurso ir além da premiação em dinheiro, mas sim, porque os participantes gostam de produzir mangás. Dando a estes concorrentes, diretrizes objetivas através das regras claras, e editorando-os de forma indireta com o contato em mídias sociais, postagens em blogs, e expondo informações do processo de produção, é possível compreender como se dá à dinâmica, para que as obras feitas se alinhem com a marca e identidade da editora Coamix Co. Basicamente o objetivo, não é saber quem é capaz de desenhar melhor ou não, e sim de quem é capaz de adaptar-se melhor às demandas editoriais da editora Coamix Co, e produzir histórias que reflitam os interesses da mesma. Segundo matéria publicada no site do SMA em julho de 2015 por Mayuna Mizutani, há alguns passos para a criação de um formato como o de um mangá em livro. Max Andrade, um dos autores brasileiros premiados, discorre acerca dos formatos e como a editora possui diferentes tipos de acabamento a depender das publicações. O mesmo assunto foi ressaltado por Mizutani, tudo tem início na reunião de quadrinhos. Sendo assim, as informações repassadas por ela foram obtidas através do senhor Masahiko Maeda, do Departamento de Planejamento de Publicações: Na ZENON, o processo de criação de um novo livro de mangá sempre começa com uma reunião. A reunião ocorre aproximadamente 3 meses antes do lançamento esperado do livro, e estão presentes o editor responsável pelo mangá, um representante do time de vendas e um membro do Departamento de Planejamento de Publicações. Primeiro, o editor apresenta suas ideias para o livro, junto com uma proposta escrita e um rascunho detalhado (que indica o que deve ser impresso em cada página). Posteriormente, eles discutem estratégias para tornar isso um maior sucesso. Baseado em suas ideias, o futuro livro toma forma.2 (trecho da matéria de Mayuna Mizutani, disponível em http:// www.manga-audition.com/manga-insider-mayu_19/). Segundo a série de matérias Manga Insider Mayu, a editora fornece algumas informações também sobre o processo de produção de um mangá no Japão. Neste trabalho serão citados apenas alguns passos desse processo para melhor compreensão de como o mesmo funciona com a indústria japonesa de mangás. Entretanto, de antemão, já é possível identificar similaridades no processo editorial gráfico descrito e analisado por Zapaterra (2014) que lida com a produção editorial a partir da perspectiva do design, e o método adotado pelas editoras japonesas que influencia diretamente a geração do

2 At ZENON, the process of creating a new manga book always begins with a meeting. This meeting is held approximately 3 months before the expected release date of the book, and is attended by the editor in charge of the manga, a sales team representative and a member of the Publication Planning Department. First, the editor presents his ideas for the book, along with a written proposal and a detailed draft (which indicates what will be printed on each page). Afterwards, they discuss strategies to make it even more successful. Based on their ideas, the future book will take shape. (Tradução Livre)

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artefato gráfico do SMA compilando o trabalho dos quadrinistas premiados em cada edição. Há de se estabelecer diretrizes e parâmetros (a critério do editor) que orientem o trabalho do designer/quadrinista. Segundo Nobuhiko Horie, que já foi editor chefe da Weekly Shonen JUMP (1993-1996), para se criar uma boa revista que atenda às necessidades do público-alvo é necessário realizar muitas pesquisas e pensar em ideias com base nesses dados. A ZENON faz uso do sistema de avaliação por questionário que foi criado pela Weekly Shonen JUMP e utilizado desde 1970 para avaliar a opinião do leitor e consumidor em relação às revistas publicadas e suas histórias. Na editoração de um mangá, também é analisado o name3. Primeiramente, o quadrinista desenha o mangá sem diálogo e então são adicionadas as informações textuais de acordo com o name. Instruções para alterações na diagramação da página são adicionadas em folhas de papel semitransparente sobre a página original (Figura 01).

Figura 01 – Fotografias das páginas originais do mangá de como exemplo de edi- toração por meio de alteração pelo name. Fonte: Fotografias disponíveis pela matéria de Mayuna Mizutani, acessível em: http://www.manga-audition.com/manga-insider-mayu_02/. Acessado em 12 de julho de 2018.

A visualização das histórias em quadrinhos, contudo, ainda apresenta um formato bastante tradicional japonês, com leitura passada da direita para a esquerda em uma visualização horizontal (Figura 02).

Figura 02 – Visualização de uma história em quadrinhos enviada para o SMA. Fonte: https://entry.smacmag. net/preview/18947. Acessado em 12 de julho de 2018.

3 Termologia utilizada pela indústria de mangás para de referir ao rascunho do storyboard. Alguns inclusive utilizam o termo para se referirem a toda parte do mangá que recebe algum tipo de informação textual.

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É possível observar na Figura 02 como o próprio site disponibiliza as informações para que o leitor possa ser guiado em sua leitura. Um processo semelhante aconteceu no Brasil com a chegada das primeiras edições de mangá em que a leitura oriental foi mantida, e por isso, foi necessário adicionar ao material impresso uma página de aviso (Figura 03) para instrumentalizar o leitor no sentido de leitura ao qual ele deveria seguir. Esse mesmo processo de instrumentalização do leitor ocorre no formato online das histórias disponibilizadas pelo SMA, através das setas indicativas que reforçam para onde o leitor precisa se direcionar para efetuar a leitura das histórias.

Figura 03 – Página de aviso ao se abrir um mangá no ocidente, a página traz a informação sobre o sentido de leitura oriental e como deve ser realizada a leitura do mangá. Fonte: Mangá Axis Power Hetalia da Editora New Pop, lançado em 2015 no Brasil.

Esse conjunto de orientações permite aos proponentes a colocações no SMA, a possibilidade de ter guias e indicações de produção do ponto de vista do Design, sem que isso de fato se torne um limitador de seus processos criativos.

3. A ESTRUTURA EDITORIAL E A NARRATIVA VISUAL NAS OBRAS DO SMA Nesse trabalho usaremos os parâmetros elencados no livro “Para ler o livro Ilustrado” de Sophie Van der Linden (2011) para fazer esses recortes. Destacam-se nos elementos listados por Linden (2011) que podem ser compreendidos como comuns dentro da arte sequencial: página dupla, a diversidade e flexibilidade, tipos de diagramação, enquadramentos e desenquadramentos. Não é uma regra declarada, onde os editores organizadores do SMA cobrem que as obras para serem classificadas precisem ter uma página dupla, no entanto, o número de obras que receberam alguma premiação notável, e que possuem alguma página dupla, é muito maior do que as que não usam esse recurso. E isso demonstra uma predileção por esse tipo de elemento visual para potencializar a mensagem demonstrada nas páginas dos quadrinhos. Segundo Linden (2011): O livro tal como conhecemos hoje se apresenta como um conjunto de folhas semimóveis. sua abertura se efetua sobre uma página dupla. Pela relativa brevidade dos textos e tamanho das imagens, assim como pelas poucas páginas sequenciais geralmente propostas, o livro ilustrado mantém estreita relação com a página dupla. (LINDEN, 2011; pág. 65).

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A lógica da página dupla está presente na visualização obtida na produção das histórias em quadrinhos feitas para o SMA. Nessas produções além das páginas duplas propriamente ditas, as páginas comuns também precisam manter uma unidade visual, visto que, elas serão apreciadas no site em pares, e na versão impressa também em pares. Logo a narrativa criada pela sequência de quadros e imagens, é tão relevante para a qualidade da obra, quanto seria para um livro, revista ou qualquer outro periódico. Tão logo os desenhos dos quadrinistas chegam, o primeiro trabalho realizado é o ´Mentsuke´, ou o processo de layout. Esse é o processo em que os desenhos são redimensionados para revista, e colocados em sua posição correta na página. Dessa forma, nós podemos evitar o problema de desajuste, como espaços brancos esquisitos e cortes estranhos. Só para que fiquem sabendo, aqui na Comic ZENON nós redimensionamos os desenhos de tamanho B4 em aproximadamente 83% que cria páginas em tamanho B5.4 (Matéria produzida pela editora Mayuna Mizutani, disponível em http://www.manga-audition.com/manga-insider-mayu_07/) Podemos observar que a produção é orientada a um formato de impressão (B5 para produção final e B4 para o envio) e que a equipe editorial deixa claro que há uma preocupação com a harmonia da página em si, demandando as adequações necessárias. No que se refere à diagramação das páginas, as decisões são todas tomadas pelos autores das histórias que irão concorrer. Então como garantir que eles tomarão as melhores decisões para que a imagem comunique o tema da melhor forma possível? Não existe um controle real sobre isso que vá além do que foi colocado aqui anteriormente, onde as regras afunilam as possibilidades de distorções indesejadas. Para além das regras, os editores contam também com o auxílio de publicações como às matérias informativas do processo de produção utilizado na revista Monthly Comic ZENON. Estas servem como régua para que os pretensos autores possam aprender os métodos já utilizados na revista e incorporem parte dessas informações e métodos em seus repertórios visuais. O processo posterior é decidir onde colocar a informação textual. Há muitos tipos deles... a logo do título, a frase de efeito, o contorno da história até então, a introdução dos personagens, etc! [...] Toda pequena parte do processo é realizada ao longo da discussão, com os designers. Se a imagem está vaga, o editor às vezes vai até procurar por um exemplo em outra mídia (incluindo outras revistas, outras histórias em quadrinhos, etc), e entregará isso para o designer, então o designer terá uma ideia de como o editor quer que as palavras se pareçam.5 (Matéria de Mayuna Mizutani, disponível em http://www. manga-audition.com/manga-insider-mayu_07/) Como é possível observar no recorte feito da entrevista disponível no blog da editora referente à produção as histórias para a revista mensal, os processos de diagramação passam por editor e design, para que a mensagem seja passada de forma clara. Linden (2011) faz uma correlação entre a diagramação mais próxima da utilizada em histórias em quadrinhos, seja justamente a de “compartimentação”: [...] Dividem o espaço da página ou da página dupla em várias imagens emolduradas. O texto se inscreve próximo a esses quadros ou dentro dos balões. A sequência de imagens pode igualmente prescindir o texto. [...]. (LINDEN, 2011; pág. 69) No caso dos participantes do SMA, eles não podem dispor dos dois profissionais - Editor e Design - portanto, o uso desses elementos de enquadramento é feito de forma

4 As soon as the drawings by the manga artists arrives, the first job to be done is the “Men-tsuke”, or the layout process. This is the process where the drawings are resized for the magazine, and placed into the right position on the page. In this way we can avoid the trouble caused by misplacement, such as weird blanks and strange cut-offs. Just for your information, here at Comic ZENON we resize the B4 drawings approximately 83%, which makes B5 size pages. (Tradução Livre) 5 The following process is to decide where to put all the textual information. There are so many types of them… the title logo, the cat- ch phrase, the outline of the story so far, the introduction of the characters, etc! [...]Every single part of this process is done along with discussion, with the designers. If the image is vague, the editor will sometimes even look for an example from other media (including other magazines, other comic books, etc), and hand that to the designer, so that the designer can get an idea of how the editor wants the words to look. (Tradução Livre)

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empírica, mas conhecem por associação muitas dessas questões levantadas, por consumirem mangá fortemente. Quando esse método empírico é validado (ao ler o que os masterclass apontam como parte do processo editorial da Coamix, ou mesmo ao ter a oportunidade de se tornar um masterclass e beber diretamente da fonte), a editora reforça o vínculo emocional dos autores com a marca e reforça ainda o conceito Kabuku da mesma.

4. O DESIGN EMOCIONAL NAS OBRAS DO SMA Os aspectos emocionais das narrativas das histórias em quadrinhos, enquanto elementos estudados pelo design gráfico podem ser mais bem compreendidos sob a ótica de Ellen Lupton, tomando por base seu livro “Design is Storytelling” (2017). Nos tópicos anteriores, foram ressaltados os elementos de marca e identidade que precisavam ser incorporados de alguma forma as obras que seriam produzidas pelos participantes, e como isso era em parte afunilado pelas regras, que limitam e direcionam os concorrentes. Da mesma forma, que a estrutura dos mangás, tanto já era algo conhecido pelos autores brasileiros, quanto o processo de instrumentalização desses termos se faz através das matérias e do contato em mídias sociais que os editores prestam aos proponentes. Nesse tópico, serão elencados os elementos que possibilitam a análise qualitativa das narrativas visuais desenvolvidas nas obras feitas por brasileiros premiados no SMA. E emoção é o principal motivador da narrativa, seja ela em campanhas publicitárias, em produtos levianos, ou em qualquer coisa que se deseje consumir. Lupton (2017) aborda que o mercado tende a ser preguiçoso como a emoção de seus consumidores, pois se atentam ao espectro mais raso das emoções e aos elementos de propriedade visceral, ou seja, ao impulso de compra e consumo. Quando a emoção, ela pode ser incorporada pela narrativa proporcionando outros níveis de interação com os objetos, ou no caso do objeto de estudo deste trabalho, das histórias em quadrinhos produzidas para o SMA. Emoções são adaptações que adicionam à sobrevivência das espécies. Medo nos leva a fugir do perigo, enquanto amor nos leva a proteger nossos filhos. Emoção desencadeia ação. Quando nós fechamos nossos punhos, trememos em medo, derretemos em lágrimas, ou explodimos em uma canção, nós expressamos emoção através de gestos físicos. Espontâneas erupções do corpo, esses gestos são comuns entre pessoas cegas tanto quanto em videntes. Essas ações comunicam sentimentos de uma criatura para outra, tornando a vida emocional tão profundamente social como seus indivíduos.6 (LUPTON, 2017; pág. 58) Esse aspecto que vincula o emocional e o social pode ser identificado nas histórias de uma forma geral, mas se vinculam a imagem quando falamos de arte sequencial. As histórias em quadrinhos são lidas no momento, e causam efeitos imediatos em relação à imagem desenhada, e em seguida a história ali contida. Lupton (2017) descreve do ponto de vista do Design os três momentos da narrativa emocional como: Visceral, Comportamental e Reflexivo,7 dessa forma é possível fazer pontes de entendimento entre esses três estágios e o processo de leitura de um mangá. A qualidade técnica do desenho, não garante uma narrativa funcional e emocionante no resultado final das histórias, e essa premissa é reforçada quando observado a diversidade de traços e estilos que já foram premiados no concurso. Por isso, vale ressaltar, que

6 Emotions are adaptations that aid the survival of a species. Fear compels us to flee from danger, while love moves us to protect our young. Emotion triggers action. When we clench our fists, cringe in fear, dissolve into tears, or burst into song, we express emotion through physical gestures. Erupting spontaneously from the body, such gestures are common to blind people as well as sighted ones. These actions communicate feelings to the self and other creatures, making emotional life as profoundly social as it is individual. (Tra- dução Livre) 7 É importante salientar que essa é a mesma classificação desenvolvida por Donald Normam em sua obra. A obra de Lupton analisa esses aspectos os vinculando diretamente ao design gráfico, enquanto Normam dá ênfase ao desenvolvimento de produtos. Graças a isso, optamos por utilizar como referência nesse trabalho apenas a obra de Lupton (2017).

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para o SMA, as questões de design incorporadas de forma empírica ou indireta através das entrevistas e guias dos editores, nas páginas dos concorrentes, têm a função de potencializar a mensagem e a narrativa em si. A qualidade técnica do traço e estilo dos concorrentes do SMA pode ser facilmente aperfeiçoada através de treino e prática. No entanto, a percepção de narrativa, e a capacidade de incutir emoção na narrativa, e atingir outros estágios da construção da história para além do impulso inicial de leitura, é uma característica buscada pelos editores e organizadores do concurso. Em uma série de matérias produzidas e publicadas pela equipe editorial do SMA, é possível observar o processo editorial sendo aplicado quando os próprios editores responsáveis pelo concurso disponibilizam diretrizes sobre a construção de personagens, por exemplo, e como representar suas emoções (Figura 04). Na matéria sobre as 5 regras para criar uma ficha de personagem, podemos encontrar os aspectos relevantes a construção deles descritos como: 1 – desenhar os personagens como pessoas reais; 2 – desenhar seis diferentes expressões; 3 – desenhá-las de todos os ângulos; 4 – desenhar o corpo inteiro; 5 – desenhá-las realizando alguma ação.

Figura 04 – As 5 regras para produzir um personagem interessante de mangá com auxílio dos editores Mochii e Taiyo da equipe editorial do SMA. Fonte: Matéria do SMA disponível em http://www.manga-audition.com/ japanesemanga101_008/. Acessado em 12 de julho de 2018.

Ser capaz de atingir o leitor com histórias que transportem essa narrativa com emoção, e que se desenvolva até o espectro reflexivo da emoção em si, se alinha com o conceito geral da empresa em cima de produzir o que se gosta, da mesma forma, que esse tipo de construção só é possível mediante a um domínio da estrutura e dos usos do espaço nas páginas. Essa construção de página foi analisada até aqui tendo como referência autores que tratam o artefato editorial sob o ponto de vista do design, mas existe toda uma produção bibliográfica produzida exclusivamente por pesquisadores que se dedicam ao estudo de quadrinhos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A BIOGRAFIA COMO RECURSO NARRATIVO O processo editorial aplicado na Coamix também entende que o editor é tão criador da obra quanto o próprio autor, por isso se faz necessário conhecer o quadrinista, suas obras, influências, inspirações, produções que já foram publicadas ou que estão em andamento. É um acompanhamento muito mais orgânico com os produtores de mangá ao redor do mundo que meramente receber uma página pronta e julgá-la como boa ou ruim. A equipe editorial do concurso responde dúvidas, é acessível nas mídias sociais, por e-mail, produzem matérias descrevendo o processo avaliativo, o que é interessante para

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os editores chefes, até mesmo detalhes sobre como o mangá é impresso e qual tipo de papel é usado são fornecidos. Tudo isso a fim de estimular a qualidade e a quantidade de obras enviadas não apenas por brasileiros, mas por todo o globo. Na perspectiva do mercado editorial brasileiros para histórias em quadrinhos, o processo editorial da Coamix pode parecer alienígena, principalmente quando se trata de uma mídia como as histórias em quadrinhos que durante muito tempo foi marginalizada, sendo tratada como “coisa de criança” pelo simples fato dos títulos mais conhecidos no país serem das produções como A Turma da Mônica de Marício de Souza ou O Menino Maluquinho de Ziraldo. Todavia, estratégias como as adotadas pela Coamix para a editoração de mangás são de conhecimento do designer brasileiro para aplicação em outras mídias, como revistas, livros, livros ilustrados, jornais. Ainda assim, seria arriscado demais para o mercado nacional de histórias em quadrinhos continuarem investindo na produção de mangás pelos brasileiros? Esse é um questionamento que, embora possa gerar consequências para os designers brasileiros também, não compete apenas a este tipo de profissional. Como já foi apontado anteriormente, são diversos os fatores que podem influenciar as decisões editoriais de uma editora e isso é semelhante para as editoras brasileiras e japonesas como a Coamix. É de responsabilidade do designer brasileiro, entretanto, que está direcionado a esse tipo de mercado editorial, estar ciente do processo de transição pelo qual estamos passando. É possível afirmar que a editora Coamix acredita que as produções brasileiras para o SMA possuem qualidade para serem reconhecidos como um mangá. Essa percepção pode ser apontada por meio do crescimento tanto no número de vencedores, como no número de quadrinistas brasileiros interessados no concurso internacional SMA. Em agosto de 2018, o grupo administrado pelos premiados brasileiros já possui mais de 800 membros e permanece atualizado de acordo com as rodadas e os anúncios feitos pela equipe editorial da Coamix. Esse círculo de conexões criou uma comunidade de indivíduos que se interessam pelo mangá, por consumir, produzir e pesquisa-los. Essa mecânica entre a Coamix, o SMA e a comunidade de brasileiros participantes e vencedores do concurso internacional alimenta não apenas a produção de mangás para o concurso, mas o seu consumo e visibilidade.

REFERÊNCIAS EISNER, W. Quadrinhos e arte sequencial. Tradução Luis Carlos Borges. São Paulo. Martins Fontes. 1989. ______. Narrativas Gráficas de Will Eisner / escrito e ilustrado pelo autor; tradução: Leandro Luigi Del Manto. 3ª. Ed. São Paulo: Devir, 2013. LINDEN, S. V. Para Ler o Livro Ilustrado. Tradução: Dorothée de Bruchard. São Paulo. Cosac Naify, 2011. LUPTON, E. Design is Storytelling. New York, NY. Cooper Hewitt, Smithsonian Design Museum. 2017. MCCLOUD, S. Desvendando os quadrinhos. Tradução Helcio de Carvalho, Marisa do Nascimento Paro. São Paulo. Makron Books. 1995. SOUSANIS, N. Desaplanar. Tradução de Érico de Assis. São Paulo: Veneta, 2017.

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ZAPPATERRA, Y. Diseño Editorial, Periódicos y Revistas. 1° ed. Editorial Gustavo Gil, SL. Barcelona. 2008. Coamix Co. Editora do Silent Manga Award. Disponível em: < http://www.coamix.co.jp/>. Silent Manga Award. Disponível em: < http://www.manga-audition.com/>.

Sobre os autores Janaina Freitas Silva de Araújo [email protected] Universidade Federal de Alagoas

Danielly Amatte Lopes [email protected] Universidade Federal de Alagoas

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