Rivera E Lavalleja: O Percurso De Dois Quase Heróis
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1 Anais Eletrônicos do X Encontro Internacional da ANPHLAC São Paulo – 2012 ISBN 978-85-66056-00-6 Rivera e Lavalleja: o percurso de dois quase heróis Roberta Teixeira Gonçalves1 Uma análise da historiografia tradicional2 uruguaia e argentina, até pelo menos a década de setenta do século XX, sugere prontamente a ideia de que a história dessas unidades territoriais de colonização espanhola foi, também e reiteradamente, uma história pela busca de uma identidade. Não que a historiografia3 brasileira tenha ignorado o processo de construção ou a imaginação de elementos agregadores capazes de compor sua nacionalidade, uma das demandas imprescindíveis na formação e consolidação dos Estados-nacionais4 a partir da segunda metade do XIX. Mas o fato é que as inúmeras dificuldades vivenciadas no longo processo de lutas de independência na América Latina de colonização hispânica - a fragmentação territorial, guerras civis e caudilhismos - exigiram a exploração exaustiva e convincente dos recursos disponibilizados pelo arcabouço teórico utilizado para dar uma forma nacional a esses Estados, dentre os quais se projeta a construção de símbolos, a exemplo dos heróis, responsáveis pela fundação da pátria. Ainda que a temática nacional seja recorrente, ela ganhou diferentes nuances nas diversas unidades territoriais hispano-americanas. Aqui será pensado o caso uruguaio, destacando-se alguns apontamentos sobre o processo de construção de dois de seus heróis, Juan Antonio Lavalleja e Fructuoso Rivera. Quando comparada aos demais países hispano-americanos, o que parece diferenciar em grande medida a trajetória da nação uruguaia e as narrativas construídas sobre ela é o seu próprio percurso histórico. Assim, esses registros anotam uma trajetória de dissensões políticas, indefinição territorial,5 anexações a outros territórios e uma independência, no mínimo, controversa. Dessa forma, diante da transitoriedade histórica das fronteiras e dos vínculos políticos dos habitantes da região oriental na primeira metade do século XIX – que antes da definição daquele Estado se relacionaram ao Brasil e à Argentina – apenas, na segunda metade do mesmo século, diante das contingências internacionais de se definir a nação, é que se afirmou a ideia de uma identidade uruguaia. 2 Contudo, a afirmação desta identidade uruguaia dependeu largamente de um discurso historiográfico que explicasse e justificasse atitudes contraditórias dos heróis fundadores da nação. Por exemplo, os motivos pelos quais, após a derrota de Jose Gervasio Artigas, em 1820, os futuros próceres da independência – Fructuoso Rivera e Juan Antonio Lavalleja – teriam se alistado no Regimento dos Dragões Orientais criados por Frederico Lecor, então comandante das forças luso-brasileiras contra os orientais, que recusavam o vínculo com o Brasil. Ou, por que os líderes da campanha libertadora de 1825, logo após proclamarem a libertação da Banda Oriental em relação ao Império brasileiro, teriam reivindicado sua anexação às Províncias Unidas do Rio da Prata – atual Argentina. Também, que explicasse a ausência dos líderes orientais, os maiores interessados na Conferência de Paz de 1828, quando se decidiu a independência política do país. Todavia, só participaram dos acordos ali firmados o Império brasileiro, as Províncias Unidas do Rio da Prata e a Inglaterra. Neste sentido, é possível perceber que muita tinta precisou ser gasta pela historiografia uruguaia do XIX e XX no objetivo de dar coesão a uma experiência histórica atravessada pelas divergências entre seus grupos políticos. É diante de um processo de constante (re)definição do ser oriental que nasceram também os heróis da nação uruguaia. O grande vitorioso em tal processo, sem sombra de dúvida, foi Jose Gervasio Artigas,6 que, a despeito de ser derrotado por Frederico Lecor em 1820 e expulso do Uruguai, foi recuperado pela historiografia do século XX como o mais glorioso líder nacional. Artigas se tornou assim o libertador que desafiou o poder da elite econômica portenha e enfrentou corajosamente o Império luso-brasileiro. Teria sido, então, o precursor do ideal independentista oriental. Como coadjuvantes ao título de herói, surgiram os nomes de Juan Antonio Lavalleja e Fructuoso Rivera, lembrados pela historiografia por suas atuações durante a Guerra Cisplatina (1825-1828), conflito considerado como marco na independência do Uruguai, e origem dos posteriores embates pela liderança entre os grupos políticos do país. Contudo, não foram lutas dentro do campo de batalha que moldaram as imagens dos dois chefes orientais. A construção das figuras de ambos esteve largamente imbricada nas disputas políticas entre os dois principais partidos uruguaios.7 De um lado, o partido blanco8 elegeu Juan Antonio Lavalleja como o verdadeiro herói nacional; e, de outro, o partido colorado fez de Rivera, coincidentemente seu fundador, o grande patriota oriental. A historiografia não desconsiderou essa rixa. Pelo contrário, até meados do século passado, tomou partido ora de um, ora de outro candidato a herói, no geral, recorrendo à tática 3 de difamar o adversário. Analisar as biografias políticas dos dois líderes, neste sentido, significa também se defrontar com grandes paixões, muitas fantasias e parca documentação. Para começar, vejamos o percurso do, para vários autores, suposto “vilão” Fructuoso Rivera, muitas vezes criticado pela historiografia nacionalista em razão de suas movediças escolhas políticas, que variaram de acordo com a direção do grupo ocupante do poder. Assim, originalmente membro do exército de Artigas, líder da luta contra o domínio colonial, Rivera passou a integrar as fileiras lusas na Cisplatina quando Artigas foi derrotado por Frederico Lecor. E neste exército exerceu papel de suma importância durante toda a ocupação portuguesa da Banda Oriental. Já em 1825, quando Juan Antonio Lavalleja invadiu aquele território – agora sob a bandeira do Império brasileiro –, abandonou Lecor e aderiu à iniciativa de resistência ao domínio brasileiro na Cisplatina, o que também não duraria muito, pois logo, por divergir de Lavalleja, Rivera deu inicio à sua própria guerra. Tamanha versatilidade política lhe rendeu o título de “traidor”, conferido por vários estudiosos, tanto pelo lado brasileiro, que via sua iniciativa de abandonar as funções militares e honrarias concedidas pelo próprio imperador D. Pedro I como um ultraje, quanto por parte da historiografia uruguaia, que condenou sua adesão ao projeto de Lecor. Entretanto, há quem o absolva e caracterize suas ações como as únicas respostas possíveis diante da complexidade histórica do período em questão.9 Mais ainda há até quem o defenda, menosprezando as habilidades bélicas de Lavalleja e exaltando sua eficiência militar. José Fructuoso Rivera y Toscana nasceu provavelmente nos departamentos de Florida ou de Montevidéu.10 Seu pai, Don Pablo Hilarión Perafán de la Rivera, era de Córdoba e sua mãe, Andrea Toscano, de Buenos Aires. O casal residia em Montevidéu desde 1752 e possuía estâncias no departamento de Florida e no Rio Negro. Rivera foi capitão do exército de Artigas, lutando em importantes batalhas, como a de Las Piedras11 e a de Guayabos12, tendo sido nomeado comandante Geral das armas da cidade de Montevidéu em junho de 1825. No que se refere à sua passagem para o lado luso, não há muitas informações. Mas ao que parece, em 2 de março de 1820, Rivera estabeleceu acordo com o coronel português Carneiros. Já em 1821, a Banda Oriental foi anexada ao território brasileiro com apoio de parte da elite montevideana, incluindo Rivera. Pelo exército luso-brasileiro, chegou a ser nomeado cavaleiro da Imperial Ordem do Cruzeiro, em 1823, tornando-se um importante aliado de Lecor, devido à sua influência na região. A ruptura com os brasileiros ocorreu em 1825, quando, destacado para lutar contra Lavalleja, Rivera se uniu a ele no episódio conhecido como “Abraço de Monzon”13, assumindo o cargo de segundo chefe do exército 4 libertador e depois o de general de vanguarda. Entretanto, pouco tempo mais tarde, foi acusado de traição por Lavalleja, por negar-se a atacar um destacamento do exército brasileiro e fomentar a deserção nas tropas sob o seu comando, além de manter correspondências com os inimigos. Com isso, foi obrigado a se refugiar em Santa Fé, o que não durou muito tempo, pois depressa voltou para a Banda Oriental e invadiu a região das Missões com a desculpa de criar uma força do norte para liquidar o conflito. Em Missões permaneceu até a Declaração de Paz em 1828. Por outro lado, o chefe dos caballeros orientales, Juan Antonio de Lavalleja y de la Torre,14 concorrente de Rivera, constitui o personagem preferido da historiografia uruguaia. Dessa maneira, ele é projetado como o líder da libertação nacional, redentor da pátria, herói nacional, prócer da independência. Também, ainda que menos condescendente, a historiografia argentina o vê com bons olhos, como ressalta Vicente Lopez: “Lavalleja era bravo y honesto: gozaba, indudablemente, del prestigio merecido que le habían dado su constante patriotismo y la energía com que había ejecutado la invasión”15. O herói preferido dos historiadores nasceu na vila de Nossa Senhora da Conceição de Minas, região de Santa Lúcia, em junho de 1784. Filho de Manuel Pérez de la Valleja, espanhol de Huesca, e Ramona Justina de la Torre, também espanhola. Pérez era estancieiro e sua propriedade ficava nos arredores de Minas. No início de 1811, Lavalleja incorporou-se voluntariamente às forças de Artigas como simples soldado da jurisdição de Minas, sob as ordens de D. Manuel Francisco Artigas, irmão do líder da luta contra os espanhóis. Participou das principais batalhas sob o comando de Rivera e Artigas. Em 1817, também com Rivera, participou da Batalha no Paso de Cuello, agora contra o exército de Lecor, e no ano seguinte foi preso pelos luso-brasileiros, sendo levado para a Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Em 1821 foi autorizado a voltar para Montevidéu, logo que se votasse a incorporação da Banda Oriental ao reino de Portugal, Brasil e Algarves. Fez parte do Regimento de Dragões da União, que era comandado por Rivera e no qual foi nomeado segundo chefe. No entanto, um mês após D.