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Le Monde Le Monde ANO 12 / NÚMERO 139 R$ 14,90 COLETES AMARELOS OS IDEÓLOGOS DE BOLSONARO NOVA SÉRIE A LUTA DE CLASSES OLAVO DE CARVALHO ESTADO DE NA FRANÇA E PAULO GUEDES CHOQUE POR SERGE HALIMI E OUTROS 3 POR CAMILA ROCHA E LEO PUGLIA 18 POR VERA TELLES 20 LE MONDE diplomatiqueBRASIL 2 Le Monde Diplomatique Brasil FEVEREIRO 2019 EDITORIAL de regulação, fiscalização e punição das mineradoras por parte do governo federal e da justiça. No entanto, as Marianas e os Bru- madinhos vão se repetir, pois essa for- ma predatória de extração de riquezas, de ação dos interesses privados, sem nenhuma consideração pela popula- ção local e pelos danos ambientais, en- contra um Estado conivente que não lhe coloca limites. Isso é na minera- ção, no agronegócio, na exploração da Amazônia... Reforçar a posição nos territórios é outra estratégia que se apresenta para o momento e traz um conjunto de im- plicações: romper o isolamento das experiências, armar redes de redes, es- tabelecer diálogos com os parlamen- tos locais e estaduais. Recuamos na disputa de políticas nacionais para a resistência por meio da mobilização no território. São as ex- periências solidárias, cooperativas, especialmente as de enfrentamento da pobreza e da fome, que podem abrir alternativas sociais para o engajamen- to de setores mais amplos da socieda- de a uma agenda progressista. A dispu- ta de valores pode ser feita pelo relato de experiências exitosas, reais. As redes de defesa da democracia e Roteiro da resistência dos direitos humanos terão de expan- dir sua relação com grupos na socieda- de e ampliar seu discurso para ganhar POR SILVIO CACCIA BAVA a participação de maiores parcelas da sociedade. Sobre as questões do trabalho, do emprego, do salário e da previdência, ivemos um momento de ruptu- interesses populares na elaboração Elegeram “os esquerdopatas, os petra- as representações sindicais são os ato- ras. Não se trata apenas de uma das políticas nacionais. lhas, os comunistas, os marxistas cul- res mais relevantes nesses campos de mudança de governo; é uma mu- As últimas eleições colocaram a ex- turais, os movimentos sociais” como conflito. Elas devem liderar a resistên- dança no regime político e talvez trema direita também em governos es- os inimigos do Brasil que precisam ser cia nesses temas. Va abertura de um novo ciclo histórico. O taduais muito importantes, como São erradicados. Não sabemos muito bem A violência e a discriminação con- capitalismo global, dominado pelas Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, o significado desses termos. tra os negros, as mulheres e os grupos instituições financeiras, fortalece as di- todos comprometidos com a mesma A defesa dos valores democráticos, LGBT estão também em questão. E reitas autoritárias em todo o mundo e agenda ultraliberal, com a mesma dos direitos humanos e do meio am- aqui se reafirma o desafio de tecermos impõe um novo padrão predatório de agenda de valores conservadores. biente torna-se uma prioridade, mas redes de redes, construindo solidarie- exploração dos trabalhadores e do A restrição do espaço político leva como fazê-lo? Não podemos cair na ar- dades. Isoladamente, cada grupo terá meio ambiente que não comporta regi- ao confronto e, para o governo Bolso- madilha de disputar a agenda com as de enfrentar um Estado forte e grupos mes democráticos e instituições regu- naro acabar com essas mobilizações, fake news, contrapondo um discurso sociais mobilizados em seu combate. ladoras que limitem sua voracidade. é preciso acabar com seus protago- genérico da defesa de direitos às bar- Índios, quilombolas, movimento fe- De um período de uma democracia nistas. Os sindicatos estão sendo su- baridades que serão, uma após a outra, minista, religiões afro, agricultores fa- ainda precária, em construção, com focados pela perda de receita. Além postas em debate. Tampouco podemos miliares, movimentos de juventude, pesadas heranças do período autoritá- disso, estão sendo cortados os finan- ignorá-las, já que chegam a milhões de todos estão sob ataque. rio, mas com algumas importantes ciamentos públicos de projetos im- pessoas que declaram acreditar no que Nesta nova conjuntura há algumas iniciativas de redução da pobreza e de plementados por ONGs, e o MST e o leem. A disputa da agenda é crucial: prioridades: denunciar e resistir ao inclusão social, vivemos hoje uma MTST estão ameaçados de ser enqua- quais serão os assuntos na boca do po- processo de espoliação e opressão; ruptura democrática: passamos a uma drados como terroristas. vo? Aumento do salário mínimo ou a buscar formular uma política de co- democracia tutelada pelos militares, O que já se pode observar é que es- mamadeira de piroca? municação mais ampla para enfrentar um Estado policial, violento e repres- ses governos – nacional e estaduais – Esse momento de resistência re- a disputa das narrativas; investir forte- sor, disposto a aprofundar a espolia- criminalizam os protestos sociais, ata- quer atuação vigilante sobre os acon- mente na comunicação digital para ção das maiorias e calar o dissenso. cam as entidades e os movimentos tecimentos e as medidas de governo atingir um público mais vasto; expan- A restrição do espaço político se ex- sociais, prendem lideranças e liberam que imponham restrições às liberda- dir o diálogo com novos atores; apoiar pressa também pelo desmonte de todo a ação de grupos violentos de extrema des e aos direitos. a construção de redes de redes de defe- sistema de participação – conselhos e direita na sociedade. Se as denúncias sobre a tragédia de sa da democracia e da cidadania; ex- conferências – que influía nas políticas Essa polarização política precisa Mariana não foram suficientes para plorar experiências de sucesso para nacionais. Mesmo antes de 2016 já fi- ser entendida como uma estratégia de fazer o governo impor às mineradoras expressar e defender valores como jus- cava claro que essas formas institucio- governo. Ela vai continuar e ser ali- limites de respeito à vida e à natureza, tiça social, solidariedade, cooperação nalizadas de participação estavam ul- mentada pelas fake news e pelas de- agora essas denúncias devem ser re- e direitos humanos; articular a denún- trapassadas, não funcionavam mais. núncias que atribuirão ao campo pro- forçadas pela tragédia de Brumadinho cia das violações de direitos com redes © Claudius© Não há mais espaço de negociação dos gressista todos os males do Brasil. e devem ser cobradas medidas efetivas internacionais de solidariedade. FEVEREIRO 2019 Le Monde Diplomatique Brasil 3 RECOMPOSIÇÃO POLÍTICA E SOCIAL Luta de classes na França O chefe de Estado francês respondeu ao movimento dos “coletes amarelos” propondo um “grande debate nacional”. Esse tipo de exercício sugere que os conflitos sociais se explicam por problemas de comunicação entre o poder e seus opositores, não por antagonismos fundamentais. Uma hipótese perigosa... POR SERGE HALIMI E PIERRE RIMBERT* medo. Não o de perder uma eleição, fracassar em “refor- mar” ou ver derreter seus ativos no mercado de ações, mas sim Oda insurreição, da revolta, da destitui- ção. Há meio século, as elites francesas não tinham mais experimentado um sentimento como esse. No sábado, 1º de dezembro de 2018, ele de repente congelou algumas consciências. “O mais urgente é que as pessoas voltem para casa”, disse aflita Ruth Elkrief, re- pórter pop star da BFM TV. Nas telas de sua rede de TV desfilavam imagens de “coletes amarelos” determinados a arrancar uma vida melhor. Alguns dias depois, uma jornalista do jornal L’Opinion, ligado ao patro- nato, revelou em uma bancada de TV o quanto a borrasca soprara forte: “Todos os grandes grupos vão distri- buir bônus, porque eles realmente fi- caram com medo em um momento de ter a cabeça sob espadas. Ah, sim, as grandes empresas, quando houve o terrível sábado, lá, com todos os estra- gos, tinham chamado o chefe do Me- def, Geoffroy Roux de Bézieux, dizen- do a ele: ‘Libere tudo! Libere tudo, porque senão...’. Eles se sentiam ameaçados fisicamente”. Sentado ao lado da jornalista, o di- retor de um instituto de pesquisas evocou, por sua vez, “grandes empre- sários realmente muito preocupados”, uma atmosfera “que parece com o que li sobre 1936 ou 1968. Há um momento em que dizemos a nós mesmos: ‘Você tem de saber liberar grandes somas, em vez de perder o essencial’”.1 O se- cretário-geral da Confederação Geral do Trabalho (CGT), Benoît Frachon, © Flavia Bomfim lembrou que, de fato, quando da Fren- te Popular (1936-1938), durante as ne- gociações de Matignon, que se segui- gem desconhecida das instituições, te- Tomados de pavor, perdem o san- dez suja, a aparência de um corpo mo- ram a uma onda de greves inesperadas naz apesar da repressão, popular ape- gue frio, como Alexis de Tocqueville fado [...]. Ele parecia ter vivido em um com ocupações de fábricas, os patrões sar da divulgação maldosa pela mídia quando evoca em suas Lembranças as esgoto e saído dele. Ele me dava a im- tinham “cedido em todos os pontos”. sobre as depredações – provocou, por- jornadas de junho de 1848 – os traba- pressão de uma cobra da qual se pren- Esse tipo de decomposição da clas- tanto, uma reação rica de precedentes. lhadores parisienses reduzidos à misé- de a cauda”. se possuidora é raro, mas tem por coro- Nos momentos de cristalização so- ria foram massacrados por uma tropa Uma metamorfose similar de civili- lário uma lição que atravessou a histó- cial, de luta de classes sem disfarces, que a burguesia no poder, persuadida dade em fúria ocorreu na época da Co- ria: aqueles que tiveram medo não cada um deve escolher seu lado. O de que “só o canhão pode resolver as muna de Paris. E daquela vez ela atin- perdoam nem os que os amedronta- centro desaparece, o pântano seca. questões de nosso século”,3 tinha mo- giu muitos intelectuais e artistas, às ram nem os que foram testemunhas de E então, mesmo os mais liberais, os bilizado contra eles.
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