UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Geociências

PIETRO PIZÃO GONZALEZ

Serviços de Compartilhamento de Veículos no Brasil: Uma investigação sob a perspectiva da Inovação em Modelos de Negócio

CAMPINAS 2020

PIETRO PIZÃO GONZALEZ

Serviços de Compartilhamento de Veículos no Brasil: Uma investigação sob a perspectiva da inovação em modelos de negócio

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE EM POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ORIENTADOR: PROF. DR. RUY DE QUADROS CARVALHO

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO PIETRO PIZÃO GONZALEZ E ORIENTADA PELO PROF. DR. RUY DE QUADROS CARVALHO

CAMPINAS 2020 Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Geociências Marta dos Santos - CRB 8/5892

Gonzalez, Pietro Pizão, 1994- G589c GonServiços de compartilhamento de veículos no Brasil : uma investigação sob a perspectiva da inovação em modelos de negócio / Pietro Pizão Gonzalez. – Campinas, SP : [s.n.], 2020.

GonOrientador: Ruy de Quadros Carvalho. GonDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências.

Gon1. Negócios. 2. Inovação. 3. Compartilhamento de veículos - Brasil. I. Carvalho, Ruy de Quadros, 1953-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: services in Brazil : an investigation from the business model innovation's perspective Palavras-chave em inglês: Business Innovation Carsharing - Brazil Área de concentração: Política Científica e Tecnológica Titulação: Mestre em Política Científica e Tecnológica Banca examinadora: Ruy de Quadros Carvalho [Orientador] André Tosi Furtado Eduardo Raupp de Vargas Data de defesa: 25-11-2020 Programa de Pós-Graduação: Política Científica e Tecnológica

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-2922-0299 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/7603251519960112

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

AUTOR: PIETRO PIZÃO GONZALEZ

Serviços de Compartilhamento de Veículos no Brasil: Uma investigação sob a perspectiva da inovação em modelos de negócio

ORIENTADOR: PROF. DR. RUY DE QUADROS CARVALHO

Aprovado em: 25 / 11 / 2020

EXAMINADORES:

Prof. Dr. Ruy de Quadros Carvalho - Presidente

Prof. Dr. André Tosi Furtado

Prof. Dr. Eduardo Raupp de Vargas

A Ata de Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica do aluno.

Campinas, 25 de novembro de 2020.

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meus pais, avós, irmãos e à minha amiga e parceira Paula por todo apoio e carinho que todos eles têm me cercado em minha jornada. Dedico também ao meu bisavô Rui, meu segundo pai, que hoje está no plano espiritual, mas que me acompanhará sempre. Sem eles, não estaria onde estou hoje.

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço ao meu orientador, prof. Dr. Ruy de Quadros Carvalho por todo apoio, orientação e expertise. Sem dúvida, uma excelente orientação e apoio dentro e fora da academia. Agradeço também todo o corpo docente e funcionários pertencentes ao DPCT, pesquisadores e profissionais dedicados e comprometidos com a investigação de alta qualidade. Agradeço também meus colegas do mestrado. Uma breve companhia oportuna para ampliar meus próprios horizontes, inserindo outras perspectivas à minha formação. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

EPÍGRAFE

Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos

Eduardo Galeano

RESUMO

Nas duas últimas décadas, empresas como Apple, Boeing, Coca-Cola, e General Electric, outrora dedicadas primordialmente ao desenho, produção e venda de produtos, têm se movido a jusante em suas cadeias de valor. Conhecido como servitização, esse fenômeno tem se difundido a partir de determinantes econômicos, tecnológicos, e, mais recentemente, institucionais. Nesse contexto, tem crescido o carsharing (compartilhamento de veículos), como uma nova oportunidade de negócio. Entendido como o acesso de curta duração a uma frota de veículos compartilhada por um grupo de pessoas, a atividade tem atraído a atenção de startups de tecnologias, locadoras de veículos e também de montadoras de veículos como a Daimler-Benz, BMW, General Motors e a Ford. Paralelamente, o carsharing também tem despertado interesse por parte da literatura acadêmica que o tem explorado olhando para seus impactos ambientais, implicações para política pública e seus diferentes modelos de negócio. Apesar de crescente, a literatura pouco tem abordado a atividade no Brasil, tampouco discutido os modelos de negócio aqui vigentes. A presente dissertação busca endereçar essa lacuna a partir de um estudo exploratório envolvendo estudos de caso múltiplos com 4 das 7 operadoras instaladas no Brasil em 2019. Tomando por base o conceito de Modelo de Negócio e de Inovação em Modelos de Negócio, as empresas são caracterizadas e analisadas individualmente e em conjunto. Os resultados apontam não somente para modelos de negócio análogos aos já discutidos pela literatura, mas também a necessidade de inclusão de mais uma categoria: carsharing business-to-business. Futuras investigações são necessárias para averiguar a existência de variações nesse modelo.

Palavras-chave: Modelos de Negócio; Inovação em Modelos de Negócio; carsharing; Brasil.

ABSTRACT

Over the past few decades, product firms such as Apple, Boeing, Coca-Cola, and General Electric have been changing the way they do business, moving downstream on their value chains and adopting servitization. In the background, there are economic, technological, and, more recently, institutional changes in motion promoting these changes. Under this phenomenon, carsharing is gaining room as a new business opportunity. Defined as short-term access to a car fleet shared by a group of people, carsharing is calling attention from startups, companies, and car manufacturers alike. At the same time, academic literature is also presenting a growing interest in the activity, investigating its environmental impacts, implications to public policies, and even its different business models. Despite this, studies regarding Brazilian carsharing are scarce, and even fewer are dedicated to local business models. This dissertation was written so to address this gap using a study case methodology for 4 Brazilian operators. Starting with the Business Model and Business Model Innovation concept, all the firms are characterized and analyzed. Results reinforce previous business model categorization in literature with the need to add another category: carsharing business-to-business. Future researches are needed to verify the existence of possible subtypes for this business model.

Keywords: Business Model; Business Model Innovation; carsharing; Brazil.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Processo de construção de pesquisas em estudo de caso. Fonte: Eisenhardt (1989b), adaptado...... 19 Figura 2 - Representação do Modelo de Negócio da Ryanair. Fonte: Casadessus-Masanell e Ricart (2010), adaptado...... 35 Figura 3 - Categorização dos Modelos de Negócio em carsharing. Fonte: Remane et. al. (2016), adaptado...... 63 Figura 4 - Business Model Canvas. Fonte: Osterwalder e Pigneur (2020 [2010]), adaptado. . 78 Figura 5 - Categorização de modelos de negócio para OCVs a partir dos resultados dos estudos de caso. Fonte: Estudos de caso realizados...... 106 Figura 6 - Processo de busca, filtragem e limpeza dos dados obtidos. Fonte: Zupic e Čater (2015), adaptado...... 141

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Operadoras encontradas, local da sede, situação junto à pesquisa, dados do informante e local de entrevista. Fonte: Entrevistas...... 20 Quadro 2 - Definições para modelo de negócio e seus elementos. Fonte: Linder e Cantrell (2000), Amit e Zott (2001), Magretta (2002), Chesbrough e Rosenbloom (2002), Chesbrough (2007), Casadesus-Masanell e Ricart (2010), Teece (2010) e Amit e Zott (2012;2010)...... 31 Quadro 3 - Artigos sobre carsharing mais citados e seus respectivos temas. Fonte: Scopus, WoS e Scielo...... 52 Quadro 4 - Os quatro artigos mais citados por faixa de tempo (continua)...... 52 Quadro 5 - OCVs e cooperativas em operação na Alemanha, por tipo e características de seu modelo de negócio. Fonte: Münzel et. al. (2018), adaptado...... 59 Quadro 6 - Comparativo entre os arquétipos de Cohen e Kietzmann (2014), Münzel et. al. (2018) e Remane et. al. (2016) (continua)...... 61 Quadro 7 - Artigos captados em análise bibliométrica discutindo o contexto brasileiro. Fonte: WoS, Scopus e Scielo...... 76 Quadro 8 - Síntese dos estudos de caso incorporados ao trabalho. Fonte: Entrevistas...... 82 Quadro 9 - Tabela de tarifas vigentes nos serviços B2C de Gama. Fonte: website da empresa...... 96 Quadro 10 - Dimensões e perguntas feitas durante as entrevistas (continua)...... 134 Quadro 11 - Fluxo de trabalho para conduzir um mapeamento científico com métodos bibliométricos (continua)...... 136 Quadro 12 - Distribuição de artigos levantados e artigos considerados na análise bibliométrica (continua)...... 139

LISTA ABREVIATURAS E SIGLAS

OCV – Operadora de Serviços de Compartilhamento de Veículos

WoS – Web of Science

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: QUESTÃO DE PESQUISA E METODOLOGIA ...... 15 1.1. Metodologia ...... 18 1.1.1 Levantamento e seleção das OCVs atuantes no Brasil ...... 23 1.2. Estrutura da dissertação ...... 24 2 MODELOS DE NEGÓCIO E INOVAÇÃO EM MODELOS DE NEGÓCIO ...... 26 2.1 As diferentes definições para Modelo de Negócio ...... 30 2.2 Inovação em Modelos de Negócio ...... 34 3 CARSHARING: UMA DISCUSSÃO A PARTIR DE MODELOS DE NEGÓCIO ...... 41 3.1 Determinantes da difusão do carsharing ...... 43 3.2 A literatura sobre carsharing ...... 50 3.3 Modelos de Negócio em carsharing ...... 57 3.4 Locação tradicional e carsharing: principais diferenças e semelhanças ...... 63 3.5 O mercado de carsharing ...... 68 3.5.1 O mercado brasileiro de carsharing e a literatura nacional ...... 74 4 MODELOS DE NEGÓCIO DAS OCVS BRASILEIRAS: RESULTADOS DOS ESTUDOS DE CASO ...... 82 4.1 Empresa Alfa ...... 84 4.1.1 Processo da prestação do serviço ...... 86 4.1.2 Criação de valor de Alfa ...... 87 4.1.3 Entrega de valor por Alfa ...... 88 4.1.4 Captura de valor por Alfa ...... 90 4.2 Empresa Beta ...... 90 4.2.1 Processo da prestação do serviço ...... 91 4.2.2 Criação de valor de Beta ...... 92 4.2.3 Entrega de valor por Beta ...... 93 4.2.4 Captura de valor por Beta ...... 94 4.3 Empresa Gama ...... 94 4.3.1 Processo da Prestação do serviço ...... 95 4.3.2 Criação de valor de Gama ...... 96 4.3.3 Entrega de valor por Gama ...... 97 4.3.4 Captura de valor por Gama ...... 98 4.4 Empresa Delta ...... 98 4.4.1 Processo da prestação do serviço ...... 101 4.4.2 Criação de valor de Delta ...... 102 4.4.3 Entrega de valor por Delta ...... 103 4.4.4 Captura de valor por Delta ...... 104

5 DISCUSSÃO: A RELEVÂNCIA DO MODELO B-2-B DE CARSHARING NO BRASIL 105 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 112 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 114 APÊNDICE A – CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS ...... 134 APÊNDICE B – ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA UTILIZADA ...... 136

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1 INTRODUÇÃO: QUESTÃO DE PESQUISA E METODOLOGIA

Nas duas últimas décadas, empresas como Apple, Boeing, Coca-Cola, e General Electric, outrora dedicadas primordialmente ao desenho, produção e venda de produtos, têm se movido a jusante em suas cadeias de valor (AMIT; ZOTT, 2010; WISE; BAUMGARTNER, 1999; ZHU; FURR, 2016). Através da integração entre produtos, serviços e conhecimento, as empresas têm se aproximado de seus clientes de forma a melhor atender suas necessidades, aproveitarem oportunidades de inovação e se manterem competitivas (MONT, 2002; VANDERMERWE; RADA, 1988).

Conhecido como servitização (BAINES et al., 2017; VANDERMERWE; RADA, 1988; WISE; BAUMGARTNER, 1999), esse fenômeno tem se difundido a partir de determinantes econômicos e tecnológicos, tais como o acirramento da concorrência, a migração da criação de valor ao longo das cadeias de valor e a digitalização. No entanto, mais recentemente, também tem sido balizado por fatores institucionais, como os novos paradigmas socioambientais – (BAINES et al., 2017; GOEDKOOP et al., 1999; HACKLIN; BJÖRKDAHL; WALLIN, 2018; VANDERMERWE; RADA, 1988).

Sob essa necessidade de integração de novos serviços e conhecimento aos produtos, as empresas têm repensado constantemente suas lógicas de operação. Desde a forma como criam valor e o entregam para seus clientes, até a maneira pela qual elas o capturam gerando lucro (LINDGARDT et al., 2015; MAGRETTA, 2002; TEECE, 2010). Em outras palavras, as empresas têm experimentado novos modelos de negócio a fim de atender as novas demandas mercadológicas e institucionais, apoiando-se nas novas tecnologias para consegui-lo.

Nesse contexto, tem crescido o compartilhamento de veículos ou carsharing, como uma nova oportunidade de negócio1. Entendido como o acesso de curta duração a uma frota de veículos compartilhada por um grupo de pessoas (SCHAEFERS, 2013; SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998), a atividade tem recebido a atenção de startups de tecnologias (e.g. , , Drivy), locadoras de veículos (e.g. Enterprise, Avis e Hertz), companhias de transporte público coletivo (e.g. ) e também de montadoras de

1Apesar de estar em língua estrangeira, o trabalho utiliza recorrentemente a expressão carsharing para facilitar a leitura. 16

veículos como a Daimler-Benz, BMW, General Motors e a Ford (BALLÚS-ARMET et al., 2014; FIRNKORN, 2012; MÜNZEL et al., 2018; SHAHEEN; COHEN, 2012), todas elas lançando seus próprios serviços de carsharing, principalmente na Europa e América do Norte (SHAHEEN; COHEN, 2007, 2012, 2013). O carsharing se diferencia de serviços de locação de veículos tradicionais por atender diferentes públicos-alvo, apresentar distintas vias de geração de receita (SEAY; NARSING, 2013), bem como fazer uso intensivo das novas tecnologias digitais (SHAHEEN; COHEN, 2019; SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016). Dessa forma, caracteriza-se por diferentes modelos de negócio, notadamente mais flexíveis e aptos a oferecer serviços sob demanda.

No que tange à literatura acadêmica, o carsharing tem chamado a atenção de inúmeras disciplinas. Desde estudos focados nos impactos ambientais trazidos pelo compartilhamento dos veículos (BAPTISTA; MELO; ROLIM, 2014; GREENBLATT; SAXENA, 2015; MARTIN; SHAHEEN; LIDICKER, 2010) e com preocupações com o desenvolvimento urbano e organização do transporte nas cidades (ALMEIDA; SILVA; LEITE, 2017; HAMPSHIRE; GAITES, 2011b; KATZEV, 2003; STASKO; BUCK; GAO, 2013) até pesquisas que investigam as mudanças nos padrões de consumo decorrentes de sua disseminação (BECKER; CIARI; AXHAUSEN, 2017; MEIJKAMP, 1998; PRETTENTHALER; STEININGER, 1999; SCHAEFERS, 2013; WANG; MARTIN; SHAHEEN, 2012). De fato, as promessas que o carsharing traz ao desenvolvimento urbano e ao combate às emissões de gases efeito estufa são notadamente promissoras.

Uma parcela da literatura internacional tem se dedicado ainda a propor categorizações para os modelos de negócio existentes na prestação de serviços de carsharing (COHEN; KIETZMANN, 2014; MÜNZEL et al., 2018; REMANE et al., 2016). Apesar de diferentes nomenclaturas, os trabalhos realizados envolvendo categorizações reincidem na proposição de que há diferentes formas de criação, entrega e captura de valor para esse tipo de serviço: do oferecimento do serviço a partir de uma frota própria, tais como em cooperativas e empresas de compartilhamento business-to-consumer (B2C), até a intermediação de relações de compartilhamento entre pessoas, conhecido como compartilhamento peer-to-peer (P2P).

No Brasil, o mercado de carsharing é ainda incipiente, contando com um pequeno número de prestadoras de serviço que cobrem algumas cidades, com base em uma pequena frota de veículos compartilhados (SHAHEEN; COHEN, 2020; SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018). Possivelmente, a escala da atividade está relacionada a sua recente introdução. Enquanto 17

a primeira operadora de compartilhamento de veículos (OCV) na região surgiu em 2009 (SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018), países como EUA e Canadá já possuíam experiências similares há pelo menos 20 anos (SHAHEEN; COHEN, 2007; SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998, 1999), ao passo que alguns países europeus contaram com iniciativas de compartilhamento desde os anos 1940 (MÜNZEL et al., 2018; SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998). Além disso, algumas operadoras brasileiras, como a Fleety, Pegcar e Parpe, já encerraram suas atividades, alegando desinteresse por parte dos investidores locais, baixa adesão ao serviço e falta de incentivos institucionais (FUSSY, 2018; SANT’ANA, 2017; SILVA, 2019b).

A literatura nacional dedicada ao estudo do carsharing também é incipiente. Poucos trabalhos têm sido publicados com pesquisa sobre as operadoras e iniciativas brasileiras de carsharing (BARROS, 2015; LEMME; ARRUDA; BAHIENSE, 2019; PIZZOL; DE ALMEIDA; SOARES, 2017; SILVA, 2019b; TELES et al., 2018; VANZELLA et al., 2018). Dentre eles, apenas Barros (2015) e Silva (2019b) investigam o fenômeno sob a perspectiva econômica e de gestão das operadoras atuantes no país.

Nesse sentido, a presente pesquisa pretende contribuir para o conhecimento dos serviços de compartilhamento de veículos no Brasil na perspectiva da inovação em modelos de negócio e em comparação com a literatura internacional. A proposição de pesquisa envolve a identificação dos diferentes modelos de negócio desenvolvidos pelas operadoras de carsharing no Brasil. A questão da pesquisa pode ser assim sintetizada: Quais são os modelos de negócio que se desenvolveram entre as OCVs no Brasil? E até que ponto as categorizações sugeridas pela literatura internacional para os modelos de negócio de OCVs são aplicáveis ao contexto brasileiro?

Para a investigação dessa questão, a metodologia empregada foi a de estudos de caso múltiplos, desenvolvidos principalmente com base em entrevistas semiestruturadas realizadas junto a gestores, CEOs e demais líderes das operadoras desse serviço no Brasil. Ao todo, foram empiricamente pesquisadas 4 das 7 OCVs encontradas ativas no Brasil no ano de 2019.

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1.1. Metodologia

O presente trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa exploratória, a qual se apoia na perspectiva de modelos de negócio para identificar as diferentes arquiteturas de operação vigentes no mercado de carsharing do Brasil.

Por se tratar de um ramo de atividade relativamente novo no Brasil quando comparado aos países mais ricos (SHAHEEN; COHEN, 2015, 2020; SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018), há não apenas um número limitado de OCVs ativas no país, como também escassez de dados secundários na literatura acadêmica e em outras fontes sobre a experiência brasileira com OCVs (BARROS, 2015; SILVA, 2019b). Por esse motivo, optou-se pela estratégia de estudos de caso múltiplos para abordar o problema de pesquisa.

Segundo Yin (2001 [1984]), estudos de caso são ideais para o tratamento de problemas de pesquisa atrelados ao “o que” e “como”, ao mesmo tempo em que o pesquisador focaliza em eventos contemporâneos e não pretende controlar eventos comportamentais. Da mesma forma, estudos de caso são ideais para lidar com fenômenos complexos atrelados a inúmeras variáveis (YIN, 2001 [1984]). Por outro lado, a operação de estudos de caso múltiplos torna o estudo mais robusto, uma vez que ele suporta o cruzamento de dados e informações a respeito das unidades de análise consideradas (BENBASAT; GOLDSTEIN; MEAD, 1987).

Dito isso, o protocolo de pesquisa em estudos de caso utilizado é baseado em Eisenhardt (1989b), o qual compreende as etapas de: iniciação, seleção de casos, definição de instrumentos e protocolos, coleta de dados, análise de dados, elaboração de hipóteses, comparação com a literatura e encerramento (Figura 1).

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Iniciação •Especificação da questão de pesquisa

Seleção de casos •Definição de amostragem teórica ou estocástica

Definição de instrumentos •Delimitação dos métodos de coleta de dados a serem utilizados na e protocolos da pesquisa pesquisa

Coleta de dados •Coleta e análise simultânea dos dados a serem utilizados

•Especificação dos métodos utilizados para as análises individuais e Análise de dados cruzadas

Elaboração das hipóteses •Tabulação iterativa dos dados e constructos emergentes

Comparação com a •Comparação dos dados obtidos com a literatura literatura

Encerramento •Encerramento do estudo quando saturação teórica é atingida

Figura 1 - Processo de construção de pesquisas em estudo de caso. Fonte: Eisenhardt (1989b), adaptado.

Novamente, para iniciação enuncia-se o seguinte problema de pesquisa: “Quais são os modelos de negócio que se desenvolveram entre as OCVs no Brasil? E até que ponto as categorizações sugeridas pela literatura internacional para os modelos de negócio de OCVs são aplicáveis ao contexto brasileiro?” Desse , as proposições de pesquisa estão vinculadas à identificação dos modelos de negócio das OCVs no Brasil.

Quanto à seleção de casos, o estudo obedeceu a três critérios principais: (i) a empresa deveria estar diretamente envolvida com a prestação de serviços de carsharing no momento da pesquisa; (ii) a empresa deveria estar ativa até 31 de dezembro de 2019; e (iii) a empresa deveria dispor de um website atualizado. No que se refere à amostragem, devido ao número de OCVs brasileiras atendendo esses critérios ser diminuto, optou-se por trabalhar com toda a população de OCVs instaladas no Brasil. Ao total, foram encontradas 7 OCVs, das quais 4 aceitaram o convite para participar, tendo o restante declinado ou mesmo não retornado contato.

No Quadro 1 são apresentadas informações de todas as 7 OCVs encontradas no decorrer da pesquisa. As 4 OCVs efetivamente inseridas no trabalho (Alfa, Beta, Gama e Delta) possuem informações adicionais pertinentes aos respectivos informantes acessados (identificação, formação profissional e cargo em que ocupava no momento da entrevista). As 20

demais (Zeta, Ômega e Sigma) representam as operadoras que recursaram ou não responderam ao convite feito2.

Operadora Sede Situação Informante Local da entrevista

Alfa São Paulo, SP Convite aceito Entrevistado A, designer, líder Imediações da sede, São na área de análise de dados e Paulo- SP comportamento do consumidor

Beta São Paulo, SP Convite aceito Entrevistado B, profissional de Sede, São Paulo- SP mídias e comunicação, Chief Executive Officer (CEO)

Gama Recife, PE Convite aceito Entrevistado C, administrador, Subsidiária, São Paulo- diretor comercial SP

Delta São Paulo, SP Convite aceito Entrevistado D, engenheiro da Vídeo chamada computação, Chief Technology Officer (CTO)

Zeta São Paulo, SP Convite - - declinado

Ômega São Bernardo Convite - - do Campo, SP declinado

Sigma São Paulo, SP Não retornou - - o contato

Quadro 1 - Operadoras encontradas, local da sede, situação junto à pesquisa, dados do informante e local de entrevista. Fonte: Entrevistas.

Para a terceira etapa, o protocolo de pesquisa adotado parte da concepção de Modelo de Negócio enquanto uma unidade de análise (AMIT; ZOTT, 2001; DASILVA; TRKMAN, 2014; ZOTT; AMIT; MASSA, 2011), bem como a condução de entrevistas semiestruturadas juntamente a gestores, CEOs e demais líderes das empresas selecionadas. Dentre as inúmeras possibilidades – e.g. análise de dados, observações, análise documental (EISENHARDT, 1989b) –, optou-se pela condução de entrevistas semiestruturadas. Também se faz desejável a coleta de dados a partir de mais de um informante de maneira a viabilizar a triangulação e verificação de informações para construção de análises mais robustas (EISENHARDT, 1989b; YIN, 2001 [1984]).

2Uma das OCVs identificadas, inclusive, estava vinculada à uma montadora de veículos que iniciou seus serviços de carsharing no segundo semestre de 2019. Mesmo estabelecendo contato com um dos gestores responsáveis pelo novo serviço no Brasil, o mesmo foi impedido de participar devido à não devolutiva de seus superiores autorizando-o a participar. 21

A coleta de dados compreendeu, a priori, um convite eletrônico enviado a possíveis informantes-chave via Linkedin acompanhado de um pedido formalizado por e-mail enviado posteriormente. Também foram consideradas as informações extraídas do mesmo material jornalístico citado na subseção 1.1.1 o qual comentava sobre as operadoras ativas. No que tange aos informantes acessados, mesmo diante das recomendações da literatura em buscar múltiplas fontes de informação (EISENHARDT, 1989b; YIN, 2001 [1984]), o acesso às operadoras foi limitado. De início, buscou-se contato com dois ou mais informantes para cada OCV, contudo, devido à indisponibilidade dos recursos humanos das empresas, foi possível contato apenas com um informante por operadora. Ao total, foram realizadas 4 entrevistas (uma para cada OCV) com duração máxima de 1 hora e 30 minutos. As interações ocorreram, em sua maioria, presencialmente na sede das empresas ou respectivas subsidiárias. Apenas a entrevista com o informante D (empresa Delta) foi realizada por videoconferência, dado as restrições sanitárias impostas no decorrer do ano de 2020 em decorrência da pandemia do novo coronavírus. O conteúdo das entrevistas envolveu questões relacionadas à identificação da empresa (e.g. ano de fundação, local da sede, cidades atendidas pelo serviço), caracterização do modelo de negócio (e.g. proposições de valor, público-alvo, parcerias, processos e recursos-chave) e também ao contexto no qual a empresa está imersa (e.g. legislação atual e principais desafios). As principais perguntas utilizadas durante as entrevistas estão detalhadas no Apêndice A.

As perguntas feitas foram derivadas da revisão e problematização bibliográfica discutida no capítulo 2.1, o qual não somente traz uma definição para Modelo de Negócio, como também elucida os principais elementos pertinentes a um modelo de negócio. Ainda que o capítulo 2 conforte abordagens e concepções teóricas de vários autores, optou-se pela definição de Teece (2010), a qual compreende um Modelo de Negócio enquanto uma arquitetura de criação, entrega e captura de valor. Desse modo, compreende-se: (a) criação de valor como as proposições de valor feitas pela empresa, junto ao público-alvo a ser atendido; (b) entrega de valor como a maneira pela qual a empresa se relaciona com seu público-alvo, operacionaliza a criação de valor e as parcerias nas quais a empresa se apoia para fazer as proposições de valor; e (c) captura de valor como as formas pelas quais a empresa gera receitas de forma lucrativa (MAGRETTA, 2002; MÜNZEL et al., 2018; REMANE et al., 2016; TEECE, 2010).

Os dados obtidos foram transcritos e enviados aos participantes para conferência. Paralelamente, as informações obtidas foram tão logo trianguladas com outras fontes de informação: (a) website das empresas entrevistadas; (b) entrevistas e reportagens veiculadas pela mídia (quando disponíveis) envolvendo gestores e CEOs relacionados à empresa; e, em 22

alguns casos, (c) os próprios termos de uso dos serviços disponibilizados online. Após tais medidas, as informações das entrevistas foram tabuladas e incorporadas à pesquisa no formato indicado acima (criação, entrega e captura).

A respeito da análise de dados, optou-se pela Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977). A técnica permite a investigação das informações prestadas através de métodos sistemáticos e objetivos para transformar os dados em informações pertinentes à pesquisa (BARDIN, 1977; MORAES, 1999; SANTOS, 2012). Pelo fato de essa técnica não preservar um método pré-determinado variando de acordo com o objeto de estudo e contexto da pesquisa (BARDIN, 1977), o presente trabalho buscou agrupar os dados obtidos através da perspectiva de modelos de negócio, assim como já tem sido utilizada por alguns autores (AMIT; ZOTT, 2001; CASADESUS-MASANELL; RICART, 2010; CHESBROUGH; ROSENBLOOM, 2002; DEMIL; LECOCQ, 2010; TEECE, 2010). Ou seja, os dados obtidos em cada interação foram consequentemente agrupados sob os constructos de criação, entrega e captura de valor descritos na definição de Teece (2010). A partir dessa unidade de análise, foi possível desenvolver análises tanto individuais quanto cruzadas entre os estudos de caso.

Após a etapa de análise de dados que envolve considerações individuais e cruzadas dos estudos de caso, é possível a concepção de algumas hipóteses decorrentes do processo interativo (EISENHARDT, 1989b). Esse processo de formulação de hipóteses é importante uma vez que ele pode levar à validação interna da pesquisa (EISENHARDT, 1989b). No entanto, trata-se de um processo mais aderente à construção de estudos de caso explanatórios (envolvidos com questões de pesquisa relacionadas ao “como” ou “por que”) do que propriamente exploratórios (EISENHARDT, 1989b; YIN, 2001 [1984]). Nesse sentido, no lugar da formulação de hipóteses para serem testadas caso a caso, buscou-se explorar possíveis proposições para pesquisas futuras relacionadas às operadoras de carsharing no Brasil e seus modelos de negócio, conforme apresentado no capítulo 6.

A etapa seguinte envolve um comparativo com a literatura de maneira abrangente, ou seja, abarcando tanto a literatura convergente com os achados, quanto a literatura divergente. A revisão desta última junto aos resultados acaba se tornando peça central para uma pesquisa, uma vez que se mostra como uma oportunidade para os pesquisadores expandirem sua visão analítica sobre determinado objeto (EISENHARDT, 1989b). O processo de diálogo com a literatura está disposto no capítulo 5. 23

Por fim, está o encerramento, processo no qual Eisenhardt (1989b) aponta para a questão da saturação da pesquisa. Nessa etapa, há duas dimensões a serem consideradas. Primeiro, a saturação pode ocorrer quando a adição de novos estudos de caso não traz novas discussões com a literatura, ou então, os ganhos marginais dela provenientes são mínimos. Para este trabalho, a saturação desta dimensão é alcançada pelo impedimento em acrescentar novos estudos de caso. Como mencionado anteriormente, 3 das 7 OCVs identificadas como população declinaram ou não responderam os convites enviados. Dessa forma, a investigação envolveu a análise e discussão de 4 estudos de caso.

Por outro lado, a saturação da pesquisa também depende do diálogo entre os casos e a literatura (EISENHARDT, 1989b). Nesta dimensão, a saturação é evidenciada quando a análise dos estudos de caso e seu subsequente contraponto com a literatura já não trazem novas considerações para a investigação. Assim, o produto final da pesquisa pode se materializar de diversas formas. Desde a elaboração de novos conceitos, frameworks analíticos e novas proposições à literatura, até mesmo confirmar resultados já conhecidos ou gerar dados sem padrões reconhecíveis para aprofundar as discussões (EISENHARDT, 1989b).

Considerando tais colocações, a saturação desta dimensão é atingida à medida que o problema de pesquisa proposto é atendido3. Primeiro, quando são identificados os principais modelos de negócio utilizados pelas OCVs instaladas no mercado doméstico. E, segundo, quando o diálogo com a literatura acadêmica relacionada a categorizações dos modelos de negócio em carsharing não mais oferecem considerações adicionais a respeito da aplicação dessas mesmas categorizações ao contexto brasileiro.

1.1.1 Levantamento e seleção das OCVs atuantes no Brasil

Em primeiro lugar, foi executado um levantamento das OCVs atuantes no Brasil a partir de quatro fontes de informação distintas: (i) base de dados Crunchbase, (ii) recortes jornalísticos disponíveis online, (iii) o website das OCVs levantadas e (iv) trabalhos acadêmicos.

3“Quais são os modelos de negócio que se desenvolveram entre as OCVs no Brasil? E até que ponto as categorizações sugeridas pela literatura internacional para os modelos de negócio são aplicáveis ao contexto brasileiro?” 24

Em relação à primeira, a Crunchbase é uma base de dados paga que reúne dados sobre empresas e investidores de diversos ramos e países a partir dos inputs de uma comunidade formada por pessoas físicas, instituições de pesquisa, agências públicas, investidores e companhias de mídia (CRUNCHBASE, 2020). A base utiliza um sistema pré-definido de filtros (ou “tags”) que abrangem diferentes tipos de atividade, montante de investimentos recebidos, país sede e tamanho da empresa.

As buscas na Crunchbase foram feitas entre junho e agosto de 2019, e envolveram a tag “carsharing”, o qual gerou 332 resultados que correspondiam ao contexto global. A partir do uso de filtro por país (“Brazil”), foram encontradas 14 empresas sob essa localidade. Cada uma foi então verificada separadamente a partir de seus respectivos websites. Foram excluídas aquelas que não dispunham mais de um domínio online ou não o atualizavam mais (3 empresas); não indicavam explicitamente sua atuação como provedoras de serviços de carsharing (3 empresas); e não estavam ativas no Brasil em 2019 (3 empresas). Sob esses critérios, a busca na Crunchbase levou à identificação final de 5 OCVs.

Paralelamente, também foram feitas buscas em portais de notícias brasileiros sobre as OCVs em atuação no Brasil. O acompanhamento desses portais foi feito entre junho de 2019 e janeiro de 2020, e foram considerados reportagens, entrevistas e artigos jornalísticos. Na utilização deste recurso para busca, houve a confirmação das mesmas 5 OCVs obtidas através da Crunchbase, mas houve também a identificação de mais outras 2 OCVs, sendo que uma delas havia sido estruturada no final de 2019. Assim, foi identificada uma população de 7 OCVs que estavam ativas no Brasil no ano de 2019. Como mencionado na seção anterior, o procedimento de pesquisa compreendeu o contato com as 7 OCVs para realização de estudos de caso, tendo tido resposta positiva de quatro delas.

1.2. Estrutura da dissertação

A fim de se responder o problema de pesquisa apresentado, este trabalho está organizado em 6 capítulos, considerando o capítulo inicial da introdução. O capítulo 2 é dedicado a discutir o conceito de modelos de negócio, permeando suas possíveis definições para a literatura acadêmica seguido por seus desdobramentos nos estudos de inovação quando se materializa na concepção de inovação em modelos de negócio. O capítulo 3, por outro lado, 25

é um componente do trabalho orientado ao carsharing, trazendo sua definição, características e desenvolvimentos recentes mundo afora e no Brasil. No capítulo 4 são apresentados os estudos de caso envolvendo as 4 OCVs acessadas, organizando-se da maneira concebida por Teece (2010): criação, entrega e captura de valor. Tendo por base os dados obtidos, o capítulo 5 se reserva a discuti-los, contendo tão logo a análise individual e cruzada dos estudos de caso e interações com a literatura exposta nos capítulos anteriores. Por fim, no capítulo 6, faz-se o fechamento do trabalho, apresentando sinteticamente os principais achados, limitações da pesquisa e implicações para pesquisas futuras a partir da exploração conduzida.

26

2 MODELOS DE NEGÓCIO E INOVAÇÃO EM MODELOS DE NEGÓCIO

Equilibrium and perfect competition are a caricature of the real world. Customers don’t just want products; they want solutions to their perceived needs. (TEECE, 2010 p.175)4

Segundo Teece (2010), Modelo de Negócio pode ser definido como a “(...) arquitetura de criação, entrega e captura de valor de um negócio” (TEECE, 2010 p.172, tradução nossa)5. Sob essa perspectiva, é possível afirmar que desde os anos 1980, inúmeras indústrias têm mudado tais arquiteturas. Empresas como Apple, Boeing, Coca-Cola, e General Electric outrora dedicadas primordialmente ao desenvolvimento, produção e venda de produtos têm se movido a jusante (AMIT; ZOTT, 2010; WISE; BAUMGARTNER, 1999; ZHU; FURR, 2016) de maneira a se aproximar do cliente através da integração entre produtos, serviços e conhecimento (MONT, 2002; VANDERMERWE; RADA, 1988). Tal reposicionamento na cadeia de valor tem sido chamado na literatura de servitização (BAINES et al., 2017; NEELY, 2008; VANDERMERWE; RADA, 1988).

Inicialmente fomentada pelo acirramento da concorrência, por mudanças nos padrões de consumo e pela difusão e desenvolvimento das tecnologias digitais (BAINES et al., 2017; VANDERMERWE; RADA, 1988; WISE; BAUMGARTNER, 1999), a servitização também se tem apoiado nas pressões institucionais pertinentes à sustentabilidade ambiental das atividades econômicas (BAINES et al., 2007; GOEDKOOP et al., 1999; MONT, 2002). A vertente específica da literatura que trata desse debate sobre a questão ambiental se ateve a desenvolver o conceito de “sistemas produto-serviço” (BAINES et al., 2007; GOEDKOOP et al., 1999; MONT, 2002). Entendido como “(...) um conjunto comercializável de produtos e serviços que atende as necessidades dos clientes” (GOEDKOOP et al., 1999 p.18 tradução nossa). Os autores sugerem que os clientes têm dado maior valor às funcionalidades dos produtos do que a sua própria propriedade. Isto é, houve uma valorização dos serviços obtidos através do produto em relação ao produto em si (GOEDKOOP et al., 1999; MONT, 2002). Por outro lado, governos têm pressionado as empresas a reduzirem suas emissões e desperdício durante o processo produtivo a fim de cumprirem com suas políticas ambientais domésticas (AKYELKEN et al., 2018; ARMSTRONG et al., 2015; BAINES et al., 2007). Esse efeito, por

4“O equilíbrio e a competição perfeita são uma caricatura do mundo real. Os clientes não querem apenas produtos; eles querem soluções para suas respectivas necessidades” (TEECE, 2010 p. 175, tradução nossa). 5Original em inglês. 27

sua vez, acarreta em uma redução dos fluxos de energia e de materiais nas cadeias de valor, contribuindo para a mitigação dos impactos ambientais nos processos produtivos (GOEDKOOP et al., 1999).

Quando a Apple lançou o primeiro iPhone em 2007, ela alterou profundamente a lógica da indústria de telefonia móvel (HACKLIN; BJÖRKDAHL; WALLIN, 2018; LINDGARDT et al., 2015). Anteriormente, as incumbentes (e.g. Nokia, Motorola e Ericsson) se voltavam primordialmente ao desenvolvimento do hardware de seus aparelhos, o que resultava em proposições de valor – i.e. novos benefícios aos usuários – fundamentadas em quesitos técnicos (HACKLIN; BJÖRKDAHL; WALLIN, 2018). O iPhone por outro lado, trazia consigo novas funcionalidades via software que constituíram não apenas novas vias de receita para Apple, como também novas proposições de valor lastreadas às novas possibilidade de uso do aparelho (HACKLIN; BJÖRKDAHL; WALLIN, 2018). Os serviços de streaming6 de mídia via iTunes é um exemplo disso, na medida em que ele oferece acesso a músicas online mediante o pagamento de mensalidades dos usuários (HACKLIN; BJÖRKDAHL; WALLIN, 2018; LINDGARDT et al., 2015).

Outro exemplo é o modelo de negócio power-by-the-hour da Rolls-Royce na indústria aeronáutica. Participando desse mercado desde o início do século XX, a empresa converteu sua lógica de atuação já nos anos 1960 (BAINES et al., 2007; ROLLS ROYCE, 2019; TEECE, 2018). Ao invés de apenas desenvolver, produzir e vender turbinas de aeronaves, a empresa optou por reestruturar seu Modelo de Negócio em torno da prestação de serviços. Assim, ao invés de buscar concretizar a venda das turbinas, a empresa passou a oferecer suas turbinas gerando receitas a partir do tempo de voo, o que alterou os fluxos de desembolso para o cliente e de receitas para a companhia (TEECE, 2018). Essa mudança de mentalidade resultou em mudanças significativas em suas proposições de valor. Por um lado, o cliente passou a pagar apenas pelo uso efetivo que fazia das turbinas, permitindo-lhe aliviar o nível de capital imobilizado nesse ativo. Por outro, foi possível maximizar o tempo de voo (e, portanto, o volume de serviços aéreos) a partir de turbinas mais duráveis. Em contrapartida, ao adotar esse novo modelo de negócio, a Rolls-Royce foi capaz de obter fluxos de receita constantes, viabilizando a aplicação de novos recursos para o desenvolvimento de turbinas mais eficientes (TEECE, 2018).

6De acordo com o Dicionário Cambridge, “streaming” se refere ao ato de ouvir ou assistir áudios ou vídeos diretamente da internet (“Streaming”, 2020 tradução nossa). 28

Sob esse quadro de mudanças no ambiente econômico, tecnológico e institucional, as empresas têm experimentado novas vias de geração de receita, novas tecnologias e novos segmentos de mercado a fim de preservar suas vantagens competitivas (WISE; BAUMGARTNER, 1999; ZHU; FURR, 2016). Em outras palavras, novas arquiteturas de criação, entrega e captura de valor.

É a partir dessa necessidade de repensar constantemente a lógica de criação, entrega e captura de valor das empresas que a literatura sobre modelos de negócio se desenvolve no final dos anos 1990 (MAGRETTA, 2002; MINATOGAWA et al., 2020; OSTERWALDER; PIGNEUR; TUCCI, 2005; ZOTT; AMIT; MASSA, 2011) atraindo o interesse de gestores, empreendedores e acadêmicos (CHESBROUGH, 2007; CHRISTENSEN; BARTMAN; BEVER, 2016; LINDGARDT et al., 2015). Enquanto para os dois primeiros grupos o conceito de modelo ou modelagem de negócio surge como uma ferramenta capaz de auxiliá-los a explorar valor latente ainda não explorado de seus negócios (CHESBROUGH, 2007), para o segundo grupo, parece se materializar como uma nova unidade de análise (AMIT; ZOTT, 2001; DASILVA; TRKMAN, 2014; MASSA; TUCCI, 2015; ZOTT; AMIT; MASSA, 2011). Isso porque, ao mesmo tempo em que supera a concepção de firma da teoria neoclássica, modelo de negócio também parece reunir as contribuições dos principais críticos dessa teoria (AMIT; ZOTT, 2001; DASILVA; TRKMAN, 2014; ZOTT; AMIT; MASSA, 2011) de Schumpeter (1982 [1934]) e Penrose (2013 [1959]) a Coase (1937) e Williamson (1979).

De acordo com a teoria neoclássica, a firma poderia ser vista como uma função de produção envolvendo dois ou mais insumos que, combinados, geram um determinado nível de output (MANKIW, 2001; PINDYCK; RUBINFELD, 1991). Por se tratar de uma abstração da realidade lastreada a um modelo matemático, a modelagem neoclássica exige um conjunto de pressupostos e axiomas para funcionar devidamente, tais como a existência de simetrias de informação e contratos perfeitos7 (COASE, 1937; DEMSETZ, 1967; WILLIAMSON, 1979), a concorrência limitada ao preço (SCHUMPETER, 1982 [1934]), a homogeneidade dos recursos (BARNEY, 1991; PENROSE, 2013 [1959]), a pré-existência de mercados para todos os bens e serviços gerados (TEECE, 2010) e a criação de valor automática e unidirecional8

7Em Coase (1937), o autor demonstra através de diversos exemplos (hipotéticos e reais) como as relações econômicas de fato ocorrem: sob incertezas. Isso implica dizer que os próprios contratos não conseguem compreender todas as contingências possíveis e imagináveis de uma relação econômica. Portanto, a natureza de qualquer relação econômica é imperfeita do ponto de vista da informação (DEMSETZ, 1967). 8Automática, pois para os neoclássicos, a criação de valor surge através da geração de receitas garantidas via nível de preços (BOWMAN; AMBROSINI, 2000; DESHPANDE, 1983; MORAN; GHOSHAL, 1996; SCHAU;

29

(PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004; SCHAU; MUÑIZ; ARNOULD, 2009; TEECE, 2010). Sob um contexto de notáveis mudanças na forma como as empresas competem e nas mudanças dos padrões de consumo (BELK, 2014a, 2014b; PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004; ROGERS, 2016), a modelagem neoclássica se torna ainda mais frágil para tratar de empresas reais.

Em contraste, a abordagem de modelos de negócio não trata de um modelo matemático, tampouco de um algoritmo (BADEN-FULLER; MORGAN, 2010; MAGRETTA, 2002; TEECE, 2010). De fato, modelo de negócio está mais próximo de um modelo em escala da empresa (BADEN-FULLER; MORGAN, 2010), sintetizando operações complexas envolvendo os recursos utilizados na atividade, a rede de stakeholders mobilizados através da cadeia de valor e a governança à qual os dois primeiros (recursos e stakeholders) são submetidos (AMIT; ZOTT, 2010, 2001; DASILVA; TRKMAN, 2014). É um constructo montado a partir de observações empíricas, assim como as contribuições de Schumpeter (1982 [1934]), Penrose (2013 [1959]) e Coase (1937).

Suas semelhanças com essas vertentes, no entanto, não estão limitadas ao processo de construção a partir de observações empíricas. Na verdade, o conceito de Modelo de Negócio é aderente à ambas contribuições. Assim como demonstram Amit e Zott (2001) e DaSilva e Trkman (2014), a criação de valor não se dá exclusivamente por novas combinações de recursos, tampouco somente pela eficiência dos custos de transação. O processo está lastreado às transações realizadas com o uso desses recursos (DASILVA; TRKMAN, 2014). Nos casos explorados por Amit e Zott (2001), as empresas vinculadas à Internet (e-business) estavam não somente criando novos produtos, serviços e processos, mas também utilizando da Internet para explorá-los sob custos de transação candentes. Tão logo, um modelo de negócio, enquanto uma unidade de análise, consegue “... representar uma combinação específica de recursos pelas quais através de transações, a empresa consegue criar valor para si e para seus clientes” (DASILVA; TRKMAN, 2014, p. 382 tradução nossa).

Nesse ponto, é possível destacar que a abordagem de Modelo de Negócio também transcende as contribuições de Schumpeter (1982 [1934]), Penrose (2013 [1959]) e Coase (1937). No momento em que o conceito ganhou proeminência, diversas transformações

MUÑIZ; ARNOULD, 2009). E unidirecional, pois a interação empresa-cliente se configura de forma verticalizada, i.e. o consumidor assume um papel passivo diante das proposições de valor de uma empresa (PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004; SCHAU; MUÑIZ; ARNOULD, 2009; TEECE, 2010). 30

tecnológicas e econômicas já estavam em curso. A difusão da internet e abertura de novos mercados, por exemplo, têm forçado as empresas a olhar mais atentamente para as necessidades de seus clientes, buscando aprimorar seu endereçamento (TEECE, 2010). O cliente acaba por ocupar um lugar de destaque na nova dinâmica (PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004; ROGERS, 2016; TEECE, 2010).

A abordagem de Modelos de Negócio, tanto como uma ferramenta para gestores quanto como uma nova unidade de análise para acadêmicos, permite observar como a empresa está atendendo essas necessidades (TEECE, 2010), enquanto que sob a perspectiva em Inovação em Modelos de Negócio, permite observar reajustes nas proposições de valor ao longo do tempo (DEMIL; LECOCQ, 2010; OCDE/EUROSTAT, 2018).

2.1 As diferentes definições para Modelo de Negócio

Como comentado anteriormente, a literatura sobre Modelos de Negócio é uma literatura relativamente recente que tem atraído diferentes interesses, inclusive acadêmicos. Dentre eles, diversos grupos de pesquisa têm se dedicado a explorar esse conceito, cunhando diferentes definições de acordo com seus interesses de pesquisa (BELUSSI; ORSI; SAVARESE, 2019; ZOTT; AMIT; MASSA, 2011).

Desse modo, há autores que o definem como sendo uma lógica pela qual uma empresa opera (CASADESUS-MASANELL; RICART, 2010; LINDER; CANTRELL, 2000), história de como as empresas funcionam (MAGRETTA, 2002), um sistema de atividades desempenhado por uma empresa (AMIT; ZOTT, 2012), um descritivo dos recursos, estruturas e governanças mobilizados por um negócio (AMIT; ZOTT, 2001) ou mesmo, uma arquitetura de criação, entrega e captura de valor (TEECE, 2010).

O mesmo não pode ser dito em relação aquilo que os autores assumem como sendo os componentes de um Modelo de Negócio. Com exceção dos trabalhos de Amit e Zott (AMIT; ZOTT, 2001, 2012; ZOTT; AMIT, 2010) e Casadesus-Masanell e Ricart (2010) que sugerem componentes mais abstratos e genéricos, os demais apresentam similaridades no que eles trazem como componentes (Quadro 2).

31

Artigo Definição adotada Componentes considerados Proposição de valor Modelo de geração de receitas Linder e Cantrell Lógica Canais de comunicação com clientes (2000) Forma organizacional

Conteúdo das transações Amit e Zott (2001) Descritivo Estrutura das transações Governança das transações Público-alvo Necessidades atendidas Magretta (2002) História Entrega de valor Geração de receitas

Chesbrough e Proposição de valor Rosenbloom (2002) Segmento de mercado Arquitetura Cadeia de valor Chesbrough (2007) Estrutura de custos Estratégia competitiva Escolhas envolvendo: Políticas Casadesus-Masanell e Ativos Lógica Ricart (2010) Governanças Consequências destas escolhas

Tecnologia base Benefícios oferecidos ao cliente Teece (2010) Arquitetura Segmento de mercado Vias de receita Mecanismos de captura de valor Atividades Amit e Zott Sistema (2012;2010) Ligações entre atividades Momento Quadro 2 - Definições para modelo de negócio e seus elementos. Fonte: Linder e Cantrell (2000), Amit e Zott (2001), Magretta (2002), Chesbrough e Rosenbloom (2002), Chesbrough (2007), Casadesus-Masanell e Ricart (2010), Teece (2010) e Amit e Zott (2012;2010).

Para Amit e Zott (2001), um Modelo de Negócio “(...) ilustra o conteúdo, estrutura e governança das transações [de uma empresa] ...” (AMIT; ZOTT, 2001, p. 511 tradução nossa)9. Em outras palavras, ele reúne informações sobre os recursos e competências

9Original em inglês. 32

mobilizados (conteúdo), os stakeholders engajados (estrutura) e a maneira pela qual os dois primeiros são coordenados pela empresa (governança).

Em trabalhos posteriores (AMIT; ZOTT, 2012; ZOTT; AMIT, 2010), esses mesmos autores desenvolvem outra definição de Modelos de Negócio: “... um sistema de atividades interdependentes que transcende a empresa central, ultrapassando seus limites” (ZOTT; AMIT, 2010, p. 216 tradução nossa). Nessa visão, a empresa mobiliza diversas “atividades” (e.g. recursos humanos ou capital) dela própria e de diferentes stakeholders, a fim de atender as necessidades de seus clientes.

Linder e Cantrell (2000) e Casadessus-Masanell e Ricart (2010) assumem Modelo de Negócio como sendo a lógica de criação, entrega e captura de valor de uma empresa. No entanto, ao contrário do primeiro, o trabalho de Casadesus-Masanell e Ricart (2010) sugere não apenas que Modelo de Negócio e a estratégia estão inter-relacionados, como também os diferencia de maneira explícita. Para eles, a estratégia é um processo decisório amplo e complexo pelo qual a empresa escolhe por qual Modelo de Negócio ela deseja competir no mercado. Dessa forma, um Modelo de Negócio é reflexo do planejamento estratégico realizado ex-ante, o qual definiu os ativos a serem mobilizados, a governança sob o qual esses serão coordenados e as políticas10 que irão vigorar na empresa (CASADESUS-MASANELL; RICART, 2010). No entanto, a estruturação completa de um Modelo de Negócio está fora do alcance de um planejamento ex-ante e racional. Os autores sugerem isso ao considerar como componentes as consequências previstas e não previstas das decisões tomadas anteriormente (CASADESUS-MASANELL; RICART, 2010).

Magretta (2002), por outro lado, define Modelos de Negócio como sendo “(...) histórias de como as empresas funcionam” (MAGRETTA, 2002, p. 4 traduzido). Assim, um Modelo de Negócio assertivo é aquele que “conta uma história coerente”, i.e. seus componentes devem estar configurados de maneira harmônica uns com os outros e em relação ao conjunto. Ao mesmo tempo, a autora rejeita a ideia de que um Modelo de Negócio corresponde a um algoritmo, um planejamento compreensivo, rígido e premeditado da maneira pela qual a empresa opta por competir em um determinado mercado.

Apesar dos trabalhos citados até aqui oferecerem importantes contribuições para o debate, é necessário adotar uma definição para guiar as discussões a serem feitas no capítulo

10Casadessus-Masanell e Ricart (2010) entendem por “políticas”, as escolhas organizacionais internas da empresa, tais como a política de férias dos funcionários. 33

105. Neste sentido, resgata-se o trabalho de Belussi et al. (2019). Esses autores realizam uma análise de co-citação11 da literatura e sugerem que Teece (2010) e Chesbrough e Rosenbloom (2002) são os dois trabalhos mais influentes entre os diversos grupos de estudo dedicados a Modelo de Negócio.

A começar por Chesbrough e Rosenbloom (2002), os autores debruçam-se em estudos de caso das spin-offs tecnológicas12 da Xerox e constatam que, da mesma forma que a companhia foi capaz de trazer uma inovação ao mercado de fotocopiadoras no passado, ela também estabeleceu uma lógica dominante de operação que limitou sua percepção e exploração das novas tecnologias por ela gestadas. Este fato acabou impelindo ex-funcionários da companhia a iniciar suas próprias empresas (muitas vezes sob modelos de negócio notadamente diferentes) dedicadas à comercialização daquelas tecnologias “subutilizadas”. Todas acabaram obtendo diferentes graus de sucesso.

Desta forma, Chesbrough e Rosenbloom (2002) e Chesbrough (2007) concebem modelo de negócio enquanto uma arquitetura de receitas, a qual permite a exploração de valor latente de uma tecnologia. Uma via pela qual a empresa conseguirá capturar o valor criado por uma inovação tecnológica (MASSA; TUCCI, 2015).

Em contrapartida, Teece (2010) encara modelo de negócio não somente como uma via para captura de valor, mas também como a fonte de geração de valor em si (MASSA; TUCCI, 2015). Ao explorar o caso da Netflix, o autor demonstra que foi através da combinação entre uma inovação tecnológica e uma inovação em modelo de negócio que a empresa conseguiu competir com sua principal concorrente: a Blockbuster. Em vez de confiar seu core business a redes de lojas físicas e gerar receitas a partir de locações individuais, a empresa estruturou um serviço de locação de DVDs por correspondência cobrando mensalidades que davam direito aos seus clientes locar um número fixo de mídias por mês sem custo adicional (denominado subscription model). Ao mesmo tempo, sua tecnologia patenteada de listagem de pedidos on-line trouxe não somente eficiência aos seus serviços, como também compôs sua

11A análise de co-citação “(...) utiliza de contagem de co-citações para construir medidas de similaridade entre documentos, autores ou periódicos” (ZUPIC; ČATER, 2015, p. 431 traduzido). Nessa análise, pressupõe-se que quanto mais vezes dois trabalhos forem citados juntos, maiores as chances de ambos estarem correlacionados (ZUPIC; ČATER, 2015). No caso de Belussi e colegas, os autores observam a formação de alguns clusters que correspondem aos diferentes grupos de estudo envolvendo modelos de negócio. Ao gerarem um mapa de co- citação, estes autores encontram Teece (2010) e Chesbrough e Rosenbloom (2002) com fortes ligações entre os clusters, o que indica a influência desses dois trabalhos para o desenvolvimento da abordagem. 12Segundo os próprios autores (CHESBROUGH; ROSENBLOOM, 2002), spin-offs tecnológicas são empresas iniciadas a partir de um projeto de desenvolvimento tecnológico dos laboratórios de uma empresa central. No caso, da Xerox. 34

proposição de valor e dificultou a imitação de seu modelo de negócio por parte das demais concorrentes.

Assim, Teece (2010) enxerga modelo de negócio enquanto uma “arquitetura de criação, entrega e captura de valor”; ou seja, para além de uma estrutura de geração de receitas sob uma determinada tecnologia, o modelo de negócio une diversos componentes (inclusive tecnológicos) que são pertinentes para todo o processo. Da criação à captura de valor, o processo depende da coerência e coesão entre os componentes do modelo de negócio para ocorrer de forma efetiva. Para isso, a Netflix teve que desenvolver um novo modelo de negócio diferente do praticado no mercado, que fosse capaz de compor uma lógica de funcionamento coerente e que, no fim, garantiu-lhe uma vantagem competitiva frente à Blockbuster.

Dito isso, o presente trabalho se apoia na concepção de Teece (2010) para Modelo de Negócio. Primeiro por ele estar entre os trabalhos mais influentes no que diz respeito a essa literatura. Segundo, por ele apresentar uma definição mais abrangente que valoriza não somente o papel da inovação tecnológica, como também a harmonia dos componentes de um Modelo de Negócio para constituição de uma inovação em modelo de negócio.

Mas o que é Inovação em Modelos de Negócio? Como as empresas operacionalizam-na? Qual sua relação com a geração de novas proposições de valor? O próximo item se dedica a aprofundar essa discussão.

2.2 Inovação em Modelos de Negócio

De acordo com a quarta edição do Manual de Oslo (2018), a Inovação em Modelos de Negócio é um fenômeno abrangente que inclui inovações de produto e inovações de processo13. Em outras palavras, ela envolve novos produtos, serviços, práticas de venda, técnicas de marketing, logística, distribuição, interfaces de interação com o cliente e novos métodos de gestão dos recursos da empresa (OCDE/EUROSTAT, 2018). Desta forma, ela envolve novas combinações entre os elementos de um modelo de negócio.

13“Inovação de produto se refere a um novo produto ou serviço introduzido no mercado que se difere significativamente dos produtos e serviços oferecidos anteriormente pela empresa” (OCDE/EUROSTAT, 2018, p. 70 tradução nossa). Já inovação de processo se trata de “... um novo processo para uma ou mais funções da empresa que se difere significativamente dos processos empregados anteriormente” (OCDE/EUROSTAT, 2018, p. 72 tradução nossa). 35

Porém, não se trata apenas de novas combinações. Retomando o caso da Netflix em Teece (2010), a empresa optou por um modelo de negócio de prestação de serviços de locação de mídias a domicílio (i.e. inovação em serviço) baseado no uso de catálogos online e em novos métodos de retirada e devolução de mídias (i.e. inovação de processo). Através dessa nova arquitetura, a Netflix pôde oferecer não somente preços relativos mais competitivos em relação à Blockbuster, mas também novas proposições de valor.

Outro caso relevante é o modelo de negócio low-fare low-cost adotado pela Ryanair e explorado por Casadesus-Masanell e Ricart (2010). Nesse artigo, os autores demonstram como cada componente do modelo de negócio da empresa se relaciona de maneira a criar novas proposições de valor (Figura 2).

Figura 2 - Representação do Modelo de Negócio da Ryanair. Fonte: Casadessus-Masanell e Ricart (2010), adaptado.

Segundo os autores, a fim de estabelecer preços mais competitivos, a companhia atraiu primordialmente viajantes a lazer, o que a permitiu excluir a classe executiva de seus voos, induzindo abatimentos em seus custos fixos. Adicionalmente, menores preços atraem mais passageiros, aumentando a taxa de ocupação por aeronave e o número de viagens necessárias. Por outro lado, a fim de operar no nível de preços desejado, a empresa subtraiu os serviços de bordo de cortesia. Uma política que lhe rendeu não apenas menores custos variáveis, mas também abriu caminho para vias adicionais de receita na venda de comida a bordo. Sob 36

essa arquitetura, a empresa atingiu maiores margens de lucro, que por sua vez respaldaram preços mais competitivos (CASADESUS-MASANELL; RICART, 2010).

Portanto, Modelos de Negócio são mais do que a somatória de componentes, mas exigem combinações igualmente coerentes e coesas. Coerentes, pois os componentes escolhidos precisam estar alinhados entre si. E coesas, pois os mesmos precisam compor de forma harmônica com toda a arquitetura (CASADESUS-MASANELL; RICART, 2010; MAGRETTA, 2002; TEECE, 2010). Nesse sentido, Inovações em Modelo de Negócio são novas combinações coerentes e coesas entre componentes de um modelo de negócio; desde seu público-alvo, vias de receita até as tecnologias utilizadas e proposições de valor (TEECE, 2010).

Contudo, o Manual de Oslo (2018) também coloca que a Inovação em Modelo de Negócio também pode ser atingida quando uma empresa cessa completamente suas atividades anteriores para ingressar em um novo mercado e produzir outros tipos de produtos e serviços que exigem um novo modelo de negócio.

Outro aspecto importante a ser discutido é a complexidade de uma Inovação em Modelo de Negócio. A fim de conceber uma nova arquitetura de criação, entrega e captura de valor, a empresa utiliza de suas capacidades dinâmicas (TEECE, 2018). Isto é, ela empreende tempo e recursos na percepção de novas oportunidades mercadológicas e técnicas, na experimentação de novas combinações, na leitura e análise dos feedbacks e no realinhamento dos recursos e competências internos (TEECE, 2018). Desse modo, estruturar um novo modelo de negócio está muito mais próximo de experimentações e ajustes no decorrer das operações do que uma racionalização compreensiva ex ante (ANDRIES; DEBACKERE; LOOY, 2013; BOJOVIC; GENET; SABATIER, 2018; CHESBROUGH, 2010). Minatogawa et. al. (2020), por exemplo, sugerem um método de gestão e experimentação de novos modelos de negócio alinhado ao que é discutido por Teece (2018). O método sugerido compreende que tanto conhecimentos pré-estabelecidos quanto a captura de novos dados de aquisição e uso do produto ou serviço subsidiam tomadas de decisão e processos de aprendizado para aprimorar a performance do modelo de negócio praticado.

Outra dimensão da complexidade de uma Inovação em Modelos de Negócio é que ela exige a mobilização da empresa como um todo. Sob uma estrutura tão complexa quanto uma organização, a qual engloba diferentes interesses entre seus stakeholders (EISENHARDT, 1989a; JENSEN; MECKLING, 1976), viés cognitivo dos seus gestores para uma determinada 37

estratégia (CHESBROUGH; ROSENBLOOM, 2002; PRAHALAD; BETTIS, 1986) e limitação dos seus recursos e competências pré-existentes (CHESBROUGH, 2010; MASSA; TUCCI, 2015; TEECE, 1986), é possível identificar inúmeros obstáculos à Inovação em Modelos de Negócio (CHESBROUGH, 2010; MASSA; TUCCI, 2015; TEECE, 2010).

À medida que a Netflix ganhava espaço, a Blockbuster buscou novos recursos e competências capazes de assegurar sua posição no mercado (TEECE, 2010). A partir de 2002, a empresa adquiriu uma e-business análoga a Netflix (a NetLearn) e experimentou novos modelos de negócio em paralelo ao seu tradicional envolvendo os novos recursos digitais (TEECE, 2010). Esse processo ocorreu até 2006, quando a empresa finalmente incorporou o uso de catálogos online a seu modelo de negócio principal, com o serviço Blockbuster Total Access. Sob esse novo modelo de negócio, a Blockbuster compôs uma nova proposição de valor que oferecia mais comodidade aos seus clientes, permitindo-lhes solicitar mídias online e recebê-las em domicílio. Contudo, a devolução ainda precisava ser feita diretamente em uma loja física e as locações ainda eram cobradas por cada mídia solicitada online (TEECE, 2010). Segundo Teece (2010), a Blockbuster foi incapaz de conceber uma proposição de valor mais competitiva devido à relutância de seus gestores em promover um novo modelo de negócio capaz de canibalizar o modelo de negócio tradicional da marca.

Já no artigo de Chesbrough e Rosenbloom (2002), a Xerox não foi capaz de experimentar novos modelos de negócio devido à influência da lógica dominante por parte de seus gestores. Para Chesbrough (2010), a limitação dos recursos e competências pré-existentes na empresa impeliram seus próprios funcionários a sair da empresa e experimentar novos modelos de negócio por conta própria – muitas vezes radicalmente diferentes do da Xerox – via spin-offs, como foi o caso da Adobe e da 3Com.

Claro que obstáculos à Inovação em Modelos de Negócio não existem somente para incumbentes. O processo de leitura, experimentação e feedback por si só exige recursos e competências que no contexto de uma entrante estão severamente limitados (MASSA; TUCCI, 2015). Além disso, o próprio nível de incertezas também interfere na experimentação de novos modelos de negócio (MASSA; TUCCI, 2015; VASCONCELOS et al., 2018).

Por último, Inovações em Modelos de Negócio estão frequentemente atreladas à formulação de novas proposições de valor. Diante de mudanças mercadológicas, institucionais e tecnológicas, inúmeras indústrias têm recorrido à experimentação de novos modelos de negócio ao combinar produtos, serviços e conhecimento. Assim, além de se dedicar à geração 38

de inovações tecnológicas, as empresas se moveram a jusante na cadeia de valor, aproximando- se de seus clientes (CHESBROUGH, 2007; WISE; BAUMGARTNER, 1999; ZHU; FURR, 2016).

Na indústria aeronáutica, por exemplo, o modelo de negócio tradicional envolvia basicamente a montagem, venda e distribuição de aeronaves e peças de reposição juntamente com a prestação de serviços de manutenção e financiamento (WISE; BAUMGARTNER, 1999). Não obstante, a Boeing optou por um novo modelo de negócio ao acrescentar também serviços de armazenagem e logística das peças de reposição e serviços de treinamento de pilotos (WISE; BAUMGARTNER, 1999). A integração de novas atividades ao core business da Boeing impactou diretamente nas suas proposições de valor, proporcionando serviços que do contrário teriam de ser providenciados pela cliente (WISE; BAUMGARTNER, 1999).

Outro exemplo ilustrativo é a da Valve, uma desenvolvedora de jogos eletrônicos iniciada em 1996 (KÜCKLICH, 2017; ZHU; FURR, 2016). Nos seus primeiros 6 anos, a empresa dependeu de uma distribuidora para levar seus produtos aos clientes; algo recorrente nesta indústria (ZHU; FURR, 2016). Com a formação de uma comunidade virtual cativa através de produtos como Half-Life14, a empresa foi capaz de lançar em 2003 seu próprio canal de distribuição eletrônico chamado Steam (KÜCKLICH, 2017; ZHU; FURR, 2016). Além de tornar seus produtos mais competitivos por via de preço (cortando a participação de intermediárias e reduzindo custos de distribuição), ela absorveu a comunidade como componente central ao seu modelo de negócio (PORETSKI; ARAZY, 2017; PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004). Assim, ao invés de conduzir sozinha toda ideação e desenvolvimento de novos produtos in-house, a Valve permitiu que os próprios consumidores participassem ativamente do processo de criação de novos jogos, atualizações e correções de bugs, tornando- se sensível às mudanças de tendências do mercado (KÜCKLICH, 2017; PORETSKI; ARAZY, 2017).

O mais recente caso de destaque envolvendo a experimentação de novos modelos de negócio em prol de novas proposições de valor tem aparecido dentro da indústria automobilística. Sob a perspectiva de novas tecnologias – e.g. veículos autônomos,

14Enquanto um de seus produtos mais bem sucedidos, Half-Life foi responsável por reunir uma comunidade considerável em torno da empresa. Porém, ela não só engajava no acompanhamento assíduo de novos jogos, como também no próprio desenvolvimento voluntário de novos produtos. Esse último ocorria através das modificações feitas diretamente nos códigos-fonte dos jogos, resultando em “mods” como Counter-Strike. A percepção do potencial latente dessa prática impeliu a empresa a abrir o código de seu portfólio para que outros mods pudessem ser feitos pela comunidade crescente (KÜCKLICH, 2017; ZHU; FURR, 2016). 39

eletromobilidade e IoT – juntamente com mudanças nos padrões de consumo e novas pressões institucionais relacionadas à questão climática, diversas montadoras têm repensado seus modelos de negócio (ATHANASOPOULOU et al., 2019; BMW GROUP, 2019; FIRNKORN, 2012; MARX et al., 2014; RODRIGUES, 2018; SILVA, 2019b; WELCH, 2018). Empresas como a Daimler-Benz, BMW, General Motors, Toyota e Volkswagen têm experimentado modelos de negócio voltados à prestação de serviços de mobilidade, como o compartilhamento de veículos (carsharing).

Diferente da lógica de operação habitual das montadoras, a indústria de carsharing se fundamenta na ideia do acesso ao invés da propriedade (BARDHI; ECKHARDT, 2012; BOTSMAN; ROGERS, 2011; CARSHARING ASSOCIATION, 2019a; SUNDARARAJAN, 2016). Ao invés de possuir um veículo e carregar o ônus de sua propriedade (e.g. impostos, manutenção, depreciação etc.), o cliente opta por locar o veículo por um determinado período de tempo a fim de atender suas necessidades de locomoção momentâneas (BARDHI; ECKHARDT, 2012). Em outras palavras, os consumidores desse mercado estão interessados nos serviços de mobilidade e não no artefato em si. Nesse sentido, a entrada das montadoras em um mercado que potencialmente pode desarticular seu modelo de negócio atual (baseado na venda de veículos e consumo massificado) sinaliza uma mudança significativa na forma como o valor está distribuído em suas cadeias (HACKLIN; BJÖRKDAHL; WALLIN, 2018; JACOBIDES; MACDUFFIE, 2013; SLYWOTSKY, 1995). Assim como foi para a Indústria de Computadores nos anos 1980 (JACOBIDES; MACDUFFIE, 2013), o valor tem migrado dos integradores (como era para IBM e a Compaq) para os prestadores de serviço de mobilidade (o correspondente para os PC foi a Microsoft). Sob esse novo contexto, a experimentação de novos modelos de negócio mais próximos às novas necessidades dos consumidores é mais do que necessária.

Porém, assim como foi comentado anteriormente, a busca por proposições de valor mais atrativas não é trivial. A maior operadora de serviços de compartilhamento de veículos, uma joint-venture entre a Daimler-Benz e a BMW denominada “”, recuou em diversos mercados, tais como os de Nova Iorque, Vancouver, Londres e Bruxelas no começo de 2020 (MIGDAL, 2019; O’HEAR, 2019; SHARENOW, 2019). Também o serviço “GoDrive” da Ford foi descontinuado em Nova Iorque e Londres no mesmo ano de lançamento em 2015 (AUTOVISTA GROUP, 2018; FORD EUROPE, 2015; FORD MOTOR COMPANY, 2015; FRAGA, 2015). Aparentemente, ambas operações têm sofrido com altos custos operacionais e fraca adesão de clientes (CITYNEWS, 2019; SHARENOW, 2019). 40

No contexto brasileiro isso não tem sido diferente. Desde 2009, inúmeras OCVs – exclusivamente pequenas empresas de tecnologia – entraram e saíram do mercado. Algumas, alegando as mesmas dificuldades expostas pelas operadoras no exterior (FUSSY, 2018; SANT’ANA, 2017; SOARES, 2018). Porém, poucos estudos nacionais têm se dedicado a explorar essa nova atividade (BARROS, 2015; GIRARDI, 2016; MARX et al., 2014; SILVA, 2019b; TELES et al., 2018; VANZELLA et al., 2018) e menos ainda sob a perspectiva de Modelos de Negócio e Inovações em Modelo de Negócio (BARROS, 2015; SILVA, 2019b).

Diante de uma possível transformação na maneira como a indústria automobilística cria, entrega e captura valor e a escassez na literatura nacional em tratar das OCVs atuantes no Brasil, a presente pesquisa busca entender como essas empresas operam sob a perspectiva de Inovação em Modelos de Negócio. Dado que o mercado de compartilhamento de veículos é uma prática que tem se ampliado nos últimos anos graças à experimentação de novos modelos de negócio por parte das novas entrantes (MÜNZEL et al., 2018; RODRIGUES, 2018), cabe averiguar como as operadoras brasileiras criam, entregam e capturam valor no mercado doméstico.

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3 CARSHARING: UMA DISCUSSÃO A PARTIR DE MODELOS DE NEGÓCIO

Maybe it's not an owned car; it's a shared car or a . It means working with a different type of customer, which automakers don’t like (…) (REINERT, 2010)15

Atribuída a um dos consultores da Toyota sobre eletromobilidade, a frase acima ilustra o momento pelo qual as montadoras vêm passando nos últimos anos. Incertezas envolvendo a ascensão dos veículos elétricos e autônomos têm provocado inquietudes entre as montadoras (BARBOUR et al., 2019; ENOCH, 2015; SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016). Diante dessas incertezas, uma das respostas tem sido justamente a experimentação de novos modelos de negócio orientados à prestação de serviços de mobilidade. Dentre eles, o compartilhamento de veículo (carsharing).

Entendido como o acesso de curta duração a uma frota de veículos compartilhada por um grupo de pessoas (SCHAEFERS, 2013; SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998), o carsharing tem atraído não apenas as montadoras, mas também startups de tecnologia e locadoras de veículos tradicionais (COHEN; KIETZMANN, 2014; FIRNKORN; MÜLLER, 2011; KELL, 2013; MÜNZEL et al., 2018; SHAHEEN; COHEN, 2007). A oferta dos serviços de carsharing é feita por empresas operadoras de serviços de compartilhamento de veículos (OCVs) que podem assumir diferentes modelos de negócio. Desde empresas com uma frota própria de veículos, até aquelas que apenas intermedeiam relações de locação entre pessoas. De todo modo, a lógica central da atividade consiste na gestão de uma frota de veículos (própria ou não) que é disponível para o uso de uma comunidade de usuários (BARTH; SHAHEEN, 2002; CARSHARING ASSOCIATION, 2019b; COHEN; KIETZMANN, 2014; MÜNZEL et al., 2018; REMANE et al., 2016; SHAHEEN; COHEN, 2007).

Apesar do recente destaque recebido da mídia (AUTOESPORTE, 2019; BASTOS, 2019; FUSSY, 2013, 2017, 2018; KELL, 2013; SILVA, 2019a; SÔNEGO, 2017), o carsharing não é uma atividade do novo milênio. De fato, ele remonta aos anos 1940, quando surgiram as primeiras iniciativas de compartilhamento de uma frota de veículos na Europa (SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998). Contudo, foi apenas através de mudanças tecnológicas,

15“Talvez não seja um carro próprio, mas sim um carro compartilhado ou um Zipcar. De qualquer forma, significa trabalhar com um outro tipo de cliente, algo que as montadoras não gostam” (REINERT, 2010 tradução nossa). 42

econômicas e institucionais que o mercado de carsharing experimentou um crescimento significativo mundialmente (SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018).

Assim, outrora limitada a algumas cooperativas instaladas em pequenas cidades da Europa, a atividade recebeu considerável volume de empresas com atuação em grandes centros urbanos dos EUA, Canadá, Singapura, China e Brasil (COHEN; KIETZMANN, 2014; MÜNZEL et al., 2018; SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018; SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998).

Diante do crescimento inicial entre os anos 1990 e 2000, o mercado atraiu a atenção de novos entrantes, policy-makers e acadêmicos, seja pelas novas oportunidades de negócio, seja pelas promessas de cunho ambiental e dos ganhos possíveis na mitigação do tráfego urbano (ALMEIDA; SILVA; LEITE, 2017; CHEN; KOCKELMAN, 2016; FIRNKORN, 2012; SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018; SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016).

Nesse sentido, a literatura sobre carsharing reflete os múltiplos interesses por trás da atividade. Desde estudos preocupados com os impactos ambientais do carsharing (CHEN; KOCKELMAN, 2016; FIRNKORN; MÜLLER, 2011; PRETTENTHALER; STEININGER, 1999) até as mudanças nos padrões de consumo de veículos (BALLUS-ARMET et al., 2014; BARDHI; ECKHARDT, 2012; MEIJKAMP, 1998; SCHAEFERS, 2013) e os tipos de modelos de negócio subjacentes à atividade (BARTH; SHAHEEN, 2002; COHEN; KIETZMANN, 2014; MÜNZEL et al., 2018; REMANE et al., 2016).

A fim de explorar esse e outros aspectos relacionados ao carsharing de forma mais aprofundada e organizada, este capítulo foi organizado em seções. Na seção 3.1, busca-se fazer uma discussão sobre os principais fatores determinantes da difusão do carsharing. Em seguida (seção 3.2), realiza-se uma análise bibliométrica dos principais artigos envolvendo carsharing com base em análise de citação, bem como os principais modelos de negócios em carsharing (seção Modelos de Negócio em carsharing3.3) e suas diferenças com o modelo de negócio das locadoras tradicionais de veículos (seção 3.4). Por fim, são exploradas as características dos principais mercados de carsharing no mundo e no Brasil (itens 3.5 e 3.5.1, respectivamente).

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3.1 Determinantes da difusão do carsharing

Impulsionando o processo de difusão mundial do carsharing, é possível distinguir mudanças de três naturezas distintas: mudanças tecnológicas, econômicas e institucionais. Em primeiro lugar, as mudanças tecnológicas estão relacionadas à difusão de novas tecnologias digitais, as quais abriram espaço para que inúmeras indústrias experimentassem novas proposições de valor a partir de novos modelos de negócio (AMIT; ZOTT, 2001; TEECE, 2010, 2018; WISE; BAUMGARTNER, 1999; ZHU; FURR, 2016). Esse foi o caso da Netflix e da Valve comentados no item 2.2.

O estabelecimento da Internet 2.0, por exemplo, a qual compreende mudanças na organização e estruturação dos códigos em páginas da web, viabilizou a formação das primeiras comunidades virtuais (BELK, 2014a, 2014b; PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004; SCHOR, 2016; SUNDARARAJAN, 2016). Isso porque ela permitia não apenas uma interação em tempo real empresa-cliente e cliente-cliente, mas também um novo conjunto de ferramentas de marketing e de user experience16 – e.g. gamificação17 (HAMARI, 2013; HARWOOD; GARRY, 2015; ROBSON et al., 2015) – que balizaram um maior engajamento dos usuários em fóruns, blogs, seções de comentários e avaliações de produtos e serviços (BELK, 2014a, 2014b; FRENKEN; SCHOR, 2017; SUNDARARAJAN, 2016).

Empresas como a Amazon e o Ebay apoiaram-se nessas mesmas comunidades virtuais para conduzir processos de cocriação de valor (BELK, 2014a, 2014b; PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004; SCHOR, 2016). Diferentemente do paradigma industrial de criação de valor, a cocriação insere o cliente no centro da dinâmica, impelindo-o a participar ativamente do desenvolvimento, experimentação e feedback de novos produtos, serviços e processos (HACKLIN; BJÖRKDAHL; WALLIN, 2018, 2018; PRAHALAD; RAMASWAMY, 2004).

16User experience (ou UX) é uma abordagem recente nos estudos em Human-Computer Interaction a qual “... foca em como criar experiências incríveis e de qualidade ao invés de se ater a problemas de usabilidade do artefato” (HASSENZAHL; TRACTINSKY, 2006 p. 95, tradução nossa). Ou seja, ele compreende considerações subjetivas, holísticas, estéticas, hedônicas e temporárias do ponto de vista do usuário do artefato ao invés de se limitar a dimensões meramente funcionais (HASSENZAHL; TRACTINSKY, 2006). 17Gamificação (ou gamification) se refere a um conjunto de técnicas de aperfeiçoamento de serviços através da adoção de elementos dos jogos (HAMARI, 2013). No contexto das empresas, a gamificação é utilizada para diversos objetivos: desde o treinamento e engajamento de funcionários, até a promoção do consumo de produtos e serviços. Exemplos de gamificação podem ser encontrados em diversas plataformas digitais, tais como o uso de insígnias, progressão do usuário e premiações por cumprir determinados objetivos (HAMARI, 2013; HARWOOD; GARRY, 2015; IONICA; LEBA, 2015; ROBSON et al., 2015). 44

Novos modelos de negócio baseados na dinâmica de cocriação podem ser vistos como plataformas. Segundo Rogers (2016), negócios dessa natureza unem dois ou mais grupos de clientes em processos de criação e troca de valor dentro de um negócio. Para tanto, elas trazem mais de uma proposição de valor; uma para cada parte atendida pela plataforma (ROGERS, 2016). Exemplos de plataformas podem ser vistos em diversos mercados (ROGERS, 2016), tais como o do entretenimento (e.g. YouTube, Netflix e Spotfy), comércio de produtos novos e usados (e.g. Amazon e Ebay), micro empréstimos e financiamento coletivo (e.g. Kiva e Kickstarter18), turismo, hotelaria e hospedagem (e.g. TripAdvisor, Airbnb e Couchsurfing) e serviços de transporte (e.g. Uber, Cabify, Blablacar e Buser19).

Esse processo de digitalização não foi diferente para a indústria de carsharing. A partir dos anos 1990, cooperativas e OCVs incorporaram gradativamente as novas tecnologias digitais em seus serviços, o que viabilizou o surgimento de novos modelos de negócio com novas proposições de valor (MÜNZEL et al., 2018; SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998). O acesso aos veículos passou a se dar por meio de smartphone, onde o usuário poderia localizar e solicitar o serviço online, além de desbloquear o veículo utilizando apenas um aplicativo (CAR2GO, 2020; MÜNZEL et al., 2018; SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998). Essa nova configuração dos modelos de negócio em carsharing ajudou a tornar o serviço mais atrativo para novos usuários, o que ajudou a popularizá-lo mundo afora.

Contudo, a incorporação das novas tecnologias não é suficiente para explicar o processo de difusão do carsharing. A fim de que as OCVs conseguissem criar, entregar e capturar valor de forma consistente, foi imprescindível que seu público-alvo percebesse o novo valor contido no serviço (BOWMAN; AMBROSINI, 2000). Em outras palavras, foi preciso que os serviços de carsharing fossem percebidos enquanto serviços atrativos. Para isso, é necessário considerar o papel de determinantes econômicos para o processo de difusão do carsharing.

18Kiva é uma plataforma de micro empréstimos entre micro e pequenas empresas e pessoas físicas. Diferente de outros serviços de empréstimo, a plataforma dá preferência para empresas em países em desenvolvimento, as quais são validadas e certificadas antes de ingressar na comunidade (KIVA, 2020; SUNDARARAJAN, 2016). Já o Kickstarter é uma plataforma de financiamento coletivo para pequenos projetos, tais como obras de arte, performances artísticas, ilustrações, álbuns de música e jogos de tabuleiro (KICKSTARTER, 2019; SUNDARARAJAN, 2016). 19A Buser é uma startup brasileira sediada em Belo Horizonte/MG que intermedeia a relação entre viajantes e empresas de fretamento de ônibus. Sua plataforma gerencia viagens, verifica e certifica passageiros, empresas e motoristas e intermedeia as transações feitas. Por um lado, ela propõe preços mais competitivos do que em terminais rodoviários convencionais aos seus passageiros. Por outro, ela propõe reduzir os custos das empresas de fretamento relacionadas a ociosidade da frota (BARBOSA, 2019; BUSER BRASIL, 2020). 45

A partir da crise de 2008, muitos hábitos de consumo passaram a mudar de maneira significativa (BOTSMAN; ROGERS, 2011; GANSKY, 2010, 2011; SUNDARARAJAN, 2016). Ao invés de adquirir a propriedade de bens e ativos, muitos consumidores passaram a preferir simplesmente acessá-los (BARDHI; ECKHARDT, 2012; BELK, 2014a, 2014b, 2013; SUNDARARAJAN, 2016). Ferramentas, livros, utensílios domésticos, quartos e domicílios são hoje comumente compartilhados entre pessoas através de plataformas digitais como o Airbnb (BOTSMAN; ROGERS, 2011; SUNDARARAJAN, 2016). Ao optar por compartilhar, usuários têm a oportunidade de usufruir dos serviços relacionados a um ativo sem precisar arcar com os custos de sua propriedade (BOTSMAN; ROGERS, 2011; FRENKEN; SCHOR, 2017; SCHOR, 2016; SUNDARARAJAN, 2016). Por outro lado, o proprietário do bem poderá extrair fluxos de receita a partir de um ativo ocioso (BENKLER, 2004; SCHOR, 2016; SUNDARARAJAN, 2016). O compartilhamento de uma ferramenta como uma parafusadeira, por exemplo, atende usuários interessados apenas em parafusar e os proprietários do equipamento que está ocioso (SUNDARARAJAN, 2016). Tal fenômeno não foi diferente para o consumo de veículos.

Amparado pela cultura do automóvel, esse consumo não se materializa somente através de ponderações acerca de seus custos absolutos e relativos. Na verdade, há muito que se discute o peso simbólico desse ativo na sociedade ocidental contemporânea (BELK, 2004, 1988; CARRABINE; LONGHURST, 2002; FROHARDT-LANE, 2012; RAMALHO; AYROSA, 2009; WALKER; BUTLAND; CONNELL, 2000). A ele estão associados uma série de sensações e expectativas – e.g. liberdade, independência, pertencimento, perigo e autoafirmação – que dão suporte ao consumo (muitas vezes conspícuo) desse ativo (BELK, 2004, 1988; CARRABINE; LONGHURST, 2002; FROHARDT-LANE, 2012; GORZ, 1973; RAMALHO; AYROSA, 2009; WALKER; BUTLAND; CONNELL, 2000).

Sob novas condições de trabalho, novas tecnologias e uma crescente preocupação ambiental entre consumidores (BOTSMAN; ROGERS, 2011; GANSKY, 2010, 2011; SUNDARARAJAN, 2016), o automóvel continuou sendo consumido, porém sob uma nova perspectiva. Por que deter sua propriedade (e com ela, os diversos custos fixos com manutenção, depreciação e estacionamento) se é possível ter as mesmas sensações e expectativas acessando-o por um curto período de tempo? (BARDHI; ECKHARDT, 2012; BELK, 2014b, 2013). 46

É através desse novo contexto social e econômico que novos serviços de transporte surgiram, como o próprio carsharing (SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016). Usufruindo desses serviços, consumidores não apenas têm ganhos econômicos a partir da evasão dos custos fixos atrelados à propriedade (BARDHI; ECKHARDT, 2012; KANG; HWANG; PARK, 2016; RODRIGUES, 2018; SCHAEFERS, 2013), mas também têm acesso a novas experiências e sensações relacionadas à mobilidade (BELK, 2014b). Operadoras como a Car2Go, Zipcar e Turo, por exemplo, oferecem uma considerável variedade de veículos em suas plataformas: veículos econômicos e elétricos, SUVs, picapes e até veículos de luxo. Todos acessíveis através de um smartphone conectado à internet (CAR2GO, 2020; TURO, 2020; ZIPCAR, 2020).

Há autores que exploram esse fenômeno de valorização do acesso sob a luz de diversas disciplinas: desde a ciência econômica (BARDHI; ECKHARDT, 2012; FRENKEN; SCHOR, 2017; PUSCHMANN; ALT, 2016; SCHOR, 2016; SUNDARARAJAN, 2016) até a sociologia e antropologia do consumo (BELK, 2014a, 2014b; GERMANN MOLZ, 2013; SCARABOTO, 2015). Dentre esses autores, há aqueles que discutem a questão do crescimento de uma dita “economia híbrida”, na qual para além da lógica de mercado usual (consecução do lucro), vigoram também lógicas de colaboração, cooperação e solidariedade outrora marginalizadas pela economia industrial (BELK, 2014a, 2014b; FRENKEN; SCHOR, 2017; PUSCHMANN; ALT, 2016; SCHOR, 2016). A fim de embasar tais afirmações, esses autores exemplificam através da plataforma Couchsurfing; uma alternativa de hospedagem na qual inexistem transações econômicas entre o anfitrião e seu hóspede. Há outras plataformas também discutidas pela literatura – e.g. Kiva, Laruche Qui Dit Oui! e Kickstarter20 – que também são apontadas como plataformas movidas por um propósito (purpose-driven platforms).

Socialmente responsáveis ou não, a incorporação de novos propósitos não econômicos acaba se traduzindo em novas proposições de valor sob a perspectiva de modelos de negócio (BELK, 2014a; FRENKEN; SCHOR, 2017; SCHOR, 2016; SUNDARARAJAN, 2016). Para as OCVs, isso se materializa em serviços de transportes “ambientalmente mais responsáveis” (BÖCKER; MEELEN, 2017; HARTL et al., 2018), mais convenientes do que a

20 La Ruche Qui Dit Oui! é uma plataforma que viabiliza a organização de feiras com pequenos agricultores e produtores locais. A partir desta plataforma, consumidores compram diretamente com os produtores ao mesmo tempo em que conseguem solicitar determinados produtos online antes de cada feira acontecer. Os pedidos são encaminhados a cada produtor que se organiza de acordo com a demanda, desestimulando desperdício e perdas para o produtor (LA RUCHE QUI DIT OUI !, 2020; SUNDARARAJAN, 2016). 47

locação tradicional e mesmo como uma oportunidade de experimentar diferentes veículos (CAR2GO, 2020; STADTMOBIL, 2020; ZIPCAR, 2020).

A incorporação dessa dimensão “sustentável” na proposição de valor de algumas OCVs também está alinhada às mudanças institucionais dos últimos anos. Diversos estados nacionais têm mudado sua postura no que diz respeito às mudanças climáticas, instituindo novas políticas e regulações com vistas a mitigar os impactos ambientais das atividades econômicas em seus territórios (SOUZA; CORAZZA, 2017).

Nesse sentido, um marco institucional importante foi a formação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (ou IPCC) em 1988. Trata-se de órgão internacional ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) e que reúne representantes de diversos países (IPCC, 2020). Através de seus Relatórios de Avaliação (Assesment Reports ou ARs), a organização provê respaldo científico para as tomadas de decisão de policy-makers de diversos países, oferecendo dados e sugerindo novas estratégias para mitigar os impactos ambientais (IPCC, 2020).

Seus relatórios têm sido utilizados para acordos multilaterais desde a década 1990, como o Protocolo de Quioto de 1997 e, posteriormente, para o Acordo de Paris de 201521 (IPCC, 2020). Nesses acordos, os países signatários se comprometeram a combater as mudanças climáticas reduzindo suas emissões de GEE22 (DUIGNAN; RAFFERTY, 2020; SOUZA; CORAZZA, 2017; UNFCC, 2020). Compromissos esses, que incidem diretamente no setor de transportes, o qual correspondeu a 23% do total das emissões globais em 2017 (IEA, 2017).

Diante desse novo contexto institucional, empresas vinculadas a esse setor têm sido pressionadas a reduzir suas emissões e demais impactos no ambiente (GOEDKOOP et al., 1999; HOTTEN, 2015). Pressão essa que influiu, juntamente com as variáveis econômicas e

21Tais mudanças institucionais não estão restritas às instâncias supranacionais. Houve mudanças significativas a nível nacional em diversos países e blocos, como o Intermodal Surface Transportation Efficiency Act of 1991 nos EUA (SAVONIS, 2000) e o European Green Deal na União Européia (EUROPEAN COMISSION, 2020a). O primeiro – já incorporado no corpo regulatório estadunidense – institui o interesse público por promover meios de transporte ambientalmente mais sustentáveis e interdependentes (MINETA, 1991). O segundo se refere a um plano de ação da União Europeia que prevê investimentos em setores específicos – energia, transportes, agricultura e construção civil –, a fim de reduzir as emissões do bloco até 2050 (EUROPEAN COMISSION, 2020a).

22Gases de Efeito Estufa. 48

tecnológicas, na decisão por experimentar novos modelos de negócio mais intensivos em serviços (FIRNKORN, 2012; GOEDKOOP et al., 1999; RODRIGUES, 2018).

Outra dimensão institucional relevante está atrelada ao planejamento urbano. Segundo a ONU (2018), atualmente 55,30% da população mundial vive em áreas urbanas com estimativas de aumento desta proporção para 60% até 2050. Um crescimento que não se refere somente ao crescimento dos grandes centros urbanos já existentes como Nova Iorque, Xangai e São Paulo, mas também ao surgimento de novas megacidades23, principalmente na Ásia e África (ONU, 2018). Sob essas projeções, policy-makers têm buscado formas alternativas de transporte que possam tornar o deslocamento urbano mais eficiente (CERVERO, 2001; SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016).

Uma das alternativas adotadas tem sido a mobilidade compartilhada (ou shared mobility). Um conjunto de novos serviços de transporte intensivos no uso das novas tecnologias digitais (SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016). Compreendendo o bikesharing (e.g. Yellow, Grin e Lime), carpooling (e.g. Blablacar), ridehailing (e.g. Uber, Lyft e Cabify), além do carsharing, trata-se de novos serviços com potencial de reduzir as emissões e o tráfego nas cidades (CHEN; KOCKELMAN, 2016; MARTIN; SHAHEEN; LIDICKER, 2010; SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016).

Resguardando potencial dentro da política urbana, algumas cidades já têm incorporado a mobilidade compartilhada no sistema de transporte urbano (ALMEIDA; SILVA; LEITE, 2017; BALAC; CIARI; AXHAUSEN, 2017; BARTH; SHAHEEN, 2002; MÜNZEL et al., 2018). Para o carsharing isso se traduz em novas políticas de transporte urbano que favorecem a prestação do serviço, tais como no estabelecimento de vagas exclusivas próximas a outros modais de transporte, a permissão de uso das vias exclusivas ou mesmo a maior integração com outros modais de transporte (BARTH; SHAHEEN, 2002; LAGADIC; VERLOES; LOUVET, 2019; MÜNZEL et al., 2018; SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016).

Um exemplo notório da inserção do carsharing na política de mobilidade urbana e na política ambiental foi o projeto Autolib’ conduzido na França (GÉRON, 2015; HILDERMEIER; VILLAREAL, 2014; TERRIEN et al., 2016). Iniciado em dezembro de 2011,

23Megacidades são as cidades com 10 milhões de habitantes ou mais (ONU, 2018).

49

o serviço era operado pela Société Autolib’, uma subsidiária do grupo Bolloré24, a partir de uma licitação junto a prefeitura de Paris (GÉRON, 2015; HILDERMEIER; VILLAREAL, 2014; TERRIEN et al., 2016).

Com um investimento inicial de 50 milhões de euros por parte da operadora, ele compreendia 254 veículos elétricos (Bluecar) e 256 estações já no seu ano de lançamento (TERRIEN et al., 2016). Posteriormente, uma cooperação intermunicipal chamada de Autolib’ Métropole foi estabelecida para ampliar os serviços da Autolib’ para outras cidades no entorno da capital francesa (TERRIEN et al., 2016). Em 2018, o programa alcançou a marca de 4.000 veículos em frota e chegou a empregar mais de 1.200 pessoas (NIEUWENHUIS, 2018). Nesse quesito foi o exemplar de maior magnitude de uma operação em carsharing em uma única região e mobilizando uma frota própria de veículos (LAGADIC; VERLOES; LOUVET, 2019).

O interesse da administração local em adotar e incentivar um serviço de carsharing deriva-se dos problemas da capital com a qualidade do ar, quando esta superava os limites estipulados como aceitáveis pela União Europeia (NIEUWENHUIS, 2018; TERRIEN et al., 2016). O programa Autolib’ foi tão logo empregado como uma estratégia do governo local para mitigar as emissões de poluentes na região (NIEUWENHUIS, 2018; TERRIEN et al., 2016).

Embora o programa Autolib’ tenha sido descontinuado em julho de 2018 devido a problemas em sua estrutura de custos (LAGADIC; VERLOES; LOUVET, 2019), há outros exemplos de programas de carsharing acoplados à política pública. Nos EUA, a Agência Municipal de Transportes de São Francisco25 elaborou um programa de estacionamento que designa 450 vagas em vias públicas a serviços de carsharing (SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016). Nas cidades suíças de Zurique e Basiléia, policy-makers têm buscado criar infraestruturas para serviços de carsharing juntamente com o planejamento urbano de transporte e políticas de ocupação urbana no âmbito de cidades mais sustentáveis (JUSCHTEN et al., 2019).

Na Europa, a Comissão Europeia também tem lançado programas de pesquisa e apoio financeiro relacionados ao carsharing. Dentre os projetos financiados está o MOMO Car-

24Fundado em 1822, o grupo Bolloré atua em diversos segmentos, tais como logística e transporte (Bolloré Logistics e Bolloré Energy), comunicação e mídia (Vivendi) e baterias (Blue Systems e Brittany) (BOLLORÉ GROUP, 2020; HILDERMEIER; VILLAREAL, 2014). 25Ou San Francisco Municipal Transportation Agency (SFMTA), em inglês (SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016) . 50

Sharing (More Options for Energy Efficient Mobility through Car-Sharing) que contou com mais de 1,7 milhões de euros de apoio da União Europeia entre os anos de 2008 e 2011 em que foi realizado (EUROPEAN COMISSION, 2020b). O objetivo desse projeto foi de promover o carsharing como um novo modal de transporte entre policy-makers, consumidores e empresas dentro do bloco europeu. Tomando por base seus ganhos ambientais no volume de emissões, o projeto inclusive incentivou e financiou o programa Autolib’ (GÉRON, 2015; HILDERMEIER; VILLAREAL, 2014). Segundo a Comissão Europeia, o projeto ajudou a apresentar o carsharing para mais de 135.000 pessoas, além de incluir 4.000 novos usuários e 600 novas empresas em programas de compartilhamento de veículos na Europa (EUROPEAN COMISSION, 2020b).

Diante desse novo conjunto de fatores tecnológicos, econômicos e institucionais, o carsharing vem ganhando momentum em diversos mercados domésticos como um novo serviço de transporte de passageiros.

3.2 A literatura sobre carsharing

Esta seção é dedicada a oferecer um panorama da literatura envolvendo carsharing. Para tanto, foi empreendida uma análise bibliométrica de citação que foi detalhada no Apêndice A deste trabalho. Sinteticamente, as buscas compreenderam três bases de dados distintas (Web of Science, Scopus e Scielo) a partir dos termos “carsharing”, “shared-used vehicles”, “shared mobility”, “car clubs”, “veículos compartilhados” e “compartilhamento de veículos”26. As buscas consideraram ocorrências desses termos nos campos das palavras-chave, títulos e resumos para artigos publicados em periódicos entre 1900 e 201927. Ao fim do processo de filtragem e limpeza, a coleção final de artigos que subsidiou este panorama continha 483 artigos das três bases combinadas.

26Também foram consideradas variações dessas palavras-chave, tais como "car sharing", "car-sharing", "shared- used vehicle(s)", "mobility as a service", "sharing vehicle(s)", "shared mobility", "shared-mobility", "shared- mobilities", "car club(s)", "car-club(s)", "veículo(s) compartilhado(s)" e "compartilhamento de veículo(s)". 27Na base Scopus, os documentos mais antigos indexados remontam a 1960, enquanto que na WoS, o período de tempo a ser pesquisado pode abranger desde 1900. Para a consecução do levantamento bibliográfico, foi preservado os documentos dentro do período de 1900 a 1960 pertencentes a WoS. Isso foi feito a fim de viabilizar que documentos não indexados pelas demais bases pudessem ser considerados. Já a base Scielo não apresenta qualquer filtragem ex-ante. Nesse sentido, a inserção das palavras-chave nesta base gerou apenas 2 documentos datados de 2016 e 2019 respectivamente. 51

A literatura sobre carsharing ganhou forma a partir do final da década de 1990, juntamente com o processo de expansão da atividade. Pharoah (1987), Steininger et. al. (1996) e Shaheen et. al. (1998) estavam entre os primeiros artigos a explorar as iniciativas de carsharing sob a conotação utilizada atualmente. Antes disso, trabalhos como os de Parsons e Woods (1981), Bonsall et. al. (1983) e Bonsall et. al. (1984) traziam o termo “carsharing” como sinônimo do que se entende hoje por carpooling28.

Os artigos reunidos na coleção final foram separados em faixas de 4 em 4 anos até 2019. No Gráfico 1, estão representados os montantes para cada uma dessas faixas. Nota-se que até o quadriênio 2006/2010, a produção científica era incipiente, uma vez que 86,54% da produção total se concentra nas últimas duas faixas.

Total de artigos publicados por faixa de tempo

287

131

31 12 21 1 0

1986-1990 1991-1995 1996-2000 2001-2005 2006-2010 2011-2015 2016-2019

Gráfico 1 - Total de artigos publicados por faixa de tempo. Fonte: WoS, Scopus e Scielo.

Com relação aos 10 artigos mais citados de toda coleção (Quadro 3), nota-se que a maioria deles foi publicada no quadriênio 2011/2015, com os trabalhos de Bardhi e Eckhardt (2012), Fagnant e Kockelman (2014), Cohen e Kietzmann (2014), Shaheen e Cohen (2012) e Firnkorn e Müller (2011) sendo os cinco mais citados de toda coleção analisada. Nenhum dos trabalhos do período de 1996 a 2005 aparecem entre os mais citados.

28De acordo com o Dicionário Cambridge, carpooling é “um grupo de pessoas que viaja em conjunto, especialmente para o trabalho ou para a escola, utilizando o veículo de cada um dos membros a cada dia” (“Carpool”, 2020 tradução nossa). 52

Faixa de Artigo Citações Tema central da discussão tempo

2011 a 2015 Bardhi e Eckhardt (2012) 626 Uso e mudanças nos padrões de consumo

2011 a 2015 Fagnant e Kockelman 344 Impactos ambientais e na política urbana (2014)

2011 a 2015 Cohen e Kietzmann (2014) 289 Modelos de negócio em carsharing

2011 a 2015 Shaheen e Cohen (2012) 239 Trajetória histórica da atividade

2011 a 2015 Firnkorn e Müller (2011) 237 Impactos ambientais e na política urbana

2006 a 2010 Martin et. al. (2010) 213 Uso e mudanças nos padrões de consumo

2006 a 2010 Kek et. al. (2009) 197 Problemas alocativos e gestão de frota

2011 a 2015 Shaheen e Cohen (2013) 191 Trajetória histórica da atividade

2011 a 2015 Martin e Shaheen (2011) 180 Impactos ambientais e na política urbana

2011 a 2015 Correia e Antunes (2012) 176 Problemas alocativos e gestão de frota

Quadro 3 - Artigos sobre carsharing mais citados e seus respectivos temas. Fonte: Scopus, WoS e Scielo.

No Quadro 4 são apresentados os 4 artigos mais citados para cada uma das faixas de tempo consideradas, tendo sido desconsideradas as duas primeiras faixas de tempo (1986 a 1990 e 1991 e 1995). A primeira faixa possui um único artigo (PHAROAH, 1987) que não possuía citações. A segunda, por sua vez, não possuía artigos para serem exibidos.

Faixa Artigo Citações Tema central da discussão temporal

Shaheen et. al. (1998) 133 Caracterização e perspectivas do mercado de carsharing

Meijkamp (1998) 98 Uso e mudanças nos padrões de consumo 1996 a 2000 Prettenthaler e Steininger 97 Uso e mudanças nos padrões de consumo (1999)

Fellows e Pitfield (2000) 78 Problemas alocativos e gestão de frota

Mont (2002) 161 Pré-condições da atividade

Barth e Shaheen (2002) 70 Modelos de negócio em carsharing 2001 a 2005 Huwer (2004) 57 Pré-condições da atividade

Shaheen et. al. (2004) 43 Caracterização e perspectivas do mercado de carsharing

Quadro 4 - Os quatro artigos mais citados por faixa de tempo (continua). 53

Faixa Artigo Citações Tema central da discussão temporal

Martin et. al. (2010) 213 Uso e mudanças nos padrões de consumo

Kek et. al. (2009) 197 Problemas alocativos e gestão da frota

2006 a 2010 Shaheen e Cohen (2007) 163 Caracterização e perspectivas do mercado de carsharing

Shaheen et. al. (2009) 118 Caracterização e perspectivas do mercado de carsharing

Bardhi e Eckhardt (2012) 626 Uso e mudanças nos padrões de consumo

Fagnant e Kockelman 344 Impactos ambientais e política pública (2014) 2011 a 2015 Cohen e Kietzmann (2014) 289 Modelos de Negócio em carsharing

Shaheen e Cohen (2012) 239 Caracterização e perspectivas do mercado de carsharing

Chen et. al. (2016) 132 Problemas alocativos e gestão da frota

Becker et. al. (2017) 69 Uso e mudanças nos padrões de consumo

2016 a 2019 Dias et. al. (2017) 65 Uso e mudanças nos padrões de consumo

Boyaci et. al. (2017) 56 Problemas alocativos e gestão de frota

Quadro 4 - Os quatro artigos mais citados por faixa de tempo (conclusão). Fonte: WoS, Scopus e Scielo.

Em ambos os quadros (Quadros 3 e 4) também são apresentados os temas centrais de cada um dos artigos expostos. A atribuição de temas para cada um dos artigos foi feita através da análise de conteúdo dos títulos, resumos e palavras-chave disponíveis. Especificamente no Quadro 4 são relacionados 20 artigos no total, categorizados em seis temas diferentes: “Uso e mudanças no padrão de consumo” (6 artigos); “Caracterização e perspectivas do mercado de carsharing” (5 artigos); “Problemas alocativos e gestão de frota” (4 artigos); “Pré-condições da atividade” (2 artigos); “Impactos ambientais e política pública” (1 artigos); e “Modelos de negócio em carsharing” (2 artigos).

O primeiro tema – “Uso e mudanças no padrão de consumo” – reúne artigos dedicados a discutir as motivações dos usuários em aderir a serviços de carsharing e os novos hábitos de consumo observados (e.g. percepções envolvendo o serviço, formas de utilização do serviço etc.). Bardhi e Eckhardt (2012), o artigo mais citado de toda coleção, pertence a esse tema. As autoras buscam definir em que grau o consumo baseado no acesso se difere do consumo baseado na transferência de propriedade. 54

O segundo tema – “Caracterização e perspectivas do mercado de carsharing” – agrupa artigos que exploraram a trajetória histórica ou mesmo estimam o crescimento futuro do carsharing enquanto atividade (e.g. número de operadoras, veículos compartilhados e usuários atendidos, novos mercados a atividade). Shaheen et. al. (1998), por exemplo, é um artigo que descreve os principais mercados e operadoras no momento de sua redação, chegando até a traçar seus primórdios na década de 1940 na forma de cooperativas em pequenas comunidades.

O terceiro tema – “Problemas alocativos e gestão de frota” – se refere aos artigos preocupados em endereçar e solucionar problemas relacionados à gestão de frota (e.g. distribuição ótima de veículos entre vagas disponíveis, distribuição de vagas e tamanho ótimo da frota). O artigo de Correia e Antunes (2012), pertencente a essa temática, parte de uma modelagem matemática para solucionar os problemas de alocação de frota para modelos de negócio em carsharing específicos29.

O quarto tema – “Pré-condições da atividade” – agrupa os artigos preocupados com os fatores condicionantes para que o carsharing se estabeleça; desde as mudanças institucionais até a participação pessoas físicas na formação de iniciativas locais (grassroot initiaves). Mont (2002) é um artigo relevante na discussão dos condicionantes para difusão do carsharing. Partindo da abordagem de Sistemas Produto-Serviço, o autor sugere que a difusão do carsharing depende de variáveis institucionais (regulatórias e normativas) e também na maneira como o sistema produto-serviço é configurado.

O quinto tema – “Impactos ambientais e política pública” – relaciona os artigos dedicados a explorar os impactos ambientais de serviços de carsharing, sejam eles já observados ou esperados (estimativas e projeções). Fagnant e Kockelman (2014), por exemplo, buscam estimar os impactos ambientais de sistemas de transporte individuais baseados em veículos autônomos e compartilhados (shared automated vehicles ou SAV). Os autores concluem que cada SAV tem a capacidade de substituir 11 veículos particulares não compartilhados ao mesmo tempo em que acrescenta 10% na distância total percorrida.

29O modelo de negócio considerados pelos autores é denominado por carsharing business-to-consumer (B2C) one- way free-floating. Por se tratar de um modelo de negócio que oferece serviços de mobilidade unidirecionais (i.e. não exige dos usuários o retorno do veículo para o mesmo local de retirada), ele resguarda considerável complexidade em sua gestão de frota. Algo que tem balizado o esforço de alguns artigos presentes na coleção final (BOYACI; ZOGRAFOS; GEROLIMINIS, 2017; CORREIA; ANTUNES, 2012; KEK et al., 2009). Uma discussão aprofundada acerca de suas principais diferenças em relação aos demais modelos de negócio pode ser encontrada na seção 3.3. 55

Por fim, o tema “Modelos de negócio em carsharing” reúne os artigos preocupados em discutir as várias formas de prestação de serviço, partindo da ótica de modelos de negócio ou não. Barth e Shaheen (2002) é um dos artigos que propõe uma visão sistemática dos diversos tipos de serviços de carsharing prestados. No caso, os autores sugerem 3 categorias principais: Neighborhood Carsharing Model, Station Cars e Multinodal Shared-use Vehicles.

O serviço de “Neighborhood Carsharing Model” engloba, principalmente, cooperativas e programas públicos locais de transporte. Instalados nos subúrbios (mas também em alguns centros urbanos), o serviço disponibiliza veículos para os usuários cadastrados naquela comunidade. O serviço exige um agendamento ex-ante além de requerer que os usuários devolvam os veículos para o mesmo local de sua retirada. As tarifas cobradas dependem do tempo de locação do veículo juntamente com a quilometragem rodada pelo usuário. Em alguns casos, também é cobrada uma mensalidade dos usuários (BARTH; SHAHEEN, 2002).

Já “Station Cars” é um tipo específico de carsharing no qual o agente organizador é uma companhia de transporte ferroviário. Tais serviços surgem como complemento ao serviço de transporte ferroviário para atender os clientes que precisam de um transporte para cobrir trajetos entre a estação e os seus destinos finais (e.g. parques, trabalho, domicílio ou universidade). Com estacionamentos dedicados, o usuário tem acesso ao veículo, podendo utilizá-lo pelo tempo que desejar e para os destinos que lhe prouver. No entanto, a locação só finda quando o usuário retornar o veículo ao mesmo local de sua retirada (BARTH; SHAHEEN, 2002). O serviço ainda se estende para outros usuários interessados sem que eles tenham utilizado o transporte ferroviário.

O terceiro e último tipo de serviço de carsharing apontados por Barth e Shaheen (2002) é o Multinodal Shared-use Vehicles. Esse tipo de serviço é mais abrangente do que o anterior, envolvendo não apenas estações de trem, mas também aeroportos, universidades, hotéis, resorts e shoppings center. O serviço pode ser oferecido assim como os demais: exigindo que o usuário retorne ao mesmo local de retirada. No entanto, há OCVs que oferecem serviços de deslocamento unidirecionais (ou one-way), ou seja, o usuário poderá findar a locação ao estacionar o veículo em uma vaga exclusiva próximo ao seu local de destino (BARTH; SHAHEEN, 2002).

Essa categorização, no entanto, acabou ficando desatualizada em relação à multiplicidade de serviços de carsharing possíveis atualmente. Por exemplo, há serviços como 56

os das operadoras Turo e GetAround – duas empresas de tecnologia –, no qual ambas não dependem de uma frota de veículos própria para conduzir serviços de carsharing (GETAROUND, 2016; MCFARL, 2015; TURO, 2020). Outro ponto de inflexão importante reside no surgimento de operadoras – principalmente de incumbentes da indústria automobilística (FIRNKORN, 2012; MÜNZEL et al., 2018) – que não dependem necessariamente de uma vaga específica para estacionar seus veículos. Esse é o caso dos serviços prestados pela ShareNow e Car2Go. Ambas disponibilizam uma frota de veículos que podem ser encontrados e devolvidos em qualquer vaga em vias públicas (CAR2GO, 2020; SHARENOW, 2020a).

Notadamente, o momento no qual Barth e Shaheen (2002) realizaram o estudo tratava-se de um estágio muito anterior aos desenvolvimentos tecnológicos que viriam compor esses novos modelos de negócio. Não obstante a desatualização de suas considerações, Barth e Shaheen ainda conseguem ilustrar o estado do carsharing no início do século XXI, auxiliando em uma análise em perspectiva da atividade.

A próxima seção (3.3) explora categorizações mais aderentes à nova realidade do carsharing, como o trabalho de Cohen e Kietzmann (2014), Münzel et. al. (2018) e Remane et. al. (2016). Enquanto o primeiro ocupa uma posição de destaque nos quadros 6 e 7, os outros dois não. Isso se dá por motivos distintos. No caso de Münzel et. al. (2018), o artigo havia reunido, até o momento da exportação dos dados, duas citações, o que o preveniu de aparecer nas listagens com os artigos mais citados. Já Remane et. al. (2016) se trata de uma publicação em anais de conferência. A construção da coleção final foi restrita a artigos publicados em periódicos devido ao nível de padronização de informações bibliográficas entre periódicos científicos; algo crítico para as análises bibliométricas (ZUPIC; ČATER, 2015).

Entendendo que os instrumentos de categorização de modelos de negócio são essenciais para a consecução desta pesquisa, optou-se por manter ambos os trabalhos na discussão a seguir. Mesmo que Cohen e Kietzmann (2014) estejam entre os autores mais citados, isso não invalida as proposições de categorização feitas por esses trabalhos que continuam pertinentes ao objetivo aqui almejado.

57

3.3 Modelos de Negócio em carsharing

Partindo de um estudo exploratório qualitativo, Cohen e Kietzmann (2014) propõem quatro tipos de modelo de negócio vigentes em carsharing: (a) non- profit/cooperatives, (b) business-to-consumer roundtrip, (c) business-to-consumer point-to- point e (d) peer-to-peer. O primeiro deles remonta aos primeiros anos da atividade (COHEN; KIETZMANN, 2014; SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998) e corresponde às organizações sem fins lucrativos que adquirem e mantêm uma frota de veículos disponível a um grupo seleto de pessoas. Suas principais proposições de valor giram em torno da redução das emissões de gases de efeito estufa e acesso a serviços de mobilidade (COHEN; KIETZMANN, 2014).

O segundo e o terceiro tipos de modelos de negócio (B2C roundtrip e B2C point- to-point) reúnem as empresas que dispõem de uma frota de veículos própria, distribuída por diversos pontos dentro da cidade e disponível para os consumidores registrados (usuários). A interface de relacionamento empresa-cliente geralmente se dá através de aplicativos de smartphone, os quais oferecem serviços de localização e reserva dos veículos disponíveis nas imediações do aparelho. Em alguns casos, também é possível o desbloqueio do veículo diretamente por smartphone via QR code30 (há outros que utilizam de smartcards para garantir o acesso dos usuários). A locação é de curta duração e atende apenas o período demandado pelo usuário a fim reduzir o tempo ocioso dos veículos. Geralmente, as operadoras B2C criam vínculos com as prefeituras das cidades em que atuam a fim de garantir vagas exclusivas nas vias públicas, ou mesmo viabilizar o uso dos veículos em faixas de uso exclusivo de ônibus (LAGADIC; VERLOES; LOUVET, 2019; MÜNZEL et al., 2018; REMANE et al., 2016).

A diferença entre um modelo de negócio B2C roundtrip e o B2C point-to-point31 reside nas condições de devolução do veículo. Enquanto no primeiro os veículos precisam ser devolvidos no mesmo local de sua retirada, o segundo permite que os usuários finalizem sua locação estacionando em qualquer vaga disponível próximo ao seu destino. Notadamente, o segundo tipo acaba atendendo um grupo maior de usuários por conta da conveniência que

30QR code é um código de barras bidimensional que pode ser escaneado a partir de um smartphone. O código é tão logo convertido em um texto interativo, um endereço URL, número de telefone, e-mail ou contato telefônico (“Código QR”, 2019) 31Há também quem utilize o termo one-way para designar serviços de carsharing que permitam a devolução de veículos em vagas próximas ao destino do usuário (COHEN; KIETZMANN, 2014). 58

oferece, ao mesmo tempo em que exige um aperfeiçoamento na operação da atividade em termos da alocação dos veículos pela cidade (HE et al., 2017; NOURINEJAD; ROORDA, 2014).

Por fim, em meados de 2010, surgem os primeiros modelos de negócio peer-to-peer (ou P2P). Sob este modelo, as OCVs atuam como intermediárias nas transações entre proprietários de veículos e motoristas interessados em locar veículos, facilitando e promovendo o compartilhamento entre seus usuários. Assim, essas operadoras possuem um modelo de negócio com duas proposições de valor distintas, nos moldes do que é descrito por Rogers (2016). De um lado, elas buscam atrair proprietários de veículos que estejam dispostos a locar seus veículos ociosos por um curto período de tempo, extraindo assim, fluxos de receita de um ativo subutilizado. De outro, há os próprios consumidores de mobilidade interessados em se beneficiar dos serviços proporcionados por um veículo, sem assumir os custos decorrentes de sua propriedade (BARDHI; ECKHARDT, 2012; SUNDARARAJAN, 2016). A fim de que essa relação se estabeleça, as operadoras P2P oferecem mecanismos de verificação e feedback dentro da plataforma, além de garantias para ambas as partes efetuarem a transação. Por exemplo, ela oferece um serviço de seguro para o tempo em que o veículo foi locado, cobrindo possíveis sinistros decorrentes da locação. Ao mesmo tempo, os veículos anunciados na plataforma passam por um controle de validação para averiguar se o mesmo atende certos requisitos de segurança (BALLUS-ARMET et al., 2014; BOTSMAN; ROGERS, 2011; HAMPSHIRE; GAITES, 2011a; PARGUEL; LUNARDO; BENOIT-MOREAU, 2017; SUNDARARAJAN, 2016).

Outro trabalho envolvendo os diferentes modelos de negócio em carsharing é o de Münzel et. al. (2018), que realizam um trabalho empírico qualitativo envolvendo 101 OCVs e cooperativas instaladas na Alemanha em 2016.

Partindo da tipologia de Cohen e Kietzmann (2014), juntamente com o que é discutido por outros autores a respeito dos modelos de negócio em ascensão (CLARK et al., 2015; SHAHEEN; COHEN, 2013; SHAHEEN; COHEN; ROBERTS, 2006; VASKELAINEN, 2014), os autores propõem a seguinte tipologia: (i) cooperativas, (ii) B2C roundtrip, (iii) B2C one-way e (iv) P2P. A diferença recai apenas na nomenclatura do terceiro. A partir disso, os autores classificam e caracterizam as operadoras encontradas com base em 3 dimensões: proposições de valor, cadeia de valor e mecanismos de captura de valor.

59

Modelo de Cooperativas B2C roundtrip B2C P2P negócio One-way Número de OCVs 51 43 4 3 Tamanho médio 11 200 1.642 5.006 da frota Número médio de 1,2 7,2 3,5 Nacional cidades atendidas Tamanho médio 39.966 habitantes 229.823 habitantes 1.669.684 habitantes - das cidades atendidas Proposições de valor Tipo de trajetos Roundtrip Rountrip; One-way Roundtrip 12% com opção One-way Base de usuários 100% por cidade; 77% por cidade; 50% por cidade; 100% internacional 14% nacional; 50% internacional 9% internacional; Tipo de frota 100% frota Frota própria Frota própria 100% veículos de própria terceiros Variedade dos 100% heterogênea 91% frota 75% frota homogênea 100% heterogênea veículos heterogênea Cadeia de valor Antecedência do - 65% startups; 75% incumbentes; 100% startups; proprietário da 35% incumbentes 25% startup OCV 42% transporte 100% transporte 12% transporte público público Parcerias público 40% parcerias locais 50% parcerias locais 33,33% parcerias 24% parcerias 19% parcerias com 50% parcerias com locais locais empresas de frota empresas de frota Captura de valor 66,6% taxas de 64% taxas de 100% taxas de registro 100% taxas por Geração de registro registro 100% taxas mensais hora ou dia receitas 78% taxas 64% taxas mensais 100% taxas por hora mensais 93% taxas por hora

Quadro 5 - OCVs e cooperativas em operação na Alemanha, por tipo e características de seu modelo de negócio. Fonte: Münzel et. al. (2018), adaptado.

De modo geral, as cooperativas alemãs, apesar de numerosas, são iniciativas de compartilhamento que tendem a ser limitadas tanto em difusão (número e tamanho médio das cidades atendidas) quanto em escala (tamanho médio da frota). Elas se limitam a prestar serviços de carsharing roundtrip e a atender um conjunto específico de usuários (i.e. os cooperados de uma cidade só podem se beneficiar da frota da cidade em que se registraram). Das 51 cooperativas, 12% estabeleceram parcerias com empresas prestadoras de serviços de transporte público e 24% com prefeituras, fornecedoras de energia ou associações de moradores (“parcerias locais”). Por fim, as vias de geração de receitas das cooperativas se baseiam primordialmente em taxas de registro de novos cooperados, taxas mensais e taxas por tempo de uso dos veículos. 60

Em relação às operadoras B2C (roundtrip e one-way), ambas tendem a operar com frota própria maior que as das cooperativas, bem como atuar em cidades com tamanho médio maior. Os dois grupos atuam em parcerias com empresas de serviços de transporte urbano, parcerias locais ou mesmo com empresas de frota (e.g. locadoras de veículos e vendedores de veículos). No entanto, entre as B2C one-way, parcerias com empresas de transporte público são unanimidade, o que sugere que ambas empresas buscam facilitar a transição entre modais de transporte (e.g. vagas exclusivas próximas a estações de trem, tarifas reduzidas mediante uso do outro modal etc.).

Ambas também diferem no que diz respeito à suas trajetórias de mercado (“antecedência do proprietário da OCV”). Operadoras roundtrip tendem a ser startups, enquanto que operadoras one-way pertencem principalmente a montadoras de veículos (MÜNZEL et al., 2018). Outra diferença reside na geração de receitas. Entre operadoras B2C one-way, 100% praticam cobrança da taxa de registro (100%), enquanto que taxas de mensalidade e tempo de uso são cobradas por 50% delas. Já entre as operadoras B2C roundtrip pouco mais da metade (64%) atua cobrando taxa de registro e mensalidade, mas quase a totalidade depende de taxas por tempo de uso (93%).

Por fim, em relação às OCVs P2P, havia apenas 3 ativas na Alemanha em 2016. Com uma média de 5.006 veículos registrados nas plataformas, essas OCVs atuam com abrangência em todo território daquele país (“Base de usuários”). Isso se deve ao fato de que modelos de negócio P2P mobilizam menos capital físico do que suas outras contrapartes, o que abre espaço para uma rápida expansão da cobertura do serviço (SHAHEEN; COHEN, 2012). O tipo de trajeto suportado nessas plataformas é de caráter roundtrip, ou seja, exige que o usuário cliente devolva o veículo para o mesmo local em que foi retirado junto ao proprietário. Não há homogeneidade na frota de veículos registrados na plataforma (” Variedade dos veículos”). É um modelo de negócio dominado por startups, as quais geram receita a partir de taxas por tempo de uso (hora ou dia).

Münzel e colegas trazem importantes contribuições aos estudos relacionados ao carsharing. Ao levantar e caracterizar os modelos de negócio de todas OCVs ativas em um mercado bem estabelecido para o carsharing (MÜNZEL et al., 2018; SHAHEEN; COHEN, 2007, 2012; SHAHEEN; COHEN; JAFFE, 2018), eles revelam parte da complexidade com a qual as operadoras alemãs têm atuado, indo além do que foi previamente discutido por Cohen e Kietzmann (2014). 61

Por fim, o trabalho de Remane et. al. (2016) apresenta um estudo empírico misto (envolvendo aspectos qualitativos e quantitativos), com o intuito de propor uma taxonomia dos modelos de negócio existentes a partir da observação de 94 OCVs distribuídas pela América do Norte, América do Sul, Europa, Ásia e Austrália.

Partindo da tipologia de Cohen e Kietzmann (2014), os autores observaram que entre operadoras de um mesmo tipo surgiram diferenças consideráveis na forma de prestação do serviço, nos benefícios ao usuário, na forma de geração de receitas e no modelo organizacional adotado. Essas diferenças foram então agregadas e separadas em diferentes agrupamentos (clusters).

Durante esse processo, os autores constataram que entre operadoras B2C roundtrip vigoravam diferenças principalmente em torno dos tipos de veículos utilizados, o que lhe rendeu duas subvariações (B2C Roundtrip multiple vehicle types, B2C Roundtrip single purpose vehicles type). Já entre as operadoras B2C one-way (equivalente para o modelo B2C point-to- point de Cohen e Kietzmann), havia operadoras que permitiam que seus clientes devolvessem seus veículos em qualquer vaga disposta em via pública (free-floating) e operadoras que exigiam a devolução em uma vaga específica (stationary). Por fim, dentre as operadoras P2P, os autores identificaram que algumas empresas já adotavam tecnologias que permitiam o acesso automático a veículos de terceiros (automatic access), enquanto outras ainda requeriam que o cliente se deslocasse até o domicílio do proprietário (manual access).

Com base nesses achados, os autores distribuíram as 94 OCVs amostradas entre 7 subtipos: cooperativas roundtrip (21), operadoras B2C roundtrip com frota homogênea (11), B2C roundtrip com frota heterogênea (26), B2C one-way stationary (4), B2C one-way free- floating (12), P2P acesso manual (14) e P2P acesso automático (6). Seus resultados, bem como um comparativo com os artigos anteriores estão sintetizados no Quadro 6.

Cohen e Münzel et. Remane et. al. Características propostas por Remane et. al. Kietzmann (2014) Al. (2018) (2016) (2016) Operadora de carsharing administrada por uma B2C B2C Roundtrip, empresa, o qual exige que seu usuário devolva o roundtrip multiple vehicle veículo para o mesmo local de retirada; B2C roundtrip types Há diversos tipos de veículos disponíveis na frota;

B2C Roundtrip, Operadora de carsharing administrada por uma single-Purpose empresa, a qual exige que seu usuário devolva o Vehicle type veículo para o mesmo local de retirada; Há um único tipo de veículo disponível na frota; Quadro 6 - Comparativo entre os arquétipos de Cohen e Kietzmann (2014), Münzel et. al. (2018) e Remane et. al. (2016) (continua). 62

Cohen e Münzel et. Remane et. al. Características propostas por Remane et. al. Kietzmann (2014) Al. (2018) (2016) (2016) Operadora de carsharing administrada por uma B2C B2C One-way, empresa, a qual permite que o usuário devolva o B2C one-way Free-floating veículo em qualquer vaga disponível próxima ao point-to-point seu destino; Operadora de carsharing administrada por uma B2C One-way; empresa, a qual permite que seu usuário devolva Stationary o veículo em uma vaga exclusivamente designada para tal próxima ao seu destino; Operadora de carsharing administrada por uma empresa, a qual intermedeia as transações entre P2P P2P manual access proprietários de veículos e motoristas interessados na locação; O acesso aos veículos é feito manualmente, P2P através do encontro entre as partes; Operadora de carsharing administrada por uma empresa, a qual intermedeia as transações entre P2P automatic proprietários de veículos e motoristas interessados access na locação; O acesso aos veículos é feito automaticamente via aplicativo; Non- Cooperatives Roundtrip, Operadora de carsharing administrada por uma profit/Cooperatives cooperatives cooperativa de indivíduos; Quadro 6 - Comparativo entre os arquétipos de Cohen e Kietzmann (2014), Münzel et. al. (2018) e Remane et. al. (2016) (conclusão). Fonte: Cohen e Kietzmann (2014), Münzel et. al. (2018) e Remane et. al. (2016).

Dentre os artigos apresentados (COHEN; KIETZMANN, 2014; MÜNZEL et al., 2018; REMANE et al., 2016), o trabalho de Remane e colegas se destaca no que tange a categorização proposta para as OCVs. Primeiro pelo fato de os autores construírem uma categorização com base em observações empíricas de uma amostragem significativa de operadoras em diversas regiões e não de um único país como em Münzel et. al. (2018). O segundo motivo reside no fato de sua sugestão de taxonomia ser mais ampla e complexa, compreendendo diferentes atributos acerca das proposições de valor de cada um dos modelos de negócio observados.

Desse modo, a presente pesquisa se apoia na taxonomia de Remane et. al. (2016) para analisar os estudos de caso brasileiros. Contudo, resgata-se o problema de pesquisa: Até que ponto as classificações sugeridas pela literatura internacional para os modelos de negócio são aplicáveis ao contexto brasileiro? As categorizações consideradas para o trabalho estão representadas na Figura 3. 63

Carsharing

Cooperativas B2C P2P

Automatic Roundtrip One-way Manual access access

Single- Multiple purpose Free-floating Stationary vehicle types vehicle type

Figura 3 - Categorização dos Modelos de Negócio em carsharing. Fonte: Remane et. al. (2016), adaptado.

3.4 Locação tradicional e carsharing: principais diferenças e semelhanças

Como exposto anteriormente, não existe um único tipo de modelo de negócio vigente entre as OCVs. De acordo com a literatura (COHEN; KIETZMANN, 2014; MÜNZEL et al., 2018; REMANE et al., 2016), o carsharing vincula-se a pelo menos três tipos de modelos de negócio principais: cooperativas, business-to-consumer (B2C) e peer-to-peer (P2P). Cada um com suas especificidades quanto à escala, alcance e públicos-alvo atendidos.

No entanto, existem modelos de negócio em carsharing mais próximos à locação tradicional do que outros, algo que tem sido percebido pelas locadoras tradicionais e as motivado a experimentar essas novas formas de operação. É o caso da Enterprise, por exemplo, que tem se aproximado de universidades nos EUA para oferecer serviços de carsharing B2C roundtrip diretamente aos funcionários e alunos dessas instituições (ELLIOTT, 2018a). Ou mesmo a Avis Budget – outra locadora tradicional de veículos – que adquiriu a Zipcar em 2013, uma OCV dedicada ao carsharing B2C roundtrip desde os anos 2000 (KELL, 2013; ZIPCAR, 2013). Afinal, como e em que grau o carsharing se diferencia dos serviços prestados por locadoras tradicionais? Para responder adequadamente, é necessário resgatar o modelo de negócio dessas incumbentes. 64

A priori, o modelo de negócio da locadora tradicional está estruturado em uma rede de escritórios (próprios ou de franqueados) espalhados por aeroportos e grandes centros urbanos (SEAY; NARSING, 2013). Seus principais clientes são os viajantes a lazer e os viajantes a trabalho, cada qual com diferentes necessidades de locomoção (CABANNE, 2017; ELLIOTT, 2018a, 2018b; SEAY; NARSING, 2013), que são endereçadas por meio de uma considerável variedade de veículos na frota (CABANNE, 2017). Há também outros clientes, como as montadoras e seguradoras que demandam serviços de locação para seus próprios clientes, em circunstâncias envolvendo veículos furtados, roubados ou em manutenção (SEAY; NARSING, 2013).

Mesmo que haja certo contato online com clientes (e.g. websites), a principal via de comunicação e relacionamento são os escritórios (CABANNE, 2017; SEAY; NARSING, 2013). O serviço de locação tradicional acaba exigindo que o cliente se desloque até uma de suas unidades físicas para concluir a transação. Muitas vezes, o serviço exige também que os clientes determinem o local, data e hora de retirada e devolução ex-ante à locação de fato. Já as tarifas são, usualmente, pautadas em diárias e, ao final da locação, o cliente retorna o veículo para o mesmo local de retirada na data e hora previstas. Caso o mesmo opte por devolver o veículo em local diferente, um valor adicional é cobrado.

Além da locação per se, as locadoras também geram receitas a partir da venda de sua frota, o que as insere também no mercado de veículos usados (SEAY; NARSING, 2013). Para tanto, as mesmas precisam negociar o melhor valor de compra e depois o de revenda para obterem uma margem de lucro satisfatória (SEAY; NARSING, 2013).

Esse modelo de negócio, no entanto, tem se mostrado pouco resiliente frente às crises econômicas. Desde a crise financeira mundial de 2008, as locadoras têm se deparado com uma queda significativa de suas receitas (CABANNE, 2017; SEAY; NARSING, 2013). Por um lado, houve uma queda no número de viajantes a lazer. Por outro, o mercado de veículos usados também tem sido afetado, com uma queda da demanda e, consequentemente, redução dos preços de veículos usados (SEAY; NARSING, 2013).

Muitas locadoras têm reduzido sua rede de escritórios e priorizado apenas áreas com maior retorno em resposta a essas flutuações (SEAY; NARSING, 2013). A frota antiga também passou a ser mantida por mais tempo para que o uso e a depreciação correspondessem ao novo nível de preços praticado no mercado de veículos usados (SEAY; NARSING, 2013). 65

Para além desses pontos, houve locadoras que passaram a experimentar novos modelos de negócio mais próximos das OCVs (como foram os casos da Enterprise e da Avis Budget comentados anteriormente). Notadamente, as experimentações têm circundado modelos de negócio prontamente reconhecíveis pelas locadoras, como o modelo B2C roundtrip (ELLIOTT, 2018a, 2018b), no qual é equiparável em termos de gestão de frota: o agendamento do serviço e a exigência para que os usuários devolvam os veículos para o mesmo local de retirada.

Contudo, em outras dimensões, operar carsharing B2C roundtrip acaba por refletir em assumir outras propostas de valor. Dentre as 94 OCVs coletadas por Remane et. al. (2016), 100% das operadoras de carsharing B2C roundtrip (Multiple vehicle types e Single-purpose vehicle types) trabalhavam com tarifações por hora e não por dia. Ao mesmo tempo, a maioria dessas operadoras (96% e 91% para Multiple vehicle types e Single-purpose vehicle types, respectivamente) faz uso do acesso instantâneo aos veículos (REMANE et al., 2016). Ou seja, utiliza de smart cards, smart locks ou mesmo de smartphones para o usuário acessar os veículos quando desejar, sem a necessidade de agendamento. Isso implica oferecer serviços mais flexíveis aos clientes, além de também atender na cobertura de menores trajetos cobertos em menos de um dia.

As diferenças entre as OCVs e locadoras tradicionais se aprofundaram ainda mais a partir de 2008, quando apareceram as primeiras operações em carsharing B2C one-way free- floating (COHEN; KIETZMANN, 2014; FIRNKORN; MÜLLER, 2011). De fato, esse tipo de serviço resguarda desafios operacionais que exigem modelagens matemáticas complexas para lidar com os problemas alocativos que surgem de uma frota designada para trajetos unidirecionais (ASKARI; BASHIRI; TAVAKKOLI-MOGHADDAM, 2016; BARRIOS; GODIER, 2014; BOESCH; CIARI; AXHAUSEN, 2016; BOUTUEIL, 2016). Além disso, os clientes visados nesse tipo de serviço acabam sendo indivíduos com necessidades de locomoção diferentes dos usuários de serviços roundtrip: demandas mais frequentes e trajetos ainda menores – e.g. domicílio-trabalho, domicílio-estação de trem etc. – (BALAC; CIARI; AXHAUSEN, 2017; BARTH; SHAHEEN, 2002; MÜNZEL et al., 2018). A própria forma de tarifação de operadoras B2C one-way, por exemplo, tende a compreender os minutos de uso do veículo ao invés da hora ou diária (REMANE et al., 2016).

Dada a complexidade dessa operação, o nível de investimento em frota e em sistemas digitais e o acoplamento com outros serviços urbanos, não é raro encontrar OCVs em 66

parcerias com administrações públicas locais e companhias de transporte coletivo, ou mesmo sendo incumbentes de outras indústrias32 (AMPUDIA-RENUNCIO et al., 2020; MÜNZEL et al., 2018; TERRIEN et al., 2016).

Por fim, comparando as locadoras tradicionais com modelos de negócio de carsharing P2P, talvez o aspecto de maior destaque seja o fato de essas operadoras não gerenciarem uma frota própria de veículos (COHEN; KIETZMANN, 2014; MÜNZEL et al., 2018; REMANE et al., 2016). Contudo, as diferenças entre ambas vão além. Como comentado anteriormente, enquanto plataformas digitais, essas operadoras estão trazendo duas propostas de valor distintas. De um lado, buscam atender as necessidades de proprietários de veículos ociosos. De outro, tentam satisfazer aqueles que buscam um serviço de mobilidade (ROGERS, 2016; SUNDARARAJAN, 2016).

Sob essa configuração, as formas de captura de valor são significativamente diferentes dos modelos de negócio em B2C. Suas receitas vinculam-se a uma comissão por cada locação feita via plataforma (REMANE et al., 2016), o que as motiva a expandir sua comunidade, tanto no número de proprietários que disponibilizam veículos, quanto no número de usuários (SILVA, 2019b).

O fato de não possuírem frota própria, leva as operadoras P2P a apresentarem custos fixos e operacionais menores em relação às locadoras tradicionais e às demais OCVs operando em B2C. Isso porque, uma frota de veículos traz consigo uma série de despesas para a empresa que a detém (e.g. aquisição, manutenção, depreciação e estacionamento) e risco de furtos e avarias. Mesmo que operadoras P2P oferecem serviços de seguro específicos para cobrir sinistros durante as locações para atrair os proprietários dos veículos, elas geralmente não possuem custos atrelados a aquisição, manutenção preventiva, depreciação e estacionamento (REMANE et al., 2016).

Muitas vezes, operadoras P2P oferecem serviços de mobilidade que interferem diretamente no mercado das locadoras tradicionais. Isso porque, suas proposições de valor acabam rivalizando com as proposições das locadoras, colocando seus serviços de mobilidade como uma “locação simplificada” (MCFARL, 2015; MÜNZEL et al., 2019; TURO, 2020). Operadoras como a Turo e a Getaround, por exemplo, exigem agendamento e reserva junto ao proprietário do veículo, lastreando os valores de locação a diárias (REMANE et al., 2016). Os

32A operadora de carsharing B2C one-way ShareNow, por exemplo, é fruto de uma parceria entre a Daimler-Benz e a BMW (CAR2GO, 2020; SHARE NOW, 2019). 67

serviços em carsharing P2P também são usualmente oferecidos com abrangência nacional (MÜNZEL et al., 2018; REMANE et al., 2016). Ou seja, viajantes a lazer podem ser atendidos pela plataforma, fazendo uma reserva antes de saírem de seu local de origem. Por fim, a interface digital facilita o acesso a esses veículos, permitindo a transação entre os proprietários e os demandantes (ELLIOTT, 2018a, 2018b; MÜNZEL et al., 2018). Os aspectos citados acima coincidem com a maneira como as locadoras tradicionais operam.

Assim, por vezes operadoras P2P têm gerado desconforto entre as locadoras tradicionais, fazendo-as se mobilizar para exigir regulamentação (ELLIOTT, 2018a, 2018b). Aos moldes do litígio entre o Uber e as companhias de táxi (CANNON; SUMMERS, 2014; EDELMAN; GERADIN, 2016; ESTEVES, 2015; GONZALEZ, 2017), as locadoras tradicionais têm pressionado policy-makers e reguladores, alegando que as operadoras P2P são de fato locadoras de veículos e que, portanto, deveriam ser reguladas da mesma forma. Por outro lado, essas operadoras têm rebatido que não são locadoras pelo fato de não possuírem uma frota de veículos para locação, mas sim uma plataforma que viabiliza transações de locação entre pessoas (ELLIOTT, 2018a, 2018b).

Apesar de pertinente, o embate sobre a natureza econômica e jurídica das operadoras P2P não é o objeto de discussão desta dissertação. Aqui objetiva-se apenas traçar as principais diferenças e semelhanças entre o modelo de negócio das locadoras tradicionais e das operadoras de carsharing. Sendo assim, pode-se determinar que no limite, operadoras de serviços de carsharing – tanto B2C quanto P2P – oferecem serviços de mobilidade mais flexíveis quando comparadas aos serviços prestados por locadoras tradicionais. Seja pela utilização de interfaces digitais na localização, reserva e acesso dos veículos, seja nos moldes de tarifação utilizados (por hora ou minuto).

É importante notar também que as locadoras tradicionais atuam sobre públicos-alvo que têm necessidade de contar com o veículo por um período de pelo menos 1 dia e, frequentemente, vários dias (CABANNE, 2017; SEAY; NARSING, 2013), o que moldou seu modelo de negócio para atender as necessidades específicas desses grupos. O carsharing, por outro lado, atua não somente junto a esses públicos (B2C roundtrip e P2P), mas também atende usuários com necessidades diferentes, tais como de locomoção frequente e de curta duração (B2C one-way), o que impele outras lógicas de operação mais flexíveis e acessíveis para o 68

cotidiano. É certo que, sob os fenômenos da digitização e digitalização33, as locadoras têm incorporado cada vez mais as novas tecnologias em seus modelos de negócio. No entanto, aventuram-se por novos modelos de negócio próximos aos seus apenas até um certo grau.

Finalmente. É importante ressaltar que, em que pese toda a transformação provocada nessas incumbentes pela crise de 2008 (NAUGHTON; WIRZ; LOMBARDO, 2020; SEAY; NARSING, 2013), um importante e novo desafio surgiu em 2020. Dessa vez, não atrelado somente a fatores econômicos, mas a um fator sanitário, relacionado à pandemia do novo Coronavírus que tem ameaçado a sustentabilidade dos antigos modelos de negócio (CARRNS, 2020; LEBEAU, 2020; NAUGHTON; WIRZ; LOMBARDO, 2020) 34.

3.5 O mercado de carsharing

Assim como comentado no início desta seção, o carsharing tem passado por um processo de expansão desde a década de 1990 (BALLUS-ARMET et al., 2014; SHAHEEN; COHEN, 2012) balizado pelas mudanças sistêmicas comentadas anteriormente. A partir da década de 1990, algumas cooperativas europeias – e.g. (Suíça) e Stadt Mobil (Alemanha) – se reorganizaram como empresas, e passaram a incorporar as novas tecnologias na prestação do serviço (MÜNZEL et al., 2018). O novo contexto institucional logo proveu espaço e incentivos para que cooperativas e empresas expandissem suas operações tanto no número de clientes quanto no número de cidades atendidas (COHEN; KIETZMANN, 2014; MÜNZEL et al., 2018).

No Gráfico 2 a seguir, estão representados o número de usuários de veículos compartilhados entre 2006 e 2010 extraídos de Shaheen e Cohen (2013). Nele, são considerados apenas usuários de OCVs com frota própria, ou seja, cooperativas e operadoras B2C. Os dados consideram alguns países da América do Norte (EUA e Canadá), Europa (Áustria, Irlanda,

33Segundo autores como Schumacher et.al. (2016), Brennen e Kreiss (2016) e Gobble (2018), há uma importante diferença entre esses termos que deve ser endereçada. Enquanto “digitização” refere-se à transcrição de informações e processos para o meio virtual, “digitalização” está atrelado à difusão das novas tecnologias digitais em todos os âmbitos da vida social. 34 Com a pandemia e as novas restrições sanitárias, algumas locadoras tradicionais viram o nível de suas receitas mais uma vez ser prejudicado. Locadoras como a Hertz, inclusive, buscaram auxílio junto ao governo estadunidense para não decretar falência em maio de 2020 (LEBEAU, 2020). 69

Itália, Noruega, Espanha, Suécia e Suíça), Ásia (China, Coréia do Sul e Cingapura) e América do Sul (Brasil).

Número de usuários de veículos compartilhados (2006-2010)

Mundial Europa América do Norte Ásia América do Sul

1.251.504,00

670.762,00 603.959,00 552.868,00

334.168,00 346.610,00 318.838,00 212.124,00 117.656,00 81.812,00 12.546,00 15.700,00 110

2006 2008 2010

Gráfico 2 - Número de usuários de veículos compartilhados (2006-2010). Fonte: Shaheen e Cohen (2013), adaptado.

No período, houve um crescimento expressivo do número de usuários mundialmente (361,07%), com a Ásia (521,10%) e a América do Norte (513,33%) tendo o crescimento mais significativo no período quando comparado à Europa (260,63%). De acordo com os autores, até 2006, a Europa liderava em termos de usuários de carsharing e de veículos compartilhados em frota (Gráfico 3), sendo responsável por 66% de todos os veículos compartilhados no mundo. No entanto, o crescimento no mercado da América do Norte fez com que no final de 2010, a representação da frota europeia caísse para 44%, enquanto que a representação da frota norte-americana subiu para 48%. Só nessa região surgiram 94 iniciativas de carsharing entre 1998 e 2018 (SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018). 70

Número de veículos compartilhados (2006-2010)

31.665,00

19.403,00 16.779,00

11.501,00 10.833,00 10.118,00 7.491,00 7.505,00 3.337,00 4.315,00 608,00 810,00 13,00

2006 2008 2010

Mundo Europa América do Norte Ásia América do Sul

Gráfico 3 - Número de veículos compartilhados por operadoras B2C e cooperativas. Fonte: Shaheen e Cohen (2013), adaptado.

O Gráfico 3 acima demonstra um crescimento igualmente expressivo no tamanho da frota mundial (275,32%) entre 2006 e 2010. Novamente, o número de veículos acabou acompanhando a expansão da base de usuários, onde tanto a América do Norte quanto a Ásia desempenharam um papel central na expansão da frota; respectivamente 203,20% e 609,70%, contudo, sem ultrapassar a frota europeia.

Segundo Shaheen et. al. (2013), a composição da frota geralmente envolvia exclusivamente veículos compactos a combustão até 2006. No entanto, alguns países como EUA e Israel (não representado nos gráficos) também têm utilizado de veículos de luxo, caminhonetes e utilitários nas frotas compartilhadas. No que tange à energia motriz dos veículos, a predominância era de veículos a combustão (gasolina e diesel) até 2006. A partir desse ano, algumas operadoras na Europa passaram a incorporar veículos híbridos e elétricos em suas frotas de maneira mais expressiva35 (SHAHEEN; COHEN, 2007, 2013).

Apesar de oferecer alguns dados, o estudo de Shaheen e Cohen (2013) é limitado em termos de análises comparativas. Os países compreendidos como “Europa” não incluem dados da Alemanha, França e Reino Unido, por exemplo, sendo que o primeiro, é justamente

35Antes de 2006, houve algumas iniciativas de carsharing no Japão que experimentavam veículos elétricos. Porém, eram práticas de pequena dimensão (SHAHEEN; COHEN, 2013). 71

um dos maiores mercados de carsharing da Europa (MÜNZEL et al., 2018; SCHILLER; SCHEIDL; POTTEBAUM, 2017). A ausência desses países nos dados e análises desses autores pode ter impactado de maneira significativa suas avaliações no que tange a representação da Europa no carsharing mundial.

No âmbito do projeto Momo Carsharing da Comissão Europeia, a associação nacional alemã de operadoras de carsharing “Bundesverband Carsharing” realizou um levantamento de OCVs atuantes no velho continente (LOOSE, 2010). Nos resultados obtidos pelo estudo, a Alemanha contava com 137.000 usuários de carsharing e 3.900 veículos compartilhados já no começo de 2009. O Reino Unido, por sua vez, possuía 64.679 usuários e 1.459 veículos. Para a França, o relatório estimava36 que no início de 2009, havia 13.000 usuários e 700 veículos sendo compartilhados.

A partir de 2008, surgem as primeiras operadoras B2C one-way free-floating, lideradas pela entrada da Daimler-Benz no mercado (FIRNKORN; MÜLLER, 2011; FIRNKORN, 2012; SHAHEEN; COHEN, 2013). No entanto, startups e algumas locadoras de veículos também se aglutinaram em torno de modelos de negócio B2C roundtrip (MÜNZEL et al., 2018). Dentre as entrantes, destacam-se Car2Go e DriveNow (B2C one-way free-floating), Zipcar37 e Hertz On Demand (B2C roundtrip multiple vehicle types).

Em 2010, surgem as primeiras OCVs dedicadas ao compartilhamento peer-to-peer, chamando a atenção de alguns acadêmicos em torno dos potenciais ganhos ambientais decorrentes da difusão da prática (BALLUS-ARMET et al., 2014; DILL; MCNEIL; HOWLAND, 2019; HAMPSHIRE; GAITES, 2011a; SHAHEEN; COHEN, 2012; SHAHEEN; MARTIN; HOFFMAN-STAPLETON, 2019). Dentre as operadoras P2P de maior destaque estão GetAround e Turo, duas startups de tecnologia iniciadas nos EUA e que logo expandiram suas operações para todo aquele país (MCFARL, 2015; PRNEWSWIRE, 2019).

No que tange especificamente ao mercado da América do Norte, países como EUA e Canadá já possuíam algumas iniciativas de carsharing pelo menos desde os anos 1980, tais como a STAR (Short-Term Auto Rental) – empresa de compartilhamento de veículos de um complexo residencial – e a Mobility Enterprise – experimento acadêmico de carsharing da

36A estimativa surge devido ao uso de dados secundários oriundos de uma pesquisa do governo francês realizada em 2008. As estimativas tomam por base o crescimento de 57% no número de usuários apresentados naquele ano (LOOSE, 2010). 37A Zipcar era uma startup iniciada na Europa nos anos 2000. Em 2011, a OCV expandiu seus serviços para os EUA e Canadá (SHAHEEN; COHEN, 2013). 72

Universidade de Purdue, Indiana (SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998). O México, por outro lado, só teve sua primeira OCV em 2012 (SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018).

Os gráficos a seguir demonstram o número de usuários cadastrados em serviços de compartilhamento (Gráfico 4) e o tamanho da frota de veículos compartilhados nesses países (Gráfico 5) extraídos de Shaheen e Cohen (2020). A mensuração para a América do Norte engloba 40 operadoras, 21 nos EUA, 18 no Canadá e 1 no México e só considera as iniciativas de carsharing com frota de veículos própria (cooperativas e operadoras B2C).

Número de usuários de carsharing: cooperativas e operadoras B2C na América do Norte (2009-2018) 2.500.000

2.000.000

1.500.000

1.000.000

500.000

0 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

América do Norte EUA Canadá México

Gráfico 4 – Número de usuários de carsharing: cooperativas e operadoras B2C na América do Norte. Fonte: Shaheen e Cohen (2020), adaptado.

Segundo os dados apresentados pelos autores, os EUA reúnem a maioria dos usuários de carsharing B2C e cooperativas na América do Norte, não obstante o Canadá ter ganho espaço nesse período (de 14,28% em 2009 para 30,45% em 2018). O México também apresentou um crescimento significativo entre 2012 e 2018 (quase 40 vezes no período), mas ainda resguarda representação tímida em relação aos países vizinhos (apenas 1,33% do total de usuários na América do Norte). Ao total, a região cresceu 6 vezes no número total de usuários entre 2009 e 2019. 73

Em relação ao tamanho da frota de veículos compartilhados (Gráfico 5), a frota da América do Norte cresceu 3 vezes no período, com o maior crescimento de frota sendo do México (393,55%), seguido dos EUA (239,31%) e, por fim, Canadá (197,15%). Porém, a maioria da frota ainda se concentram nos EUA (65,13% em 2018) e Canadá (34,45%).

Número de veículos compartilhados por cooperativas e operadoras B2C na América do Norte (2009-2018) 30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

América do Norte EUA Canadá México

Gráfico 5 - Número de veículos compartilhados por cooperativas e operadoras B2C na América do Norte (2009- 2018). Fonte: Shaheen e Cohen (2020), adaptado.

Segundo Shaheen e Cohen (2020), das 21 OCVs em operação na América do Norte em janeiro de 2018, 4 OCVs eram vinculadas a montadoras e 3 vinculadas a locadoras tradicionais de veículos. Em relação ao primeiro grupo, estavam Car2go (Daimler-Benz), (General Motors), BlueIndy (Bolloré) e ReachNow (BMW). O segundo grupo reunia Zipcar (Avis), Enterprise CarShare (Enterprise) e UHaul CarShare (Uhaul).

Em 2019, enquanto a Hyundai lançava seu próprio serviço de carsharing em Los Angeles (Mocean Carshare), a Car2go e ReachNow se fundiram resultando na ShareNow (SHAHEEN; COHEN, 2020). Essa última, no entanto, operou mais 1 ano quando em fevereiro anunciou sua saída da América do Norte (SHAHEEN; COHEN, 2020; SHARENOW, 2019).

74

3.5.1 O mercado brasileiro de carsharing e a literatura nacional

Em relação ao mercado brasileiro de carsharing, há escassez na literatura em termos de dados quantitativos que possam ilustrar a situação doméstica. Apesar disso, sabe-se que o mercado iniciou em 2009, com a entrada de uma operadora chamada Zazcar prestando serviços no município de São Paulo (SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018). Desde então, outras empresas têm surgido no mercado, atuando a partir de modelos de negócio distintos (BARROS, 2015; SILVA, 2019b).

No Gráfico 6, há uma representação do número de usuários de serviços de carsharing entre 2010 e 2018 para o Brasil, Chile e Colômbia obtidos através do estudo de Shaheen e Cohen (2020)38. Quando comparado aos gráficos 4 e 5, os dados para esses países são severamente tímidos. Chile e Colômbia, por exemplo, são dois países com experiências de carsharing muito recentes, remontado a 2017 (SHAHEEN; COHEN, 2020; SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018). Segundo os autores, o Brasil chegou a representar 100% de todos os usuários de carsharing entre 2010 e 2016, mas com o início de operações no Chile e Colômbia, passou a representar 76,52 %.

Número de usuários de carsharing: operadoras B2C na América do Sul (2009-2018) 18.000 16.000 14.000 12.000 10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 0 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

América do Sul Brasil (n=5) Chile (n=2) Colombia (n=2)

Gráfico 6 - Número de usuários de carsharing: operadoras B2C na América do Sul (2009-2018). Fonte: Shaheen e Cohen (2020), adaptado.

38Nos gráficos, “n” corresponde ao número de OCVs consideradas na pesquisa (SHAHEEN; COHEN, 2020). 75

O Gráfico 7 a seguir, da mesma pesquisa de Shaheen e Cohen (2020), apresenta o tamanho da frota sendo compartilhada na América do Sul. O Brasil resguarda uma parcela significativa em termos de veículos compartilhados na América do Sul. Em 2018, mesmo com o crescimento do carsharing nos países vizinhos, ele concentrava 65,29% da frota da América do Sul. Shaheen e Cohen (2020) ainda pontuam que não identificaram OCVs sendo conduzidas por cooperativas na América, de modo que todas as operadoras referenciadas eram de fato empresas.

Número de veículos compartilhados por operadoras B2C na América do Sul (2010-2018) 400 350 300 250 200 150 100 50 0 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

América do Sul Brasil (n=5) Chile (n=2) Colômbia (n=2)

Gráfico 7 - Número de veículos compartilhados por operadoras B2C na América do Sul (2010-2018). Fonte: Shaheen e Cohen (2020), adaptado.

A novidade e a escala do serviço acabam se refletindo inclusive no quadro regulatório local. No Brasil, há dois projetos de leis federais com a intenção de regular os serviços de mobilidade compartilhada, incluindo o carsharing39 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019; SENADO FEDERAL, 2019). Tanto o Projeto de Lei 5.341 de 2019 proposto pelo deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE) quanto o Projeto de Lei nº 2.971 de

39Ambos os projetos de lei utilizam, inclusive, de outra nomenclatura para o compartilhamento de veículos. No caso, a legislação brasileira entende essa atividade como “compartilhamento de veículos sem condutor”; isso porque, serviços como os da Uber e Blablacar – ridehailing e carpooling – são considerados como “veículos compartilhados com condutor” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019; GONZALEZ, 2017; SENADO FEDERAL, 2019). 76

2019 proposto pela senadora Rose de Freitas (PODEMOS-ES) ainda se encontravam em tramitação em outubro de 2020 (período de conclusão desta dissertação).

Com respeito à literatura acadêmica, há também escassez considerável de trabalhos dedicados a explorar o mercado e as OCVs domésticos. De fato, a confecção da coleção final de artigos feita através de pesquisa bibliométrica (seção 3.2) captou somente 4 publicações que discutiam a realidade brasileira. Esses quatro trabalhos não aparecem nos Quadros 3 e 4 justamente pela quantidade de citações por eles acumuladas no momento de importação dos dados (Quadro 7).

Artigo Citações Temática central

Lemme et. al. (2019) 4 Problemas alocativos e gestão de frota

Marx et. al. (2014) 8 Impactos ambientais e política pública

Pizzol et. al. (2017) 9 Uso e mudanças nos padrões de consumo

Teles et. al. (2018) 2 Impactos ambientais e política pública

Quadro 7 - Artigos captados em análise bibliométrica discutindo o contexto brasileiro. Fonte: WoS, Scopus e Scielo.

Em Lemme et. al. (2019), os autores propõem um modelo de otimização da composição da frota para uma OCV brasileira considerando parâmetros econômicos e ambientais pertinentes a 3 tipos de veículos (elétricos, híbridos e a combustão). Embora seu modelo aponte que a composição ótima da frota ainda seja de veículos movidos a etanol, os autores discutem que no médio e longo prazo, a adoção de veículos elétricos pode ser mais vantajosa devido a possibilidade de posicionamento estratégico da operadora.

Já Pizzol et. al. (2017) preocupam-se em propor uma escala de mensuração dos motivos para adoção do carsharing entre usuários no Brasil. Através de entrevistas estruturadas, os autores derivam diversos motivadores. Dentre eles, a conveniência do serviço, sensação de pertencimento a uma comunidade, ganhos ambientais, além de abatimento de custos quando comparados a propriedade de um veículo. Os autores colocam ainda que esses resultados dizem respeito somente àqueles que já aderiram a serviços de carsharing, ou seja, indivíduos que percebem abatimento de custos no cotidiano e têm a sensação de pertencimento. Tão logo os autores colocam que possíveis clientes podem ser atraídos por outros fatores. 77

Teles et. al. (2018) dedicam-se a investigar quais os possíveis impactos ambientais de 1 OCV e um projeto piloto de carsharing instalados no Brasil. A partir de entrevistas junto a gestores, os autores sinalizam a possibilidade de ganhos ambientais principalmente em termos de redução das emissões para ambos os estudos de caso. Contudo seus impactos no transporte local são severamente limitados por conta da escala em que ambos os casos operam.

Por fim, Marx et. al. (2014) utilizam a abordagem Multilevel Perspective (MLP) combinada com estudos de caso múltiplos para analisar duas montadoras alemãs, suas subsidiárias no Brasil (Volkswagen e Daimler-Benz) e suas respectivas estratégias para o desenvolvimento de carsharing e veículos elétricos para o mercado alemão e brasileiro. Através de entrevistas com gerentes e pesquisadores especializados na indústria automobilística, os autores constataram que as duas montadoras possuíam estratégias diferentes para cada um dos países. Enquanto que na Alemanha, o desenvolvimento e adoção de carsharing e veículos elétricos era de prioridade moderada em suas estratégias locais, no Brasil, as montadoras relegavam os mesmos a um plano secundário. Segundo os autores, o diferente nível de interesse por parte das montadoras para os dois mercados depende de fatores como a infraestrutura pré- instalada que suporta carsharing e veículos elétricos, a pressão pública por alternativas de mobilidade, a situação da venda doméstica de veículos e as condições regulatórias que tratam de parcerias público-privadas em questões relacionadas a mobilidade.

Apesar de discussões pertinentes, nenhum dos 4 artigos discute os modelos de negócio utilizados pelas operadoras no Brasil. Para tanto, recorreu-se a buscas no Google Acadêmico utilizando as mesmas palavras-chave utilizadas no levantamento bibliográfico40. Houve a reincidência dos mesmos artigos citados acima (LEMME; ARRUDA; BAHIENSE, 2019; MARX et al., 2014; PIZZOL; DE ALMEIDA; SOARES, 2017; TELES et al., 2018) e de outros que tangenciam alguns dados brasileiros (REMANE et al., 2016; SHAHEEN; COHEN, 2013, 2020; SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018)41. Além deles, foi possível identificar 2 trabalhos acadêmicos – 1 monografia (BARROS, 2015) e 1 tese de doutorado (SILVA, 2019b) – que discutiam os modelos de negócio das OCVs brasileiras.

40Buscas realizadas entre dezembro de 2019 e abril de 2020. 41Os três trabalhos de fato consideram 1 OCV (SHAHEEN; COHEN, 2013; SHAHEEN; COHEN; JAFFEE, 2018) ou 2 OCVs (REMANE et al., 2016) para o Brasil em suas respectivas pesquisas. No entanto, sabe-se que esses valores são subestimados devido aos resultados discutidos por Silva (2019b) e o material jornalístico levantado nesta dissertação. 78

Ambos Barros (2015) e Silva (2019b) trabalham a partir da ferramenta Business Model Canvas (BMC) proposto originalmente por Osterwalder e Pigneur (2020 [2010]). Trata- se de uma ferramenta de gestão para auxiliar gestores e empreendedores a organizar e planejar seus negócios (SILVA, 2019b), consistindo, em essência, em uma planilha sintetizando os principais recursos, parceiros, estruturas de custo e vias de receita mobilizados pelo negócio para atender determinado segmento de mercado (Figura 4).

Figura 4 - Business Model Canvas. Fonte: Osterwalder e Pigneur (2020 [2010]), adaptado.

As parcerias-chave se referem à rede de fornecedores e parceiros mobilizados pela organização na consecução de seu modelo de negócio (1). As atividades-chave e os recursos- chave (2) se referem às atividades e recursos utilizados para manter o modelo de negócio (3). Proposições de valor (4) dizem respeito aos produtos, serviços e os benefícios relacionados ao seu consumo (e.g. novidade, desempenho, personalização, marca, preço, etc.). Relacionamento com clientes se refere aos tipos de relação utilizados pela empresa para captar e reter clientes (5). Segmento de mercado se refere ao público-alvo da empresa (6). Canais de comunicação se referem aos meios utilizados pela empresa para estabelecer contato e entregar valor para os segmentos de mercados desejados (7). A estrutura de custos envolve todos os custos abarcados pelo negócio (8). Por fim, a estrutura de receitas (9) são as vias de receita estabelecidas no modelo de negócio e seus diferentes segmentos de mercado (OSTERWALDER; PIGNEUR, 2020 [2010]). 79

Em se tratar de uma monografia, Barros (2015) utiliza do BMC para comparar 5 OCVs europeias (Autolib, Car2Go, , Car City Club e Bee) e analisar 1 OCV brasileira a partir da tipologia de Cohen e Kietzmann (2014). Utilizando-se de múltiplas fontes de dados secundárias, o autor acaba traçando importantes considerações. Assim como Münzel et. al. (2018), o autor aponta que entre as operadoras europeias, as incumbentes do mercado de carsharing têm preservado modelos de negócio mais tradicionais como o B2C roundtrip e cooperativas. Por outro lado, as novas operadoras (principalmente montadoras de veículos) têm se aglutinado em torno de modelos de negócio mais intensivos em tecnologias digitais (e.g. B2C one-way free-floating e P2P).

Apesar de modelos B2C one-way free-floating exigirem uma ampla estrutura de custos e resguardarem alta complexidade operacional, as empresas têm optado por esses modelos devido às suas perspectivas de crescimento no mercado de carsharing e maior espaço institucional. Assim, incumbentes de outras indústrias têm investido nesses modelos de negócio a partir da expectativa de assegurar uma parcela do mercado (BARROS, 2015). Esse é o caso da Daimler-Benz e da BMW que estavam operando sob os serviços de carsharing B2C one- way free-floating da Car2Go e ReachNow, respectivamente.

No que tange à operadora brasileira, Barros (2015) compõe o BMC da empresa a partir de entrevistas junto ao CEO. Por não dispor de um comparativo no mercado nacional, o autor se limita a fazer proposições de cunho estratégico à empresa, a partir do BMC da operadora e dos dados de Shaheen e Cohen (2015) referentes ao mercado brasileiro. Por se tratar de um dos primeiros trabalhos encontrados a esse respeito, a disponibilidade de informações ainda era mais precária do que no momento atual.

A tese de doutorado de Silva (2019b), por outro lado, é um trabalho de caráter exploratório qualitativo no qual o objetivo do autor é verificar se os modelos de negócio de empresas brasileiras vinculadas à mobilidade compartilhada (carpooling, ridehailing e carsharing) possuem 3 grupos de atributos. O primeiro se refere à dita “mobilidade inteligente”. Enquanto uma dimensão do conceito de cidades inteligentes42 (smart cities), a mobilidade inteligente relaciona-se com serviços de transporte mais eficientes e altamente integrados às novas tecnologias digitais (SILVA, 2019b). Nesse sentido, os principais atributos dessa

42Apesar de o debate envolvendo smart cities ser bastante amplo (ALBINO; BERARDI; DANGELICO, 2015), uma das possíveis definições é toma-las como “... cidades que conectam pessoas, informação e elementos urbanos utilizando das novas tecnologias no sentido de criar uma cidade mais sustentável, com um comércio competitivo e inovador e maior qualidade de vida.” (BAKICI; ALMIRALL; WAREHAM, 2013, p. 139 tradução nossa). 80

dimensão estão atrelados a sistemas inteligentes de transporte, utilização de big data, computação em nuvem e veículos inteligentes e mais sustentáveis. O segundo grupo de atributos se refere ao consumo colaborativo. Assim como discutido na seção 3.1, o autor entende consumo colaborativo como sendo o uso eficiente de ativos subutilizados por meio da Internet e da interação entre seus usuários. Tal significado leva o autor a derivar atributos relacionados ao suporte de comunicação entre usuários e ao uso das tecnologias digitais.

Por fim, o trabalho verifica se as empresas operam “plataformas multilaterais”, um conceito análogo ao que é discutido por Rogers (2016) apresentado anteriormente (seção 3.1). Na ciência econômica, o conceito se se refere às empresas dedicadas a assumir a posição de intermediárias, unindo dois ou mais grupos de indivíduos para trocar valor entre si (EVANS et al., 2011; SILVA, 2019b). Vigoram ainda, efeitos de externalidade de rede: quanto maior for o número de participantes envolvidos, maior a possibilidade de novas transações ocorrerem. Nesse sentido, o autor deriva que dentro da concepção econômica de “plataformas multilaterais” estão atributos relacionados à regulamentação, aplicação de preços diferentes para diferentes segmentos de mercado e a cooperação entre concorrentes (SILVA, 2019b).

Com base nesses três tipos de atributos, o autor parte para uma análise diretamente no BMC das 14 empresas pesquisadas, 7 das quais eram OCVs43. As informações prestadas em entrevista permitiram ao autor identificar que entre as 11 empresas bem sucedidas44, eram recorrentes: ferramentas de big data, utilização das funcionalidades atreladas a dispositivos móveis, mecanismos e técnicas de segurança física e lógica para os usuários dos serviços (em especial do carsharing), estímulos para interação online junto a redes sociais e operação dentro de mercados regulamentados (SILVA, 2019b). Nesse último quesito, o autor considera mercados regulamentados aqueles que detém algum mecanismo regulatório já inserido (e.g. lei municipal ou federal).

Silva (2019b) também foi capaz de identificar os atributos atrelados ao insucesso a partir das 3 empresas restantes. São eles: ausência do uso de ferramentas de big data, a indisponibilidade de aplicativos para dispositivos móveis, a ausência de políticas públicas de fomento à formas alternativas de transporte, mecanismos e técnicas ineficazes de segurança

43A pesquisa de Silva (2019b) considerava a mobilidade compartilhada como um todo, as demais empresas pesquisadas operavam em ridehailing (e.g. 99 táxi, Cabify) e carpooling (Blablacar). 44O autor estabelece como uma empresa bem sucedida aquela que cumpre 3 critérios. O primeiro é o fato de a empresa ainda estar ativa 31/12/2018. O segundo, é ter no mínimo 720 dias de existência após o cadastro do CNPJ. O terceiro é relativo à quantidade de avaliações positivas em relação ao aplicativo postado na plataforma Google Play (mínimo de 75% ou 3,5 de 5,0 estrelas). 81

física e lógica, adoção de estratégias inócuas para reverter o descompasso entre usuários das plataformas digitais, dificuldade de obtenção de recursos financeiros para investimento no negócio e a operação em um mercado sem mecanismos regulatórios pré-existentes (desregulamentado).

Enquanto um dos primeiros trabalhos nacionais identificados envolvendo carsharing, Barros (2015) não conseguiu obter todos os dados necessários para uma análise de fato compreensiva do carsharing no Brasil, justamente pela escassez de fontes sobre o mercado. Mesmo assim, o autor traz considerações importantes alinhadas ao que foi discutido por Münzel et. al. (2018) quando discute

Já Santos (2019b) realizou um estudo compreensivo contendo 7 OCVs que estavam ativas em 2018. Suas principais contribuição estão na descrição dos modelos de negócio adotados pelas operadoras, além de abranger também aquelas que já haviam encerrado suas operações em 2018. Contudo ele não adentra na discussão dos múltiplos modelos de negócio possíveis para o carsharing, adotando as proposições de Cohen e Kietzmann (2014), distinguindo apenas entre operadoras B2C (roundtrip e one-way), P2P e cooperativas.

82

4 MODELOS DE NEGÓCIO DAS OCVS BRASILEIRAS: RESULTADOS DOS ESTUDOS DE CASO

Nesse capítulo são apresentados os 4 estudos de caso das OCVs brasileiras buscando-se responder à questão de pesquisa: Quais são os modelos de negócio que se desenvolveram entre as OCVs no Brasil? E até que ponto as categorizações sugeridas pela literatura internacional para os modelos de negócio são aplicáveis ao contexto brasileiro?

Por meio das buscas feitas na Crunchbase, aliadas ao material jornalístico publicado entre 2009 e 2019 e aos trabalhos acadêmicos disponíveis, foi possível identificar ao todo 11 OCVs das quais apenas 7 ainda estavam ativas em 2019. Ao total, foram entrevistados profissionais de 4 das 7 OCVs ativas, identificadas aqui como Alfa, Beta, Gama e Delta (Quadro 8). As demais declinaram ou não responderam o convite para participar da pesquisa (Quadro 1).

Empresa Sede Abrangência do Tipo de modelo de negócio serviço Alfa São Paulo- SP Nacional Peer-to-peer (P2P) acesso manual Beta São Paulo- SP Empresa Originalmente Business-to-Consumer (B2C) one-way stationary em 2019; transforma-se em Business-to- Business (B2B)

Gama Recife- SP Municipal Business-to-Consumer (B2C) one-way stationary Delta São Paulo- SP Municipal Business-to-Consumer (B2C) roundtrip; transforma-se em Business-to-Business (B2B); Quadro 8 - Síntese dos estudos de caso incorporados ao trabalho. Fonte: Entrevistas.

Alfa era a única OCV brasileira que prestava serviços de compartilhamento peer- to-peer no ano de 2019. Em outras palavras, a empresa opera uma plataforma digital responsável por intermediar as relações entre proprietários de veículos cadastrados (usuários parceiros) e demandantes de mobilidade (usuários clientes). Alfa cria valor a partir de sua comunidade virtual, atraindo e facilitando as transações entre ambos. Dessa forma, a empresa faz duas proposições de valor distintas: (a) oferece um serviço de locação facilitado aos usuários clientes enquanto (b) oferece uma oportunidade para proprietários de veículos extraírem renda extra do tempo ocioso do seu ativo de forma segura. A entrega e a captura de valor de Alfa dependem de sua comunidade virtual e das transações ocorrendo dentro dela. 83

A empresa Beta, por sua vez, atua de forma diferente. Entre 2017 e 2018, a empresa havia lançado um serviço de carsharing B2C one-way stationary. Isto é, ela atuava diretamente com o consumidor com base em uma frota própria de veículos de 60 veículos com pontos específicos de retirada e devolução. No entanto, a partir de 2019, a empresa reestruturou seu modelo de negócio de forma a dedicar-se exclusivamente à prestação de serviços de carsharing junto a empresas clientes. Em seu novo modelo de negócio – aqui denominado por “business- to-business”, ou simplesmente B2B –, Beta atua com base em uma frota de veículos de empresas parceiras, oferecendo serviços de mobilidade sob demanda customizáveis a clientes corporativos (usualmente, médias e grandes empresas).

Através da instalação e operação de seu pacote tecnológico (software e hardware), Beta torna um veículo de uma empresa parceira (e.g. loja concessionária ou locadora de veículos) compartilhável para que os funcionários das empresas clientes possam usufruir. O fato de Beta ter reconfigurado seu modelo de negócio para atender somente o mercado corporativo (B2B) sinaliza um tipo de modelo de negócio não compreendido pela literatura discutida na seção 3.3. Beta captura valor via mensalidades cobradas por cada veículo compartilhado e na configuração inicial do veículo com a instalação do hardware que permite o acesso remoto.

Gama, a terceira OCV pesquisada, está ativa desde o final da década de 1980. Trata- se de uma empresa oriunda de outras atividades vinculadas ao setor público, abrangendo serviços de manutenção de redes telefônicas, centrais semafóricas e gestão de estacionamentos públicos. Recentemente, a empresa tem se movido no sentido da prestação de serviços de mobilidade compartilhada, atuando como operadora de bikesharing e de carsharing. Em relação a essa última, a empresa opera serviços de carsharing B2C one-way stationary. Isto é, dispõe de uma frota própria de veículos que ficam distribuídos em estações exclusivas.

O negócio de Gama é viabilizado através não somente de uma frota própria, mas também com base em um pacote tecnológico, com um hardware instalado nos veículos (desenvolvido internamente) e um software que permite o acesso remoto a esses veículos (desenvolvido externamente pela empresa Gama-2). A fim de oferecer carsharing B2C one- way stationary, Gama opera sob uma concessão fornecida pela prefeitura de Fortaleza- CE, patrocínio de uma empresa de planos de saúde e uma parceria junto a uma empresa de distribuição de energia. A captura de valor de Gama se materializa através das tarifas por tempo de uso dos veículos (minuto). 84

Por fim, a empresa Delta foi uma das primeiras OCVs a ingressar no mercado brasileiro de carsharing, iniciando suas operações já em 2010. Entre 2010 e 2015, a empresa atuava como uma operadora B2C roundtrip multiple vehicle types; isto é, através de uma frota de veículos própria e heterogênea, a empresa oferecia serviços de mobilidade que exigiam de seus usuários a devolução dos veículos nos mesmos locais de retirada. Nos primeiros 5 anos, a empresa importava seu hardware de empresas especializadas, fazendo sua adaptação para a realidade brasileira. A partir de 2015, a empresa passou a substituir sua frota de veículos, optando pela sublocação visando a expansão de suas operações. Ao mesmo tempo, a empresa também passou a desenvolver seu próprio pacote tecnológico (software e hardware) através de parcerias.

No final de 2019, Delta suspendeu suas operações junto ao mercado B2C, restringindo-se ao mercado B2B. Nele, a empresa se posiciona como uma gestora de frota corporativa através de seu pacote tecnológico. Delta também tem fechado parcerias para atuar juntamente com montadoras para lançar um serviço de carsharing orientado ao público em geral.

As quatro empresas consideradas neste trabalho operam de forma ainda bastante tímida. Dentre as operadoras que já atuaram (ou atuam) com uma frota própria (Beta, Gama e Delta), apenas Delta chegou a uma frota de 200 veículos. Operadoras como a ShareNow, por sua vez, possuem uma frota própria de aproximadamente 5.900 veículos circulando em 7 cidades somente na Alemanha (SHARENOW, 2020b)45.

Nas próximas seções são tratados os estudos de caso em maior detalhe, organizados de acordo com a definição presente em Teece (2010), ou seja, destacando seus processos de criação, entrega e captura de valor. Essas subseções são antecedidas por uma breve caracterização da empresa, além de uma síntese explicitando como o serviço é prestado.

4.1 Empresa Alfa

A empresa Alfa é uma startup iniciada em 2017, com sua sede localizada no município de São Paulo. Trata-se de uma OCV peer-to-peer de acesso manual, a qual

45Segundo a empresa, suas operações na Europa compreendem uma frota de aproximadamente 12.000 veículos, atendendo 3 milhões de usuários em 16 cidades de 8 países diferentes (SHARENOW, 2020b). 85

intermedeia as relações entre dois tipos de usuários: aqueles que oferecem seus veículos para locação (usuários parceiros) e aqueles que buscam veículos para locação (usuários clientes). É uma P-2-P de acesso manual, pois o serviço de carsharing prestado exige que o parceiro e o cliente se encontrem no mesmo espaço físico para concretizar a locação. Desde o início de suas atividades, a empresa se posiciona como intermediária, dedicando-se ao desenvolvimento da própria aplicação para smartphone (Android e iOS).

Entre 2017 e 2018, a empresa esteve limitada ao estado de São Paulo, atendendo apenas a capital e algumas cidades no litoral. Todavia, em 2019, iniciou seu processo de expansão, passando a oferecer suporte para todo território nacional. Atualmente, a empresa emprega entre 40 e 50 funcionários dispersos nas áreas de engenharia de software, operação da plataforma, desenvolvimento de produto e demais atividades de apoio, como marketing e finanças.

Sua plataforma P2P reúne pouco mais de 200 mil clientes cadastrados46 e 800 parceiros distribuídos (em sua maioria) no estado de São Paulo. Dado o déficit de veículos disponíveis, a empresa Alfa tem empreendido esforços sistemáticos para captar novos usuários parceiros através da análise do perfil de seus usuários. A partir de 2019, a empresa tem buscado estruturar uma equipe dedicada a explorar esses dados para extrair possíveis insumos para tomada de decisão no sentido de aumentar a atratividade da plataforma para proprietários de veículos.

Recentemente, a empresa Alfa também tem iniciado a exploração do mercado B2B, atendendo clientes corporativos em alguns pequenos projetos de teste. Da mesma forma que no mercado P2P, a empresa se posiciona como intermediária da relação entre as duas empresas: a proprietária da frota e outra que deseja o serviço de compartilhamento para seus próprios funcionários. No entanto, neste mercado, Alfa também se dedica ao desenvolvimento de hardware que torna o veículo compartilhável, viabilizando seu desbloqueio diretamente via aplicativo. Trata-se de um circuito eletrônico instalado no veículo que possui ligação com as demais funções do veículo (destravamento de portas, acionamento do alarme, leitura do nível de combustível, etc.).

46Segundo o entrevistado, muitos usuários não finalizam a etapa de pré-cadastro na qual exige a inserção de todos os dados na plataforma e posterior processo de validação por parte da empresa. O informante também relatou que uma considerável parcela daqueles que finalizam o cadastro também não chegam a realizar a primeira viagem. 86

Assim, no mercado B2B, a empresa oferece um pacote tecnológico (plataforma e hardware). Um de seus clientes nesse mercado, foi uma montadora instalada no Brasil que estava interessada em tornar alguns de seus veículos compartilhados para uso de seus funcionários. Dado que o informante A não quis detalhar mais a respeito das operações em B2B de Alfa, o estudo de caso se limitou aos serviços prestados ao consumidor final (P2P).

4.1.1 Processo da prestação do serviço

Em relação à prestação do serviço, a empresa depende inteiramente do aplicativo para intermediar a relação com seus usuários (clientes e parceiros). Isto é, a aplicação é necessária do cadastro até a efetivação das transações, é ela quem abriga a comunidade virtual.

Para que um indivíduo possa ingressar na comunidade (seja como cliente ou parceiro), é necessário um pré-cadastro que poderá ser aceito ou rejeitado mediante a validação dos documentos. Para isso, a empresa solicita cópias digitais de alguns documentos que serão averiguados através de algoritmos computacionais que fazem o cruzamento de dados junto ao Denatran47. Em caso de irregularidades ou divergências, a empresa entra em contato telefônico solicitando informações adicionais a fim de eliminar tentativas de fraudes, uso de veículos roubados ou de terceiros sem autorização.

Do usuário parceiro, solicita-se além da CNH, algumas fotos do veículo, placa, documentação do veículo (e.g. DPVAT) e as informações do seguro. Caso o veículo não possua seguro, a empresa rejeita o cadastro. Outras exigências da empresa são relacionadas à idade do veículo (menos de 10 anos) e quilômetros rodados (abaixo de 30 mil quilômetros rodados).

No que se refere às transações, assim que o usuário tem seu cadastro aprovado, ele tem acesso à comunidade, podendo solicitar veículos ou mesmo anuncia-los. Na busca do cliente, os veículos disponíveis e os preços das diárias dependem dos parceiros na região, no entanto, o aplicativo aceita vários modelos de veículos (compactos, sedans, SUVs e caminhonetes, com exceção dos veículos de luxo). As diárias são determinadas somente pelo usuário parceiro.

Assim que o cliente encontra o veículo para o período desejado, ele faz a pré- visualização do valor total a ser pago no final da locação via fatura de cartão ou boleto bancário.

47Departamento Nacional de Trânsito. 87

O valor total compreende a soma das diárias de locação do veículo (definida pelo parceiro a partir de um valor mínimo estipulado pela plataforma), a taxa administrativa de Alfa e o valor diário do seguro contratado. Não há exigência de depósito caução.

Com a confirmação do pedido de locação pelo cliente, uma solicitação é enviada para o usuário parceiro constando o perfil do interessado e os dias de locação. O parceiro analisa a proposta, podendo entrar em contato com o cliente pedindo informações adicionais (destino pretendido, motivo da viagem, trajeto a ser percorrido, quilometragem máxima para o uso do veículo etc.) através de um chat no aplicativo. Após o usuário parceiro avaliar a proposta como uma transação de seu interesse, ambos combinam um local e hora para retirada do veículo. Durante o encontro, ocorre o processo de vistoria conjunta do veículo, onde pequenas avarias já existentes e observações adicionais são apontadas direto na plataforma. Ao fim, ambos iniciam a locação pela plataforma (via assinatura digital), concretizando a transação. Na devolução, o mesmo processo ocorre (vistoria e assinatura de checkout), finalizando a relação entre as partes. Ao final do mês, o usuário parceiro recebe o valor correspondente às suas locações via transferência bancária.

4.1.2 Criação de valor de Alfa

Atuar como uma plataforma envolve necessariamente atrair duas ou mais partes para concretizar transações (ROGERS, 2016). Dessa forma, Alfa faz duas proposições de valor distintas a dois públicos-alvo também diferentes. Para os clientes, ela oferece um serviço de locação de veículos facilitado via aplicativo com preços mais competitivos do que as locadoras tradicionais. De fato, em sua plataforma, foi possível encontrar veículos compactos com motor 1.0 a partir de 40 reais a diária, enquanto que em algumas locadoras tradicionais, veículos com as mesmas características não surgiram por menos de 70 reais48. Na plataforma não há menção de ganhos ambientais.

Para os usuários parceiros, Alfa oferece uma oportunidade de gerar receitas adicionais a partir do tempo ocioso do veículo de forma segura. A comunidade oferece mecanismos que reduzem assimetrias de informação via mecanismos de avaliação e validação

48Buscas realizadas em outubro para veículos disponíveis entre 23 e 27 de novembro, considerando o município de São Paulo. As locadoras consideradas na busca foram Hertz, Unida e Movida e obedeceram ao mesmo periodo. Não foram consideradas promoções. 88

pela empresa. Ao mesmo tempo, o usuário parceiro tem acesso a uma interface de gestão de suas locações, onde lhe é permitido determinar o preço das diárias sem interferência de Alfa, estipular os dias em que o carro estará disponível e visualizar os valores oriundos das locações. Além disso, Alfa oferece serviços de seguro específicos aos veículos anunciados que isentam o proprietário de acionar o próprio seguro para cobrir avarias e perdas.

Em se tratando do público-alvo, os clientes atendidos por Alfa são, em sua maioria, usuários interessados em locações para lazer fora da cidade de origem. Algo perceptível pelo padrão de uso da plataforma, o qual registra picos de locações especialmente para os fins de semana e feriados prolongados. Esse padrão de uso pode se dever ao sistema de locação de Alfa, que apesar de digital, ainda exige do cliente que faça a reserva e se desloque para retirar e devolver o veículo locado em um local pré-determinado pelo proprietário.

Por outro lado, os usuários parceiros desejáveis são os proprietários de veículos de até 10 anos de uso e que estejam assegurados de maneira compreensiva (contra furto, roubo, colisões e danos da natureza). No caso de um veículo fora desses requisitos, a plataforma não aceita o cadastro. Também não são aceitos veículos de luxo na plataforma.

4.1.3 Entrega de valor por Alfa

A fim de entregar valor em carsharing peer-to-peer, Alfa depende: (i) de seu aplicativo, (ii) de usuários parceiros ativos, (iii) serviços de seguro, (iv) técnicas e mecanismos antifraude, e (v) banco de dados.

Quanto ao primeiro, é ele que agrega a comunidade em torno de Alfa, provê a interface entre a empresa e os usuários, viabiliza as transações e os mecanismos de validação de cadastros e avaliação de usuários. É também através dele que Alfa capta dados de utilização (e.g. faixa etária, gênero, veículos solicitados, tempo de utilização etc.) que têm sido críticos para a empresa buscar novas proposições de valor para expandir o número de usuários parceiros.

Dada a importância desse recurso, o modelo de negócio adotado por Alfa também necessita de competências relacionadas a sua manutenção e desenvolvimento. Primeiro, destaca-se sua dependência em competências relacionadas à user experience (UX), ou seja, de 89

técnicas que aprimorem a experiência do usuário (cliente e parceiro) no manuseio do aplicativo. Sem uma plataforma intuitiva e agradável de utilizar, a atratividade do serviço fica severamente prejudicada. Da mesma forma, Alfa também requer competências em desenvolvimento back- end. São essas competências que tornam o software de fato funcional, pois consiste na estruturação de códigos fonte que permitem o funcionamento de mecanismos de validação e comunicação com o banco de dados, viabilizam mecanismos de busca, troca de mensagens entre usuários, e ferramentas de gestão dos veículos anunciados para os parceiros.

Usuários parceiros ativos são necessários uma vez que Alfa oferece “serviços de locação facilitados” aos usuários clientes sem deter uma frota própria. Sem veículos anunciados na plataforma, a comunidade virtual não teria propósito em existir. Por outro lado, esses parceiros não participariam da plataforma na ausência de garantias que cobrissem possíveis perdas e avarias em seus veículos. Assim, Alfa requer a participação também de seguradoras para entrega de valor. O oferecimento de seus serviços dentro da plataforma torna a transação de compartilhamento mais atrativa, uma vez que assegura todos os veículos compartilhados na comunidade.

No que tange à atratividade da comunidade para usuários parceiros e clientes no geral, Alfa também depende de recursos e competências relacionadas a técnicas e sistemas antifraude. São elas que tornam a comunidade atrativa para que novos usuários ingressem. Ninguém anunciaria seu carro para locação sob o risco de entrega-lo a um cliente com habilitação suspensa. Do mesmo modo, clientes não se interessariam pela plataforma sob o risco de locarem um veículo roubado. Ambas as situações têm implicações significativas para a participação dos usuários. Para tanto, Alfa depende de uma equipe dedicada à manutenção e desenvolvimento dos mecanismos de validação e avaliação que reduzem o risco da comunidade e tornam as transações atrativas.

Por fim, Alfa também depende de um banco de dados das informações de todos os usuários engajados na comunidade. Os dados de utilização vêm subsidiando tomadas de decisão na empresa de maneira a conduzi-la para novas proposições de valor. Contudo, ao invés de depender de um ativo físico (data center), Alfa contrata serviços de banco de dados em nuvem da IBM security cloud.

90

4.1.4 Captura de valor por Alfa

Em termos de captura de valor, Alfa atua de forma bastante distinta das outras OCVs aqui investigadas. Sem uma frota de veículos própria (ou mesmo sublocada), o modelo de negócio de Alfa captura valor a partir das transações feitas pela comunidade em sua plataforma. Cada transação realizada rende à Alfa um percentual em cima do valor total transacionado (12%). As cobranças são feitas ou por lançamento na fatura do cartão de crédito, ou por boleto bancário. Ambas as taxas são desembolsadas pelo cliente que solicitou o serviço. Nenhum valor é cobrado do usuário parceiro.

4.2 Empresa Beta

Beta é uma empresa iniciada em meados de 2017 na cidade de São Paulo. Até o final de 2018, a empresa atuava no compartilhamento de uma frota de 60 veículos na forma B2C one-way stationary também na capital. Disponível em vias públicas da cidade, sua frota consistia em dois tipos de veículos: 15 elétricos e 45 a combustão interna, ambos compactos. Nesse período, a empresa era controlada por uma locadora de veículos de luxo de São Paulo. Para a prestação do serviço, ela também fazia amplo uso de um aplicativo e de um hardware instalado diretamente nos veículos. A combinação de ambos viabilizava a localização e desbloqueio dos veículos pelos usuários cadastrados. Suas tarifas eram baseadas apenas no tempo de uso.

Devido a problemas relacionados à depredação e perdas por enchentes, Beta foi adquirida no final de 2018 por uma sociedade entre um empreendedor do ramo de comunicação e marketing com um ex-funcionário da locadora que atuava na parte de gestão e operação de frota de Beta. Sob a nova liderança, a empresa se reestruturou para o provimento de serviços de compartilhamento corporativo (B2B) exclusivamente. Desde então, a empresa atua como intermediária entre empresas com uma frota ociosa (parceiras) e empresas que demandam por serviços de mobilidade para seus funcionários (clientes).

Uma peça de hardware é instalada nos veículos utilizados de maneira a permitir o acesso remoto e o monitoramento do veículo por parte de Beta. Há também um aplicativo para smartphone e um software que mantem comunicação com o hardware instalado na frota, 91

permitindo a leitura de dados pertinentes ao uso (dados do funcionário, quilometragem percorrida, informações do usuário, velocidade, consumo de combustível, geolocalização do veículo etc.)

Até o momento da entrevista a empresa empregava 12 funcionários distribuídos em áreas como Tecnologia, Operacional, Conectividade e áreas de suporte como Marketing, Financeiro e Administração. Na área de Tecnologia, há uma equipe dedicada à engenharia de produto, como o desenvolvimento do aplicativo, do software e do hardware. O setor Operacional lida com a rotina da plataforma, como manutenção dos veículos e limpeza e realocação dos veículos nos pontos de retirada. Por fim, a área de Conectividade compreende uma equipe dedicada a tornar o hardware compatível com o veículo, fazendo sua ligação com os sistemas veiculares (e.g. nível de combustível, velocímetro, uso da bateria etc.). Meses após a entrevista, a empresa divulgou em suas redes sociais (LinkedIn) alguns processos de contratação para as áreas Operacional e Tecnologia.

4.2.1 Processo da prestação do serviço

Beta oferece um serviço de mobilidade compartilhada sob demanda para empresas clientes. Assim, ela atua desde o setup dos veículos (envelopamento, instalação do hardware e configuração do software e do aplicativo) até a gestão da frota (e.g. manutenção preventiva e corretiva, realocação dos veículos nas estações e limpeza) e processamento dos dados de uso dos veículos (e.g. dados dos usuários, tempo de utilização, combustível ou carga de bateria consumida, distância percorrida etc.).

Apesar de atender clientes corporativos, Beta serve as demandas dos funcionários das empresas clientes. Assim, Beta oferece um aplicativo para smartphone o qual permite que os funcionários acessem o veículo remotamente. A depender do contrato firmado, o funcionário deverá fazer um cadastro no aplicativo e reservar o veículo para um dia e hora específicos para que possa retirar o mesmo em uma das estações instaladas nas dependências da empresa cliente. Em alguns casos, é possível que o funcionário ainda ofereça carona a outros colegas de trabalho em um sistema de carona suportado pelo aplicativo.

Por outro lado, Beta também oferece um software de monitoramento de frota o qual agrega os dados de uso dos funcionários, provendo maior controle por parte da cliente sob a 92

utilização dos veículos compartilhados. A interface e suas funcionalidades são customizáveis de acordo com as demandas da cliente.

Segundo o informante B, a empresa ainda oferece a possibilidade de prestar serviços roundtrip – ou seja, que exigem que o funcionário retorne o veículo para o mesmo local de retirada – ou mesmo one-way, quando o funcionário poderá utilizar do serviço em um trajeto unidirecional (e.g. idas ao aeroporto, terminais rodoviários, etc.). Nesses casos, Beta desloca um de seus membros da equipe de Operações para retornar o veículo ao seu local de origem.

A partir do momento em que a OCV Beta é contratada, a empresa cliente paga-lhe uma mensalidade por cada veículo compartilhado além de um valor à vista referente ao setup do veículo para o compartilhamento. Valores são negociados para cada empresa de forma diferente, configurando em um serviço personalizável. Parte do valor da mensalidade é direcionada à empresa parceira que dispôs do veículo e outra parcela é receita apropriada por Beta.

4.2.2 Criação de valor de Beta

Em termos de proposições de valor, Beta oferece serviços de mobilidade sob demanda customizáveis para empresas clientes. Os serviços, por sua vez, são usufruídos pelos funcionários dessas empresas que requisitam os veículos em trajetos a trabalho.

O serviço é customizável em múltiplas dimensões. A empresa cliente consegue definir de antemão, o número de veículos, a composição desejada da frota (e.g. modelo, potência, veículos a combustão ou elétricos), as funcionalidades abarcadas ao aplicativo e ao software. Nesse último, as clientes podem determinar quais informações elas querem ter acesso (e.g. tempo de utilização, combustível ou carga consumida, distância percorrida, número de passageiros etc.) para fazer o controle do uso dos funcionários.

Dito isso, as proposições de valor de Beta são principalmente de ordem econômica por oferecer a possibilidade de minimizar (ou substituir) a frota corporativa da cliente e, com isso, cortar custos relacionados a sua manutenção (e.g. depreciação, manutenção preventiva e corretiva, motoristas corporativos etc.). Contudo, a empresa também incorpora proposições de 93

valor de ordem ambiental, ao colocar seus serviços como uma alternativa mais sustentável para o deslocamento de funcionários em atribuições a trabalho. Em seu website e nos eventos em que promove, a empresa enfatiza seu papel enquanto uma provedora de mobilidade a partir de veículos elétricos. Durante a entrevista, no entanto, o informante B colocou que a adoção de veículos elétricos na frota é facultativa, podendo ser solicitado veículos a combustão da mesma forma.

Objetivando minimizar (ou substituir) a frota corporativa, Beta atende principalmente empresas de médio e grande porte, com um quadro de funcionários e necessidades de deslocamento significativos. No momento da entrevista, Beta atendia clientes do ramo de bens de consumo duráveis e financeiras. O informante não quis comentar mais a respeito.

4.2.3 Entrega de valor por Beta

A fim de entregar serviços de mobilidade sob demanda customizáveis, Beta depende: (i) de hardware instalado no veículo, (ii) software de monitoramento e o aplicativo de smartphone, (iii) um banco de dados, (iv) frota de veículos e (v) vendas e marketing.

Como comentado anteriormente, o hardware é uma placa eletrônica instalada diretamente no veículo e que permite o acesso remoto bem como a leitura de dados do veículo. O software de gestão é o programa que permite a empresa cliente monitorar o uso dos funcionários e o e o aplicativo para smartphone é o que garante o acesso individualizado para cada um dos funcionários da empresa cliente.

Ao depender desses recursos para entregar valor a suas clientes, a empresa depende também de competências capazes de viabilizá-las. Assim, destaca-se as competências relativas ao desenvolvimento de hardware e de software. A primeira compreende o papel da equipe de Conectividade, a qual dedica-se a fazer a instalação do hardware nos veículos e preocupar-se em conecta-lo às funções de monitoramento e comunicação com o aplicativo para desbloqueio das portas. Já o segundo acaba englobando as mesmas competências-chave apresentadas para Alfa de user experience e back-end. Ambas influenciam diretamente na usabilidade, funcionalidade e nível de customização tanto do software de monitoramento quanto do aplicativo para acesso remoto. 94

Beta também necessita armazenar os dados de uso dos funcionários para a cliente a fim de entregar análises e relatórios por meio do software de monitoramento. Para tanto, Beta utiliza de um serviço de banco de dados em nuvem (IBM cloud security).

A empresa ainda mobiliza uma frota. Essa, por sua vez, é obtida através de parcerias com lojas concessionárias e locadoras de veículos que possuem uma frota ociosa e que estão interessadas em extrair vias de receita adicionais a partir dela.

Por fim, Beta também requer de competências relacionadas a captação de novos clientes, atividade imprescindível para alcançar novos clientes e fechar contratos.

4.2.4 Captura de valor por Beta

O processo de captura de valor de Beta também é singular. Ao oferecer um serviço de mobilidade sob demanda para clientes corporativos, Beta captura valor não a partir de trajetos individuais ou comissões, mas sim no provimento contínuo do serviço pago mensalmente pelas empresas clientes. O montante mensal e as formas de pagamento, no entanto, dependem do contrato firmado entre Beta e as empresas clientes considerando o número de veículos locados, o tipo de frota solicitada, a disponibilidade dos veículos em frota e a opção por serviços one-way ou roundtrip. Invariavelmente, Beta também captura valor por um pagamento ex-ante relativo ao processo de setup da frota (envelopamento, instalação do hardware e configuração do software) que varia de acordo com as preferências da empresa cliente.

4.3 Empresa Gama

Gama é uma empresa fundada em Recife/PE, em 1988, que até o início dos anos 1990, atuava como prestadora de serviços de manutenção dos sistemas de telecomunicações de algumas estatais do setor de telecom. Contudo, com as privatizações das empresas de telefonia, a empresa mudou de ramo e passou a oferecer pacotes tecnológicos (com software e hardware) para gestão de tráfego urbano e de estacionamentos públicos, além dos serviços de manutenção para os mesmos sistemas, sobretudo para a prefeitura de Fortaleza. Em 2004, Gama ainda 95

iniciou outra empresa (Gama-2), da qual é sócia, que se dedica exclusivamente ao desenvolvimento de software para smartphones.

Atualmente, a empresa conta com aproximadamente 500 funcionários, divididos em três negócios diferentes: gestão de tráfego urbano, gestão de estacionamentos públicos, e transportes sustentáveis. Nos dois primeiros, a empresa desenvolve software e hardware de gestão e suporte operacional, além dos serviços de banco de dados e manutenção. No terceiro negócio (com 67 funcionários) a empresa se dedica à prestação de serviços de bikesharing e carsharing, atendendo consumidores finais (B2C). Considerando os três segmentos, Gama atua em 15 cidades brasileiras e exporta seu pacote tecnológico para duas cidades no exterior (Querétamo no México e Cuinca no Equador).

Em relação as operações em carsharing, a empresa está presente na cidade de Fortaleza- CE49. No caso, Gama atua junto a prefeitura por meio de uma concessão para prover serviços de mobilidade urbana acoplados aos demais serviços de transporte público.

4.3.1 Processo da Prestação do serviço

Para atuar na capital cearense, a empresa adquiriu uma concessão junto à prefeitura para conduzir um projeto de compartilhamento de veículos na cidade em 2016. O projeto conta com 20 veículos elétricos (15 compactos e 5 minivans), dispostos em 18 estações espalhadas pela cidade e integradas ao transporte público local (i.e., próximas a terminais rodoviários e ferroviários da cidade). Cada estação possui entre 2 a 4 vagas exclusivas e 12 delas possuem centrais de recarga por totens.

Os veículos estão disponíveis para utilização do público mediante um cadastro no aplicativo da empresa. Nela, o cadastro exige uma cópia digital da CNH e um comprovante de residência. Assim que esta etapa é finalizada, o usuário poderá retirar qualquer um dos veículos disponíveis em uma das estações e utilizá-lo por um período de tempo dentro do perímetro

49Gama também atua por meio de licitação junto a uma universidade pública no Rio de Janeiro- RJ. Contudo, nesse espaço, Gama participa de um projeto experimental de mobilidade dentro do campus, resguardando ainda uma escala bastante limitada (2 veículos). Portanto, o estudo de caso considera apenas as operações de Gama em Fortaleza- CE. 96

urbano. A devolução ocorre quando o veículo é retornado em qualquer uma das estações. Ao fim, é computada a tarifa exclusivamente pelo tempo de uso do veículo (Quadro 9).

Tempo de uso Tarifa Até 30 minutos R$ 15,00 Entre 31 e 60 minutos R$ 20,00 61 a 120 minutos R$ 30,00 121 a 180 minutos R$ 35,00 181 minutos a 300 minutos R$ 0,30 por minuto adicional Acima de 300 minutos R$ 0,50 por minuto adicional Quadro 9 - Tabela de tarifas vigentes nos serviços B2C de Gama. Fonte: website da empresa.

Entre 2016 e 2018, a plataforma acumulou 3.823 cadastros e realizou 3.753 viagens. Dentre os usuários que mais utilizam do serviço estão pessoas entre 21 e 40 anos (2.668 usuários). A maioria das viagens feitas para o período eram de curta duração: até 30 minutos (964 viagens) e de 31 minutos a 1 hora (907 viagens). Além disso, os destinos mais visitados pelos veículos eram áreas de lazer (e.g. shoppings, parques e igrejas).

No oferecimento da frota elétrica compartilhada em Fortaleza, Gama depende de um sistema logístico complexo que envolve o remanejamento e recarga dos veículos. Para isso, a empresa conta não apenas com uma divisão de operações que lida com a manutenção, realocação e recarga dos veículos, mas também com uma parceria junto a uma multinacional de distribuição de energia que opera as estações de recarga.

Adicionalmente, em se tratar de uma operação ainda limitada em comparação com o tamanho da cidade50, Gama ainda conta com o patrocínio de uma empresa de planos de saúde, o que compõe adicionalmente para as receitas geradas na operação.

4.3.2 Criação de valor de Gama

A proposição de valor de Gama reside no oferecimento de um serviço de mobilidade urbana, sustentável e sob demanda. Trata-se de um serviço sob demanda, uma vez que seus usuários usufruem desse meio de transporte a partir do acesso remoto via smartphone, pagando apenas pelo tempo de uso (Quadro 9) e podendo findar a locação em qualquer estação

50Segundo estimativas do IBGE, Fortaleza possui uma população de 2.686.612 habitantes em 2020 (IBGE, 2020). 97

próxima ao seu destino final. Assim, é um serviço flexível pois o acesso é instantâneo, cobrindo trajetos de sentido único (one-way) e sendo pago apenas pelo tempo que é requisitado.

Ao mesmo tempo, Gama oferece esse serviço através de 18 estações distribuídas pela cidade, interligando modais de transporte com pontos de interesse comuns, como shoppings centers, igrejas, praças e praias. Os serviços estão restritos à capital cearense, não compreendendo demandas por trajetos longos fora da cidade. Desse modo, trata-se de um serviço de mobilidade urbana que busca atender pequenos deslocamentos dentro da capital.

Em relação ao aspecto sustentável, Gama opera sob uma frota de veículos 100% elétricos. Apesar de ser algo exigido pela prefeitura na concessão, a empresa se apropria do valor ambiental ao apresentar seus serviços como uma alternativa “mais sustentável” por não estar vinculada a emissões de gases de efeito estufa.

Por fim, o público-alvo pretendido nessa operação consiste principalmente nos usuários de transporte público e demais habitantes da cidade interessados em cobrir pequenos trechos.

4.3.3 Entrega de valor por Gama

Em suas operações B2C, a empresa viabiliza suas proposições de valor através de: (i) sua frota de veículos elétricos, (ii) hardware instalado nos veículos, (iii) aplicativo que torna o acesso remoto possível, (iv) estações de recarga distribuídas pela cidade, (v) concessão da prefeitura e (vi) patrocínio de empresa de planos de saúde.

Em relação ao primeiro, para operações em B2C, a frota é essencial. É através do veículo que Gama provê serviços de mobilidade. Para tanto, a empresa mobiliza recursos e competências para mantê-la, tais como aquelas atreladas à gestão de frota (e.g. alocação ótima de veículos nas estações, monitoramento, manutenção corretiva e preventiva, logística de peças e limpeza). Tais atividades são todas desempenhadas internamente, havendo equipes destacadas para cumprir cada uma dessas funções dentro da empresa. O mesmo vale para o segundo. Ao desenvolver internamente um hardware que torna os veículos compartilháveis, Gama depende da engenharia de hardware e de competências ligadas à instalação dessas peças nos veículos. 98

Em relação ao aplicativo e estações de recarga, Gama não os mobiliza sozinha. De fato, ela os coordena através de parcerias: o aplicativo é obtido de Gama-2 (empresa de desenvolvimento de software) e as estações de recarga são oriundas da empresa de distribuição de energia elétrica local. Notadamente, a permissão para instalação de totens e mesmo a delimitação de vagas exclusivas depende, por sua parte, da própria prefeitura.

Por fim, como complementação às receitas de Gama incorre um patrocínio por parte de uma empresa de planos de saúde, o qual divulga o apoio tanto nos veículos (via adesivos) quanto nos pronunciamentos e notícias vinculados à operação na cidade. O montante destinado a financiar as operações de Gama não é divulgado.

4.3.4 Captura de valor por Gama

Em se tratar de uma concessão junto a prefeitura de Fortaleza, Gama captura valor por meio da utilização dos usuários, ou seja, através do seu modelo de tarifas por minuto. Resgatando os dados obtidos para as operações realizadas entre 2016 e 2018, a empresa chegou a realizar 3.753 viagens. A maioria dessas viagens ainda eram de curta duração: até 30 minutos (964 viagens) e de 31 minutos a 1 hora (907 viagens).

Assim, é possível estimar a receita de Gama: com 964 viagens registradas até 30 minutos (15 reais cada), a empresa gerou 14.460,00 reais. Ao mesmo tempo, com viagens entre 31 minutos a 1 hora (20 reais cada), a empresa gerou 18.140 reais. No total, foram gerados 32.600,00 reais nesses 2 anos de operação. Ressalta-se ainda que tal receita é parcial, restando ainda 1.882 viagens a serem contabilizadas no cálculo.

4.4 Empresa Delta

Fundada por um CEO com experiência no mercado de locação tradicional de veículos para empresas, Delta foi uma das primeiras OCVs do Brasil. Iniciando suas operações em 2010 – após 6 meses de testes –, a empresa operava no mercado B2C. Nesses 10 anos de atuação, a empresa experimentou diferentes modelos de negócio. Seja abarcando novas tecnologias e novas formas de cobrança, até novas estruturas de custos e frota. 99

Entre 2010 e 2015, a empresa prestava um serviço de carsharing B2C roundtrip multiple vehicle types com reserva. Seus clientes reservavam a utilização do veículo previamente, determinando o dia e a hora para retirada e para devolução. Os pontos de retirada e devolução eram dispostos em estacionamentos particulares distribuídos pela cidade. No final de cada mês, o cliente recebia a cobrança pela fatura de cartão de crédito. Os valores eram baseados no total de tempo de uso de todas as viagens realizadas no período.

Nessa época, a tecnologia na qual Delta se baseava (hardware e software) era importada, e de certa forma datada. Enquanto grandes OCVs como a Car2go e a ReachNow já operavam via aplicativos para smartphone (FIRNKORN; MÜLLER, 2011; MÜNZEL et al., 2018), Delta empregava uma tecnologia baseada inteiramente em mensagens de texto SMS, sem suporte para aplicativos. Isso porque, o hardware utilizado por Delta remontava aos anos 1990 e dessa forma, toda a interface do usuário era feita via páginas da web, o que limitava consideravelmente a usabilidade da plataforma.

O sistema de BackOffice (armazenagem de dados, cobrança e gestão de frota) também tinha suas limitações. Importado como um ativo físico, o sistema acabava exigindo necessariamente o deslocamento de recursos para sua manutenção por parte de Delta. Além disso, ele não permitia a análise de crédito ex-ante ao cliente fazer uso do serviço, o que contribuía para problemas de inadimplência e fraude entre os usuários.

A respeito da frota, Delta possuía certa variedade de modelos à disposição. Desde veículos compactos e de passeio, até utilitários leves. Todos de propriedade da empresa. Em 2015, a empresa chegou a possuir 80 veículos que eram dispostos em diversos estacionamentos particulares de São Paulo.

Diante dessa estrutura de custos, o negócio ainda não tinha atingido sustentabilidade financeira, o que levou a empresa a tomar duas medidas a partir de 2015. A primeira delas envolveu a tecnologia de base. Ao invés de importar o hardware para instalação no veículo e o sistema de BackOffice, Delta passou a acumular novos recursos, competências e parcerias para desenvolver sua própria tecnologia base internamente, compreendendo um novo hardware e um aplicativo para smartphone.

A nova tecnologia resultante passou a oferecer novas oportunidades para Delta. Uma delas foi poder ofertar serviços de carsharing B2C roundtrip sem requerer reserva com data e hora de retirada e devolução. Os usuários poderiam solicitar o veículo com 1 hora de 100

antecedência sem precisar definir uma data e hora de retorno. Posteriormente, Delta também adotou o uso de pacotes de serviço que ofereciam tarifas promocionais aos clientes.

No quesito cobrança, também foi contratado um serviço de BackOffice em nuvem (Amazon Web Services) para substituir o antigo ativo outrora importado. Se por um lado, a manutenção de um servidor com os sistemas de BackOffice foi repassada à nova fornecedora, livrando recursos para outras atividades, por outro, viabilizou análises de crédito ex-ante à utilização do serviço, mitigando os problemas atrelados à inadimplência e fraude.

A segunda medida tomada por Delta está relacionada à frota disponível. Dado que a rentabilidade do negócio depende do tamanho da frota e da taxa de ocupação de cada veículo, Delta terceirizou o acesso à frota. Por ser uma empresa de pequeno porte, com relativa escassez de capital, Delta optou por vender seus veículos, a fim de capitalizar-se, e passou a fazer a sublocação da frota junto a locadoras tradicionais.

Nesse momento, a empresa também acabou adotando veículos de um mesmo modelo e marca por um curto período de tempo. Todos eram compactos e à combustão. Sua decisão acabou impactando positivamente em seus custos operacionais de instalação do hardware, visto que os novos veículos eram mais compatíveis com a tecnologia. Segundo o informante D, a homogeneização da frota também trouxe ganhos relativos à sua gestão, pois o modelo de veículo escolhido acabou sendo de fácil manutenção devido à grande disponibilidade de peças de reposição. Posteriormente, a empresa acabou adotando outros modelos de carros que pudessem atender diferentes clientes.

Sob esse novo modelo de negócio, Delta acabou apresentando um forte crescimento entre 2016 e 2019, tanto em termos de frota quanto no número de clientes. A empresa chegou a operar com 200 veículos na capital paulista. Sua plataforma chegou a reunir aproximadamente 120.000 usuários cadastrados, dos quais cerca de 35.000 já haviam utilizado do serviço ao menos uma vez. Havia momentos em fins de semana e feriados prolongados em que toda a frota havia sido reservada para o período.

Mesmo assim, o ritmo de crescimento não foi suficiente para atingir o objetivo desejado. Isso por que a empresa começou a competir diretamente com os serviços de ridehailing (e.g. Uber e Cabify) que ofereciam serviços de mobilidade mais atrativos para pequenos trajetos e que acabavam tendo maior visibilidade entre potenciais novos clientes. Outro motivo apontado pelo entrevistado foi o nível de investimento necessário para alcançar 101

a escala ideal de operação em termos de veículos na frota. A fim de conceder sublocações, as locadoras acabavam por exigir comprovação de um certo nível de capital imobilizado em patrimônio e certo nível de caixa. Delta não conseguia atender tais demandas sozinha. Ao mesmo tempo, a empresa também não conseguiu acessar crédito nem novos investidores aptos a viabilizar a expansão de sua frota.

Ao final de 2019, a empresa encerrou momentaneamente suas operações no mercado B2C, restringindo-se a operar no mercado B2B. Delta sempre manteve alguns clientes corporativos de pequeno porte (escritórios de advocacia, publicidade, engenharia e arquitetura) que requisitavam o serviço da frota em B2C para atender suas demandas eventuais. No entanto, em 2020, Delta passou a firmar parcerias junto a outras montadoras para a prestação de serviços de carsharing tanto para funcionários quanto para o público geral. Contudo, devido ao momento de crise sanitária imposta pela pandemia do novo coronavírus, tais negociações acabaram por ser interrompidas para o ano de 2020. Pelo fato de ausência de dados e operações concretizadas, o estudo de caso se restringiu a explorar apenas as operações de Delta em B2C.

Em termos organizacionais, a empresa conta com cinco grandes áreas: Operações; Atendimento ao cliente; Produto e Tecnologia; BackOffice; e Marketing. A primeira área é encarregada de assuntos relacionados à gestão da frota (manutenção, reabastecimento, disposição nas vagas, etc.). A segunda área dedica-se ao atendimento ao cliente e práticas antifraude. Produto e Tecnologia é a área responsável por desenvolver e atualizar ambos hardware e aplicativo, desde o back-end até o front-end. O “BackOffice”, por sua vez, é a grande área que faz a integração entre as demais áreas, gerenciando dados de clientes, pagamentos e multas. Por fim, o Marketing enquanto uma área estratégica da empresa, estava diretamente engajada na projeção da marca no ambiente virtual. No seu auge, Delta chegou a empregar 30 funcionários. Atualmente, o quadro de funcionários está entre 4 a 5 funcionários.

4.4.1 Processo da prestação do serviço

No mercado B2C, a empresa prestava serviços de carsharing roundtrip multiple vehicle types51 na capital paulista entre 2010 e 2019. Sua frota estava distribuída em cerca de

51Como mencionado no início desta subseção, houve um breve momento entre 2015 e 2017 que a empresa operou B2C roundtrip single-purpose vehicle type. Porém, por um curto período de tempo. Logo a empresa diversificou a frota em sublocação para atender mais segmentos. 102

100 estacionamentos particulares espalhados pela cidade. A partir de 2016, o acesso aos veículos começou a ser feito através de aplicativos para smartphone, no qual exigia um cadastro prévio do usuário. Só então o usuário poderia localizar, solicitar e desbloquear os veículos da frota via aplicativo.

O serviço podia ser cobrado de duas formas: pelo pacote livre (onde o usuário usufruía do veículo pelo tempo que desejasse) ou por pacotes promocionais (e.g. 12, 24 e 48 horas ou mais dias). Em ambas, as tarifas fundamentavam-se no tempo de uso (em minutos) mais uma taxa por quilômetro rodado. A diferença entre o pacote livre e os pacotes promocionais recaía nos valores da hora52. Os valores podiam variar de acordo com o pacote escolhido e com o modelo de veículo compartilhado (compacto ou sedan). Após solicitado o serviço, o usuário tinha até 30 minutos de tolerância para se deslocar até o local do veículo para retirá-lo sem incidir cobrança.

O alcance do serviço compreendia todo o território nacional, com restrições de uso apenas em vias pavimentadas. O combustível não precisava ser desembolsado diretamente pelo usuário, uma vez que Delta disponibilizava no porta-luvas de cada um dos veículos, um cartão combustível. Ao final da locação, o usuário deveria devolvê-lo no mesmo local em que foi feita a retirada. Delta permitia que o veículo fosse devolvido com no mínimo 25% do tanque cheio. Após a utilização, o usuário era informado sobre o valor total do uso a ser cobrado em fatura do cartão de crédito.

4.4.2 Criação de valor de Delta

No que tange a proposições de valor, Delta oferecia serviços de locação de veículos “sem burocracia” ao consumidor final. Bastava o cadastro e a análise de crédito pelo aplicativo para que Delta autorizasse a locação do veículo por parte do usuário. Ao mesmo tempo, sua frota estava espalhada em diversos pontos de São Paulo (em estacionamentos privados), o que proporcionava certa comodidade para os clientes próximos a esses locais de retirada. Não foram encontradas evidências de que Delta incorporava valores ambientais.

52No plano livre, as tarifas eram em torno de 10 reais a hora mais 50 centavos por quilômetro rodado. Quando o usuário aderia a um pacote de uso (12, 24 ou 48 horas), essas tarifas eram reduzidas. Por exemplo, ao contratar o pacote de 12 horas, o usuário pagava ao total 80 reais mais 50 centavos por quilometro rodado. Os valores mencionados dizem respeito ao preço praticado durante o ano de 2019 até a suspensão das atividades B2C. 103

Por oferecer um serviço de carsharing roundtrip, Delta acabava atendendo a demanda por trajetos intermediários com maior duração de tempo. Afinal, para trajetos menores e de sentido único, a comodidade e preço eram melhor endereçados por plataformas de ridehailing (e.g. Uber, Cabify ou 99 Táxi) dado que estes não exigiam a devolução do veículo a um local específico. Essa condição é corroborada pelo fato de que o tempo médio de locação mais significativo era entre 1 e 18 horas especialmente em feriados e fins de semana.

4.4.3 Entrega de valor por Delta

A entrega do valor por Delta era feita através: (i) da frota de veículos compartilhados, (ii) das vagas exclusivas espalhadas pela cidade, (iii) da tecnologia-base composta pelo hardware e pelo aplicativo desenvolvidos por Delta e (iv) sistemas de BackOffice.

Os veículos compartilhados são recurso-chave para a entrega de valor de Delta uma vez que ela operava serviços de carsharing B2C. Porém, a partir de 2016, Delta passou a fazer a sublocação dos veículos compartilhados com vistas a expandir o negócio. A decisão liberou capital imobilizado em frota para reinvestimento ao mesmo tempo em que lhe rendeu um novo tipo de fornecedora: as locadoras de veículos.

Mesmo transferindo um recurso-chave para uma locadora, Delta ainda necessitava dos recursos e competências pertinentes à gestão da frota. Eles ditavam a alocação ótima da frota, manutenção e limpeza necessária para manter a operação.

O segundo recurso-chave para Delta entregar valor eram as vagas exclusivas. Como comentado no caso da Autolib’ (final da seção 3.1) e no modelo de negócio B2C utilizado por Beta (seção 4.2), há risco de depredação e perdas quando os veículos são dispostos diretamente em vias públicas. Ao mesmo tempo, Delta não conseguiu estabelecer acordos com o município (via licitações, concessões ou parcerias público-privadas) para dispor de vagas exclusivas para os veículos compartilhados assim como fez Gama. Assim, Delta recorreu a parcerias junto a estacionamentos particulares espalhados por São Paulo. Dessa forma, o risco de depredação e furtos era mitigado ao passo que a acessibilidade aos veículos ainda se mantinha. Clientes ainda podiam solicitar o veículo mais próximo de sua localidade e acessá-lo dentro do estacionamento 104

mais próximo. Quanto mais bem localizados eram os estacionamentos, mais atrativo se tornava o serviço.

Há também o hardware e o aplicativo. São eles que viabilizavam o compartilhamento dos veículos per se. Até 2015, Delta importava uma tecnologia limitada que exigia que o cadastro e a reserva fossem feitos diretamente em páginas da web, o que impactava na atratividade do serviço. A partir do momento que a empresa passou a desenvolver o próprio hardware e o aplicativo para smartphone, a tecnologia resultante acabou sendo mais responsiva às necessidades dos clientes. Com isso, Delta dependia de competências relativas a user experience e back-end assim como as demais empresas entrevistadas pelos mesmos motivos já mencionados nos casos anteriores.

Por fim, o sistema de BackOffice também compunha para o processo de entrega de valor de Delta. Tratava-se de um sistema suporte que diz respeito a armazenagem de dados, gestão de frota e cobrança. Segundo o informante D, o pacote promocional de 12, 24 e 28 horas foi idealizado a partir da análise de dados dos usuários armazenados no sistema Amazon Web Services.

4.4.4 Captura de valor por Delta

O processo de captura de valor por Delta em suas operações em carsharing B2C roundtrip multiple vehicle types se dava através das tarifas do serviço. Ou seja, pelo cômputo da hora demandada acrescida de um valor por quilômetro rodado.

105

5 DISCUSSÃO: A RELEVÂNCIA DO MODELO B-2-B DE CARSHARING NO BRASIL

A fim de orientar a discussão dos achados dos estudos de caso, faz-se importante retomar a questão de pesquisa apresentada no primeiro capítulo: “Quais são os modelos de negócio que se desenvolveram entre as OCVs no Brasil? E até que ponto as categorizações sugeridas pela literatura internacional para os modelos de negócio são aplicáveis ao contexto brasileiro?”.

A fim de que se respondesse tal problema de pesquisa, no capítulo 2 foi discutido o que era Modelo de Negócio, apresentando suas possíveis definições e aquela que melhor se adequava ao propósito desta pesquisa e suas implicações para os estudos de inovação. No capítulo 3, buscou-se definir e caracterizar o carsharing, visitando os determinantes de sua difusão mundo afora, os principais modelos de negócios discutidos pela literatura e aspectos gerais do mercado mundial de carsharing, juntamente com o Brasil. A partir dessas discussões, o capítulo 4 trouxe os 4 estudos de caso desenvolvidos nesta pesquisa (Alfa, Beta, Gama e Delta), juntamente com suas respectivas características no que tange seus processos de criação, entrega e captura de valor.

Dessa forma, foi possível identificar quatro modelos de negócio para o carsharing no Brasil, entre aqueles que são apontados na literatura internacional (Figura 3), quais sejam, B2C roundtrip (multiple vehicle types e single-purpose vehicle type), B2C one-way stationary e P2P manual access. No entanto, um importante resultado dos estudos de caso foi a identificação da importância no Brasil de um outro tipo de modelo de negócio, aqui denominado por business-to-business (ou B2B). Como esse modelo de negócio tem pouco significado e é muito pouco explorado na literatura internacional, a pesquisa realizada nesta dissertação aponta para a necessidade de incluir o modelo B2B na classificação de modelos de negócio discutida na seção 3.3, como apresentado na Figura 5. 106

Carsharing

Cooperativas B2C P2P B2B

Manual Automatic Roundtrip One-way access access

Single- Multiple purpose Free-floating Stationary vehicle types vehicle type

Figura 5 - Categorização de modelos de negócio para OCVs a partir dos resultados dos estudos de caso. Fonte: Estudos de caso realizados.

Então, “até que ponto as categorizações sugeridas pela literatura internacional para os modelos de negócio são aplicáveis ao contexto brasileiro?”. Em relação ao modelo de negócio B2B, nenhum dos autores levantados na literatura sobre modelos de negócio em carsharing – Cohen e Kietzmann (2014), Remane et. al. (2016) e Münzel et. al. (2018) – mencionam essa categoria como um modelo de negócio possível entre as operadoras. O motivo subjacente a isso não reside no fato de este ser um fenômeno exclusivo ao Brasil. Em sua exposição da trajetória do carsharing, Shaheen et. al. (1998) mencionam que, durante os anos 1990, foram estabelecidas algumas parcerias entre empresas para o compartilhamento de frota. Motivada por questões econômicas – no caso, a redução dos custos relacionados a infraestrutura e estacionamento para funcionários –, uma companhia aérea buscou a parceria de uma locadora de veículos para fornecer serviços de mobilidade para seus funcionários no aeroporto de Munique, na Alemanha (SHAHEEN; SPERLING; WAGNER, 1998).

Segundo Clark et. al. (2015), a literatura dá pouca ou nenhuma atenção para esse tipo de operação, ignorando o peso que esse mercado tem para o número total de usuários de carsharing. Só no Reino Unido, 22% dos usuários registrados em carsharing pertenciam a um 107

serviço de carsharing B2B em 2012 (CARPLUS, 2013 apud CLARK et al., 2015), enquanto que na Alemanha, a proporção chegava a 23% em 2009 (LOOSE, 2010).

Os mesmos autores ainda colocam que muitas das empresas instaladas no Reino Unido utilizavam de algum serviço de carsharing B2B para incorporar os ganhos ambientais dele provenientes em suas proposições de valor (CLARK et al., 2015). Já Loose (2010) demonstra que na Alemanha, algumas empresas também têm adotado o compartilhamento de veículos como uma estratégia para reduzir custos de deslocamento de funcionários para propósitos relacionados ao trabalho. Nesses casos, assim como foi comentado para Delta (seção 4.4), as empresas têm usufruído dos serviços a partir da frota já existente para operações em B2C disponíveis nas imediações.

Dentre as 4 OCVs pesquisadas, 3 apresentaram algum tipo de interesse pelo mercado de carsharing B2B. Alfa e Delta, por exemplo, têm experimentado em pequena escala, com alguns clientes e um número singelo de veículos compartilhados. Beta, por outro lado, têm se dedicado inteiramente a esse mercado, fornecendo serviços de mobilidade corporativa sob demanda. Ambos Beta e Delta, no entanto, têm investido no mercado B2B devido suas dificuldades em se estabelecerem enquanto operadoras B2C no passado. Independentemente da extensão de suas atuações, o modelo de negócio B2B adotado por Beta e Delta as posiciona como prestadoras de serviço de compartilhamento por meio de uma solução tecnológica de intermediação, e não por meio de uma frota compartilhada per se, como é mencionado por Shaheen et. al. (1998).

O aparente interesse pelo mercado B2B por parte de algumas das empresas entrevistadas está vinculado aos desafios dos modelos de negócio B2C e P2P. Em termos de escala e custos operacionais, modelos B2C tendem a exigir um investimento considerável em frota (sendo ela própria ou locada). Delta, por exemplo, não conseguiu alcançar a escala desejável para tornar o negócio financeiramente sustentável, mesmo com 200 veículos e uma quantidade de clientes considerável (em torno de 35.000 usuários ativos). Operadoras P2P enfrentam desafios análogos. Assim como explorado por Silva (2019b), plataformas precisam atingir uma massa crítica para se tornarem autossuficientes. Em outras palavras, eles precisam acumular um determinado volume de usuários-clientes e usuários-parceiros. Esse fato é corroborado pelo estudo de caso de Alfa que possui um desequilíbrio entre esses dois tipos de usuários (800 parceiros e 200 mil clientes) e tem empreendido esforços para atrair mais proprietários de veículos. 108

Em ambos os modelos B2C e P2P também incidem riscos operacionais expressivos. Ambos os tipos de operadora têm de lidar com o risco de fraude e inadimplência dos usuários. Para tanto, as empresas entrevistadas – salvo Beta – têm mobilizado de alguma forma, recursos e competências para endereçar tais dificuldades; seja na forma de estruturação de sistemas dedicados a combater práticas fraudulentas e de inadimplência (Alfa e Delta), seja na forma de sistemas de monitoramento dos veículos e das estações (Gama).

Modelos B2B, apesar de apresentarem seus próprios desafios (e.g. captação de empresas clientes), acabaram se revelando como modelos de negócio alternativos para as empresas pesquisadas, como substitutos (Beta e Delta) ou como complementares (Alfa). No âmbito de custos e escala, por exemplo, as operadoras B2B não têm como requisito obrigatório dispor de uma frota própria. Nos casos estudados, as empresas se restringem a desenvolver, atualizar e manter apenas seu pacote tecnológico e seus serviços junto aos usuários. Os veículos são, usualmente, provenientes de empresas parceiras ou das próprias empresas clientes. Além disso, Clark et. al. (2015) e Loose (2010) apontam para o fato de que funcionários de clientes corporativos fazem uso mais recorrente dos veículos compartilhados do que o consumidor final complementando o uso dos veículos compartilhados durante os dias de semana (segunda a sexta).

Por fim, existe a questão da atratividade para investidores que deve ser considerada. Pelo fato de Alfa, Beta e Delta serem empresas de pequeno porte, possuem limitação em termos de recursos próprios disponíveis para investir no próprio negócio. Tal fato acaba impelindo-as a buscar crédito e novos investidores. Para tanto, o negócio precisa oferecer perspectivas positivas de crescimento e possibilidade de retorno. Algo que pode se tornar mais palpável através de modelos de negócio B2B, que oferecem custos e riscos menores do que em negócios B2C e P2P.

No tange os demais modelos de negócio identificados na pesquisa, foi possível visualizar que de maneira geral, as operadoras pesquisadas têm se limitado a operar em grandes centros urbanos, algo que já é comentado pela literatura (AKHMETSHIN et al., 2019; ALMEIDA; SILVA; LEITE, 2017; AMBROSINO et al., 2016; SHAHEEN; COHEN; ZOHDY, 2016). Essa concentração pode ser explicada pela existência da infraestrutura pré- instalada (e.g. vias pavimentadas, acesso à energia elétrica, postos de reabastecimento e centros de recarga etc.) e tamanho do mercado local compatível com as exigências de escala de frota (ECKHARDT et al., 2018; KIM, 2015; NOCERA; TSAKARESTOS, 2004; ROTARIS; 109

DANIELIS, 2018). Nos dados obtidos por Münzel et. al. (2018), é possível visualizar o tamanho médio das cidades que abrigavam serviços B2C (Quadro 5). Para operadoras B2C roundtrip e one-way, o tamanho médio das cidades atendidas era de 229.823 e 4.669.684 habitantes (respectivamente) enquanto que entre cooperativas a média chegava a 39.966 habitantes.

Entre as operadoras com modelos de negócio dedicados a atender o consumidor final, tanto Alfa quanto Delta (até 2019) atendiam principalmente usuários interessados em locações para fins de semana e feriados. Dessa forma, seus serviços eram utilizados para cobrir trajetos intermediários em distância, geralmente com dias de duração e principalmente direcionados ao lazer, assim como os serviços prestados por locadoras tradicionais. Por isso, as proposições de valor anunciadas por essas 2 empresas acabavam por rivalizar com os serviços das locadoras, sendo: “serviços de locação de veículo facilitada” ou mesmo, “serviços de locação sem burocracia”.

Gama, no entanto, acaba atuando em outro segmento. A partir de parcerias (prefeitura e companhia de distribuição de energia) e o patrocínio de uma empresa de planos de saúde, a empresa estabeleceu serviços de carsharing B2C one-way stationary com veículos elétricos. O serviço prestado se integra ao transporte público local, sendo disponibilizado perto dos outros modais de transporte da cidade, cobrindo pequenos trajetos entre esses modais e outros pontos de interesse na cidade, tais como praças, parques, shoppings centers, igrejas e praias. Mesmo assim, ainda se trata de uma operação limitada quando comparada ao tamanho da cidade de Fortaleza (mais de 2,5 milhões de habitantes53) e ao programa Autolib’ realizado na França que chegou a 4.000 veículos na frota em 2018, atendendo Paris e outras cidades em seu entorno.

Durante a entrevista, o entrevistado D da empresa Delta afirmou que, entre 2015 e 2019, a empresa cogitou participar de licitações junto a prefeituras para prover serviços de carsharing aos moldes do que é prestado por Gama. No entanto, ao observar as condições dos acordos possíveis (principalmente quanto aos riscos a serem assumidos e o volume de capital necessários), a empresa não efetivou suas participações. Para o entrevistado D, a empresa Delta não tinha o que era necessário para participar. De um lado, faltavam-lhe parcerias com grandes empresas interessadas naquele momento. Por outro, Delta era uma empresa de pequeno porte,

53Segundo estimativas do IBGE para 2020 (IBGE, 2020). 110

não possuindo os recursos próprios necessários para arcar com todos os requisitos. Ambos foram fatores limitantes no processo de decisão.

Resgatando os resultados de Münzel et. al. (2018), 75% das operadoras B2C One- way instaladas na Alemanha são incumbentes de outras indústrias (montadoras e joint-ventures entre montadoras e locadoras tradicionais). Além disso, todas as operadoras B2C one-way tinham alguma parceria junto a empresas de transporte público, administração pública ou mesmo com locadoras ou montadoras. Esse quadro pertinente às parcerias se repete inclusive entre as operadoras B2C roundtrip: 42% possuíam alguma parceria com empresas de transporte público e 40 % tinham parcerias com a administração pública local (Quadro 5). Essas informações juntamente com os estudos de caso realizados corroboram o peso das parcerias feitas junto a órgãos públicos ou grandes empresas para operacionalizar serviços B2C como um todo.

Em relação ao porte necessário, tanto o perfil das operadoras B2C one-way alemãs, quanto o fato de Gama ser uma empresa participante de um grupo maior e já consolidado, atuante em outros mercados (gestão de estacionamentos públicos e sistemas semafóricos), podem indicar que existe uma necessidade de escala mínima para prestar esse tipo de serviço. Daí decorre o interesse dos artigos preocupados em determinar um “tamanho ótimo de frota” (i.e. relação entre veículos na frota e usuários atendidos) a partir do tamanho da cidade a ser atendida (BOESCH; CIARI; AXHAUSEN, 2016; HU; LIU, 2016; MORENCY; VERREAULT; DEMERS, 2015).

Outro elemento comum entre os casos observados diz respeito ao uso intensivo de um aplicativo para entregar valor. Nos quatro estudos de caso, o aplicativo é o meio pelo qual um usuário consegue acesso remoto individualizado a um veículo. Sem ele, a ideia de mobilidade compartilhada em todos os modelos de negócio adotados ficaria debilitada. Por isso, em todos os casos, as operações acabam dependendo de recursos e competências relacionadas ao desenvolvimento de software: do front-end com o user experience até o back-end, o qual confere funcionalidades aos aplicativos e sistemas utilizados. Apenas Gama não mobilizava esses recursos e competências diretamente, confiando o fornecimento deles a Gama-2.

Dentre os casos investigados que já atuaram em B2C, somente Delta conseguiu alcançar uma frota total de 200 veículos. Porém, a escala de suas operações ainda era demasiado tímida quando comparada à OCVs como a ShareNow com 12.000 veículos e a Mobility Car Sharing com 3.120 veículos (MOBILITY CAR SHARING, 2020; SHARENOW, 2020b). 111

É evidente que mesmo sob esse comparativo, a escala não significa que o carsharing já esteja plenamente estabelecido e sem enfrentar problemas nesses países. Na verdade, as operadoras vêm enfrentando grandes obstáculos, inclusive em mercados desenvolvidos (ENTERPRISE CARSHARE, 2020; LEBEAU, 2020; MIGDAL, 2019; SHARENOW, 2019). Em 2019, por exemplo, a ShareNow – fruto da fusão entre a Car2go (Daimler-Benz) e a ReachNow (BMW) – encerrou suas atividades na América do Norte. Segundo o comunicado emitido pela própria empresa, seu encerramento se deve aos altos custos operacionais, competição com outras plataformas de mobilidade e limitações em infraestrutura de carregamento nos EUA para manter sua frota de veículos elétricos operacional (SHARENOW, 2019). Em 2020, o serviço de carsharing B2C roundtrip “Enterprise CarShare” também foi suspenso, devido a dificuldades relacionadas principalmente à pandemia do novo Coronavírus (ENTERPRISE CARSHARE, 2020).

112

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio de estudos de caso de quatro OCVs brasileiras, esta dissertação identificou um modelo de negócio em carsharing até então ignorado pela literatura: o modelo de negócio business-to-business (ou B2B). Para os casos estudados, esse modelo se revela como um modelo alternativo atraente em substituição ou mesmo complementação às demais operações junto ao consumidor final (B2C e P2P).

Nesse modelo, algumas das OCVs entrevistadas (Alfa, Beta e Delta) têm se posicionado enquanto prestadoras de serviços de compartilhamento por meio de uma solução tecnológica (hardware e software) e da agregação de serviços, e não através de uma frota compartilhada. Assim, o modelo de negócio B2B adotado por essas empresas podem apresentar custos e riscos operacionais reduzidos quando comparados aos demais modelos de negócio.

A escolha por tal modelo de negócio também está vinculada aos desafios específicos de cada um dos outros modelos de negócio em carsharing. Operadoras B2C, por exemplo, tendem a demandar mais capital devido à necessidade de manter e expandir uma frota de veículos compartilhados. Além disso, parece haver certa dependência de boas parcerias junto a empresas de grande porte e ao setor público a fim de tornar o serviço prestado de fato atrativo ao consumidor. Já as operadoras P2P enfrentam outros tipos de desafios, como os de expandir e manter uma comunidade ativa em suas plataformas visando alcançar a massa crítica necessária para tornar o negócio financeiramente sustentável.

De modo geral, o carsharing se apresenta como um novo modal de transporte aderente aos interesses da política pública no que se refere ao planejamento urbano e à mitigação das mudanças climáticas. Contudo, a atividade ainda é pouco difundida no Brasil, inexistindo um quadro regulatório específico para a atividade, bem como desconhecimento ou desinteresse por parte dos municípios em promover o carsharing como um novo modal de transporte.

Somado a isso, alguns modelos de negócio aqui investigados (B2C roundtrip e suas variantes) parecem exigir a participação ativa das administrações públicas locais para conseguir criar e entregar valor de forma eficiente. Paralelamente, há casos – discutidos aqui e na literatura – em que as operações não conseguiram se manter e crescer por falta de capital. Em se tratar de pequenas empresas, carecem de recursos próprios para investimento, demandando por crédito 113

e investimentos de terceiros. Assim, faz-se necessária não somente a definição de uma legislação específica, como também o estabelecimento de políticas de crédito e políticas de planejamento urbano que deem espaço para o carsharing no ambiente urbano, via vagas exclusivas e integração a outros modais de transporte coletivo, por exemplo.

Em se tratar de um estudo exploratório, a presente dissertação buscou entender como as operadoras de carsharing têm operado no mercado brasileiro a partir de seus modelos de negócio. Partindo da metodologia de estudos de caso múltiplos, a pesquisa não se apoiou em entrevistas com vários informantes, como recomenda a literatura (EISENHARDT, 1989b; YIN, 2001 [1984]) devido à indisponibilidade dos recursos humanos das empresas investigadas. Em contrapartida, as informações coletadas foram trianguladas com outros documentos (pesquisas anteriores e material jornalístico) a fim de suprir a ausência de um segundo informante por empresa.

No decorrer das análises, foi possível ainda derivar possíveis temas e problemas de pesquisa que não foram abordados por saírem do escopo desta dissertação. Por exemplo, através dos dados obtidos, não foi possível traçar subtipos entre os modelos de negócio em B2B. Isto porque apenas uma empresa investigada estava atuando neste mercado efetivamente, o que inviabilizou análises comparativas com outros exemplares. A pesquisa também não discute porque operadoras de carsharing B2C e P2P não têm conseguido se estabelecer no mercado doméstico da mesma forma que no mercado europeu e estadunidense. Apesar de indícios apontando para a importância da política pública, investigações mais detalhadas e compreensivas são necessárias.

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APÊNDICE A – CONTEÚDO DAS ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADAS

Dimensões Perguntas

▪ Quais as cidades atendidas pela empresa?

Informações ▪ Qual o tamanho da frota atualmente? básicas da empresa ▪ Onde os veículos são dispostos na cidade? (por exemplo: dentro de estacionamentos, vias públicas, próximos a estações de trem e ônibus, etc.)

▪ Quantos funcionários a empresa detém?

▪ O que a empresa vende?

▪ Quais as necessidades dos clientes estão sendo atendidas?

Proposições ▪ Quais tipos de veículos estão disponíveis na plataforma da empresa? de valor ▪ Existem outras vantagens inclusas no serviço? (por exemplo: WiFi gratuito dentro dos carros, descontos em comércio e serviços, etc.)

▪ Como o veículo é acessado?

▪ Qual o público-alvo da empresa?

▪ Quantos usuários cadastrados?

Público-alvo ▪ Quantos usos diariamente?

▪ Canais de comunicação com o cliente

▪ Quais os principais meios de comunicação com os clientes?

▪ Existe um tratamento dos dados cadastrais dos usuários para traçar o perfil médio dos clientes?

▪ Quais as principais empresas parceiras para a operadora? (seguradoras? Estacionamentos? Serviços de limpeza e manutenção?)

▪ Caso haja alguma parceria com órgão público (por exemplo, prefeituras e demais Parceiros- agentes públicos), qual a natureza da parceria? (concessão? Parceria Público chave Privada?)

▪ Quais são as fornecedoras mais importantes para a empresa? Qual a natureza de suas atividades?

▪ Quais os recursos mais importantes para a empresa (recursos-chave)?

▪ Quais dos recursos-chave vem das fornecedoras e parceiras?

Quadro 10 - Dimensões e perguntas feitas durante as entrevistas (continua).

Dimensões Perguntas

Canais de ▪ Como a empresa gera receitas na prestação de seus serviços? receita ▪ Como as tarifas são calculadas? Por quilômetro rodado? Tempo de uso? Ou combinação dos dois?

▪ Quais os principais desafios que a empresa enfrenta hoje? (por exemplo: Captação de novos clientes? Limitações na rede? Limitações tecnológicas? Falta ou excesso de regulação? Atração de investidores?)

Desafios ▪ Estes desafios são diferentes do que a empresa enfrentava logo nos seus primeiros meses de operação?

▪ A empresa enxerga as grandes plataformas de car sharing como potenciais concorrentes no Brasil daqui 1 ou 2 anos?

▪ Em termos de regulação, existe alguma lei (municipal, estadual ou federal) que regula a atividade da empresa?

Quadro 10 - Dimensões e perguntas feitas durante as entrevistas (conclusão). Fonte: Remane et. al. (2016), Münzel et. al. (2018) e Cohen e Kietzmann (2014).

APÊNDICE B – ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA UTILIZADA

A análise bibliométrica pode ser considerada como sendo o “... tratamento quantitativo das propriedades de um discurso registrado e o comportamento a ele pertencente.” (FAIRTHORNE, 2005, p. 171 tradução nossa)54. Enquanto um recurso dos estudos de comunicação, a análise bibliométrica busca oferecer mensurações de um determinado grupo de documentos e explicar os padrões a ele relativos (HERTZEL, 1987). Nesse sentido, a presente pesquisa se apoia em uma análise bibliométrica da literatura em torno do carsharing a fim de apresentar os principais trabalhos e autores engajados neste tema. Para tanto, o fluxo de trabalho utilizado deriva-se de Zupic e Čater (2015), sintetizado no Quadro 11.

Segundo Zupic e Čater, o primeiro passo para uma análise bibliométrica reside na definição de um problema de pesquisa. Assim, coloca-se: Quais são os principais autores e trabalhos relacionados ao carsharing? A partir da questão central da análise bibliométrica, é possível determinar a análise mais adequada. Dito isso, coloca-se a análise de citação, pois ela “Estima a influência de documentos, autores e periódicos através de citações” (ZUPIC; ČATER, 2015, p. 432 tradução nossa)55. Segundo os autores, as análises de citação usualmente se materializam através de uma listagem dos documentos mais citados (e.g. lista com os dez documentos mais citados em um determinado período de tempo).

Procedimentos

a) Definição do problema de pesquisa;

1º Passo: Desenho da b) Escolha do método capaz de satisfazer o problema de pesquisa Pesquisa selecionado (e.g. cocitação, pareamento bibliográfico, análise semântica, coautoria, citação direta, métodos híbridos);

c) Seleção (ou construção) de um banco de dados apropriado (SSCI, Scopus, etc.); 2º Passo: Compilação dos dados d) Filtragem e exportação dos documentos encontrados (critérios de bibliométricos busca, seleção de periódicos, filtragem manual, etc.);

Quadro 11 - Fluxo de trabalho para conduzir um mapeamento científico com métodos bibliométricos (continua).

54Outra definição presente na literatura foi proposta por Alan Pritchard nos anos 1960. Para ele, se refere “... a aplicação de métodos matemáticos e estatísticos para livros e outras mídias de comunicação” (PRITCHARD, 1969 apud HOOD; WILSON, 2001, p. 293 traduzido). 55Notadamente, este método assume que os autores citam apenas os documentos que consideram importantes para o seu próprio trabalho (ZUPIC; ČATER, 2015).

Procedimentos

e) Escolha do software bibliométrico apropriado (e.g. BibExcel, Sitkis, SciMat, Microsoft Excel, etc.);

f) Limpeza dos dados selecionados; 3º Passo: Análise g) Se necessário, a confecção de uma matriz com os resultados em um software estatístico;

h) Identificação de subgrupos através de um método (e.g. MDS, PCA, análise de clusters e análise de redes);

i) Escolha do método de visualização (MDS, análise de redes, etc.);

4º Passo: Visualização j) Seleção do software apropriado para visualização dos dados (UNICET, Pajek, Gephi, R iGraph, Citespace II, etc.);

5º Passo: Interpretação k) Descrição e interpretação dos resultados;

Quadro 11 - Fluxo de trabalho para conduzir um mapeamento científico com métodos bibliométricos (conclusão). Fonte: Zupic e Čater (2010), adaptado.

No entanto, Zupic e Čater (2015) reiteram a limitação da análise de citação concebida em forma de listas, uma vez que elas negligenciam os documentos de publicação mais recente. Isto porque, trabalhos mais antigos tendem a acumular um montante significativo de citações em relação a trabalhos mais recentes. Desse modo, faz-se necessário um cuidado adicional em torno do período de tempo considerado para a análise bibliométrica. A fim de mitigar esse viés metodológico, é possível segmentar o período de tempo analisado em subseções menores, abrindo a possibilidade de que publicações mais recentes possam ser compreendidas mesmo sob um nível de citações inferior à média do período total pesquisado (ZUPIC; ČATER, 2015).

O segundo passo consiste na escolha de uma base de dados apropriada para os objetivos da pesquisa (ZUPIC; ČATER, 2015). É recorrente o uso da Web of Science e da Scopus entre os trabalhos envolvendo análises bibliométricas pelo fato de que ambas reúnem um vasto acervo de documentos de diversas áreas (CAVAZZA et al., 2019; COBO et al., 2011; HANISCH; WALD, 2012; ZUPIC; ČATER, 2015). Aproveitando-se desta condição, a presente pesquisa apoia sua análise bibliométrica no uso combinado de ambas as bases – WoS e Scopus –, de maneira a maximizar as buscas por documentos relacionados ao carsharing. Isso é feito de maneira recorrente por diversos artigos de análise bibliométrica seguindo essa mesma justificativa (BAKKER; GROENEWEGEN; DEN HOND, 2005; CAFÉ; BRÄSCHER, 2008; CAVAZZA et al., 2019; COBO et al., 2011; ZUPIC; ČATER, 2015). A presente pesquisa ainda

considerou os artigos indexados na base Scielo. Reunindo periódicos de 14 países da América Latina – incluindo Brasil – e da península Ibérica (CAPES, 2020; SCIELO, 2020), a base Scielo oferece a possibilidade de captar artigos científicos brasileiros relacionados ao carsharing que por ventura não estavam indexados na WoS e na Scopus.

Ainda no segundo passo proposto por Zupic e Čater (2015), está compreendido o processo de buscas, filtragem e exportação dos documentos. Nesse quesito, nas três bases de dados citadas, foram utilizados os seguintes termos: “carsharing”, “shared-used vehicles”, “mobility as a service”, “sharing vehicles”, “shared mobility”, “car clubs”, “veículos compartilhados” e compartilhamento de veículos”56. A busca foi configurada para compreender esses termos ocorrendo em títulos, palavras-chave e resumos. O período de tempo considerado nas buscas foi de 1900 a 201957.

Na Scopus, surgiram 1.878 resultados, enquanto que na WoS e na Scielo, a busca produziu 1.230 e 2 resultados, respectivamente. Visto que os resultados obtidos continham documentos das mais variadas naturezas (artigos científicos publicados em periódicos, capítulos de livro e artigos de congresso), optou-se por restringir as buscas por um único tipo de documento: artigos publicados em periódicos. Isso porque, a formatação desse tipo de documento, bem como os dados bibliográficos disponíveis obedecem a certo padrão, o qual facilita o processo de busca, filtragem e limpeza dos dados (LIMA; FILHO, 2019; ZUPIC; ČATER, 2015). Na aplicação desse filtro nas três bases de dados, foram obtidos então 902, 733 e 2 resultados para Scopus, WoS e Scielo respectivamente.

O último filtro aplicado nas buscas antes da exportação dos dados foi o idioma. Optou-se por resguardar apenas os artigos científicos redigidos na língua inglesa e portuguesa para garantir a plena compreensão do conteúdo dos artigos científicos levantados. Desse modo, a aplicação do filtro gerou 856 resultados para Scopus, 712 resultados para WoS e 2 resultados para Scielo. Os dados obtidos foram então compilados em uma única coleção inicial com 1.570 artigos científicos.

56Também foram consideradas variações dessas palavras-chave, tais como "car sharing", "car-sharing", "shared- used vehicle(s)", "mobility as a service", "sharing vehicle(s)", "shared mobility", "shared-mobility", "shared- mobilities", "car club(s)", "car-club(s)", "veículo(s) compartilhado(s)" e "compartilhamento de veículo(s)". 57Na base Scopus, os documentos mais antigos indexados remontam a 1960, enquanto que na WoS, o período de tempo a ser pesquisado pode abranger desde 1900. Para a consecução do levantamento bibliográfico, foi preservado os documentos dentro do período de 1900 a 1960 pertencentes a WoS. Isso foi feito a fim de viabilizar que documentos não indexados pelas demais bases pudessem ser considerados. Já a base Scielo não apresenta qualquer filtragem ex-ante. Nesse sentido, a inserção das palavras-chave nesta base gerou apenas 2 documentos datados de 2016 e 2019 respectivamente.

Ao que se refere ao terceiro passo – “análise” –, Zupic e Čater (2015) colocam a importância de determinar um software no qual será conduzida a análise bibliométrica. Por se tratar de uma análise de citação, coloca-se o uso de uma planilha eletrônica (e.g. Microsoft Excel). Uma vez que esse tipo de software permite a elaboração de tabelas e gráficos a partir dos dados tabulados, ele se revela como uma ferramenta ideal para alcançar o propósito dessa análise bibliométrica.

Os dados bibliográficos reunidos de cada artigo foram então inseridos na planilha eletrônica e tabulados. Foram considerados a autoria, título do artigo, ano de publicação, nome do periódico, volume, número, quantidade de citações e resumo. Em seguida, os artigos foram organizados por ano de publicação e assim agrupados em faixas de quatro em quatro anos até 2019 (Quadro 12).

Dado que mesmo selecionando cuidadosamente os termos de busca, as bases de dados podem entregar documentos fora do escopo da pesquisa (ZUPIC; ČATER, 2015), foi necessário empreender um processo de limpeza dos dados obtidos. Para tanto, foram aplicados três critérios de exclusão de artigos que determinaram a coleção final de documentos.

O primeiro deles está relacionado à integridade dos dados bibliográficos. Foram desconsiderados os artigos que não possuíam ano de publicação, autoria e resumo disponibilizados diretamente nas bases de dados pesquisadas. A ausência de qualquer um desses itens prejudicaria a análise e interpretação posterior. Ao total foram excluídos 40 artigos sob esse critério.

Faixas anuais consideradas Total de artigos levantados Coleção final de artigos

Até 1975 1 0

De 1976 a 1980 8 0

De 1981 a 1985 9 0

De 1986 a 1990 2 1

De 1991 a 1995 4 0

Quadro 12 - Distribuição de artigos levantados e artigos considerados na análise bibliométrica (continua).

Faixas anuais consideradas Total de artigos levantados Coleção final de artigos

De 1996 a 2000 22 12

De 2001 a 2005 44 22

De 2006 a 2010 78 31

De 2011 a 2015 344 131

De 2016 a 2019 1048 287

Sem identificação de ano 10 0

Total 1.570 484

Quadro 12 – Distribuição de artigos levantados e artigos considerados na análise bibliométrica (conclusão). Fonte: Scopus, WoS e Scielo.

O segundo critério aplicado se refere à duplicidade dos documentos obtidos. Visto que as três bases de dados pesquisadas – WoS, Scopus e Scielo – poderiam apresentar documentos duplicados, foi necessário a checagem manual da coleção de artigos a fim de identificar e excluir os documentos duplicados. Durante esse processo, foi mantido um único exemplar de cada documento com base no maior número de citações a ele atrelada. Ao final do processo, foram desconsiderados 623 artigos no total.

Por fim, para os 907 artigos restantes, foi aplicado o critério de alinhamento ao tema pesquisado. Nesse processo, foi feito a checagem manual dos documentos, i.e., a leitura dos títulos e resumos de cada um dos documentos. Primeiro, foram desconsiderados os artigos que não mencionavam o termo “carsharing” ou quaisquer um dos seus sinônimos e correspondentes em língua portuguesa (“car club”, “car sharing”, “car-sharing”, “veículo compartilhado” ou “compartilhamento de veículos”) em seus títulos e resumos. Nesta etapa, foram excluídos 248 artigos. Em seguida, foram desconsiderados os artigos que tratavam o carsharing de forma marginal (e.g. citando-o como um exemplo ou como uma contextualização do problema de pesquisa). Também foram excluídos os artigos que traziam estudos de caso de empresas prestadoras de serviço de carsharing, dado que as peculiaridades de cada caso poderiam dificultar o esforço de generalização pretendido na seção 3. Nesta etapa foram excluídos 175 artigos. Após a aplicação desses três critérios, foram obtidos 484 artigos, os quais compuseram a coleção final de artigos utilizados para a análise de citação pretendida. Os processos de busca, filtragem e limpeza estão sintetizados na Figura 6 abaixo.

Figura 6 - Processo de busca, filtragem e limpeza dos dados obtidos. Fonte: Zupic e Čater (2015), adaptado.

Após os processos de filtragem, exportação e limpeza, Zupic e Čater (2015) mencionam a necessidade de identificar subgrupos entre os documentos levantados. Há diversos métodos quantitativos que auxiliam no agrupamento dos dados em subgrupos, como por exemplo a análise de clusters, a análise de rede, a análise exploratória de fatores e o multidimensional scaling (MDS). No entanto, tais técnicas são mais eficazes em análises de cocitação, análises semânticas e de pareamento bibliográfico, já que elas exploram a fundo as relações entre autores e instituições e o processo de formação do campo de estudo (ZUPIC;

ČATER, 2015). Por esta pesquisa partir de uma análise de citação – o qual não explora as redes de colaboração em si –, a identificação de subgrupos foi feita através da análise crítica dos artigos, atentando-se às similaridades nas abordagens utilizadas e seus respectivos objetivos.

O quarto e quinto passos – visualização e interpretação – de Zupic e Čater (2015) estão presentes na subseção 3.2. Para a visualização optou-se pela exposição dos resultados em tabelas, dispondo os principais trabalhos ordenados de maneira decrescente quanto ao número de citações. Outro recurso visual utilizado foram os gráficos gerados na própria planilha eletrônica de maneira a ilustrar o crescimento da literatura sobre carsharing.