16Lilloa 55 (1): 16–25, 8E. de S. junioBravo de Filho 2018 et al.: no estado de Sergipe (Brasil) e sua conservação16

Melocactus (Cactaceae) no estado de Sergipe (Brasil) e aspectos de sua conservação

Melocactus (Cactaceae) in the state of Sergipe (Brazil) and aspects of its conservation

D.O.I.: doi.org/10.30550/j.lil/2018.55.1/2

Bravo Filho, Eronides S. 1*; Marlucia, C. Santana2; Paulo, A. A. Santos2; Adauto, S. Ribeiro3 1 Universidade Federal de Sergipe – UFS, Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Av. Marechal Rondon s/n, C.E.P. 49.100-000, São Cristóvão-Sergipe, Brasil. 2 Universidade Federal de Sergipe – UFS, Departamento de Biologia. Av. Marechal Rondon s/n, C.E.P. 49.100-000, São Cristóvão-Sergipe, Brasil. 3 Universidade Federal de Sergipe – UFS, Departamento de Ecologia. Av. Marechal Rondon s/n, C.E.P. 49.100-000, São Cristóvão-Sergipe, Brasil. * Autor para contato: [email protected]

ä Resumo — O gênero Melocactus da família Cactaceae, subfamília é composto por 38 espécies distribuídas no Brasil, América Central, Caribe e nos Andes, sendo que no Brasil ocorre a maior diversidade mundial deste gênero (23 espécies). No estado de Sergipe, o ecossistema Caatinga ocupa quase 50% de seu território, vegetação, onde ocorre o maior número de espécies do gênero Melocactus no Brasil. Este estudo teve por objetivo fazer um levantamento florístico do gênero Melocactus no estado de Sergipe e analisar aspectos de sua conservação. Os resultados foram obtidos através de levantamento na base de dados do herbário (ASE), SpeciesLink e coletas de campo, onde foram registradas coordenadas geográ- ficas e altitude. Espécimes em fase reprodutiva, foram coletados para registro e identificação no herbário (ASE). Foi identificado o domínio fitogeográfico das espécies nas macrorregiões do estado, o qual possibilitou o registro da ocorrência de cinco espécies deste gênero, e destas, uma nova (Melocactus sergipensis) a qual encontra-se criticamente ameaçado de extinção. Palavras-chave: Cabeça-de-frade; Conservação; Diversidade local; Fitogeografia.

ä Abstract — The genus Melocactus of the family Cactaceae, subfamily Cactoideae is com- posed of 38 species distributed in Brazil, Central America, the Caribbean and in the Andes, and in Brazil the greatest world diversity of this genus (23 species) occurs. In the state of Sergipe, the Caatinga ecosystem occupies almost 50% of its territory, vegetation, where the largest number of species of the genus Melocactus occurs in Brazil. This study aimed to make a floristic survey of the genus Melocactus in the state of Sergipe and to analyze aspects of its conservation. The results were obtained through a survey in the herbarium database (ASE), SpeciesLink and field collections, where geographic coordinates and altitude were recorded. Specimens in the reproductive phase were collected for registration and identification in the herbarium (ASE). The phytogeographical domain of the species was identified in the macro- regions of the state, which made it possible to record the occurrence of five species of this genus, and a new one (Melocactus sergipensis), which is critically endangered. Key words: Turk’s cap , Conservation, Local Diversity, Phytogeography.

ä Ref. bibliográfica: Bravo Filho, E. S., Marlucia, C. S., Paulo, A. A. S., Adauto, S. R. (2018). Melocactus (Cactaceae) no estado de Sergipe (Brasil) e aspectos de sua conservação. Lilloa 55 (1): 16-25. ä Recibido: 19/02/18 – Aceptado: 27/04/18 ä URL de la revista: http://lilloa.lillo.org.ar ä Algunos derechos reservados. Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución – No Comercial – Sin Obra Derivada 4.0 Internacional. Lilloa 55 (1): 16–25, 8 de junio de 2018 17

INTRODUÇÃO Brasil [LVFB] (2013); Bárbara et al., 2015; O gênero Melocactus Link & Otto perten- Menezes e Ribeiro-Silva, 2015). ce à família Cactaceae, subfamília Cactoide- Desta forma, fazem-se necessários es- ae, é composto por 38 espécies, cujo centro tudos mais aprofundados sobre a biologia mundial de diversidade é o Nordeste do Bra- reprodutiva e populacional deste gênero. sil (Correia, Nascimento, Gomes Filho, Lima, Objetivando subsidiar a criação de políti- Almeida, 2018). Sua distribuição é ampla, cas públicas de conservação deste grupo de ocorrendo desde a América Central, México, plantas que, atualmente, possui nove espé- Caribe, Andes, e no Brasil ocorre no Norte cies nativas incluídas na Lista das Espécies (estados do Amazonas e Roraima), Sudeste com Risco de Extinção do Livro Vermelho da (estados do Espirito Santo, Minas Gerais e Flora do Brasil, número que corresponde a Rio de Janeiro) e em todos estados do Nor- 40,9% da biodiversidade nativa de Melocac- deste, com exceção do Maranhão (Zappi, tus no país e 24,32% da diversidade mundial Taylor, Santos, Larocca, 2015; International (LVFB, 2013). Union for Conservation of Nature [IUCN] O Estado de Sergipe possui ecossistema (2016); Bravo Filho, Santana, Santos, Ri- típico de ocorrência da família Cactaceae, beiro, 2018). visto apresentar clima semiárido e seco, No Brasil ocorrem 23 espécies do gênero com formação vegetal composta por dunas Melocactus, sendo 21 destas endêmicas, nú- costeiras, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado meros que faz do Brasil o detentor do maior e áreas rochosas (Santos e Andrade, 1998; número de espécies nativas deste táxon no Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos [SEMARH], 2012). mundo. As espécies deste gênero crescem Contudo, observa-se que vários municípios em biomas e altitudes diversificados, com sergipanos que apresentam ecossistemas maior ocorrência na Caatinga, Cerrado e característicos de ocorrência do gênero Me- Mata Atlântica (Resende, Lima-Brito, San- locactus não possuem registro destas espé- tana, 2010; Zappi et al., 2015). cies no Herbário da Universidade Federal Os Melocactus são conhecidos popular- de Sergipe-ASE ou outros meios como o mente como «cabeça-de-frade, coroa-de-fra- SpeciesLink, Ministério do Meio Ambiente de, coroinha e tamborete-de-sogra» e fazem e na Lista de Espécie da Flora do Brasil. Até parte da cultura do Nordeste brasileiro, uma 2014, no Herbário-ASE, havia o registro de vez que, encontram-se entre as plantas mais quatro espécies (Melocactus violaceus Pfeiff, utilizadas em uma ampla diversidade de usos Melocactus violaceus subsp. margaritaceus (ornamental, místico, medicinal, veterinário, N.P. Taylor, Melocactus zehntneri (Britton & na fabricação de produtos diversos, na produ- Rose) Luetzelb. e Melocactus ernestii Vaupel ção de alimentos, como forragem para rumi- subsp. ernestii) distribuídas em oito municí- nantes e são fonte de inspiração para a criação pios (Herbário da Universidade Federal de de cordéis, poesias, lendas e canções) (Bravo Sergipe [ASE], 2015; Bravo Filho, 2014). O Filho, 2014; Lucena et al., 2015; Silva, 2015; objetivo dessa pesquisa foi realizado um le- Bravo Filho, et al., 2018). vantamento florístico do gênero Melocactus Apesar do extrativismo, do alto grau de no estado de Sergipe e avaliar o status de endemismo e da elevada taxa de degradação conservação. dos biomas de ocorrência destas espécies no Brasil, não se observa cultivos comercial com o objetivo de suprir os usos, os espécimes MATERIAL E MÉTODOS são removidos inteiros de seu ambiente na- As coletas foram realizadas em 19 mu- tural sem considera o seu ritmo de resili- nicípios do estado de Sergipe: Aracaju, Am- ência (Plano Nacional Para conservação das paro de São Francisco, Barra dos Coqueiros, Cactaceae [PAN] (2011); Silva, Prata, Sou- Canhoba, Estância, Gararu, Itabaiana, Itapo- to, Mello, 2013; Livro Vermelho da Flora do ranga D’Ajuda, Japaratuba, Japoatã, Macam- 18 E. S. Bravo Filho et al.: Melocactus no estado de Sergipe (Brasil) e sua conservação bira, Monte Alegre, Neópolis, Nossa Senhora pois proporcionaram em junho de 2014 a da Glória, Pacatuba, Pirambu, Porto da Fo- descoberta de uma nova espécie, a qual foi lha, Poço Verde e Simão Dias, no período descrita pelo Dr. Nigel Paul Taylor (Singa- de setembro de 2013 a dezembro de 2016. pore Botanic Garden), especialista do gêne- Exemplares das espécies de Melocactus em ro. Em homenagem ao estado de Sergipe, fase reprodutiva foram coletados e levados a nova espécie foi nomeada de Melocactus ao herbário-ASE da Universidade Federal de sergipensis N.P. Taylor & M.V. Meiado (Taylor, Sergipe (UFS), para herborização, preparo Meiado, Bravo Filho, Zappi, 2014). das exsicatas e posteriormente identificação, Esta nova espécie, devido ao número catalogação e registro das espécies. O regis- extremamente reduzido de indivíduos em tro das coordenadas geográficas para mon- sua população (com aproximadamente 100 tagem do mapa, foi obtido com GPS marca espécimes em fase reprodutiva) e por estar NBA100 e modelo 65-Channel. em um ambiente fortemente antropizado Essas localidades foram definidas através (fragmento de vegetação rodeado por plan- dos seguintes critérios: a) relato de comer- tações de milho e isolado entre estradas), ciantes de cactáceas em feiras livre; b) relato encontra-se criticamente ameaçada de extin- de pessoas da comunidade; c) excursões aos ção (CR) (Taylor et al., 2014). O Melocactus locais que apresentam ecossistemas típicos sergipensis (Fig. 1) é atualmente a única es- da ocorrência das espécies de Melocactus, pécie dafamília Cactaceae endêmico do esta- contudo sem registro de coletas no Herbá- do de Sergipe, bem como a única ocorrente rio-ASE da UFS. no estado com statuscriticamente ameaçada As pesquisas realizadas nas cidades de de extinção (CR). Desta forma, essa espécie Canindé de São Francisco, Areia Branca, necessita de atenção urgente do poder públi- Pacatuba, Poço Redondo, Santo Amaro das co para garantir a conservação e evitar a sua Brotas e Tobias Barreto, limitaram-se a uma extinção (Taylor et al., 2014; Convention on revisão nos registros do Herbário-ASE da International Trade in Endangered Species of Universidade Federal de Sergipe. Wild Fauna and Flora [CITES], 2016). Com a inclusão da nova espécie no herbá- Coleta e transporte do material rio da Universidade Federal de Sergipe (ASE botânico 31075 – E.S. Bravo Filho 15), foi possível identificar, cinco espécies do gênero Melo- A coleta do material botânico ocorreu cactus ocorrentes no estado, distribuídas em com auxílio de luvas de couro e espátula de 21 municípios (Fig. 2), além de ratificar e ferro. Após a remoção, os espécimes foram ampliar algumas informações contidas no colocados em sacos plásticos com a identifi- Herbário ASE da UFS, SpeciesLink e na Lista cação da espécie. Cada espécie coletada foi de Espécie da Flora do Brasil. previamente identificada com uma etiqueta Em relação às informações contidas na contendo o número da coleta. A partir desta Lista de Espécies da Flora do Brasil (2014), numeração foi montado um banco de dados a qual citava a ocorrência de quatro espécies em um caderno de campo contendo informa- de Melocactus (M. ernestii subsp. ernestii, M. ções sob o local da coleta, tipo de vegetação, violaceus Pfeiff., M. violaceus subsp. margari- tipo de solo, altitude, coordenadas geográfi- taceus eM. zehntneri), foi possível ratificar a cas e características da espécie como altura, ocorrência destas espécies (Fig. 3), além de diâmetro e cor do caule, cor dos frutos, das inserir mais 12 municípios sergipanos no rol flores e do cefálio. dos já citados no Herbário da Universidade Federal de Sergipe [ASE]. (2015); Species- RESULTADOS E DISCUSSÃO Link (2014) e na Lista de Espécie da Flora As coletas realizadas no presente estudo do Brasil (2014). ampliaram o número e a distribuição geográ- Através da Fig. 2, observa-se a ocorrência fica das espécies de Melocactus no Estado, do gênero Melocactus em 21 municípios de Lilloa 55 (1): 16–25, 8 de junio de 2018 19

Fig. 1. População de Melocactus sergipensis em seu ambiente natural. Fonte: Bravo Filho et al. (2015). sergipanos, sendo seis pertencem à mesorre- lio terminal no início da tarde e polinizadas gião do Alto Sertão (Canindé de São Fran- por lagartos, colibris, moscas e borboletas. cisco, Gararu, Monte Alegre, Nossa Senhora Frutos baga, branco, lilás, rosa ou verme- da Glória, Poço Redondo e Porto da Folha), lho, de forma cônica, contendo de 8 a 45 nove ao Leste do estado (Aracaju, Pirambu, sementes. Fruto com desenvolvimento total Estância, Itaporanga D’ Ajuda, Japaratuba, dentro do cefálio e só são acessíveis quando Japoatã, Neópolis, Pacatuba e Santo Amaro maduros, pois são expostos na superfície do das Brotas), e seis a região Agreste (Areia cefálio, fato que ocorre em um período com- Branca, Itabaiana, Macambira, Poço Verde, preendido entre 40 a 60 dias após a antese Simão Dias e Tobias Barreto). Na Fig. 3, es- (Bravo Filho, 2014; Silva e Santos, 2007; pécies do gênero Melocactus que compõem Fonseca, Funch, Borba, 2012). a flora sergipana. As espécies do gênero Melocactus, são Chave para identificação das plantas cônicas, globulosas ou subglobosas, espécies de Melocactus de solitárias ou formando colônias, com até 45 Sergipe cm de altura, compostas por costelas verti- cais. Caule tipo cladódio, fotossintetizante, 1 Plantas globular, 10-14 x 10-18 cm, caule verde-acinzentado, 8-10 costelas, suculento não ramificado e aréolas peque- 5-6 aréolas por costela, 8-10 espinhos nas. Espinhos cilíndricos quebradiço ou não, quebradiços e levemente curvados na pequenos e grandes, variando de 1-10 cm extremidade, fruto rosa-claro com tons de comprimento. Cefálio apical, terminal, de branco na extremidade basal, em tricomas brancos com cerdas vermelhas ou Caatinga ...... 1. M. sergipensis 1’ Planta globular, 15-35 x 10-20 cm, brandas. Flores pequenas, tubulares, actino- caule verde, 9-10 costelas, 8-9 aréolas móficas, rosa ou vermelha, surgindo no cefá- por costela, de 9 a 10 espinhos curva- 20 E. S. Bravo Filho et al.: Melocactus no estado de Sergipe (Brasil) e sua conservação

dos para os lados ou reto, em Caatinga 1. Melocactus sergipensis ...... 2 N.P. Taylor & M.V. Meiado, 2 Fruto branco, caule discoide a subglobo- Bradleya 32: 99. 2014 sa, 15-20x 18-20 cm, caule verde, 8-10 costelas, 5-9 aréolas por costela, 4-6 es- Planta rupícola, caule verde acinzentado pinhos, em Restinga ...... de forma globular, até 14 cm de altura por ... 3. M. violaceus subsp. margaritaceus 14 cm de diâmetro, com 8-10 costelas intei- 2’ Fruto branco, caule cônico, 20-40 x ras, as quais são compostas por 5-6 aréolas 20-30 cm, caule verde-escuro, 10-12 costelas, 11-15 aréolas por costela, 8- e cada aréola possui de 8-10 espinhos de cor 9 espinhos retos, em Restinga ...... cinza, quebradiços e levemente curvados na ...... 4. M. violaceus extremidade, os quais variam de 2-3,5 cm 3 Espinhos longos 8-14 cm, planta cônica, de comprimento. Cefálio branco, flores com 20-45x 20-30 cm, caule verde-claro, 9- tons rosa-claro, fruto suculento tipo baga, 13 costelas, 10-15 aréolas por costela, espinhos por costela,fruto rosa-escuro, cônicos de cor rosa-claro com tons brancos em Caatinga ...... 5. M. ernestii na parte basal e de tamanho variando entre 3’ Espinhos médios 3-5 cm, fruto rosa- 1-2 cm de comprimento por 7 mm de diâ- magenta com tons de branco na parte metro. Os frutos possuem de 7-16 sementes, basal ...... 2. M. zehntneri as quais apresentam diâmetro médio de 1 mm, tegumento rugoso, rígido de cor preta e formato ovoide (Bravo Filho, 2014).

Fig. 2. Mapa da distribuição atual das espécies do gênero Melocactus no estado de Sergipe. Fonte: Modificado de Bravo Filho (2014). Lilloa 55 (1): 16–25, 8 de junio de 2018 21

Fig. 3. Diversidade de espécies do gênero Melocactus no estado de Sergipe, registrado por meio desta pesquisa. A) Melocactus sergipensis. B) Melocactus zehntneri. C) Melocactus vio- laceus subsp. margaritaceus. D) Melocactus violaceus. E) Melocactus ernestii Vaupel subsp. ernestii. Fonte: A, B, C e D por Bravo Filho (2014-2015) e em E IUCN, 2016.

Espécie ocorrente na região Sul do estado, 2. Melocactus zehntneri no município de Simão Dias, Sergipe, Brasil. (Britton & Rose) Luetzelb., Estud. Bot. Até o momento apenas uma população de M. Nordeste 3: 111. 1926 sergipensis foi registrada (Fig. 3A), crescendo Planta rupícola e terrícola, caule verde de sobre um afloramento rochoso graníticos, me- forma globular, composto por 9-10 costelas tamórficos e úmido, em uma área de ocupa- inteiras, as quais são sequenciadas por 8-9 ção de aproximadamente 1.000 m2, inserida aréolas e cada aréola possui de 9-10 espi- em uma pequena mancha de Caatinga e em nhos curvilíneos ou retilíneos medindo de 2- meio a uma plantação de milho localizada no 3 cm de comprimento.Os frutos são cônicos, Povoado Paracatu de Cima (10º46’16 00’’ S; de cor rosa-magenta com tons de brando na 37º53’43 90’’ W - altitude de 110 m). Esta parte basal, medindo de 1,5-2,5 cm de com- população encontra-se isolada entre estradas primento por 7 mm de diâmetro, contendo em um ambiente fortemente antropizado e de 20-45 sementes por fruto. degradado pela atividade agrícola, restando O Melocactus zehntneri (Fig. 3B) apresen- apenas a vegetação nativa das localidades ta-se distribuída em oito municípios, Canindé rochosas, visto ser imprópria para a introdu- de São Francisco (9º72’31 67’’ S; 37º96’76 ção da atividade agrícola (Bravo Filho, 2014; 94’’ W), Gararu (9º55’28 80’’ S; 37º07’29 81’’ Taylor et al., 2014). W), Macambira (10º41’06 75’’ S; 37º35’27 Material selecionado: Brasil. Sergipe: 40’’ W), Monte Alegre (S: 09°58’46,70’’ S; Simão Dias, 2014. Bravo Filho 15 (ASE- 37°25’37,00’’ W), Nossa Senhora da Glória 31075). (10º09’76 S; 37º35’52 27’’ W), Porto da Fo- 22 E. S. Bravo Filho et al.: Melocactus no estado de Sergipe (Brasil) e sua conservação lha (9º54’02 52’’ S; 37º16’02 98’’ W), Poço Material selecionado: Brasil. Sergipe: Redondo (10º10’70 56’’ S; 37º42’16 11’’ W) Poço Redondo, 2015. Oliveira, EVS; Santos, e Poço Verde (10º52’45 84’’ S; 38º01’25 98’’ Jr; Andrade, RS 555 (ASE- 34495). W), a maioria pertencente ao alto sertão ser- gipano, com exceção dos municípios Macam- 3. Melocactus violaceus bira que pertence ao Agreste e Poço Verde subsp. margaritaceus N.P. Taylor, que se encontra no Sul do estado. Bradea, 9: 57, Plate. 1991 Em virtude da alta degradação da Caatin- Planta terrícola, caule verde de forma ga, causada, sobretudo pelo avanço de ati- levemente discoide a subglobuloso epode vidades agropastoris e para a produção de atingir 20 cm de altura por 20 cm de diâ- carvão SEMARH (2012), restam atualmente metro, constituída por 8-10 costelas inteiras, pequenas populações do M. zehntneri isola- as quais são compostas de 5-9 aréolas e cada das em locais próximos à gruta, pés-de-mor- aréola possui de 4-6 espinhos de cor cinza ros, e em algumas margens do Rio São Fran- com comprimento entre 0,8-1 cm. Cefálio cisco e afluentes do Rio Vaza-Barris como o vermelho com tons de branco no centro, flo- Jacoca. Essas populações ainda remanescem res rosa, fruto suculento tipo baga, cônicos em virtudes destas localidades serem impró- de cor branca e tamanho variando entre 1- prios para a introdução de atividades agro- 1,5 cm de comprimento por 7 mm de diâ- pastoris. Apesar de esta espécie ocorrer em metro. Os frutos possuem de 8-15 sementes, Unidades de conservação como MONA do as quais apresentam diâmetro médio de 1 Rio São Francisco, MONA Grota do Angico mm, tegumento rugoso, rígido de cor preta localizadas e a União Internacional para a e formato ovoide. Conservação da Natureza e dos Recursos Na- O M. violaceus subsp. margaritaceus (Fig. turais (IUCN, 2014) registrar o status conser- 3C) foi registrado a ocorrência em cinco mu- vação como pouco preocupante (LC). Estes nicípios do estado, no Leste em Itaporanga dados não corroboram com à realidade desta D’ Ajuda (10º52’22 59’’ S; 37º20’55 29’’ W), espécie no estado de Sergipe, pois as popula- Japoatã (10º26’50 33’’ S; 36º49’41 64’’ W) e ções são cada vez mais suprimidas por fato- Santo Amaro das Brotas (10º78’89 S; 37º05’44 res como degradação da Caatinga e extração W) e no Agreste em Areia Branca (10º75’78’’ dos espécimes inteiro para produção de do- S; 37º31’53’’W) e Itabaiana (10º03’55 55’’ S; ces, forragem para ruminantes de pequeno 37º40’94 44’’ W), com ocorrência em restin- porte (ovinos e caprinos), ornamentação e gas geralmente sobre areia branca e grossa misticismo (Bravo Filho, 2014). em altitude acima de 126 m.

Fig. 4. Gráfico comparativo do número de espécies do gênero Melocactus no estado de Ser- gipe, Brasil e no mundo. Fonte: Bravo Filho (2014); Zappi et al. (2015). Lilloa 55 (1): 16–25, 8 de junio de 2018 23

Tabela 1. Status de conservação de cinco espécies do gênero Melocactus (Cactaceae) de Sergipe, em função da vulnerabilidade e ameaças em diferentes tipos de vegetação. CR: (Cri- ticamente Ameaçada), LC: (Menos preocupante), NE: (Não avaliada) VU: (Vulnerável). Bioma: CA (Caatinga), AG (Agreste), MA (Mata Atlântica).

Espécie Status de conservação Localidade Bioma

Melocactus ernestii subsp. ernestii LC Tobias Barreto CA Melocactus sergipensis CR Simão Dias CA Melocactus violaceus VU Aracaju, Estância, Japaratuba, Pacatuba, MA Pirambu e Neópolis Melocactus violaceus subsp. margaritaceus NE Areia Branca, Itabaiana, Itaporanga D’ Ajuda, AG – MA Japoatã e Santo Amaro das Brotas Melocactus zehntneri LC Canindé de São Francisco, Gararu, Macambira, CA Monte Alegre de Sergipe, Nossa Senhora da Glória, Poço Redondo, Poço Verde e Porto da Folha

Esta espécie apresenta a terceira maior de Pacatuba é atualmente o maior sítio de distribuição no estado e apesar da crescente ocorrência desta espécie, além de possuir o degradação nos habitats de Restinga e do ecossistema menos degradado e perturbado extrativismo, grande parte de suas popula- pela ação antrópica no estado. ções ocorrem em Unidades de Conservação O M. violaceus foi caracterizado pelo Mi- de Proteção Integral (PARNA Serra de Ita- nistério do Meio Ambiente [MMA] (2014), baiana e REBIO de Santa Isabel) e em seus LVFB, 2013; International Union for Conser- entornos. vation of Nature [IUCN] (2014) e pelo Centro Material selecionado: Brasil. Sergipe: Nacional de conservação da Flora [CNCFlo- Japoatã, 2014. Bravo Filho, Es 13 (ASE- ra] (2014) como a única espécie de cactácea 30906). de ocorrência no estado Sergipe com status de extinção vulnerável (VU). Com o desco- 4. Melocactus violaceus brimento do M. sergipensis em 2014, existem Pfeiff., Pfeiffer, H. Allg. Gartenzehung atualmente, duas espécies ameaçadas de ex- (Otto & Dietrich), 3: 313. 1835 tinção no estado [Melocactus violaceus Pfeiff. Planta terrícola, caule verde-escuro de (VU) e Melocactus sergipensis (CR)]. forma cônica, com 25 x 20 cm, composto por Apesar da crescente degradação da Res- 10-12 costelas inteiras, as quais são sequen- tinga, causada principalmente pela expansão ciadas por 11-15 aréolas e em cada aréola imobiliária e pela extração de areia, fato que possui de 8-9 espinhos retilíneos de cor cinza coloca essa formação vegetal como a mais medindo entre 1,5-2 cm de comprimento. suprimida do país PAN (2011). Esta espé- Flor rosa-claro, frutos cônicos, de cor branca, cie, por crescer na REBIO de Santa Isabel medindo de 1-2 cm comprimento por 7 mm e em seu entorno, teoricamente encontra-se de diâmetro, contendo de 8-25 sementes por protegida, entretanto sofre ameaça pelo ex- fruto.As sementes medem aproximadamente trativismo ilegal, pelas atividades agrícola e 1 mm, de cor preta e forma ovoide. ocupação do solo. O Melocactus violaceus (Fig. 3D) tem dis- Material selecionado: Brasil. Sergipe: tribuição restrita ao Leste do Estado (lito- Pirambu, 2016. Imidio, AM 1 (ASE-37282). ral) ocorrendo nos municípios de Aracaju (11°04’35 1’’ S; 37°06’34 0’’ W), Pirambu 5. Melocactus ernestii (10º41’36 8’’ S; 36º50’35 3’’ W), Neópolis Vaupel. Monatasschr. (10º 19’ 16’’ S; 36º 35’ 34’’ W), Pacatuba Kakteenk., 30:8. 1920 (10º27’21 61” S; 36º37’56 33’’ W) e Estância Planta rupícola, caule verde-claro de for- (11º21’31 8” S; 37º18’48 2” W). O município ma cônica, com 45 x 30 cm, contendo de 24 E. S. Bravo Filho et al.: Melocactus no estado de Sergipe (Brasil) e sua conservação

9-13 costelas inteiras com 8 a 14 espinhos nostico da IUCN como criticamente amea- por aréolas e se destaca em relação às de- çada, o que torna necessário a ampliação de mais espécies do gênero Melocactus por ter áreas protegidas e promoção de ações que os maiores espinhos do grupo, medindo en- venham a contribuir para a proteção dessas tre 4 a 10 cm. Flores rosa e frutos cônicos espécies, como conscientização da popula- de cor rosa-escuro. ção, implementação de programas para a O M. ernestii Vaupel subsp. ernestii (Fig. domesticação de plantas para uso comercial 3E) possui registro de ocorrência no Sul e criação de bancos de germoplasma in vitro do estado, no município de Tobias Bar- e in situ. reto (10º88’86 67’’ S; 37º98’09 44’’ W). Contudo,esta espécie não foi registrada por BIBLIOGRAFIA meio desta pesquisa. Desta forma, as in- formações referentes a esta espécie limita- Bárbara, E. P. S., Silva, A. A., Souza, M. M. O. R. Gurgel, Z. E. R., Marchi, M. N. ram-se aos dados contidos no Herbário ASE G. e Bellintani, M. C. (2015). Germina- (2015), da UFS. ção e criopreservação de sementes de Material selecionado: Brasil. Sergipe: cactos nativos da Bahia. Gaia Scientia Tobias Barreto, 2013. Nogueira, Jr 23 (ASE- 9 (2): 91-96. 24309). Bravo Filho, E. S. (2014). Diversidade, Et- nobotânica e Propagação de cabeça-de- frade (Melocactus Link & Otto – Cactace- Observa-se através da (Fig. 4) que no es- ae) no Estado de Sergipe. (Dissertação tado de Sergipe ocorrem um total de cinco de Mestrado), Universidade Federal de espécies do gênero Melocactus, número que Sergipe, São Cristóvão. corresponde, respectivamente a 13,15% e Bravo Filho E. S., Ribeiro A. S. e Sobral I. S. (2015). Legislação Ambiental: Subsídio 21,73% da diversidade mundial e brasilei- para a conservação das cactáceas nati- ra (respectivamente). Assim, dentre os 13 vas. In: M. J. Nascimento Soares, Org. estados de ocorrência deste gênero no Bra- Pesquisa Ambiental em Foco. Criação, sil, Sergipe é o terceiro mais numeroso em Aracaju, pp. 199-210. diversidade de espécies de Melocactus junta- Bravo Filho, E. S., Santana, M. C., Santos, P. mente com o estado de Pernambuco (Zappi A. A. e Ribeiro, A. S. (2018). Levanta- mento etnobotânico da família Cactace- et al., 2015). ae no estado de Sergipe. Revista Fitos 12 (1): 41-53. CONCLUSÃO Convention on International Trade in Endan- gered Species of Wild Fauna and Flora Encontra-se registrado atualmente cinco [CITES]. (2016). Cactaceae checklist. espécies nativas do gênero Melocactus, sendo Recuperado de http://assets.kew.org/ uma nova espécie, única endêmica do esta- files/CITES%20Cactaceae%20Checklist do (Melocactus sergipensis). As espécies estão %20Third%20Edition.pdf. Centro Nacional de conservação da Flora distribuídas em 21 municípios sergipanos e [CNCFlora]. (2014). Lista vermelha. com ocorrência fitogeográfica no litoral e Recuperado de http://cncflora.jbrj.gov. Agreste (Melocactus violaceus e M. violaceus br/arquivos/arquivos/pdfs/LivroVermel- subsp. margaritaceus), Alto Sertão sergipano ho2013Errata-17-02 2014.pdf. (M. zehntneri) e Sul do estado (M. sergipen- Correia, D., Nascimento, E. H. S., Gomes sis sp. nov. juntamente com M. ernestii subsp. Filho, A. A. H., Lima, M. L. B. e Al- meida, J. V. F. (2018). Melocactus. ernestii). Embrapa Agroindústria-Fortaleza, docu- Nos municípios sergipanos os riscos e mento 179: 1-23. ameaças às espécies de Melocactus são in- Fonseca, R. B. S., Funch, L. S. e Borba, E. tensas e crescentes, prova desse fato é que a L. (2012). Dispersão de sementes de única espécie de Cactaceae endêmica de Ser- Melocactus glaucescens e M. paucispi- nus (Cactaceae), no município de Morro gipe (M. sergipensis) recém descoberta pode do Chapéu, Chapada Diamantina – BA. ser classificada dentro dos critérios e diag- Acta Botânica 26 (2): 481-492. Lilloa 55 (1): 16–25, 8 de junio de 2018 25

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