O Trabalho Que Constrói, O Ócio Que Cansa Antonio Sergio Bichir*
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volume 14 • número 24 • janeiro 2014 O trabalho que constrói, o ócio que cansa Considerações sobre a Constituição Antonio Sergio Bichir egípcia de 2012 Luiz Eduardo Fonseca de Carvalho Gonçalves Brazil and the world Alan Charlton Uma análise empírica da Teoria da Modernização de Lipset Fome mundial: uma análise de suas causas Adalberto de Lima e da atuação da FAO Claudia Vieira Costa e The United States in the early Heron Sergio Moreira Begnis twenty-first century: decline or renewal? Abraham F. Lowenthal Impactos do comércio internacional de soja e milho na economia do estado de Profissões de nível educacional superior e Mato Grosso do Sul suas ocupações no mercado de trabalho: Mayra Batista Bitencourt Fagundes, implicações educacionais e para a Juliana Ricardo Bispo de Almeida e orientação profissional Daniela Teixeira Dias Roberto Macedo volume 14 / número 24/ janeiro 2014 ISSN 1677-4973 Rua Alagoas, 903 – Higienópolis São Paulo, SP – Brasil Revista de Economia e Relações Internacionais / Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado. - Vol. 14, n. 24 (2014) - São Paulo: FEC-FAAP, 2007 Semestral 1. Economia / Relações Internacionais - Periódicos. I. Fundação Armando Alvares Penteado. Faculdade de Economia. ISSN 1677-4973 CDU - 33 + 327 volume 14 / número 24/ janeiro 2014 Sumário O trabalho que constrói, o ócio que cansa 7 Antonio Sergio Bichir Brazil and the world 35 Alan Charlton Fome mundial: uma análise de suas causas e da atuação da FAO 44 Claudia Vieira Costa e Heron Sergio Moreira Begnis Impactos do comércio internacional de soja e milho na economia 61 do estado de Mato Grosso do Sul Mayra Batista Bitencourt Fagundes, Juliana Ricardo Bispo de Almeida e Daniela Teixeira Dias Considerações sobre a Constituição egípcia de 2012 73 Luiz Eduardo Fonseca de Carvalho Gonçalves Uma análise empírica da Teoria da Modernização de Lipset 89 Adalberto de Lima The United States in the early twenty-first century: decline or 104 renewal? Abraham F. Lowenthal Profissões de nível educacional superior e suas ocupações 121 no mercado de trabalho: implicações educacionais e para a orientação profissional Roberto Macedo Resumos de Monografia O financiamento público da educação básica no Brasil e seus 139 impactos no desenvolvimento econômico Fernando Luís Polo Crime organizado internacional e o Estado Cortesão 159 Filipe Feltrin Vaz Resenhas Impostos na América Latina e no Caribe segundo o BID 174 Roberto Macedo A atualidade de Hannah Arendt 178 Prof. Fernanda Magnotta e Marcus Maurer de Salles A civilização do espetáculo 181 Igor Alves Dantas de Oliveira Antônio Ermírio de Moraes – Memórias de um Diário 184 Confidencial Marcel Domingos Solimeo Orientação para colaboradores 188 O trabalho que constrói, o ócio que cansa Antonio Sergio Bichir* Resumo: Esse artigo constitui parte do que seria um trabalho de mais fôlego sobre aspectos econômicos e filosóficos da ideia de luxo. O alvo? Examinar os conceitos de prazer e desejo à luz das contribuições de diferentes filósofos; analisar a natureza ambígua dessas relações na leitura de autores clássicos. Buscar, ali onde confluem e entrechocam- se as forças do conspícuo e do virtuoso, uma breve e superficial arqueologia dos significados e de alguns desvios... Por essa razão, o artigo tem um sentido exploratório: pouco se tratará do luxo, mas do bem e do mal; do prazer e da dor; da virtude e do vício. Esses são os pares fundadores de uma inicial aproximação ao controverso reino do supérfluo e do ostentatório. Toda a ética ocidental ergue-se sobre o controle ou a sublimação das paixões. É um tema fundante. Palavras-chave: ócio; virtude; prazer; bem e mal; felicidade; desejo; trabalho improdutivo. “Nosso século, que tanto fala de economia, é um esbanjador: esbanja o mais precioso, o espírito.” (NIETZSCHE, 1979, p. 177) “Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita.” (EPICURO, 2002, p. 41) “Nisso, como em outras coisas, o prazer e a arte consistem em nos abandonarmos conscientemente a essa bem-aventurada inconsciência, consentindo em sermos sutilmente mais fracos, mais leves, mais pesados e mais confusos do que nós mesmos.” (YOURCENAR, 1980, p. 25). Vanitas vanitatis / Sic transit gloria mundi 1 Quem cultiva o ócio? Quem dele vive ou por meio dele vive? Aristóteles nota em algum lugar que os escravos existem para garantir a atividade do pensamento. É da ordem das coisas. Na história, esse dolce far niente teima em desobedecer e afrontar padrões * Antonio Sergio Bichir formou-se em Ciências Sociais e Direito pela USP; é pós-graduado em Filosofia pela Unicamp e pela PUC-SP e mestre em Integração da América Latina pelo Programa de Integração Latino-Americano da USP (Prolam-USP). É professor da FAAP nas disciplinas de Ética, Metodologia Científica e Monografia. E-mail: <[email protected]>. 1 “A mais vã das vaidades” ou “Vaidade das Vaidades” / “Assim passa a glória do mundo”. O trabalho que constrói, o ócio que cansa, Antonio Sergio Bichir, p. 7-34 7 éticos e insufla o ódio e a inveja dos “simples”. Nem sempre, é verdade; mas de modo intermitente. E o ócio é o símbolo mais autêntico de uma cultura do luxo. Nele vislumbra-se algum tipo de utilidade social? Como se verá, mesmo com hesitações e algumas dúvidas, a atividade não produtiva tem uma história e deslocamentos conceituais e práticos. A formação das classes ociosas representa e ilustra notavelmente a tese do consumo conspícuo. Para Veblen (1965), o surgimento da propriedade individual e as diferenças de ocupação e de pecúnio definem o que ele denomina de classe ociosa, numa estrutura social e com uma divisão do trabalho cujo principal propósito é acalentar o gasto excessivo e supérfluo. Instrumento de poder e marca de supremacia, o conspícuo produz e reproduz as condições de permanência desse ócio em sua expressão social (enquanto classe). Com que fim? Afirmar sua opulência e emular os inferiores. Nenhuma preocupação com o aprimoramento do espírito ou com o conhecimento de si. É uma cultura entrópica. Argumento de definição: o ócio é tempo gasto em atividade não produtiva e seu sinal mais visível é o consumo conspícuo. A estirpe mais nobre de ócio é a intelectual, consagrada por Dante na figura do abade de Saint-Denis, Siger de Brabante: “Essa é a luz eterna de Siger, que ensinando na Rue du Fouarre pôs em silogismos verdades que desagradaram” 2. E o ócio dos intelectuais é igualmente improdutivo e cumpre importante função na estrutura de poder medieval: clerical, político-militar (guerreiro) e universitário: Sacerdotium, Regnum, Studium (LE GOFF, 1993). A noção de trabalho não está desvinculada da noção de punição. Desde o momento em que o homem e a mulher caíram (no imaginário cristão), receberam a punição de Deus e foram condenados a vagar na Terra e a lutar por sua sobrevivência, bem como a cavar seu sustento. São fábulas; porém, a noção de consumo conspícuo, se está distanciada do trabalho intelectual, afasta-se – ainda mais – do trabalho manual (igualmente visto como algo impróprio para as classes abastadas): “A vida ociosa, por si mesma e nas consequências, é linda e nobre aos olhos de todos os homens civilizados (...). O trabalho sempre foi aceito como o sinal convencional de força inferior e, por isso, considerado, por um processo mental de abreviação, como intrinsecamente vil” (VEBLEN, 1962, p.49-50). O que conta é a atividade (no caso improdutiva) e não as condições de produção. O intelectual produz conhecimento – seu valor de troca – e, assim, aciona a produção e o consumo de algo que serve imaterialmente à sociedade: livros, tinta, roupas, madeira, velas, pergaminhos, alimentos etc. É por essa razão – a distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual combinada à noção de ócio e consumo conspícuo – que se reconhece no papel dos intelectuais um impulso apaixonado no debate sobre o desejo e suas “artimanhas”. O poder “moderno” ama menos o excesso e mais a discrição e a insídia. Tudo que é obsceno talvez constranja e embarace porque, ao retirá-las do limbo, lança-se sobre as coisas demasiada luz e o que deve permanecer em segredo – esse elemento crucial do poder – vem à tona. Mas o luxo e o saber que é magnânimo e altivo não concedem ao anonimato, mas ao ofuscamento. Será? 2 No original: Essa è la luce eterna di Sigieri / Che, leggendo nel vico degli strami, Silloggizò indiviosi veri. Canto X, v. 135-138. A Rue du Fouarre (Vico degli Strami; beco da palha) existe até hoje, em Paris; lá a Sorbonne nasceu e lá conviviam os alunos e mestres da primeira universidade ocidental. 8 Revista de Economia & Relações Internacionais, vol.14(24), 2014 A luta pelo controle das paixões e emoções – a história moral – é antiga e sempre se deparou com fortes adversários. Por exemplo, a luta dos “puros de coração” contra toda forma de excessos carnais e materiais. A disciplina eclesiástica, porém, repousa sobre um discurso filisteu: condenam-se as fraquezas (como se não fossem “naturais”) e a propensão ao supérfluo e ao ostentatório, sem reconhecer, no entanto, que a Igreja Católica – guardiã e guia da censura universal – foi um bastião do excessivo e do pecaminoso (para operar no seu próprio campo linguístico). A busca pela luce eterna da razão (abundância do espírito?) pode muito bem conviver/acompanhar a luta pela riqueza e ostentação (abundância do corpo ou a ele associada) e ambas são condenadas por serem o que são: expressão da vaidade humana. Só há dor e tristeza no progresso do conhecimento; só há transitoriedade e vazio no progresso material. Sinuosas veredas... Em todo caso e diferentemente das virtudes intelectuais (que Aristóteles cunhava de dianoéticas para distingui-las das virtudes éticas), a atividade conspícua situa-se no terreno da ação (da práxis), o que lhe empresta um sentido bem prático, relacionado com meios e fins.